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DISSÍDIOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS: … · Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 8 | n. 15 | Jan./Jun. 2006. 117 DISSÍDIOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS:

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DISSÍDIOS DOS SERVIDORES PÚBLICOSESTATUTÁRIOS:

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Antonio Arraes Branco Avelino1

Resumo: A Emenda Constitucional nº 45 atribuiu à Justiça do Trabalho acompetência para o processamento e julgamento de todas as demandasdecorrentes das relações de trabalho, inclusive dos servidores públicosestatutários. Interpretações em sentido contrário somente impedem a realvontade do legislador tantas vezes mencionada nesse mesmo sentido eretiram dos servidores públicos estatutários o direito de terem suas demandasjulgadas pelo órgão do Poder Judiciário vocacionado para demandasque pressupõe a desigualdade entre as partes.

Palavras-Chave: Competência da Justiça do Trabalho – Servidores públicosestatutários. Emenda Constitucional nº 45.

Abstract: The Constitutional Emend no. 45 confered to the Work Justicethe competence for the process and judgement of all the demendsoriginated of work relations, including the public ´s statute workers. Inthe other hand understanding only obstruct the real wish of thelegislator many time directed to this same meaning and depart of thepublic ´s statute workers the right to have their demands judged by thejudicial power turning to demands that suppose the unequality betweenthe contenders.

Keywords: Work judice - public ´s statute workers. ConstitucionalAmendement 45.

1. Introdução

A partir da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de2004 estabeleceu-se uma grande celeuma acerca do verdadeiroalcance da competência da Justiça do Trabalho, até então praticamentelimitada às questões decorrentes da relação de emprego.

1 Juiz do Trabalho Substituto da 24ª Região. Especialista em Direito Constitucional pelo Centro Universitário daGrande Dourados – UNIGRAN. Acadêmico de Psicologia.

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No âmbito dessa discussão encontra-se aquela ligada à competênciamaterial da Justiça Laboral para processar e julgar os dissídiosindividuais entre os servidores públicos regidos pelo vínculo institucionalou estatutário e a Administração Pública federal, estadual e municipal.

A celeuma foi agravada em face de decisão liminar proferida emsede de ADIn pelo ex-Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federalque deu interpretação conforme para declarar que a competênciaprevista no art. 114, I, do Texto Maior não alcança os dissídiosenvolvendo os servidores públicos estatutários e a Administração Pública,recentemente referendada pelo Pleno daquele Excelso Tribunal.

O presente trabalho, apesar de não ter a pretensão de discutirreferida decisão da Corte Suprema, objetiva trazer à reflexão algunsaspectos específicos sobre a matéria, especialmente no que toca aosservidores estaduais e municipais.

Na medida em que tendo aludida ADIn sido ajuizada por umaAssociação representativa de Magistrados Federais, os quais não têmcompetência para julgar os dissídios envolvendo os servidorespúblicos estaduais e municipais, pelo menos em tese, a decisão nelaproferida não vincula os Juízes do Trabalho quando diante de açãoque envolva esses servidores e Administração Pública estadual emunicipal, conforme se tentará demonstrar a seguir.

2. Origem da controvérsia

Como acima se viu a controvérsia surgiu em face da alteração doTexto Constitucional no que diz respeito à competência da Justiça doTrabalho. Isso porque, na redação anterior do artigo 114 daConstituição Federal constava que:

“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivosentre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito públicoexterno e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do DistritoFederal, dos Estados, da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentesda relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimentode suas próprias sentenças, inclusive coletivas.”

Através da redação desse dispositivo constitucional se verificava que acompetência da Justiça do Trabalho estava limitava aos dissídios individuaise coletivos entre trabalhadores e empregadores. Esse termo utilizado pelo

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legislador constituinte tinha um sentido limitativo da competência da JustiçaLaboral, porquanto é pacífico, no âmbito doutrinário e jurisprudencial, oentendimento de que empregadores são aqueles que admitem, assalariame dirigem a prestação pessoal de serviços, remetendo, portanto, aosdispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Desse modo, o entendimento majoritário à época em que o Textovigia com a aludida redação era no sentido de que à Justiça doTrabalho cabiam apenas o julgamento das lides decorrentes da relaçãode trabalho subordinado regida pela legislação trabalhista, em especialas normas da Consolidação das Leis do Trabalho2 . Além, é certo, deoutras controvérsias não decorrentes da relação de emprego que foramexpressamente atribuídas à Justiça do Trabalho por força de lei.3

Com a entrada em vigor da Emenda 45, o artigo 114, inciso I, doTexto Maior, que regula a competência da Justiça do Trabalho passoua ter a seguinte redação:

“Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direitopúblico externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios..”

Houve, pois, expressa alteração do termo anteriormente utilizado -empregadores para relação de trabalho –, o que permite afirmar quetodas as controvérsias decorrentes da relação de trabalho, aí abrangidasaquelas entre trabalhadores e os entes de direito público externo e daadministração pública direta e indireta da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios estão sujeitas à jurisdição da Justiça do Trabalho.

