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Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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DIVERSIDADE DOS CARISMAS
Estudo sobre a mediunidade, dividido em 3 partes: problemas do mdium
em potencial, animismo (manifestaes do esprito do prprio sensitivo) e
mediunidade propriamente dita. A abordagem integra teoria e prtica. O
autor relata um estudo de caso e confronta casos cientificamente
estudados, citando autores espritas e inclusive no-espritas com o
objetivo de enriquecer, ilustrar e formular suas hipteses
Biografia do autor:
http://www.espiritnet.com.br/Biografias/biohermi.htm
Obras publicadas:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Herm%C3%ADnio_Correa_de_Miranda
(este link tem que ser copiado e colado na barra de endereos)
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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Sumrio INTRODUO .................................................................................................................................... 5
CAPTULO I - O MDIUM: ECLOSO, DESENVOLVIMENTO E EXERCCIO DE SUAS FACULDADES
............................................................................................................................................................ 9
CAPTULO 2 - MINIBIOGRAFIA ....................................................................................................... 23
CAPTULO 3- ANIMISMO ................................................................................................................ 88
CAPTULO 4 - INTERAO ANIMISMO/MEDIUNIDADE .............................................................. 103
CAPTULO 5 - DESDOBRAMENTO ................................................................................................. 150
CAPTULO VI - DESDOBRAMENTO COMO PRECONDIO DO TRABALHO MEDINICO ....... 180
CAPTULO 7 CONDOMINIO ESPIRITUAL .................................................................................... 202
CAPTULO 8- CLARIVIDNCIA ..................................................................................................... 214
CAPTULO 9- PSICOMETRIA .......................................................................................................... 241
CAPTULO 10 DJA VU ............................................................................................................... 267
CAPTULO 11 - MAU-OLHADO ..................................................................................................... 278
CAPTULO 12- O FENMENO DE EFEITO FSICO ......................................................................... 289
CAPTULO 13- MEDIUNIDADE ....................................................................................................... 301
CAPTULO 14 - AURA .................................................................................................................... 335
CAPTULO 15 - PSICOFONIA ........................................................................................................ 345
CAPTULO 16 - SEMIOLOGIA DA COMUNICAO ................................................................... 380
CAPTULO XVII - CANAIS DE COMUNICAO: CONTRIBUIO DOS AMIGOS ESPIRITUAIS.426
CAPTULO 18- DESENVOLVIMENTO ............................................................................................. 440
CAPTULO 19- O MDIUM EM AO .......................................................................................... 456
CAPTULO 20 - ATIVIDADES PARALELAS E COMPLEMENTARES ................................................. 478
CAPTULO 21- OS CARISMAS E A CARIDADE ............................................................................. 493
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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INTRODUO
Trs opes bsicas se colocam diante daquele que se
prope a escrever um estudo como este acerca da mediunidade:
1) a abordagem predominantemente terica, como a
adotada por Allan Kardec em O livro dos mdiuns;
2) o enfoque experimental caracterizado como depoimento
pessoal, do qual dispomos de bons exemplos em Recordaes da
mediunidade e Devassando o invisvel, de Ivonne A. Pereira; e
3) o tratamento integrado de ambos os aspectos, acoplando
teoria e prtica, segundo podemos observar em "Recherches sur Ia
mediumnit e Les apparitions materialises des vivants et des morts", de
Gabriel Delanne, ou, mais recentemente, nas obras da srie Andr luiz que
tratam especificamente do problema, como Mecanismos da
mediunidade e Nos domnios da mediunidade.
Cada uma dessas opes tem seus mritos e objetivos
prprios. Para este livro adotamos a terceira delas: um tipo de modelo que
se revelara satisfatrio em Dilogo com as sombras e em A memria e o
tempo, onde aspectos tericos ficaram embutidos em narrativas com
caractersticas de depoimento pessoal.
Com esse plano em mente, procuramos montar este trabalho
a partir de trs mdulos distintos, ainda que inseparveis em suas
implicaes e na interao de suas motivaes.
