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1 Apresentação _____________________________________________________________________________________ A prática educativa pressupõe correlação de fatores determinantes das ações dos sujeitos, em sua história pessoal, familiar e social, vinculando-as a condições políticas, históricas e culturais. O psicólogo educacional, no exercício de sua profissão, vem trabalhar em prol da prevenção e da promoção da saúde do sujeito, tanto na perspectiva individual quanto nas suas relações sociais, o que marca sua presença na Educação. Segundo Figueiredo (1996), o objeto da Psicologia se constitui no avesso do sujeito pleno, no furo do sujeito epistêmico, racional, que tem garantias de certeza e verdade. Assim, cabe à Psicologia partir da experiência imediata do sujeito, para buscar as condições, possibilidades e sentido obscuros para as ações, relações e experiências subjetivas dos sujeitos. O Conselho Federal de Psicologia expõe que a psicologia educacional atua no âmbito da Educação, nas instituições de educação formal ou informal, com o propósito de compreender os comportamentos dos educandos e educadores no processo de ensino- aprendizagem, nas relações interpessoais e nos processos intrapessoais, abordando as dimensões política, econômica, social e cultural. Entender, pesquisar a dimensão social e cultural da Educação é também tarefa do Psicólogo, uma vez que o sujeito se constitui na relação com o outro. Não podemos pensar o desenvolvimento psicológico como um processo abstrato, descontextualizado, universal: o funcionamento psicológico, particularmente no que se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real. (Oliveira, 2000:24). A escola tem o papel de criar um espaço de renovação, de construção de conhecimento contínuo e progressivo, uma vez que é pela aquisição do saber que as

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Apresentação

_____________________________________________________________________________________

A prática educativa pressupõe correlação de fatores determinantes das ações dos

sujeitos, em sua história pessoal, familiar e social, vinculando-as a condições políticas,

históricas e culturais. O psicólogo educacional, no exercício de sua profissão, vem

trabalhar em prol da prevenção e da promoção da saúde do sujeito, tanto na perspectiva

individual quanto nas suas relações sociais, o que marca sua presença na Educação.

Segundo Figueiredo (1996), o objeto da Psicologia se constitui no avesso do

sujeito pleno, no furo do sujeito epistêmico, racional, que tem garantias de certeza e

verdade. Assim, cabe à Psicologia partir da experiência imediata do sujeito, para buscar

as condições, possibilidades e sentido obscuros para as ações, relações e experiências

subjetivas dos sujeitos.

O Conselho Federal de Psicologia expõe que a psicologia educacional atua no

âmbito da Educação, nas instituições de educação formal ou informal, com o propósito

de compreender os comportamentos dos educandos e educadores no processo de ensino-

aprendizagem, nas relações interpessoais e nos processos intrapessoais, abordando as

dimensões política, econômica, social e cultural. Entender, pesquisar a dimensão social

e cultural da Educação é também tarefa do Psicólogo, uma vez que o sujeito se constitui

na relação com o outro.

Não podemos pensar o desenvolvimento psicológico como um processo abstrato, descontextualizado, universal: o funcionamento psicológico, particularmente no que se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real. (Oliveira, 2000:24).

A escola tem o papel de criar um espaço de renovação, de construção de

conhecimento contínuo e progressivo, uma vez que é pela aquisição do saber que as

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pessoas poderão descobrir novas perspectivas e caminhos diferentes para o social e para

si. A Educação muito tem discutido a formação desse sujeito ativo, que constrói seu

conhecimento e conquista a autonomia. Morin (1995) contribui expondo que a

complexidade, relação necessária entre as várias variáveis, que constitui e contribui para

formação do sujeito, abre uma aresta para os educadores pensarem e trilharem o

caminho educacional sem recortes reducionistas.

Já há três anos, trabalhando numa escola particular em Diamantina, foi possível

perceber que existem alguns fatores relevantes no dia-a-dia do processo de ensino,

aprendizagem e formação desses alunos que estão repetindo, as séries sistematicamente.

As turmas de 7ª e 8° séries do Ensino Fundamental vêm sendo alvo de muita

preocupação e de intervenções, uma vez que estes adolescentes estão apresentando

comportamentos e atitudes que assustam. Um apelido é motivo de agressão física, uma

dúvida sofre gozação, ter um celular vai significar pertencer ao grupo, não ter o tênis da

moda e de marca determina a exclusão, ou seja, o lugar para as diferenças não existe. A

dificuldade de estabelecer laços de amizade e até uma relação saudável é tão marcante

nestes grupos que, em alguns momentos, deixam dúvida se realmente são grupos.

Na complexidade de fatores que envolvem a formação e a construção de

identidade de um adolescente está a sociedade atual. A cultura pós-moderma aponta

para esse sujeito a necessidade de construir sua autonomia e, ao mesmo tempo, cria

imperativos e modelos a serem consumidos com a ilusão de sucesso.

É nesta perspectiva que esse trabalho pretende pesquisar a relação entre a cultura

do sucesso e a constituição da identidade dos alunos, de 13 e 14 anos de classe média

alta, estudantes do ensino particular de Diamantina.

Selecionamos uma escola conveniada à Rede Pitágoras de Ensino na cidade de

Diamantina e recortamos a faixa etária de13 e 14 anos, final do ciclo do Ensino

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Fundamental. É visível que esses alunos estão fascinados com as ofertas da cultura de

sucesso e consumo, dizem que estudam no “Pitágoras”, desfilam de uniforme pelas

ruas, discriminam e não se relacionam com alunos que não pertencem a sua “tribo”.

Neste trabalho, pretendeu-se fazer um estudo analisando se a cultura do sucesso

pode influenciar a construção da identidade dos adolescentes, alunos da Rede Pitágoras

de Diamantina, ou seja, pesquisar se realmente questões da educação escolar

estabelecem relações com o contexto atual da cultura de sucesso. Fica definido como

objetivo geral: analisar se a cultura do sucesso influencia o processo de constituição de

identidade de alunos de 13 e 14 anos da rede Pitágoras de Diamantina.

Para tanto foi necessário delimitar nosso objeto de estudo, uma vez que o

Colégio possui hoje 452 alunos matriculados. Os alunos selecionados como sujeitos

para pesquisa são adolescentes de 13 e 14 anos, das 7ª e 8ª séries do Ensino

Fundamental.

Com o objetivo de estruturar nosso pensamento e pesquisa foi necessário recorrer a

alguns teóricos que publicaram, estudam e pesquisam nosso tema.

Inicialmente, encontramos muitas dificuldades para delimitar o objeto e os objetivos

da pesquisa, pois pensávamos em pesquisar os efeitos do momento atual e real na vida

das pessoas. Partindo desta questão, chegamos à pós modernidade, momento bastante

discutido, difícil de conceituar por suas características, nomenclaturas e velocidade.

Após leituras, orientações, levantamentos bibliográficos e observação da prática escolar,

recortamos a cultura do sucesso e a construção da identidade de adolescentes no espaço

escolar.

Assim, partimos do estudo da sociedade pós moderna com seus imperativos de

sucesso para entender as transformações no ser adolescente da atualidade.

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O contexto para discutir a cultura do sucesso e sua relação com a construção da

identidade de jovens, dentro do ambiente escolar, começava a ser demarcado. O

crescimento econômico do capitalismo industrial, os padrões, as mercadorias e o

adoecimento estavam sendo produzidos.

A fim de definir a cultura do sucesso buscamos as discussões feitas por Guy

Debord em A sociedade do espetáculo e Baudrillard em a Transparência do mal. É

necessário saber, entender e pesquisar o movimento da sociedade atual, que Debord

chama de espetáculo, império da imagem, para entendermos a transgressão e a

vulnerabilidade, apontada por Baudrillard e vivenciada pelos homens. Parece vivermos

num mundo sem padrões, mas que, ao mesmo tempo, exige o enquadramento dentro da

imagem, do consumir, do ter para parecer ser sucesso.

Realmente, parece não existirem padrões, mas essa cultura faz o adolescente

acreditar em um modelo imaginário, efêmero, que não é real, por isso muda a cada

tempo.

Buscamos, também, autores como Goffman em Estigma e Stuart Hall, para

discutir o efeito desta cultura do sucesso na vida, identidade de adolescentes da classe

média de Diamantina, estudantes da rede privada de ensino. Knobel e Aberastury

trouxeram contribuições para entendermos a adolescência e os fenômenos ligados a essa

fase. Knobel (1981) expõe que seria anormal a presença de um equilíbrio estável

durante a etapa da adolescência. Essa etapa se faz como processo de desequilíbrios e

instabilidades necessárias, uma vez que propicia o estabelecimento do ser adolescente:

identidade e corpo restabelecido.

O adolescente, como todo ser humano, não vive isolado. As realidades sociais e

culturais de seus pais, escola e sociedade são os parâmetros para seu processo de

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desenvolvimento, saída do mundo infantil. Assim a vivência da adolescência,

necessariamente, perpassa uma pluralidade de identificações.

Nesta perspectiva, faz-se necessário pensar e pesquisar sobre o contexto escolar,

a cultura da instituição escola e a ação dos educadores, a fim de estabelecer relação

entre esse espaço e a construção da identidade de jovens. Dayrell (1996) expõe que a

escola é uma instituição sócio-cultural que busca interferir na ação de seus sujeitos,

reproduzindo o velho ou construindo a possibilidade do novo. Porém, Piaget (1998)

explicita que a grande questão na educação dos adolescentes das sociedades dita

civilizadas seria o grau crescente de liberdade e de autonomia adquirido por eles em seu

processo de desenvolvimento.

A cultura escolar, segundo Gómez (2001), se configura como um cruzamento de

culturas que constrói seu espaço e ação a partir deste emaranhado de determinações:

social, institucional, acadêmica e experiencial. Assim, a cultura da escola se faz na

complexidade de atores, ações e fenômenos, permeados pela sociedade pós-moderna.

Os sujeitos em formação que transitam nesse espaço se constituem em uma rede de

significados e significantes.

Assim posto, estruturamos nosso referencial teórico em três capítulos:

No capítulo I buscamos caracterizar este momento, analisando o conjunto de

experiências, vivenciadas pelos homem, e suas interferências no jeito de ser e agir.

Analisamos a força dos produtos, mercadorias consumiveis, na sociedade atual e como

o sucesso parece estar diretamente ligado ao consumo dos modelos e marcas, símbolos

ilusórios de poder no mundo das aparências.

No capítulo II, localizamos a escola como espaço educativo, social e cultural de

grande relevância na formação do adolescente. Buscamos verificar qual a cultura das

escolas e do colégio lócus desta pesquisa, sua proposta e contribuições na formação dos

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jovens. Aqui, descrevemos a relação entre os atores educacionais e a educação efetiva

da escola como espaço de trocas entre os adolescentes no periodo de constituição de

suas identidades.

A adolescência e a construção de identidade foram tratados no Capítulo III, pois

entendemos que a identidade é um aspecto indissociável à vivência da adolescência, e

que seria impossível caracterizar a juventude sem abordar sua busca por padrões

identificatórios. Pretendemos, neste momento, tecer associação entre esta construção do

adolescente, as características do mundo moderno e as preferências dos jovens e seu

grupo, hoje, na cultura em que o sucesso tem se apresentado vinculado ao consumo e à

aparência.

Nos Capítulo IV, V e VI apresentamos questões relativas à investigação:

No Capítulo IV traçamos o lócus de investigação, através da caracterização da

escola onde a pesquisa se realizou. Buscamos as origens do colégio, seu

desenvolvimento durante os 70 anos de existência e as mudanças a partir do convênio

com a Rede Pitágoras de Ensino.

No Capítulo V, descrevemos a metodologia utilizada no processo de

investigação. Apresentamos as sujeitos participantes da pesquisa, descrevemos as

procedimentos e instrumentos de coleta de dados que subsídiaram a busca de

informações e interação da pesquisadora com as adolescentes e escola.

Já no Capítulo VI, apresentamos e discutimos os dados coletados na

investigação. Nesse momento descrevemos nossas observações e reproduzimos a

representação do adolescente sobre seu mundo, sua leitura da escola, de si mesmo e das

construções possíveis na constituição de sua identidade.

Nas considerações finais, não concluimos, começamos a vislumbrar que

certezas, verdades e generalizações não são um campo aceitável pela Ciência nem pelos

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adolescentes, objeto de nosso estudo, pesquisa e investigação. Assim, ouso dizer que as

marcas da cultura do sucesso se fazem presentes na vida dos adolescentes, mas como

cada traço marca o adolescer é tarefa do jovem descrever. Nos casos pesquisados, cada

aluno se define de forma particular e única, mas todos concordam que a escola onde

estudam, apesar de fazer parte da sociedade, somente tem sido, na maioria das vezes,

um bom cenário para se encontraram, se olharem e até se espelharem.

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Referencial Teórico

Capítulo I

1. A cultura do sucesso: pós modernidade e sociedade do espetáculo

E há tempos nem os santos têm ao certo A medida da maldade E há tempos são os jovens que adoecem E há tempos o encanto está ausente E há ferrugem nos sorrisos Só o acaso estende os braços A quem procura abrigo e proteção. (Há tempos, Renato Russo/Marcelo Bonfá /Dado Villa-Lobos)

____________________________________________________________

1.1. A Pós Modernidade e a Cultura do Sucesso

Analisando correntes/teorias/movimentos ditos pós-modernos, conclui-se que o

que chamamos "pós-moderno" corresponde a um período em que as conseqüências da

modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes. A

condição pós-moderna não tem a ver só com as mudanças que se verificam no mundo

do trabalho ou da política. Tem a ver, também, com uma certa confusão, relacionada

com valores, práticas culturais e formas de conhecimento cuja racionalidade damos,

normalmente, por adquirida, e que, hoje em dia, são questionadas por estilos de vida

emergentes no seio de populações de recém-chegados, ou pelas exigências de

reconhecimento por parte de grupos tradicionalmente minoritários Do ponto de vista

filosófico, por exemplo, grande parte da confusão referida deriva da proliferação da

ambigüidade e da falta de consenso face ao que deve ser considerado bom e verdadeiro.

Assim, qualificam este cenário confuso como “pós-moral”: as nossas tarefas éticas

aumentam, ao mesmo tempo em que diminuem os recursos simbólicos e os critérios

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seguros para as levar a cabo; aumentam as situações em que temos de fazer opções

morais, e diminui a credibilidade dos princípios universais que, tradicionalmente,

orientavam essas opções.

Segundo Berman (1997), a modernidade consiste no conjunto de experiências

vitais de tempo, de espaço, de si mesma e do outro, das possibilidades e perigos da vida

– compartilhado por homens e mulheres em todo o mundo. Essa experiência vem

jogando as pessoas num turbilhão de desintegração e mudanças sucessivas, fazendo-as

sentirem-se perdidas, diante de um fantasma contraditório.

Assim, para Berman (1997), o pós-moderno tem algo de moderno, mas de forma

exagerada, como o individualismo, a ausência de valores, a diversidade cultural, a

diversidade religiosa, a qualidade tecnológica, grande quantidade de informações, a

velocidade, erotização, solidão e exacerbado consumismo. Toda essa avalanche acaba

por dessubstancializar os sujeitos, pois vivemos num mundo supercriado, de signos e de

consumo, o imperativo do ter é o que seduz e veste esse suposto sujeito ou, na verdade,

assujeitado.

