36
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS SARAH SANTOS ALVES DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO DE AMARTYA SEN Varginha/MG 2014

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS

SARAH SANTOS ALVES

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: UMA

ANÁLISE DO PENSAMENTO DE AMARTYA SEN

Varginha/MG

2014

Page 2: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

SARAH SANTOS ALVES

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: UMA

ANÁLISE DO PENSAMENTO DE AMARTYA SEN

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da

Universidade Federal de Alfenas, como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase

em Controladoria.

Orientador: Prof. Dr. Thiago Fontelas Rosado

Gambi

Varginha/MG

2014

Page 3: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

SARAH SANTOS ALVES

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: UMA

ANÁLISE DO PENSAMENTO DE AMARTYA SEN

A Banca examinadora, abaixo-assinada,

aprova a monografia apresentada como parte

dos requisitos para obtenção do título de

Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase

em Controladoria da Universidade Federal de

Alfenas.

Aprovada em: Varginha, 16 de julho de 2014

________________________________

Prof. Dr. Thiago Fontelas Rosado Gambi

________________________________

Prof. Dr. Michel Deliberali Marson

________________________________

Prof. Dr. Lincoln Thadeu Gouvêa de Frias

Page 4: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

AGRADECIMENTOS

Agradeço a El Elyon – Deus Altíssimo – pela inspiração e companheirismo

inigualáveis que me acompanharam ao longo de toda jornada. Agradeço ao Espírito Santo de

Yeshua pela sabedoria e por ter colocado ao meu lado pessoas de inestimável valor, a saber:

Meu pai Manoel, homem íntegro e sábio, minha mãe Lourdes, quem me supriu de

todas as formas possíveis, meus irmãos Débora e Samuel pelo apoio, meus irmãos que Jesus

me deu, em especial, Theyteman, Guilherme, Bianca, Aldo, Gabriel Todarelli, Melqui e

Priscila, aos mais que amigos nesse ciclo de aprendizado: Aline, Anastácia, Maria Camila,

Janaína, Tatiane, Josiane e Gabriel Kato, por me trazerem sempre algo a mais para sorrir,

minhas tias Lenilda e Lourdes Costa, quem sempre, com palavras, abençoaram-me apesar da

distância.

Agradeço ao prof. Thiago Fontelas Rosado Gambi, quem, sempre de bom grado,

aceitou me orientar e, com paciência, mostrou-me novas possibilidades de conhecimento.

Agradeço ao Instituto de Ciências Sociais Aplicadas e à Universidade Federal de

Alfenas campus Varginha pelo suporte e possibilidade de conhecimento.

Page 5: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

RESUMO

A abordagem das capacidades tem recebido grande destaque quando se trata de uma nova

perspectiva de desenvolvimento econômico. Ela diverge das mais tradicionais, as quais levam

em consideração a riqueza, a distribuição de renda per capita, crescimento econômico (PIB,

PNB) como determinantes principais desse desenvolvimento. Numa perspectiva alternativa,

Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a

liberdade como fator imprescindível do desenvolvimento, dando ênfase a expansão das

capacidades, em que o aumento das escolhas e oportunidades representam fatores relevantes

ao se analisar uma distribuição de renda real mais equitativa. Dessa forma, a pesquisa aqui

apresentada teve como objetivo geral analisar, por meio de pesquisa bibliográfica, como a

questão da distribuição de renda aparece na abordagem das capacidades de Sen.

Especificamente, buscou-se: (i) analisar o contexto e a vida de Amartya Sen; (ii) compreender

abordagem das capacidades e, por fim; (iii) analisar como a distribuição de renda se relaciona

com a abordagem das capacidades. É necessário, para tanto, debater o argumento de Sen

quanto à análise clássica da renda como instrumento fundamental das políticas de

desenvolvimento na identificação da pobreza e na elaboração de políticas públicas, e discutir

a importância dos aspectos sociopolíticos no que tange à influência governamental para a

transformação social, política e econômica.

Palavras-Chave: Abordagem das Capacidades. Liberdade. Amartya Sen. Distribuição de

renda. Renda Per Capita.

Page 6: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

ABSTRACT

The capabilities approach has received great attention when it comes to a new perspective of

economic development. It differs from the more traditional one, which take into account the

wealth, the distribution of per capita income, economic growth (GDP, GNP) as the main

determinants of growth. In an alternative perspective, Amartya Sen, Indian economist and

Nobel economics prize laureate, defends freedom as an essential factor of development,

emphasizing the expansion of capacity, whose increase in choices and opportunities represent

relevant factors that analyze real income distribution more equitable. Thus, the research

presented here has the general objective to analyze, by literature research, such as the issue of

income distribution appear on the capabilities approach of Sen. Specifically, we sought to: (i)

analyze the context and life of Amartya Sen; (ii) understand the capabilities approach, and,

finally; (iii) analyze how income distribution relates to the capability approach. It is

necessary, therefore, to discuss the argument Sen as the classical analysis of income as a

classificatory instrument of development policies in the identification of poverty and the

development of public policies and discuss the importance of the socio-political aspects in

regard to government influence to social transformation in their social, political and economic

aspects.

Keywords : Approach capabilities. Freedom. Amartya Sen. Distribution of Income. Per

capita income.

Page 7: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 8

1. AMARTYA SEN: vida e contexto ............................................................................................. 10

2. ABORDAGEM DAS CAPACIDADES EM AMARTYA SEN ............................................... 14

2.1. Abordagem das capacidades ................................................... Erro! Indicador não definido.

3. RENDA e DISTRIBUIÇÃO DE RENDA ................................................................................. 19

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 33

5. REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 35

Page 8: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

8

INTRODUÇÃO

O enfoque dos estudos sobre desenvolvimento econômico tem, em sua grande parte,

associado a noção de desenvolvimento ao crescimento econômico, em que se percebe uma

restrição de sua definição sob a perspectiva da renda per capita como principal – às vezes,

único –, instrumento avaliativo de políticas públicas.

Ao criticar essa teoria econômica tradicional, o ganhador do prêmio Nobel de

economia em 1998, Sen, coloca como considerável determinante do desenvolvimento a

abordagem das capacidades. Esse elemento fundamental e constituinte em sua teoria de

desenvolvimento é a expansão das capacidades – oportunidades das pessoas de levar o tipo de

vida que elas valorizam – por meio das liberdades, as quais não se dão como o fim de um

processo evolutivo como se observa em grande parte da literatura ortodoxa,1 a qual vê as

liberdades como resultado de uma expansão do crescimento econômico e da renda. De outro

modo, a perspectiva de Sen enfatiza a importância das liberdades como meios principais do

desenvolvimento pela sua contribuição no processo de expansão de outras liberdades

subsequentes e necessária para o desenvolvimento de um país.

Sen teve seu pensamento grandemente influenciado pelo ambiente que presenciou

desde sua infância, quando pôde ter acesso a um nível de educação culturalmente

diversificado dentro da Índia, seu país de origem. Ao longo de sua vida desenvolveu uma

sensibilidade a variáveis antes não observadas pela visão econômica tradicional e elaborou

formas avaliativas de problemas econômico-sociais, como desigualdade econômica e de

gênero, desemprego, pobreza entre outros.

A mudança de perspectiva na análise da pobreza vinculada ao baixo nível de renda

para a perspectiva da pobreza como privação de capacidades básicas é importante na análise

de Sen, haja vista a existência de outros fatores, que, para o autor, são limitantes da liberdade

dos indivíduos e, por isso, merecem consideração. Dessa forma, o autor faz alusão à

importância das conjunturas sociais e comunitárias, a saber, cobertura médica, serviços de

saúde pública, educação escolar, lei e ordem, prevalência da violência entre outros, como

importantes influências causais dessas privações.

A partir desse ponto, Sen, em relação ao aspecto da abordagem das capacidades,

apresenta sua teoria de avaliação de políticas públicas ao apresentar uma base factual que

considera as características divergentes da vida humana – como heterogeneidades pessoais,

1 (SINGER, 1952); (ROSENSTEIN-RODAN, 1969); (NURKSE, 1969)

Page 9: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

9

diversidades ambientais, variações no clima social, diferenças de perspectivas relativas e

distribuição na família – e as liberdades substantivas. O autor divide a abordagem da

capacidade em três diferentes formas avaliativas práticas, pelas quais ele procura descrever de

forma mais adequada a análise das políticas públicas de maneira que envolvam vetores de

funcionamentos e capacidades, a saber, abordagem direta, a abordagem suplementar e a

abordagem indireta.

A má distribuição de renda é uma característica de países subdesenvolvidos e

considerada, geralmente, como entrave ao seu desenvolvimento2. É a partir disso que Sen

busca analisar de forma cuidadosa a distribuição de renda não como instrumento de

diminuição da desigualdade, mas como um parâmetro para as políticas públicas acerca do

nível do conjunto capacitário de seu país. Segundo Sen, a distribuição de renda, por si só,

oferece poucas informações sobre as reais desigualdades do bem-estar, e, portanto, a

averiguação de outros fatores é extremamente necessária para um discernimento mais

agregativo e legítimo da circunstância em que o indivíduo-agente se encontra. Dessa forma,

este trabalho procura, por meio de uma pesquisa bibliográfica3, responder à pergunta: Como a

distribuição de renda aparece na teoria de desenvolvimento econômico – abordagem das

capacidades – de Amartya Sen?

2 (RAMOS & MENDONÇA, 2005); (BOYANDJIAN, 2010).

3 (MARCONI E LAKATOS, 2009); (GIL, 2010).