1 - O primeiro deles, destinado a documentar problemas
bsicos que o mdium em potencial, ou j em plena atividade, costuma
enfrentar;
2 - o segundo, para estudar mais atentamente aspectos
particulares do animismo; e, finalmente,
3 - o terceiro, no qual tomamos para anlise a mediunidade
em si mesma.
A distribuio dos fenmenos psquicos em duas categorias -
animismo e mediunidade - de mera convenincia da metodologia
expositiva, que no lhe tira a condio de classificao arbitrria. Isso
porque no h entre as duas categorias absoluta nitidez de fronteiras.
Ainda que seja, teoricamente, mais freqente o fenmeno anmico puro,
isto , sem interferncias de entidades desencarnadas, suspeitamos,
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inferimos ou sabemos que, em larga faixa percentual de eventos, ocorre
ou pode ocorrer participao de seres desencarnados.
J o fenmeno medinico no acontece sem o componente
anmico, que da essncia do processo. Para suas manifestaes, os
espritos precisam de certa espcie e quantidade de energia de que
somente o ser encarnado dispe. A comunicao entre as duas faces da
vida, ou seja, entre espritos (desencarnados) e seres humanos
(encarnados), transita por uma ponte psquica que tem de apoiar uma
cabeceira na margem de l do abismo e a outra no lado de c, onde
vivemos ns.
Insistimos, pois, em declarar que a classificao simples
convenincia metodolgica e no deve ser tomada com rigidez
exclusivista.
Quanto ao mais, o enfoque fundamental do livro consiste em
estudar as faculdades do esprito humano em ao, tanto quanto
possvel, da tica do prprio sensitivo, de vez que ele o laboratrio vivo
no qual se processam os fenmenos sob exame.
Estaria equivocada, no obstante, a concluso de que o livro
se destina somente aos mdiuns em geral, aos dirigentes e aos que militam
em centros e grupos espritas como participantes de trabalhos medinicos.
Ao contrrio, o tema de vital importncia para um espectro de pessoas
muito mais amplo do que poderamos suspeitar primeira vista. que os
fenmenos da natureza anmica e medinica no ocorrem apenas a
horas certas, com determinadas pessoas, nos crculos fechados do
espiritismo prtico, mas a todo momento, por toda parte, com todo
mundo. No estarei exagerando ao dizer que acontecem com maior
freqncia na rua, no lar, na escola, no local de trabalho, do que
propriamente na intimidade dos ncleos espritas. A mediunidade no
propriedade do espiritismo e, sim, como fenmeno natural, um dos
mltiplos aspectos da prpria Vida.
Poucos estudos, em verdade, oferecem to denso contedo
humano como o da mediunidade. Quer estejamos de um lado ou de
outro da vida, como encarnados ou desencarnados, ela sempre o
instrumento de intercmbio instalado estrategicamente entre os dois
planos da existncia.
Alto preo em angstias, decepes e desequilbrios
emocionais e mentais, perfeitamente evitveis, pago a cada instante
em conseqncia da desoladora ignorncia em torno da problemtica
da mediunidade fora do contexto doutrinrio do espiritismo. E no poucos
desajustes srios ocorrem no prprio meio esprita, no qual o
conhecimento inadequado, insuficiente ou distorcido acaba resultando
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em problema mais grave do que a ignorncia que busca informar-se de
maneira correta.
Seja como for, porm, no h como negar que o maior
interessado no estudo da mediunidade o prprio mdium. Da o esforo
em colocar-me, tanto quanto possvel, junto dele. Pretendi ver com os
olhos dele, sentir com sua sensibilidade, aprender com os fenmenos que
lhe ocorrem, descobrir com ele os caminhos percorridos e a percorrer. ..
a nica maneira vlida, no meu entender, de preparar-se algum para
ajudar, com observaes prticas e tericas, Outros mdiuns em
potencial na difcil escalada, visando ao exerccio adequado de suas
faculdades.
A mediunidade no doena, nem indcio de desajuste
mental ou emocional - uma afinao especial de sensibilidade. Como
na msica, somente funciona de maneira satisfatria o instrumento que
no apresenta rachaduras, cordas arrebentadas, desafinadas ou
qualidade duvidosa.