3 Interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal

A interpretação dada pelo Plenário do Supremo Tribunal do

2 Deve ser registrado, por oportuno, que antes mesmo da alteração do art. 114 da Constituição por força daEmenda 45, já havia o entendimento de que era da Justiça do Trabalho a competência para resolver os dissídiosindividuais envolvendo os servidores públicos estatutários.3 - Por exemplo, dissídios resultantes de contratos de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice (art.652, III, CLT); ações entre trabalhadores portuários e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão de Obra– OGMO decorrentes da relação de trabalho (art. 652, V, CLT); e, dissídios originados do cumprimento dasconvenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho mesmo quando ocorram entre sindicatos ou entresindicato de trabalhadores e empregador (Lei 8.984/95).

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Trabalho em 05 de abril de 2006, que referendou a liminaranteriormente deferida pelo Ministro Nelson Jobim, em sede de AçãoDireta de Inconstitucionalidade promovida pela Associação dos JuízesFederais – AJUFE, foi no sentido de afastar da competência da Justiçado Trabalho para os dissídios entre servidores estatutários e aAdministração Pública foi pautada pelos seguintes fundamentos:

[...] A não inclusão do enunciado acrescido pelo SF em nada altera a proposiçãojurídica contida na regra. [...] Não há que se entender que a justiça trabalhista, apartir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos.Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos quesão pela Lei 8112/90 e pelo direito administrativo, são diversas dos contratos detrabalho regidos pela CLT. [...] Em face dos princípios da proporcionalidade e darazoabilidade e ausência de prejuízo, concedo a liminar, com efeito ‘ex tunc’. Douinterpretação conforme ao Inc. I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/04.Suspendo, ad referendum , toda e qualquer interpretação dada ao Inc. I do art. 114da CF, na redação dada pela EC 45/04, que inclua, na competência da justiça dotrabalho, a “...apreciação ... de causas que... sejam instauradas entre o poderpúblico e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem... 4

Essa interpretação foi referendada, como se disse, pelo Plenáriodo Supremo Tribunal Federal, tendo sido vencido o Ministro MarcoAurélio de Mello, cujo voto está fundado nos seguintes termos:

“O Tribunal, por maioria, rejeitou a questão preliminar de legitimidade dasrequerentes suscitada pelo Senhor Ministro Marco Aurélio. Prosseguindo, oTribunal, também por maioria, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio,referendou a liminar concedida, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente,Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente no exercício da Presidência). Ausentes,justificadamente, os Senhores Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau. Faloupelo amicus curiae, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho- ANAMATRA, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro. Plenário, 05.04.2006.” 5

4 Fundamentação superada pelo atual ordenamentojurídico constitucional

Essa decisão do Supremo Tribunal Federal teve por fundamento oprecedente que se originou do julgamento da ADin nº 492-1, que

4 - Disponível em: http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp. Adi 3395. Acesso em 16.05.2006.5 - Disponível em: http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp. Adi 3395. Acesso em 16.05.2006.

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declarou a inconstitucionalidade das alíneas “d” e “e”, do artigo 240,da Lei 8.112/90, da qual foi Relator o ex-Ministro Carlos Velloso.Naquela oportunidade o relator afirmou que a competência parajulgamento dos dissídios dos servidores públicos não seria da Justiçado Trabalho porque o regime adotado pela Constituição Federal erao estatutário e não o celetista, de natureza contratual.

Assim afirmou sua Excelência:

“Abrindo o debate, começo a dizer que concordo com a Procuradoria-Geral daRepública quando afirma, no parecer de fls. 212/221, que o regime jurídicoúnico a que se refere o art. 39 da Constituição tem natureza estatutária”. 6

Mais adiante o Relator, ao examinar especificamente ainconstitucionalidade da alínea “e” da Lei 8.112/90 (que trata dacompetência da Justiça do Trabalho para julgar causas dosfuncionários federais), ponderou que:

“[...] começo por relembrar o regime jurídico desses servidores, que é oestatutário. Após a promulgação da Constituição de 1988, a jurisprudênciacontinuava firme no sentido de que à Justiça do Trabalho não competia julgar oslitígios dos servidores estatutários. Foi o que registrei por ocasião do julgamentoda cautelar. Disse eu:“Após a promulgação da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal, noCJ nº 6.829-8-SP, Relator o sr. Ministro Octávio Gallotti, decidiu:‘Ação movida por servidor municipal, sob regime especial administrativo (art.106 da Constituição de 1967, Emenda nº 1-69). Competência da Justiça estadual,que subsiste à Carta política de 1988 (art. 114).’ (julgamento de 15.03.89, DJ de14.04.89, Ementário nº 1537-1).‘Destaco do voto do eminente Ministro Gallotti, Relator:‘É certo que o disposto no art. 114 da nova Constituição traduz ampliação dacompetência da Justiça do Trabalho, em comparação com o teor do antigo art.142. Isto ocorre, por exemplo, com a generalização da competência parajulgamento dos litígios oriundos do cumprimento das sentenças coletivas (art.114, citado, parte final).’‘Mas, no tocante ao ponto que interessa a solução da espécie dos autos e vemdestacado no parecer, isto é, à enumeração dos entes sujeitos à competência daJustiça especializada, a novidade do art. 114, em vigor, resume-se á inclusão dosdissídios com pessoas de direito público externo e com a União Federal, antessubmetidos à Justiça Federal’.Tal sucede, todavia, somente em relação aos feitos trabalhistas, tanto da União,como do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios. Não com referência aos

