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CLÁUDIA DYBAS DA NATIVIDADE ASSIMETRIAS DE PODER NOS REGIMES INTERNACIONAIS - AS NOVAS MODALIDADES DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL AO DESENVOLVIMENTO (AJUDA MULTIBILATERAL, CONDICIONALIDADE DA AJUDA E COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA) Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Sociologia 2003

Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa

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Page 1: Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa

CLAacuteUDIA DYBAS DA NATIVIDADE

ASSIMETRIAS DE PODER NOS REGIMES INTERNACIONAIS - AS

NOVAS MODALIDADES DE COOPERACcedilAtildeO INTERNACIONAL AO

DESENVOLVIMENTO (AJUDA MULTIBILATERAL

CONDICIONALIDADE DA AJUDA E COOPERACcedilAtildeO

DESCENTRALIZADA)

Dissertaccedilatildeo de Mestrado Orientador Prof Dr Rafael Villa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute Departamento de Sociologia

2003

UFPRUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacuteSETO R DE CIEcircNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTESPROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM SOCIOLOGIARua General Carneiro 460 - 9o andar-sala 907 Fone e fax 360-5173

PARECER

Os Membros da Comissatildeo Examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociologia para realizar a arguumliccedilatildeo da Dissertaccedilatildeo da aluna CLAacuteUDIA DYBAS DA NATIVIDADE sob o tiacutetulo ldquoASSIMETRIAS DE PODER NOS REGIMES INTERNACIONAIS as novas modalidades de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (ajuda multibiiateraiacute condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada)rdquo para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre emS o c i o l o g i a a candidata com conceito ldquo 7X sendo-lhe conferidos os creacuteditos previstos na regulamentaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociologia completando assim todos os requisitos necessaacuterios para receber o Tiacutetulo de Mestre

Curitiba 18 de agosto de 2003

AGRADECIMENTOS

Escrevendo este trabalho contraiacute muitas diacutevidas de gratidatildeo Em primeiro lugar essa

gratidatildeo se dirige ao prof Dr Rafael Villa pelo apoio e confianccedila dedicados e pelo rigor

cientiacutefico com que contribuiu para a realizaccedilatildeo desse estudo

Tambeacutem gostaria de agradecer especialmente aos profs Drs Maacuterio Fuks e Nelson

Rosaacuterio de Souza pelas apropriadas consideraccedilotildees feitas na primeira leitura deste trabalho

Outro agradecimento especial deve ser feito ao prof Joseacute Miguel Rasia pelo apoio

institucional e pela ininterrupta e produtiva circulaccedilatildeo de ideacuteias que consegue promover em

suas aulas

Estendo tambeacutem meus agradecimentos aos demais professores do mestrado de

ciecircncias poliacuteticas e do mestrado em ciecircncias sociais aos quais minhas diacutevidas de gratidatildeo

seratildeo eternas O mesmo posso dizer aos funcionaacuterios do curso de mestrado que atenderam

sempre com gentileza e eficiecircncia todas as minhas inuacutemeras solicitaccedilotildees

Natildeo posso deixar de expressar minha gratidatildeo aos colegas do mestrado Claacuteudio

Gisele Lena Rita Wagner e Ivana Oacutetimos amigos

Gostaria particularmente de agradecer ao CNPq por ter proporcionada a realizaccedilatildeo

desse trabalho

Enfim e sobretudo agradeccedilo a minha famiacutelia Marcos Pedro e Leonor os quais por

muito tempo aceitaram a minha ausecircncia e me deram o suporte necessaacuterio para conseguir

cumprir este trabalho

SIGLAS UTILIZADAS

CAD - Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento

CEE - Comunidade Econocircmica Europeacuteia

FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento

ECOSOC - Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas

OCDE - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico

PNUD - Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

PVD - Paiacuteses em Vias de Desenvolvimento

ODA - Ajuda Oficial ao Desenvolvimento

FM I - Fundo Monetaacuterio Internacional

RESUMO

O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre

atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no

regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as

novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a

cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos

aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26

CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41

CAPIacuteTULO Ml

A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema

No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)

reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o

Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte

(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o

financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As

demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com

declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de

aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem

com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees

econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao

1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)

1

regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios

interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um

sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou

a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo

monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-

guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento

Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar

mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para

uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das

primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio

o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade

das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e

depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-

militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs

importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica

Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do

Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em

2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)

3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)

2

questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era

desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas

efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das

estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e

comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como

Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila

para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4

Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a

partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial

afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo

nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do

surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem

da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse

necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves

demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do

regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em

nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os

regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte

estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e

aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de

desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)

Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as

puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica

4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)

5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais

3

que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a

partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de

Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE

1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que

resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO

19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em

vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da

condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-

chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o

terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as

ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e

defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998

JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio

regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento

entre o Norte e o Sul

As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus

recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD

concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias

modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de

Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI

Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE

1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois

4

permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA

Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses

recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a

aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de

Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos

regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai

apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de

Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que

estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos

financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os

membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI

1999)

Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do

Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida

anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de

desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras

nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na

maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa

mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e

regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a

juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste

6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees

7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia

8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)

5

sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado

constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um

volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)

Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos

constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa

de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se

como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o

Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo

responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-

colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e

multilaterais dos paiacuteses industrializados

Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de

coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses

industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se

estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do

desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se

internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o

fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime

internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)

9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)

10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)

11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina

6

O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo

executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de

decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse

centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da

ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia

de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado

pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias

multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas

as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos

centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais

(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem

ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja

estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral

Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores

fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais

importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos

(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros

especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que

os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as

12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)

13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)

14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991

7

menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na

Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na

cidade de Monterrey (Meacutexico)15

As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD

Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral

condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas

no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos

anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de

decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive

dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a

completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos

como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras

(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa

noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar

um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir

intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD

Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos

facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores

(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou

maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso

15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)

17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados

8

a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de

efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando

organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de

vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os

governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias

sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades

de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento

(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos

paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante

objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas

Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo

do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a

aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da

cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado

Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas

internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute

buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em

regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que

facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984

94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas

todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais

plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da

cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria

necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como

sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas

punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso

como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais

natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros

18 No sentido beacutelico do termo

9

regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas

e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou

deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees

ainda mais graves para os atores desavantajados

Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e

constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert

Keohane19

19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten

10

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional

Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual

ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros

atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A

definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane

aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas

relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha

de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos

Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que

dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de

cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de

investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)

Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias

desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua

teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas

20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles

11

relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no

caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de

exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os

Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o

estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos

atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com

atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais

de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser

ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o

aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre

atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou

mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os

atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores

desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos

que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem

estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional

Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo

internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema

internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em

um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute

aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984

7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o

Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria

de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao

21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)

22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois

12

papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo

seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder

e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as

limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o

fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que

pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o

egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder

Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e

agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o

fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia

resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees

internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra

maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para

perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a

possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os

paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)

O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional

24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos

23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo

13

atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho

em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de

cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26

entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que

poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as

preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica

Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema

do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores

racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos

proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional

e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem

uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas

racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos

pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive

institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A

anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno

acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses

complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores

racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses

E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais

significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da

riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos

atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas

globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria

da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os

Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores

(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia

poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a

26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito

14

cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias

elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos

poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)

Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do

sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O

comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute

fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo

ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os

incentivos e com os comportamentos dos atores

A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria

de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos

realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de

manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992

466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do

sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos

noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos

comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432

MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um

estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de

27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)

28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional

29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)

15

constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees

econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da

cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees

econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de

financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que

satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da

anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho

Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados

pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos

aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os

ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados

Regimes internacionais

Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos

normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas

dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais

(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos

regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas

caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico

de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o

comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a

30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento

31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)

16

constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma

funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando

algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam

ser tratadas de modo comum

Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem

determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e

proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no

sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto

aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes

internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo

sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal

Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo

poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema

internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a

facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia

natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos

(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza

sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo

entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema

capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de

descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado

hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves

informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que

consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os

regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem

internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos

motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem

sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente

Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)

17

pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-

3)

Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de

que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e

aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos

que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida

voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os

regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais

complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento

(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando

participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira

fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista

Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e

prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees

exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do

processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de

constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)

Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores

desavantajados de pertencer a um regime internacional

Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido

criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou

consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo

ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo

voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos

primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de

examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer

constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem

diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem

ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores

mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram

realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes

18

internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas

vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que

lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores

internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de

escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores

estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem

diferentes custos de oportunidades para diferentes atores

Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades

diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no

mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas

resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos

Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma

operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito

ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se

benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades

para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras

do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca

mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-

econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais

deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma

diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as

explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis

encontram-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-

se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros

superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham

participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo

dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que

os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio

Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)

Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que

19

estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha

voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime

internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo

pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores

desavantajados

A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo

de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes

simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais

fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados

destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores

desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que

os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos

nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e

resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e

que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde

as desigualdades satildeo grandes

Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve

ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes

internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de

mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem

sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e

intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os

regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o

caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial

oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois

do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano

Marshall (DINOLFO 1994 601-29)

Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os

regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos

aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime

isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves

20

alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no

mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade

com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com

outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os

atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes

serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No

mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes

um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode

criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os

demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem

seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis

benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas

envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado

Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os

regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no

mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam

racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam

abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como

membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os

regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as

regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses

(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o

custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao

transgressor naquele ou em demais regimes

Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento

do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser

fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar

de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de

participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes

evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que

governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos

21

assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso

natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover

a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros

governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz

respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para

afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas

(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)

A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo

de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para

os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime

necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo

de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da

Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes

internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados

Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os

comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo

podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados

no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees

internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O

estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das

mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem

ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a

coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e

aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se

listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e

a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento

de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou

pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora

dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as

organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso

significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de

22

constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das

organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de

investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos

entre os atores

Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional

Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema

de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja

que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se

como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e

procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores

convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o

desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como

os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de

desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender

os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um

regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com

mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como

regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas

33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)

23

como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade

desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem

ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos

Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de

regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que

atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte

e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e

projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas

sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional

nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-

econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o

fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que

ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os

desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes

fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento

Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja

buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos

atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os

constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes

internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e

puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes

A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos

atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo

sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis

considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores

24

Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a

literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo

fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs

termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no

processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem

conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos

resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999

116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e

datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos

economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando

qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura

especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia

como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma

maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno

Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do

fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam

imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando

inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e

programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta

considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de

2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)

Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a

conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de

equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de

crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos

34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares

25

mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre

a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950

(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35

Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos

como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito

vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos

afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia

e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como

cooperaccedilatildeo

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional

ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a

sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000

TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela

teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees

privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao

Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto

35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)

36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho

26

de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais

fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas

agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro

objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento

econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos

destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de

ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)

Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e

expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as

expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo

nesse trabalho definidos como regimes internacionais

Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente

econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um

regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de

ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da

afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE

1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura

comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e

ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento

econocircmico38) (JEPMA1991)

No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda

multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que

esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que

deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA

conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da

37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional

38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)

27

Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a

uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela

prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina

28

CAPIacuteTULO II

A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo

A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir

do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi

denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma

siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees

internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados

A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de

programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante

acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e

capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO

198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos

ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral

o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em

particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a

pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo

dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que

os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido

constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses

recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE

29

1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)

teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel

de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os

fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses

doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos

destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e

a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente

um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre

paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco

Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos

multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de

consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso

capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas

atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos

anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento

(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees

sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos

O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu

comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute

os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das

atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees

sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD

diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados

pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica

(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da

39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante

30

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em

1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)

A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em

desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral

das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do

desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das

preferecircncia dos PVD

A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada

diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os

Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse

dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas

garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em

desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de

decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender

porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas

vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte

destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator

tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida

pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa

aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees

dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo

multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a

cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade

da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral

claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses

doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD

ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das

31

poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela

econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em

desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos

Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais

dos Estados doadores

Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das

organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de

financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram

encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea

das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)

assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento

para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros

Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades

de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa

anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o

Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior

parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o

cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A

ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos

economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das

organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da

ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos

fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que

40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)

45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)

32

alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)

(BASILE 1995 63)42

As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas

depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se

efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados

(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de

recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas

efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem

econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento

que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses

doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD

amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo

2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees

internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD)

Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo

de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores

(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram

que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos

podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As

foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus

repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo

econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82

destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747

milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a

Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a

42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)

33

aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos

incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de

comportamento desse organismo

Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da

concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades

(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses

Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das

organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos

custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que

imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)

Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das

organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse

econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que

esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo

multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees

internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das

alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das

tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente

concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi

encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso

resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua

evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar

os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais

As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos

importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal

regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como

constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos

34

cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria

loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido

que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de

flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute

no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento

representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam

substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute

serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo

Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses

doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas

organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem

institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio

para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da

Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao

procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas

possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A

parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no

Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-

sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do

custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees

internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente

nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais

fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas

foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos

35

recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -

e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos

processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo

de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA

multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros

organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu

de Desenvolvimento (FED)

A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir

da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas

transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam

consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda

Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos

sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos

paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo

- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao

estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo

mais equilibrada dos recursos internacionais

Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em

uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais

eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees

internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os

paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a

automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao

43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA

44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)

4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970

36

desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996

94-5)

Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de

projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma

garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)

O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de

recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico

(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada

justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de

financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento

mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por

constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o

estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres

As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual

miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo

eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos

Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses

industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA

(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs

nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos

ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do

PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI

1998 123)

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em

desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como

financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses

doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente

46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo

37

Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo

de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de

fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os

paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O

fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento

na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os

paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos

setenta

As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD

As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses

comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram

introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da

proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica

aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da

Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da

resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o

Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que

ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER

1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo

permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual

satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das

Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda

vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era

categoricamente proibida47

Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das

diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada

47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)

38

organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos

(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos

quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe

uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia

Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da

autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral

A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos

seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria

responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas

resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido

autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado

autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades

operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens

proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso

significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia

financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das

categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)

Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp

HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de

autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da

regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o

proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da

compra de seus bens e serviccedilos

Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina

que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art

48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas

49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

39

105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras

de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a

manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e

realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)

a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio

para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a

11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a

praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral

Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da

Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve

normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e

serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios

paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e

serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a

realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de

julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de

execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees

totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp

HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais

Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz

respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a

execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na

maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para

cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo

vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas

e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao

ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles

50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

40

indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave

fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de

providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o

Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes

uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa

hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em

razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o

recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias

regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente

grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais

acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo

o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto

especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos

especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs

que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na

administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de

pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu

apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais

transparentes de controle (TAVARES 1999)

Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)

No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas

dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga

o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a

participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de

52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento

41

confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees

em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de

projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts

Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing

e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para

realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD

bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte

Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se

em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o

destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-

sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e

tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de

desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional

Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um

custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em

conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O

PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de

projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como

Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na

totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista

de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois

5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo

55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento

42

financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos

como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral

O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele

estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos

deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia

como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que

acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos

revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os

custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo

financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos

(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas

nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar

ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados

como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores

industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados

beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes

Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos

nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD

Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de

financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse

mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a

assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte

por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute

evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode

livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar

O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as

prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir

os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos

entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove

consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing

43

submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo

aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de

interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre

setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a

acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas

exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para

os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado

nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o

third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda

vinculada

O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos

divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da

modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos

ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO

ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que

passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as

atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente

chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase

que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa

decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos

administrados pelo PNUD na regiatildeo

Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e

projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400

milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de

recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram

utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram

recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)

No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos

programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de

1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

44

desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-

sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em

programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a

totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-

5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo

contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se

considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de

recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos

analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores

(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos

privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram

espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado

que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais

Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague

praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como

fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de

diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de

credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar

acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode

ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes

internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma

garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos

provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar

que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um

oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos

de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave

condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um

Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos

institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos

externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-

45

sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves

grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras

organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo

se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a

Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de

desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas

organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas

seminaacuterios) (ABC)56

A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias

tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os

atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da

cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que

dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional

bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes

Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da

condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-

poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses

recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de

empreacutestimos internacionais

56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)

46

CAPIacuteTULO m

A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos

No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de

uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees

impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa

de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo

estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos

anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde

entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e

constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em

vias de desenvolvimento

A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno

que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de

desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas

sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON

1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os

autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito

destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca

como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as

populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que

subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas

pela ajuda oficial ao desenvolvimento

Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a

condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um

47

melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os

govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas

poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados

iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte

dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias

multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do

que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda

mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de

imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais

pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)

A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua

aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso

da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro

do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses

doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de

desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas

locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz

respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade

eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das

populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais

pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees

do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram

pressotildees em vaacuterios niacuteveis

Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e

empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco

Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade

dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere

48

apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem

intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de

mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo

anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo

O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores

aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram

modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os

proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD

(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos

problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande

atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da

ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam

mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo

(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e

condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um

corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses

recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de

1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto

57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)

58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site

59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL

49

Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE

e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais

novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma

agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento

buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO

ECONOcircMICO OCDE1975)60

O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976

quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)

receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento

devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees

mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos

financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema

anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande

transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos

setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees

poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma

ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do

descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica

inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de

suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de

suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser

transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento

Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e

tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das

necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de

60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)

61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros

50

aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e

programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de

desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do

regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos

criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou

inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em

desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses

pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos

possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na

medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em

desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos

foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do

novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses

industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias

questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os

novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e

condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma

dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-

cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a

maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)

62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)

6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)

51

A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada

como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor

da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)

passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma

necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como

situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as

investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as

relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na

investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas

desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)

Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado

deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos

PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo

mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos

desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE

1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir

diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da

condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos

fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas

pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos

constrangimentos impostos a estes paiacuteses

A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais

64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)

52

A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta

quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de

promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton

Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio

anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse

o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)

A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise

econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem

retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem

econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA

COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD

seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-

Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL

CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho

65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)

66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)

67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)

53

Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento

poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais

definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do

mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha

e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de

desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os

temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j

A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos

como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes

de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia

Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos

paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava

seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos

investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta

natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses

desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto

econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer

afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o

68

68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)

69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional

70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)

54

discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos

temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul

Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA

contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda

internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na

agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo

financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes

nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)

Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da

OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida

favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as

necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao

narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do

sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o

desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a

corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo

de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo

de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam

tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial

O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que

os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e

a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)

tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades

de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os

seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas

setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente

71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo

55

responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O

uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos

que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os

mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas

Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos

oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica

mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo

emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se

alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito

uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha

sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de

seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante

ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram

a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise

da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia

de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados

pela crise da diacutevida

Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do

desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as

dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram

um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de

desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da

cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em

desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional

deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem

de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam

cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante

liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da

crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)

56

A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos

regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de

deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu

uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de

ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de

pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de

condicionalidade para os institutos financeiros

As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)

(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e

do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL

(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a

possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave

execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos

a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em

diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo

desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves

balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)

72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility

73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991

74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses

57

A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro

que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods

seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem

econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como

objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo

das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja

continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses

tinham uma raiz intema

A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave

manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O

uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado

simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave

utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos

recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter

facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam

os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem

mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem

disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento

de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor

Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso

da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa

de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise

Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os

institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos

ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir

de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do

processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas

mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias

serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos

privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de

58

5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991

(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996

13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep

em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os

PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de

desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como

decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional

e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse

interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para

financiar seus processos de desenvolvimento

O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a

manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes

internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e

a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido

utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que

ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os

paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE

1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo

do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos

repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas

Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos

provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental

Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de

mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte

dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e

com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas

internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25

bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35

dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela

59

Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha

Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS

2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que

as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas

natildeo pode ser tomada como ocasional

Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute

lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de

interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye

raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas

desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)

Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente

favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob

uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista

poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores

Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield

identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75

Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos

PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos

setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito

diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico

decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as

intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as

poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela

forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno

natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido

73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual

60

pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER

amp KEOHANE 19964)

Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos

quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo

dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento

a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de

condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos

custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela

ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque

mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses

centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute

mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10)

Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter

ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos

investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as

intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise

aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os

sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para

a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre

o mercado financeiro privado e os institutos financeiros

Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos

dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de

restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros

os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD

fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel

atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais

70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)

61

teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos

mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos

que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse

modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade

insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses

garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes

recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o

economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos

empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a

possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo

econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a

concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77

A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos

financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em

desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da

condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados

determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59

em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336

para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em

1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do

CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em

percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais

privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa

a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7

77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)

62

(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente

a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico

(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)

Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os

capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as

poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados

aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade

nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural

nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado

A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e

da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)

entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela

como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos

desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da

diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento

por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de

efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses

europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees

sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton

Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os

atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha

dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da

Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de

fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de

Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)

Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em

desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de

cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses

desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

63

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA

COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo

No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se

apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o

fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um

conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo

mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um

fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento

Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos

(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito

mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue

assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78

Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo

que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos

Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do

regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo

7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)

64

descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos

paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)

Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no

setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo

descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA

disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente

destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em

parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para

organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos

doadores (BASILE 1995)

A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais

polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a

cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre

a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso

porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a

posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais

no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo

muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas

em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute

vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma

espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-

estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio

de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das

populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o

ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os

direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros

introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em

65

vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo

Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo

anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda

humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os

direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor

natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar

que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia

condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados

nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma

incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de

cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda

Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um

verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI

19982000)

Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores

quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema

da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA

atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo

dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as

ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De

fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento

para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a

apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada

Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave

modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional

ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais

podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de

maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo

descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees

66

positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que

as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se

colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a

funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas

dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)

0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada

Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada

teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia

estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo

Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da

cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de

1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem

com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime

internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80

Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e

energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses

(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as

80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)

81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas

67

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da

bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo

estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para

que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de

assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-

interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que

os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar

financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades

comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83

Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo

do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi

permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos

recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar

integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de

Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as

as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP

82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento

83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)

84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)

68

ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto

pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses

membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da

introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer

parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo

existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos

Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da

Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as

ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando

atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes

(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a

Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias

privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta

Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na

Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot

Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le

Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem

nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a

formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das

ONGs (CECCHI 1995)

A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie

de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos

Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no

setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees

econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE

1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como

dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem

agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em

85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)

69

consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela

(KEOHANE 1984 123)

Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos

impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um

fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente

produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes

atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de

Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento

exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria

Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o

Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em

1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute

eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs

internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA

alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo

Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500

(TAVARES 1999)

Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de

cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de

atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse

inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas

iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de

desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde

a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI

86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione

87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP

70

1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma

funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses

industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em

desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de

suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)

O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as

ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte

Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime

ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em

desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE

DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a

Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo

de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)

(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos

anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Econocircmico em 1981)

De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo

descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de

necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma

limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais

setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON

1999)

Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no

mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior

como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos

fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava

Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo

internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como

afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades

88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)

71

pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente

Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a

expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos

paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia

humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e

nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS

2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem

fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a

ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos

Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da

Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em

um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em

desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais

favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)

Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima

contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura

investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs

internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode

nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no

setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas

Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do

capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a

Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre

1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados

em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus

destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que

mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse

89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos

90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)

72

tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O

autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel

porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida

externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos

previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com

fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da

economia destes paiacuteses

Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela

Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo

descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de

condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a

realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que

utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)

Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-

se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao

Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar

as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD

1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-

geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor

de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a

informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o

Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91

Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada

pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado

garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em

vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais

facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos

91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)

73

Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a

Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses

europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para

esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom

relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo

das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute

um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a

possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento

Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em

vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional

Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova

Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor

medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer

momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de

ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da

discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo

descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de

governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm

servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois

suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade

Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais

Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a

falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos

utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as

quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em

mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por

92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000

74

estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente

identificadas com estes atores (TAVARES 1999)