Hoje, a pós-modernidade, com todos os seus imperativos de sucesso e consumo,

parece adoecer o homem, influenciar no processo de desenvolvimento e de

aprendizagem de crianças e adolescentes que não atendem ao modelo padronizado pelo

social. A Psicologia, como área do saber que se coloca na saúde e na educação,

visualiza a necessidade urgente de pensar e de pesquisar como a cultura da atualidade

pode influenciar nos processos educacionais desses jovens.

Silva Mello (1967) antecipou as interferências da pós-modernidade na vida e na

saúde dos homens, quando dizia que a saúde parece que se transformou em qualquer

coisa de instável, de pouco segura, que a todo o momento precisa ser corrigida,

acertada, defendida.

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Hoje, vivemos pensando na doença, procurando-a dentro de nós, dominados pelos elementos negativos da saúde. Mudou-se o panorama, principalmente porque foi alterado o ângulo de visão em que o observávamos. (MELLO, 1967:48).

Na cultura contemporânea a velocidade das informações e possibilidades de

opções promovem uma absurda necessidade de decisões e a exigência de que essas

sejam cada vez mais rápidas e precisas. A questão que se coloca é: como o sujeito pode

usufruir as “maravilhas” que a contemporaneidade nos coloca, entrando num turbilhão

de necessidades e de exigências mercadológicas sem perder sua subjetividade, sofrer e

adoecer? A resposta a essa questão significa pensar em como atender aos apelos sociais

e a necessidade de qualificações que o mercado profissional mundial exige, mantendo a

capacidade crítica de tomada de decisões e o equilíbrio psíquico.

Temos, então, nesse quadro, a proliferação crescente de produtos como

medicamentos e de tratamentos alternativos que se colocam cada um podendo mais do

que outro. A questão é que tudo é apresentado como solução aos problemas do viver dos

homens com eles mesmos e entre si. Esta é a estratégia publicitária, a mídia moderna

que segundo Baudrillard (1996) tem em si uma potência viral e sua virulência é

contagiosa. Homem é exigido que se torne empresário e escravo de sua própria

aparência.

A sociedade atual criou um discurso da verdade que revela a intolerância com os

limites e leis, é uma verdade que não aceita a frustração e a falta inerente ao ser

humano, então cria, neste contexto, saídas violentas como a toxicomania, agressividade,

suicídio, hipocondria, depressão e outras. Nesse contexto, muitas doenças têm-se

tornado mais freqüentes e mais mortais, devido ao excesso de tensão e de agitação

condicionada pela maior rapidez e intensidade da vida pós-moderna. Contudo, os

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sujeitos têm-se sentido desamparados, infelizes nesse mundo tecnológico que não cede

espaço para circularem a imaginação, a subjetividade, o simbólico.

Segundo Baudrillard (1996), não existe espaço para a subjetividade, para os

sentimentos e emoções. O homem passa a ser visto como um ser criado pelas

necessidades impostas pela cultura do sucesso e do consumo e que, privado de suas

defesas, torna-se eminentemente vulnerável à ciência e à técnica, assim como, privado

de suas paixões, ele se apresenta disponível à Psicologia e às terapias. Por fim, privado

de seu afeto e de suas doenças, está à mercê da Medicina. Seguindo estes pensamentos,

Silva Mello, ainda em 1967, escreve que as neuroses são em grande parte resultantes da

vida social, uma defesa ou adaptação às novas condições de existência.

As características da pós-modernidade estão interferindo de forma decisiva nas

relações dos homens, na sua saúde e nos processos educacionais, uma vez que é

crescente o numero de casos de adoecimentos e sofrimentos sem causas biofísicas

aparentes, o que abre condições para hipotetizarmos que as causas são de outra ordem:

sociais, morais, culturais e psíquicas. Exigem desse homem um padrão relacional e

comportamental que vai de encontro com características do mundo atual e quando esse

não responde a alienação, o lugar de fracasso e da doença é o que lhe resta.

Porém, consideramos que é preciso estar atento ao que isso significa no contexto

contemporâneo, em que percebemos elementos marcantes num mundo globalizado, que

se convencionou chamar de “nova ordem social”.

Há uma grande controvérsia na definição da contemporaneidade. Por muitos ela é

chamada de pós-modernidade, por outros, é entendida como um período de transição e,

ainda, por outros tantos, como extensão da modernidade. Mas, seja qual for a

denominação utilizada, em termos gerais, facilmente percebemos a grande velocidade

em que as coisas acontecem e como somos introduzidos nelas através da veiculação da

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informação. Isso nos coloca em tempo real em vários lugares e, também, nos retrata a

face cruel do mundo. Não podemos negar que nos mais variados setores, isto tudo

promove mudanças cotidianas fantásticas em nossas vidas e em nossas idéias,

parecendo, às vezes, nos retirar o direito ao sonho.

Na verdade, percebe-se um afrouxamento dos limites que marcavam as disciplinas

no pensamento moderno, com os conceitos se transportando de um saber ao outro e as

grandes linhas de demarcação perdendo a nitidez como, por exemplo, nas disciplinas

acadêmicas, nos “estranhos” objetos, constituindo novas problemáticas e recortes

inéditos no real da prática de pesquisa e ensino. A interdisciplinaridade, no entanto,

leva-nos ao erro de pressupormos uma identidade de objeto teórico entre diferentes

saberes, o que implicou perda da especificidade de cada conhecimento e um

afrouxamento conceitual.

Não se pode pensar a psicanálise dissociada da cultura. A cultura é o outro do

sujeito, ou seja, é o que possibilita sua constituição. Na cultura contemporânea a

velocidade das informações e possibilidades de opções promovem uma absurda

necessidade de decisões e a exigência de que essas sejam cada vez mais rápidas e

precisas. Ora, quando falamos de decisões, estamos falando de desejo, de inconsciente,

de prazer, portanto, de significantes do campo do sujeito, logo, da psicanálise.

Embora muitos problemas sejam semelhantes em pessoas dos diferentes segmentos

da sociedade, na verdade são singulares e vão variar seus arranjos incrivelmente. Não

há, seja qual for o arranjo social predominante do momento histórico, como impedir que

cada pessoa veja o seu mundo e o de outros de uma maneira própria e que viva cada

experiência de forma diferente de qualquer outra pessoa, atribuindo-lhe valor de modo

único. Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de

descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo.(FREUD,1930:103)

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Freud (1930), coloca que cada sujeito busca, no mundo, meios de realizar

desejos, mesmo que tenha que adapta-lo a suas pretenções. Porém é sabido que fazer

escolhas é correr risco, e que as experiências vivenciadas na busca de p’razer e

felicidade tem um preço, ou seja, na economia psiquica o ganho é fruto de uma batalha

contra o sofrimento, decepções e frustrações. Existem muitos caminhos que podem levar

à felicidade passível de ser atingida pelos homens, mas nenhuma que o faça com toda

segurança.(FREUD,1930:104)

Joel Birman (1996) coloca que o que se impõe na experiência psicanalítica não

é um ideal de cura, mas a finalidade de uma subjetivação para o sujeito, que seria

regulada no registro da ética. Assim, Freud pôde enunciar o que há de trágico na

condição do sujeito. É na cultura que o mal-estar do sujeito se impõe como estrutural,

quando as oposições e os impasses entre a pulsão e a cultura atingem seu cume.

O mal-estar na civilização é uma leitura da modernidade, realizada pelo discurso

freudiano, sendo, pois, a contrapartida psicanalítica para a interpretação da própria

modernidade e dos impasses do ideal iluminista de conquista da felicidade humana, pela

mediação da ciência e dos ideais da justiça social, que caracterizam o projeto moderno

do ocidente.

Como resgatar esse sujeito na pós-modernidade, uma vez que há uma ideologia

inserida na mídia que ilude o sujeito, que tenta vender uma imagem da cultura do ter,

que tampona o desejo de ser? Então, como ser sujeito, fazer ciência, escrever

cientificamente, estando dentro de um processo de educação que sufoca e não permite

que o desejo apareça? Inês Lemos, em seminário sobre Educação, Memória e Pós-

Modernidade1, propõe que os educadores façam uma reflexão sobre o pós-moderno, que

estabeleçam uma posição critica sobre aquilo que lêem, que se impliquem naquilo que o

1 Seminário apresentado na Universidade Presidente Antônio Carlos- UNIPAC no curso de Mestrado em Educação e Sociedade, em setembro de 2004.

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capitalismo tenta passar como verdade para nossas crianças. A luta contra as verdades

criadas pela mídia, a fim de resgatar o sujeito que vive massacrado pelas exigências da

pós-modernidade, é constante. Nesta perspectiva, a professora aponta para a

necessidade de se resgatar o tabu, para construção do superego, instância essencial,

segundo Freud, para a vida em sociedade. Esse resgate vai permitir a inserção do sujeito

na ordem do desejo, na falta, no simbólico, no limite, na repressão, no recalque.A

responsabilidade de educar os filhos recai sobre os pais, uma vez que, educar é, por

limite, reprimir, castrar e apontar a falta, o que permite a civilização. Assim, educar é

também permitir que a falta apareça sem a necessidade sufocante de tamponá-la, é

conviver com as lacunas, é deixar espaço para o desejo, é evitar a imposição do ter,

oferecida pelo capitalismo.

1.2.Cultura do sucesso na Sociedade do Espetáculo

Debord (1972), ao escrever sobre a sociedade do espetáculo, desloca o foco de

pesquisa e a polemização das questões econômicas e sociais, discutidas por Marx, na

emergência do capitalismo industrial para a cultura e a vida cotidiana das pessoas.

Entender e questionar o que a sociedade, tanto capitalista quanto socialista, estava

produzindo na vida das pessoas era urgente na emergência da sociedade

contemporânea.Segundo a pesquisadora Belloni (2003), Debord prenuncia o século

XXI, povoado de máquinas “inteligentes” que perturbam a subjetividade humana

(p.130).

Na sociedade pós-moderna, é possível dizer de uma degradação do ser, do não

espaço para a subjetividade, diferença e para o particular em função do ter, do consumo,

do fetichismo da mercadoria. Já na sociedade do espetáculo, caminha-se para o parecer,

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quando a imagem toma conta da vida social. Belloni (2003) expõe que nessa evolução

houve um empobrecimento da vida cotidiana, fragmentando a subjetividade.

Na sociedade do espetáculo, o ser é substituído pela imagem, cria através das

relações sociais e da mídia o espaço das falsas consciências da ilusão padronizada, de

um modelo de vida que é produzido pela sociedade da imagem dominante: o sucesso,

aquilo que eu pareço ser, o que é exigido como belo e bom pela sociedade do

espetáculo. A sociedade do espetáculo produz sucesso na medida em que cria

necessidades, que a mídia divulga como imperativos dos modelos padronizados. O ser

vive na ilusão do parecer. Se me enquadro na imagem de sucesso, faço parte dessa

cultura de sucessos.

A indústria fabrica os produtos e mercadorias que os sujeitos imaginam e

acreditam necessitar para serem aceitos no convívio social. O desejo pelo sucesso, pela

inclusão, fica maior ou mais forte que a subjetividade, que o próprio projeto de vida.

Assim, o sujeito, vítima do espetáculo das imagens sociais de sucesso, abre mão de seus

desejos inconscientes, aquilo que é particular e que faz parte de sua própria história de

vida, para alienar-se aos objetos contemplativos de imagem, espetáculo e sucesso.

A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto que os seus próprios gestos já não são seus, mas dum outro que lhes representa. (DEBORD, 1972:26)

A sociedade do espetáculo seria aquela que vive do que aparenta ser, da criação

ideológica dos meios de comunicação. É o espetáculo em si que ilude e convence,

segundo Chiavenato (2004), através de luz, cores, cenografia e presença central de uma

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personalidade simbólica da ideologia, o homem é seduzido e seus comportamentos,

sentimentos e relacionamentos padronizados.

Nesse contexto social, não vai existir espaço para aquilo que é diferente do

espetáculo, não há possibilidade de sucesso pela via subjetiva, do desejo de ser,

inconsciente. A sociedade do espetáculo vem propor uma estreita relação entre o

consumo e o sucesso. Como o que impera no espetáculo é a imagem, a possibilidade de

ser, de investir no sujeito é suprimida pelas exigências do mercado que privilegia o ter,

a mercadoria e o produto como bens que proporcionam a felicidade e o sucesso, uma

vez que a imagem, a aparência e os atributos que vão dominar a vida social do sujeito.

Quando a vida é modelada no padrão do parecer, vem o sucesso, pois a vida está

seguindo as exigências pós-modernas dos espetáculos.

A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social pelos resultados acumulados da economia conduz a um deslizar generalizado do ter em parecer, de que todo o ter efetivo deve tirar o seu prestígio imediato e a sua função última. Ao mesmo tempo toda a realidade individual tornou-se social, diretamente dependente do poderio social, por ele moldado. Somente nisto em que ela não é, lhe é permitido aparecer. (DEBORD,1972:17)

O espetáculo impõe ao homem uma incapacidade crítica diante dos fatos, ou

seja, faz com que a sociedade acredite que o sucesso está ligado ao produto e à

aparência, que seguir o modelo, imitar, é ser símbolo do espetáculo e,

consequentemente, ser aceito pelo grupo social. As coisas passam a ser o que

aparentam. E aparentam ser pela imagem que transmitem. (CHIAVENATO,2004:78)

É nesse sentido que se pode dizer que a sociedade do espetáculo não reconhece a

qualidade, a relação, a experiência, as diferenças, a essência na vida dos sujeitos, sua

concepção de felicidade, bem-estar e saúde; reafirma o quantitativo do econômico, do

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consumo, da produção e da mercadoria, assim como a quantidade de tributos

imaginários que ilustram a aparência e apontam para uma sensação de sucesso.

A sociedade do espetáculo faz referência tanto à sociedade capitalista como

comunista, a questão central está na imagem e como ela é utilizada em cada um desses

sistemas. No capitalismo, o espetáculo é a outra face do dinheiro(DEBORD,1972:40),

que é a moradia do sucesso. A ditadura da mercadoria não deixa escolha à massa. A

violência simbólica do espetáculo se materializa na alienação, no enquadramento do

padrão estabelecido pelo espetáculo das imagens bem sucedidas de consumo e sucesso

através da aparência.

Já nos países socialistas, o espetáculo se apresenta no modelo de poder que o

homem, dotado da ideologia da imagem soberana, reúne atributos capazes de alienar o

povo. A massa vê como verdade real aquilo que é transmitido ideologicamente a fim de

aliená-la na imagem de igualdade. Segundo Belloni (2003), na falta de mercadoria a

consumir consome-se a imagem do líder.

Assim, fica claro que, na sociedade do espetáculo, a forma de agir é sempre

ideológica, a realidade social está deformada pela ideologia, o modelo social real não

existe pois, automaticamente, com a vivência, é deformado pela ideologia do

espetáculo.

O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta na sua plenitude a essência de qualquer sistema ideológico: o empobrecimento, a submissão e a negação da vida real. O espetáculo é materialmente a expressão da separação e do afastamento entre o homem e o homem. (DEBORD,1972:203)

O homem está vivendo um isolamento, está separado do Outro, que o faz sujeito

de si mesmo, pois vive a aparência, a imagem e, não, sua própria história de vida

marcada de subjetividade, fracassos, sucessos, sofrimentos e realizações de desejos

inconscientes. Assim, qual espaço o adolescente terá para construção de sua identidade?