Page 10: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

10

1. AMARTYA SEN: vida e contexto

Amartya Kumar Sen4 desenvolveu uma análise multidimensional a respeito do

desenvolvimento, ele pôde ter acesso a um nível de educação culturalmente diversificado

dentro da Índia, seu país de origem. Ao longo de sua vida desenvolveu uma sensibilidade a

variáveis antes não observadas pela visão econômica tradicional e elaborou formas avaliativas

de problemas econômico-sociais, como desigualdade econômica e de gênero, desemprego,

pobreza entre outros. Talvez o fato de ter nascido na Índia, em 1933, tenha despertado o seu

interesse pelo tema. A posição social de sua família lhe permitiu passar grande parte de sua

vida na universidade. Seu pai foi professor de química na Universidade, seu avô materno,

Kshiti Mohan Sen, foi professor de sânscritos e de cultura indiana medieval na Universidade

Visva-Bharati, onde sua mãe, Amita Sen estudou e Sen estudou tempos depois.

Sen reconhece a grande importância do tipo de educação que pôde ter acesso,

principalmente em Tangore, onde pôde ter contato com uma educação mais progressiva, a

qual fomentava a curiosidade em vez da competição interestudantil. Era, para Sen, uma

oportunidade de conhecer mais profundamente tanto o patrimônio cultural, analítico e

científico da Índia bem como dos países ocidentais e não ocidentais, a saber, Leste e Sudeste

da Ásia, Ásia Ocidental e África.

Essa grande abrangência sobre a diversidade cultural indiana foi importante na

formação de Sen. Além da possibilidade de frequentar boas escolas, Sen presenciou fatos

durante sua juventude como o contexto separatista da Índia, que contribuíram para uma

formação pessoal voltada aos estudos sobre diferenças entre grupos sociais.

Ao dar destaque para a extensa heterogeneidade na formação cultural e histórica da

Índia, rica em diversidade, Tangore, fundador da Universidade Visva-Bharati, foi um dos que

contribuíram para a formação pessoal de Sen, pois Tangore propunha uma argumentação

sobre a "idéia de Índia", que se comportava contra uma visão culturalmente separatista e de

divisão entre os povos que habitavam essas terras. Tagore e sua escola, portanto, resistiram às

ideias separatistas, e demonstravam apoio às diversas identidades pouco comuns de hindus,

muçulmanos ou outros. Tangore morreu em 1941, pouco antes dos assassinatos comuns

fomentados pela política sectária que se alastrou na Índia por boa parte da década de 1940.

Para Sen, essas circuntâncias e conjecturas foram marcantes, pois se passavam em um período

em que iniciava sua adolescência. Divisões entre povos, como indianos, asiáticos ou

4 SEN, A. K. Amartya Sen – Biographical. 1998.

Page 11: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

11

quaisquer outros povos davam lugar, naquele momento, às divisões baseadas na identificação

sectária, a saber, hindus, muçulmanos ou comunidades sikhs. A carnificina que se seguiu teve

muito a ver com o comportamento irracional de manada, em que o pensamento sectários

divisivos e beligerante se expandiu, não levando em conta o conhecimento da diversidade que

faz a cultura indiana ser reconhecida como uma cultura poderosamente mista.

Sen, ainda jovem, presenciou fatos dessa resistência multicultural e relata em seu livro

“Desenvolvimento como liberdade” 5 que quando tinha cerca de dez anos em uma tarde

enquanto brincava em sua casa na cidade de Dhaka, atual capital de Bangladesh, um homem

entrou pelo portão gritando desesperadamente e sangrando muito por ter sido esfaqueado nas

costas: “era uma época em que hindus e mulçumanos matavam-se nos conflitos grupais que

precederam a independência e a divisão de Índia e Paquistão” (SEN, 2010a, p.22). Segundo

Sen (1998; 2010a), o homem esfaqueado, Kader Mia, era um mulçumano e trabalhador

diarista que buscara prestar um serviço em uma casa vizinha e fora esfaqueado na rua por

desordeiros da comunidade hindu que era maioria naquela região. Sen relata que essa foi uma

experiência devastadora, e que o fez refletir sobre as identidades estreitamente definidas:

Enquanto eu lhe dava água e ao mesmo tempo gritava pedindo ajuda dos adultos da

casa – e momentos depois, enquanto meu pai o levava às pressas para o hospital –,

Kader Mia não parava de nos contar que sua esposa lhe dissera para não entrar em

uma área hostil naquela época tão conturbada. Mas Kader Mia precisava sair em

busca de trabalho e um pouco de dinheiro porqye sua família não tinha o que comer.

A penalidade por essa privação de liberdade econômica acabou sendo a morte, que

ocorreu mais tarde no hospital (SEN, 2010a, p.22).

Este foi um fato que fez Sen despertar uma atenção sobre comunidades e grupos, pelos

quais Sen discorre com grande zelo, ao decorrer de sua formação, como fatores

influenciadores do desenvolvimento de uma população. Além disso, Sen (2010a) revela por

meio dessa ocorrência o inter-relacionamento que há nas liberdades, pois devido a uma

privação econômica apresentada por Kader Mia resultou na violação de outros tipos de

privação como na privação da liberdade social.

Sen continuou seus estudos, os quais já enfatizavam diferenças sociais no âmbito

econômico, e no ano de 1953 se mudou para Cambridge, no Reino Unido para estudar no

Trinity College. Sen já havia se bacharelado na Universidade de Calcutá, mas ingressou em

outro bacharelado em Cambridge em economia pura que, diferentemente de Calcutá, agora a

economia era voltada menos para a matemática econômica. Segundo Sen, os debates em

Cambridge estavam relacionados principalmente em torno dos defensores ou opositores de

5 SEN, A. K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Page 12: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

12

Keynes – de um lado economistas neoclássicos, do outro, intervencionistas. Esses debates

foram, de certa forma, um grande aprendizado para Sen, pois pôde participar de diálogos –

rixas – constantes em Trinity College entre três notáveis economistas, cujos pontos de vistas

políticos divergiam, a saber, o marxista Maurice Dobb, o conservador neoclassicista Dennis

Robertson e Piero Sraffa, um economista cético a quase todas as escolas de pensamento.

Em seu primeiro ano de pesquisa, Sen conseguiu uma autorização para ir à Calcutá,

entretanto, a Universidade de Cambridge determinou que Sen fosse acompanhado por um

“supervisor” para sua pesquisa na Índia. Sen, desse modo, obteve a orientação de A. K.

Dasgupta, especialista em metodologia econômica, de quem Sen reconhece sua contribuição

no desenvolvimento de sua tese bem como em diversos outros temas. Ao passo que sua tese

era “amadurecida”, Sen a enviou para um concurso “Prize Fellowship” no Trinity College,

onde sua tese foi escolhida e teve que retornar a Cambridge, onde estudaria filosofia num

período de quatro anos, quando o autor se envolve de forma mais intensiva com os estudos

epistemológicos, de filosofia moral e política, que se relacionam diretamente com suas

preocupações sobre democracia e equidade que despertara ainda jovem. Os estudos em

filosofia foram importantes na formação de Sen, haja vista que sempre demonstrou uma

atenção maior em áreas da economia que se relacionavam à filosofia moral, desigualdade e

privações.

Em 1963, Sen deixa Cambridge por completo e vai para Delhi, na Índia, e se

estabelece como professor de economia da Escola de Economia na Universidade de Delhi,

onde leciona até 1971. Ano em que deixa Delhi e volta para o Reino Unido, agora, para

lecionar na Escola de Economia de Londres, onde Sen pôde ter contato com um conjunto de

historiadores, economistas, sociólogos entre outros estudiosos, como Eric Hobsbawm, que

contribuíram no desenvolvimento de sua pesquisa sobre a teoria da escolha social.

Segundo Sen, a possibilidade construtiva que a nova literatura sobre escolha social

permitiu o uso das estatísticas para uma grande variedade de avaliações econômico-sociais, a

saber, medir a desigualdade econômica, julgar a pobreza, avaliação de projetos, analisar

desemprego, investigar princípios e implicações da liberdade e dos diretos, de forma a avaliar

a desigualdade de gênero e assim por diante.

Foi também na década de 1970 que Sen começou a trabalhar na causa e na prevenção

da fome, seus estudos foram inicialmente elaborados para o Programa Mundial de Emprego

da Organização internacional do Trabalho por meio do qual foi possível escrever em 1981 seu

livro Poverty and Famines – quando Sen passou a ver a fome como um grande problema

econômico, concentrando-se na capacidade de compra de comida ou obter-se direito a ela.

Page 13: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

13

A partir de meados de 1980, Sen conheceu Jean Drèze, economista belga, com quem

fez parceria e puderam compartilhar de temas importantes para o desenvolvimento de sua

pesquisa sobre fome e privações6. Sen, em decorrência de participar de ambientes acadêmicos

muito ricos, vê-se envolvido cada vez mais na tentativa de compreender a natureza das

vantagens do indivíduo em termos das liberdades substantivas, as quais as pessoas julgam

como valiosas.

No fim de 1980, Sen se muda para os Estados Unidos, onde escolheu lecionar em

Harvard, suas ideias relacionadas aos problemas sociais de escolha passaram a serem mais

analisadas e compreendidas, para tanto era necessário prosseguir numa busca de

caracterização mais adequada de vantagens individuais. Na perspectiva da abordagem das

capacidades, Sen busca explorar a vantagem individual não baseada no nível de opulência ou

na utilidade, mas principalmente em termos do estilo de vida que as pessoas possuem, isto é, a

liberdade que eles têm de escolher o tipo de vida que têm razão para valorizar. Nessa

abordagem, portanto, procura-se dar ênfase às capacidades [capabilities] reais que as pessoas

acabam tendo que são influenciados e dependem das características físicas e mentais, bem

como oportunidades sociais, políticas e econômicas.