As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada

As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da

cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda

internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e

de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento

humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em

uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos

recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os

instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado

muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)

Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na

maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas

sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com

organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os

potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados

a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis

ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada

como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no

exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)

93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor

75

Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave

percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA

devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A

segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem

fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade

associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de

desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento

parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas

populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de

sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da

manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa

Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da

cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda

Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as

pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94

A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade

Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa

dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes

uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses

desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do

Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias

como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das

poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas

poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a

incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos

94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)

76

governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva

histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute

em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma

afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem

atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards

(COOPER amp PACKHARD 1997)

A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos

de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro

mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado

no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992

devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias

das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos

que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees

contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento

poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good

governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a

apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD

de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento

essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da

vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves

populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da

governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses

desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na

noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos

paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores

bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a

posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento

77

do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo

direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus

proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus

objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de

desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos

tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo

governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do

FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute

mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente

costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER

ACP-EU 2002 l)95

A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes

interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que

no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a

mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes

recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves

contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem

utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para

realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga

medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que

passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990

(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs

e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa

extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos

governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e

controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith

(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar

com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio

95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias

78

financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua

composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas

para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)

Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar

autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo

de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da

assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla

possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas

A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um

incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo

como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do

Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees

declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado

o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento

descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento

sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente

tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE

amp HARRISON 1998)

O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que

essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que

era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade

produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das

poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da

introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem

96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2

97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml

79

sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de

eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de

mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal

teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as

populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse

tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos

paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento

Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a

partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo

permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e

que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as

ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a

participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses

parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos

Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -

a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para

conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do

pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de

mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que

pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo

apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo

descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os

governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente

percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON

9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta

99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)

80

1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD

de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta

fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso

pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de

fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se

encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA

cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para

empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de

influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo

Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as

anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo

cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores

se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-

administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos

defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo

democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)

Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais

Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro

eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos

anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos

do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo

aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O

segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs

internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como

agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos

A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs

internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das

aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de

81

Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em

paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os

projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e

social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para

a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas

secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres

desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas

educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100

Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os

estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no

capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos

pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o

equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash

TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a

representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz

respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados

individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos

oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as

ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo

a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao

desenvolvimento atraveacutes das ONGs

Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e

podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da

cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da

cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial

atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999

luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4

K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)

82

TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das

Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho

Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas

em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda

humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)

satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas

junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103

(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as

demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia

governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em

acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos

lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de

ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos

governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as

ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)

Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm

caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio

regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo

aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de

102

102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)

103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos

83

decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em

desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de

que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem

escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter

informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais

limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo

de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se

expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm

reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um

relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar

ao leitor (PEREIRA 1997 167)

Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas

como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos

financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns

estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das

ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se

diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de

atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta

tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo

que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours

acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de

intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de

projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa

ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram

impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo

La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute

agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs

nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem

identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a

serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de

84

tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da

ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas

propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma

quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)

Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute

que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees

humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em

desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas

institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo

de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e

com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados

natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado

como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as

populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por

seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios

nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo

cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses

desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos

paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais

centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as

populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias

de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais

de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam

inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas

puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de

opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos

aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a

questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)

104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)

85

averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas

269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que

70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja

realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)

Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel

que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada

como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA

Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de

fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos

lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs

e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs

internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias

representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda

natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso

Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia

representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando

desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade

relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais

lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das

ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs

podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A

segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos

favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser

atendidas (TAVARES 1999)

Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar

que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita

que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas

competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo

irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos

a desvios de verba e a incompetecircncia

86

0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de

desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em

vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de

desenvolvimento

A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente

participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada

vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do

regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que

natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de

interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de

uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados

Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem

nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o

voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao

setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores

pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da

cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados

(JAHIER 2000 211-23)

87

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e

estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada

pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal

de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema

Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao

Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em

suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais

respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de

armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994

33)

Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta

porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no

cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas

internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas

somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se

estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila

Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre

paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a

retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do

estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e

agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os

problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos

setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da

diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma

agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as

questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia

88

estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da

apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis

aos interesses dos atores avantajados

Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas

agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas

a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em

relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute

que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees

que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais

especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante

O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses

do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando

maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas

Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas

primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos

mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o

fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do

regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento

de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores

desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico

Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees

particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos

cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -

Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos

Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como

causas destes problemas

A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a

anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores

89

avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta

pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar

nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de

arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que

percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta

pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades

humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia

nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees

entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento

Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo

empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional

as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento

dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF

1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado

que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de

crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece

tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que

foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra

Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo

internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um

dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as

assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais

Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo

internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir

das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por

problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso

A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do

Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de

90

alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha

ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram

negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi

tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras

com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de

ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem

ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos

intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods

Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional

com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de

salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram

suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton

Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo

explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos

os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode

ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes

poliacuteticos) os atores que constituem esse regime

Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de

orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de

setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a

cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado

internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo

orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a

expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais

(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como

administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)

Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas

da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a

processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos

91

Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de

conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de

fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul

afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do

estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento

Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees

atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas

92

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Page 2: Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa

UFPRUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacuteSETO R DE CIEcircNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTESPROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM SOCIOLOGIARua General Carneiro 460 - 9o andar-sala 907 Fone e fax 360-5173

PARECER

Os Membros da Comissatildeo Examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociologia para realizar a arguumliccedilatildeo da Dissertaccedilatildeo da aluna CLAacuteUDIA DYBAS DA NATIVIDADE sob o tiacutetulo ldquoASSIMETRIAS DE PODER NOS REGIMES INTERNACIONAIS as novas modalidades de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (ajuda multibiiateraiacute condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada)rdquo para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre emS o c i o l o g i a a candidata com conceito ldquo 7X sendo-lhe conferidos os creacuteditos previstos na regulamentaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociologia completando assim todos os requisitos necessaacuterios para receber o Tiacutetulo de Mestre

Curitiba 18 de agosto de 2003

AGRADECIMENTOS

Escrevendo este trabalho contraiacute muitas diacutevidas de gratidatildeo Em primeiro lugar essa

gratidatildeo se dirige ao prof Dr Rafael Villa pelo apoio e confianccedila dedicados e pelo rigor

cientiacutefico com que contribuiu para a realizaccedilatildeo desse estudo

Tambeacutem gostaria de agradecer especialmente aos profs Drs Maacuterio Fuks e Nelson

Rosaacuterio de Souza pelas apropriadas consideraccedilotildees feitas na primeira leitura deste trabalho

Outro agradecimento especial deve ser feito ao prof Joseacute Miguel Rasia pelo apoio

institucional e pela ininterrupta e produtiva circulaccedilatildeo de ideacuteias que consegue promover em

suas aulas

Estendo tambeacutem meus agradecimentos aos demais professores do mestrado de

ciecircncias poliacuteticas e do mestrado em ciecircncias sociais aos quais minhas diacutevidas de gratidatildeo

seratildeo eternas O mesmo posso dizer aos funcionaacuterios do curso de mestrado que atenderam

sempre com gentileza e eficiecircncia todas as minhas inuacutemeras solicitaccedilotildees

Natildeo posso deixar de expressar minha gratidatildeo aos colegas do mestrado Claacuteudio

Gisele Lena Rita Wagner e Ivana Oacutetimos amigos

Gostaria particularmente de agradecer ao CNPq por ter proporcionada a realizaccedilatildeo

desse trabalho

Enfim e sobretudo agradeccedilo a minha famiacutelia Marcos Pedro e Leonor os quais por

muito tempo aceitaram a minha ausecircncia e me deram o suporte necessaacuterio para conseguir

cumprir este trabalho

SIGLAS UTILIZADAS

CAD - Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento

CEE - Comunidade Econocircmica Europeacuteia

FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento

ECOSOC - Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas

OCDE - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico

PNUD - Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

PVD - Paiacuteses em Vias de Desenvolvimento

ODA - Ajuda Oficial ao Desenvolvimento

FM I - Fundo Monetaacuterio Internacional

RESUMO

O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre

atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no

regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as

novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a

cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos

aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26

CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41

CAPIacuteTULO Ml

A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema

No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)

reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o

Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte

(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o

financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As

demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com

declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de

aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem

com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees

econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao

1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)

1

regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios

interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um

sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou

a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo

monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-

guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento

Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar

mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para

uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das

primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio

o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade

das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e

depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-

militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs

importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica

Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do

Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em

2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)

3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)

2

questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era

desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas

efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das

estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e

comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como

Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila

para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4

Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a

partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial

afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo

nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do

surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem

da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse

necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves

demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do

regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em

nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os

regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte

estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e

aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de

desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)

Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as

puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica

4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)

5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais

3

que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a

partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de

Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE

1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que

resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO

19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em

vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da

condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-

chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o

terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as

ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e

defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998

JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio

regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento

entre o Norte e o Sul

As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus

recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD

concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias

modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de

Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI

Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE

1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois

4

permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA

Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses

recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a

aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de

Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos

regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai

apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de

Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que

estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos

financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os

membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI

1999)

Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do

Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida

anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de

desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras

nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na

maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa

mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e

regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a

juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste

6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees

7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia

8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)

5

sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado

constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um

volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)

Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos

constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa

de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se

como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o

Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo

responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-

colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e

multilaterais dos paiacuteses industrializados

Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de

coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses

industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se

estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do

desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se

internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o

fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime

internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)

9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)

10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)

11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina

6

O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo

executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de

decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse

centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da

ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia

de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado

pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias

multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas

as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos

centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais

(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem

ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja

estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral

Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores

fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais

importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos

(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros

especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que

os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as

12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)

13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)

14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991

7

menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na

Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na

cidade de Monterrey (Meacutexico)15

As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD

Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral

condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas

no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos

anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de

decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive

dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a

completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos

como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras

(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa

noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar

um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir

intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD

Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos

facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores

(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou

maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso

15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)

17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados

8

a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de

efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando

organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de

vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os

governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias

sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades

de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento

(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos

paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante

objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas

Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo

do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a

aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da

cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado

Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas

internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute

buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em

regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que

facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984

94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas

todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais

plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da

cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria

necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como

sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas

punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso

como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais

natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros

18 No sentido beacutelico do termo

9

regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas

e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou

deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees

ainda mais graves para os atores desavantajados

Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e

constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert

Keohane19

19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten

10

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional

Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual

ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros

atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A

definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane

aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas

relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha

de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos

Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que

dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de

cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de

investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)

Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias

desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua

teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas

20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles

11

relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no

caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de

exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os

Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o

estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos

atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com

atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais

de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser

ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o

aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre

atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou

mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os

atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores

desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos

que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem

estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional

Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo

internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema

internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em

um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute

aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984

7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o

Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria

de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao

21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)

22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois

12

papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo

seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder

e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as

limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o

fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que

pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o

egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder

Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e

agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o

fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia

resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees

internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra

maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para

perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a

possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os

paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)

O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional

24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos

23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo

13

atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho

em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de

cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26

entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que

poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as

preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica

Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema

do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores

racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos

proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional

e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem

uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas

racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos

pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive

institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A

anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno

acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses

complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores

racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses

E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais

significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da

riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos

atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas

globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria

da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os

Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores

(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia

poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a

26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito

14

cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias

elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos

poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)

Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do

sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O

comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute

fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo

ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os

incentivos e com os comportamentos dos atores

A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria

de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos

realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de

manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992

466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do

sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos

noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos

comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432

MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um

estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de

27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)

28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional

29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)

15

constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees

econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da

cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees

econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de

financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que

satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da

anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho

Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados

pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos

aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os

ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados

Regimes internacionais

Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos

normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas

dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais

(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos

regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas

caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico

de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o

comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a

30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento

31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)

16

constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma

funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando

algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam

ser tratadas de modo comum

Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem

determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e

proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no

sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto

aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes

internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo

sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal

Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo

poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema

internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a

facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia

natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos

(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza

sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo

entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema

capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de

descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado

hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves

informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que

consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os

regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem

internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos

motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem

sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente

Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)

17

pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-

3)

Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de

que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e

aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos

que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida

voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os

regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais

complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento

(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando

participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira

fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista

Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e

prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees

exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do

processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de

constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)

Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores

desavantajados de pertencer a um regime internacional

Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido

criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou

consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo

ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo

voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos

primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de

examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer

constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem

diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem

ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores

mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram

realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes

18

internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas

vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que

lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores

internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de

escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores

estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem

diferentes custos de oportunidades para diferentes atores

Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades

diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no

mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas

resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos

Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma

operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito

ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se

benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades

para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras

do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca

mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-

econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais

deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma

diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as

explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis

encontram-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-

se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros

superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham

participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo

dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que

os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio

Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)

Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que

19

estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha

voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime

internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo

pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores

desavantajados

A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo

de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes

simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais

fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados

destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores

desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que

os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos

nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e

resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e

que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde

as desigualdades satildeo grandes

Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve

ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes

internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de

mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem

sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e

intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os

regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o

caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial

oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois

do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano

Marshall (DINOLFO 1994 601-29)

Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os

regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos

aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime

isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves

20

alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no

mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade

com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com

outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os

atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes

serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No

mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes

um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode

criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os

demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem

seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis

benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas

envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado

Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os

regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no

mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam

racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam

abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como

membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os

regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as

regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses

(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o

custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao

transgressor naquele ou em demais regimes

Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento

do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser

fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar

de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de

participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes

evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que

governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos

21

assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso

natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover

a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros

governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz

respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para

afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas

(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)

A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo

de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para

os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime

necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo

de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da

Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes

internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados

Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os

comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo

podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados

no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees

internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O

estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das

mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem

ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a

coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e

aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se

listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e

a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento

de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou

pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora

dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as

organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso

significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de

22

constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das

organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de

investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos

entre os atores

Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional

Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema

de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja

que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se

como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e

procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores

convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o

desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como

os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de

desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender

os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um

regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com

mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como

regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas

33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)

23

como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade

desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem

ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos

Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de

regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que

atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte

e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e

projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas

sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional

nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-

econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o

fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que

ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os

desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes

fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento

Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja

buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos

atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os

constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes

internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e

puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes

A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos

atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo

sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis

considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores

24

Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a

literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo

fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs

termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no

processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem

conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos

resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999

116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e

datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos

economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando

qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura

especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia

como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma

maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno

Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do

fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam

imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando

inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e

programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta

considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de

2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)

Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a

conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de

equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de

crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos

34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares

25

mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre

a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950

(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35

Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos

como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito

vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos

afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia

e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como

cooperaccedilatildeo

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional

ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a

sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000

TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela

teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees

privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao

Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto

35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)

36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho

26

de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais

fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas

agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro

objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento

econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos

destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de

ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)

Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e

expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as

expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo

nesse trabalho definidos como regimes internacionais

Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente

econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um

regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de

ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da

afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE

1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura

comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e

ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento

econocircmico38) (JEPMA1991)

No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda

multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que

esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que

deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA

conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da

37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional

38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)

27

Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a

uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela

prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina

28

CAPIacuteTULO II

A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo

A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir

do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi

denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma

siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees

internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados

A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de

programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante

acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e

capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO

198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos

ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral

o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em

particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a

pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo

dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que

os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido

constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses

recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE

29

1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)

teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel

de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os

fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses

doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos

destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e

a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente

um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre

paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco

Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos

multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de

consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso

capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas

atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos

anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento

(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees

sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos

O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu

comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute

os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das

atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees

sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD

diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados

pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica

(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da

39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante

30

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em

1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)

A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em

desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral

das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do

desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das

preferecircncia dos PVD

A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada

diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os

Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse

dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas

garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em

desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de

decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender

porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas

vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte

destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator

tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida

pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa

aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees

dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo

multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a

cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade

da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral

claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses

doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD

ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das

31

poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela

econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em

desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos

Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais

dos Estados doadores

Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das

organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de

financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram

encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea

das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)

assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento

para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros

Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades

de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa

anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o

Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior

parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o

cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A

ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos

economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das

organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da

ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos

fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que

40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)

45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)

32

alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)

(BASILE 1995 63)42

As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas

depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se

efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados

(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de

recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas

efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem

econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento

que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses

doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD

amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo

2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees

internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD)

Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo

de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores

(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram

que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos

podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As

foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus

repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo

econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82

destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747

milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a

Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a

42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)

33

aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos

incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de

comportamento desse organismo

Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da

concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades

(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses

Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das

organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos

custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que

imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)

Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das

organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse

econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que

esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo

multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees

internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das

alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das

tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente

concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi

encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso

resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua

evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar

os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais

As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos

importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal

regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como

constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos

34

cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria

loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido

que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de

flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute

no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento

representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam

substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute

serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo

Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses

doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas

organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem

institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio

para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da

Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao

procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas

possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A

parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no

Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-

sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do

custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees

internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente

nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais

fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas

foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos

35

recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -

e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos

processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo

de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA

multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros

organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu

de Desenvolvimento (FED)

A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir

da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas

transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam

consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda

Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos

sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos

paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo

- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao

estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo

mais equilibrada dos recursos internacionais

Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em

uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais

eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees

internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os

paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a

automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao

43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA

44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)

4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970

36

desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996

94-5)

Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de

projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma

garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)

O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de

recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico

(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada

justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de

financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento

mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por

constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o

estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres

As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual

miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo

eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos

Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses

industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA

(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs

nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos

ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do

PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI

1998 123)

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em

desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como

financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses

doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente

46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo

37

Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo

de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de

fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os

paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O

fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento

na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os

paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos

setenta

As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD

As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses

comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram

introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da

proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica

aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da

Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da

resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o

Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que

ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER

1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo

permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual

satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das

Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda

vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era

categoricamente proibida47

Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das

diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada

47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)

38

organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos

(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos

quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe

uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia

Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da

autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral

A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos

seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria

responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas

resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido

autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado

autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades

operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens

proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso

significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia

financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das

categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)

Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp

HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de

autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da

regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o

proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da

compra de seus bens e serviccedilos

Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina

que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art

48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas

49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

39

105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras

de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a

manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e

realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)

a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio

para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a

11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a

praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral

Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da

Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve

normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e

serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios

paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e

serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a

realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de

julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de

execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees

totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp

HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais

Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz

respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a

execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na

maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para

cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo

vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas

e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao

ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles

50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

40

indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave

fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de

providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o

Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes

uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa

hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em

razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o

recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias

regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente

grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais

acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo

o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto

especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos

especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs

que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na

administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de

pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu

apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais

transparentes de controle (TAVARES 1999)

Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)

No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas

dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga

o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a

participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de

52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento

41

confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees

em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de

projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts

Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing

e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para

realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD

bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte

Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se

em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o

destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-

sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e

tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de

desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional

Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um

custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em

conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O

PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de

projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como

Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na

totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista

de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois

5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo

55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento

42

financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos

como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral

O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele

estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos

deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia

como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que

acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos

revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os

custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo

financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos

(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas

nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar

ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados

como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores

industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados

beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes

Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos

nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD

Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de

financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse

mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a

assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte

por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute

evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode

livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar

O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as

prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir

os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos

entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove

consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing

43

submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo

aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de

interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre

setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a

acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas

exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para

os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado

nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o

third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda

vinculada

O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos

divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da

modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos

ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO

ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que

passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as

atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente

chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase

que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa

decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos

administrados pelo PNUD na regiatildeo

Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e

projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400

milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de

recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram

utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram

recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)

No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos

programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de

1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

44

desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-

sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em

programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a

totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-

5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo

contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se

considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de

recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos

analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores

(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos

privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram

espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado

que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais

Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague

praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como

fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de

diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de

credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar

acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode

ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes

internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma

garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos

provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar

que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um

oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos

de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave

condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um

Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos

institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos

externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-

45

sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves

grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras

organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo

se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a

Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de

desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas

organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas

seminaacuterios) (ABC)56

A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias

tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os

atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da

cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que

dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional

bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes

Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da

condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-

poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses

recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de

empreacutestimos internacionais

56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)

46

CAPIacuteTULO m

A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos

No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de

uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees

impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa

de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo

estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos

anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde

entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e

constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em

vias de desenvolvimento

A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno

que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de

desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas

sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON

1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os

autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito

destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca

como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as

populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que

subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas

pela ajuda oficial ao desenvolvimento

Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a

condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um

47

melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os

govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas

poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados

iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte

dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias

multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do

que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda

mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de

imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais

pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)

A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua

aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso

da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro

do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses

doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de

desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas

locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz

respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade

eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das

populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais

pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees

do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram

pressotildees em vaacuterios niacuteveis

Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e

empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco

Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade

dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere

48

apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem

intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de

mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo

anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo

O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores

aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram

modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os

proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD

(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos

problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande

atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da

ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam

mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo

(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e

condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um

corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses

recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de

1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto

57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)

58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site

59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL

49

Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE

e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais

novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma

agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento

buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO

ECONOcircMICO OCDE1975)60

O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976

quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)

receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento

devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees

mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos

financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema

anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande

transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos

setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees

poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma

ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do

descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica

inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de

suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de

suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser

transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento

Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e

tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das

necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de

60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)

61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros

50

aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e

programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de

desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do

regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos

criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou

inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em

desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses

pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos

possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na

medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em

desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos

foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do

novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses

industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias

questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os

novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e

condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma

dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-

cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a

maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)

62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)

6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)

51

A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada

como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor

da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)

passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma

necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como

situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as

investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as

relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na

investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas

desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)

Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado

deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos

PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo

mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos

desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE

1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir

diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da

condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos

fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas

pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos

constrangimentos impostos a estes paiacuteses

A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais

64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)

52

A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta

quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de

promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton

Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio

anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse

o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)

A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise

econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem

retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem

econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA

COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD

seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-

Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL

CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho

65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)

66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)

67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)

53

Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento

poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais

definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do

mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha

e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de

desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os

temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j

A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos

como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes

de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia

Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos

paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava

seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos

investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta

natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses

desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto

econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer

afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o

68

68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)

69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional

70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)

54

discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos

temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul

Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA

contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda

internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na

agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo

financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes

nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)

Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da

OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida

favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as

necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao

narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do

sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o

desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a

corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo

de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo

de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam

tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial

O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que

os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e

a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)

tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades

de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os

seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas

setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente

71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo

55

responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O

uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos

que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os

mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas

Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos

oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica

mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo

emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se

alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito

uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha

sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de

seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante

ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram

a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise

da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia

de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados

pela crise da diacutevida

Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do

desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as

dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram

um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de

desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da

cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em

desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional

deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem

de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam

cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante

liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da

crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)

56

A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos

regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de

deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu

uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de

ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de

pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de

condicionalidade para os institutos financeiros

As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)

(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e

do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL

(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a

possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave

execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos

a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em

diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo

desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves

balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)