6 Revista LTr. São Paulo: Ano 56, nov./1992, p. 1289-1290.

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servidores de vínculo estatutário regular ou administrativo especial, porque o art.114, ora comentado, apenas diz respeito aos dissídios pertinentes a trabalhadores,isto é, ao pessoal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, hipótese que,certamente, não é a presente.”‘No concernente aos citados servidores estaduais ou municipais, sob regimeestatutário regular ou administrativo especial, as relações funcionais estavam econtinuam a ser submetidas à competência da Justiça comum estadual’”. 7

Verifica-se, portanto, que o embasamento do mencionado julgadoera a existência de dispositivo constitucional que determinava a aplicaçãodo regime jurídico único aos servidores públicos e a presença do termoempregadores no artigo 114 da Constituição, na redação anterior. Essa,entretanto, não é mais a situação vigente no sistema constitucional.

Com efeito, o artigo 39 da Constituição, com a redação dada pelaEmenda Constitucional nº 19/1998 não mais se refere à existênciade um único regime jurídico. Portanto, poderá ocorrer de um mesmoente público admitir trabalhadores através de regime estatutário eoutros mediante o regime contratual celetista. Além disso, de acordocom o novel artigo 114 da Carta Maior, com a redação dada pelaEmenda nº 45, a competência da Justiça do Trabalho não mais selimita aos dissídios entre trabalhadores e empregadores abrangendo,agora, todos os dissídios decorrentes da relação de trabalho.

Nessa perspectiva, os fundamentos do levantados pelo Voto do ex-Ministro Carlos Velloso, que teve como base julgamento proferidopelo também ex-Ministro Octávio Gallotti, que por sua vez, serviramde alicerce para a decisão liminar na ADin acima referida,recentemente referendada pelo Plenário do STF, somente sejustificaram em face do regramento constitucional anterior, na medidaem que naquela época havia determinação do regime único -estatutário - em que a competência da Justiça do Trabalho se limitavaaos dissídios entre trabalhadores e empregadores, portanto, regidopelo regime contratual.

Essa, entretanto, não é situação existente no atual estágio evolutivodo vigente ordenamento constitucional.

Nessa linha de raciocínio, admitir que situações idênticas sejamtratadas de maneira distinta, ou seja, servidores que trabalham para omesmo ente público tenham seus litígios julgados em um ou outro órgão

7 Ibidem.

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jurisdicional apenas em razão do regime a que estejam submetidos,implica em afronta ao o princípio fundamental da unidade de convicçãotantas vezes lembrado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamentodo Conflito de Competência nº 7.204-1, através do qual a ExcelsaCorte reviu posicionamento anterior para concluir que em razão desseprincípio havia competência da Justiça do Trabalho também paracausas decorrentes de acidentes do trabalho, quando propostas emface do empregador e não do órgão previdenciário, embora somentea partir da entrada em vigor da Emenda 45.

Outro argumento lembrado pelo relator da ADIn 492-1 era nosentido de que a conciliação seria incompatível com o regimeestatutário afastando assim, a competência da Justiça do Trabalho.

Todavia, esse argumento não mais pode prevalecer, pois foi alteradapela Emenda Constitucional nº 45 a redação do artigo 114 da ConstituiçãoFederal dispondo que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar...

Assim, não mais prevalece o argumento de que seja imprescindívela conciliação na Justiça do Trabalho a justificar o afastamento de suacompetência dos servidores estatutários. Além disso, existe apossibilidade de conciliação também no âmbito desses conflitos, naforma expressamente autorizada pela Lei nº 9.469/97, ao dispor que“o Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias,das fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar arealização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio,nas causas de valor até R$50.000,00 (cinqüenta mil reais)...”.

5 Histórico legislativo – intenção do legislador

Parece não restar dúvida de que a intenção do legislador de atribuirà Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar ascontrovérsias entre servidores estatutários e a Administração Públicafoi manifestada por diversas vezes.

Com efeito, foi reconhecida essa competência quando o legisladorassegurou ao servidor público civil o direito de ajuizamento, individuale coletivamente perante a Justiça do Trabalho (Constituição Federal,art. 114 e Lei 8.112/90, artigo 240, alínea e).

Apesar do aludido dispositivo legal (art. 240, letra e, da Lei8.112/90) ter sido vetado pelo então Presidente da República, oveto foi rejeitado pelo Congresso Nacional e não prevaleceu

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apenas em razão do acolhimento da Ação Direta deInconstitucionalidade acima referida.

Ademais, o Congresso Nacional alterou a redação do art. 114da Constituição através da Emenda 45 excluindo o termo conciliaçãosubstituindo também a palavra empregadores, o que evidencia aintenção de atribuir à Justiça Laboral a competência para o processoe julgamento de todas as ações decorrentes da relação de trabalho,da qual a relação entre o servidor público e a Administração Públicainequivocamente é uma espécie.