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Como construir uma identidade autônoma se a ideologia do espetáculo já possui o

modelo?

Por fim, é importante ressaltar que a necessidade de atender as demandas, de

está na vitrine, de consumir o modelo, de ter sucesso vem apontando ao adolescente um

grande esforço psicossocial. Muitas vezes, a necessidade de vivenciar experiência

prazerosas leva o adolescente a ultrapassar seus limites e escolher padrões que não

condizem com seus conteúdos interiorizados. Caracterizamos esse processo como

adoecimento, a busca desenfreada para possuir uma imagem, mesmo que ilusória, mas

prazerosa e condizente com a sociedade pós moderna. Assim nosso entendimento de

saúde e doença perpassa um viés psicossocial de entendimento do que seria uma

condição saudável de vida e busca de prazer.

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Capítulo II

2. A Cultura Escolar: os atores da Educação

Depois de vinte anos na escola Não é difícil aprender Todas as manhas do seu jogo sujo Não é assim que tem que ser (Geração Coca-Cola, Renato Russo)

_____________________________________________________________

2.1. A Escola como Espaço Intercultural

A escola configura-se como um dos espaços educativos na vida dos

adolescentes. Além desse presencia-se a família, a sociedade, a mídia, contribuindo na

formação da personalidade dos jovens. É sabido que no convívio, nas relações e nas

trocas afetivas e psico-sociais, as crianças internalizam padrões de comportamento,

normas e valores próprios de sua realidade sócio-cultural. A criança, mesmo antes de

nascer já é carregada de um imaginário criado por seus familiares, que acabam

construindo um lugar, seu papel, dentro do grupo familiar.

Sendo a escola uma instituição social, a ela cabe, também, a educação integral

das crianças e adolescentes. Nesse espaço são transmitidas ideologias que estão

disponíveis na sociedade, junto aos conteúdos, os adolescentes internalizam uma

maneira peculiar de relação que a própria cultura escolar estabelece.

A cultura escolar seria então o conjunto de normas, valores, conteúdos,

princípios, objetivos, metas, projetos e ações do grupo de educadores e da própria

instituição, ou seja, o resultado da construção social, contingente às condições

materiais, sociais e espirituais que dominam um espaço e um tempo. (GÓMEZ,

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2001:17) A cultura de um espaço educativo poderá ser em sua essência e ação diferente

de outras instituições, pois uma proposta educacional, o projeto político pedagógico e a

efetivação prática, no dia a dia escolar do trabalho educativo, são realizados por pessoas

com história sócio-cultural e educacional também diferentes. Assim, cada realidade

educacional irá subjetivar suas ações de maneira particular, ou seja, mesmo pertencendo

a uma rede de escolas com mesmo projeto pedagógico, o colégio onde a pesquisa se

realiza interpreta e efetiva sua prática educacional de acordo com sua cultura escolar.

Segundo Gómez (2001), a Educação pode ser entendida como um complexo

processo de enculturação, ou seja, momento dinâmico no qual o homem adquire

crenças, tradições e costumes da sociedade em que vive. Já a escola pode ser vista como

espaço de cruzamento de culturas, intercâmbio de diferentes condutas que coexistem no

cotidiano escolar. Esse processo de trocas, tensões, restrições e construções podem

provocar efeitos na vida dos adolescentes, produção de novos significados para uma

juventude em formação.

É evidente que os estudantes aprendem muito mais e muito menos, em todo caso algo diferente, do que lhes é ensinado intencionalmente no currículo explícito. Tanto os intercâmbios acadêmicos como os intercâmbios pessoais ou as relações institucionais se encontram mediatizados pela complexa rede de culturas que se inter-relacionam neste espaço artificial, e que constituem uma rica e espessa teia de significados e de expectativas por onde transita cada sujeito em formação, precisamente no período mais ativo na construção de seus significados e de sua identidade. (GOMEZ, 2001:18).

No espaço escolar, convivem um complexo cultural que, no cotidiano

educacional, constrói suas próprias características, buscando para isso elementos

institucionais, pedagógicos e sociais. A escola precisa refletir constantemente sobre sua

prática educativa e sobre os elementos constitutivos de sua cultura e ação, pois esses

mecanismos exercem influência sobre a formação de identidade dos adolescentes.

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O cruzamento cultural, presente na escola, é permeado por determinação da

sociedade pós-moderna, ou seja, a cultura escolar não está isenta das influências da vida

pós-moderna. Assim, a pretensão educativa de formar futuras gerações requer a

compreensão dos aspectos que compõem o cenário educacional e social.

Dentre as diferentes culturas que compõem esse complexo cruzamento, Gómez

(2001) descreve: a cultura crítica, a cultura social, a cultura institucional, a cultura

experiencial e a cultura acadêmica.

Na sociedade pós-moderna marcada pelo imediatismo das imagens e pela crença

nas verdades aparentes, produzidas na valorização do espetáculo, do que pode ser visto

como sucesso, a escola incorpora funções diversas: a instrução, a socialização e a

educação crítica.(GÓMEZ, 2001: 261).

As funções assumidas pela escola e as conduções dos procedimentos educativos

decorrentes destas responsabilidades são fruto desse cruzamento intercultural presente

no espaço educacional. É na equalização das ações entre ao atores da prática educativa

que a escola poderá cumprir e agir na construção das identidades dos adolescentes.

A escola, tendo função socializadora, não estará isenta dos intercâmbios de nossa

sociedade. O contexto político e econômico que vivenciamos na sociedade atual se

fazem presentes como ideologia e são evidenciados na atuação dos educadores, o que

inevitavelmente se presentifica na formação dos adolescentes, por traços identificatórios.

A função instrutiva é, para muitos, a finalidade explícita da Educação e, segundo

Piaget (1998), é, também, a responsável pelo maior enculturamento dentro do processo

educativo, pois acaba por impor verdades e conceitos intelectuais historicamente

construídos em outras realidades culturais e que não a do aluno.

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É preciso ensinar os alunos a pensar, e é impossível aprender a pensar sob um regime autoritário. Pensar é procurar por si mesmo, é criticar livremente e é demonstrar de maneira autônoma. O pensamento supõe, portanto, o livre jogo das funções intelectuais e não o trabalho sob coerção e a repetição verbal. (PIAGET, 1998:154).

É preciso ressaltar que a cultura intelectual faz parte do processo de

desenvolvimento do ser humano e é na escola que se pode viver e desfrutar de sua

riqueza, porém é necessário cuidado para não transmiti-la como verdade incontestável.

Na perspectiva da função educativa da escola, presentifica-se o real resultado das

opções morais, valores, regras, crenças, críticas e reflexões que os atores das instituições

escolares estabeleceram como seus princípios educativos para a formação humana dos

seus alunos adolescentes.

Quando falamos de escola particular ressaltamos a liberdade para definição das

propostas no âmbito pedagógico e ideológico. Essas propostas constituem práticas de

ensino, aprendizagem e socialização coerentes com as crenças da instituição sobre a

Educação. Pode-se falar em identidade própria nas escolas particulares, porém sempre

pensando que o próprio deve contemplar as diferenças presentes nesse espaço.

A incidência real dos fatores identificados como requisitos do funcionamento eficaz das instituições escolares somente pode ser determinada e compreendida na análise de sua específica intervenção em cada contexto singular, em cada cenário particular de interação entre os indivíduos, as estruturas organizativas, as expectativas coletivas e os propósitos educativos e curriculares combinados. ( GÓMEZ,2001:154)

Sendo assim, a cultura escolar é também determinada e traçada pelos educadores

que efetivam a ação educacional dentro das instituições escolares e, mais, como a escola

está desenvolvendo suas funções diante dos seus alunos dependerá da ação dos atores,

professores, coordenadores, diretores e funcionários da escola. Assim, a ação dos

educadores é ponto decisivo da cultura escolar que, por sua vez, é determinante na

constituição da identidade dos adolescentes, seus alunos.

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2.2. A Ação dos educadores e a cultura da escola

A cultura escolar está diretamente relacionada à ação dos educadores. Para falar

do espaço escolar faz-se necessário entendermos a realidade educacional desse espaço.

Caracterizamos como educador todos os participantes das ações dentro de uma escola,

do diretor, coordenadores, psicólogos, professores, porteiros, cantineiros e secretários.

Educadores, neste sentido, refere-se a pessoas capazes de proporcionar espaços de

transformação humana e aquisição e produção de saber.

A escola, que na atualidade atende desde idades tão precoces o desenvolvimento das novas gerações, deve assumir funções e desempenhar papéis que anteriormente estavam reservados à vida familiar. Assim, pois, a transmissão dos conteúdos da cultura crítica como sua concretização em costumes, hábitos ou formas de interação e atuação também começa a ser acompanhada na escola de uma importante carga afetiva que condiciona sua aquisição e sua utilização posterior. (GÓMEZ,2001:136)

No colégio pesquisado, foi possível observar que, historicamente, a escola vem

de uma tradição rigída herdada dos anos 40, quando ainda funcionava como internato,

dirigido pela igreja católica. Esse rigor está não apenas em seu regimento interno mas,

sobretudo, na condução que se faz cumprir pelo diretor das regras estabelecidas.

No ano 1996, quando incorporado à Rede Pitágoras de Ensino, o Colégio

identifica sua imagem de melhor escola da região a marca de qualidade de ensino da

Rede Pitágoras. Neste momento, a missão do colégio passa a ser muito mais ensinar

conteúdos com eficácia e êxito do que formar integralmente seus alunos, apesar de ser

objetivo descrito em seu projeto pedagógico.

Na entrevista com o diretor e com a coordenadora do Ensino Fundamental do

colégio, realizada como parte de uma pesquisa desenvolvida paralelamente a revisão do

referencial teórico, percebemos a preocupação e a necessidade de pensar o adolescente

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como sujeito em formação, que vive momento de construção de conceitos e

consolidação dos valores, padrões e ideologias, principalmente por meio dos exemplos

vivênciados. Acreditam eles que, no espaço intercultural da escola, a marca dos atores

escolares deve ser coerente com os conteúdos ensinados e com a ética da convivência

com o diferente, mesmo que a família e a sociedade façam e pensem de outra maneira.

A fim de esclarecer questionamentos realizamos uma pesquisa, anterior a coleta

de dados do presente trabalho, que nos proporcionou obter dados sobre a perspectiva do

professor no contexto e sua contribuição na formação dos adolescentes alunos. Nos

diálogos com os atores-professores, percebemos grande dificuldade em efetivar o

discurso da formação integral dos adolescentes. Os professores queixam que o material

didático, que vem pronto da rede Pitágoras, exige que o processo de ensino

aprendizagem não tenha intervalo. Para conclui-lo, os professores não podem parar

conteúdos proposto no material para discutir projetos necessários à formação paralela

dos adolescentes. A professora de Matemática alega perceber a necessidade de intervir e

esclarecer questões dos alunos, o que requer diálogo e tempo, porém, às vezes, se sente

constrangida e presionada pelo tempo e pela necessidade de fechar todos os tópicos do

material didático.

Analisando a perspectiva dos professores, foi possível observar a marca da

cultura do sucesso, da pós-modernidade, interferindo e determinado suas ações e

planejamentos. A velocidade massacrando a qualidade das relações e valores humanos.

Questionando sobre a cultura do espaço educativo, percebemos a qualidade do trabalho

de ensinar, mas vislumbramos a necessidade de atingir os adolescentes com valores e

padrões de vida mais reflexivos.

Se a escola, segundo Gómez (2001), é o espaço de intercâmbio das diferentes

condutas, conceitos e padrões, todo ato educativo de ensino-aprendizagem configura-se

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como tentativa de formação integral humanizadora, mesmo que o foco da ação dos

educadores esteja no conteúdo e não na pessoa do adolescente aprendiz.

Não se pode esquecer que educadores são lideres da instituição escola e, como

centro de condução, tornam-se, também, exemplo a ser identificado, o que

inevitavelmente marca a cultura da escola e a formação dos alunos adolescentes.

Assim, analisar a ação dos educadores na construção da cultura do espaço escolar

não é tarefa fácil, pois a Educação pressupõe respeito as diferenças e garantia da

convivência de todos. Integralizar ou univerzalizar a cultura do colégio em questão, seria

negligenciar esse principio educacional e adotar uma postura homogenizadora e

superficial. Neste sentido, a escola está culturalmente construindo e desconstruindo a sua

identidade escolar, nas crises, reuniões, entrada de novos alunos e professores, nas

influências das famílias e até da mídia. Afirmaria, então, que pode-se falar da escola

como espaço intercultural, marcado por diferentes padrões culturais, inclusive o da

imagem produzida na sociedade do espetáculo, o do sucesso e a do respeito aos valores

humanos.

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Capítulo III

3. Adolescência e identidade diante da cultura do sucesso

Hoje eu sei que quem me deu a idéia De uma nova consciência e juventude, está em casa guardado por Deus Contando vil metal Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos, tudo que fizemos Ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos Como os nossos pais (Como nossos pais, Belchior)

_____________________________________________________________

3.1. Adolescência e Identidade

O Brasil é responsável por cerca de 50 % da população jovem do continente

latino-americano. Isso significa, segundo as Nações Unidas, alto número de pessoas

disponíveis ao ingresso no mercado de trabalho, características biológicas específicas e

traços culturais marcantes.

No ano de 1985, as Nações Unidas comemoraram o Ano Internacional da

Juventude e produziram um referencial que estabelecia orientações para que os países

construissem bases para políticas de juventude.

Conceituar adolescência é uma tarefa difícil, começando pelas nomenclaturas:,

puberdade, adolescência, jovens e juventude.

Todos esses nomes fazem referência a uma fase do desenvolvimento do sujeito.

A juventude é considerada comumente como a etapa da vida que vai desde a puberdade

até a independência da família de origem e a entrada nas responsabilidades do mundo

adulto: autonomia econômica, formação de sua própria família, constituição de um lar.

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Nesta fase, podem-se perceber características marcantes. É o momento do

despertar para os desejos sexuais, da contestação a leis e normas, da ressignificação da

personalidade, de consolidação da identidade, de transformações e maturação do corpo.

No corpo, o sujeito vive uma verdadeira metamorfose, com desenvolvimento dos órgãos,

principalmente os sexuais, o que faz aflorar a sexualidade e a busca pela realização de

seus desejos. Na adolescência o homem e a mulher estão, do ponto de vista biológico e

fisiológico, prontos para reprodução, para a relação sexual, porém, na perspectiva sócio-

psiquica, questões ainda precisam ser consolidadas.

(...) a etapa da vida durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações objeto-parentais internalizadas e verificando a realidade que o meio social lhe oferece, mediante o uso dos elementos biofísico em desenvolvimento à sua disposição e que só é possível quando consegue o luto pela identidade infantil. (ABERASTURY; KNOBEL, 1981:26).

Na adolescência observa-se uma separação dos sujeitos dos pais. Mudanças

biológicas impõem ao jovem estabelecer vínculos amorosos que permitam a procriação

e satisfação de desejos sexuais. Segundo Knobel (1981), um desprendimento útil que

facilitará ao adolescente o exercício da maturidade e da genitalidade adulta.