Sua ideia de capacidades tem fortes ligações aristotélicas, cujo entendimento se deu

mais plenamente com a colaboração de Martha Nussbaum, uma estudiosa com extenso

conhecimento sobre filosofia clássica. Dessa forma, Sen esteve envolvido na análise das

implicações gerais dessa perspectiva na economia do bem estar e da filosofia política assim

como na caracterização da racionalidade, as exigências da objetividade e da influência entre

os fatos e os valores.

Nos primeiros anos em Harvard, Mahbub ul Haq, um velho amigo de Cambridge, foi

encarregado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), nesse

momento, Sen foi convidado para participar da elaboração de uma abordagem informacional

mais ampla para a avaliação do desenvolvimento.

Em 1998, Sen foi laureado com o prêmio Nobel de Economia, o que permitiu que Sen

investisse em algo prático de suas ideias. O Pratichi Trust foi, sem dúvida, um projeto que se

viabilizou com a ajuda financeira do prêmio. Fundado em 1999, essa fundação desenvolve

projetos voltados à alfabetização, cuidados básicos de saúde e equidade de gênero,

principalmente na região da Índia e Bangladesh.

6 (SEN, 1981).

Page 14: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

14

Sen é considerado um pensador multidimensional, ele se interessa em particular pelos

temas do desenvolvimento econômico, da desigualdade econômica, da fome, em suas

dimensões tanto metodológica e empírica como também ética (ARNSPERGER; PARIJIS,

2003). Seus livros foram traduzidos para mais de trinta línguas, a saber, Choice of Techniques

(1960), Growth Economics (1970), Collective Choice and Social Welfare (1970), On

economic inequality (1973) Poverty and famines (1981), Choice, Welfare and Measurement

(1982), Commodities and Capabilities (1987), The Standard of Living (1987), Éthique et

économie (1987), Hunger and public action (1989) – com Jean Drèze –, Repenser l’inégalité

(1992), Development as Freedom (1999), Identity and Violence: The Illusion of Destiny

(2006), The Idea of Justice (2009), e (jointly with Jean Dreze) An Uncertain Glory: India and

Its Contradictions (2013)7.

Diante de sua influência na participação em debates sobre desenvolvimento

econômico ao redor do mundo, este trabalho buscará analisar a abordagem das capacidades,

apresentada por Sen, pela sua contribuição na expansão das informações que revelam fatores

não observados na teoria tradicional sobre o desenvolvimento.

2. ABORDAGEM DAS CAPACIDADES EM AMARTYA SEN

O “comportamento racional” dos indivíduos é apresentado em teorias como as do

paradigma neoclássico em que há a suposição de um comportamento racional dos indivíduos,

obtentores de toda informação necessária e como agentes maximizadores de suas utilidades

em busca das condições de equilíbrio8.

Sen (1999; 2008; 2010a) contribui para esse argumento ao dizer que a escolha racional

desse agente deve estar numa conjuntura coerente entre o que se tenta obter e como se busca

obtê-lo a partir da interpretação das escolhas e de algumas características externas a elas como

a natureza das preferências, objetivos, valores e motivações desse agente, independentemente

se forem associados ou não ao seu próprio bem-estar. A partir disso, Sen traz consigo uma

concepção de indivíduo ao citar a expressão “condição de agente [agency]”, relacionada a um

indivíduo capaz de efetivamente moldar seu destino, não se trata, portanto, de um indivíduo

beneficiário passivo.

7 (ARNSPERGER; PARIJIS, 2003; HARVARD UNIVERSITY, 2014).

8 (CANUTO, 1997).

Page 15: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

15

A teoria de Sen sobre o desenvolvimento visa proporcionar, portanto, expandir as

capacidades desse agente, para que este possa expandir seu conjunto capacitório – suas

oportunidades e escolhas – e, a partir disso, influenciar de forma mais ativa sua sociedade.

Dessa forma, o agente é visto como um indivíduo cidadão-participativo de ações econômicas,

sociais e políticas.

O desenvolvimento é visto, por Sen, como um processo de expansão das liberdades

reais que as pessoas desfrutam9. Expandir essas liberdades envolvem aspectos essenciais para

o agente10

, que o tornam mais completo, possuidor de condições e oportunidades de por em

prática seus anseios, de forma que possa ser capaz de interagir e influenciar o ambiente em

que vive. Para isso, segundo Sen (2010a), é necessário que haja a remoção das principais

fontes de privação de liberdade como a pobreza, tirania, carência de oportunidades

econômicas, negligência dos serviços públicos, interferência excessiva de Estados repressivos

entre outras.

O papel das liberdades é um elemento constitutivo básico no desenvolvimento e essas

liberdades se correlacionam diretamente à expansão das capacidades [capabilities11

], das

pessoas, agentes racionais, de levarem o tipo de vida que elas valorizam. Segundo Sen

(2010a), essas capacidades podem ser alavancadas por meio de políticas públicas, e de outro

lado, o planejamento, a elaboração e as tomadas de decisão dessas políticas públicas podem

ser influenciadas pelo uso efetivo das capacidades participativas do povo.

Para explicar essa relação de mão dupla, Sen (2010a) apresenta as duas razões que

demonstram a importância crucial da liberdade individual no conceito de desenvolvimento:

(1) A Razão Avaliatória12

: nessa abordagem as liberdades individuais substantivas são

consideradas essenciais, isto é, o sucesso de uma sociedade está relacionado, e deve

ser avaliado segundo as liberdades substantivas que os membros dessa sociedade

desfrutam. Essa razão avaliatória13

se difere das questões centrais tratadas em

9 Sen (2010a).

10 Para Pinheiro (2012), ampliar as liberdades dos indivíduos é fomentar e respeitar a sua condição de livre, o

qual irá agir com base na razão. 11

“Capacidade [Capability] não significa o mesmo que “Capacidade” [ability] no sentido ordinário do termo,

como quando se diz que “A pessoa P é capaz de nadar” porque neste sentido, “capacidade” não implica em

“oportunidade”: P pode ser capaz de nadar mesmo sem ter a oportunidade de nadar” (SEN, 2008, p.234). 12

Segundo Pinheiro (2012) sob a ótica avaliativa, desenvolvimento é liberdade. O papel instrumental associa-se

às inter-relações causais entre os distintos tipos de liberdades, isto é, uma interdependência das liberdades

instrumentais. “Ao desempenharem o seu papel instrumental, as liberdades e os direitos dos indivíduos podem

contribuir efetivamente, como instrumentos, para o progresso econômico” (p. 15). 13

“a avaliação do progresso tem de ser feita verificando-se primordialmente se houve aumento das liberdades

das pessoas” (SEN, 2010, p.17).

Page 16: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

16

argumentos mais tradicionais que avaliam o desenvolvimento baseados em outras

variáveis como utilidade, liberdade processual ou renda real.

(2) A Razão da Eficácia: a consolidação do desenvolvimento está relacionada diretamente

à livre condição de agente das pessoas, isto é, a liberdade não é somente uma maneira

de se avaliar se em determinada sociedade houve êxito ou fracasso, mas é um

determinante essencial da iniciativa individual e da eficácia social, pois interfere no

potencial das pessoas de cuidarem de si mesmas e de serem capazes de influir em sua

comunidade.

Em seu texto “From income inequality to economic inequality” de 1997, Sen relata

que há a necessidade de mudança nessa visão minimalista da renda como fim avaliativo de

desenvolvimento, e propõe, como objeto central de seu artigo, uma maior atenção na

diferença entre desigualdade de renda e desigualdade econômica, associadas à forma

reducionista da análise da renda e expansão das liberdades respectivamente. Para Sen (1997)

há a necessidade de se separar esses termos por meio de cinco importantes parâmetros que

diferem do discurso tradicional e que a renda, por si só, não pode explicar:

(1) Heterogeneidades Pessoais: as pessoas apresentam diferentes características físicas

que se relacionam com suas incapacidades [disability], a saber, doenças, idade ou

gênero. Todas essas particularidades transformam o agente em um indivíduo

possuidor de necessidades diversas.

(2) Diversidades Ambientais: são variações nas condições ambientais nas quais o

indivíduo se encontra. Como circunstâncias climáticas (variações de temperaturas,

níveis pluviométricos, inundações, entre outras), que podem influenciar o que uma

pessoa pode usufruir dado um nível de renda.

(3) Variações no clima social: a conversão da renda pessoal e outros recursos em

funcionamentos14

são influenciados pelas condições sociais, que pode incluir serviços

14

O conceito de funcionamento para Sen (2010a) está relacionado àquilo que uma pessoa pode considerar

valioso fazer ou ter. Há funcionamentos elementares, como uma nutrição adequada e estar livre de doenças

evitáveis e há os funcionamentos valorizados como poder participar da vida da comunidade e ter respeito

próprio.

Page 17: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

17

de saúde e epidemiologia, políticas educacionais, prevalência ou ausência do crime e

violência.

(4) Diferenças de perspectivas relativas: a demanda por produtos ou mercadorias pode

variar entre diferentes comunidades devido aos seus distintos padrões de

comportamento, os quais são influenciados por valores, costumes e convenções. Por

exemplo, ser relativamente pobre em uma comunidade rica pode privar uma pessoa de

alcançar alguns funcionamentos elementares apesar de possuir uma renda superior ao

de membros de comunidades mais pobres, os quais podem lograr com mais facilidade

e sucesso esses funcionamentos.

(5) Distribuição na família: os rendimentos auferidos por um ou mais membros da família

são divididos por todos, sejam eles os que recebem essa renda ou não. Dessa forma, a

família é uma unidade básica para a consideração dos rendimentos a partir de sua

utilização e, pois a distribuição de renda intrafamiliar está relacionada às realizações e

às oportunidades com o nível geral de renda familiar, que podem ser diferenciadas ou

dificultadas pela regra de distribuição dentro da família (por exemplo, em relação ao

gênero, idade ou necessidades percebidas).