Nem se alegue que os servidores estatutários não possam serincluídos como trabalhadores, pois estão ligados à AdministraçãoPública exatamente para prestar um trabalho de interesse públicode toda a coletividade.

José Ajuricaba da Costa e Silva8 ponderava já faz algum tempo:

“Entendo que, face ao texto final adotado pelo Constituinte para definir acompetência da Justiça do Trabalho, usando a expressão genérica“trabalhadores” e abandonando a mais restrita “empregados”, para designaros titulares do pólo ativo dos dissídios individuais e coletivos abrangidos poressa competência, e referindo-se no fim a “outras controvérsias decorrentes darelação de trabalho”, é muito difícil, sem reforma da Lei do Regime Jurídico ouda própria Constituição, afastar a competência do Judiciário Trabalhista paraconciliar e julgar as ações individuais dos servidores públicos em geral, sejameles estatutários ou não. Com efeito, não vejo como deixar de considerar osdenominados “estatutários” como compreendidos no conceito de“trabalhadores”. A tendência, aliás, do Direito Internacional do Trabalho temsido nesse sentido, de que são exemplos a Convenção n. 151, de 1978, queassegura proteção ao direito de sindicalização dos servidores públicos e aorientação do Direito do Trabalho dos países mais desenvolvidos no sentido deassegurar-lhes o próprio direito de greve, tendência e orientação essasconsagradas pelo Constituinte brasileiro de 1988, ao reconhecer tais direitosaos funcionários públicos (Artigo 37, incisos VI e VII). Por outro lado, tambémnão vejo como deixar de considerar a relação que existe entre o funcionáriopúblico ou autárquico e a entidade a que presta serviços senão como uma“relação de trabalho”, a que se refere a parte final do Artigo 114, caput, daConstituição vigente. Com efeito, o objetivo da admissão de uma pessoa físicano serviço público ou autárquico, seja ela através de nomeação para cargo,contratação para emprego ou mesmo para locação de serviços por tempodeterminado, como se quer agora (Artigos 232 a 235, da Lei n. 8.112/90),sempre foi e será o mesmo do contrato individual de trabalho, (grifei) ou seja,

8 COSTA E SILVA, José Ajuricaba. Servidores Públicos Civis: Justiça Competente para a apreciação de seus dissídiosindividuais e coletivos. Revista LTr, ano 56, nº 04, abril de 1992. São Paulo: LTr, p., 56-04/394-395.

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a prestação de serviços pessoais, continuados, em caráter de subordinação emediante o pagamento de uma remuneração, do prestador de serviços àqueleque o contrata e remunera. A relação, pois, que se estabelece entre o servidorpúblico e a administração pública, direta ou indireta, é, inquestionavelmente,uma “relação de trabalho”.

Como se verifica desses ensinamentos, não somente o CongressoNacional tem pendido para atribuir à competência da Justiça doTrabalho as causas dos servidores estatutários, mas também o DireitoInternacional do Trabalho, ao atribuir-lhes o direito de greve (ações dacompetência da Justiça do Trabalho, por força do inciso II, do artigo114, da CF, com a redação dada pela EC nº 45) e a sindicalização,direito fundamental atinente aos trabalhadores em geral.

Ainda com base no Direito Internacional do Trabalho, impõeregistrar que a Convenção 155, da OIT, aprovada pelo CongressoNacional através do Decreto Legislativo nº 02, de 17 de março de1992, em seu artigo 3º, item “b”, prevê que “o termo “trabalhadores”abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionáriospúblicos”, e idêntico dispositivo também se encontra presente naalínea “b”, do artigo 3, da referida Convenção incorporada aoordenamento jurídico nacional através do Decreto nº 1.254 de 29 desetembro de 1994. Por conseguinte, não somente no âmbito doordenamento jurídico nacional, mas também no campo do DireitoInternacional do Trabalho já foi reconhecido que os funcionáriospúblicos se inserem na qualificação de “trabalhadores” e, portanto,ao assumirem um cargo ou função perante a Administração Públicasão insertados em uma relação de trabalho sujeita à jurisdição daJustiça do Trabalho.

Também não seria demasiado consignar o Voto Vencido do Ministrodo Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, proferido naADIn antes mencionada nos seguintes termos:

“Com a Carta de 1988, introduziu-se sensível modificação. Em primeiro lugar,abandonou-se a referência a dissídios individuais e coletivos entre empregados eempregadores, substituindo-se o vocábulo empregados por trabalhadores, gênerodo qual aqueles – os empregados – são espécie. Com isso, afastou-se a vinculaçãode outrora, no que limitava a atuação da Justiça do Trabalho às controvérsiasresultantes do contrato individual de trabalho, a menos que a lei a estendesse aoutras controvérsias. Em segundo lugar, com a cláusula “...abrangidos os entes dedireito público externo e da administração pública direta e indireta, dos Municípios,