No nada fcil pessoa que descobre em si os primeiros
sinais de mediunidade encontrar acesso ao territrio onde suas faculdades
possam ser entendidas, identificadas, treinadas e, finalmente, praticadas
com proveito para todos. O mdium precisa de recolhimento para o
exerccio de suas atividades, mas no deve ser um trabalhador solitrio.
Ele necessita de todo um sistema de apoio logstico, de uma estrutura que
lhe proporcione as condies mnimas que seu trabalho exige.
Pea decisiva nesse contexto o grupo incumbido de
trabalhar mais diretamente junto dele. Exige-se dessas pessoas no
apenas um bom preparo doutrinrio e experincia, como outros atributos,
de maturidade e sensibilidade, que lhes permitam posicionar-se como
amigos e companheiros de trabalho e no como chefes, mestres, gurus ou
proprietrios do mdium. E que no se deixem fascinar pela eventual
espetaculosidade dos fenmenos ou pelo teor de 'revelaes' de
autenticidade duvidosa, ao gosto de alguns companheiros
desencarnados. Isto quer dizer que no apenas o instrumento tem de estar
afinado e em bom estado, mas harmonicamente integrado na orquestra
em que atua.
Sou grato mdium cujo nome escondi sob o pseudnimo de
Regina, pelo rico material que generosamente colocou minha
disposio, e pela sua insistncia comigo em escrever mais este trabalho
que, pensava eu, no estaria na minha programao (Estava!). Sem o
toque pessoal que suas vivncias emprestaram ao nosso estudo, o livro
teria recado facilmente na aridez da teorizao especulativa.
Tal gratido estende-se aos inmeros autores consultados no
processo de concepo e elaborao deste trabalho, a partir de O livro
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dos mdiuns, de Allan Kardec, generosa e fecunda matriz de tudo quanto
se tem feito no estudo criterioso das complexidades do tema. Constam da
bibliografia aqueles que mais contriburam para reduzir espaos na minha
ignorncia, iluminando e ampliando faixas no territrio explorado.
Devo agradecer tambm aos autores dos quais me senti
impelido a discordar, nesse ou naquele aspecto. Eles costumam ter
importante contribuio a oferecer, de vez que at mesmo a divergncia
pode ser criativa, no sentido de que tem algo a ensinar-nos quanto
melhor definio de conceitos que, de outra forma, talvez
permanecessem vagos ou ignorados por ns.
Cabe, finalmente, uma palavra de gratido aos amigos
espirituais que, no seu modo discreto, silencioso, amoroso e competente,
sempre acompanham todo o difcil processo de elaborao dos meus
(meus?) escritos, desde a germinao da idia original at o
aparecimento do livro nos catlogos, vitrines, estantes e, finalmente, em
suas mos, leitor, pois este o destino deles.
Em Dilogo com as sombras, examinamos o problema da
doutrinao; em A memria e o tempo, abordamos o da regresso de
memria; em Diversidade dos carismas, o tema amediunidade. No
estarei recorrendo falsa modstia se confessar, humildemente, que
somente percebi que havia escrito uma trilogia aps contempl-la pronta,
na perspectiva que a objetividade ento me concedeu.
Se as observaes e experincias contidas nestas pginas
forem de utilidade a algum, sentir-me-ei encorajado a me apresentar,
um dia, aos meus queridos mentores como aquele obreiro - de que falou
Paulo a Timteo (II Timteo 2,15) - que no "tem de que se envergonhar"
do trabalho realizado. O leitor prestou ateno? O severo apstolo dos
gentios entende que j estaremos bem se nossa modesta obra, seja ela
qual for, no nos causar vexames. Quanto ao orgulho, nem pensar... Afinal
de contas, orgulhar-se de qu?