Seguindo a análise das capacidades para Sen, é importante enfatizar que a

capacidade15

[capability] é um tipo de liberdade relacionada à liberdade substantiva de se

realizar e combinar alternativas de funcionamentos, e que cada pessoa apresenta um “conjunto

capacitário16

” diferente, influenciado por variáveis externas ou internas, como no caso de uma

pessoa abastada fazer jejum e uma pessoa forçada a passar fome extrema, ambas podem ter

seus funcionamentos quanto à comida iguais, entretanto, a possibilidade de escolha da

primeira é distinta, pois ela pode optar por mudar ou continuar seu estado atual, ao passo que

a segunda está condicionada a essa conjuntura. Dessa forma, diz-se que a primeira possui um

“conjunto capacitário” maior que a segunda.

15

“A capacidade é principalmente um reflexo da liberdade para realizar funcionamentos valiosos. Ela se

concentra diretamente sobre a liberdade como tal e não sobre os meios para realizar a liberdade, e identifica as

alternativas reais que temos. Neste sentido, ela pode ser lida como um reflexo da liberdade substantiva. Na

medida em que os funcionamentos são constitutivos do bem-estar, a capacidade representa a liberdade de uma

pessoa para realizar bem-estar” (SEN, 2008, p. 89). 16

“O ‘conjunto capacitário’ consistiria nos vetores de funcionamento alternativos dentre os quais a pessoa pode

escolher. Enquanto a combinação dos funcionamentos de uma pessoa reflete suas realizações efetivas, o

conjunto capacitário representa a liberdade para realizar as combinações alternativas de funcionamentos dentre

as quais a pessoa pode escolher” (SEN, 2010, p. 105).

Page 18: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

18

Tabela 1: Enfoque Avaliativo da Abordagem das Capacidades

Funcionamentos

Realizados Conjunto Capacitário

Enfoque

Avaliatório

"O que uma pessoa

realmente faz"

São alternativas que as pessoas têm (suas

oportunidades reais)

Informações

Referem-se a atividades

ou estados de existência

ou ser

Representa a liberdade substantiva para

realizar (liberdade de ter e fazer coisas)

Fonte: Elaborado a partir de Sen (2010a)

A partir da analise da Tabela 1, pode-se perceber que Sen discorda os argumentos

econômicos tradicionais que dizem que o “valor real de um conjunto de opções reside no

melhor uso que se pode fazer delas, e – dado o comportamento maximizador e a ausência de

incerteza – no uso que é realmente feito (SEN, 2010a p. 106)”, nessa visão, o enfoque de

funcionamento escolhido coincidiria com o conjunto capacitário do indivíduo. Sen, ao

contrário dessa visão, discursa acerca da liberdade refletida no conjunto capacitário, a qual

pode se utilizada de outras formas, e não necessariamente dizer que o valor real do elemento

escolhido está relacionado ao valor de um conjunto. Segundo o autor, é “possível atribuir

importância a ter oportunidades que não são aproveitadas (SEN, 2010a p. 106)”. Pode-se

extrair que poder “escolher” é algo que, por si só, pode ser considerado um funcionamento de

grande valor, pois há grande diferença quando se pensa que para a obtenção de um mesmo

funcionamento a pessoa possui alternativas/oportunidades de escolha, ou se a pessoa não as

possui.

Partindo dessa análise, o autor expõe o grande espaço de diferenças presentes entre a

abordagem da tradicional17

, cujo enfoque avaliativo principal está na renda, e a abordagem da

capacidade, por esta considerar a existência de uma variedade de ações e estados tidos como

importantes não pela utilidade que eles geram, mas por serem por si mesmos fundamentais na

expansão das liberdades e escolhas do indivíduo-agente (SEN, 2008). O autor, portanto, diz

17

“A ‘abordagem da capacidade’ tem algo a oferecer tanto à avaliação do bem-estar como à apreciação da

liberdade. Considerando a primeira conexão, a ‘abordagem da capacidade’ do bem-estar difere da tradicional

maior concentração sobre a opulência econômica (na forma de renda real, níveis de consumo etc.) em dois

aspectos distintos: (1) ela muda o foco do espaço de meios, na forma de mercadorias e recursos, para o espaço de

funcionamentos, que são concebidos como elementos constitutivos do bem-estar humano, e (2) torna possível –

ainda que não obrigatório – levar em conta o conjunto de vetores alternativos de funcionamentos, a partir do qual

uma pessoa pode fazer suas escolhas. O ‘conjunto capacitário’ pode ser visto como a liberdade abrangente que

uma pessoa desfruta para buscar seu bem-estar” (SEN, 2008, p. 225).

Page 19: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

19

que essa perspectiva tem chamado atenção pelo exame e análise detalhado dos principais

fatores privativos da liberdade, e também que é necessário ir além do foco sobre a produção

nacional e da renda distribuída, pois, a renda, por si só, é considerada como um parâmetro

inadequado – nominal – na tentativa de se obter uma orientação quanto ao nível de

desenvolvimento por não considerar efeitos multidimensionais presentes na perspectiva das

capacidades, a saber, poder desfrutar de uma vida longa, viver longe de regiões com alto nível

de criminalidade, etc. que podem não ser evidenciados por um aumento de renda ou

crescimento econômico (SEN, 2010a; SILVA e NEDER 2010).

A perspectiva das liberdades vem a contribuir para uma análise mais completa em

relação à pobreza, não na perspectiva instrumental da renda per capita, a qual julga o bem-

estar pela riqueza, opulência, recursos etc., mas por apresentar sua avaliação baseada em

fatores determinantes de uma constituição avaliativa mais ampla – mais real –, a saber, os

funcionamentos e as capacidades pessoais, os quais são elementos de avaliação e de

ajustamento da distribuição da renda quanto ao real desenvolvimento apresentado pelo país.

3. RENDA e DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

De uma forma geral, há o deslocamento na análise de desenvolvimento econômico

voltado ao conhecimento da renda per capita de um país, seja pela maior facilidade no cálculo

ou pela rápida instrumentalização de um sistema voltado às questões intrínsecas ao consumo

de produtos materiais. Esse deslocamento é notado principalmente na literatura do pós-guerra

no século dezenove, em que esse conceito se relacionava com “modernização”,

“ocidentalização” e, frequentemente, como “industrialização” (ARNDT, 1981).

A partir desse ponto, percebe-se a presença de uma importante diferença aplicada nos

conceitos de desenvolvimento e crescimento econômico, os quais possuem focos distintos um

do outro. Enquanto o crescimento econômico, numa visão mais ortodoxa, está baseado numa

variação quantitativa das cifras alcançadas pelo país durante determinado período de tempo –

aumentos do Produto Nacional Bruto – sem, no entanto, demonstrar grandes alterações em

suas estruturas econômicas, o desenvolvimento econômico é estabelecido por meio de

processos de transformações estruturais qualitativas dos sistemas econômicos18

.

18

(NASCIMENTO, 1986).

Page 20: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

20

Fatores sociais necessários para o desenvolvimento têm sido deixados de lado para se

voltar a uma economia produtiva voltada ao crescimento produtivo subsidiador de uma

economia mais “poderosa”. Para tanto é necessário desprender atenção aos principais aspectos

sociopolíticos que influenciam diretamente uma política de desenvolvimento, como a

ausência de uma política social mais adequada, com níveis de educação e saúde precários19

.

Autores considerados da literatura tradicional20

definem a qualificação de um país

como desenvolvido ao enfatizar o nível de renda per capita como principal forma de avaliar a

qualidade de vida de sua população. De certa forma, esses autores centralizam sua análise no

nível de renda per capita e se distanciam de conceitos discutidos sociais e políticos – nível de

saúde, de escolaridade, liberdade política, expectativa de vida – que, numa perspectiva

alternativa, são imprescindíveis para o desenvolvimento.

Sen (2010a) traz uma crítica ao olhar restrito dessas teorias de desenvolvimento, as

quais dão grande destaque às variáveis como o crescimento do Produto Nacional Bruto

(PNB), o aumento da renda per capita, a industrialização, avanços tecnológicos e a

modernização como precursores do desenvolvimento de determinado país. Apesar dessa

contenda, o autor não nega a importância do PNB ou da renda individual nesse processo, mas

considera inadequada uma análise simplista focada somente na renda e na riqueza quando se

pensa na promoção do desenvolvimento, pois, segundo o autor, há outros determinantes

necessários e essenciais para fazer com que essa análise seja mais completa e menos

limitadora, como, por exemplo, as disposições socioeconômicas e os direitos civis.

Para trazer argumentos à condição coadjuvante – não principal – da renda per capita

no conceito do desenvolvimento de um país, o autor a correlaciona com a mortalidade e

outras privações de capacidade como serviços de saúde e educação precários, demonstrando

empiricamente a existência de uma via de mão dupla entre esses fatores e exemplifica que um

nível baixo de renda pode ser a principal razão de analfabetismo, más condições de saúde,

fome e subnutrição, e que, por outro lado, uma melhor educação e saúde contribuem para se

auferir uma renda maior pelas condições de agente do indivíduo. Entretanto, apesar da

presença dessa correlação, é necessária uma atenção maior para não se fazer uma análise

reducionista da renda como fator inclusivo do estudo sobre a privação de capacidade, pois há

outras influências sobre essas capacidades básicas do indivíduo, isto é, a renda é um meio,

entre muitos outros, pelo qual se alcança um determinado nível de desenvolvimento, por

exprimir uma margem parcial das capacidades (SEN, 1997; 2010a; SILVA e NEDER, 2010).