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do Distrito Federal, dos Estados e da União...” inserida no corpo permanente daConstituição e, sem que se fizesse repetir norma semelhante à do artigo 110 daLei Básica anterior, estabeleceu-se a competência do Judiciário Trabalhista paraas controvérsias individuais e coletivas que viessem a envolver as citadas pessoasde direito público e os respectivos servidores, pouco importando o regime jurídicoúnico que viesse a ser adotado. Em terceiro lugar, previu-se, como salientado noitem anterior, o direito dos servidores públicos à sindicalização e à greve”....“Ainda que pudesse pesar alguma dúvida sobre o alcance do dispositivo, a Lei n.8.112/90 tem enquadramento na parte final do artigo, ou seja, na previsão deque o legislador ordinário pode incluir, no âmbito da competência da Justiça doTrabalho, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho, o que, sob ainspiração de idêntica regra da Carta anterior, já havia ocorrido em relação aosavulsos e aos pequenos empreiteiros.”...“No campo dos dissídios individuais, às razões supra soma-se outra. A concluir-se que à Justiça do Trabalho não compete julgar as controvérsias oriundas dochamado regime único, o preceito do artigo 114 da Constituição Federal tornar-se-á de natureza transitória, muito embora compreendido no corpo permanenteda Carta, ficando limitado as demandas ajuizadas após 1988 que digam respeitoa relações jurídicas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, ainda quenele não se tenha mais a alusão a empregados e empregadores. Por sua vez, osconflitos concernentes à observância da Lei n. 8.112/90 ficarão fora do crivo doJudiciário, pois também não podem ser tidos como compreendidos na definiçãoda competência dos juízes federais, isto tendo em vista a circunstância de oinciso I do artigo 109 da Carta conter exclusão explícita não só das causasligadas à falência, como também a acidentes de trabalho e aquelas sujeitas àJustiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Aliás, cabe mesmo indagar a razão deser da referência às causas sujeitas à Justiça do Trabalho, porquanto, excluídasaquelas relativas ao regime único e que, portanto, envolvam servidores e União,não vejo outras que possam ser tidas como sujeitas à competência da JurisdiçãoFederal civil e especializada, de direito e de eqüidade, que é a do Trabalho”. 9

Assim, verifica-se que em diversas oportunidades o CongressoNacional atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para osdissídios dos servidores estatutários. Primeiro, na Constituição de1988 substituiu o termo empregado e empregadores paratrabalhadores e empregadores. Segundo, além disso, incluiuexpressamente a frase “abrangidos os entes de direito públicoexterno e da administração pública direta e indireta, dosMunicípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União...”. Terceiro,ainda que isso não bastasse, incluiu na parte final do artigo “...

9 - Revista LTr. São Paulo: Ano 56, dez/1992, p., 1414-1420.

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e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação detrabalho...”. Quarto, se tudo isso não bastasse, por força da Lei8.112/90, atribuiu expressamente a competência dos dissídiosdos servidores estatutários à Justiça do Trabalho (alínea “e”, doartigo 240). Quinto, vetado tal dispositivo, o Congresso Nacionalderrubou o veto – mais uma demonstração de que pretendeuatribuir à Justiça do Trabalho a competência para tais dissídios.Sexto, reconhecida a inconstitucionalidade de tal dispositivo peloSTF, o Congresso Nacional, mais uma vez (conforme redaçãodada pela EC nº 45), modificou o artigo que trata da competênciada Justiça do Trabalho (art. 114) para esclarecer e afirmar quetodas as relações de trabalho, inclusive abrangidos os entes dedireito público externo e da administração pública direta eindireta da União, dos Estados, do Distri to Federal e dosMunicípios, são da competência da Justiça do Trabalho.

Diante de tão manifesta intenção do Poder Legislativo de atribuir àJustiça do Trabalho tais causas, nomeadamente através de EmendaConstitucional, não há como deixar de trazer ao debate outrosargumentos para reflexão dos profissionais do direito que me parecenão terem sido levados em conta para se estabelecer o verdadeiroalcance da Emenda Constitucional 45 quanto à questão da competênciada Justiça do Trabalho nas constrovérsias envolvendo servidores públicos.

Cumpre também relembrar que não se pode confundir competênciacom o direito a ser aplicado na solução da demanda. Isso porque,embora competente a Justiça do Trabalho para processar e julgartodas as relações de trabalho, é claro que algumas serão decididascom base na legislação consolidada (relações de emprego), outrascom tomando-se em conta a legislação civil (contrato dearrendamento, por exemplo), outras ainda com fundamentadas nalegislação disciplinar das relações de consumo (execução dehonorários, por exemplo) e, por fim, outras como as decorrentes dosservidores públicos estatutários, baseadas na própria legislaçãodefinidora de seus direitos e obrigações (lei federal, estadual oumunicipal). Aliás, esse entendimento de há muito foi consolidado epacificado pelo próprio Supremo Tribunal Federal10 .

10 RE 238737/SP – São Paulo – 1ª Turma – Relator Ministro Sepúlveda Pertence e RE 249740 – 1 – Amazonas,1ª Turma – Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em 16.05.2006.

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6 Interpretação moderna

O hermeneuta da Constituição deve desprender-se das antigasinterpretações para o fim de rejeitar o antigo e assimilar o novo. E,além disso, deve deixar de olhar o novo com olhos do velho.