72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility

73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991

74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses

57

A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro

que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods

seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem

econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como

objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo

das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja

continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses

tinham uma raiz intema

A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave

manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O

uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado

simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave

utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos

recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter

facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam

os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem

mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem

disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento

de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor

Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso

da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa

de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise

Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os

institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos

ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir

de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do

processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas

mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias

serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos

privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de

58

5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991

(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996

13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep

em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os

PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de

desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como

decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional

e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse

interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para

financiar seus processos de desenvolvimento

O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a

manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes

internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e

a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido

utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que

ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os

paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE

1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo

do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos

repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas

Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos

provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental

Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de

mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte

dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e

com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas

internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25

bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35

dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela

59

Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha

Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS

2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que

as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas

natildeo pode ser tomada como ocasional

Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute

lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de

interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye

raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas

desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)

Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente

favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob

uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista

poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores

Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield

identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75

Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos

PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos

setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito

diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico

decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as

intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as

poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela

forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno

natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido

73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual

60

pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER

amp KEOHANE 19964)

Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos

quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo

dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento

a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de

condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos

custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela

ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque

mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses

centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute

mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10)

Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter

ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos

investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as

intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise

aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os

sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para

a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre

o mercado financeiro privado e os institutos financeiros

Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos

dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de

restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros

os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD

fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel

atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais

70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)

61

teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos

mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos

que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse

modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade

insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses

garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes

recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o

economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos

empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a

possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo

econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a

concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77

A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos

financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em

desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da

condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados

determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59

em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336

para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em

1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do

CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em

percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais

privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa

a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7

77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)

62

(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente

a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico

(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)

Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os

capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as

poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados

aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade

nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural

nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado

A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e

da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)

entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela

como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos

desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da

diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento

por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de

efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses

europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees

sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton

Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os

atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha

dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da

Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de

fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de

Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)

Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em

desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de

cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses

desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

63

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA

COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo

No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se

apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o

fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um

conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo

mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um

fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento

Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos

(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito

mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue

assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78

Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo

que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos

Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do

regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo

7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)

64

descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos

paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)

Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no

setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo

descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA

disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente

destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em

parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para

organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos

doadores (BASILE 1995)

A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais

polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a

cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre

a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso

porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a

posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais

no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo

muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas

em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute

vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma

espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-

estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio

de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das

populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o

ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os

direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros

introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em

65

vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo

Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo

anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda

humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os

direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor

natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar

que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia

condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados

nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma

incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de

cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda

Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um

verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI

19982000)

Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores

quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema

da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA

atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo

dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as

ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De

fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento

para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a

apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada

Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave

modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional

ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais

podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de

maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo

descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees

66

positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que

as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se

colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a

funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas

dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)

0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada

Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada

teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia

estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo

Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da

cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de

1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem

com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime

internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80

Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e

energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses

(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as

80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)

81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas

67

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da

bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo

estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para

que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de

assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-

interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que

os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar

financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades

comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83

Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo

do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi

permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos

recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar

integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de

Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as

as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP

82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento

83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)

84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)

68

ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto

pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses

membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da

introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer

parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo

existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos

Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da

Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as

ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando

atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes

(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a

Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias

privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta

Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na

Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot

Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le

Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem

nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a

formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das

ONGs (CECCHI 1995)

A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie

de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos

Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no

setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees

econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE

1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como

dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem

agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em

85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)

69

consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela

(KEOHANE 1984 123)

Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos

impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um

fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente

produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes

atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de

Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento

exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria

Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o

Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em

1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute

eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs

internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA

alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo

Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500

(TAVARES 1999)

Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de

cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de

atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse

inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas

iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de

desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde

a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI

86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione

87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP

70

1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma

funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses

industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em

desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de

suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)

O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as

ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte

Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime

ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em

desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE

DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a

Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo

de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)

(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos

anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Econocircmico em 1981)

De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo

descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de

necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma

limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais

setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON

1999)

Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no

mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior

como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos

fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava

Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo

internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como

afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades

88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)

71

pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente

Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a

expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos

paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia

humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e

nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS

2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem

fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a

ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos

Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da

Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em

um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em

desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais

favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)

Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima

contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura

investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs

internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode

nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no

setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas

Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do

capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a

Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre

1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados

em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus

destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que

mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse

89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos

90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)

72

tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O

autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel

porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida

externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos

previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com

fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da

economia destes paiacuteses

Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela

Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo

descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de

condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a

realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que

utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)

Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-

se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao

Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar

as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD

1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-

geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor

de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a

informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o

Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91

Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada

pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado

garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em

vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais

facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos

91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)

73

Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a

Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses

europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para

esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom

relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo

das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute

um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a

possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento

Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em

vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional

Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova

Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor

medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer

momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de

ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da

discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo

descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de

governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm

servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois

suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade

Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais

Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a

falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos

utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as

quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em

mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por

92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000

74

estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente

identificadas com estes atores (TAVARES 1999)

As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada

As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da

cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda

internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e

de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento

humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em

uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos

recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os

instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado

muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)

Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na

maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas

sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com

organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os

potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados

a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis

ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada

como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no

exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)

93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor

75

Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave

percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA

devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A

segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem

fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade

associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de

desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento

parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas

populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de

sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da

manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa

Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da

cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda

Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as

pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94

A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade

Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa

dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes

uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses

desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do

Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias

como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das

poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas

poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a

incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos

94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)

76

governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva

histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute

em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma

afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem

atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards

(COOPER amp PACKHARD 1997)

A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos

de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro

mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado

no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992

devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias

das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos

que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees

contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento

poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good

governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a

apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD

de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento

essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da

vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves

populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da

governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses

desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na

noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos

paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores

bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a

posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento

77

do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo

direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus

proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus

objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de

desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos

tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo

governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do

FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute

mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente

costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER

ACP-EU 2002 l)95

A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes

interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que

no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a

mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes

recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves

contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem

utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para

realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga

medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que

passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990

(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs

e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa

extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos

governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e

controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith

(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar

com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio

95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias

78

financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua

composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas

para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)

Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar

autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo

de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da

assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla

possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas

A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um

incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo

como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do

Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees

declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado

o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento

descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento

sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente

tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE

amp HARRISON 1998)

O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que

essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que

era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade

produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das

poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da

introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem

96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2

97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml

79

sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de

eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de

mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal

teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as

populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse

tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos

paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento

Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a

partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo

permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e

que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as

ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a

participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses

parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos

Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -

a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para

conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do

pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de

mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que

pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo

apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo

descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os

governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente

percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON

9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta

99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)

80

1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD

de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta

fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso

pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de

fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se

encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA

cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para

empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de

influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo

Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as

anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo

cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores

se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-

administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos

defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo

democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)

Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais

Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro

eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos

anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos

do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo

aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O

segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs

internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como

agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos

A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs

internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das

aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de

81

Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em

paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os

projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e

social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para

a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas

secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres

desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas

educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100

Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os

estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no

capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos

pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o

equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash

TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a

representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz

respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados

individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos

oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as

ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo

a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao

desenvolvimento atraveacutes das ONGs

Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e

podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da

cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da

cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial

atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999

luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4

K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)

82

TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das

Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho

Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas

em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda

humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)

satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas

junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103

(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as

demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia

governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em

acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos

lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de

ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos

governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as

ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)

Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm

caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio

regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo

aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de

102

102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)

103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos

83

decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em

desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de

que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem

escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter

informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais

limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo

de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se

expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm

reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um

relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar

ao leitor (PEREIRA 1997 167)

Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas

como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos

financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns

estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das

ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se

diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de

atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta

tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo

que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours

acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de

intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de

projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa

ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram

impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo

La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute

agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs

nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem

identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a

serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de

84

tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da

ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas

propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma

quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)

Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute

que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees

humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em

desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas

institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo

de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e

com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados

natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado

como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as

populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por

seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios

nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo

cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses

desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos

paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais

centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as

populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias

de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais

de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam

inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas

puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de

opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos

aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a

questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)

104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)

85

averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas

269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que

70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja

realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)

Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel

que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada

como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA

Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de

fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos

lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs

e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs

internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias

representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda

natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso

Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia

representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando

desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade

relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais

lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das

ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs

podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A

segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos

favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser

atendidas (TAVARES 1999)

Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar

que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita

que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas

competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo

irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos

a desvios de verba e a incompetecircncia

86

0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de

desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em

vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de

desenvolvimento

A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente

participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada

vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do

regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que

natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de

interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de

uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados

Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem

nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o

voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao

setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores

pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da

cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados

(JAHIER 2000 211-23)

87

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e

estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada

pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal

de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema

Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao

Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em

suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais

respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de

armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994

33)

Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta

porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no

cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas

internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas

somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se

estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila

Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre

paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a

retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do

estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e

agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os

problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos

setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da

diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma

agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as

questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia

88

estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da

apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis

aos interesses dos atores avantajados

Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas

agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas

a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em

relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute

que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees

que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais

especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante

O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses

do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando

maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas

Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas

primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos

mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o

fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do

regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento

de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores

desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico

Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees

particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos

cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -

Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos

Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como

causas destes problemas

A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a

anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores

89

avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta

pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar

nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de

arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que

percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta

pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades

humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia

nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees

entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento

Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo

empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional

as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento

dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF

1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado

que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de

crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece

tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que

foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra

Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo

internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um

dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as

assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais

Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo

internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir

das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por

problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso

A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do

Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de

90

alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha

ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram

negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi

tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras

com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de

ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem

ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos

intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods

Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional

com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de

salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram

suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton

Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo

explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos

os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode

ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes

poliacuteticos) os atores que constituem esse regime

Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de

orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de

setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a

cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado

internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo

orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a

expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais

(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como

administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)

Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas

da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a

processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos

91

Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de

conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de

fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul

afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do

estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento

Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees

atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas

92

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Page 3: Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa

AGRADECIMENTOS

Escrevendo este trabalho contraiacute muitas diacutevidas de gratidatildeo Em primeiro lugar essa

gratidatildeo se dirige ao prof Dr Rafael Villa pelo apoio e confianccedila dedicados e pelo rigor

cientiacutefico com que contribuiu para a realizaccedilatildeo desse estudo

Tambeacutem gostaria de agradecer especialmente aos profs Drs Maacuterio Fuks e Nelson

Rosaacuterio de Souza pelas apropriadas consideraccedilotildees feitas na primeira leitura deste trabalho

Outro agradecimento especial deve ser feito ao prof Joseacute Miguel Rasia pelo apoio

institucional e pela ininterrupta e produtiva circulaccedilatildeo de ideacuteias que consegue promover em

suas aulas

Estendo tambeacutem meus agradecimentos aos demais professores do mestrado de

ciecircncias poliacuteticas e do mestrado em ciecircncias sociais aos quais minhas diacutevidas de gratidatildeo

seratildeo eternas O mesmo posso dizer aos funcionaacuterios do curso de mestrado que atenderam

sempre com gentileza e eficiecircncia todas as minhas inuacutemeras solicitaccedilotildees

Natildeo posso deixar de expressar minha gratidatildeo aos colegas do mestrado Claacuteudio

Gisele Lena Rita Wagner e Ivana Oacutetimos amigos

Gostaria particularmente de agradecer ao CNPq por ter proporcionada a realizaccedilatildeo

desse trabalho

Enfim e sobretudo agradeccedilo a minha famiacutelia Marcos Pedro e Leonor os quais por

muito tempo aceitaram a minha ausecircncia e me deram o suporte necessaacuterio para conseguir

cumprir este trabalho

SIGLAS UTILIZADAS

CAD - Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento

CEE - Comunidade Econocircmica Europeacuteia

FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento

ECOSOC - Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas

OCDE - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico

PNUD - Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

PVD - Paiacuteses em Vias de Desenvolvimento

ODA - Ajuda Oficial ao Desenvolvimento

FM I - Fundo Monetaacuterio Internacional

RESUMO

O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre

atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no

regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as

novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a

cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos

aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26

CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41

CAPIacuteTULO Ml

A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema

No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)

reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o

Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte

(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o

financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As

demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com

declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de

aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem

com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees

econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao

1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)

1

regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios

interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um

sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou

a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo

monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-

guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento

Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar

mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para

uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das

primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio

o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade

das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e

depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-

militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs

importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica

Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do

Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em

2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)

3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)

2

questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era

desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas

efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das

estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e

comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como

Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila

para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4

Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a

partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial

afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo

nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do

surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem

da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse

necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves

demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do

regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em

nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os

regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte

estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e

aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de

desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)

Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as

puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica

4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)

5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais

3

que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a

partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de

Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE

1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que

resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO

19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em

vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da

condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-

chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o

terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as

ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e

defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998

JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio

regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento

entre o Norte e o Sul

As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus

recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD

concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias

modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de

Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI

Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE

1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois

4

permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA

Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses

recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a

aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de

Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos

regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai

apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de

Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que

estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos

financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os

membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI

1999)

Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do

Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida

anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de

desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras

nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na

maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa

mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e

regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a

juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste

6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees

7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia

8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)

5

sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado

constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um

volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)

Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos

constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa

de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se

como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o

Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo

responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-

colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e

multilaterais dos paiacuteses industrializados

Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de

coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses

industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se

estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do

desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se

internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o

fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime

internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)

9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)

10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)

11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina

6

O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo

executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de

decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse

centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da

ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia

de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado

pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias

multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas

as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos

centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais

(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem

ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja

estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral

Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores

fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais

importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos

(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros

especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que

os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as

12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)

13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)

14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991

7

menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na

Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na

cidade de Monterrey (Meacutexico)15

As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD

Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral

condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas

no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos

anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de

decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive

dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a

completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos

como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras

(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa

noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar

um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir

intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD

Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos

facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores

(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou

maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso

15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)

17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados

8

a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de

efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando

organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de

vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os

governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias

sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades

de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento

(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos

paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante

objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas

Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo

do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a

aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da

cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado

Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas

internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute

buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em

regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que

facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984

94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas

todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais

plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da

cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria

necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como

sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas

punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso

como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais

natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros

18 No sentido beacutelico do termo

9

regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas

e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou

deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees

ainda mais graves para os atores desavantajados

Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e

constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert

Keohane19

19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten

10

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional

Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual

ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros

atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A

definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane

aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas

relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha

de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos

Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que

dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de

cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de

investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)

Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias

desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua

teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas

20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles

11

relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no

caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de

exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os

Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o

estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos

atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com

atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais

de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser

ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o

aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre

atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou

mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os

atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores

desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos

que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem

estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional

Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo

internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema

internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em

um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute

aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984

7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o

Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria

de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao

21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)

22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois

12

papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo

seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder

e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as

limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o

fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que

pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o

egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder

Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e

agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o

fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia

resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees

internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra

maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para

perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a

possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os

paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)

O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional

24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos

23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo

13

atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho

em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de

cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26

entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que

poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as

preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica

Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema

do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores

racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos

proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional

e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem

uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas

racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos

pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive

institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A

anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno

acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses

complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores

racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses

E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais

significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da

riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos

atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas

globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria

da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os

Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores

(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia

poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a

26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito

14

cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias

elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos

poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)

Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do

sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O

comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute

fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo

ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os

incentivos e com os comportamentos dos atores

A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria

de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos

realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de

manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992

466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do

sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos

noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos

comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432

MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um

estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de

27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)

28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional

29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)

15

constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees

econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da

cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees

econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de

financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que

satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da

anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho

Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados

pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos

aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os

ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados

Regimes internacionais

Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos

normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas

dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais

(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos

regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas

caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico

de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o

comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a

30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento

31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)

16

constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma

funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando

algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam

ser tratadas de modo comum

Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem

determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e

proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no

sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto

aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes

internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo

sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal

Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo

poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema

internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a

facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia

natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos

(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza

sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo

entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema

capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de

descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado

hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves

informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que

consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os

regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem

internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos

motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem

sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente

Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)

17

pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-

3)

Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de

que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e

aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos

que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida

voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os

regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais

complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento

(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando

participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira

fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista

Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e

prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees

exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do

processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de

constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)

Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores

desavantajados de pertencer a um regime internacional

Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido

criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou

consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo

ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo

voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos

primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de

examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer

constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem

diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem

ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores

mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram

realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes

18

internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas

vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que

lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores

internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de

escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores

estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem

diferentes custos de oportunidades para diferentes atores

Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades

diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no

mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas

resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos

Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma

operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito

ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se

benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades

para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras

do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca

mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-

econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais

deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma

diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as

explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis

encontram-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-

se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros

superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham

participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo

dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que

os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio

Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)

Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que

19

estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha

voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime

internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo

pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores

desavantajados

A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo

de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes

simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais

fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados

destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores

desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que

os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos

nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e

resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e

que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde

as desigualdades satildeo grandes

Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve

ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes

internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de

mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem

sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e

intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os

regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o

caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial

oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois

do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano

Marshall (DINOLFO 1994 601-29)

Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os

regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos

aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime

isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves

20

alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no

mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade

com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com

outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os

atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes

serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No

mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes

um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode

criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os

demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem

seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis

benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas

envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado

Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os

regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no

mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam

racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam

abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como

membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os

regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as

regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses

(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o

custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao

transgressor naquele ou em demais regimes

Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento

do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser

fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar

de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de

participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes

evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que

governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos

21

assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso

natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover

a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros

governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz

respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para

afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas

(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)

A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo

de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para

os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime

necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo

de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da

Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes

internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados

Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os

comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo

podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados

no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees

internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O

estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das

mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem

ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a

coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e

aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se

listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e

a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento

de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou

pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora

dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as

organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso

significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de

22

constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das

organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de

investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos

entre os atores

Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional

Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema

de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja

que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se

como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e

procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores

convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o

desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como

os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de

desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender

os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um

regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com

mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como

regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas

33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)

23

como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade

desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem

ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos

Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de

regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que

atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte

e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e

projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas

sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional

nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-

econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o

fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que

ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os

desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes

fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento

Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja

buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos

atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os

constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes

internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e

puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes

A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos

atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo

sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis

considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores

24

Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a

literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo

fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs

termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no

processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem

conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos

resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999

116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e

datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos

economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando

qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura

especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia

como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma

maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno

Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do

fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam

imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando

inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e

programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta

considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de

2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)

Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a

conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de

equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de

crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos

34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares

25

mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre

a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950

(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35

Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos

como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito

vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos

afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia

e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como

cooperaccedilatildeo

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional

ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a

sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000

TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela

teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees

privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao

Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto

35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)

36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho

26

de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais

fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas

agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro

objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento

econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos

destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de

ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)

Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e

expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as

expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo

nesse trabalho definidos como regimes internacionais

Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente

econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um

regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de

ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da

afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE

1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura

comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e

ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento

econocircmico38) (JEPMA1991)

No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda

multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que

esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que

deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA

conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da

37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional

38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)

27

Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a

uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela

prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina

28

CAPIacuteTULO II

A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo

A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir

do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi

denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma

siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees

internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados

A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de

programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante

acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e

capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO

198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos

ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral

o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em

particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a

pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo

dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que

os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido

constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses

recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE

29

1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)

teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel

de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os

fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses

doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos

destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e

a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente

um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre

paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco

Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos

multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de

consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso

capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas

atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos

anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento

(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees

sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos

O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu

comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute

os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das

atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees

sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD

diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados

pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica

(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da

39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante

30

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em

1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)

A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em

desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral

das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do

desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das

preferecircncia dos PVD

A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada

diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os

Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse

dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas

garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em

desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de

decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender

porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas

vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte

destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator

tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida

pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa

aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees

dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo

multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a

cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade

da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral

claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses

doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD

ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das

31

poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela

econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em

desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos

Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais

dos Estados doadores

Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das

organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de

financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram

encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea

das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)

assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento

para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros

Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades

de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa

anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o

Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior

parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o

cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A

ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos

economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das

organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da

ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos

fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que

40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)

45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)

32

alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)

(BASILE 1995 63)42

As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas

depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se

efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados

(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de

recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas

efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem

econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento

que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses

doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD

amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo

2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees

internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD)

Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo

de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores

(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram

que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos

podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As

foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus

repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo

econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82

destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747

milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a

Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a

42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)

33

aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos

incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de

comportamento desse organismo

Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da

concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades

(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses

Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das

organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos

custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que

imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)

Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das

organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse

econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que

esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo

multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees

internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das

alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das

tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente

concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi

encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso

resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua

evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar

os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais

As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos

importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal

regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como

constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos

34

cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria

loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido

que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de

flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute

no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento

representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam

substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute

serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo

Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses

doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas

organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem

institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio

para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da

Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao

procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas

possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A

parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no

Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-

sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do

custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees

internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente

nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais

fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas

foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos

35

recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -

e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos

processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo

de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA

multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros

organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu

de Desenvolvimento (FED)

A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir

da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas

transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam

consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda

Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos

sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos

paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo

- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao

estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo

mais equilibrada dos recursos internacionais

Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em

uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais

eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees

internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os

paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a

automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao

43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA

44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)

4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970

36

desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996

94-5)

Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de

projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma

garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)

O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de

recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico

(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada

justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de

financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento

mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por

constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o

estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres

As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual

miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo

eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos

Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses

industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA

(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs

nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos

ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do

PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI

1998 123)

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em

desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como

financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses

doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente

46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo

37

Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo

de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de

fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os

paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O

fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento

na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os

paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos

setenta

As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD

As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses

comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram

introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da

proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica

aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da

Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da

resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o

Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que

ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER

1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo

permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual

satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das

Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda

vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era

categoricamente proibida47

Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das

diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada

47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)

38

organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos

(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos

quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe

uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia

Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da

autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral

A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos

seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria

responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas

resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido

autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado

autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades

operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens

proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso

significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia

financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das

categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)

Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp

HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de

autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da

regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o

proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da

compra de seus bens e serviccedilos

Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina

que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art

48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas

49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

39

105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras

de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a

manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e

realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)

a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio

para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a

11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a

praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral

Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da

Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve

normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e

serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios

paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e

serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a

realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de

julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de

execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees

totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp

HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais

Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz

respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a

execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na

maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para

cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo

vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas

e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao

ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles

50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

40

indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave

fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de

providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o

Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes

uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa

hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em

razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o

recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias

regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente

grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais

acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo

o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto

especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos

especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs

que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na

administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de

pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu

apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais

transparentes de controle (TAVARES 1999)

Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)

No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas

dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga

o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a

participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de

52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento

41

confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees

em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de

projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts

Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing

e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para

realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD

bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte

Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se

em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o

destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-

sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e

tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de

desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional

Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um

custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em

conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O

PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de

projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como

Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na

totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista

de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois

5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo

55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento

42

financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos

como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral

O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele

estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos

deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia

como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que

acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos

revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os

custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo

financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos

(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas

nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar

ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados

como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores

industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados

beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes

Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos

nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD

Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de

financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse

mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a

assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte

por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute

evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode

livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar

O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as

prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir

os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos

entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove

consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing

43

submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo

aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de

interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre

setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a

acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas

exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para

os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado

nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o

third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda

vinculada

O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos

divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da

modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos

ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO

ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que

passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as

atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente

chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase

que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa

decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos

administrados pelo PNUD na regiatildeo

Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e

projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400

milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de

recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram

utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram

recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)