Quanto à lei e às normas, a adolescência é um tempo em que o desligamento da

autoridade dos pais deve ser conquistado e que o caminho costuma ser a oposição às leis

e normas estabelecidas e defendidas pela família. Esse processo faz parte do

desenvolvimento e da constituição da identidade. A criança precisa conquistar sua

autonomia, passar de um grupo etário a outro e, para isso, o desligamento da tutela

paterna é essencial. O filho, lançando mão dos referenciais, valores e normas de sua

família, muitas vezes representada pelo pai, que segundo a Psicanálise é o representante

da lei, constrói seus próprios ideais de vida. Neste momento esse adolescente, descobre

que pode ver muito além do olhar de seus pais, exige a liberdade e perde a segurança.

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Na construção da identidade os jovens buscam os traços identificados na relação

com familiares e amigos, apesar de oporem-se a sua história educacional, os elementos

que estruturam seu eu vêm dessas relações.

É assim como aparecem relações fantasiadas com professores, heróis reais e imaginários, companheiros mais velhos, que adquirem características parentais, e podem começar a estabelecer relações que nesse momento satisfazem mais. (ABERASTURY; KNOBEL,1981:57)

Segundo Levisky (1998), a autoridade é necessária para dar referências e limites

claros aos indivíduos. No entanto, parece estar sendo confundida com autoritarismo,

abuso de poder e desordem. Os pais se mostram frágeis diante das mudanças mundiais,

e os jovens não estão capacitados, ainda, para assumirem responsabilidades da vida

adulta.

Pode-se dizer que a adolescência é um tempo de transição e construção no qual o

sujeito por estar inseguro, buscando padrões, está também vulnerável às ofertas do

mundo. É nesse momento que a família deve se apresentar como protagonista na

constituição da identidade. Segundo Levisky, (1998) é a partir da família e das

experiências emocionais, vivenciadas nas relações com os pais, que são introjetados os

modelos de identificação, porém, ao longo da vida, inclusive na adolescência, outras

interações vão sendo vivenciadas, o que influenciará na identidade do adulto.

Como canta Elis Regina, seduzida por Belchior na teia do tempo, os jovens

tentam tecer um ser autônomo, dono de si, num novo mundo, com novas idéias, uma

juventude que foi enganada pela aparência. A nova juventude não tem nada de inédito,

pois, inconscientemente, introjeta traços de suas vivências familiares, além de estarem

em constante mudança, uma vez que são seres sociais que não podem deixar de captar

as transformações de seu tempo.

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Considerando que os indivíduos são seres sociais, que em dado momento de suas

vidas são inseridos na vida coletiva, inicialmente a família, a construção de sua

identidade carrega e agrega, a todo momento, aspectos de suas ações sociais.

A identidade, plenamente unificada, completa, segura e coerente, é uma ilusão.

Ao eu (identidade introjetada a partir das relações primárias) são integrados traços de

uma estrutura social em seu tempo e espaço. Na construção da identidade, o jovem

agrega ao eu aspectos de suas experiências e relações, socializadas no momento sócio-

histórico vivenciado por ele.

Castells (2001) entende por identidade a fonte de significados e experiências de

um povo, o processo de construção de significados com base nos cruzamentos culturais.

Ela se constitui por meio da individuação e introjetação de aspectos vivenciados e

experienciados pelas relações sociais.

Segundo Hall (2003), a fragmentação das paisagens culturais, no final do século

XX, está transformando, também, nossas identidades pessoais, abalando a idéia que

construímos sobre nós, sobre o próprio sujeito, como ser integrado.

Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. (HALL, 2003:9)

Neste sentido o autor propõe três concepções de identidade:

a) – sujeito do iluminismo;

b) – sujeito sociológico;

c) – sujeito pós-moderno.

O sujeito do iluminismo caracteriza uma concepção do indivíduo centrado,

unificado, dotado de razão, com alta consciência de si. Um ser individual que nasce

e desenvolve com sua essência, sem mudanças. O eu representa sua identidade

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autônoma, dona de si, que independente do contexto social, das emoções e

subjetividade se desenvolve através de sua energia interior, sempre centrada na

razão.

O sujeito sociológico, ao contrário, já constitui sua identidade na relação e troca

entre o interior e os valores, sentidos e símbolos representados pela cultura. Assim,

para a Sociologia, a identidade tem uma parte interna que chamamos de eu, porém

esse núcleo interno interage com o externo, com a sociedade que o sujeito vive e,

neste contexto social de traços o exterior, a experiência sócio-cultural oferecem

características ao eu, o que constituirá a identidade das pessoas. A identidade, nessa

concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre

o mundo pessoal e o mundo público. (HALL, 2003:11)

Pode-se pensar a identidade dos sujeitos diante do mundo pós-moderno e, mais

especificamente, diante de uma cultura que exige e expõe um modelo para o sucesso que

muda rapidamente. Esse processo produz um sujeito que não tem uma identidade fixa,

permanente, uma pessoa que vive a instabilidade da pós-modernidade.

A identidade é móvel e fragmentada pelas transformações e velocidade dos padrões sociais. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidade que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. (HALL, 2003:13).

3.2.Identidade do sucesso

Segundo Stuart Hall (2003), o conceito de identidade envolve a transitoriedade

do conceito ligado ao iluminismo para o nível sociológico e, posteriormente, ligado

ao sujeito pós-moderno.

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Desde sempre, o sujeito humano constitui-se no seu tempo e espaço conforme

costumes e cultura deste momento vivido. É sabido que na pós-modernidade vive-se

o descentração do sujeito, formando um homem individual com uma identidade

peculiar. O autor afirma que a modernidade liberta o homem das tradições e

estruturas estáveis de seu passado.

A identidade passa a ser pensada dentro das relações sociais, construídas ao

longo do tempo, através de processos inconscientes e não inatos, que recorrem a

movimentos culturais e sociais para se sustentarem. A identidade constitui-se a

partir de referências de desejo até chegar à aceitação social de pertencer ao grupo e

viver não no coletivo, mas segundo suas regras, pois o sentimento de aceitação e de

reconhecimento necessita, pelo menos temporariamente, ser satisfeito.

As sociedades da modernidade tardia são caracterizadas pela “diferença”; elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes “posições de sujeito” – isto é, identidades – para os indivíduos. (HALL, 2003:17)

O adolescente acredita que será feliz se consumir aquilo que seu grupo escolhe,

que seu eu deve seguir os padrões do adolescente pós-moderno e não de suas

origens, crenças e conceitos próprios. O padrão de escolha é caracterizado pelas

marcas da pós-modernidade.

Nesse contexto, a juventude está estruturando sua identidade. Entre uma

identificação e outra os jovens vão tentando moldar um estilo, construir suas idéias e

posicionamento diante das coisas do mundo.

Vivendo a pós-modernidade, no momento de construção de sua identidade, o

adolescente também sofre suas conseqüências, para estabelecer seus regras.

Segundo Goffman (1980), a sociedade estabelece meios de categorizar as pessoas,

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aspectos e atributos que permitem mapear sua identidade. Isso pode incluir ou não o

adolescente no padrão estabelecido, neste determinado momento sócio-cultural.

A sociedade atual, dominada pela imagem, pela aparência, pelo parecer belo,

exige dos adolescentes parecer ter, consumir os padrões criados e recriados nas

relações. Goffman (1980) acredita haver dois tipos de identidade social: aquela

chamada identidade social virtual e a identidade social real. A identidade virtual é o

que se imagina ser, são categorias pré-concebidas em que os adolescentes precisam

consumir para ter sucesso, para ser em aceitos pelo grupo.

A identidade real diz do eu, da realidade, dos atributos e características que

fazem parte do indivíduo, daquilo que o sujeito demonstra realmente possuir.

Sugeriu-se inicialmente que poderia haver uma discrepância entre a identidade virtual e a identidade real de um indivíduo. Quando conhecida ou manifesta, essa discrepância estraga a sua identidade social; ela tem como efeito afastar o indivíduo da sociedade e de si mesmo de tal modo que ele acaba por ser uma pessoa desacreditada frente a um mundo não receptivo. (GOFFMAN,1980:28)

É possível afirmar que existe um vácuo entre o que é a identidade do adolescente

e aquela que ele sonha ter e acaba por acreditar ter. Esse intervalo entre o real e o

imaginário está sendo ocupado pelas ofertas do mundo pós-moderno, o que acaba

por criar identidade de aparência.

A identidade de sucesso desejada e necessária ao adolescente que sonha ser

aceito, pertencer ao grupo, é uma identidade muitas vezes virtual, diz daquilo que os

jovens acreditam ter e ser, mas, na verdade, corresponde a uma imagem transmitida

pelo social e consumida pelo processo de identificação na juventude. A identidade,

então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à

estrutura.(HALL, 2003:12)

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Com isso, pode-se dizer que os jovens, na pós-modernidade, têm dificuldades de

constituírem uma identidade consolidada e fixa. As identidades são momentâneas e

se confundem com processos identificatórios. A cada momento ele cria um desejo,

uma verdade, um produto que pode responder por sua identidade.

Os adolescentes, vivendo uma instabilidade, acabam por identificar-se com as

ofertas dos grupos sócio-culturais. Na necessidade de incluírem-se, serem aceitos e

pertencerem ao grupo, os jovens compram as idéias oferecidas e disponíveis na

sociedade. Assim, introjetam a verdade de que tendo os materiais, os bens de

consumo disponíveis no mercado serão indivíduos respeitados, felizes e com

sucesso.

Por fim, é sabido que, segundo Debord (1972) a sociedade vive no mundo das

imagens, das aparências, do espetáculo. O essencial é parecer ter, os jovens não

precisam ter uma identidade coesa e fundada em princípios, mas, sim, se

apresentarem com um ser de sucesso, transmitindo essa imagem.

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Objetivos

Objetivo geral

Analisar se a cultura do sucesso influência o processo de constituição da identidade de

alunos de 13 e 14 anos da rede particular de Diamantina.

Objetivos específicos

Verificar se a proposta do Colégio D. institui a cultura do sucesso.

Observar se existe influência da sociedade do espetáculo com a construção da identidade

dos adolescentes do Colégio D.

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Capítulo IV

4. O Colégio D. como lócus para investigação

_____________________________________________________________

A escolha da instituição onde se desenvolveu a pesquisa seguiu os critérios de ser

uma escola particular, com alunos cursando o Ensino Fundamental e localizada na

cidade de Diamantina, uma vez que se pretendia pesquisar alunos da classe média alta

no espaço escolar. A partir destas condições, pré selecionamos uma escola na cidade que

se enquadrou nos parâmetros da pesquisa.

O Colégio selecionado foi criado em 23 de novembro de 1933, pela Sociedade

Anônima Ginásio Diamantinense, e começou a funcionar em 15 de março de 1934, com

autorização federal, após fiscalização preliminar, ocorrida em 10 de março de 1934. Seu

primeiro diretor foi o Cônego Raimundo de Almeida.

Posteriormente, em 1939, foi o Colégio encampado pela Mitra Arquidiocesana

de Diamantina, conforme um acordo celebrado com a Sociedade Anônima Ginásio

Diamantinense.A partir de então, criou-se o internato para rapazes, visando atender à

necessidade educativa de muitas famílias do interior de Minas. O Ginásio tornava-se o

pólo de estudos do centro – norte de Minas. O internato esteve em atividade até 1970.

Segundo fontes documentais, o primeiro curso a funcionar no Colégio foi o

antigo ginasial, hoje, equivalente às quatro últimas séries do Ensino Fundamental. Com

o Decreto nº 1917, de 17 de março de 1943, foi autorizado o funcionamento do Ensino

Médio, já com a direção do padre José Pedro Costa.

Segundo arquivos históricos, em 1945, foi criada e aprovada a Escola Técnica de

Comércio, sob a direção de padre Celso de Carvalho. O curso Técnico de Contabilidade

encerrou-se em 1990. Em 1985, sob a direção do professor Célio Hugo Alves Pereira,

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foi autorizado e teve início o curso Técnico de Enfermagem que, em convênio com a

CODEVALE e com a participação de diversos municípios do Vale do Jequitinhonha,

formou três turmas, beneficiando a região.

No ano de 1986, começaram a funcionar as turmas do Pré – escolar (Educação

Infantil) e as de primeira à quarta série do Ensino Fundamental. Já em 1996, o Colégio

integrou-se à Rede Pitágoras, constituindo um marco de qualidade em Educação. Ao

filiar-se à Rede Pitágoras adotou seu projeto pedagógico, ou seja, iniciou-se um

processo de parceria também na filosofia educacional do sistema Pitágoras.

O Pitágoras foi criado em 1966 e, na década de 90, inaugurou a Rede Pitágoras

com o objetivo de ampliar a área de abrangência, além de garantir a consistência de

princípios, a clareza e a autonomia da ação pedagógica nas escolas integradas.

Juntamente com essa expansão, foi elaborado um documento que se caracterizou como

o projeto político pedagógico da rede Pitágoras. Assim, a missão educacional

pressupunha crença na vida, crença na capacidade do homem compreender a realidade e

nela atuar, tornando-se melhor e primando pela qualidade de vida de toda a sociedade.

No ano de 2005 o Pitágoras revisou e atualizou o Projeto Pedagógico, buscando

alternativas para viabilizar o trabalho educacional das escolas. O século XXI aponta

para o cenário educacional um novo paradigma de sociedade, o que implica uma

renovação no sistema de educação escolar. Assim, a Rede Pitágoras ampliou seu

escopo, acrescentando o componente empreendedorismo e ética em sua proposta

curricular.

Neste sentido é, pois, responsabilidade desta escola, como instituição

educacional, entender o passado, viver o presente e vislumbrar o futuro para afirmar,

com coragem e lucidez, os valores que fundamentam a vida, criando condições para que

as pessoas se desenvolvam integralmente.

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Segundo o projeto pedagógico Pitágoras (2005) onde quer que haja uma escola

Pitágoras existe:

A vitalidade que propicia renovação constante em busca da qualidade.

A sensibilidade que percebe os mais delicados sentimentos.

A ternura que acolhe amorosamente todas as pessoas.

A sabedoria que revela o caminho da verdade.

A firmeza que rejeita o que é contra a vida, com corações livres de ódios e

ressentimentos.

Uma sociedade fundada na liberdade, na justiça e na solidariedade.

Independente do tempo de permanência de uma criança e/ou adolescente nas

escolas Pitágoras trabalha-se para que essas aprendam a necessidade do

questionamento; a alegria da descoberta; o valor da crítica conseqüente; a coragem da

denúncia e o poder da ação.

Sendo assim, os objetivos da Rede Pitágoras de acordo com o projeto

pedagógico (2005), que passaram a ser também do Colégio, são:

1. Alto desempenho dos alunos e melhoramento das instituições.

2. Competência da força de trabalho.

3. Comprometimento com a realidade social.

4. Relações de parceria.

5. Competência em gestão.

Quando se analisa a proposta pedagógica da rede Pitágoras, pode-se perceber a

ênfase em formar um aluno de sucesso, uma criança e adolescente que seja capaz de

identificar e utilizar todas as oportunidades do mundo competitivo, assim como gerar

conhecimento como forma de autonomia, competência e sucesso no mercado de

trabalho. Neste momento, faz-se necessário pesquisar como esse projeto pedagógico se

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relaciona com a ideologia da sociedade atual, na qual a cultura impõe o sucesso. É

importante observar, criteriosamente, as crianças e adolescentes educados na rede, nesta

sociedade e com essa cultura.