Lembra Lênio Luiz Streck11 :

“Há um certo fascínio pelo Direito infraconstitucional, a ponto de se “adaptar” aConstituição às leis ordinárias... Enfim, continuamos a olhar o novo com os olhosdo velho...”

Passados mais de dez anos da decisão que declarou ainconstitucionalidade da Lei que havia atribuído expressacompetência da Justiça do Trabalho para os dissídios dos servidoresestatutários e, com nova realidade Constitucional (EC nº 45) queatende os princípios de Direito Internacional do Trabalho, aquelaantiga interpretação não mais se justifica.

A Constituição não deve ser interpretada através de textosinfraconstitucionais como soe acontecer muitas vezes entre nós.Relação de trabalho é o gênero que engloba também aquelestrabalhadores regidos por estatutos federais, estaduais ou municipais.A prevalecer o entendimento de que esses estatutos modificam anatureza jurídica da relação trabalhista dos servidores públicosestatutários, é permitir que norma infraconstitucional prevaleça sobreem detrimento da Constituição, o que seria um arrematado absurdo.

É claro que não se pode excluir do conjunto genérico (a relação de trabalho)a espécie (servidor estatutário) e afastar destes o direito constitucionalfundamental de acesso ao judiciário sem manifesta e inaceitável agressãoao também constitucional princípio do juiz natural (Justiça do Trabalho).

Como afirma mais uma vez Lênio Luiz Streck “se todos os textosjurídico-normativos do sistema jurídico somente podem ser consideradoscomo válidos se interpretados em conformidade com a Constituição, ese a compreensão é condição de possibilidade para a interpretação, ese isto não ocorreu na devida medida e continua a não ocorrer, então épossível dizer que não está havendo compreensão” 1212121212 .....

11 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Uma Nova Crítica do Direito. 2ª ed. – Rio deJaneiro: Forense, 2004, p., 17.12 STRECK, Lênio Luiz. Ob. cit., p. 44.

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Afinal, como lembrou certa feita Eros Grau, o Direito Administrativoreclama uma nova visão dos operadores do Direito, com vistas adefesa do indivíduo contra o Estado13 . E já em 1920 se afirmava queessas entidades (referindo-se ao Estado, ao Governo, à Fazenda) sãoas mais irresponsáveis, as que mais abundam em meios de corromper,as que exercem as perseguições, administrativas, políticas e policiais,as que, demitindo funcionários indemissíveis, rasgando contratossolenes, consumando lesões de toda ordem (por não serem osperpetradores de tais atentados os que os pagam), acumulam,continuamente, sobre o tesouro público terríveis responsabilidades.14

Há, pois, necessidade de que uma Justiça vocacionada para ascausas em que uma das partes é presumida hipossuficiente, sejatambém a competente para apreciação de relações jurídicas existentesentre os trabalhadores (servidores públicos) e os entes da administraçãopública, na medida em que estes não perdem, pelo menos na grandemaioria deles, essa condição pela simples circunstância de manteremum vínculo de trabalho com entidade de natureza pública.

Impende registrar ainda que de uma leitura atenta do que contidonos artigos 109 e 114 da Constituição Federal, fácil constatar que dosjuízes federais foram excluídas as causas sujeitas à jurisdição da Justiçado Trabalho (art. 109, I), e à esta foram atribuídas as ações oriundasda relação de trabalho, abrangidos os entes públicos ((art. 114, I).

Nessa perspectiva, a conclusão única possível é a de que à Justiçado Trabalho incumbe processar e julgar os dissídios dos servidorespúblicos, inclusive os estatutários, pois não se pode negar que elesmantêm uma relação de trabalho com a administração pública e osdissídios dela decorrentes foram da jurisdição dos juízes federais.

Por outro lado, foi garantido ao servidor público o direito de greve, queserá exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica (incisoVII, artigo 37, da Constituição Federal), e ao mesmo tempo se estabeleceuque as ações que envolvam o exercício desse direito são da competênciada Justiça do Trabalho (art. 114 na redação da Emenda 45).

Assim, se se excluiu de outros ramos do Poder Judiciário as causasdecorrentes dos dissídios de greve que têm como fundamento remotoa própria relação de trabalho, nada justifica que outros dissídios que

13 GRAU, Eros Roberto. In: STRECK, op. cit, p. 47.14 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. São Paulo: Ediouro, [199?] p. 76.

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decorram dessa mesma relação de trabalho sejam decididos por outroramo do Poder Judiciário, pena de atentar-se contra princípio daunidade de convicção da própria jurisdição.

7 Abrangência da ação direta deinconstitucionalidade proposta por entidade declasse de âmbito nacional

Como afirmado acima, o Plenário do Supremo Tribunal Federalreferendou a decisão liminar proferida na ADIn nº 3395, propostaAssociação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE.

Entretanto, é entendimento do STF que se exige uma relação depertinência entre o objeto da norma questionada e o interesse doproponente da ADIn15 .