19

(MEIER, 2010). 20

(NURKSE, 1969); (VINER, 2010).

Page 21: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

21

Essa mudança de perspectiva na análise da pobreza vinculada ao baixo nível de renda

para a perspectiva da pobreza como privação de capacidades básicas é importante na análise

de Sen, haja vista a existência de outros fatores, que para o autor, são fatores limitantes da

liberdade dos indivíduos que merecem consideração. Um exemplo é o desemprego, o qual,

para Sen (2010a) não significa apenas um período em que há ausência de renda, mas é uma

fonte de efeitos debilitadores no que tange a liberdade, a iniciativa e as habilidades desse

indivíduo, o qual sofre uma exclusão social de alguns grupos que frequentava anteriormente

quando ocupava algum cargo, o que demonstra um forte impacto não somente econômico,

mas envolve fatores como a perda de autonomia, de autoconfiança e de saúde física e

psicológica.

Outro ponto favorável a Sen e que vai de encontro à análise reducionista da renda

como principal fator determinante do desenvolvimento é a mortalidade. Segundo Sen (2010a)

países muito ricos podem ser comparados aos países do chamado Terceiro Mundo quando se

examina o grau de privação de grupos específicos. O autor cita que nos Estados Unidos, os

afro-americanos, apesar de possuírem uma condição melhor em termos de sobrevivência nas

faixas etárias mais baixas, têm menos chances de chegarem a idades avançadas do que

pessoas nascidas nas economias imensamente mais pobres da China, do estado indiano de

Kerala, Sri Lanka, Jamaica e Costa Rica por exemplo. As mulheres afro-americanas seguem

essa mesma tendência, apresentando um padrão de sobrevivência muito abaixo das mulheres

brancas estadunidenses, alcançando um padrão de sobrevivência semelhante ao das chinesas,

que possuem um nível de renda muito menor do que as afro-americanas.

Gráfico 1: Variação por região nas taxas

de sobrevivência para o sexo masculino

Fonte: Sen (2010a)

Gráfico 2: Variação por região nas taxas

de sobrevivência para o sexo feminino

Fonte: Sen (2010a)

Page 22: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

22

Dessa forma, o autor descreve que os negros americanos sofrem não somente de uma

privação relativa em termos de renda per capita aos serem contrastados com os americanos

brancos, mas apresentam uma privação absoluta maior do que a dos indianos de Kerala, que

possuem uma renda muito mais baixa (Ver Gráfico 1 e 2).

Tendo como base esses argumentos, Sen (2010a) faz alusão à importância das

disposições sociais e comunitárias, a saber, cobertura médica, serviços de saúde pública,

educação escolar, lei e ordem, prevalência da violência entre outros, como importantes

influências causais desses contrates observados entre os padrões de vida julgados conforme a

renda per capita e os julgados de acordo com o potencial de sobrevivência até idades mais

avançadas. É, então, a partir dessas diferenças dissonantes que o autor defende sua oposição

em relação à análise da renda como principal parâmetro do desenvolvimento ao dizer que

(...) a perspectiva baseada na liberdade apresenta uma semelhança genérica com a

preocupação comum com a ‘qualidade de vida’, a qual também se concentra no

modo como as pessoas vivem (talvez até mesmo nas escolhas que têm), e não

apenas nos recursos ou na renda de que elas dispõem. O enfoque na qualidade de

vida e nas liberdades substantivas, e não apenas na renda e na riqueza, pode parecer

um afastamento das tradições estabelecidas na economia, e em certo sentido é

mesmo (especialmente se forem feitas comparações com algumas das análises mais

rigorosas centralizadas na renda que podemos encontrar na economia

contemporânea) (SEN, 2010a, p.40-41).

As muitas visões sobre igualdade têm estimulado diversas perspectivas baseadas em

conceitos como liberdades, utilidades, rendas e etc., as quais desembocam em diferentes

teorias defendidas atualmente como determinantes avaliativas de políticas públicas de

desenvolvimento econômico.

É com o aspecto da abordagem das capacidades que Sen apresenta sua teoria de

avaliação dessas políticas públicas, apresentando uma base factual diferenciada das análises

tradicionais21

que se concentram nas políticas econômicas referentes à renda e riqueza em

detrimento das características divergentes das vidas humanas e das liberdades substantivas

(SEN, 2010a).

Pelo fato dos indivíduos-agentes apresentarem diferentes características físicas e

sociais, divergindo em idade, sexo, saúde física e mental, força física, capacidades intelectuais

ou viverem em áreas com circunstâncias climáticas instáveis ou de risco, com vulnerabilidade

epidemiológica, ambientes sociais entre outros aspectos, a forma de avaliação do

21

“(...) a abordagem da capacidade difere claramente e de modo crucial das abordagens mais tradicionais da

avaliação individual e social, baseada em variáveis tais como bens primários (como nos sistemas de avaliação

rawlsianos), recursos (como na análise social de Dworkin), ou renda real (como nas análises que focalizam o

PIB,PNB, vetores de bens nomeados)” (SEN, 2008, p. 81).

Page 23: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

23

desenvolvimento e da desigualdade econômica se torna difícil e, portanto, necessita de uma

estrutura mais ampla e sólida para sua base de cálculo (SEN, 2008).

Neste sentido, Sen (2010a) divide a perspectiva da capacidade em três abordagens,

pelas quais ele procura descrever uma forma mais adequada de avaliação das políticas

públicas de maneira que envolvam vetores de funcionamentos e capacidades (Ver quadro 1).

Quadro 1: Três abordagens práticas alternativas na avaliação da abordagem da capacidade.

Comparação Total

Envolve o ranking de todos esses vetores

comparados entre si no que se refere à pobreza

ou à desigualdade (ou qualquer que seja o

objeto de estudo).

Abordagem direta Consiste em examinar

diretamente o que se

pode dizer sobre as

vantagens mediante o

estudo e a comparação

de vetores de

funcionamentos ou

capacidades.

Ranking Parcial

Envolve o ranking de alguns vetores em relação

a outros, porém não exigindo completitude do

ranking avaliatório.

Comparação de

capacidade distinta

Envolve a comparação de alguma capacidade

específica escolhida como foco, sem pretender a

completitude da cobertura.

Abordagem

suplementar

Envolve o uso

contínuo de

procedimentos

tradicionais de

comparações

interpessoais no espaço

das rendas, porém

suplementando-os com

considerações sobre

capacidades.

A suplementação pode

enfocar comparações

diretas dos próprios

funcionamentos ou

variáveis instrumentais,

exceto a renda, que

supostamente

influenciam a

determinação das

capacidades.

Exemplos:

-Disponibilidade e abrangência de serviços de

saúde;

-Indícios de Parcialidade por um dos sexos na

alocação familiar;

-Prevalência e magnitude do desemprego.

Abordagem indireta

Concentra-se sobre o

familiar espaço das

rendas, apropriadamente

ajustado.

É necessário reconhecer

alguns passos para a

questão da medida das

capacidades.

Primeiro: ao avaliar os valores de renda

equivalente, é necessário levar em consideração

o modo como a renda influencia as capacidades

relevantes, já que as taxas de conversão têm de

depender da motivação subjacente da avaliação

de capacidades.

Segundo: é importante distinguir renda como

uma unidade na qual se mede a desigualdade e

renda como o veículo de redução da

desigualdade.

Page 24: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

24

Terceiro: embora o espaço da renda apresente

maior mensurabilidade e articulação, as

magnitudes reais podem ser muito enganosas

quanto aos valores envolvidos. Fonte: Elaborado a partir de Sen (2010a)

A facilidade da análise avaliativa pela renda, se corrigida de acordo com fatores

relativos para o indivíduo ou para o grupo, é muito útil para iniciar uma conjectura prática,

pois, de acordo com Sen (2010a) algumas capacidades apresentam certa dificuldade de se

medir do que outras, além de poderem distorcer resultados ao serem submetidas a testes

avaliativos. As três abordagens práticas alternativas citadas anteriormente constituem uma

tentativa de avaliação mais adequada das capacidades por meio de ajustes na apresentação de

uma renda real, sendo esta reformulada com base em fatores pessoais divergentes –

Heterogeneidades Pessoais; Diversidades Ambientais; Variações no clima social; Diferenças

de perspectivas relativas; Distribuição na família.

A abordagem direta, que possui três variações, é considerada como o modo mais

radical de se fazer a incorporação das considerações das capacidades, pois se relaciona

diretamente a vetores de funcionamentos e capacidades, analisando em alguns casos,

ambiciosos, a avaliação completa desses vetores. Segundo o autor, a abordagem suplementar

acrescenta à análise da renda alguns suplementos sobre capacidades, a saber, fatores como o

acesso e a abrangência dos serviços de saúde e níveis educacionais, os quais podem

enriquecer a compreensão mundial dos problemas relacionados à desigualdade e pobreza,

contribuindo para se aumentar o que atualmente é conhecido por meio de medidas de

desigualdade de renda e pobreza de renda. A terceira abordagem pela qual Sen busca avaliar

as perspectivas da capacidade é a abordagem indireta, a qual permanece concentrada no

espaço das rendas, mas de forma ajustada, isto é, os níveis de rendas são alterados à medida

que fatores de capacidade são introduzidos em sua conjectura. Sen (2010a) exemplifica sob o

fator do analfabetismo, que podem ajustar os níveis de renda da família para baixo e para

cima no caso de altos níveis de instrução educacional e dessa forma tornar esses fatores

equivalentes nos termos de realização de capacidade22

.