Existe relação desta proposta educacional com a cultura do sucesso e a

constituição da identidade dos adolescentes?

Esta proposta educacional da Rede Pitágoras vem mostrar uma preocupação com

a formação integral do adolescente, pensando na complexidade subjetiva do sujeito,

formando a justiça, a verdade, a sensibilidade, a competência e a importância das

relações interpessoais respeitosa. Porém, em se tratando de rede, cada escola efetiva os

objetivos de acordo com sua cultura escolar. È, neste momento, que questões aparecem.

As escolas conveniadas precisam colocar em prática e vivenciar no dia-a dia essa

construção.

O Colégio trabalha com alunos de 7 a 18 anos, alunos desde a 1ª série do Ensino

Fundamental até ao 3° ano do Ensino Médio, na sua maioria filhos da classe média alta,

que pagaram mensalidade de R$ 237,55 no Ensino Fundamental e de R$ 284,60 no

Ensino Médio no ano de 2005. Hoje, o Colégio é a única instituição de ensino privado

de Diamantina que oferece atendimento desde as séries iniciais do Ensino Fundamental

até o Ensino Médio.

A tabela mostra o crescimento de matriculas, a partir de 2000.

COLÉGIO D. QUADRO DE

MATRÍCULAS

2000 - 2001 - 2002 - 2003 - 2004 –2005 SÉRIE 2000 2001 2002 2003 2004 2005

3º P. 7 1ª 7 18 13 14 22 12 2ª 17 8 24 16 12 22 3ª 11 19 10 22 15 16 4ª 15 11 30 16 23 16 ST 57 56 77 68 72 66

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5ª I 23 27 35 28 32 26 5ª II 20 27 28 22 6ª 25 39 23 35 28 36 6ªII 22 27 7ª 31 33 23 23 25 29 7ªII 21 23 29 8ªI 29 34 39 22 40 37 8ª 24 ST 128 160 163 183 152 178 1º I 22 27 32 29 35 32 1º II 23 25 30 28 33 32 2º I 24 38 41 36 30 38 2º II 24 34 29 37 3º I 50 26 24 25 39 37 3º II 29 26 26 34 35 ST 143 145 153 178 200 211 TOTAL 328 361 393 429 423 452

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Capítulo V

5. Metodologia: coletando construções

_____________________________________________________________________________________

Pesquisar envolve atividades que permitirão estudo, descrição, desenvolvimento e

análise de situações tidas como problema. Segundo Goldenberg (2001), pesquisa

qualitativa consiste em coletar dados que propiciarão a descrição detalhada de situações,

sociedades, culturas, fatos, crises, relações e experiências, com o objetivo de

compreender os indivíduos em seus próprios termos.

A pesquisa deve sempre ser fiel ao progresso da ciência com rigor. Segundo Santos

(2003), até o século XIX a Ciência era dominada pela racionalidade, pela padronização e

pela objetividade. O paradigma científico, até então, era baseado em uma metodologia

positivista de ciência e pesquisa. Para compreender seriam necessários procedimentos

lógicos estruturados que proporcionavam a quantificação, medição e controle de todas as

variáveis. Sendo assim, o que não é quantificavel é cientificamente irrelevante, em

segundo lugar, o método cientifico assenta na redução da complexidade. (SANTOS,

2003:28)

O rigor no paradigma dominante da ciência2 faz referência às medidas e despreza o

lugar das qualidades, das diferenças e das irregularidades e exceções. Assim, neste

modelo, os pressupostos, quando comprovados, apontam para leis e verdades universais

e absolutas.

Já no século XIX, emerge o modelo de racionalidade nas ciências sociais, ou seja,

passa a ser possível fazer ciência com as questões sociais. Esse conhecimento cientifico

se estabelece, obedecendo a regras metodológicas e princípios epistemológicos. As

2 Termo utilizado por Santos (2003), para se referir ao modelo quantitativo de pesquisa, das ciências naturais.

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ciências sociais nasceram para ser empíricas (SANTOS,2003:33), uma vez que o

modelo que a ciência social deveria seguir eram aqueles estabelecidos pelo paradigma

dominante, universalmente reconhecido, não havendo espaço para qualificar os

fenômenos sociais, subjetivos e humanísticos.

Com isso, pode-se dizer que se rompem, no século XXI, as fronteiras entre as

pesquisas na ciência natural e na ciência social, a distinção entre corpo e alma - Física e

Psicologia - deixa de ter sentido, os objetos de pesquisa acabam por fundir ciências.

Hoje é possível ir muito além da mecânica quântica. Enquanto esta introduziu a consciência no ato do conhecimento, nós temos hoje de introduzir no próprio objeto do conhecimento, sabendo que, com isso, a distinção sujeito objeto sofrerá uma transformação radical. (...) O conhecimento do paradigma emergente tende assim a ser um conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na superação das distinções. (SANTOS, 2003: 62,64)

Reconhecendo e acreditando na relevância da análise qualitativa dentro das

pesquisas sociais, este estudo, diante de seu objeto, adolescentes de 13 e 14 anos, e seus

objetivos, recorrerá ao estudo de caso, à entrevista em profundidade e à observação

como instrumentos de coleta de dados, tendo como referencial a representação das

categorias, apresentadas pelos adolescentes durante, o estudo de caso.

O estudo de caso propicia a análise detalhada, profunda que permitirá uma

exploração intensa do caso, com o objetivo de apreender a totalidade do ser em sua

complexidade. Isso possibilitará ao pesquisador acesso ao contexto social e subjetivo do

sujeito, além da análise da relação entre a realidade, o social e o subjetivo, o que seria

impossível no modelo positivista das análises estatísticas dos dados.

Diferente da “neutra” sociologia das médias estatísticas, em que as particularidades são removidas para que se mostre apenas as tendências do grupo, no estudo de caso as diferenças internas e os comportamentos desviantes da “média” são revelados, e não escondidos atrás de uma suposta homogeneidade. (GOLDENBERG, 2001:34)

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Considerando que o objeto de estudo desta pesquisa se constituiu de alunos de

uma escola particular de Diamantina e que a homogeneidade tem feito parte da prática

escolar há muitos anos, mais uma vez justifica-se a escolha: tentar olhar e pesquisar os

alunos no contexto escolar do ensino particular.

Paralelo ao estudo de caso, as entrevistas em profundidade vêm subsidiar a coleta

de dados. As entrevistas propiciaram a verificação de possíveis contradições na história

do sujeito que está sendo objeto da pesquisa, além da possibilidade de contribuir para

criar uma atmosfera amistosa e de confiança no campo, objeto da pesquisa. Na

observação, pretendeu-se coletar informações sobre os adolescentes dentro de seu grupo,

no coletivo. Assim, através da observação livre, objetivou-se buscar as atitudes e

comportamentos dos alunos no espaço escolar fora da sala de aula e dentro do contexto

socializador da escola.

O colégio tem em 2006, quando iniciamos os primeiros contatos, quatrocentos e

cinqüenta e dois alunos matriculados. Na faixa etária pesquisada eram 95 alunos, ou

seja, 21% do total de alunos da escola. Destes alunos, selecionamos nove para serem

sujeitos de nossa pesquisa. A coleta de dados foi feita através do estudo de caso,

entrevista em profundidade e observação livre.

Quanto ao perfil e critérios para seleção dos alunos, buscamos nove alunos de 7ª

e 8º séries, sendo cinco de oitava e quatro de sétima, selecionados aleatoriamente,

através do número de matricula no colégio, o que não determinou previamente o perfil

do adolescente.

Realizamos, primeiramente, contato com o diretor do Colégio D., esclarecendo

os objetivos da pesquisa e solicitando autorização para realização. Em seguida, fizemos

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uma análise da proposta pedagógica da rede, análise documental do surgimento do

colégio e sua atuação como instituição de ensino.

Trabalhando no âmbito educacional, dentro do espaço escolar percebemos

grande dificuldade dos educadores em contemplar as mudanças dos adolescentes na

faixa etária de 13 e 14 anos. Observa-se que os alunos necessitam de auto afirmação e

uma ilusão de autonomia que, na maioria das vezes, é conquistada na rivalidade com a

figura de autoridade.

Sendo assim, pensando na dificuldades da educação no contexto escolar

selecionamos nove alunos adolescentes de 13 e 14 anos, estudantes da 7ª e 8ª séries do

Ensino Fundamental. Fizemos reunião com os nove alunos selecionados, explicando os

objetivos da pesquisa, a importância de sua participação e proporcionando-lhes

liberdade para aceitarem ou não participar.

A seleção dos nove alunos seguiu os seguintes critérios: 4 alunos de sétima série

e 5 alunos de oitava série. A escolha foi aleatória, sorteada a partir do numero de

matrícula dos alunos.

Sabendo que juridicamente os adolescentes não têm autonomia legal para

responderem sozinhos sobre si, enviamos aos pais ou responsáveis, uma carta - termo de

livre convencimento e esclarecimento – sobre os objetivos da pesquisa e a metodologia

utilizada. Consultamos os adolescentes, buscando marcar a participação por uma

escolha e, não simplesmente, pelo desejo dos pais, da pesquisadora ou da escola.

Nesta etapa, ainda de seleção, dois adolescente manifestaram desinteresse em

participar, sem justificativa, e um outro não participou pela negativa de autorização dos

pais. Após o encontro para esclarecimentos quanto aos objetivos da pesquisa e como

seriam os encontros, dois adolescentes rejeitaram a participação sem expor os motivos.

Sabemos que no estudo de caso, além do levantamento de dados propõe-se uma

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resignificação de escolhas, o que pode justificar uma não disponibilidade dos

adolescentes.

Assim, a pesquisa realizou-se com seis adolescentes, pois tivemos uma perda de

3 alunos, o que não comprometeu este estudo uma vez que a coleta de dados baseou-se

na pesquisa qualitativa, utilizando-se do estudo de caso.

Nome escolhido Idade Série escolar Alice 13 anos 8ª Adão 13 anos 7ª Luiza 13 anos 7ª Maria 13 anos 7ª Pedro 14 anos 8ª Diniz 14 anos 8ª

Seguindo os passos da pesquisa, agendamos os encontros individuais com os

alunos, que aconteceram de 13 de fevereiro de 2006 a 31 de maio de 2006. Foram

quatro encontros individuais com cada adolescente, com duração média de 30 a 40

minutos.

Durante os encontros utilizamos entrevistas livres em profundidade e semi-

estruturadas. Exploramos a linguagem oral do adolescente e suas elaborações sobre a

sociedade atual, sua escola e como estes espaços estão influenciando sua identidade.

Nos encontros, também utilizamos o desenho como recurso para coletar as

representações simbólicas e imaginárias dos adolescentes sobre si e sobre o espaço

educacional. O desenho foi utilizado como facilitador na coleta de informações durante

o estudo de caso e o levantamento das representações categóricas.

Paralelamente às entrevistas, passamos a observar os adolescentes, sujeitos da

pesquisa, no ambiente escolar coletivo, nos intervalos das aulas, no recreio e nas aulas

de Educação Física.

Durante a elaboração do referencial teórico da dissertação foram realizadas

pesquisas que ajudaram na interpretação, escrita e proposições sobre nosso objeto de

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estudo. A entrevista com os pais foi realizada com o propósito de somar outro olhar: a

visão da família, sobre a proposta educativa do colégio de seus filhos e possível

influência da cultura do sucesso na formação da identidade destes adolescentes

estudantes. As entrevista semi-estruturadas foram agendadas e realizadas nos meses de

abril e maio de 2006 no Colégio Diamantinense. Entrevistamos, também, dois

professores de 7ª e 8ª séries, a coordenadora do Ensino Fundamental e o diretor. As

entrevistas semi-estruturadas aconteceram no Colégio no mês de março de 2006.

Somando-se a perspectiva do adolescente, a visão dos professores,

coordenadora, diretor, pais e a análise e observações da ação dos educadores e conduta

dos alunos levantamos dados significativos para possíveis considerações acerca do

nosso objeto e objetivo de estudo.

5.1 Estudo de caso

É uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa aprofundadamente. Esta definição determina suas características que são dadas por duas circunstâncias, principalmente. Por um lado, a natureza e abrangência da unidade. (TRIVINÕS,1987:133)

O estudo de caso propicia a compreensão mais clara da natureza e a dinâmica de

um fenômeno foco de nossa observação. No nosso caso, esse fenômeno se refere a

construção da identidade de adolescentes.

Um estudo de caso propõe, além de um estudo aprofundado, provocar em quem

participa, um processo de reflexão e reciclagem pessoal, de descobertas pessoais. Os

envolvidos neste estudo acabam vivenciando uma experiência de auto descobertas.

Trabalhando com adolescentes, buscamos a tarefa de, além de pesquisar,

levantar dados, comprovar ou refutar hipóteses, provocar uma reflexão e até uma

ressignificação de conceitos e escolhas nos participantes. O propósito do estudo de caso,

realizado numa escola, foi também conhecer todos os possíveis fatores que interferem

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na conduta de um aluno adolescente. Para isso, levantamos o maior número possível de

dados, fatos e situações referentes aos sujeitos da pesquisa, para que podéssemos

compreender, entender e talvez explicar o comportamento, o modo de ser e agir dos

adolescentes hoje.

5.1.1 Entrevistas

Nas entrevistas com os adolescentes, buscamos aprofundar o conhecimento

sobre o processo de construção de identidade e as possíveis influências existentes nesta

construção. Segundo Bleger (1980), a entrevista é um meio pelo qual podemos realizar

pesquisa científica, pois ela é um instrumento dinâmico, que ocorre em relação de

indivíduos e viabiliza tanto a obtenção de informações sobre a história do sujeito,

quanto evidencia, através do campo transferencial, elementos da organização psíquica

do sujeito.

De acordo com Trivinõs (1987), a entrevista semi-estruturada parte de certos

questionamentos básicos, apoiados em hipóteses que interessam à pesquisa e, em

seguida, oferecem amplo campo interrogativo e investigativo, à medida que as respostas

são relatadas. É neste momento, que os sujeitos da pesquisa participam da elaboração do

conteúdo da pesquisa, uma vez que, a partir dos seus relatos de experiências e linha de

pensamento, outros questionamentos surgiram.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, ou seja, partimos de um roteiro

básico (em anexo) de assuntos a serem abordados, mas aprofundamos em temas

específicos com cada entrevistado, conforme considerávamos importantes, no decorrer

da conversa, pois nosso objetivo era verificar a influência da cultura do sucesso na

construção da identidade dos adolescentes e o papel da escola nesse processo.

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5.1.2 Observação

Com o objetivo de somar olhares ao nosso objeto, realizamos a observação livre

dos alunos no ambiente escolar extra-classe. Segundo Trivinõs (1987), o foco de exame

não deve ser a instituição como um todo, mas sim a parte dela que interessa ao objetivo

da pesquisa. Definimos que observaríamos o adolescente no seu grupo, os papéis

assumidos, as relações estabelecidas, seu modo de falar, suas atitudes e

comportamentos. As observações aconteceram no espaço do recreio, intervalos e nas

aulas de Educação Física.

5.1.3 O desenho

É neste momento que aproveito para afirmá-los como documentos que nos permitem saber mais acerca destes sujeitos, e não somente isso, possibilitam-nos conhecer suas percepções da realidade por eles vividas, não sendo percebidos como textos escritos, mas sim como textos visuais que podem ser olhados, sentidos, lidos.(GOBBI,2002:76)

No decorrer da pesquisa, como mais um instrumento de coleta de dados e

levantamento de informações, vivências e experiências dos alunos adolescentes,

participantes da pesquisa, decidimos utilizar o recurso do desenho.