Hermnio C. Miranda
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CAPTULO I - O MDIUM: ECLOSO, DESENVOLVIMENTO E EXERCCIO DE
SUAS FACULDADES
1. LONGA E OBSTINADA VIGLIA
No dava mais para esperar. Sucediam-se as perplexidades e
a moa estava ficando confusa no meio de todos aqueles estranhos
fenmenos que ocorriam com ela e sua volta. Sabia, agora, que o
espiritismo tinha um nome adequado para isso: mediunidade. Ela era,
portanto, uma pessoa dotada de faculdades medinicas. Vira isso em um
livro bsico e elementar que lera de um s flego. E da? Que caminho
escolher entre as diversas alternativas? A quem recorrer? Com quem se
esclarecer e se orientar? Como aprender a se utilizar corretamente
daquele potencial que no conseguia entender ou controlar?
Uma crnica de jornal, que lera ainda h pouco, dizia
maravilhas de um grupo-padro medinico que funcionava sob
responsabilidade de respeitvel instituio. Estava ali a sua oportunidade,
pensou. Recortou a crnica, disposta a falar pessoalmente com o seu
autor. A providncia inicial, portanto, consistia em localiz-lo, ligou para a
instituio, to animada pela esperana quanto ingnua e inexperiente. A
pergunta foi direta e objetiva: o que era necessrio fazer para qualificar-se
como freqentadora do grupo? A resposta foi educada, mas firme: o
grupo era fechado e seleto. No admitia ningum, a no ser por escolha
e convite, mediante critrios inquestionveis. Alm disso, informou a voz ao
telefone, o grupo era interditado s mulheres. S homens poderiam
freqent-lo.
No pouco que lera sobre a doutrina esprita, nada encontrara
que distinguisse o trabalho dos que se encarnam como homens daqueles
que optam pela encarnao feminina. Alis, o termo esprita, escolhido
para identificar o adepto do espiritismo, a partir de termo semelhante na
lngua francesa (spirite), o que se chama um adjetivo de duplo gnero,
ou seja, tanto serve para emprego feminino quanto masculino. Diz-se que
uma senhora esprita da mesma forma que um homem esprita.
O substantivo esprito, por sua vez, no tem feminino. Seja
homem ou mulher, o termo que identifica o ser o mesmo - esprito. No
existe esprito para seres masculinos e esprita para seres femininos, mesmo
porque, segundo consta nas obras bsicas, o esprito no tem sexo.
Entendiam os dirigentes do grupo, ou a tradio ali adotada,
no se sabe por que razes, que a bisonha postulante era uma esprita
(feminino) e no devia freqentar reunies abertas apenas aos espritas
masculinos.
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Enfim, no lhe cabia discutir o critrio. E nem adiantaria faz-
lo. Deviam ter suas razes para assim proceder. O outro obstculo que
interditava sua admisso no grupo era compreensvel, embora, em sua
inexperincia, ela no o tenha considerado impeditivo. O trabalho
medinico srio exige, de fato, ambientes reservados, severos padres de
disciplina, afinidades entre seus diversos membros, assiduidade e inmeros
outros componentes, como tivemos oportunidade de estudar em Dilogo
com as sombras, no qual o assunto tratado de maneira especfica.
Em suma: a moa no podia ser admitida no grupo-padro
por duas indiscutveis razes. Restava-lhe apelar para a ltima alternativa:
como falar com o autor da crnica que tantas esperanas suscitara em
seu esprito?
Isto era mais fcil. ( Ou no era? ) Ele costumava freqentar as
reunies de carter administrativo, aos sbados. A que horas? Tinha por
hbito chegar mais cedo, bem antes da hora marcada para a reunio,
programada para o incio da tarde.
Eis porque naquele sbado, pela manh, a moa partiu do
bairro distante rumo instituio. Tinha de falar pessoalmente com aquela
pessoa que encarnava, agora, suas esperanas de encontrar um rumo
que lhe permitisse ordenar o verdadeiro emaranhado de dificuldades em
que se metera em conseqncia de toda a fenomenologia que a
inquietava e comeava a assust-la.
Chegou s dez horas da manh, subiu as escadas,
apresentou-se, fez perguntas, exps suas intenes e pretenses. E ficou
ali, sentada, aguardando o cronista salvador que, infelizmente, no
compareceu reunio do dia.
Voltou a fazer perguntas. Queria saber, agora, a quem
deveria dirigir-se para obter as informaes de que tanto necessitava para
dar um rumo certo sua vida. Sugeriram-lhe que falasse com o dirigente
da instituio.