No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos

programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de

1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

44

desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-

sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em

programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a

totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-

5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo

contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se

considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de

recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos

analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores

(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos

privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram

espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado

que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais

Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague

praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como

fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de

diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de

credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar

acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode

ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes

internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma

garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos

provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar

que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um

oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos

de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave

condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um

Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos

institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos

externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-

45

sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves

grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras

organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo

se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a

Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de

desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas

organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas

seminaacuterios) (ABC)56

A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias

tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os

atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da

cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que

dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional

bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes

Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da

condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-

poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses

recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de

empreacutestimos internacionais

56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)

46

CAPIacuteTULO m

A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos

No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de

uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees

impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa

de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo

estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos

anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde

entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e

constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em

vias de desenvolvimento

A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno

que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de

desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas

sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON

1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os

autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito

destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca

como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as

populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que

subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas

pela ajuda oficial ao desenvolvimento

Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a

condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um

47

melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os

govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas

poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados

iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte

dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias

multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do

que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda

mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de

imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais

pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)

A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua

aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso

da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro

do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses

doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de

desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas

locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz

respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade

eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das

populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais

pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees

do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram

pressotildees em vaacuterios niacuteveis

Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e

empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco

Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade

dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere

48

apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem

intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de

mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo

anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo

O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores

aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram

modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os

proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD

(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos

problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande

atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da

ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam

mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo

(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e

condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um

corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses

recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de

1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto

57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)

58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site

59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL

49

Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE

e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais

novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma

agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento

buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO

ECONOcircMICO OCDE1975)60

O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976

quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)

receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento

devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees

mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos

financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema

anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande

transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos

setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees

poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma

ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do

descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica

inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de

suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de

suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser

transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento

Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e

tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das

necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de

60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)

61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros

50

aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e

programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de

desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do

regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos

criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou

inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em

desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses

pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos

possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na

medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em

desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos

foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do

novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses

industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias

questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os

novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e

condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma

dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-

cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a

maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)

62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)

6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)

51

A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada

como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor

da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)

passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma

necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como

situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as

investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as

relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na

investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas

desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)

Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado

deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos

PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo

mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos

desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE

1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir

diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da

condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos

fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas

pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos

constrangimentos impostos a estes paiacuteses

A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais

64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)

52

A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta

quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de

promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton

Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio

anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse

o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)

A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise

econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem

retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem

econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA

COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD

seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-

Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL

CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho

65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)

66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)

67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)

53

Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento

poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais

definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do

mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha

e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de

desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os

temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j

A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos

como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes

de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia

Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos

paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava

seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos

investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta

natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses

desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto

econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer

afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o

68

68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)

69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional

70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)

54

discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos

temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul

Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA

contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda

internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na

agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo

financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes

nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)

Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da

OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida

favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as

necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao

narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do

sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o

desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a

corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo

de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo

de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam

tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial

O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que

os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e

a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)

tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades

de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os

seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas

setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente

71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo

55

responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O

uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos

que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os

mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas

Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos

oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica

mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo

emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se

alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito

uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha

sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de

seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante

ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram

a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise

da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia

de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados

pela crise da diacutevida

Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do

desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as

dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram

um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de

desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da

cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em

desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional

deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem

de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam

cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante

liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da

crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)

56

A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos

regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de

deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu

uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de

ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de

pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de

condicionalidade para os institutos financeiros

As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)

(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e

do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL

(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a

possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave

execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos

a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em

diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo

desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves

balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)

72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility

73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991

74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses

57

A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro

que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods

seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem

econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como

objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo

das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja

continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses

tinham uma raiz intema

A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave

manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O

uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado

simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave

utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos

recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter

facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam

os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem

mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem

disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento

de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor

Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso

da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa

de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise

Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os

institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos

ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir

de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do

processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas

mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias

serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos

privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de

58

5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991

(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996

13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep

em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os

PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de

desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como

decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional

e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse

interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para

financiar seus processos de desenvolvimento

O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a

manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes

internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e

a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido

utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que

ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os

paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE

1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo

do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos

repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas

Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos

provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental

Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de

mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte

dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e

com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas

internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25

bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35

dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela

59

Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha

Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS

2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que

as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas

natildeo pode ser tomada como ocasional

Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute

lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de

interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye

raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas

desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)

Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente

favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob

uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista

poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores

Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield

identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75

Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos

PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos

setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito

diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico

decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as

intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as

poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela

forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno

natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido

73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual

60

pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER

amp KEOHANE 19964)

Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos

quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo

dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento

a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de

condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos

custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela

ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque

mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses

centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute

mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10)

Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter

ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos

investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as

intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise

aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os

sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para

a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre

o mercado financeiro privado e os institutos financeiros

Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos

dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de

restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros

os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD

fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel

atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais

70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)

61

teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos

mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos

que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse

modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade

insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses

garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes

recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o

economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos

empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a

possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo

econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a

concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77

A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos

financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em

desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da

condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados

determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59

em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336

para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em

1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do

CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em

percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais

privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa

a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7

77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)

62

(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente

a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico

(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)

Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os

capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as

poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados

aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade

nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural

nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado

A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e

da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)

entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela

como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos

desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da

diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento

por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de

efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses

europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees

sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton

Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os

atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha

dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da

Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de

fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de

Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)

Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em

desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de

cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses

desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

63

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA

COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo

No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se

apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o

fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um

conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo

mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um

fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento

Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos

(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito

mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue

assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78

Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo

que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos

Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do

regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo

7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)

64

descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos

paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)

Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no

setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo

descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA

disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente

destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em

parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para

organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos

doadores (BASILE 1995)

A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais

polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a

cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre

a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso

porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a

posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais

no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo

muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas

em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute

vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma

espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-

estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio

de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das

populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o

ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os

direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros

introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em

65

vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo

Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo

anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda

humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os

direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor

natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar

que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia

condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados

nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma

incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de

cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda

Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um

verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI

19982000)

Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores

quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema

da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA

atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo

dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as

ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De

fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento

para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a

apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada

Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave

modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional

ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais

podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de

maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo

descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees

66

positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que

as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se

colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a

funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas

dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)

0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada

Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada

teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia

estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo

Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da

cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de

1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem

com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime

internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80

Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e

energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses

(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as

80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)

81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas

67

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da

bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo

estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para

que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de

assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-

interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que

os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar

financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades

comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83

Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo

do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi

permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos

recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar

integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de

Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as

as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP

82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento

83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)

84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)

68

ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto

pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses

membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da

introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer

parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo

existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos

Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da

Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as

ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando

atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes

(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a

Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias

privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta

Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na

Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot

Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le

Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem

nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a

formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das

ONGs (CECCHI 1995)

A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie

de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos

Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no

setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees

econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE

1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como

dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem

agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em

85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)

69

consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela

(KEOHANE 1984 123)

Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos

impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um

fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente

produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes

atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de

Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento

exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria

Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o

Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em

1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute

eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs

internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA

alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo

Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500

(TAVARES 1999)

Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de

cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de

atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse

inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas

iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de

desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde

a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI

86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione

87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP

70

1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma

funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses

industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em

desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de

suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)

O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as

ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte

Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime

ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em

desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE

DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a

Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo

de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)

(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos

anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Econocircmico em 1981)

De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo

descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de

necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma

limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais

setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON

1999)

Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no

mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior

como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos

fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava

Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo

internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como

afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades

88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)

71

pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente

Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a

expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos

paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia

humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e

nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS

2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem

fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a

ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos

Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da

Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em

um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em

desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais

favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)

Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima

contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura

investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs

internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode

nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no

setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas

Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do

capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a

Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre

1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados

em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus

destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que

mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse

89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos

90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)

72

tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O

autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel

porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida

externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos

previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com

fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da

economia destes paiacuteses

Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela

Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo

descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de

condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a

realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que

utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)

Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-

se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao

Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar

as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD

1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-

geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor

de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a

informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o

Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91

Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada

pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado

garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em

vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais

facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos

91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)

73

Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a

Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses

europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para

esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom

relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo

das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute

um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a

possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento

Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em

vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional

Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova

Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor

medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer

momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de

ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da

discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo

descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de

governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm

servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois

suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade

Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais

Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a

falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos

utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as

quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em

mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por

92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000

74

estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente

identificadas com estes atores (TAVARES 1999)

As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada

As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da

cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda

internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e

de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento

humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em

uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos

recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os

instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado

muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)

Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na

maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas

sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com

organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os

potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados

a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis

ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada

como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no

exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)

93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor

75

Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave

percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA

devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A

segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem

fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade

associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de

desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento

parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas

populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de

sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da

manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa

Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da

cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda

Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as

pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94

A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade

Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa

dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes

uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses

desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do

Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias

como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das

poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas

poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a

incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos

94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)

76

governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva

histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute

em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma

afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem

atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards

(COOPER amp PACKHARD 1997)

A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos

de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro

mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado

no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992

devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias

das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos

que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees

contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento

poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good

governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a

apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD

de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento

essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da

vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves

populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da

governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses

desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na

noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos

paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores

bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a

posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento

77

do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo

direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus

proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus

objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de

desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos

tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo

governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do

FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute

mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente

costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER

ACP-EU 2002 l)95

A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes

interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que

no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a

mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes

recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves

contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem

utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para

realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga

medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que

passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990

(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs

e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa

extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos

governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e

controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith

(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar

com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio

95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias

78

financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua

composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas

para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)

Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar

autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo

de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da

assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla

possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas

A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um

incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo

como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do

Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees

declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado

o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento

descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento

sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente

tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE

amp HARRISON 1998)

O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que

essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que

era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade

produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das

poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da

introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem

96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2

97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml

79

sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de

eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de

mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal

teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as

populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse

tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos

paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento

Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a

partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo

permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e

que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as

ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a

participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses

parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos

Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -

a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para

conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do

pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de

mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que

pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo

apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo

descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os

governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente

percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON

9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta

99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)

80

1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD

de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta

fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso

pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de

fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se

encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA

cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para

empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de

influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo

Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as

anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo

cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores

se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-

administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos

defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo

democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)

Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais

Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro

eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos

anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos

do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo

aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O

segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs

internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como

agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos

A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs

internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das

aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de

81

Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em

paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os

projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e

social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para

a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas

secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres

desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas

educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100

Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os

estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no

capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos

pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o

equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash

TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a

representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz

respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados

individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos

oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as

ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo

a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao

desenvolvimento atraveacutes das ONGs

Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e

podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da

cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da

cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial

atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999

luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4

K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)

82

TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das

Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho

Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas

em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda

humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)

satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas

junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103

(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as

demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia

governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em

acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos

lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de

ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos

governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as

ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)

Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm

caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio

regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo

aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de

102

102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)

103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos

83

decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em

desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de

que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem

escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter

informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais

limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo

de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se

expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm

reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um

relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar

ao leitor (PEREIRA 1997 167)

Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas

como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos

financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns

estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das

ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se

diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de

atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta

tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo

que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours

acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de

intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de

projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa

ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram

impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo

La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute

agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs

nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem

identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a

serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de

84

tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da

ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas

propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma

quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)

Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute

que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees

humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em

desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas

institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo

de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e

com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados

natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado

como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as

populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por

seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios

nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo

cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses

desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos

paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais

centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as

populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias

de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais

de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam

inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas

puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de

opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos

aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a

questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)

104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)

85

averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas

269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que

70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja

realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)

Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel

que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada

como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA

Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de

fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos

lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs

e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs

internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias

representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda

natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso

Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia

representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando

desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade

relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais

lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das

ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs

podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A

segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos

favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser

atendidas (TAVARES 1999)

Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar

que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita

que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas

competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo

irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos

a desvios de verba e a incompetecircncia

86

0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de

desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em

vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de

desenvolvimento

A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente

participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada

vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do

regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que

natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de

interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de

uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados

Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem

nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o

voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao

setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores

pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da

cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados

(JAHIER 2000 211-23)

87

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e

estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada

pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal

de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema

Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao

Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em

suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais

respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de

armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994

33)

Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta

porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no

cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas

internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas

somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se

estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila

Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre

paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a

retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do

estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e

agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os

problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos

setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da

diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma

agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as

questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia

88

estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da

apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis

aos interesses dos atores avantajados

Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas

agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas

a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em

relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute

que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees

que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais

especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante

O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses

do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando

maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas

Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas

primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos

mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o

fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do

regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento

de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores

desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico

Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees

particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos

cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -

Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos

Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como

causas destes problemas

A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a

anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores

89

avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta

pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar

nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de

arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que

percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta

pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades

humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia

nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees

entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento

Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo

empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional

as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento

dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF

1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado

que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de

crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece

tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que

foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra

Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo

internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um

dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as

assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais

Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo

internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir

das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por

problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso

A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do

Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de

90

alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha

ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram

negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi

tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras

com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de

ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem

ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos

intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods

Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional

com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de

salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram

suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton

Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo

explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos

os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode

ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes

poliacuteticos) os atores que constituem esse regime

Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de

orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de

setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a

cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado

internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo

orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a

expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais

(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como

administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)

Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas

da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a

processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos

91

Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de

conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de

fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul

afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do

estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento

Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees

atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas

92

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Page 4: Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa

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CEE - Comunidade Econocircmica Europeacuteia

FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento

ECOSOC - Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas

OCDE - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico

PNUD - Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

PVD - Paiacuteses em Vias de Desenvolvimento

ODA - Ajuda Oficial ao Desenvolvimento

FM I - Fundo Monetaacuterio Internacional

RESUMO

O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre

atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no

regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as

novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a

cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos

aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26

CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41

CAPIacuteTULO Ml

A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema

No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)

reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o

Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte

(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o

financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As

demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com

declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de

aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem

com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees

econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao

1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)

1

regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios

interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um

sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou

a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo

monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-

guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento

Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar

mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para

uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das

primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio

o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade

das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e

depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-

militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs

importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica

Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do

Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em

2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)

3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)

2

questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era

desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas

efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das

estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e

comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como

Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila

para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4

Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a

partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial

afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo

nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do

surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem

da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse

necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves

demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do

regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em

nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os

regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte

estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e

aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de

desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)

Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as

puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica

4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)

5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais

3

que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a

partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de

Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE

1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que

resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO

19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em

vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da

condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-

chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o

terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as

ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e

defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998

JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio

regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento

entre o Norte e o Sul

As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus

recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD

concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias

modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de

Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI

Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE

1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois

4

permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA

Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses

recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a

aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de

Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos

regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai

apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de

Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que

estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos

financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os

membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI

1999)

Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do

Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida

anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de

desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras

nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na

maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa

mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e

regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a

juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste

6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees

7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia

8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)

5

sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado

constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um

volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)

Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos

constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa

de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se

como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o

Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo

responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-

colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e

multilaterais dos paiacuteses industrializados

Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de

coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses

industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se

estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do

desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se

internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o

fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime

internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)

9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)

10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)

11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina

6

O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo

executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de

decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse

centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da

ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia

de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado

pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias

multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas

as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos

centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais

(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem

ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja

estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral

Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores

fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais

importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos

(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros

especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que

os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as

12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)

13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)

14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991

7

menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na

Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na

cidade de Monterrey (Meacutexico)15

As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD

Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral

condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas

no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos

anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de

decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive

dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a

completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos

como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras

(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa

noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar

um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir

intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD

Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos

facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores

(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou

maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso

15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)

17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados

8

a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de

efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando

organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de

vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os

governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias

sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades

de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento

(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos

paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante

objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas

Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo

do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a

aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da

cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado

Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas

internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute

buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em

regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que

facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984

94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas

todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais

plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da

cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria

necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como

sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas

punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso

como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais

natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros

18 No sentido beacutelico do termo

9

regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas

e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou

deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees

ainda mais graves para os atores desavantajados

Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e

constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert

Keohane19

19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten

10

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional

Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual

ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros

atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A

definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane

aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas

relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha

de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos

Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que

dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de

cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de

investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)

Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias

desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua

teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas

20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles

11

relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no

caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de

exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os

Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o

estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos

atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com

atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais

de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser

ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o

aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre

atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou

mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os

atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores

desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos

que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem

estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional

Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo

internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema

internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em

um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute

aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984

7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o

Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria

de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao

21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)

22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois

12

papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo

seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder

e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as

limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o

fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que

pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o

egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder

Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e

agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o

fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia

resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees

internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra

maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para

perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a

possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os

paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)

O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional

24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos

23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo

13

atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho

em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de

cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26

entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que

poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as

preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica

Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema

do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores

racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos

proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional

e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem

uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas

racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos

pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive

institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A

anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno

acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses

complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores

racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses

E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais

significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da

riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos

atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas

globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria

da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os

Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores

(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia

poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a

26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito

14

cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias

elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos

poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)

Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do

sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O

comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute

fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo

ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os

incentivos e com os comportamentos dos atores

A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria

de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos

realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de

manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992

466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do

sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos

noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos

comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432

MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um

estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de

27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)

28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional

29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)

15

constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees

econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da

cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees

econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de

financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que

satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da

anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho

Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados

pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos

aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os

ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados

Regimes internacionais

Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos

normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas

dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais

(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos

regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas

caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico

de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o

comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a

30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento

31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)

16

constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma

funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando

algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam

ser tratadas de modo comum

Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem

determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e

proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no

sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto

aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes

internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo

sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal

Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo

poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema

internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a

facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia

natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos

(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza

sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo

entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema

capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de

descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado

hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves

informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que

consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os

regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem

internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos

motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem

sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente

Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)

17

pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-

3)

Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de

que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e

aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos

que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida

voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os

regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais

complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento

(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando

participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira

fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista

Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e

prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees

exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do

processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de

constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)

Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores

desavantajados de pertencer a um regime internacional

Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido

criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou

consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo

ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo

voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos

primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de

examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer

constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem

diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem

ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores

mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram

realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes

18

internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas

vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que

lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores

internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de

escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores

estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem

diferentes custos de oportunidades para diferentes atores

Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades

diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no

mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas

resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos

Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma

operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito

ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se

benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades

para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras

do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca

mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-

econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais

deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma

diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as

explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis

encontram-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-

se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros

superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham

participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo

dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que

os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio

Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)

Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que

19

estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha

voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime

internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo

pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores

desavantajados

A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo

de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes

simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais

fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados

destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores

desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que

os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos

nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e

resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e

que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde

as desigualdades satildeo grandes

Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve

ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes

internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de

mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem

sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e

intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os

regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o

caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial

oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois

do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano

Marshall (DINOLFO 1994 601-29)

Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os

regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos

aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime

isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves

20

alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no

mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade

com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com

outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os

atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes

serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No

mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes

um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode

criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os

demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem

seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis

benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas

envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado

Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os

regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no

mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam

racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam

abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como

membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os

regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as

regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses

(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o

custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao

transgressor naquele ou em demais regimes

Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento

do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser

fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar

de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de

participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes

evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que

governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos

21

assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso

natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover

a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros

governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz

respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para

afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas

(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)

A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo

de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para

os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime

necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo

de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da

Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes

internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados

Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os

comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo

podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados

no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees

internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O

estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das

mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem

ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a

coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e

aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se

listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e

a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento

de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou

pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora

dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as

organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso

significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de

22

constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das

organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de

investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos

entre os atores

Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional

Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema

de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja

que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se

como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e

procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores

convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o

desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como

os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de

desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender

os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um

regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com

mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como

regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas

33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)

23

como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade

desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem

ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos

Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de

regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que

atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte

e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e

projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas

sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional

nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-

econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o

fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que

ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os

desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes

fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento

Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja

buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos

atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os

constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes

internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e

puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes

A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos

atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo

sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis

considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores

24

Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a

literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo

fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs

termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no

processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem

conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos

resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999

116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e

datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos

economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando

qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura

especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia

como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma

maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno

Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do

fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam

imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando

inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e

programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta

considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de

2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)

Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a

conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de

equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de

crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos

34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares

25

mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre

a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950

(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35

Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos

como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito

vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos

afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia

e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como

cooperaccedilatildeo

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional

ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a

sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000

TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela

teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees

privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao

Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto

35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)

36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho

26

de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais

fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas

agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro

objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento

econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos

destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de

ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)

Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e

expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as

expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo

nesse trabalho definidos como regimes internacionais

Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente

econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um

regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de

ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da

afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE

1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura

comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e

ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento

econocircmico38) (JEPMA1991)

No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda

multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que

esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que

deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA

conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da

37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional

38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)

27

Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a

uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela

prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina

28

CAPIacuteTULO II

A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo

A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir

do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi

denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma

siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees

internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados

A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de

programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante

acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e

capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO

198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos

ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral

o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em

particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a

pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo

dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que

os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido

constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses

recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE

29

1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)

teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel

de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os

fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses

doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos

destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e

a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente

um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre

paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco

Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos

multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de

consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso

capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas

atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos

anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento

(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees

sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos

O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu

comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute

os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das

atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees

sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD

diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados

pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica

(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da

39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante

30

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em

1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)

A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em

desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral

das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do

desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das

preferecircncia dos PVD

A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada

diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os

Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse

dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas

garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em

desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de

decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender

porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas

vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte

destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator

tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida

pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa

aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees

dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo

multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a

cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade

da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral

claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses

doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD

ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das

31

poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela

econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em

desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos

Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais

dos Estados doadores

Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das

organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de

financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram

encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea

das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)

assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento

para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros

Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades

de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa

anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o

Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior

parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o

cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A

ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos

economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das

organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da

ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos

fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que

40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)

45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)

32

alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)

(BASILE 1995 63)42

As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas

depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se

efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados

(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de

recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas

efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem

econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento

que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses

doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD

amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo

2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees

internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD)

Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo

de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores

(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram

que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos

podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As

foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus

repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo

econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82

destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747

milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a

Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a

42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)

33

aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos

incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de

comportamento desse organismo

Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da

concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades

(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses

Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das

organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos

custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que

imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)

Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das

organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse

econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que

esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo

multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees

internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das

alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das

tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente

concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi

encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso

resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua

evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar

os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais

As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos

importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal

regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como

constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos

34

cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria

loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido

que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de

flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute

no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento

representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam

substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute

serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo

Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses

doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas

organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem

institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio

para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da

Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao

procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas

possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A

parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no

Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-

sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do

custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees

internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente

nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais

fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas

foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos

35

recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -

e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos

processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo

de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA

multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros

organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu

de Desenvolvimento (FED)

A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir

da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas

transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam

consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda

Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos

sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos

paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo

- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao

estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo

mais equilibrada dos recursos internacionais

Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em

uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais

eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees

internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os

paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a

automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao

43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA

44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)

4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970

36

desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996

94-5)

Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de

projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma

garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)

O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de

recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico

(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada

justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de

financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento

mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por

constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o

estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres

As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual

miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo

eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos

Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses

industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA

(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs

nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos

ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do

PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI

1998 123)

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em

desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como

financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses

doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente

46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo

37

Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo

de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de

fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os

paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O

fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento

na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os

paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos

setenta

As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD

As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses

comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram

introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da

proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica

aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da

Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da

resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o

Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que

ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER

1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo

permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual

satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das

Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda

vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era

categoricamente proibida47

Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das

diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada

47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)