É sabido que no desenho o sujeito expressa a compreensão e a interpretação do

espaço sócio-cultural, familiar e escolar, vivenciado por ele. Ao desenhar, ele reconstrói

seu mundo, seu contexto e, assim, nos fala de forma representativa das marcas presentes

em sua vida, dos traços que fazem parte da construção de sua identidade.

Contêm em si informações que vão além dos mesmos, extrapolando o registro ou cópia fiel do que está ao redor; são portadores de sonhos, de imaginação, de vínculos constituídos entre seus produtores e aqueles ou aquilo que estava nos entornos da produção e que devem ser considerados. (GOBBI, 2002: 79)

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Com o desenho, buscamos um mediador para o diálogo, pois, segundo Di Leo

(1985), o desenho é uma das formas de se estabelecer uma relação empática, rápida e

agradável. O desenho pode também ser o desencadeador da fala do adolescente, uma

vez que propicia e garante a expressão livre dos significados de suas imagens.

5.2 Da metodologia a análise das categorias

Selecionamos, dentro da diversidade metodológica para a pesquisa qualitativa o

estudo de caso. O estudo de caso é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de

um ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e

detalhado.(GIL, 1999:72)

Seguindo os passos da pesquisa, utilizamos as entrevistas, observações e o

desenho como instrumentos facilitadores para o estudo da construção da identidade dos

adolescentes estudantes.

Explorando as técnicas descritas, foi possível levantar dados, buscar informações

que propiciaram nossos estudos e análise. No capítulo que se segue, trabalhamos com as

análises através de categorias, ou seja, selecionamos os temas mais relevantes e os de

maior freqüência durante a realização do estudo de caso transformando-os em

categorias a serem analisadas.

As categorias de análise configuram-se como temas que vão ao encontro de

nossos objetivos, ou seja, na relação entre as construções teóricas e a expressão do

adolescente, da escola e da sociedade analisamos como os adolescentes tem construído

sua identidade e o papel da escola e da sociedade nesse processo.

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No primeiro encontro com os adolescentes buscamos levantar informações sobre

a representação escolar de cada sujeito. Perguntamos e dialogamos sobre o espaço

escolar, na intenção de caracteriza-lo a partir de construções do próprio adolescente

estudante. Os seis adolescentes sujeito da pesquisa não demonstraram dificuldade em

falar da sua escola, porém cada um recorreu a um imaginário subjetivo para descrever o

espaço.

No segundo encontro buscamos conhecer o adolescente, como este se

caracterizava, o que conseguia dizer sobre si. Falar de si foi bastante complicado para os

adolescentes. Eles falavam de forma restrita e objetiva, elegendo os aspectos físicos e

esteticos. Nesse encontro indagamos os adolescentes quanto sua posição sobre a

sociedade atual. De maneira crítica posicionaram suas constreuçõs sobre o capitalismo e

as relações humanas.

No terceiro encontro objetivamos resgatar aspectos da fala dos adolescentes,

esclarecendo colocações feitas nos primeiros encontros. Seguindo o roteiro de

entrevistas (anexo) pedimos os adolescentes para falar sobre seu grupo e amizades.

Percebemos a grande importância do grupo e como as referencias de amizade tem poder

de influencia sobre a formação do adolescente. Também nesse encontro perguntamos o

que seria uma pessoa de sucesso. Como discutiremos no capítulo a seguir, todos

responderam que o sucesso está relacionado com a questão financeira.

Por fim, no último encontro utilizamos a técnica do desenho para somar dados a

pesquisa. Percebendo a dificuldade de alguns adolescentes em expressarem, solicitamos

que si desenhasse em três espaços distintos.

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Capítulo VI

6. Análise das categorias: identidades (des)construídas

Cada um de nós Compõe a sua história Cada ser em si carrega o dom de ser capaz De ser feliz (Tocando em frente, Almir Sater/Renato Teixeira)

______________________________________________________________________

Analisar envolve uma visão crítica, uma leitura teórica sobre, os temas, que se

colocam ao pesquisador. Este é o momento de recorremos ao referencial teórico para

pensarmos no que foi descrito pelos adolescentes, sujeito da pesquisa, através de

observações, entrevistas e desenho.

Segundo Trivinõs (1987) no estudo de caso qualitativo não existem esquemas de

análise definidos aprioristicamente, estes devem ser estabelecidos de acordo com a

complexidade do tema e aumentados à medida que se aprofunda no assunto.

A fim de facilitar a interpretação dos dados e recortar o de mais relevante à

nossa pesquisa, dividimos os temas, a serem analisados em categorias. Todos os itens

que se fazem presente possui elos com nossos objetivos da pesquisa.

Assim temos como primeira categoria de análise, “o espaço escolar” - visão dos

adolescentes sobre o colégio que estudam e a influência deste espaço na sua formação

identificatória. Como segunda categoria, analisamos a visão do adolescente sobre a

sociedade em que vive e o papel do grupo nas suas escolhas. Outra categoria analisada

foi a das definições dos alunos adolescentes sobre si, sua auto definição e a dificuldade

de dizer de si.

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Como quarta categoria, analisamos as respostas dos adolescentes quando

questionados sobre quem tem sucesso, a pessoa de sucesso, descrita pelos adolescentes,

sua relação com o consumo e as possíveis interferências na identidade dos jovens.

Na última categoria, buscamos a expressão dos jovens através dos desenhos. A

eles foram solicitados que desenhassem: eu na sociedade, eu na escola e eu em casa. Os

alunos adolescentes se desenharam nos três espaços sugeridos.

6.1 Eu adolescente

Aberastury (1981) nos alerta, no capítulo III deste trabalho, sobre ser anormal a

presença de um equilíbrio estável durante o processo adolescente. Ser jovem significa

desenvolvimento, vulnerabilidade e incertezas próprias do momento.

A adolescência – período que separa a infância da idade adulta – se caracteriza

por diversos episódios de desequilíbrio e ruptura. A partir de constituição psíquica do

adolescente e face às exigências colocadas a ele pela complexidade da cultura na qual

está inserido, esse período tornar-se mais ou menos turbulento. O adolescente, premido

pelo eclodir da maturidade sexual e perplexo face ao desconhecido da vida adulta,

deverá fazer uma série de ajustes capazes de articular o passado ao devir. Assim, é

tarefa principal do adolescente a revisão de sua identidade, considerada nos aspectos de

assunção da sexualidade, de busca de autonomia e de desenvolvimento das

competências. Tal tarefa depende, essencialmente, da possibilidade de viver o luto pela

perda da infância, assim como de suportar toda sorte de surpresa que o desconhecido

possa trazer.

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O jeito adolescente é um a cada momento, é seguir o padrão do hoje que não,

certamente, servirá para o amanhã.

Quando estou com pessoas aparento ser algo que nem sempre sou, mas isso depende das ocasiões. (Pedro, 14 anos, 8ª série) Adoro a vida, sou feliz, me divirto quando converso com pessoas, amigos e família. (Adão, 13 anos, 7ª série) Sou alegre, dou bem com todos, não gosto de pessoas que não se esforçam para ser o melhor. Tento ser eu mesma. (Luiza, 13 anos, 7ª série) Eu gosto de dançar, ouvir música e me chateio com inveja e falsidade. (Alice, 13 anos, 8ª série)

O adolescente apresenta uma vulnerabilidade especial par assimilar os impactos projetivos de pais, irmãos, amigos de toda a sociedade. Ou seja, é um receptáculo propício para encarregar-se dos conflitos dos outros e assumir os aspectos mais doentios do meio em que vive. (ABERASTURY, 1981:11)

Sabemos da dificuldade do jovem para falar de si, se definir, de escolher, tomar

decisões. A adolescência flutua entre momentos de independência e de extrema

dependência, o que justifica as contradições e confusões relevantes ao seu jeito de ser e

estar no mundo.

O jovem, por estar em momento de construções, torna-se vulnerável a

influências diversas, a cada ambiente, a cada grupo social, na escola, no espaço familiar.

Ele assume e assimila aquilo que pode lhe dar segurança e reconhecimento. Ouvimos

falar que o adolescente é um a cada espaço que freqüenta, ou seja, o adolescente filho é

bem diferente do adolescente aluno e colega.

A problemática do adolescente começa com as mudanças corporais, com a definição do seu papel na procriação e segue-se com as mudanças psicológicas. Tem que renunciar a sua condição de criança; deve renunciar também a ser tratado como criança, já que a partir desse momento se é chamado dessa maneira será com um matiz depreciativo, zombador ou de desvalorização. (ABERASTURY, 1981:16)

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Acho que na maturidade ainda sou infantil, não estou na adolescência. (Pedro, 14 anos, 8ª série)

Eu, na minha vida, recebi de casa a visão sobre as coisas, o que pode, o certo e o errado. (Diniz, 14 anos, 8ª série) Para mim minha família está em primeiro lugar, depois vem a escola e os amigos. (Alice, 13 anos, 8ª série) Eu acho que o mais importante para mim hoje é minha família, foi ela que me ensinou a ser e agir. (Adão, 13 anos 7ª série)

Sabe-se que a identidade, no seu processo de estruturação, depende das

interações sociais estabelecidas. Os adolescentes vão em busca das realidades subjetivas

que estão próximas para assimilá-las. Assim, observam as relações, os contextos sócio

culturais e aspectos relevantes e significativos a suas crenças imaginárias. É neste

momento que recorrem à família como fonte socialmente reconhecida e segura, para

ofertar-lhes valores reais.

Esse processo acontece através de uma dialética de amor e ódio, ao mesmo

tempo que confiam, precisam testar e averiguar se as regras ofertadas e valores

vivenciados realmente fazem sentido, se são verdadeiros. A identidade é um fenômeno

que deriva da dialética entre um indivíduo e a sociedade. (BERGER, 1999:230)

E é este o paradoxo com que se depara o adolescente ao buscar um lugar na

sociedade. Questão esta conturbada, ainda mais, por outra faceta paradoxal presente na

relação com os pais, pelo fato dela constituir-se, ao mesmo tempo, como algo com o que

se deseja apegar e romper. O enriquecimento da identidade dá-se, sobretudo, na relação

com os pais. Entretanto, essa identidade só pode aparecer como própria quando é

estabelecida a autonomia em relação aos desejos dos pais. O conflito do adolescente

está, assim, na possibilidade de conciliar dois movimentos contraditórios: identificar-se

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e ter autonomia ao mesmo tempo, ou seja: como conseguir assegurar uma identidade

enriquecida pelas trocas com os pais e ao mesmo tempo, autônoma.

Sendo assim, seria impossível compreender a construção de identidade dos

adolescentes sem pensar e observar os espaços sociais experenciados por eles, ou seja, a

sociedade atual e a escola.

(...) na forma complexa da interiorizção, não somente “compreendo” os processos

subjetivos momentâneos do outro mas “compreendo” o mundo em que vive e esse

mundo torna-se o meu próprio. (BERGER, 1999: 174)

6.2 O espaço escolar

A escola procura introduzir o aluno no domínio dos saberes científicos de modo a dotá-lo de conhecimentos e de ferramentas intelectuais que lhe permitam melhor compreender a realidade e atuar de forma crítica, criativa e competente como cidadão e como profissional. (GARRIDO,2001:125)

É sabido que o adolescente busca traços sócio-culturais identificatórios na

construção de sua identidade. As representações dos alunos constituem o ponto de

partida para pensarmos sua identidade no seu espaço educativo de aprendizagens. A fim

de verificar a representação que os alunos tinham da escola onde estudam, marcamos a

primeira entrevista com os adolescente e perguntamos onde estudavam.

Dos seis alunos participantes da pesquisa, quatro responderam Pitágoras e dois

Colégio Diamantinense.

Colégio Diamantinense Pitágoras

Alice Adão

Luiza Pedro

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Diniz

Maria

Verificamos que a marca Rede Pitágoras configura para a maioria dos

adolescentes um espaço de destaque que poderá significar sucesso nas suas vidas

profissionais.

Estuda aqui quem tem dinheiro, quem é rico, quem tem boa condição. Escola particular é melhor, professores bons, o que poderá contribuir para faculdade e uma profissão. (Diniz, 14 anos, 8ª série) A escola me ensina a falar bem, na aprendizagem de ler e escrever, e para formar amigos e ajudar os outros. ( Pedro, 14 anos, 8ª série)

O aluno identifica-se com a marca Pitágoras, que é socialmente reconhecida

como qualidade de ensino particular, e vincula o seu sucesso à mesma.

A Rede Pitágoras promove-se dentro da sociedade de mercado com uma imagem

de empresa que propulsiona o sucesso dos seus alunos. Os adolescentes parecem

compartilhar dessa imagem, construindo o imaginário de que a Rede pode garantir seu

sucesso e status.

Ao contrário, boa parte do que condiciona os ideais de vida e as condutas cotidianas são crenças imaginárias. Imaginário não é sinônimo de “ilusório”, mas do que não tem existência independente da imaginação. Ou seja, diferentemente das coisas materiais, que independem dos desejos e aspirações humanos para existir, as crenças culturais são produtos do nosso modo de agir e dá sentido a nossas ações. (COSTA, 2004:76) As pessoas esnobam e generalizam.(Alice, 13 anos, 8ª série) A escola é boa, ensino bom, professores legais, mas as pessoas acham que só tem patrícinha e play boy, e até querem bater nos grupinhos, só porque estão estudando aqui, mas eu não concordo com a visão deles.(Luiza, 13 anos, 7ª série)

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Parece-nos que os adolescentes construíram uma verdade sobre sua escola. Esta

crença está fundamentada nos traços imaginários, construídos por eles sobre uma escola

que talvez não fosse a que realmente estudam. Cada adolescente, de forma subjetiva,

individualiza e interiorização os conceitos e regras do espaço educativo de maneira

singular, de acordo com padrões próprios, de sua visão sobre o mundo e si mesmo.

A escola me ensina conteúdos, conhecimento, português, falar e escrever. Meu futuro. As pessoas da rua têm a imagem de que essa escola é para riquinho, play boy, mas eu não concordo. Tem gente que estuda aqui porque os pais fazem um grande esforço. (Adão, 13 anos, 7ª série)

Estudo no Colégio D. porque tem o ensino melhor, eu que escolhi e adoro a escola e os colegas, pois o colégio forma cidadãos com consciência crítica e abre as porta para a carreira profissional (Alice, 13 anos, 8ª série) A escola té ensinando para a gente crescer e Ter futuro, tá ajudando a procurar meu futuro. (Maria, 13 anos, 7 série)

Como sabemos, cada adolescente constrói sua identidade e esta tarefa depende

do que o sujeito escolhe como padrão identificatório. Na fala dos adolescentes,

observamos que os alunos preferem ver a escola como um espaço que propõe (e no seu

caso parece conseguir) uma formação humana, que vai além das exigência da cultura do

sucesso.

Segundo Gómez (2001), entender a cultura institucional da escola requer um

esforço de relação entre aspectos da política educacional e as interações humanas,

vínculos afetivos e sociais e práticas que definem a vida da escola. Assim, para

entendermos os interesses da escola é imprescindível compreender os atores

educacionais, suas crenças, valores e interesses. A perspectiva do educando, do

adolescente que estuda, convive e aprende na escola, seria um olhar importante sobre

esse espaço.