Nova espera.
A essa altura eram duas horas da tarde.
Finalmente chegou o dirigente, acompanhado de um grupo.
Ela se levantou e pediu ao informante de sempre para indicar a pessoa, e
abordou-a. Nova decepo. Lamentavelmente, disse ele, no poderia
atend-la no momento, pois j estava atrasado para a reunio.
Concordaria em falar com ela depois de terminada a reunio? Isto sim,
era possvel, arrematou ele, subindo as escadas que levavam,
provavelmente, sala de reunies.
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Havia agora duas necessidades pessoais a atender: a fome
espiritual e a material. Uma podia esperar um pouco mais; a outra, no. A
moa desceu, foi rua, fez um lanche e voltou sua viglia, disposta a
no arredar p dali sem ter falado com algum acerca de seus anseios
espirituais.
A reunio s terminou s seis horas. O dirigente no escondeu
sua surpresa ao encontrar a moa ainda ali, esperando pacientemente.
Imaginara, portanto, que sua atitude inicial a levaria ao
desencorajamento. Levou -a para uma sala, onde sentaram -se, e ela
exps suas aspiraes. Ele escreveu uma pequena apresentao dirigida
ao presidente de um centro esprita de sua confiana.
A essa altura, j anoitecia e a moa precisava voltar para
casa.
2. PRIMEIROS PASSOS
No alcanara, certo, nenhum dos seus propsitos iniciais,
mas, ao cabo de um dia inteiro de expectativa e obstinao, conseguira,
pelo menos, sair dali com um tmido raio de esperana materializado na
carta que, como chave mgica, deveria abrir uma porta e pela qual ela
esperava penetrar naquele universo diferente e um tanto secreto, onde
suas faculdades seriam, afinal, cultivadas e postas a servio de uma causa
nobre.
Na segunda-feira seguinte, noitinha, partiu em busca do
endereo indicado. Entregou a carta ao seu destinatrio, que a leu e
mandou-a sentar-se e assistir aos trabalhos da noite, que alis no eram
de natureza medinica, mas uma palestra a ser proferida por um homem
que ela conhecia apenas de nome.
Muitos problemas teria ali, na difcil fase de adaptao que se
seguiria, mas isto ainda era futuro, impenetrvel at mesmo s suas
faculdades premonitrias.
Aquela noite, contudo, ficou marca da para sempre em sua
memria por um verdadeiro sismo emocional, que a colocaria em estado
de intensa agitao ntima e lhe deixaria uma seqela de muitos conflitos.
que, no orador da noite, ela identificou a figura central de suas vidncias
e sonhos, durante os quais cenas emocionantes eram revividas com toda
a intensa carga emocional que nelas se depositara. Era ele o homem
amado do passado, companheiro de muitas vidas, de felicidade,
algumas, de frustraes e de tormentos, outras.
Naquela altura, porm, estava de partida para os Estados
Unidos, para onde seguiu, pouco depois, em viagem de estudos. Somente
ao retornar, meses depois, voltou a procurar o centro que lhe fora
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indicado sob circunstncias to complexas para ser orientada no trabalho
que esperava realizar.
Longe de ter chegado ao termo das suas dificuldades - disto
ela saberia mais tarde -, elas apenas comeavam. Se lhe fora exigida uma
cota to elevada de tenacidade e deciso apenas para que lhe
indicassem um caminho, seria agora necessrio acrescentar pacincia e
at humilde resignao sua obstinao em servir da maneira adequada
causa que desejava adotar.
certo que o centro, ao qual fora encaminhada, dispunha de
boa estrutura administrativa, desempenhava importantes tarefas de
natureza social, doutrinria e medinica. E como era de se esperar,
desenvolvera severos padres de disciplina e de metodologia para cada
setor de atividade, o que perfeitamente compreensvel e at desejvel.
Como realizar um trabalho srio numa comunidade movimentada e bem
freqentada sem regimentos adequados e normas apropriadas de
procedimento? Cada um tem de saber o que deve fazer e precisa dar
conta da parte que lhe toca no conjunto.