38

organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos

(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos

quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe

uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia

Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da

autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral

A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos

seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria

responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas

resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido

autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado

autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades

operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens

proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso

significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia

financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das

categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)

Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp

HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de

autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da

regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o

proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da

compra de seus bens e serviccedilos

Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina

que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art

48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas

49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

39

105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras

de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a

manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e

realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)

a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio

para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a

11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a

praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral

Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da

Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve

normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e

serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios

paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e

serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a

realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de

julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de

execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees

totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp

HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais

Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz

respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a

execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na

maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para

cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo

vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas

e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao

ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles

50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

40

indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave

fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de

providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o

Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes

uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa

hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em

razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o

recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias

regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente

grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais

acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo

o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto

especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos

especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs

que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na

administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de

pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu

apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais

transparentes de controle (TAVARES 1999)

Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)

No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas

dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga

o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a

participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de

52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento

41

confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees

em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de

projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts

Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing

e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para

realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD

bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte

Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se

em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o

destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-

sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e

tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de

desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional

Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um

custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em

conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O

PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de

projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como

Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na

totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista

de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois

5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo

55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento

42

financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos

como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral

O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele

estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos

deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia

como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que

acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos

revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os

custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo

financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos

(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas

nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar

ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados

como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores

industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados

beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes

Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos

nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD

Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de

financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse

mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a

assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte

por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute

evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode

livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar

O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as

prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir

os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos

entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove

consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing

43

submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo

aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de

interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre

setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a

acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas

exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para

os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado

nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o

third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda

vinculada

O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos

divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da

modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos

ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO

ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que

passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as

atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente

chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase

que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa

decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos

administrados pelo PNUD na regiatildeo

Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e

projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400

milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de

recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram

utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram

recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)

No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos

programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de

1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

44

desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-

sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em

programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a

totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-

5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo

contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se

considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de

recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos

analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores

(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos

privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram

espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado

que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais

Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague

praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como

fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de

diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de

credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar

acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode

ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes

internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma

garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos

provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar

que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um

oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos

de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave

condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um

Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos

institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos

externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-

45

sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves

grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras

organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo

se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a

Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de

desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas

organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas

seminaacuterios) (ABC)56

A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias

tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os

atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da

cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que

dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional

bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes

Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da

condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-

poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses

recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de

empreacutestimos internacionais

56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)

46

CAPIacuteTULO m

A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos

No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de

uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees

impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa

de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo

estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos

anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde

entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e

constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em

vias de desenvolvimento

A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno

que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de

desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas

sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON

1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os

autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito

destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca

como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as

populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que

subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas

pela ajuda oficial ao desenvolvimento

Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a

condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um

47

melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os

govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas

poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados

iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte

dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias

multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do

que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda

mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de

imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais

pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)

A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua

aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso

da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro

do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses

doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de

desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas

locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz

respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade

eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das

populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais

pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees

do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram

pressotildees em vaacuterios niacuteveis

Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e

empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco

Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade

dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere

48

apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem

intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de

mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo

anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo

O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores

aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram

modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os

proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD

(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos

problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande

atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da

ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam

mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo

(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e

condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um

corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses

recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de

1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto

57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)

58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site

59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL

49

Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE

e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais

novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma

agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento

buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO

ECONOcircMICO OCDE1975)60

O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976

quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)

receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento

devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees

mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos

financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema

anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande

transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos

setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees

poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma

ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do

descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica

inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de

suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de

suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser

transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento

Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e

tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das

necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de

60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)

61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros

50

aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e

programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de

desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do

regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos

criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou

inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em

desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses

pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos

possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na

medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em

desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos

foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do

novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses

industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias

questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os

novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e

condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma

dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-

cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a

maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)

62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)

6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)

51

A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada

como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor

da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)

passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma

necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como

situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as

investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as

relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na

investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas

desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)

Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado

deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos

PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo

mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos

desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE

1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir

diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da

condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos

fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas

pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos

constrangimentos impostos a estes paiacuteses

A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais

64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)

52

A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta

quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de

promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton

Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio

anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse

o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)

A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise

econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem

retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem

econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA

COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD

seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-

Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL

CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho

65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)

66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)

67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)

53

Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento

poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais

definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do

mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha

e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de

desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os

temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j

A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos

como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes

de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia

Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos

paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava

seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos

investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta

natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses

desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto

econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer

afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o

68

68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)

69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional

70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)

54

discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos

temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul

Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA

contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda

internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na

agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo

financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes

nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)

Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da

OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida

favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as

necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao

narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do

sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o

desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a

corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo

de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo

de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam

tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial

O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que

os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e

a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)

tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades

de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os

seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas

setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente

71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo

55

responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O

uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos

que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os

mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas

Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos

oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica

mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo

emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se

alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito

uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha

sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de

seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante

ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram

a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise

da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia

de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados

pela crise da diacutevida

Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do

desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as

dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram

um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de

desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da

cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em

desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional

deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem

de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam

cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante

liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da

crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)

56

A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos

regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de

deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu

uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de

ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de

pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de

condicionalidade para os institutos financeiros

As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)

(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e

do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL

(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a

possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave

execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos

a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em

diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo

desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves

balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)

72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility

73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991

74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses

57

A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro

que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods

seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem

econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como

objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo

das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja

continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses

tinham uma raiz intema

A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave

manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O

uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado

simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave

utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos

recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter

facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam

os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem

mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem

disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento

de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor

Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso

da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa

de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise

Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os

institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos

ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir

de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do

processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas

mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias

serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos

privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de

58

5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991

(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996

13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep

em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os

PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de

desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como

decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional

e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse

interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para

financiar seus processos de desenvolvimento

O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a

manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes

internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e

a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido

utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que

ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os

paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE

1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo

do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos

repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas

Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos

provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental

Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de

mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte

dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e

com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas

internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25

bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35

dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela

59

Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha

Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS

2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que

as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas

natildeo pode ser tomada como ocasional

Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute

lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de

interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye

raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas

desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)

Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente

favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob

uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista

poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores

Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield

identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75

Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos

PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos

setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito

diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico

decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as

intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as

poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela

forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno

natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido

73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual

60

pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER

amp KEOHANE 19964)

Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos

quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo

dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento

a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de

condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos

custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela

ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque

mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses

centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute

mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10)

Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter

ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos

investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as

intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise

aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os

sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para

a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre

o mercado financeiro privado e os institutos financeiros

Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos

dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de

restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros

os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD

fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel

atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais

70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)

61

teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos

mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos

que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse

modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade

insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses

garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes

recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o

economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos

empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a

possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo

econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a

concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77

A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos

financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em

desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da

condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados

determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59

em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336

para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em

1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do

CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em

percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais

privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa

a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7

77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)

62

(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente

a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico

(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)

Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os

capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as

poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados

aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade

nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural

nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado

A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e

da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)

entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela

como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos

desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da

diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento

por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de

efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses

europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees

sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton

Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os

atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha

dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da

Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de

fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de

Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)

Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em

desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de

cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses

desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

63

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA

COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo

No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se

apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o

fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um

conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo

mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um

fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento

Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos

(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito

mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue

assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78

Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo

que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos

Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do

regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo

7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)

64

descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos

paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)

Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no

setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo

descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA

disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente

destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em

parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para

organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos

doadores (BASILE 1995)

A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais

polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a

cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre

a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso

porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a

posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais

no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo

muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas

em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute

vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma

espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-

estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio

de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das

populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o

ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os

direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros

introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em

65

vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo

Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo

anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda

humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os

direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor

natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar

que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia

condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados

nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma

incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de

cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda

Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um

verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI

19982000)

Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores

quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema

da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA

atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo

dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as

ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De

fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento

para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a

apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada

Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave

modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional

ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais

podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de

maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo

descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees

66

positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que

as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se

colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a

funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas

dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)

0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada

Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada

teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia

estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo

Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da

cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de

1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem

com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime

internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80

Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e

energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses

(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as

80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)

81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas

67

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da

bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo

estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para

que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de

assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-

interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que

os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar

financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades

comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83

Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo

do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi

permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos

recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar

integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de

Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as

as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP

82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento

83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)

84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)

68

ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto

pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses

membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da

introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer

parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo

existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos

Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da

Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as

ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando

atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes

(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a

Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias

privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta

Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na

Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot

Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le

Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem

nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a

formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das

ONGs (CECCHI 1995)

A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie

de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos

Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no

setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees

econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE

1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como

dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem

agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em

85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)

69

consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela

(KEOHANE 1984 123)

Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos

impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um

fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente

produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes

atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de

Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento

exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria

Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o

Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em

1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute

eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs

internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA

alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo

Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500

(TAVARES 1999)

Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de

cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de

atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse

inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas

iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de

desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde

a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI

86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione

87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP

70

1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma

funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses

industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em

desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de

suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)

O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as

ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte

Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime

ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em

desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE

DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a

Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo

de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)

(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos

anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Econocircmico em 1981)

De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo

descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de

necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma

limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais

setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON

1999)

Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no

mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior

como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos

fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava

Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo

internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como

afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades

88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)

71

pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente

Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a

expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos

paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia

humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e

nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS

2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem

fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a

ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos

Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da

Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em

um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em

desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais

favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)

Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima

contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura

investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs

internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode

nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no

setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas

Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do

capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a

Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre

1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados

em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus

destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que

mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse

89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos

90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)

72

tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O

autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel

porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida

externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos

previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com

fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da

economia destes paiacuteses

Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela

Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo

descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de

condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a

realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que

utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)

Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-

se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao

Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar

as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD

1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-

geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor

de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a

informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o

Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91

Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada

pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado

garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em

vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais

facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos

91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)

73

Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a

Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses

europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para

esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom

relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo

das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute

um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a

possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento

Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em

vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional

Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova

Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor

medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer

momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de

ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da

discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo

descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de

governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm

servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois

suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade

Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais

Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a

falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos

utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as

quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em

mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por

92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000

74

estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente

identificadas com estes atores (TAVARES 1999)

As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada

As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da

cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda

internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e

de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento

humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em

uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos

recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os

instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado

muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)

Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na

maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas

sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com

organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os

potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados

a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis

ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada

como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no

exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)

93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor

75

Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave

percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA

devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A

segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem

fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade

associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de

desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento

parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas

populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de

sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da

manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa

Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da

cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda

Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as

pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94

A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade

Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa

dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes

uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses

desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do

Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias

como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das

poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas

poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a

incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos

94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)

76

governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva

histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute

em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma

afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem

atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards

(COOPER amp PACKHARD 1997)

A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos

de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro

mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado

no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992

devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias

das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos

que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees

contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento

poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good

governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a

apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD

de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento

essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da

vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves

populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da

governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses

desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na

noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos

paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores

bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a

posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento

77

do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo

direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus

proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus

objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de

desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos

tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo

governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do

FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute

mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente

costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER

ACP-EU 2002 l)95

A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes

interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que

no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a

mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes

recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves

contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem

utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para

realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga

medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que

passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990

(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs

e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa

extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos

governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e

controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith

(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar

com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio

95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias

78

financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua

composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas

para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)

Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar

autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo

de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da

assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla

possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas

A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um

incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo

como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do

Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees

declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado

o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento

descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento

sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente

tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE

amp HARRISON 1998)

O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que

essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que

era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade

produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das

poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da

introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem

96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2

97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml

79

sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de

eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de

mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal

teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as

populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse

tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos

paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento

Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a

partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo

permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e

que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as

ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a

participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses

parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos

Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -

a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para

conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do

pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de

mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que

pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo

apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo

descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os

governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente

percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON

9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta

99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)

80

1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD

de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta

fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso

pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de

fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se

encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA

cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para

empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de

influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo

Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as

anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo

cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores

se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-

administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos

defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo

democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)

Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais

Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro

eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos

anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos

do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo

aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O

segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs

internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como

agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos

A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs

internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das

aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de

81

Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em

paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os

projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e

social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para

a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas

secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres

desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas

educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100

Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os

estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no

capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos

pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o

equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash

TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a

representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz

respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados

individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos

oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as

ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo

a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao

desenvolvimento atraveacutes das ONGs

Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e

podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da

cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da

cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial

atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999

luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4

K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)

82

TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das

Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho

Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas

em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda

humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)

satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas

junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103

(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as

demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia

governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em

acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos

lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de

ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos

governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as

ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)

Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm

caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio

regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo

aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de

102

102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)

103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos

83

decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em

desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de

que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem

escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter

informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais

limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo

de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se

expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm

reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um

relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar

ao leitor (PEREIRA 1997 167)

Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas

como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos

financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns

estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das

ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se

diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de

atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta

tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo

que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours

acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de

intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de

projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa

ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram

impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo

La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute

agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs

nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem

identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a

serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de

84

tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da

ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas

propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma

quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)

Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute

que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees

humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em

desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas

institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo

de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e

com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados

natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado

como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as

populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por

seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios

nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo

cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses

desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos

paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais

centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as

populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias

de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais

de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam

inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas

puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de

opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos

aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a

questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)

104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)

85

averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas

269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que

70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja

realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)

Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel

que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada

como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA

Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de

fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos

lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs

e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs

internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias

representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda

natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso

Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia

representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando

desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade

relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais

lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das

ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs

podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A

segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos

favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser

atendidas (TAVARES 1999)

Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar

que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita

que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas

competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo

irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos

a desvios de verba e a incompetecircncia

86

0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de

desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em

vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de

desenvolvimento

A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente

participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada

vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do

regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que

natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de

interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de

uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados

Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem

nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o

voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao

setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores

pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da

cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados

(JAHIER 2000 211-23)

87

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e

estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada

pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal

de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema

Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao

Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em

suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais

respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de

armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994

33)

Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta

porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no

cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas

internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas

somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se

estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila

Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre

paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a

retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do

estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e

agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os

problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos

setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da

diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma

agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as

questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia

88

estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da

apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis

aos interesses dos atores avantajados

Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas

agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas

a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em

relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute

que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees

que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais

especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante

O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses

do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando

maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas

Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas

primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos

mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o

fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do

regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento

de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores

desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico

Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees

particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos

cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -

Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos

Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como

causas destes problemas

A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a

anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores

89

avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta

pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar

nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de

arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que

percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta

pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades

humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia

nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees

entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento

Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo

empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional

as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento

dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF

1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado

que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de

crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece

tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que

foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra

Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo

internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um

dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as

assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais

Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo

internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir

das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por

problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso

A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do

Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de

90

alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha

ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram

negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi

tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras

com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de

ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem

ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos

intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods

Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional

com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de

salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram

suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton

Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo

explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos

os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode

ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes

poliacuteticos) os atores que constituem esse regime

Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de

orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de

setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a

cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado

internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo

orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a

expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais

(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como

administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)

Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas

da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a

processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos

91

Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de

conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de

fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul

afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do

estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento

Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees

atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas

92

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Page 5: Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa

RESUMO

O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre

atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no

regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as

novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a

cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos

aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26

CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41

CAPIacuteTULO Ml

A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema

No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)

reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o

Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte

(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o

financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As

demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com

declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de

aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem

com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees

econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao

1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)

1

regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios

interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um

sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou

a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo

monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-

guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento

Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar

mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para

uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das

primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio

o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade

das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e

depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-

militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs

importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica

Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do

Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em

2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)

3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)

2

questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era

desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas

efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das

estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e

comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como

Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila

para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4

Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a

partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial

afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo

nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do

surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem

da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse

necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves

demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do

regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em

nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os

regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte

estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e

aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de

desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)

Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as

puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica

4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)

5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais

3

que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a

partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de

Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE

1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que

resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO

19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em

vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da

condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-

chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o

terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as

ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e

defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998

JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio

regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento

entre o Norte e o Sul

As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus

recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD

concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias

modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de

Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI

Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE

1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois

4

permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA

Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses

recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a

aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de

Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos

regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai

apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de

Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que

estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos

financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os

membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI

1999)

Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do

Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida

anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de

desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras

nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na

maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa

mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e

regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a

juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste

6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees

7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia

8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)

5

sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado

constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um

volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)

Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos

constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa

de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se

como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o

Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo

responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-

colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e

multilaterais dos paiacuteses industrializados

Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de

coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses

industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se

estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do

desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se

internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o

fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime

internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)

9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)

10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)

11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina

6

O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo

executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de

decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse

centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da

ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia

de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado

pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias

multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas

as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos

centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais

(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem

ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja

estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral

Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores

fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais

importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos

(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros

especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que

os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as

12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)

13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)

14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991

7

menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na

Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na

cidade de Monterrey (Meacutexico)15

As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD

Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral

condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas

no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos

anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de

decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive

dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a

completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos

como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras

(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa

noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar

um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir

intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD

Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos

facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores

(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou

maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso

15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)

17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados

8

a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de

efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando

organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de

vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os

governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias

sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades

de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento

(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos

paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante

objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas

Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo

do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a

aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da

cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado

Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas

internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute

buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em

regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que

facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984

94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas

todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais

plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da

cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria

necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como

sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas

punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso

como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais

natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros

18 No sentido beacutelico do termo

9

regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas

e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou

deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees

ainda mais graves para os atores desavantajados

Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e

constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert

Keohane19

19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten

10

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional

Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual

ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros

atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A

definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane

aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas

relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha

de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos

Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que

dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de

cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de

investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)

Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias

desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua

teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas

20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles

11

relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no

caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de

exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os

Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o

estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos

atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com

atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais

de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser

ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o

aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre

atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou

mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os

atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores

desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos

que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem

estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional

Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo

internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema

internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em

um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute

aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984

7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o

Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria

de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao

21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)

22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois

12

papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo

seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder

e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as

limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o

fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que

pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o

egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder

Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e

agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o

fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia

resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees

internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra

maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para

perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a

possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os

paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)

O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional

24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos

23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo

13

atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho

em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de

cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26

entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que

poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as

preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica

Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema

do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores

racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos

proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional

e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem

uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas

racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos

pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive

institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A

anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno

acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses

complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores

racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses

E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais

significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da

riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos

atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas

globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria

da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os

Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores

(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia

poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a

26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito

14

cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias

elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos

poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)

Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do

sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O

comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute

fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo

ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os

incentivos e com os comportamentos dos atores

A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria

de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos

realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de

manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992

466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do

sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos

noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos

comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432

MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um

estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de

27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)

28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional

29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)

15

constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees

econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da

cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees

econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de

financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que

satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da

anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho

Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados

pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos

aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os

ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados

Regimes internacionais

Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos

normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas

dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais

(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos

regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas

caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico

de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o

comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a

30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento

31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)

16

constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma

funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando

algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam

ser tratadas de modo comum

Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem

determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e

proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no

sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto

aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes

internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo

sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal

Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo

poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema

internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a

facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia

natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos

(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza

sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo

entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema

capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de

descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado

hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves

informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que

consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os

regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem

internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos

motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem

sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente

Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)

17

pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-

3)

Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de

que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e

aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos

que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida

voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os

regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais

complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento

(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando

participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira

fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista

Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e

prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees

exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do

processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de

constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)

Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores

desavantajados de pertencer a um regime internacional

Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido

criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou

consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo

ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo

voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos

primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de

examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer

constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem

diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem

ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores

mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram

realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes

18

internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas

vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que

lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores

internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de

escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores

estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem

diferentes custos de oportunidades para diferentes atores

Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades

diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no

mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas

resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos

Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma

operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito

ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se

benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades

para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras

do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca

mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-

econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais

deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma

diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as

explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis

encontram-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-

se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros

superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham

participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo

dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que

os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio

Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)

Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que

19

estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha

voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime

internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo

pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores

desavantajados

A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo

de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes

simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais

fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados

destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores

desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que

os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos

nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e

resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e

que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde

as desigualdades satildeo grandes

Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve

ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes

internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de

mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem

sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e

intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os

regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o

caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial

oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois

do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano

Marshall (DINOLFO 1994 601-29)

Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os

regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos

aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime

isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves

20

alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no

mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade

com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com

outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os

atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes

serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No

mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes

um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode

criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os

demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem

seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis

benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas

envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado

Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os

regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no

mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam

racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam

abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como

membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os

regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as

regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses

(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o

custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao

transgressor naquele ou em demais regimes

Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento

do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser

fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar

de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de

participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes

evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que

governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos

21

assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso

natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover

a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros

governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz

respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para

afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas

(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)

A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo

de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para

os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime

necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo

de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da

Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes

internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados

Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os

comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo

podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados

no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees

internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O

estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das

mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem

ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a

coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e

aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se

listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e

a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento

de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou

pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora

dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as

organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso

significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de

22

constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das

organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de

investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos

entre os atores

Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional

Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema

de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja

que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se

como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e

procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores

convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o

desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como

os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de

desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender

os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um

regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com

mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como

regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas

33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)

23

como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade

desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem

ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos

Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de

regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que

atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte

e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e

projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas

sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional

nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-

econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o

fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que

ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os

desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes

fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento

Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja

buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos

atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os

constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes

internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e

puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes

A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos

atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo

sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis

considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores

24

Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a

literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo

fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs

termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no

processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem

conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos

resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999

116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e

datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos

economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando

qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura

especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia

como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma

maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno

Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do

fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam

imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando

inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e

programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta

considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de

2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)

Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a

conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de

equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de

crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos

34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares

25

mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre

a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950

(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35

Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos

como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito

vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos

afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia

e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como

cooperaccedilatildeo

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional

ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a

sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000

TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela

teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees

privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao

Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto

35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)

36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho

26

de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais

fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas

agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro

objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento

econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos

destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de

ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)

Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e

expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as

expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo

nesse trabalho definidos como regimes internacionais

Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente

econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um

regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de

ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da

afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE

1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura

comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e

ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento

econocircmico38) (JEPMA1991)

No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda

multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que

esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que

deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA

conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da

37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional

38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)

27

Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a

uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela

prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina

28

CAPIacuteTULO II

A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo

A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir

do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi

denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma

siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees

internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados

A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de

programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante

acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e

capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO

198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos

ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral

o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em

particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a

pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo

dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que

os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido

constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses

recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE

29

1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)

teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel

de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os

fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses

doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos

destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e

a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente

um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre

paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco

Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos

multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de

consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso

capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas

atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos

anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento

(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees

sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos

O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu

comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute

os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das

atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees

sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD

diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados

pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica

(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da

39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante

30

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em

1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)

A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em

desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral

das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do

desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das

preferecircncia dos PVD

A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada

diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os

Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse

dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas

garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em

desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de

decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender

porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas

vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte

destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator

tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida

pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa

aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees

dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo

multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a

cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade

da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral

claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses

doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD

ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das

31

poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela

econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em

desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos

Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais

dos Estados doadores

Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das

organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de

financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram

encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea

das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)

assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento

para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros

Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades

de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa

anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o

Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior

parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o

cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A

ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos

economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das

organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da

ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos

fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que

40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)

45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)

32

alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)

(BASILE 1995 63)42

As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas

depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se

efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados

(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de

recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas

efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem

econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento

que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses

doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD

amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo

2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees

internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD)

Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo

de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores

(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram

que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos

podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As

foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus

repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo

econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82

destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747

milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a

Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a

42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)

33

aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos

incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de

comportamento desse organismo

Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da

concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades

(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses

Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das

organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos

custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que

imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)

Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das

organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse

econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que

esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo

multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees

internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das

alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das

tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente

concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi

encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso

resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua

evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar

os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais

As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos

importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal

regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como

constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos

34

cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria

loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido

que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de

flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute

no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento

representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam

substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute

serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo

Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses

doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas

organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem

institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio

para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da

Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao

procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas

possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A

parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no

Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-

sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do

custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees

internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente

nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais

fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas

foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos

35

recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -

e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos

processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo

de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA

multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros

organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu

de Desenvolvimento (FED)

A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir

da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas

transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam

consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda

Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos

sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos

paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo

- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao

estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo

mais equilibrada dos recursos internacionais

Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em

uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais

eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees

internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os

paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a

automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao

43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA

44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)

4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970

36

desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996

94-5)

Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de

projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma

garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)

O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de

recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico

(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada

justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de

financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento

mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por

constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o

estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres

As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual

miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo

eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos

Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses

industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA

(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs

nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos

ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do

PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI

1998 123)

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em

desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como

financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses

doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente

46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo

37

Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo

de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de

fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os

paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O

fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento

na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os

paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos

setenta

As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD

As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses

comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram

introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da

proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica

aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da

Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da

resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o

Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que

ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER

1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo

permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual

satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das

Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda

vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era

categoricamente proibida47

Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das

diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada

47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)

38

organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos

(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos

quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe

uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia

Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da

autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral

A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos

seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria

responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas

resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido

autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado

autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades

operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens

proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso

significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia

financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das

categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)

Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp

HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de

autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da

regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o

proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da

compra de seus bens e serviccedilos

Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina

que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art

48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas

49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

39

105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras

de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a

manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e

realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)

a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio

para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a

11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a

praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral

Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da

Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve

normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e

serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios

paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e

serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a

realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de

julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de

execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees

totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp

HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais

Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz

respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a

execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na

maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para

cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo

vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas

e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao

ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles

50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

40

indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave

fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de

providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o

Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes

uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa

hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em

razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o

recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias

regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente

grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais

acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo

o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto

especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos

especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs

que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na

administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de

pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu

apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais

transparentes de controle (TAVARES 1999)

Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)

No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas

dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga

o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a

participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de

52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento

41

confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees

em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de

projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts

Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing

e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para

realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD

bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte

Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se

em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o

destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-

sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e

tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de

desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional

Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um

custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em

conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O

PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de

projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como

Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na

totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista

de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois

5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo

55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento

42

financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos

como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral

O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele

estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos

deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia

como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que

acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos

revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os

custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo

financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos

(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas

nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar

ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados

como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores

industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados

beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes

Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos

nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD

Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de

financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse

mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a

assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte

por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute

evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode

livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar

O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as

prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir

os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos

entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove

consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing

43

submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo

aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de

interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre

setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a

acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas

exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para

os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado

nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o

third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda

vinculada

O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos

divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da

modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos

ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO

ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que

passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as

atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente

chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase

que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa

decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos

administrados pelo PNUD na regiatildeo

Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e

projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400

milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de

recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram

utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram

recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)

No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos

programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de

1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

44

desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-

sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em

programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a

totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-

5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo

contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se

considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de

recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos

analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores

(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos

privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram

espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado

que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais

Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague

praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como

fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de

diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de

credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar

acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode

ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes

internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma

garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos

provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar

que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um

oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos

de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave

condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um

Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos

institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos

externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-

45

sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves

grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras

organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo

se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a

Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de

desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas

organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas

seminaacuterios) (ABC)56

A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias

tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os

atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da

cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que

dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional

bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes

Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da

condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-

poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses

recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de

empreacutestimos internacionais

56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)

46

CAPIacuteTULO m

A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos

No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de

uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees

impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa

de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo

estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos

anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde

entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e

constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em

vias de desenvolvimento

A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno

que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de

desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas

sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON

1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os

autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito

destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca

como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as

populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que

subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas

pela ajuda oficial ao desenvolvimento

Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a

condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um

47

melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os

govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas

poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados

iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte

dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias

multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do

que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda

mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de

imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais

pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)

A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua

aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso

da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro

do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses

doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de

desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas

locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz

respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade

eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das

populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais

pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees

do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram

pressotildees em vaacuterios niacuteveis

Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e

empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco

Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade

dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere

48

apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem

intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de

mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo

anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo

O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores

aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram

modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os

proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD

(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos

problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande

atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da

ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam

mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo

(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e

condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um

corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses

recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de

1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto

57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)

58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site

59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL

49

Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE

e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais

novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma

agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento

buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO

ECONOcircMICO OCDE1975)60

O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976

quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)

receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento

devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees

mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos

financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema

anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande

transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos

setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees

poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma

ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do

descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica

inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de

suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de

suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser

transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento

Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e

tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das

necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de

60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)

61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros

50

aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e

programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de

desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do

regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos

criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou

inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em

desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses

pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos

possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na

medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em

desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos

foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do

novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses

industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias

questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os

novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e

condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma

dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-

cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a

maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)

62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)

6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)

51

A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada

como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor

da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)

passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma

necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como

situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as

investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as

relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na

investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas

desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)

Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado

deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos

PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo

mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos

desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE

1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir

diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da

condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos

fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas

pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos

constrangimentos impostos a estes paiacuteses

A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais

64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)

52

A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta

quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de

promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton

Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio

anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse

o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)

A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise

econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem

retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem

econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA

COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD

seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-

Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL

CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho

65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)

66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)

67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)

53

Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento

poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais

definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do

mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha

e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de

desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os

temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j

A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos

como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes

de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia

Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos

paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava

seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos

investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta

natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses

desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto

econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer

afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o

68

68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)

69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional

70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)

54

discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos

temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul

Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA

contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda

internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na

agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo

financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes

nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)

Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da

OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida

favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as

necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao

narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do

sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o

desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a

corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo

de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo

de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam

tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial

O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que

os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e

a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)

tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades

de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os

seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas

setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente

71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo

55

responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O

uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos

que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os

mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas

Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos

oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica

mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo

emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se

alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito

uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha

sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de

seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante

ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram

a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise

da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia

de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados

pela crise da diacutevida

Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do

desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as

dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram

um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de

desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da

cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em

desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional

deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem

de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam

cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante

liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da

crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)

56

A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos

regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de

deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu

uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de

ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de

pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de

condicionalidade para os institutos financeiros

As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)

(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e

do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL

(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a

possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave

execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos

a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em

diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo

desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves

balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)

72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility

73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991

74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses

57

A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro

que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods

seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem

econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como

objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo

das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja

continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses

tinham uma raiz intema

A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave

manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O

uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado

simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave

utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos

recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter

facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam

os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem

mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem

disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento

de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor

Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso

da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa

de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise

Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os

institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos

ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir

de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do

processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas

mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias

serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos

privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de

58

5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991

(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996

13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep

em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os

PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de

desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como

decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional

e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse

interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para

financiar seus processos de desenvolvimento

O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a

manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes

internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e

a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido

utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que

ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os

paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE

1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo

do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos

repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas

Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos

provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental

Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de

mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte

dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e

com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas

internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25

bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35

dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela

59

Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha

Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS

2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que

as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas

natildeo pode ser tomada como ocasional

Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute

lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de

interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye

raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas

desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)

Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente

favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob

uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista

poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores

Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield

identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75

Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos

PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos

setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito

diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico

decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as

intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as

poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela

forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno

natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido

73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual

60

pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER

amp KEOHANE 19964)

Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos

quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo

dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento

a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de

condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos

custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela

ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque

mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses

centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute

mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10)

Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter

ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos

investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as

intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise

aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os

sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para

a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre

o mercado financeiro privado e os institutos financeiros

Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos

dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de

restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros

os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD

fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel

atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais

70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)

61

teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos

mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos

que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse

modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade

insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses

garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes

recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o

economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos

empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a

possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo

econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a

concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77

A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos

financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em

desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da

condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados

determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59

em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336

para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em

1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do

CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em

percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais

privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa

a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7

77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)

62

(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente

a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico

(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)

Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os

capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as

poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados

aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade

nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural

nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado

A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e

da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)

entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela

como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos

desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da

diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento

por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de

efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses

europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees

sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton

Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os

atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha

dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da

Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de

fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de

Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)

Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em

desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de

cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses

desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

63

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA

COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo

No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se

apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o

fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um

conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo

mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um

fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento

Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos

(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito

mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue

assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78

Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo

que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos

Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do

regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo

7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)

64

descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos

paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)

Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no

setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo

descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA

disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente

destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em

parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para

organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos

doadores (BASILE 1995)

A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais

polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a

cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre

a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso

porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a

posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais

no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo

muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas

em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute

vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma

espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-

estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio

de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das

populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o

ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os

direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros

introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em

65

vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo

Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo

anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda

humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os

direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor

natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar

que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia

condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados

nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma

incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de

cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda

Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um

verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI

19982000)

Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores

quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema

da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA

atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo

dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as

ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De

fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento

para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a

apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada

Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave

modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional

ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais

podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de

maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo

descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees

66

positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que

as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se

colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a

funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas

dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)

0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada

Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada

teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia

estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo

Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da

cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de

1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem

com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime

internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80

Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e

energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses

(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as

80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)

81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas

67

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da

bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo

estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para

que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de

assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-

interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que

os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar

financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades

comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83

Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo

do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi

permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos

recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar

integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de

Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as

as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP

82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento

83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)

84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)

68

ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto

pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses

membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da

introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer

parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo

existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos

Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da

Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as

ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando

atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes

(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a

Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias

privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta

Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na

Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot

Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le

Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem

nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a

formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das

ONGs (CECCHI 1995)

A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie

de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos

Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no

setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees

econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE

1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como

dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem

agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em

85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)

69

consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela

(KEOHANE 1984 123)

Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos

impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um

fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente

produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes

atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de

Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento

exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria

Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o

Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em

1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute

eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs

internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA

alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo

Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500

(TAVARES 1999)

Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de

cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de

atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse

inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas

iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de

desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde

a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI

86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione

87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP

70

1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma

funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses

industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em

desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de

suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)

O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as

ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte

Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime

ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em

desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE

DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a

Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo

de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)

(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos

anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Econocircmico em 1981)

De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo

descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de

necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma

limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais

setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON

1999)

Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no

mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior

como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos

fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava

Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo

internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como

afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades

88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)

71

pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente

Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a

expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos

paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia

humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e

nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS

2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem

fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a

ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos

Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da

Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em

um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em

desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais

favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)

Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima

contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura

investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs

internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode

nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no

setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas

Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do

capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a

Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre

1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados

em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus

destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que

mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse

89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos

90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)

72

tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O

autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel

porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida

externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos

previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com

fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da

economia destes paiacuteses

Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela

Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo

descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de

condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a

realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que

utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)

Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-

se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao

Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar

as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD

1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-

geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor

de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a

informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o

Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91

Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada

pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado

garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em

vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais

facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos

91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)

73

Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a

Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses

europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para

esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom

relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo

das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute

um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a

possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento

Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em

vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional

Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova

Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor

medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer

momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de

ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da

discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo

descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de

governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm

servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois

suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade

Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais

Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a

falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos

utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as

quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em

mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por

92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000

74

estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente

identificadas com estes atores (TAVARES 1999)

As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada

As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da

cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda

internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e

de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento

humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em

uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos

recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os

instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado

muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)

Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na

maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas

sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com

organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os

potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados

a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis

ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada

como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no

exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)

93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor

75

Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave

percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA

devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A

segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem

fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade

associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de

desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento

parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas

populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de

sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da

manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa

Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da

cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda

Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as

pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94

A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade

Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa

dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes

uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses

desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do

Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias

como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das

poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas

poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a

incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos

94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)

76

governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva

histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute

em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma

afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem

atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards

(COOPER amp PACKHARD 1997)

A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos

de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro

mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado

no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992

devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias

das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos

que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees

contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento

poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good

governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a

apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD

de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento

essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da

vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves

populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da

governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses

desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na

noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos

paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores

bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a

posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento

77

do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo

direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus

proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus

objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de

desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos

tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo

governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do

FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute

mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente

costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER

ACP-EU 2002 l)95

A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes

interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que

no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a

mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes

recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves

contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem

utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para

realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga

medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que

passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990

(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs

e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa

extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos

governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e

controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith

(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar

com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio

95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias

78

financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua

composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas

para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)

Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar

autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo

de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da

assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla

possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas

A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um

incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo

como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do

Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees

declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado

o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento

descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento

sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente

tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE

amp HARRISON 1998)

O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que

essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que

era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade

produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das

poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da

introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem

96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2

97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml

79

sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de

eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de

mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal

teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as

populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse

tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos

paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento

Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a

partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo

permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e

que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as

ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a

participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses

parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos

Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -

a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para

conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do

pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de

mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que

pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo

apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo

descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os

governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente

percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON

9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta

99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)

80

1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD

de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta

fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso

pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de

fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se

encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA

cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para

empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de

influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo

Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as

anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo

cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores

se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-

administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos

defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo

democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)

Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais

Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro

eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos

anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos

do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo

aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O

segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs

internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como

agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos

A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs

internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das

aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de

81

Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em

paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os

projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e

social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para

a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas

secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres

desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas

educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100

Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os

estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no

capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos

pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o

equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash

TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a

representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz

respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados

individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos

oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as

ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo

a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao

desenvolvimento atraveacutes das ONGs

Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e

podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da

cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da

cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial

atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999

luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4

K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)

82

TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das

Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho

Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas

em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda

humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)

satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas

junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103

(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as

demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia

governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em

acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos

lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de

ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos

governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as

ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)

Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm

caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio

regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo

aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de

102

102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)

103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos

83

decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em

desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de

que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem

escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter

informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais

limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo

de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se

expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm

reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um

relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar

ao leitor (PEREIRA 1997 167)

Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas

como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos

financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns

estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das

ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se

diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de

atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta

tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo

que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours

acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de

intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de

projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa

ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram

impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo

La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute

agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs

nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem

identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a

serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de

84

tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da

ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas

propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma

quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)

Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute

que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees

humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em

desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas

institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo

de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e

com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados

natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado

como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as

populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por

seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios

nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo

cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses

desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos

paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais

centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as

populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias

de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais

de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam

inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas

puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de

opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos

aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a

questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)

104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)

85

averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas

269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que

70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja

realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)

Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel

que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada

como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA

Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de

fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos

lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs

e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs

internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias

representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda

natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso

Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia

representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando

desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade

relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais

lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das

ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs

podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A

segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos

favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser

atendidas (TAVARES 1999)

Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar

que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita

que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas

competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo

irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos

a desvios de verba e a incompetecircncia

86

0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de

desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em

vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de

desenvolvimento

A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente

participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada

vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do

regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que

natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de

interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de

uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados

Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem

nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o

voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao

setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores

pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da

cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados

(JAHIER 2000 211-23)

87

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e

estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada

pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal

de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema

Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao

Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em

suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais

respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de

armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994

33)

Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta

porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no

cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas

internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas

somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se

estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila

Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre

paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a

retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do

estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e

agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os

problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos

setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da

diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma

agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as

questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia

88

estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da

apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis

aos interesses dos atores avantajados

Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas

agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas

a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em

relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute

que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees

que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais

especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante

O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses

do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando

maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas

Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas

primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos

mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o

fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do

regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento

de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores

desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico

Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees

particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos

cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -

Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos

Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como

causas destes problemas

A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a

anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores

89

avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta

pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar

nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de

arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que

percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta

pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades

humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia

nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees

entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento

Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo

empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional

as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento

dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF

1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado

que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de

crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece

tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que

foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra

Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo

internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um

dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as

assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais

Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo

internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir

das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por

problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso

A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do

Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de

90

alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha

ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram

negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi

tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras

com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de

ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem

ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos

intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods

Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional

com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de

salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram

suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton

Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo

explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos

os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode

ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes

poliacuteticos) os atores que constituem esse regime

Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de

orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de

setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a

cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado

internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo

orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a

expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais

(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como

administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)

Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas

da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a

processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos

91

Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de

conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de

fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul

afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do

estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento

Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees

atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas

92

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Monterrey Congress Documentation in (httpoecddac)

Operational guide for handling application budget lines Cofinancing o f operations to raise public awareness of development issues undertaken by European NGOs (B7- 6000) and Decentralised Cooperation (B7-6430) European Community

in (httpwwweuropaeuintcommdevelopmentsectorngofilesguide_application_enpdf)

Programme o f action o f the ECs development policy European Commissionin (httDAmropaeuintcommdeve1opmcntsectortgtovertv reductioninfopack target indicatorspdf)

United Nations Second decade for development 2626 (XXV) Resolution United Nations

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United Nations 3556 Resolution United Nations in (http www3ituintunions)

3762 Resolution Voluntary fund for the United Nations decade for women General Assembly

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2625 Resolution Declaration on principles of law concerning friendly relations and coshyoperation among states in accordance with the chapter of the United States (A8082) United States

in (httpwww unorgDeptsdhlresguidedocsares2625pdf)

The average ODA in the DAC member countries European Commissionin (http europaeuintcomndevelopmentpublicatinfofin1999info99_7_enhtm)

Voluntariato intemazionale nozioni di base Ufficio Soei Comune di Milano Settore Relazioni Estere e Comunicazione

in (http www comunemilanoit)

Para a consultaDocumentos das Naccedilotildees Unidasin (httpwww unsystemorg)A documentaccedilatildeo das Agencias das Naccedilotildees UnidasUNIONS (United Nations International Organizations Network Search) in (httpwww3ituintunions)CEEin lthttpeuropaorgOECDin (httpAvwwOECDorg)

Page 6: Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26

CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41

CAPIacuteTULO Ml

A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema

No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)

reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o

Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte

(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o

financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As

demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com

declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de

aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem

com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees

econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao

1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)

1

regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios

interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um

sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou

a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo

monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-

guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento

Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar

mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para

uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das

primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio

o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade

das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e

depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-

militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs

importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica

Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do

Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em

2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)

3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)

2

questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era

desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas

efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das

estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e

comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como

Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila

para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4

Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a

partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial

afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo

nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do

surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem

da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse

necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves

demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do

regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em

nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os

regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte

estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e

aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de

desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)

Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as

puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica

4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)

5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais

3

que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a

partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de

Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE

1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que

resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO

19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em

vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da

condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-

chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o

terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as

ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e

defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998

JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio

regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento

entre o Norte e o Sul

As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus

recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD

concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias

modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de

Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI

Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE

1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois

4

permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA

Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses

recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a

aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de

Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos

regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai

apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de

Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que

estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos

financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os

membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI

1999)

Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do

Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida

anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de

desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras

nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na

maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa

mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e

regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a

juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste

6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees

7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia

8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)

5

sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado

constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um

volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)

Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos

constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa

de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se

como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o

Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo

responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-

colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e

multilaterais dos paiacuteses industrializados

Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de

coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses

industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se

estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do

desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se

internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o

fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime

internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)

9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)

10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)

11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina

6

O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo

executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de

decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse

centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da

ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia

de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado

pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias

multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas

as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos

centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais

(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem

ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja

estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral

Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores

fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais

importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos

(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros

especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que

os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as

12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)

13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)

14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991

7

menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na

Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na

cidade de Monterrey (Meacutexico)15

As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD

Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral

condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas

no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos

anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de

decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive

dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a

completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos

como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras

(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa

noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar

um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir

intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD

Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos

facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores

(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou

maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso

15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)

17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados

8

a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de

efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando

organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de

vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os

governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias

sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades

de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento

(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos

paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante

objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas

Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo

do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a

aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da

cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado

Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas

internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute

buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em

regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que

facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984

94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas

todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais

plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da

cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria

necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como

sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas

punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso

como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais

natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros

18 No sentido beacutelico do termo

9

regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas

e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou

deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees

ainda mais graves para os atores desavantajados

Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e

constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert

Keohane19

19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten

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CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional

Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual

ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros

atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A

definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane

aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas

relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha

de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos

Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que

dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de

cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de

investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)

Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias

desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua

teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas

20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles

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relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no

caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de

exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os

Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o

estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos

atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com

atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais

de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser

ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o

aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre

atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou

mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os

atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores

desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos

que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem

estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional

Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo

internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema

internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em

um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute

aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984

7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o

Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria

de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao

21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)

22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois

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papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo

seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder

e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as

limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o

fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que

pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o

egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder

Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e

agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o

fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia

resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees

internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra

maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para

perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a

possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os

paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)

O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional

24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos

23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo

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atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho

em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de

cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26

entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que

poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as

preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica

Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema

do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores

racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos

proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional

e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem

uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas

racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos

pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive

institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A

anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno

acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses

complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores

racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses

E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais

significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da

riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos

atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas

globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria

da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os

Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores

(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia

poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a

26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito

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cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias

elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos

poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)

Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do

sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O

comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute

fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo

ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os

incentivos e com os comportamentos dos atores

A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria

de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos

realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de

manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992

466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do

sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos

noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos

comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432

MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um

estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de

27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)

28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional

29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)

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constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees

econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da

cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees

econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de

financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que

satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da

anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho

Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados

pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos

aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os

ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados

Regimes internacionais

Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos

normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas

dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais

(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos

regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas

caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico

de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o

comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a

30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento

31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)

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constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma

funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando

algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam

ser tratadas de modo comum

Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem

determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e

proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no

sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto

aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes

internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo

sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal

Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo

poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema

internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a

facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia

natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos

(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza

sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo

entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema

capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de

descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado

hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves

informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que

consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os

regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem

internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos

motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem

sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente

Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)

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pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-

3)

Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de

que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e

aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos

que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida

voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os

regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais

complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento

(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando

participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira

fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista

Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e

prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees

exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do

processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de

constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)

Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores

desavantajados de pertencer a um regime internacional

Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido

criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou

consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo

ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo

voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos

primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de

examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer

constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem

diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem

ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores

mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram

realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes

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internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas

vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que

lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores

internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de

escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores

estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem

diferentes custos de oportunidades para diferentes atores

Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades

diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no

mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas

resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos

Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma

operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito

ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se

benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades

para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras

do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca

mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-

econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais

deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma

diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as

explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis

encontram-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-

se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros

superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham

participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo

dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que

os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio

Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)

Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que

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estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha

voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime

internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo

pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores

desavantajados

A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo

de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes

simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais

fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados

destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores

desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que

os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos

nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e

resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e

que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde

as desigualdades satildeo grandes

Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve

ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes

internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de

mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem

sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e

intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os

regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o

caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial

oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois

do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano

Marshall (DINOLFO 1994 601-29)

Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os

regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos

aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime

isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves

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alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no

mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade

com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com

outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os

atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes

serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No

mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes

um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode

criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os

demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem

seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis

benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas

envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado

Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os

regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no

mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam

racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam

abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como

membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os

regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as

regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses

(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o

custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao

transgressor naquele ou em demais regimes

Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento

do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser

fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar

de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de

participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes

evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que

governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos

21

assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso

natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover

a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros

governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz

respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para

afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas

(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)

A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo

de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para

os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime

necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo

de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da

Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes

internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados

Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os

comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo

podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados

no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees

internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O

estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das

mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem

ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a

coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e

aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se

listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e

a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento

de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou

pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora

dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as

organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso

significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de

22

constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das

organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de

investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos

entre os atores

Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional

Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema

de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja

que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se

como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e

procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores

convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o

desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como

os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de

desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender

os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um

regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com

mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como

regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas

33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)

23

como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade

desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem

ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos

Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de

regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que

atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte

e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e

projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas

sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional

nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-

econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o

fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que

ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os

desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes

fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento

Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja

buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos

atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os

constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes

internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e

puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes

A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos

atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo

sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis

considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores

24

Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a

literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo

fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs

termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no

processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem

conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos

resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999

116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e

datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos

economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando

qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura

especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia

como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma

maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno

Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do

fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam

imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando

inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e

programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta

considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de

2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)

Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a

conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de

equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de

crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos

34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares

25

mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre

a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950

(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35

Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos

como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito

vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos

afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia

e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como

cooperaccedilatildeo

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional

ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a

sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000

TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela

teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees

privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao

Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto

35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)

36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho

26

de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais

fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas

agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro

objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento

econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos

destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de

ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)

Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e

expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as

expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo

nesse trabalho definidos como regimes internacionais

Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente

econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um

regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de

ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da

afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE

1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura

comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e

ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento

econocircmico38) (JEPMA1991)

No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda

multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que

esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que

deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA

conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da

37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional

38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)

27

Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a

uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela

prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina

28

CAPIacuteTULO II

A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo

A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir

do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi

denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma

siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees

internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados

A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de

programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante

acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e

capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO

198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos

ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral

o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em

particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a

pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo

dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que

os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido

constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses

recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE

29

1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)

teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel

de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os

fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses

doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos

destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e

a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente

um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre

paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco

Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos

multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de

consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso

capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas

atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos

anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento

(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees

sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos

O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu

comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute

os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das

atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees

sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD

diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados

pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica

(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da

39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante

30

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em

1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)

A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em

desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral

das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do

desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das

preferecircncia dos PVD

A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada

diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os

Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse

dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas

garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em

desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de

decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender

porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas

vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte

destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator

tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida

pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa

aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees

dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo

multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a

cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade

da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral

claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses

doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD

ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das

31

poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela

econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em

desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos

Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais

dos Estados doadores

Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das

organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de

financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram

encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea

das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)

assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento

para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros

Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades

de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa

anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o

Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior

parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o

cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A

ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos

economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das

organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da

ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos

fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que

40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)

45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)

32

alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)

(BASILE 1995 63)42

As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas

depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se

efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados

(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de

recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas

efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem

econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento

que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses

doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD

amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo

2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees

internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD)

Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo

de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores

(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram

que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos

podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As

foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus

repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo

econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82

destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747

milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a

Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a

42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)

33

aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos

incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de

comportamento desse organismo

Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da

concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades

(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses

Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das

organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos

custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que

imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)

Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das

organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse

econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que

esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo

multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees

internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das

alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das

tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente

concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi

encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso

resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua

evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar

os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais

As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos

importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal

regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como

constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos

34

cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria

loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido

que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de

flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute

no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento

representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam

substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute

serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo

Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses

doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas

organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem

institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio

para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da

Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao

procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas

possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A

parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no

Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-

sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do

custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees

internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente

nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais

fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas

foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos

35

recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -

e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos

processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo

de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA

multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros

organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu

de Desenvolvimento (FED)

A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir

da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas

transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam

consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda

Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos

sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos

paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo

- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao

estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo

mais equilibrada dos recursos internacionais

Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em

uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais

eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees

internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os

paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a

automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao

43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA

44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)

4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970

36

desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996

94-5)

Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de

projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma

garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)

O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de

recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico

(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada

justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de

financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento

mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por

constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o

estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres

As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual

miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo

eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos

Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses

industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA

(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs

nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos

ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do

PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI

1998 123)

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em

desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como

financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses

doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente

46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo

37

Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo

de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de

fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os

paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O

fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento

na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os

paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos

setenta

As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD

As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses

comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram

introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da

proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica

aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da

Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da

resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o

Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que

ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER

1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo

permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual

satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das

Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda

vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era

categoricamente proibida47

Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das

diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada

47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)

38

organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos

(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos

quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe

uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia

Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da

autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral

A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos

seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria

responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas

resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido

autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado

autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades

operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens

proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso

significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia

financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das

categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)

Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp

HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de

autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da

regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o

proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da

compra de seus bens e serviccedilos

Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina

que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art

48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas

49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

39

105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras

de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a

manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e

realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)

a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio

para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a

11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a

praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral

Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da

Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve

normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e

serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios

paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e

serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a

realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de

julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de

execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees

totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp

HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais

Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz

respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a

execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na

maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para

cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo

vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas

e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao

ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles

50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

40

indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave

fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de

providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o

Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes

uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa

hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em

razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o

recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias

regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente

grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais

acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo

o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto

especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos

especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs

que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na

administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de

pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu

apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais

transparentes de controle (TAVARES 1999)

Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)

No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas

dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga

o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a

participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de

52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento

41

confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees

em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de

projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts

Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing

e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para

realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD

bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte

Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se

em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o

destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-

sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e

tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de

desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional

Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um

custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em

conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O

PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de

projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como

Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na

totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista

de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois

5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo

55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento

42

financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos

como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral

O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele

estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos

deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia

como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que

acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos

revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os

custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo

financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos

(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas

nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar

ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados

como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores

industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados

beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes

Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos

nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD

Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de

financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse

mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a

assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte

por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute

evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode

livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar

O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as

prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir

os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos

entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove

consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing

43

submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo

aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de

interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre

setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a

acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas

exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para

os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado

nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o

third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda

vinculada

O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos

divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da

modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos

ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO

ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que

passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as

atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente

chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase

que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa

decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos

administrados pelo PNUD na regiatildeo

Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e

projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400

milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de

recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram

utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram

recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)

No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos

programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de

1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

44

desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-

sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em

programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a

totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-

5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo

contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se

considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de

recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos

analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores

(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos

privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram

espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado

que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais

Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague

praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como

fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de

diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de

credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar

acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode

ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes

internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma

garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos

provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar

que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um

oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos

de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave

condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um

Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos

institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos

externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-

45

sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves

grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras

organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo

se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a

Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de

desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas

organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas

seminaacuterios) (ABC)56

A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias

tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os

atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da

cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que

dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional

bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes

Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da

condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-

poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses

recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de

empreacutestimos internacionais

56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)

46

CAPIacuteTULO m

A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos

No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de

uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees

impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa

de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo

estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos

anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde

entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e

constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em

vias de desenvolvimento

A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno

que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de

desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas

sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON

1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os

autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito

destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca

como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as

populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que

subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas

pela ajuda oficial ao desenvolvimento

Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a

condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um

47

melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os

govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas

poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados

iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte

dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias

multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do

que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda

mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de

imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais

pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)

A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua

aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso

da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro

do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses

doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de

desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas

locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz

respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade

eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das

populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais

pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees

do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram

pressotildees em vaacuterios niacuteveis

Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e

empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco

Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade

dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere

48

apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem

intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de

mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo

anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo

O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores

aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram

modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os

proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD

(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos

problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande

atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da

ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam

mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo

(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e

condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um

corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses

recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de

1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto

57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)

58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site

59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL

49

Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE

e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais

novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma

agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento

buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO

ECONOcircMICO OCDE1975)60

O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976

quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)

receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento

devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees

mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos

financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema

anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande

transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos

setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees

poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma

ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do

descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica

inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de

suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de

suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser

transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento

Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e

tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das

necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de

60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)

61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros

50

aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e

programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de

desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do

regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos

criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou

inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em

desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses

pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos

possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na

medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em

desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos

foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do

novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses

industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias

questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os

novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e

condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma

dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-

cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a

maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)

62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)

6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)

51

A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada

como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor

da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)

passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma

necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como

situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as

investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as

relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na

investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas

desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)

Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado

deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos

PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo

mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos

desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE

1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir

diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da

condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos

fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas

pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos

constrangimentos impostos a estes paiacuteses

A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais

64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)

52

A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta

quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de

promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton

Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio

anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse

o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)

A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise

econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem

retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem

econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA

COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD

seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-

Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL

CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho

65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)

66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)

67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)

53

Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento

poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais

definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do

mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha

e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de

desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os

temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j

A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos

como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes

de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia

Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos

paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava

seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos

investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta

natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses

desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto

econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer

afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o

68

68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)

69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional

70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)

54

discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos

temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul

Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA

contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda

internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na

agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo

financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes

nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)

Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da

OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida

favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as

necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao

narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do

sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o

desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a

corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo

de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo

de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam

tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial

O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que

os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e

a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)

tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades

de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os

seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas

setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente

71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo

55

responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O

uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos

que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os

mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas

Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos

oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica

mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo

emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se

alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito

uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha

sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de

seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante

ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram

a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise

da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia

de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados

pela crise da diacutevida

Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do

desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as

dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram

um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de

desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da

cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em

desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional

deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem

de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam

cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante

liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da

crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)

56

A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos

regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de

deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu

uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de

ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de

pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de

condicionalidade para os institutos financeiros

As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)

(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e

do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL

(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a

possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave

execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos

a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em

diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo

desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves

balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)

72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility

73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991

74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses

57

A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro

que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods

seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem

econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como

objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo

das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja

continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses

tinham uma raiz intema

A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave

manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O

uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado

simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave

utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos

recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter

facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam

os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem

mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem

disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento

de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor

Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso

da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa

de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise

Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os

institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos

ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir

de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do

processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas

mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias

serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos

privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de

58

5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991

(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996

13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep

em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os

PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de

desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como

decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional

e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse

interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para

financiar seus processos de desenvolvimento

O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a

manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes

internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e

a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido

utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que

ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os

paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE

1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo

do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos

repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas

Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos

provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental

Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de

mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte

dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e

com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas

internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25

bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35

dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela

59

Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha

Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS

2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que

as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas

natildeo pode ser tomada como ocasional

Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute

lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de

interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye

raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas

desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)

Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente

favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob

uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista

poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores

Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield

identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75

Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos

PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos

setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito

diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico

decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as

intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as

poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela

forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno

natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido

73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual

60

pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER

amp KEOHANE 19964)

Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos

quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo

dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento

a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de

condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos

custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela

ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque

mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses

centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute

mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10)

Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter

ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos

investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as

intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise

aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os

sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para

a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre

o mercado financeiro privado e os institutos financeiros

Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos

dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de

restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros

os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD

fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel

atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais

70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)

61

teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos

mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos

que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse

modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade

insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses

garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes

recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o

economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos

empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a

possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo

econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a

concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77

A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos

financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em

desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da

condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados

determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59

em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336

para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em

1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do

CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em

percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais

privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa

a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7

77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)

62

(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente

a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico

(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)

Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os

capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as

poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados

aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade

nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural

nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado

A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e

da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)

entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela

como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos

desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da

diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento

por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de

efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses

europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees

sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton

Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os

atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha

dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da

Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de

fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de

Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)

Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em

desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de

cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses

desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

63

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA

COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo

No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se

apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o

fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um

conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo

mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um

fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento

Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos

(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito

mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue

assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78

Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo

que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos

Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do

regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo

7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)

64

descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos

paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)

Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no

setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo

descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA

disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente

destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em

parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para

organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos

doadores (BASILE 1995)

A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais

polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a

cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre

a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso

porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a

posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais

no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo

muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas

em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute

vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma

espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-

estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio

de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das

populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o

ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os

direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros

introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em

65

vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo

Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo

anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda

humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os

direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor

natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar

que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia

condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados

nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma

incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de

cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda

Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um

verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI

19982000)

Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores

quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema

da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA

atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo

dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as

ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De

fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento

para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a

apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada

Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave

modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional

ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais

podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de

maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo

descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees

66

positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que

as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se

colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a

funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas

dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)

0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada

Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada

teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia

estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo

Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da

cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de

1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem

com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime

internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80

Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e

energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses

(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as

80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)

81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas

67

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da

bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo

estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para

que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de

assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-

interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que

os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar

financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades

comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83

Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo

do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi

permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos

recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar

integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de

Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as

as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP

82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento

83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)

84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)

68

ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto

pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses

membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da

introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer

parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo

existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos

Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da

Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as

ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando

atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes

(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a

Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias

privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta

Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na

Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot

Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le

Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem

nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a

formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das

ONGs (CECCHI 1995)

A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie

de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos

Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no

setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees

econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE

1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como

dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem

agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em

85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)

69

consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela

(KEOHANE 1984 123)

Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos

impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um

fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente

produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes

atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de

Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento

exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria

Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o

Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em

1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute

eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs

internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA

alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo

Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500

(TAVARES 1999)

Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de

cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de

atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse

inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas

iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de

desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde

a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI

86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione

87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP

70

1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma

funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses

industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em

desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de

suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)

O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as

ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte

Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime

ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em

desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE

DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a

Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo

de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)

(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos

anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Econocircmico em 1981)

De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo

descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de

necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma

limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais

setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON

1999)

Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no

mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior

como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos

fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava

Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo

internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como

afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades

88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)

71

pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente

Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a

expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos

paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia

humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e

nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS

2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem

fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a

ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos

Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da

Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em

um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em

desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais

favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)

Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima

contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura

investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs

internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode

nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no

setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas

Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do

capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a

Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre

1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados

em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus

destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que

mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse

89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos

90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)

72

tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O

autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel

porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida

externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos

previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com

fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da

economia destes paiacuteses

Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela

Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo

descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de

condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a

realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que

utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)

Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-

se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao

Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar

as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD

1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-

geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor

de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a

informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o

Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91

Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada

pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado

garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em

vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais

facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos

91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)

73

Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a

Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses

europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para

esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom

relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo

das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute

um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a

possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento

Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em

vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional

Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova

Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor

medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer

momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de

ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da

discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo

descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de

governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm

servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois

suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade

Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais

Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a

falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos

utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as

quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em

mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por

92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000

74

estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente

identificadas com estes atores (TAVARES 1999)

As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada

As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da

cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda

internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e

de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento

humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em

uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos

recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os

instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado

muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)

Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na

maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas

sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com

organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os

potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados

a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis

ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada

como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no

exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)

93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor

75

Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave

percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA

devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A

segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem

fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade

associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de

desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento

parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas

populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de

sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da

manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa

Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da

cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda

Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as

pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94

A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade

Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa

dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes

uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses

desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do

Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias

como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das

poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas

poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a

incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos

94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)

76

governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva

histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute

em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma

afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem

atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards

(COOPER amp PACKHARD 1997)

A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos

de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro

mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado

no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992

devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias

das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos

que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees

contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento

poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good

governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a

apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD

de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento

essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da

vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves

populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da

governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses

desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na

noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos

paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores

bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a

posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento

77

do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo

direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus

proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus

objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de

desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos

tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo

governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do

FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute

mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente

costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER

ACP-EU 2002 l)95

A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes

interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que

no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a

mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes

recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves

contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem

utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para

realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga

medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que

passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990

(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs

e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa

extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos

governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e

controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith

(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar

com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio

95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias

78

financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua

composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas

para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)

Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar

autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo

de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da

assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla

possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas

A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um

incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo

como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do

Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees

declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado

o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento

descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento

sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente

tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE

amp HARRISON 1998)

O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que

essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que

era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade

produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das

poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da

introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem

96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2

97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml

79

sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de

eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de

mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal

teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as

populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse

tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos

paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento

Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a

partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo

permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e

que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as

ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a

participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses

parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos

Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -

a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para

conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do

pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de

mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que

pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo

apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo

descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os

governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente

percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON

9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta

99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)

80

1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD

de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta

fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso

pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de

fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se

encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA

cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para

empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de

influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo

Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as

anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo

cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores

se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-

administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos

defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo

democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)

Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais

Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro

eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos

anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos

do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo

aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O

segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs

internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como

agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos

A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs

internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das

aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de

81

Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em

paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os

projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e

social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para

a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas

secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres

desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas

educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100

Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os

estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no

capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos

pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o

equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash

TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a

representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz

respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados

individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos

oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as

ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo

a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao

desenvolvimento atraveacutes das ONGs

Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e

podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da

cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da

cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial

atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999

luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4

K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)

82

TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das

Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho

Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas

em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda

humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)

satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas

junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103

(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as

demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia

governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em

acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos

lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de

ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos

governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as

ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)

Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm

caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio

regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo

aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de

102

102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)

103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos

83

decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em

desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de

que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem

escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter

informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais

limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo

de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se

expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm

reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um

relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar

ao leitor (PEREIRA 1997 167)

Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas

como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos

financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns

estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das

ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se

diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de

atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta

tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo

que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours

acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de

intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de

projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa

ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram

impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo

La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute

agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs

nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem

identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a

serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de

84

tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da

ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas

propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma

quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)

Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute

que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees

humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em

desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas

institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo

de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e

com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados

natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado

como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as

populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por

seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios

nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo

cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses

desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos

paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais

centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as

populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias

de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais

de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam

inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas

puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de

opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos

aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a

questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)

104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)

85

averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas

269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que

70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja

realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)

Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel

que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada

como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA

Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de

fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos

lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs

e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs

internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias

representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda

natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso

Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia

representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando

desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade

relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais

lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das

ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs

podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A

segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos

favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser

atendidas (TAVARES 1999)

Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar

que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita

que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas

competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo

irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos

a desvios de verba e a incompetecircncia

86

0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de

desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em

vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de

desenvolvimento

A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente

participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada

vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do

regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que

natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de

interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de

uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados

Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem

nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o

voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao

setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores

pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da

cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados

(JAHIER 2000 211-23)

87

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e

estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada

pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal

de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema

Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao

Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em

suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais

respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de

armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994

33)

Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta

porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no

cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas

internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas

somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se

estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila

Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre

paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a

retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do

estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e

agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os

problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos

setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da

diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma

agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as

questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia

88

estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da

apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis

aos interesses dos atores avantajados

Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas

agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas

a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em

relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute

que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees

que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais

especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante

O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses

do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando

maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas

Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas

primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos

mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o

fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do

regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento

de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores

desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico

Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees

particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos

cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -

Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos

Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como

causas destes problemas

A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a

anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores

89

avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta

pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar

nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de

arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que

percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta

pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades

humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia

nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees

entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento

Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo

empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional

as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento

dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF

1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado

que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de

crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece

tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que

foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra

Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo

internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um

dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as

assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais

Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo

internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir

das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por

problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso

A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do

Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de

90

alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha

ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram

negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi

tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras

com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de

ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem

ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos

intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods

Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional

com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de

salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram

suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton

Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo

explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos

os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode

ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes

poliacuteticos) os atores que constituem esse regime

Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de

orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de

setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a

cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado

internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo

orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a

expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais

(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como

administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)

Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas

da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a

processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos

91

Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de

conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de

fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul

afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do

estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento

Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees

atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas

92

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Page 7: Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Rafael Villa

INTRODUCcedilAtildeO

Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema

No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)

reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o

Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte

(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o

financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As

demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com

declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de

aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem

com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees

econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao

1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)

1

regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios

interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um

sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou

a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo

monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-

guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento

Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar

mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para

uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das

primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio

o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade

das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e

depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-

militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs

importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica

Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do

Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em

2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)

3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)

2

questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era

desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas

efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das

estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e

comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como

Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila

para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4

Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a

partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial

afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo

nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do

surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem

da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse

necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves

demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do

regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em

nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os

regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte

estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e

aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de

desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)

Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as

puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica

4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)

5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais

3

que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a

partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de

Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE

1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que

resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO

19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em

vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da

condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-

chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o

terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as

ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e

defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998

JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio

regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento

entre o Norte e o Sul

As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus

recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD

concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias

modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de

Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI

Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE

1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao

desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois

4

permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA

Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses

recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a

aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de

Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos

regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai

apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de

Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que

estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos

financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os

membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI

1999)

Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do

Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida

anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de

desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras

nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na

maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa

mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e

regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a

juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste

6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees

7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia

8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)

5

sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado

constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um

volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)

Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos

constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa

de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se

como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o

Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo

responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-

colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e

multilaterais dos paiacuteses industrializados

Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de

coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses

industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se

estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do

desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se

internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o

fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime

internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)

9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)

10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)

11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina

6

O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo

executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de

decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral

fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse

centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da

ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia

de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado

pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias

multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas

as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos

centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais

(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem

ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja

estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses

em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral

Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores

fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais

importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos

(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros

especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que

os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as

12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)

13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)

14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991

7

menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na

Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na

cidade de Monterrey (Meacutexico)15

As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD

Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral

condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas

no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos

anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de

decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive

dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a

completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos

como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras

(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa

noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar

um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir

intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD

Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos

facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores

(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou

maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso

15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento

16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)

17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados

8

a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de

efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando

organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de

vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os

governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias

sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades

de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento

(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos

paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante

objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas

Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo

do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a

aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da

cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado

Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas

internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute

buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em

regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que

facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984

94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas

todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais

plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da

cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria

necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como

sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas

punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso

como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais

natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros

18 No sentido beacutelico do termo

9

regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas

e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou

deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees

ainda mais graves para os atores desavantajados

Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e

constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert

Keohane19

19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten

10

CAPIacuteTULO I

A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS

O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional

Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual

ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros

atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A

definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane

aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas

relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha

de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos

Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que

dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de

cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de

investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)

Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias

desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua

teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas

20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles

11

relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no

caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de

exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os

Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o

estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos

atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com

atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais

de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser

ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o

aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre

atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou

mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os

atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores

desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos

que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem

estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da

cooperaccedilatildeo internacional

Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo

internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema

internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em

um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute

aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984

7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o

Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria

de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao

21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)

22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois

12

papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo

seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder

e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as

limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o

fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que

pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o

egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder

Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e

agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o

fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia

resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees

internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra

maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para

perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a

possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os

paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)

O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional

24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos

23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo

13

atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho

em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de

cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26

entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que

poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as

preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica

Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema

do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores

racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos

proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional

e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem

uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas

racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos

pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive

institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A

anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno

acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses

complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores

racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses

E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais

significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da

riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos

atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas

globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria

da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os

Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores

(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia

poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a

26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito

14

cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias

elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos

poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)

Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do

sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O

comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute

fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo

ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os

incentivos e com os comportamentos dos atores

A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria

de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos

realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de

manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992

466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do

sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos

noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos

comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432

MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um

estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de

27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)

28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional

29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)

15

constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees

econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da

cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees

econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de

financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que

satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da

anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho

Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados

pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos

aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os

ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados

Regimes internacionais

Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos

normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas

dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais

(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos

regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas

caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico

de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o

comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a

30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento

31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)