Nas palavras de Adão, representamos a visão deste adolescente sobre sua escola.

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A escola não quer o aluno aqui só para passar no vestibular, os professores conversam sobre a importância de se ter uma boa educação, e isso do diretor, coordenadora e até por este trabalho. (Adão, 13 anos, 7ª série)

Também Alice:

A escola oferece conhecimento e educação para viver em conjunto. (Alice, 13 anos, 8ª série)

Como já discutimos no capítulo II, a cultura e a proposta da escola se fazem na

ação de todo o corpo de seus educadores, educandos e familiares. Porém, a imagem que

se constrói nesse espaço educativo está diretamente relacionada com o cenário

espetaculoso da sociedade na qual a escola está inserida, em que o padrão Pitágoras

pode significar muito mais que uma boa qualidade de ensino – a marca.

Segundo Garrido (2001), o imaginário abrange uma gama enorme de

representações e o professor, em sua função mediadora, poderá proporcionar o

confronto das culturas com a imagem apresentada pelos meios de comunicação. Assim,

aparece a possibilidade de marcar a cultura escolar com outras perspectivas – crítica e

transformadora.

6.3 A sociedade e o grupo

Como discutimos no capítulo I, a sociedade atual não permite ao adolescente o

espaço para convivência com o diferente, a aceitação das frustrações e a tolerância com

as regras e limites. A cada dia nossos adolescentes, segundo Costa (2004), estão sujeitos

a grande inovação em matéria de condutas, é a busca do ideal de prazer corporal ou do

prazer das sensações, ou seja, a satisfação integral de todos os desejos, seguindo

rigorosamente as exigências sociais de ser um sujeito ideal e completo.

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Na sociedade hoje formam padrões de pessoas, padrão de beleza, consumo e moda. Para meu grupo o que importa são os supérfluos, o papo é superficial, shopping, mp3, tênis... (Alice, 13 anos, 8ª série)

Percebemos que os imperativos, criados pela sociedade, para garantir o consumo

e gerar a ilusão de sucesso já dominou os adolescentes de classe média. A porta de

entrada para ser aceito no grupo, para ter prestígio e reconhecimento são os objetos que

o sujeito consome.

O aparato de objetos caros e elegantes é o signo, por excelência, da distinção social de seus possuidores. Por isso passaram a fazer parte da identidade pessoal dos mais abastados e, por extensão, da imensa maioria da sociedade. É entendível, assim, que a compra incessante de novos produtos se torne uma “demanda imaginária” tão coercitiva quanto qualquer “necessidade biológica”. (COSTA, 2004:80)

Se você não está vestido com a roupa de marca, você não está vestido, quem não veste a moda é excluído. (Luiza, 13 anos 7ª série) Compro os produtos de marca por vaidade, e não para rebaixar os outros. É comum para o grupo querer qualidade, marca e beleza. (Diniz, 14 anos, 8ª série)

Pertencer ao grupo significa consumir o que a sociedade de mercado cria como

belo e da moda, mesmo sem pensar se isso faz ou não parte de uma escolha própria,

individual e subjetiva.

A pergunta que, inicialmente, mais marcou nossa busca aparece na fala dos

adolescentes sujeitos da pesquisa. O sucesso está inevitavelmente ligado ao consumo

dos produtos e marcas, ou pelo menos ligado ao status imaginário, produzido pelo

adolescente que se deixa seduzir. A identidade desse adolescente parece estar muito

mais ligada às características do grupo de iguais, aos traços e escolhas dos outros jovens

de sua idade que, por força maior, têm o poder de determinar suas escolhas de vida.

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A escola, como instituição presente e atuante, está inserida na sociedade, neste

contexto que cria produtos e necessidades, porém tem funções que vão além da

transmissão, a socialização. Na escola, os jovens se encontram e trocam desejos,

escolhas e experiências. Assim, mesmo o colégio não tendo como princípio as

ideologias da sociedade atual, consumo, aparência e sucesso, ele é, por excelência, um

espaço de trocas socioculturais. A socialização realiza-se sempre no contexto de uma

estrutura social específica. (BERGER,1999:216)

A escola, neste momento, acaba por propiciar a propagação das necessidades

criadas pela mídia e identificadas como essenciais pela juventude. Segundo Aberastury

(1981), na busca da identidade, o adolescente, indivíduo, recorre à busca de

uniformidade para sentir-se seguro e aceito.

Há um processo de superidentificação em massa, onde todos se identificam com cada um. Às vezes, o processo é tão intenso que a separação do grupo parece quase impossível e o indivíduo pertence mais ao grupo de coetâneos do que ao grupo familiar. Não se pode separar da turma nem de seus caprichos ou modas. Por isso, inclina-se à regras do grupo, em relação a modas, vestimenta, costumes, preferência de todos os tipos, etc. (ABERASTURY, 1981:36-37)

Na escola você vê todo mundo com tênis de marca e se você não tiver, sentirá excluída. Isso já aconteceu comigo. Eu não acho tão importante, mas as pessoas do meu grupo criticam até você chegar a conclusão de que é necessário. Isso vem de geração, a gente vê os mais velhos usando e os mais jovens vão usar. A escola não interfere diretamente em nada disso. (Maria, 13 anos, 7ª série)

É possível verificar que a realidade surge, segundo Debord (1972), no espetáculo

e o espetáculo parece real. Na alienação reciproca entre o real e a criação, representada

como realidade, é que a sociedade está sustentada. Hoje, a sociedade vive a alienação da

essência do ser e das instituições socializadoras e por falta de ideologias próprias

alienam-se as disponíveis.

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6.4 A pessoa de sucesso

Numa sociedade em que a mercadoria concreta permanece rara ou minoritária, é a dominação aparente do dinheiro que se apresenta como o emissário munido de plenos poderes que fala em nome duma potência desconhecida. (DEBORD,1972:35)

Como discutido no referencial teórico, o sucesso está vinculado dominação da

hegemonia aparente, ter dinheiro significa consumir produtos que aparentam sucesso. O

adolescente, nas identificações e formulações subjetivas, assimila influências da

estrutura social coletivizada e divulgada pela mídia.

Não sendo a socialização jamais completa e estando os conteúdos que interiorizam continuamente ameaçados em sua realidade subjetiva, toda sociedade viável de criar procedimentos de conservação da realidade para salvaguardar um certo grau de simetria entre a realidade objetiva e subjetiva. (BERGER, 1999: 195-196)

A subjetividade, devido à instabilidade juvenil, acaba sendo invadida pela força

massacrante da imagem de status, propiciada pelas mercadorias. O eu é seduzido pelo

sucesso da aparência. Nesta disputa de referenciais, o suposto sucesso e prazer,

oferecido pela sociedade atual, propiciam que a juventude interiorize padrões

socialmente reconhecidos e aparentemente aceitos como aquilo que constrói uma pessoa

de sucesso.

A pessoa de sucesso não tem problemas na parte financeira e na família, está bem com a vida. Sucesso tá mais ligado com felicidade e o que trás felicidade é o dinheiro. ( Diniz, 14 anos, 8ª série) O sucesso está ligado ao dinheiro, bem de vida, a questão financeira. Pobre, raramente pode Ter sucesso. ( Pedro, 14 anos, 8ª série) Pessoa de sucesso é aquela que consegue seus objetivos: ser rico. ( Maria,13 anos, 7ª série)

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Na sociedade atual as pessoas pensam que sucesso está ligado com dinheiro, rico e famoso. ( Adão, 13 anos, 7ª série)

Segundo Debord (1972), tudo que era diretamente vivido, hoje, afastou-se da

realidade e transformou-se em representação. Parece que, para os adolescentes, o

dinheiro, o consumo e os produtos têm um valor representativo do sucesso. Se

pudéssemos substituir a palavra sucesso, poderíamos usar dinheiro como sinônimo

representativo da possibilidade de ser aquilo que tenho. O espetáculo é a outra face do

dinheiro. (DEBORD,1972: 40)

Os adolescentes pareceram perdidos nestes referenciais, sem saber onde está a

verdade, o real, o que é possível de ser realidade e realizável. Qual a realidade? O que é

importante? Quem escolhe o jovem ou suas imagens? O que é, é o que aparenta? O ser é

real?

Neste jogo de seduções, o jovens vira consumidor com facilidade. A fase de vida

da adolescência favorece a instabilidade, a busca de verdades próprias que, às vezes,

podem ser ilusórias ou construções reais.

Pessoa de sucesso é quem realiza seus sonhos e para isso precisa de dinheiro. Não tem jeito de ser feliz morando debaixo da ponte. (Luiza, 13 anos, 7ª série) Pessoa admirada por todos, que conquistou os objetivos na vida, profissão, família, educação e todos comentam que é pessoa gente fina, admirada pelos atos, pelo seu jeito de ser. ( Adão, 13 anos, 7ª série)

Discutimos que o ser, a formação subjetiva de valores, ética e moral, não tem

percorrido caminhos livres, abertos e reais. Na construção de padrões e conceitos, os

adolescentes buscam interiorizar, nas identificações, traços e marcas oferecidos,

também, pelas instituições sociais. Hoje, percebemos a força dos meios de comunicação

e da tecnologia que, com suas articulações midiáticas, vem contribuindo para

transposição da construção de ser para parecer ser.

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Eu não conheço ninguém de sucesso, muito sucesso, só cantor. ( Pedro, 14 anos, 8ª série)

Resgatando Debord (1972), o espetáculo vem conduzindo a um desligamento

progressivo do consumo econômico da mercadoria, o ter tem perdido seu efeito real e o

parecer ter tem adquirido prestígio socialmente reconhecido. Para o adolescente, esse

parecer ainda está muito vinculado a parecer ter dinheiro, o que propõe a condição para

o consumo da aparência da moda, da marca e da aceitação.

A sociedade hoje é violenta. No capitalismo ganhar dinheiro é o mais importante, não preocupam com o proximo nem com o ser. (Diniz, 14 anos, 8ª série)

Contudo percebemos na fala de Diniz uma leitura crítica do capitalismo, dos

padrões vivênciados e até da postura egoísta de não preocupação com o outro, com o

ser, as pessoas. Mesmo que o adolescente assista nas vitrines o espetáculo do consumo

das imagens eles, de uma forma ou outra, marcam sua leitura não alienada do mundo

em que vive.

6.5 Falando a linguagem do desenho

O desenho fala, chega ser uma espécie de escritura, uma caligrafia. Mário de Andrade

O desenho, como instrumento de coleta de dados para pesquisa com

adolescentes, é pouco utilizado. A literatura sobre o desenho é voltada à criança, porém,

ao verificar que o adolescente está em momento de transição, da infância para a vida

adulta, resolvemos utilizá-lo como espaço de expressão, elaboração e conexão do jovem

com o seu imaginário e a sua realidade.

O desenho como possibilidade de brincar, o desenho como possibilidade de falar, marca o desenvolvimento da infância,

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porém em cada estágio, o desenho assume um caráter próprio. (MOREIRA, 2002:26)

Nas representações da sociedade, foi solicitado que o adolescente se desenhasse

na sociedade atual. As construções dos adolescentes representam marcas socialmente

conhecidas, consumidas e valorizadas. Adão e Maria se desenham vestidos com as

marcas que lhe conferem status da aparência de beleza, sucesso, aceito pelo seu grupo e

motivado pela estética social. Para eles, a sociedade está nas marcas das roupas, naquilo

que apresentam ser.

Sobre a sociedade contemporânea: a separação, o afastamento do mundo vivido em imagens que o representam, criando um mundo de imagens autonomizadas, que escapam do controle do homem. (BELLONI, 2003:132)

Luiza representa a sociedade com o princípio do consumo – compras e loja. Para

ela, a sociedade se caracteriza nos imperativos capitalistas. Segundo Moreira (2002), na

sociedade atual, cada pessoa deve parecer com um modelo convencional, com o tipo

ideal, nunca se afastando dele, sob pena de excomunhão. As mercadorias são objetos

consumíveis que garantem a aceitação no grupo e na sociedade.

Diniz se desenha no meio de três complexos representativos da sociedade atual.

O adolescente parece perdido entre o referencial tecnológico, industrial e financeiro, se

coloca como dependente do dinheiro. Resgatando sua fala, é o dinheiro que poderá

propiciar o sucesso.

Os símbolos da sociedade pós-moderna são caracterizados pela indústria,

produtora das mercadorias, a tecnologia, criadora e divulgadora dos produtos e, por fim,

o dinheiro, moeda que garante o acesso aos bens e a ilusão de realização de desejos

super criados.

Que outra civilização, em aparência, respeitou o discurso mais do que a nossa? Onde ele foi mais honrado? Onde, ao que

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parece, libertou-se mais radicalmente de suas coações e se universalizou? Ora, parece-me que sobre esta aparente veneração do discurso esconde-se uma espécie de temor. Tudo se passa como se as proibições, os bloqueios, os limiares e os limites tenham sido dispostos de maneira que sua riqueza seja organizada conforme modelo que evitem o que é incontrolável, tudo se passa como se tenhamos querido apagar até as marcas de sua erupção nos jogos de pensamento e da linguagem. (MOREIRA,2002:69)

Como diz Baudrillard (1996), no contexto atual, não existe espaço para

subjetividade, o homem é visto como mais um na cultura do sucesso. A homogeneidade,

o todo, alienação ao produto massificante colocam o jovem como mais um. No desenho

de Pedro, visualizamos sua representação. Caso não houvesse se localizado, não

saberíamos distinguir sua imagem de eu, Pedro parece ser mais um na fila dos

consumidores da marca McDonald’s.

Segundo Moreira (2002), quando desenha o sujeito se lança à frente. Desenhar

possibilita o ver e o rever, um movimento de dentro para fora e de fora para dentro, ou

seja, no desenho o sujeito está modificando sua compreensão do mundo e sendo

modificado por esse. Pedro no desenho homogenizador, pode

ter visto e revisto sua posição diante do contexto social – vou comprar um sanduíche do

McDonald’s.

Nos desenhos do eu na escola, três adolescentes se desenham no espaço da sala

de aula. Também num modelo generalista, como no caso de Pedro, repetem uma

representação uniformizante da sociedade na escola. Os adolescentes parecem mais um

na turma de alunos.

O importante é notar que o processo de divisão instalado em nossa sociedade que separa emoção e pensamento, lazer e trabalho, arte e vida, e que consequentemente a escola reproduz, está começando cada vez mais cedo. (MOREIRA,2002:70)

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A escola, tendo como funções a socialização, a formação , a instrução e a

educação, precisa pensar e repensar suas ações, pois é instituição localizada dentro das

ideologias da sociedade do espetáculo e da cultura do consumo. O limite entre a prática

da escola e a ideologia propagada nos meios de comunicação é bastante tênue e quem

vence pode ser quem é mais convincente, criativo e real.

Maria representa seu descaso e interesse pela escola, no desenho parece estar

brincando, divertindo com o colega, pouco preocupada com as formalidades da escola e

da sala de aula. O espaço educativo na visão dos jovens tem sido, em sua maioria,

pouco atrativo e interessante. Na escola, está o que é formal, a obrigação. A juventude

está com dificuldades para entender os verdadeiros valores e preceitos da educação

escolar. Segundo Gomes (2001), precisamos trabalhar para que a cultura escolar, os

professores e educadores reconstruam juntos o espaço educativo, recriando culturas e

reconstruindo contingências sociais e, não, reproduzir aprendizagens mecânicas ou

aquisições irrelevantes pois, na expressão dos alunos, a escola tem parecido espaço

omisso no seu papel socializador, formativo e educativo.