Deste modo, referida ADIn tem o condão de abranger apenas osdissídios decorrentes da relação estatutária dos servidores públicosda União Federal e suas autarquias e fundações, não podendoalcançar os servidores públicos estatutários estaduais e municipais,porquanto não existe vínculo de pertinência temática entre o objetoda ação e os interesses desses servidores, na medida em que osdissídios entre eles a os órgãos para os quais prestam serviços nãoestão sujeitos à jurisdição da Justiça Federal.

Nesse mesmo sentido vale citar decisão proferida pelo EgrégioTribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, nos seguintes termos:

“SERVIDOR PÚBLICO – COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO EJULGAMENTO DE DISSÍDIO – JUSTIÇA DO TRABALHO – EXEGESE DO ART.114, i, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – LIMINAR CONCEDIDA EM ADIN Nº3.395 – EFEITO NÃO VINCULATIVO – ART. 102, §2º, DA CF – INTERPRETAÇÃOCONFORME – NÃO CABIMENTO – PERTINÊNCIA TEMÁTICA –INOCORRÊNCIA – PROCESSO EXECUTIVO – REGIME GERAL DACOMPETÊNCIA – NÃO-APLICABILIDADE ANTE A ALTERAÇÃO DACOMPETÊNCIA POR FORÇA DE MANDADO CONSTITUCIONAL – EXEGESEDO ART. 575, II, DO CPC.- O novel texto constitucional transferiu à Justiça do Trabalho a competênciamaterial para processar e julgar dissídio envolvendo entes públicos de direitointerno e externo e, não obstante liminar deferida pelo Presidente do SupremoTribunal Federal, é certo que sua decisão não tem eficácia vinculante por não

15 STRECK, Lênio Luiz ob.cit., p. 543.

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emanar de decisão de mérito daquela Corte, não sendo da melhor técnica aplicarinterpretação conforme o dispositivo constitucional atuando na forma de legisladorpositivo. No caso versado, maior razão para a fixação da competência desteórgão jurisdicional por tratar-se de servidor público municipal, não havendorelação de pertinência temática entre a promovente da ação direta deinconstitucionalidade e a questão posta em juízo”. (Ag.de pet. Nº642.2005.031.23.00-4 – Relator: JUIZ PAULO BRECOVICI)16 .

Assim, a decisão proferida pelo STF na mencionada ADIn propostapela Associação dos Juízes Federais não tem o condão de englobar osdissídios dos servidores públicos estatutários pertencentes a outras esferasda administração pública, ficando restrita à esfera da União Federal.

Via de conseqüência, quanto aos servidores públicos estatutáriosestaduais e municipais deve prevalecer o inciso I, do artigo 114, daConstituição Federal na redação dada pela Emenda nº 45 que atribuià Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar osdissídios decorrentes de todas as relações de trabalho, inclusiveaquelas em face da administração pública direta e indireta.

8 Impossibilidade de interpretação conforme quandose trata de emenda constitucional

Desnecessário repetir que em diversos momentos históricos o legisladorconstitucional e infraconstitucional atribuiu à Justiça do Trabalho acompetência para processar e julgar as ações dos servidores públicosestatutários em face da Administração Pública, o que mais uma vez foireafirmado pelos candentes termos da Emenda Constitucional nº 45.

Nesse contexto, urge que a comunidade jurídica entenda e aceite oposicionamento do legislador e passe a respeitá-lo. Não há razãojurídica plausível para se deixar de acolher o novo enfoque dado àConstituição Federal através do poder constituinte derivado. Devemosdeixar de olhar o novo com o enfoque do velho.

Parece até repetitivo dizer que a Emenda 45 veio trazer novosignificado ao ordenamento constitucional no tocante à competênciada Justiça do Trabalho. Por conseguinte, esse significado não podeser mutilado pela interpretação conforme a Constituição se pretendeuna decisão prolatada na ADIn antes referida.

16 - Acórdão publicado na revista Anamatra, Vol XV, p., 253.

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Com efeito, para que seja possível a interpretação conforme aConstituição é necessário que haja clareza de qual foi o enfoquejurídico dado pelo Poder Constituinte. Quando ocorre reforma daConstituição, através do poder constituinte derivado, esse enfoquejurídico é alterado, razão pela qual se torna difícil interpretar essamodificação com base em enfoque anterior e, portanto, superadopela Emenda.

Nesse sentido é o posicionamento de Gilmar Ferreira Mendes,ao ponderar:

“Ao contrário da interpretação conforme à Constituição aplicada ao direitoordinário, que deixa a Constituição intocada, a utilização da interpretação conformeà Constituição em relação à emenda constitucional afigura-se problemática,porque as normas introduzidas acabam por emprestar novo significado aoordenamento constitucional em vigor. Uma limitação dessa conseqüência atravésda interpretação conforme à Constituição não parece ser possível...” 17

A interpretação conforme à Constituição dada pelo SupremoTribunal Federal impede que se alcance o verdadeiro objetivo daEmenda 45 de conferir ao Poder Judiciário Trabalhista a competênciapara as causas dos servidores estatutários. Essa interpretação deveser evitada, não somente pelas razões acima expostas, mas tambémporque como lembra Paulo Bonavides , citando Reinhold Zippelius:

“Urge, porém que o intérprete na adoção desse método 18 não vá tão longe quechegue a “falsear ou perder de vista num ponto essencial o fim contempladopelo legislador”. 19

Não se pode negar que a atribuição de competência à Justiça doTrabalho para julgar os dissídios dos servidores estatutários constituium relevante avanço na defesa dos direitos dos cidadãos, na medidaem que passam a ser julgadas pela Justiça que se encontravocacionada para apreciar questões relacionadas à desigualdadeentre as partes. Era essa a razão de a Lei 8.112/90, em seu artigo240, assegurar como direitos dos servidores a permissão deajuizamento de seus dissídios perante a Justiça do Trabalho.