16

constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma

funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando

algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam

ser tratadas de modo comum

Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem

determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e

proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no

sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto

aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes

internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo

sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal

Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo

poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema

internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a

facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia

natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos

(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza

sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo

entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema

capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de

descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado

hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves

informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que

consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os

regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem

internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos

motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem

sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente

Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)

17

pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-

3)

Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de

que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e

aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos

que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida

voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os

regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais

complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento

(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando

participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira

fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista

Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e

prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees

exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do

processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de

constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)

Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores

desavantajados de pertencer a um regime internacional

Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido

criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou

consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo

ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo

voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos

primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de

examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer

constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem

diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem

ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores

mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram

realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes

18

internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas

vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que

lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores

internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de

escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores

estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem

diferentes custos de oportunidades para diferentes atores

Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades

diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no

mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas

resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos

Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma

operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito

ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se

benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades

para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras

do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca

mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-

econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais

deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma

diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as

explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis

encontram-se no poder dos recursos econocircmicos

Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-

se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros

superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham

participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo

dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que

os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio

Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)

Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que

19

estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha

voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime

internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo

pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores

desavantajados

A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo

de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes

simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais

fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados

destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores

desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que

os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos

nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e

resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e

que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde

as desigualdades satildeo grandes

Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve

ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes

internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de

mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem

sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e

intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os

regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o

caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial

oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois

do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano

Marshall (DINOLFO 1994 601-29)

Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os

regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos

aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime

isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves

20

alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no

mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade

com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com

outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os

atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes

serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No

mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes

um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode

criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os

demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem

seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis

benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas

envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado

Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os

regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no

mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam

racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam

abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como

membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os

regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as

regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses

(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o

custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao

transgressor naquele ou em demais regimes

Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento

do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser

fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar

de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de

participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes

evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que

governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos

21

assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso

natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover

a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros

governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz

respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para

afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas

(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)

A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo

de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para

os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime

necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo

de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da

Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes

internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados

Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os

comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo

podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados

no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees

internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O

estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das

mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem

ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a

coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e

aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se

listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e

a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento

de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou

pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora

dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as

organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso

significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de

22

constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das

organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de

investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos

entre os atores

Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional

Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema

de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja

que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se

como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e

procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores

convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o

desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como

os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de

desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender

os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um

regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com

mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como

regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas

33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)

23

como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade

desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem

ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos

Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de

regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que

atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte

e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e

projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas

sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional

nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-

econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o

fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que

ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os

desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes

fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento

Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja

buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos

atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os

constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento

em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes

internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e

puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes

A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos

atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo

sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis

considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores

24

Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime

nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a

literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo

fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs

termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no

processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem

conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos

resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999

116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e

datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos

economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando

qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura

especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia

como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma

maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno

Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do

fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam

imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando

inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e

programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta

considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de

2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)

Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a

conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de

equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de

crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos

34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares

25

mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre

a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950

(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35

Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos

como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito

vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos

afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia

e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como

cooperaccedilatildeo

Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional

ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a

sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional

ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000

TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela

teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees

privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao

Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto

35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)

36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho

26

de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais

fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas

agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro

objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento

econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos

destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de

ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)

Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e

expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as

expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo

nesse trabalho definidos como regimes internacionais

Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente

econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um

regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de

ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da

afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE

1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura

comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e

ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento

econocircmico38) (JEPMA1991)

No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda

multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que

esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que

deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA

conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da

37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional

38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)

27

Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a

uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela

prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina

28

CAPIacuteTULO II

A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO

As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo

A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir

do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi

denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma

siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees

internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados

A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de

programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante

acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e

capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO

198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos

ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral

o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em

particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a

pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo

dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que

os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido

constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses

recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE

29

1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)

teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel

de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os

fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses

doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos

destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e

a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente

um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre

paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco

Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos

multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de

consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso

capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas

atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos

anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento

(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees

sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo

ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos

O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu

comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute

os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda

oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das

atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees

sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD

diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados

pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica

(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da

39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante

30

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em

1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)

A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em

desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral

das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do

desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das

preferecircncia dos PVD

A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada

diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os

Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse

dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas

garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em

desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de

decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender

porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas

vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte

destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator

tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida

pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa

aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees

dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo

multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a

cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade

da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral

claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses

doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD

ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das

31

poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela

econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em

desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos

Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais

dos Estados doadores

Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das

organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de

financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram

encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea

das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)

assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento

para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros

Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades

de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa

anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o

Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior

parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o

cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A

ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos

economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das

organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da

ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos

fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que

40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)

45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)

32

alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)

(BASILE 1995 63)42

As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas

depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se

efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados

(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de

recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas

efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem

econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento

que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses

doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD

amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo

2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees

internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

(PNUD)

Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo

de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores

(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram

que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos

podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As

foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus

repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo

econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82

destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747

milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a

Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a

42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)

33

aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos

incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de

comportamento desse organismo

Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da

concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades

(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses

Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das

organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos

custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que

imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)

Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das

organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse

econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que

esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo

multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees

internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das

Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das

alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das

tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente

concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi

encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso

resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua

evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar

os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais

As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos

importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal

regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como

constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos

34

cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria

loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido

que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de

flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute

no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento

representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam

substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute

serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo

Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses

doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal

toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas

organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem

institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626

(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio

para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da

Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao

procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas

possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A

parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no

Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-

sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do

custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees

internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente

nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais

fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas

foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos

35

recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -

e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos

processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo

de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA

multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros

organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu

de Desenvolvimento (FED)

A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir

da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas

transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam

consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda

Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos

sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos

paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo

- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao

estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo

mais equilibrada dos recursos internacionais

Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em

uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais

eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees

internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os

paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas

como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a

automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao

43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA

44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)

4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970

36

desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996

94-5)

Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de

projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma

garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)

O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de

recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico

(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada

justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de

financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento

mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por

constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o

estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres

As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual

miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo

eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos

Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses

industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA

(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs

nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos

ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do

PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI

1998 123)

A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em

desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como

financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses

doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente

46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo

37

Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo

de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de

fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os

paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O

fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento

na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os

paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos

setenta

As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD

As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses

comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram

introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da

proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica

aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da

Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da

resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o

Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que

ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER

1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo

permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual

satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das

Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda

vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era

categoricamente proibida47

Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das

diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada

47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)

38

organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos

(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos

quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe

uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia

Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da

autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral

A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos

seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria

responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas

resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido

autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado

autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades

operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens

proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso

significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia

financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das

categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)

Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas

multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp

HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de

autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da

regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o

proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da

compra de seus bens e serviccedilos

Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina

que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art

48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas

49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

39

105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras

de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a

manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e

realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)

a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio

para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a

11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a

praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral

Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da

Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve

normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e

serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios

paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e

serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a

realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de

julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de

execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees

totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp

HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais

Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz

respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a

execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na

maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para

cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo

vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas

e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao

ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles

50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)

40

indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave

fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de

providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o

Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes

uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa

hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em

razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o

recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias

regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente

grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais

acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo

o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto

especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos

especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs

que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na

administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de

pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu

apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais

transparentes de controle (TAVARES 1999)

Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)

No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas

dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga

o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a

participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de

52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento

41

confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees

em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de

projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts

Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing

e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para

realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD

bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte

Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se

em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o

destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-

sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e

tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de

desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional

Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um

custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em

conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O

PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de

projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como

Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na

totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista

de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois

5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas

54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo

55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento

42

financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos

como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral

O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele

estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos

deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia

como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que

acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos

revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os

custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo

financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos

(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas

nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar

ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados

como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores

industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados

beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes

Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos

nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD

Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de

financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse

mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a

assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte

por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute

evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode

livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar

O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as

prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir

os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos

entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove

consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing

43

submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo

aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de

interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre

setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a

acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas

exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para

os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado

nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o

third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda

vinculada

O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos

divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da

modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos

ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO

ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que

passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as

atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente

chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase

que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa

decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos

administrados pelo PNUD na regiatildeo

Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e

projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400

milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de

recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram

utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram

recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)

No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos

programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de

1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de

44

desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-

sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em

programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a

totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-

5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo

contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se

considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de

recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos

analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores

(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos

privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram

espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado

que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais

Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague

praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como

fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de

diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de

credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar

acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode

ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes

internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma

garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos

provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar

que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um

oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos

de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave

condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um

Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos

institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos

externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-

45

sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves

grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras

organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo

se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a

Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de

desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas

organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas

seminaacuterios) (ABC)56

A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias

tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os

atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da

cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que

dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional

bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes

Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da

condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-

poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses

recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de

empreacutestimos internacionais

56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)

46

CAPIacuteTULO m

A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO

A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos

No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de

uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees

impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa

de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo

estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos

anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde

entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e

constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em

vias de desenvolvimento

A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno

que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de

desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas

sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON

1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os

autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito

destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca

como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as

populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que

subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas

pela ajuda oficial ao desenvolvimento

Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a

condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um

47

melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os

govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas

poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados

iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte

dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias

multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do

que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias

de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda

mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de

imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais

pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)

A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua

aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso

da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro

do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial

da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses

doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de

desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas

locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz

respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade

eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos

paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das

populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais

pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees

do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram

pressotildees em vaacuterios niacuteveis

Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e

empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco

Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade

dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere

48

apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem

intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de

mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo

anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo

O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores

aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram

modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os

proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD

(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos

problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande

atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da

ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam

mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo

(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e

condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um

corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses

recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de

1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto

57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)

58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site

59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL

49

Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE

e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais

novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma

agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento

buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO

ECONOcircMICO OCDE1975)60

O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976

quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)

receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento

devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees

mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos

financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema

anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande

transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos

setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees

poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma

ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do

descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica

inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de

suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de

suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser

transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento

Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e

tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das

necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de

60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)

61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros

50

aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e

programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de

desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do

regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos

criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou

inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG

LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em

desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses

pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos

possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na

medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao

repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em

desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos

foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do

novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses

industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias

questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os

novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e

condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma

dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-

cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a

maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)

62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)

6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)

51

A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada

como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor

da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)

passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma

necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como

situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as

investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as

relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na

investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas

desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)

Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado

deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos

PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo

mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos

desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE

1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir

diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da

condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos

fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas

pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos

constrangimentos impostos a estes paiacuteses

A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais

64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)

52

A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta

quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de

promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton

Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio

anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse

o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)

A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise

econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem

retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem

econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA

COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD

seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-

Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL

CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho

65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)

66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)

67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)

53

Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento

poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais

definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do

mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha

e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de

desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os

temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j

A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos

como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes

de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia

Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos

paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava

seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos

investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta

natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses

desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto

econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer

afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o

68

68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)

69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional

70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)

54

discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos

temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul

Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA

contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda

internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na

agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo

financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes

nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)

Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da

OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida

favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as

necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao

narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do

sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o

desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a

corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo

de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo

de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam

tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial

O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que

os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e

a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)

tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades

de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os

seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas

setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente

71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo

55

responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O

uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos

que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os

mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas

Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos

oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica

mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo

emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se

alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito

uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha

sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de

seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante

ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram

a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise

da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia

de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados

pela crise da diacutevida

Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do

desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as

dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram

um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de

desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da

cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em

desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional

deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem

de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam

cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante

liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da

crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)

56

A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos

regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de

deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu

uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de

ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de

pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de

condicionalidade para os institutos financeiros

As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)

(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e

do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL

(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a

possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave

execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos

a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em

diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo

desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves

balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)

72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility

73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991

74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses

57

A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro

que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods

seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem

econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como

objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo

das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja

continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses

tinham uma raiz intema

A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave

manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O

uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado

simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave

utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos

recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter

facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam

os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem

mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem

disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento

de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor

Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso

da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa

de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise

Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os

institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos

ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir

de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do

processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas

mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias

serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos

privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de

58

5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991

(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996

13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep

em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os

PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de

desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como

decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional

e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse

interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de

desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para

financiar seus processos de desenvolvimento

O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a

manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes

internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e

a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido

utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que

ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os

paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE

1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo

do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos

repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas

Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos

provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental

Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de

mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte

dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e

com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas

internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25

bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35

dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela

59

Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha

Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS

2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que

as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas

natildeo pode ser tomada como ocasional

Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute

lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de

interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye

raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas

desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)

Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente

favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob

uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista

poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores

Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield

identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75

Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos

PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos

setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito

diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico

decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as

intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as

poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela

forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno

natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido

73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual

60

pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER

amp KEOHANE 19964)

Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos

quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo

dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento

a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de

condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos

custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela

ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque

mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses

centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute

mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10)

Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter

ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos

investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as

intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise

aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os

sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para

a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre

o mercado financeiro privado e os institutos financeiros

Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos

dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de

restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros

os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD

fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel

atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais

70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)

61

teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das

organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos

mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos

que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse

modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade

insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses

garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes

recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o

economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos

empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a

possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo

econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a

concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77

A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos

financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em

desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da

condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados

determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59

em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336

para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em

1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do

CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em

percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais

privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa

a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de

desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7

77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)

62

(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente

a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico

(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)

Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os

capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as

poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados

aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade

nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural

nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado

A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e

da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)

entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela

como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos

desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da

diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento

por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de

efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses

europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees

sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton

Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os

atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha

dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da

Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de

fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de

Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)

Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em

desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de

cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses

desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

63

CAPIacuteTULO IV

A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA

COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO

Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo

No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se

apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o

fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um

conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo

mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um

fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento

Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e

utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)

na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos

(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito

mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue

assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78

Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo

que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos

Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do

regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo

7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)

64

descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos

paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)

Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da

cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no

setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo

descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA

disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente

destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em

parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para

organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos

doadores (BASILE 1995)

A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais

polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a

cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre

a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso

porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a

posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais

no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo

muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas

em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute

vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma

espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-

estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio

de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das

populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o

ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os

direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros

introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em

65

vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo

Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo

anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda

humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os

direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor

natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar

que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia

condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados

nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma

incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de

cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda

Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um

verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI

19982000)

Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores

quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema

da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA

atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo

dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as

ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De

fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento

para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a

apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada

Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave

modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional

ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais

podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de

maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo

descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees

66

positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que

as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da

cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se

colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a

funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas

dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)

0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada

Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada

teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia

estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo

Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-

primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na

Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da

cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de

1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem

com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime

internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80

Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e

energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses

(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as

80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)

81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas

67

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da

bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo

estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para

que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de

assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-

interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que

os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar

financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades

comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83

Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo

do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi

permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos

recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar

integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de

Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as

as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP

82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento

83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)

84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)

68

ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto

pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses

membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da

introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer

parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo

existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos

Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da

Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as

ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando

atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes

(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a

Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias

privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta

Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na

Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot

Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le

Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem

nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a

formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das

ONGs (CECCHI 1995)

A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie

de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos

Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no

setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees

econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE

1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como

dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem

agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em

85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)

69

consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela

(KEOHANE 1984 123)

Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos

impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um

fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente

produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes

atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de

Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento

exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria

Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o

Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em

1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute

eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs

internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA

alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo

Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500

(TAVARES 1999)

Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de

cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de

atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela

cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse

inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas

iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de

desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde

a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI

86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione

87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP

70

1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma

funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses

industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em

desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de

suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)

O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as

ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte

Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime

ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em

desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE

DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a

Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo

de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)

(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos

anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Econocircmico em 1981)

De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo

descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de

necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma

limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais

setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON

1999)

Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no

mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior

como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos

fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava

Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo

internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como

afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades

88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)

71

pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente

Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a

expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos

paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia

humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e

nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS

2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem

fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a

ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos

Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da

Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em

um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em

desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais

favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)

Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima

contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura

investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs

internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode

nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no

setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas

Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do

capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a

Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre

1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados

em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus

destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que

mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse

89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos

90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)

72

tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O

autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel

porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida

externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos

previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com

fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da

economia destes paiacuteses

Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela

Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo

descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de

condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a

realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que

utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)

Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-

se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao

Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar

as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD

1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-

geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor

de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a

informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o

Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91

Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada

pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado

garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em

vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais

facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos

91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)

73

Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a

Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses

europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para

esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom

relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo

das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute

um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a

possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento

Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em

vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional

Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova

Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor

medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer

momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de

ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da

discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo

descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de

governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm

servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois

suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade

Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais

Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a

falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos

utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as

quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em

mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por

92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000

74

estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente

identificadas com estes atores (TAVARES 1999)

As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada

As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada

foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da

cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda

internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e

de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento

humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em

uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos

recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os

instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado

muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)

Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na

maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas

sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com

organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os

potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados

a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis

ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada

como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no

exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)

93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor

75

Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave

percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA

devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A

segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem

fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade

associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de

desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo

descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento

parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que

os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas

populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de

sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da

manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa

Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da

cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda

Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as

pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94

A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade

Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa

dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes

uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses

desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do

Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias

como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das

poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas

poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a

incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos

94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)

76

governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva

histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute

em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma

afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem

atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards

(COOPER amp PACKHARD 1997)

A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao

desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos

de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro

mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado

no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992

devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias

das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos

que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees

contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento

poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good

governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo

(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a

apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO

ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD

de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento

essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da

vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves

populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)

E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da

governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses

desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na

noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos

paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores

bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a

posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento

77

do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo

direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus

proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus

objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de

desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos

tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo

governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do

FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute

mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente

costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER

ACP-EU 2002 l)95

A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes

interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que

no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a

mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes

recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves

contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem

utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para

realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga

medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que

passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990

(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs

e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa

extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos

governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e

controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith

(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar

com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio

95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias

78

financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua

composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas

para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)

Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar

autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo

de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da

assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla

possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas

A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo

descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos

paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um

incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo

como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do

Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees

declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado

o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento

descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento

sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente

tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE

amp HARRISON 1998)

O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que

essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que

era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento

A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade

produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das

poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da

introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem

96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2

97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml

79

sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de

eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de

mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal

teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as

populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse

tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos

paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de

desenvolvimento

Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a

partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo

permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e

que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as

ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a

participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses

parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos

Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -

a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para

conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do

pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de

mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que

pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo

apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo

descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os

governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente

percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON

9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta

99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)

80

1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD

de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta

fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso

pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de

fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se

encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA

cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para

empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de

influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo

Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as

anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo

cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores

se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-

administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos

defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo

democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)

Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais

Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro

eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos

anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos

do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo

aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O

segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs

internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como

agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos

A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs

internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das

aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de

81

Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em

paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os

projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e

social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para

a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas

secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres

desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas

educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100

Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os

estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no

capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos

pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o

equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash

TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a

representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de

desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento

(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz

respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados

individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos

oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as

ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo

a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao

desenvolvimento atraveacutes das ONGs

Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e

podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da

cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da

cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial

atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999

luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4

K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)

82

TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das

Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho

Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas

em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda

humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)

satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas

junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103

(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as

demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia

governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em

acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento

(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos

lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de

ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para

a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos

governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as

ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)

Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm

caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio

regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo

aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de

102

102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)

103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos

83

decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em

desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de

que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem

escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter

informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais

limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo

de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se

expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm

reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um

relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar

ao leitor (PEREIRA 1997 167)

Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas

como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos

financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns

estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das

ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se

diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de

atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta

tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo

que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours

acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de

intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de

projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa

ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram

impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo

La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute

agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs

nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem

identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a

serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de

84

tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da

ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas

propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma

quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)

Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute

que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees

humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em

desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas

institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo

de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e

com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados

natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp

KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado

como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as

populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por

seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios

nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo

cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses

desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos

paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais

centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as

populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias

de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais

de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam

inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas

puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de

opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos

aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a

questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)

104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)

85

averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas

269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que

70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja

realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)

Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel

que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada

como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA

Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de

fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos

lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs

e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs

internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias

representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda

natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso

Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia

representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando

desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade

relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais

lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das

ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs

podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A

segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos

favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser

atendidas (TAVARES 1999)

Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar

que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita

que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas

competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo

irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos

a desvios de verba e a incompetecircncia

86

0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de

desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em

vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de

desenvolvimento

A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente

participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada

vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres

As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do

regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que

natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de

interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de

uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados

Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses

desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem

nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o

voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao

setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores

pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da

cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados

(JAHIER 2000 211-23)

87

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e

estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada

pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal

de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema

Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao

Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em

suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais

respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de

armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994

33)

Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta

porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no

cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas

internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas

somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se

estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila

Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre

paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a

retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do

estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e

agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os

problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos

setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica

Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da

diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma

agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as

questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia

88

estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da

apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis

aos interesses dos atores avantajados

Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas

agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas

a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em

relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute

que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees

que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais

especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante

O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses

do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando

maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas

Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas

primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos

mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo

Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o

fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do

regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento

de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores

desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico

Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees

particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos

cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -

Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos

Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como

causas destes problemas

A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a

anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores

89

avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta

pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo

internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar

nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de

arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que

percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta

pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades

humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia

nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees

entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento

Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo

empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional

as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento

dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF

1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses

produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado

que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de

crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece

tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que

foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra

Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo

internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um

dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as

assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais

Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo

internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir

das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por

problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso

A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do

Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de

90

alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha

ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram

negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi

tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras

com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de

ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem

ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos

intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods

Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional

com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de

salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram

suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton

Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo

explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos

os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor

poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode

ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao

desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes

poliacuteticos) os atores que constituem esse regime

Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de

orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de

setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a

cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado

internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo

orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a

expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais

(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como

administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)

Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas

da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a

processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos

91

Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de

conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de

fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul

afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do

estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento

Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees

atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas

92

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in (http w w w comunemilanoit)

Monterrey Congress Documentation in (httpoecddac)

Operational guide for handling application budget lines Cofinancing o f operations to raise public awareness of development issues undertaken by European NGOs (B7- 6000) and Decentralised Cooperation (B7-6430) European Community

in (httpwwweuropaeuintcommdevelopmentsectorngofilesguide_application_enpdf)

Programme o f action o f the ECs development policy European Commissionin (httDAmropaeuintcommdeve1opmcntsectortgtovertv reductioninfopack target indicatorspdf)

United Nations Second decade for development 2626 (XXV) Resolution United Nations

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United Nations 3556 Resolution United Nations in (http www3ituintunions)

3762 Resolution Voluntary fund for the United Nations decade for women General Assembly

in (http wwwunorgdocumentsgares37)

2625 Resolution Declaration on principles of law concerning friendly relations and coshyoperation among states in accordance with the chapter of the United States (A8082) United States

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The average ODA in the DAC member countries European Commissionin (http europaeuintcomndevelopmentpublicatinfofin1999info99_7_enhtm)

Voluntariato intemazionale nozioni di base Ufficio Soei Comune di Milano Settore Relazioni Estere e Comunicazione

in (http www comunemilanoit)

Para a consultaDocumentos das Naccedilotildees Unidasin (httpwww unsystemorg)A documentaccedilatildeo das Agencias das Naccedilotildees UnidasUNIONS (United Nations International Organizations Network Search) in (httpwww3ituintunions)CEEin lthttpeuropaorgOECDin (httpAvwwOECDorg)

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