Esta tarefa tão digna e tão complexa – facilitar a cada indivíduo seu processo singular de construção de sua identidade subjetiva, de recriação da cultura – requer atenção próxima e constante num espaço social de intercâmbios experimentais e alternativos, de vivências compartilhadas e contrastes intelectuais, dificilmente substituíveis por intercâmbios exclusivamente telemáticos. (GÓMEZ, 2001:266)

Nos desenhos dos adolescentes em casa, percebemos os aparelhos eletrônicos e

tecnológicos presentes no ambiente representado. Os jovens expressam seu cotidiano

em casa e o computador, internet e televisão, parecem ser parte essencial da casa. Isso

esclarece o quanto a mídia, os produtos e informações estão presentes na vida da

juventude do século XXI. O fluxo mundial de imagens e informações invade os lares e,

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com isso, a mente e o espírito dos adolescentes, que através da TV, do computador, da

propaganda e da mídia, se identificam com tal invasão.

Outro dado que favorece essa invasão é a ausência e/ou distância familiar.

Nenhum dos desenhos do adolescente em casa eles representaram algum familiar, eles

sempre estão sozinhos ou na companhia dos aparelhos eletro-eletrônicos. Nas

entrevistas com os pais, estes responderam que trabalham em média 40 horas semanais,

ou seja, os diálogos em casa passaram à instância funcional: mesada, compras, viagens

ou problemas escolares. Segundo os pais, o tempo dedicado ao adolescente, seu filho,

tem sido cada vez mais restrito, o que vem dificultando os diálogos sobre a vida

cotidiana do adolescente, suas escolhas, a política, a ética, o trabalho e a honestidade. O

sucesso, ganhar dinheiro, acaba sendo a opção da maioria dos pais.

Como já discutimos, na busca de traços identificatórios, o adolescente lança mão

daquilo que está mais próximo e disponível. Na nossa análise, nem o espaço familiar,

nem o escolar têm ofertado padrões diferentes da sociedade do espetáculo. O que

precisamos refletir é se esses adolescentes estão felizes e saudáveis, vivendo na busca

constante de responder às exigências dos padrões sociais.

Os desenhos também escreveram, porém com a caligrafia tecnológica.

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Considerações Finais

Chegamos ao momento de traçar os apontamentos que construímos ao longo do

Mestrado. Nossas considerações dizem do percurso de estudos e pesquisas, realizado na

busca de respostas a questionamentos sobre o adolescente, sua identidade, a escola, a

família e a sociedade atual. Trabalhando com adolescentes em escola, acreditamos que

pesquisas precisam ser realizadas e efetivadas dentro desde espaço de formação. Assim,

iniciando a formação strito senso buscamos a delimitação de um tema, entre vários a

serem investigados dentro da escola, que trabalha com adolescentes.

Hoje, momento de conclusões, certezas não existem, acreditamos que problemas

se transformaram em caminhos e possibilidades que ainda necessitam ser povoadas.

Agora é a hora para reiniciarmos a caminhada, a prática efetiva de ações que poderão

abrir trabalhos com a juventude.

Quanto ao nosso objetivo de verificar se a proposta da escola pesquisada

instituía a cultura do sucesso podemos dizer que, na perspectiva do adolescente, o

colégio se apresenta, na maioria das vezes, omisso às exigências da pós modernidade.

Vivemos, hoje, em um contexto instável e complexo de argumentos e contra-

argumentos, de ausência de uma autoridade, de excesso de informações e de produtos,

em que o tempo não segue a dinâmica do indivíduo e, sim, do mercado. A escola tem se

preocupado em ensinar conteúdos formais, preparar o aluno com as temáticas

curriculares. Da escola é exigido resultado na formação preparatória para vestibular. A

Educação é inspirada na interpretação dos temas atuais, transmissão de conteúdos com

propósito de ajudar o aluno a utilizar bem seu potencial e apresentar excelentes

resultados na referencial quantitativo.

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Nos depoimentos, os professores admitem que não há tempo para formação

integral do adolescente, os conteúdos são extensos e exigem profundidade, o que mata a

possibilidade de se investir em outros valores formativos, essenciais para os

adolescentes.

Trabalhando na escola como Psicóloga Educacional, foi possível visualizar a

dificuldade de se desenvolver projetos que propõem intervenções subjetivas no jeito de

ser dos adolescentes, nas suas escolhas e relações interpessoais. Verificamos que a

juventude tem resistência em perceber a escola como parceira, como instituição que

pretende apoiá-la em seu desenvolvimento saudável, trabalhando em prol do indivíduo,

seu aprendizado, sua realização e bem estar.

A escola e seus atores educacionais não parecem conseguir promover

transformações e intervenções nas verdades construídas pelos adolescentes. Por falta de

tempo, de ideologia ou por desinteresse, o fato é que o adolescente, em sua formação de

identidade, tem contado pouco com seu espaço escolar. Neste aspecto, se a escola não

institui a cultura do sucesso, pelo menos deixa um vazio que , na maioria das vezes, tem

sido preenchido pela ofertas do sucesso.

Sabemos que, em toda sociedade e cultura, existe um campo de possibilidades

que favorece as mudanças, novos caminhos diante de uma situação social real. A escola,

sendo parte de uma sociedade, também pode criar e recriar possibilidades, propor

saídas, utilizando trocas, vínculos e interações estabelecidas entre os adolescentes e os

educadores.

Apontamos para a necessidade da escola contribuir para a resignificação dos

padrões socialmente estabelecidos. É fato que o sucesso, a aparência e o dinheiro são

valores identificados pelos adolescentes da sociedade, e a escola como formadora de

opinião não poderia se omitir, fingir não ver seus alunos mergulhados nos padrões pós

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modernos e até sofrendo por não conseguir sustentar marcas ilusórias de um status

aparente.

A formação de cidadãos autônomos, conscientes, informados e solidários requer uma escola onde possa-se recriar a cultura, não uma academia para aprendizagens mecânicas ou aquisições irrelevantes, mas uma escola viva e comprometida com a análise e reconstrução das contingências sociais, onde os estudantes e docentes aprendem ao mesmo tempo que vivem e vivem ao mesmo tempo que aprendem os aspectos mais diversos da experiência humana. (GÓMEZ,2001:264)

Apesar de sabermos que a escola não institui a cultura do sucesso, observamos

que ela se encontra influenciada pela ideologia da sociedade atual, sempre repetindo e

reproduzindo conceitos, organizando seu tempo e suas ações nos moldes do contexto

atual.

A criança absorve os papéis e as atitudes dos outros significativos, isto é, interioriza-os, tornando-os seus. Por meio desta identificação com os outros significativos a criança torna-se capaz de se identificar a si mesma, de adquirir uma identidade subjetivamente coerente e plausível. (BERGER,1999:176-177)

Na dialética de identificações, a criança estrutura sua identidade, introjetando e

particularizando-se na auto-identificação, o que antes pertencia ao outro. Assim, na

infância, segundo Berger (1999), o indivíduo vivencia a socialização primária, constrói

a consciência das regras sociais, dos papéis e atitudes, buscando generalizações, o que

garantirá a convivência em sociedade.

Na infância, são os adultos que estabelecem e controlam o jogo de regras a

serem interiorizadas, porém a interpretação será sempre subjetiva. Já na socialização

secundária ou resignificação identificatória, características da adolescência, o sujeito

busca adquirir conhecimentos que viabilizam uma outra interpretação do mundo, dos

conceitos e das instituições. Neste momento, o sujeito interioriza verdades desafiadoras,

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com as quais pretende testar a realidade vivenciada na infância. É a fase das

vulnerabilidades que propicia deslocamentos.

O tom de realidade do conhecimento interiorizado na socialização primária é dado quase automaticamente. Na socialização secundária tem de ser reforçado por técnicas pedagógicas específicas, provadas ao indivíduo. (BERGER, 1999:191)

Pensando nessas construções da Psicologia Social é que entramos na escola com

o propósito de transformar esse espaço institucional em um ambiente promotor de

socialização, de desenvolvimentos e de aprendizagens saudáveis. A tarefa não tem sido

fácil, uma vez que necessitamos de parceiros, de refletir com professores e funcionários

seu papel de educadores, sabemos ser muito grande nossa responsabilidade perante os

jovens que pertencem a essa comunidade educativa.

Nas observações do espaço escolar (lócus da pesquisa), já visualizamos

tentativas isoladas de conscientização dos alunos-adolescentes acerca da importância

das relações sociais com o grupo, da necessidade de refletir sobre suas escolhas e das

devidas conseqüências, assim como, tentativas de incentivá-los a construir projetos

próprios. O adolescente parece já reconhecer estas iniciativas quando relatam que o

espaço escolar é, também, um lugar de encontro e trocas, mesmo que essas ainda

estejam permeadas por padrões capitalistas.

Sentimos a necessidade de investimentos com os educadores, professores, pois

estes estão com dificuldades em repensar seus valores educacionais e sua prática

pedagógica de ensino e de formação de sujeito-adolescente. É preciso lembrá-los de que

os jovens vivem uma fase de transição e, por isso, estão abertos a resignificação de

escolhas, conceitos, verdades e padrões.

Assim, é de fundamental importância que seja resgatado o modelo de relação

entre mestre e aprendiz, no qual o mestre mantém-se disponível como fecundo campo

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de aprendizagem sem, no entanto, minar os esforços antecipatórios do aprendiz que,

posteriormente, poderá vir a ocupar o lugar de mestre de uma nova geração.

O posicionamento da escola e dos educadores faz-se necessário, visto que, na

análise sobre a possível influência da cultura do sucesso na constituição da identidade

dos adolescentes, percebemos que os padrões sociais da sociedade do espetáculo têm

ocupado o lugar identificatório dos jovens.

Consideramos que o desenvolvimento das competências cria a possibilidade do

desenvolvimento de saídas saudáveis e autênticas: o delineamento de metas para o

futuro; a transformação do brincar em trabalho; a possibilidade de utilização da

criatividade e o reconhecimento de condições próprias, que promovam escolhas

sintonizadas com o sujeito.

Os adolescentes têm-se preocupado com valores mercantilistas, têm comprado a

idéia de sucesso vendida pela mídia publicitária. Consomem os produtos na ilusão de

que ter uma marca, vestir um nome reconhecido pelo grupo, poderá garantir-lhes um

lugar privilegiado.

É a realidade desta chantagem, o fato de o uso sob a sua forma mais podre(comer, habitar) já não existir senão aprisionado na riqueza ilusória da sobrevivência aumentada, que é a base da aceitação da ilusão em geral no consumo das mercadorias modernas. O consumidor real torna-se um consumidor de ilusões. (DEBORD,1972:39-40)

A sociedade atual, com suas ofertas ilusórias de sucesso, felicidade e prazer,

vende traços identificatórios aos adolescentes que, na falta de outros, ou por acreditar

nas imagens super criadas, consomem, não só o produto, mas também um jeito de ser e

estar no mundo.

O adolescente se mostra em busca de referenciais identificatórios para

estruturação da identidade. Nesta busca, a família, a escola e a sociedade se apresentam

como fonte de oferta de significantes.O adolescente percebe muito bem que quando os

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pais começam a controlar o tempo e os horários estão controlando algo mais: seu

mundo interno, seu crescimento e seu desprendimento. (ABERASTURY, 1981:21)

A juventude necessita ser acompanhada, sentir-se amada, testar valores,

verdades e tudo que vier da família, para, assim, ter possibilidades de escolhas certeiras.

Se a família afasta-se desse lugar, de ofertar traços éticos de tradição que garantirão a

identidade, qual caminho resta ao sujeito adolescente? O espaço encontra-se livre para

as ofertas da mídia, dos colegas, dos imperativos das marcas criadas pelos publicitários,

como a coisa que marcará a vida do adolescente para garantir a aceitação, sucesso e a

aparência de ser e ter.

A sociedade em que vivemos, com seu quadro de violência e destruição, não oferece garantias suficientes de sobrevivência e cria uma nova dificuldade para o desprendimento. O adolescente, cujo destino é à busca de ideais e de figuras ideais para identificar-se, depara-se com a violência e o poder e também os usa. (ABERASTURY, 1981:19)

Nossa pesquisa, na análise dos dados, já apontava para omissão da escola como

instituição formativa e seu êxito no quesito informações. À distância da família e a

individualização dos jovens pós-modernos também fica estampada nos desenhos,

sujeitos cada vez mais sozinhos, mesmo dentro de instituições socializadoras como a

escola e a família.

Nosso trabalho dentro da escola explora a contra mão, caminhos e valores

construídos a partir de verdades subjetivas. Intervir e promover reflexões que

contribuam para mudar práticas consolidadas, valor acrítico, alienação a projetos

impostos, que na sua maioria são estruturados por pessoas que não vivem a educação

escolar, é o nosso ideal. É com tais propósitos que entro para o espaço escolar, não

como clínica psicóloga, mas, sim, como pesquisadora educacional que tenta efetivar

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projetos reais, construídos na ação diária de educar, relacionar e amparar crianças e

adolescentes que aprendem, ensinam, desenvolvem, buscando a felicidade.

Por fim, propomos que novas e futuras pesquisas sejam realizadas e, para isto,

sugerimos questões: Será que nossa juventude está mais conformada? Nossos

adolescentes são realmente felizes? O que, realmente, proporciona prazer aos jovens?

Proposições sempre estão em construções, ações nem sempre estão. É na ação

que nossa pesquisa nos ajuda, abrindo novos caminhos, fechando arestas e

reconstruindo práticas.

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Apêndices

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Roteiro de entrevistas com adolescentes sujeitos da pesquisa

1º encontro

a) Nome da escola onde estuda?

b) Quem escolheu a escola?

c) Fale sobre sua escola.

d) Como se sente neste espaço?

e) A escola contribui para sua vida? Em que? Comente.

2ª encontro

a) Fale sobre você.

b) Quem é você?

c) Quais são as coisas importantes na sua vida?

d) Sobre a sociedade, como você a descreve?

e) A sociedade atual pode se influenciar? Como?

3ª encontro

a) O que sua escola tem a ver com a atualidade?

b) Fale sobre o que é importante para o seu grupo.

d) Qual a importância do grupo na sua vida?

e) O que é importante para você?

f) O que seria uma pessoa de sucesso?

4ª encontro

Desenhando

1. Eu na sociedade.

2. Eu na escola.

3. Eu em casa.

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Anexos

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Desenho 1 - Adão na sociedade

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Desenho 2 – Maria na sociedade

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Desenho 3 – Luiza na sociedade

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Desenho 4 – Diniz na sociedade

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Desenho 5 – Pedro na sociedade

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Desenho 6 – Pedro na escola

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Desenho 7 – Maria na escola

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Desenho 8 – Diniz na escola

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Desenho 9 - Adão na escola

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Desenho 10 – Luiza na escola

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Desenho 11 – Luiza em casa

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Desenho 12 – Maria em casa

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Desenho 13 – Pedro em casa

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Desenho 14 – Diniz em casa

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Desenho 15 – Lucas em casa