17 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. O controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3ªedição. São Paulo: Saraiva, 1999, p., 234.18 Refere-se ao método de interpretação conforme à Constituição.19 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª edição, 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003, p., 519.

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A Emenda 45 conferindo um novo significado constitucional nadamais faz do que permitir a evolução constitucional na defesa dosdireitos dos servidores públicos perante um ramo do Judiciáriomelhor vocacionado para causas em que há desigualdade entreas partes superando o passado que excluía tais ações da Justiçado Trabalho. Essa superação permite que os dissídios dosservidores públicos estatutários possam a assumir seu lugar najurisdição trabalhista libertando-se do tempo passado, pois “cadacoisa tem seu tempo”. “Isso quer dizer: cada coisa que sempre é aseu tempo, cada ente vem e vai em tempo oportuno e permanecepor algum tempo, durante o tempo que lhe é concedido. Cada coisatem seu próprio tempo”.20

Deixemos então que se passe o tempo em que os dissídios dosservidores públicos estatutários foram processados e julgados peloJudiciário comum federal ou estadual, e passem a apreciação pelaJustiça do Trabalho que é o órgão constitucionalmente competente evocacionado para esse tipo de demanda.

A reforma constitucional em exame, portanto, representou umavanço social para os servidores públicos estatutários que passam ater seus dissídios julgados pelo seu juiz natural não podendo ainterpretação conforme à Constituição anterior, dada pelo SupremoTribunal Federal impedir que a conquista se torne efetiva.

9 Conclusão

Do que acima se viu a Emenda Constitucional nº 45/2004provocou muita celeuma acerca da competência da Justiça doTrabalho, em especial no tocante à competência para os dissídiosdos servidores públicos estatutários. Essa celeuma foi inicialmentepacificada pela decisão provisória do Supremo Tribunal Federal quedeu interpretação conforme à Constituição para afastar toda equalquer interpretação que atribuísse à Justiça do Trabalhocompetência para o processamento e julgamento dos dissídios dosservidores públicos estatutários. Segundo o entendimento esposadopela Corte Constitucional referida Emenda não teve o condão dealterar o sentido da norma anterior.

20 - STRECK, Lênio Luiz., ob.cit. p., 647.

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Entretanto, aludido posicionamento não pode ser recebido pelacomunidade jurídica sem maiores questionamentos, na medida emque manifestações legislativas anteriores atribuíam a competênciapara o julgamento desses dissídios à Justiça do Trabalho. Tanto assim,que o veto do Presidente da República quanto a certo dispositivo daLei 8.112/90 veio a ser rejeitado pelo Congresso Nacional, e assucessivas alterações legislativas cada vez mais se mostraramesclarecedoras dessa intenção, não se justificando agora quando setem a letra expressa do art. 114 do Texto Maior o posicionamentoadotado pela Colenda Corte.

Ademais, restou demonstrado que o termo “relação de trabalho” éabrangente englobando também os servidores públicos estatutários,não sendo empecilho para a competência da Justiça do Trabalho ofato de que para o julgamento tenha o juiz que se valer de normasoutras que não aquelas previstas na legislação consolidada comode resto já ocorria e ainda ocorre, pois não se pode negar que o juizlaboral também aplica em suas decisões normas de direito comumcomo aquelas previstas no Código Civil, no Código do Consumidore demais diplomas legais.

A liminar deferida na ADIn antes mencionada e ratificada peloPlenário do STF não pode ser estendida aos servidores estatutáriosdos Estados e dos Municípios, porquanto em razão da pertinênciatemática somente poderá abranger os servidores públicos estatutáriosdo âmbito da União, na medida em que a Justiça Federal não temcompetência para julgar os dissídios envolvendo os servidores dosdemais entes que compõem a Federação.

Em conclusão, essas linhas pretenderam trazer ao dabate algunsquestionamentos acerca do real alcance do que previsto no art.114, I, da Constituição da República na redação dada pelaEmenda 45 para que o tema sofra uma melhor ref lexãoespecialmente por aqueles que têm a missão de sua aplicação demodo a se garantir uma interpretação que possa verdadeiramenteatingir os verdadeiros objetivos visados pelo legislador daReforma: garantir aos trabalhadores em geral, inclusive aosservidores públicos estatutários o direito de terem suas demandasjulgadas por órgão do Poder Judiciário que se encontravocacionado para solucionar questões que tratam dadesigualdade entre as partes.

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Bibliografia

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