22

Cada uma dessas abordagens possui um mérito contingente que pode variar dependendo da natureza do

exercício, da disponibilidade de informações e da urgência com que as decisões precisam ser tomadas. Como a

perspectiva da capacidade às vezes é interpretada em termos terrivelmente exigentes (comparações totais sob a

abordagem direta), é importante ressaltar sua flexibilidade. A afirmação básica da importância das capacidades

pode admitir várias estratégias de avaliação real envolvendo concessões práticas. A natureza pragmática do

raciocínio assim o exige (SEN, 2010a, p. 117).

Page 25: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

25

A renda é vista, portanto, como um meio, entre outros, pelo qual é possível se avaliar

as atuações das políticas públicas. Neste sentido, a atenção voltada à diminuição da pobreza23

não deve estar centrada unicamente na desigualdade de renda, mas no conjunto capacitário

que uma pessoa possui. Para Sen (2010a), há três argumentos que vão ao encontro da

perspectiva da capacidade em vez da clássica avaliação da pobreza com base na renda:

Primeiro, porque a análise das capacidades é comprovada empiricamente como importante

fator contra as privações de liberdade e a renda é utilizada apenas de forma instrumental para

análise. Segundo, existem outras influências sobre a privação de capacidades ademais da

renda e que esta não é o único vetor que pode expandir a geração das capacidades. E terceiro,

considerado, por Sen, como o argumento mais importante diz que há uma relação variável

entre comunidades e até mesmo entre famílias e indivíduos sobre a relação instrumental entre

baixa renda e baixa capacidade.

Este terceiro argumento exerce grande participação na elaboração prática de políticas,

e, por isso, o autor enfatiza algumas dessas variações condicionais (SEN, 2010a, p. 121-122):

(a) (...) a relação entre renda e capacidade seria acentuadamente afetada pela idade da

pessoa (por exemplo, pelas necessidades específicas dos idosos e dos muito jovens),

pelos papéis sexuais e sociais (por exemplo, as responsabilidades especiais da

maternidade e também as obrigações familiares determinadas pelo costume), pela

localização (por exemplo, propensão a inundações ou secas, ou insegurança e

violência em alguns bairros pobres e muito populosos), pelas condições

epidemiológicas (por exemplo, doenças endêmicas em uma região) e por outras

variações sobre as quais uma pessoa pode não ter controle ou ter um controle apelas

limitado. Ao contrastar grupos populacionais classificados segundo idade, sexo,

localização etc., essas variações paramétricas são particularmente importantes.

(b) (...) pode haver um certo “acoplamento” de desvantagens entre (1) privação de renda e

(2) adversidade na conversão de renda em funcionamentos. Desvantagens como a

idade, incapacidade ou doença reduzem o potencial do indivíduo para auferir renda.

Mas também tornam mais difícil converter renda em capacidade, já que uma pessoa

mais velha, mais incapacitada ou mais gravemente enferma pode necessitar de mais

23

A perspectiva da pobreza como privação de capacidades não envolve nenhuma negação da ideia sensata de

que a renda baixa é claramente uma das causas principais da pobreza, pois a falta de renda pode ser uma razão

primordial da privação de capacidades de uma pessoa (SEN, 2010a, p. 120).

Page 26: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

26

renda (para assistência, prótese, tratamento) para obter os mesmos funcionamentos

(mesmo quando essa realização é de algum modo possível).

(c) (...) a distribuição dentro da família acarreta complicações adicionais na abordagem da

pobreza baseada na renda. Se a renda familiar é usada desproporcionalmente no

interesse de alguns membros da família em detrimento de outros (por exemplo, se

existe uma sistemática “preferência pelos meninos” na alocação dos recursos da

família), o grau de privação dos membros negligenciados (no exemplo em questão, as

meninas) pode não se refletir adequadamente pela renda familiar.

Após esse grande debate entre abordagem das capacidades e renda, é necessário

desprender certa atenção à análise da distribuição de renda para Sen, que a deixou de forma

implícita em sua concepção de capacidades. Para Sen, a distribuição de renda não deve ser

vista como instrumento de diminuição da desigualdade, mas como um parâmetro para as

políticas públicas acerca do nível do conjunto capacitário de seu país. Segundo Sen (2008), a

distribuição de renda oferece poucas informações sobre as reais desigualdades do bem-estar,

e, portanto, a averiguação de outros fatores são extremamente necessários para um

discernimento mais agregativo e legítimo da circunstância em que o indivíduo-agente se

encontra.

O Estado24

se encontra, nesta perspectiva, como importante legitimador de políticas

públicas de desenvolvimento por meio do combate às principais privações de liberdade.

Destarte, pelo fato desta perspectiva abranger variáveis dinâmicas, Sen (2008) declara, a

respeito da importância da interação do Estado e da distribuição de renda, que:

(...) podemos estar interessados em saber qual efeito a desigualdade de renda,

digamos, sobre o crime, ou a insatisfação social, ou igualmente sobre – inter alia – a

distribuição do bem-estar. Similarmente, podemos querer verificar que tipo de

distribuição de bens primários (ou de recursos) um Estado ou sistema político está

tentando alcançar, e isto pode ser uma questão importante a investigar para a

compreensão do papel da política pública – não na promoção do bem-estar ou da

liberdade como tais, mas na disponibilidade para todos dos meios para a liberdade

(SEN, 2008, p. 148).

24

“É necessário prestar muita atenção nas influências sociais, incluindo ações do Estado, que ajudam a

determinara natureza e o alcance das liberdades individuais. As disposições sociais podem ter importância

decisiva para assegurar e expandir a liberdade do indivíduo. As liberdades individuais são influenciadas, de um

lado, pela garantia social de liberdades, tolerância e possibilidade de troca e transações. Também sofrem

influência, por outro lado, do apoio substancial no fornecimento das facilidades (como serviços básicos de saúde

ou educação fundamental) que são cruciais para a formação e o aproveitamento das capacidades humanas. É

necessário atentar a ambos os tipos de determinantes das liberdades individuais” (SEN, 2010, p.62-63).

Page 27: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

27

Alguns determinantes necessários para o alcance de funcionamentos, a saber, a criação

de oportunidades sociais por meio de serviços como educação e serviços de saúde pública

bem como a presença de uma imprensa livre e ativa são para Sen (2008) um conjunto

capacitário amplamente necessário para o desenvolvimento econômico, pois apresenta de

forma empírica sua contribuição na redução das taxas de mortalidade, as quais ajudam na

redução das taxas de natalidade, o que implica na importância da atenção à alfabetização e

escolaridade das mulheres.

Na tentativa de se “corrigir” o valor do Produto Nacional Bruto (PNB), segundo sua

distribuição, a perspectiva da renda se torna mais articulada, todavia, não reflete de forma

adequada as privações reais do indivíduo. Por exemplo, no estado indiano de Kerala25

que,

mesmo após esses ajustes na renda real da população, constatou-se que esse estado continuava

pobre, o que demonstra a limitação de uma análise baseada somente na renda real dessa

população, que apesar de pobre – na perspectiva da renda – revelou grandes avanços em

relação à diminuição da morte prematura, educação básica de alto nível, ausência de

preconceito de gênero26

e serviços públicos de saúde. Nesse sentido, a simples correção da

renda per capita média como instrumento avaliativo da desigualdade e do desenvolvimento se

apresenta limitada quando comparada a uma análise mais adequada do conjunto capacitário

de cada agente (SEN, 2008; 2010b).

O sucesso do estado de Kerala, para Sen (2008), é explicado a partir da preocupação

de expandir as capacidades básicas, por meio da política pública voltada, principalmente, para

serviços de educação – inclusive a alfabetização feminina –, serviços de saúde e, de certa

forma, a distribuição de alimentos, por meio da intervenção estatal de manutenção da

demanda tanto urbana quanto rural27

.

A abordagem das capacidades demonstra, portanto, a forte influencia do custeio

público por meio de serviços sociais (principalmente serviços de saúde e de educação básica)

na elevação da qualidade de vida e na redução dos níveis de mortalidade, sem a necessidade

de esperar o aumento da renda real per capita para que esses investimentos ocorram.

25

(SEN, 2009). 26

“As taxas de alfabetização entre mulheres adultas estão em torno de 86%, e entre mulheres jovens, perto de

100%. O estado tem também uma proporção alta de mulheres empregadas em cargos remunerados e de

responsabilidade” (SEN, 2010b, p.115). 27

“Existem também outros fatores envolvidos, incluindo uma posição mais favorável das mulheres quanto aos

direitos de propriedade e às heranças entre uma parcela substancial e influente da população de Kerala, e o maior

ativismo público em campanhas educacionais e políticas em geral. A história da ação pública em Kerala é de

longa data, com notáveis campanhas para melhorar a alfabetização nos estado nativos de Tranvacore e Cochin no

século XIX” (SEN, 2008, p.195).

Page 28: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

28

Ao se adotar a visão do desenvolvimento como expansão das liberdades substantivas

interligadas, Sen (2010a), considera como vital a articulação e a apreciação de muitas

instituições consideradas, por ele, como vetores determinantes na abordagem de capacidades.

Entidades como o mercado, governos e autoridades locais, sistema educacional são, entre

outras, instituições fundamentais no andamento de políticas públicas eficientes e de expansão

das liberdades do indivíduo.

Elencando primordialmente o mecanismo de mercado como instituição determinante

do desenvolvimento econômico do país, Sen (2010a), analisa os amplos argumentos atuais

nessa conjectura, os quais têm dado grande enfoque sobre os resultados produzidos por essa

instituição – por exemplo, renda ou utilidades –. No entanto, a noção da liberdade de

transações por meio de um mercado deve ser distinguida, para o autor, em dois importantes

argumentos para a perspectiva das liberdades substantivas. O primeiro se relaciona às

oportunidades de transação e de troca – de palavras, de bens, presentes –, as quais são

essenciais, em si, ao desenvolvimento e necessárias na contribuição da expansão do conjunto

capacitório do indivíduo. O segundo, mais frequente nos debates contemporâneos, se

relaciona à capacidade do mecanismo de mercado contribuir para a elevação do crescimento e

progresso econômico na atual literatura, sendo considerado como um grande motor do

crescimento econômico por meio da liberdade às transações econômicas. De acordo com Sen

(2010a), o crescimento econômico, oriundo da organização do mercado, contribui não

somente por propiciar um aumento nas rendas privadas, mas por possibilitar ao Estado

financiar a seguridade social e possuir uma intervenção governamental ativa por meio do

sistema de tributação. Dessa forma, a análise de Sen é favorável à participação do mercado na

economia por proporcionar tanto o aumento das rendas privadas quanto a expansão de

serviços sociais (serviços básicos de saúde e educação bem como redes de segurança social).

As diferentes oportunidades sociais são questões centrais na análise de Sen, para ele a

visão avaliativa por meio da renda necessita de uma grande suplementação para que seja

possível se aproximar de uma compreensão mais adequada do processo de desenvolvimento, a

saber, políticas epidemiológicas, serviços de saúde, facilidades educacionais entre outros.

Contrastes entre as variações na expectativa de vida e essas oportunidades sociais possuem

grande relevância na elaboração e implantação de políticas conduzidas pelo custeio público28

.

28

Para Sen (2010a), a viabilidade desse processo conduzido pelo custeio público depende, principalmente, do

fato de que os serviços sociais relevantes (como os serviços de saúde e a educação básica) são altamente

trabalho-intensivos e, portanto, tornam-se relativamente mais baratos nas economias pobres devido ao nível dos

salários que nesses países são baixos.

Page 29: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

29

O grande debate em relação ao processo de desenvolvimento baseado no custeio público está

em como alocar esses recursos em países pobres. Para Sen (2010a), não é necessário que o

país se torne um país com altas rendas per capita, isto é, esperar que o país se torne muito rico

– o que pode acontecer em um longo período dependente de crescimento econômico – para

que haja expansão nos investimentos na educação básica e nos serviços de saúde, isto é, a

“qualidade de vida da população pode ser em muito melhorada, a despeito dos baixos níveis

de renda, mediante um programa adequado de serviços sociais” (SEN, 2010a, p.71).

O custeio público em educação e saúde são importantes instrumentos do

desenvolvimento, pois contribuem com o crescimento à medida que influenciam a

produtividade dos indivíduos, que se tornam mais capazes e hábeis para desenvolver

atividades que por eles são valorizadas, isso reafirma a argumentação em favor dessas

disposições sociais em economias pobres, em desenvolvimento ou subdesenvolvidas, sem a

necessidade de esperar o país enriquecer antes de se iniciar esses tipos de investimentos.

Dessa forma, Sen (2010a) defende a importância do Estado29

no processo de

realização de políticas públicas voltadas à expansão dessas oportunidades, haja vista sua

contribuição no crescimento econômico, mas principalmente na elevação das características

clássicas de uma qualidade de vida melhor. O crescimento econômico possui, de acordo com

o autor, uma vantagem em relação à alternativa de investimentos por meio do custeio público,

pois ele pode contribuir na redução de privações que estão muito diretamente relacionadas aos

baixos níveis de renda, por exemplo, como vestir-se e morar de modo inadequado, apesar de

resolver de forma mais ampla outras privações como a morte prematura, morbidez acentuada

ou o analfabetismo. Dessa forma, Sen defende a presença desses dois fatores – investimentos

por meio do custeio público e o crescimento econômico – como importantes parâmetros de

avaliação do desenvolvimento dessa população.

Sen, em sua obra, relaciona o desenvolvimento econômico às formas avaliativas das

liberdades reais desfrutadas pelas pessoas, em que as capacidades, isto é, o conjunto de

oportunidades, são dependentes de disposições econômicas, sociais e políticas. Essas

capacidades estão sujeitas de forma crucial às disposições institucionais apropriadas, as quais

possuem uma importância fundamental na garantia da liberdade global dos indivíduos por

meio dos papéis instrumentais que apresentam, como liberdades políticas, facilidades

econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparências e segurança protetora, os quais

29

“(...) a pobreza não se restringe a renda, então, as políticas públicas devem levar em consideração um conjunto

de critérios que limitam o bem-estar e o desenvolvimento dos seres humanos. A utilidade medida pela renda,

logo, passa a representar apenas uma das muitas dimensões que devem ser incorporadas ao conceito de pobreza”

(SILVA e NEDER, 2010, p.14).

Page 30: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

30

são distintos, entretanto inter-relacionados, funcionando como uma realimentação das

liberdades, pois se apresentam encadeadas entre si, influenciando o processo de

desenvolvimento por meio dessas inter-relações (SEN, 2010a).

Abaixo estão dispostos de forma sucinta os cinco tipos distintos de liberdade que, para

Sen, podem ser vistos por uma perspectiva tanto intrínseca como “instrumental”, que

contribui, de forma direta ou indireta, para a liberdade global que as pessoas têm para viver

como desejariam (SEN, 2010a, p.58-60):

(i) Liberdades Políticas: referem-se às oportunidades que as pessoas têm para determinar

quem deve governar e com base em que princípios, além de incluir a possibilidades de

fiscalizar e criticar as autoridades, de ter liberdade de expressão política e uma

imprensa sem censura, de ter a liberdade de escolher entre diferentes partidos políticos

etc.

(ii) Facilidades Econômicas: são as oportunidades que os indivíduos têm para utilizar

recursos econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca. Os

intitulamentos econômicos que uma pessoa tem dependerão dos seus recursos

disponíveis, bem como das condições de troca, como os preços relativos e o

funcionamento do mercado.

(iii)Oportunidades Sociais: são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de

educação, saúde etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver

melhor. Essas facilidades são importantes não só na condução da vida privada, mas

também para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e políticas.

(iv) Garantias de Transparência: referem-se às necessidades de sinceridade que as pessoas

podem esperar: a liberdade de lidar uns com os outros sob garantias de dessegredo e

clareza. Essas garantias têm um claro papel instrumental como inibidores da

corrupção, da irresponsabilidade financeira e de transações ilícitas.

(v) Segurança Protetora: é necessária para proporcionar uma rede de segurança social,

impedindo que a população afetada seja reduzida à miséria abjeta e, em alguns casos,

até mesmo à fome e à morte. A esfera da segurança protetora inclui disposições

institucionais fixas, como benefícios aos desempregados e suplementos de renda

regulamentares para os indigentes, bem como medidas ad hoc, como distribuição de

alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar

renda aos necessitados.

Page 31: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

31

Para Sen (2010a), a pluralidade das instituições – como a democracia, judiciário,

estrutura de mercado, serviços públicos de saúde e educação, veículos de comunicação entre

outras – são necessárias para a manutenção do funcionamento da via multidimensional das

liberdades de forma inter-relacional, por meio de iniciativas tanto privadas quanto públicas,

ou até mesmo por organizações não governamentais do Terceiro Setor30

(Sociedade Civil). No

entanto, é necessário se atentar que apesar do Estado e da sociedade possuírem papéis

imprescindíveis no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas, não são

instituições que devam atuar de forma assistencialista, mas como instigadores do indivíduo

agente, permitindo sua locomoção ativa no meio social, distanciando, portanto, do sentido de

beneficiárias passivas de programas de desenvolvimento.

Ao trazer argumentos para a perspectiva da abordagem das capacidades com base no

apoio do custeio público, Sen (2010a) apresenta o contraste entre dois países – Índia e China –

os quais apresentaram empenho na mudança para uma economia mais aberta, com comércio

internacional mais ativo, orientado para o mercado. De acordo com Sen, a Índia poderia ter

alcançado um êxito maior, como o ocorrido na China, se houvesse um ambiente social mais

adequado e preparado. Conforme o autor cita31

, a China, mesmo no seu período pré-reforma,

aplicava políticas sociais intensas em relação, principalmente, à educação básica e ao

fornecimento amplo de serviços de saúde, fatores que contribuíram, no período de abertura

comercial ao adotar orientação para o mercado – em 1979 –, com seu rápido e significativo

crescimento econômico, pois apresentava uma população com alto nível de instrução

educacional que permitia o aproveitamento das oportunidades econômicas oferecidas pelo

sistema de mercado, ao contrário do que acontecia na Índia, que quando adotou a orientação

para o mercado apresentava uma população adulta semianalfabeta.

Sen relata que o atraso social da Índia é devido à sua concentração elitista na educação

no ensino superior, bem como a negligência com a educação elementar e o descaso em

relação aos serviços básicos de saúde que deixaram o país aquém de uma expansão

econômica mais ampla, possuindo internamente uma variação muito grande das

oportunidades sociais. Desse modo, Sen complementa dizendo que

Embora as reformas já tardassem demais, elas poderiam ser muito mais produtivas

se as facilidades sociais estivessem disponíveis para sustentar as oportunidades

econômicas para todos os segmentos da comunidade. De fato, muitas economias

asiáticas – primeiro o Japão, depois a Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e

Cingapura, e mais tarde a China pós-reforma e a Tailândia, bem como outros países

30

(MONTAÑO, 2010)

31

(SEN, 2011).

Page 32: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

32

do Leste e Sudeste Asiático – lograram um êxito notável na difusão das

oportunidades econômicas graças a uma base social que proporcionava sustentação

adequada, como altos níveis de alfabetização e educação básica, bons serviços gerais

de saúde, reformas agrárias concluídas etc (SEN, 2010a, p.124).

Como dito na seção anterior, é necessária uma análise mais adequada acerca da noção

da pobreza, com fatores ligados não somente à renda, mas por meio de conhecimento sobre a

inadequação das capacidades que envolvem a pobreza. Essas são duas perspectivas

enfatizadas por Sen como sendo vinculada uma à outra, haja vista a importância da renda na

obtenção das capacidades, bem como a participação de um conjunto capacitório expandido, o

qual conduz a uma maior possibilidade de se auferir maior renda32

.

32

“Não ocorre apenas que, digamos, melhor educação básica e serviços de saúde elevem diretamente a qualidade

de vida; esses dois fatores também aumentam o potencial de a pessoa auferir renda e assim livrar-se da pobreza

medida pela renda. Quando mais inclusivo for o alcance da educação básica e dos serviços básicos de saúde,

maior será a probabilidade de que mesmo os potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a

penúria” (SEN, 2010a, p. 124).

Page 33: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

33

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ênfase dada a fatores econômicos na determinação do caráter de desenvolvido ou

subdesenvolvido de um país tem predominado na literatura referente ao tema. A renda como

um desses principais fatores tem sido a medida mais frequente nesses estudos tanto pela

facilidade de mensuração quanto na aferição de informações oriunda desses dados. É nesse

contexto que a perspectiva de Sen aparece numa proposta alternativa de avaliação da

qualidade de vida das pessoas, diferentemente da teoria tradicional, Sen classifica o

desenvolvimento a partir da expansão das liberdades, a qual se dá por meio da universalização

das capacidades do indivíduo – agente.

O pensamento de Sen sofreu grande influência pelo ambiente que presenciou desde

sua infância, na Índia, onde pôde ter acesso a uma educação diversificada culturalmente,

apesar dos conflitos separatistas nessa região na época. Ao longo de sua vida estudou

economia e filosofia, que influenciaram sua formação multidimensional e a partir disso

desenvolveu uma sensibilidade a determinadas variáveis não observadas pela visão

econômica tradicional, por meio das quais pôde elaborar formas avaliativas de problemas

econômico-sociais como desigualdade econômica, de gênero, desemprego, pobreza,

mortalidade etc.

São a essas privações como pobreza, tirania, carência de oportunidades econômicas e

destituição social sistemática, bem como negligência dos serviços públicos de saúde e

educação que Sen propõe uma análise visando à sua diminuição por meio da expansão das

liberdades que o agente precisa para viver uma vida que ele valorize.

Ao focalizar sua pesquisa na universalização das capacidades como meio para o

desenvolvimento, Sen deixa de lado a distribuição de renda, que, para o autor, oferece poucas

informações sobre as reais desigualdades do bem-estar, e, portanto, limita a investigação de

outros fatores necessários para um discernimento mais agregativo e legítimo da circunstância

em que o indivíduo-agente se encontra. A renda é vista, desse modo, como um meio, entre

muitos outros, que fornece informação pela qual é possível se avaliar as atuações das políticas

públicas. Neste sentido, a perspectiva de Sen conduz que a diminuição da pobreza não deve

estar centrada unicamente na desigualdade de renda, mas no conjunto capacitário que uma

pessoa possui. Para Sen, portanto, a distribuição de renda não deve ser vista como

instrumento de diminuição da desigualdade, mas como um parâmetro para as políticas

públicas acerca do nível do conjunto capacitário de seu país.

Page 34: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

34

É por meio da abordagem das capacidades que Sen apresenta sua teoria de avaliação

das políticas públicas, apresentando uma base factual diferenciada das análises tradicionais.

Ele divide a abordagem da capacidade em três formas práticas de avaliação, pelas quais ele

procura descrever uma forma mais adequada de averiguação das políticas públicas. Dentro

dessas três abordagens prática, a distribuição de renda é ajustada por fatores como a

disponibilidade e abrangência de serviços de saúde, educação, distribuição intrafamiliar de

renda entre outros fatores de forma que possa aumentar a compreensão real dos problemas de

desigualdade de renda e pobreza de renda.

Dessa maneira, Sen analisa a distribuição de renda como uma variável nominal na

análise do desenvolvimento, e à medida que é ajustada por fatores sociais, políticos e

econômicos – por exemplo: liberdade econômica – pode determinar como maior ampliação e

proximidade com a realidade o verdadeiro nível de qualidade de vida do indivíduo. O Estado

se encontra, nesta perspectiva, como importante legitimador de políticas públicas de

desenvolvimento ao proporcionar, por meio do custeio público, oportunidades sociais por

meio de serviços como educação e serviços de saúde pública.

Ao deixar a distribuição de renda de forma periférica em sua teoria, Sen, propõe uma

ênfase à universalização de capacidades por esta contribuir na ampliação das oportunidades

que hoje se apresentam insuficiente para atender toda população. Entretanto, ao se pensar que

essas políticas públicas são custeadas por meio de tributos para o Estado, Sen não aprofunda

sua análise em como esses recursos serão obtidos e em que medida serão distribuídos. Dessa

maneira, o autor não dá atenção a esse fator que interfere diretamente na renda da população,

comprometendo, se for realizado de forma inadequada, ainda mais suas formas de liberdade

sejam econômicas, sociais ou políticas da classe prejudicada.

Page 35: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

35

5. REFERÊNCIAS

ARNSPERGER, C.; PARIJIS, P. V. Ética econômica e social. São Paulo: Edição Loyola.

2003.

ARNDT, H. W. Economic Development: a semantic history. In: Economic Development

and Cultural Change. Vol. 29. Nº. 3. p. 457-466. The University of Chicago Press, 1981.

BOYADJIAN, A. C. P. de B. Os programas de transferência de renda no Brasil no período

1992 a 2007. In: BOYADJIAN, A. C. P. de B., MARQUES, R. M.; FERREIRA, M. R. J.

(Colaboradores). O Brasil sob a nova ordem : a economia brasileira contemporânea -

uma análise dos governos Collor a Lula. - São Paulo : Ed. Saraiva.2010, p. 287-308.

CANUTO, O. O equilíbrio geral de Walrás. In: Carneiro, R. (org.) Os Clássicos da

Economia. Vol.2. Ática, 1997.

GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

HARVARD UNIVERSITY. Biographical Note: Amartya Sen. Disponível em: < http://

scholar.harvard.edu/sen/content/biographical-note-10>. Acesso em: Mai/2014

MARCONI, M de A.; LAKATOS E. M. Fundamentos da Metodologia Científica. 6. Ed.

São Paulo: Atlas, 2009.

MEIER, G. M. O problema do desenvolvimento econômico limitado. 1953. In:

AGARWALA, A. N.; SINGH, S. P. (Org.). A economia o subdesenvolvimento. Rio de

Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2010.

MONTAÑO, C. Terceiro Setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção

social. 6. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

NASCIMENTO, B. H. O Desenvolvimento e Seu Modelo. IEB-USP- São Paulo: IEB-USP,

1986. 224 p.

NURKSE, R. (1969). Alguns aspectos internacionais do desenvolvimento econômico. In: A.

N. Agarwala, & S. Singh [Orgs], A Economia do Subdesenvolvimento (p. 263-277). Rio de

Janeiro - São Paulo: Forense.

PINHEIRO, M. M. S. As Liberdades Humanas Como Bases do Desenvolvimento: Uma

Análise Conceitual da Abordagem das Capacidades Humanas de Amartya Sen. Texto

para Discussão. Rio de Janeiro : Ipea. Nov/2012. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/

portal/index.php?option=com_content&view=article&id=16421 >. Acesso em: Mai/2014.

RAMOS, L. MENDONÇA, R. Pobreza e Desigualdade de Renda no Brasil. In: GIAMBIAGI

E.; VILLELA, A.; BARROS DE CASTRO, L.; HERMANN, J. (Orgs.). Economia

Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, p. 355-377, 2005.

ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Problemas de industrialização da Europa Oriental e Sul-

Oriental. In: AGARWALA, A. N. e SINGH, S. P. A economia do subdesenvolvimento. Rio

de Janeiro: Editora Forense, 1969.

Page 36: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ABORDAGEM DAS CAPACIDADES: … · Amartya Sen, economista indiano e ganhador do prêmio Nobel de economia, defende a liberdade como fator imprescindível

36

SEN, A. K. Ingredientes of Famine Analysis: Availability and Entitlements. The Quartely

Journal of Economics. Vol. 96. Nº 3. Ago/1981. P.433-464.

_______. From income inequality to economic inequality. Southern Economic Journal. V.

64. Nº 2. Out-1997.

_______. Amartya Sen – Biographical. 1998. Disponível em: <http://www.nobelprize.

org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1998/sen-bio.html>. Acesso em: Mar/2014.

_______. Sobre Ética e Economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

_______. Desigualdade reexaminada. Tradução Ricardo Doninelli Mendes. 2. ed. São

Paulo: Editora Record. 2008. 297 p.

_______. A Ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

_______. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010a.

_______. As pessoas em primeiro lugar. São Paulo: Companhia das Letras, 2010b.

_______. The art of medicine: Learning from others. Vol. 377. Jan/2011.

SILVA, A. M. R. da; NEDER, H. D. Abordagem das capacitações: um estudo empírico sobre

pobreza multidimensional no Brasil. Conferência Latino Americana e Caribenha sobre

Abordagem das Capacitações e Desenvolvimento Humano. Porto Alegre: PUCRS. 2010.

SINGER, H. W. A mecânica do desenvolvimento econômico. 1952. In: AGARWALA, A. N.;

SINGH, S. P. (Org.). A economia o subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto:

Centro Internacional Celso Furtado, 2010.

VINER, J. A economia do desenvolvimento. 1953. In: AGARWALA, A. N.; SINGH, S. P.

(Org.). A economia o subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro

Internacional Celso Furtado, 2010.