O problema que a tarefa medinica tem peculiaridades
que no se deixam enquadrar na rigidez de certos esquemas inibidores.
Claro que seu exerccio precisa obedecer a uma disciplina operacional
suficientemente severa para coibir desvios e ficar ao abrigo de influncias
negativas prprias do mdium ou provocadas por terceiros. Mesmo nos
limites de tal rigidez, necessrio deixar algum espao para que cada
mdium possa movimentar seus recursos e faculdades pessoais, bem
como expressar, de maneira adequada, a personalidade do eventual
comunicante desencarnado.
Sob esse aspecto, quase se poderia dizer que no h
mediunidade e sim mdiuns.
A mediunidade a expresso da sensibilidade do mdium,
seu instrumento de trabalho, e, como faculdade humana, guarda
caractersticas pessoais, como o modo de caminhar, o tom da voz, a
impresso digital, o feitio e ordenao da letra, o temperamento de cada
um. Precisa ser disciplinada sem ser deformada, respeitando-se o contexto
da personalidade humana no qual ela ocorre. desastroso tentar impor
condies inaceitveis s suas manifestaes.
Esse equvoco de abordagem ocorre com grande parte dos
cientistas que em suas pesquisas procuram impor fenomenologia
psquica em geral, e mediunidade em particular, padres e
metodologia de trabalho totalmente inadequados, que na maioria das
vezes frustram o processo de observao e produzem resultados
insatisfatrios. Quem se dispe a trabalhar com fenmenos produzidos
pelo psiquismo humano deve se preparar para respeitar as regras do jogo,
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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decidindo, antes, que tipo de metodologia aplicvel ao estudo que
pretende realizar. Se no existe, precisar cri-la; e antes de experimentar
os fenmenos em si, testar a prpria metodologia desenvolvida para a
pesquisa. Isso porque se torna imperioso deixar espao e condies para
que o fenmeno se produza to espontaneamente quanto possvel, ainda
que sob condies de controle observacional. O cientista, tanto quanto o
dirigente de trabalhos medinicos, deve ser um bom observador, dotado
de esprito crtico alertado, e ter o bom senso de interferir o mnimo possvel
- apenas o suficiente para ordenar a sequncia de tarefas e coordenar as
atividades que se desenrolam sob suas vistas. Deve, portanto, ser um
observador participante, certo, mas nunca inibidor, pois ele est ali
precisamente para fazer com que as coisas aconteam e no para
impedi-las ou for-las a ocorrerem da maneira exata pela qual ele
entende que devam ocorrer.
No muito diferente desta a maneira de pensar de Andr
luiz, expressa em Evoluo em dois Mundos, (Xavier, Francisco C./luiz,
Andr 1973) onde se l:
Eminentes fisiologistas e pesquisadores de laboratrio
procuraram fixar mediunidades e mdiuns a nomenclaturas e conceitos
de cincia metapsquica; entretanto o problema, como todos os
problemas humanos, mais profundo, porque a mediunidade jaz adstrita
prpria vida, no existindo, por isso mesmo, dois mdiuns iguais, no
obstante a semelhana no campo das impresses ..., logo a seguir,
adverte Andr luiz que at mesmo 'espiritualistas distintos', que se julgam
autorizados a apelar para os riscos da mediunidade - a fim de impedir-lhe
a ecloso e, por conseguinte, os servios que pode prestar - esto sendo
influenciados por via medinica, traduzindo "interpretaes particulares de
inteligncias desencarnadas que os assistem". Ou seja, esto atuando
como inconscientes joguetes de vontades estranhas sua.
Os mdiuns so sensveis no apenas aos seres
desencarnados, mas tambm s presses e sentimentos, mesmo no-
expressos, das pessoas encarnadas que os cercam durante o trabalho.
Harry Boddington (The University of spiritualism), ao qual estaremos
recorrendo com alguma freqncia neste estudo, acha at que os
mdiuns so mais sensveis s presses dos encarnados do que s dos
desencarnados.
"Extrema elasticidade" - escreve o competente autor ingls -
"deve ser adotada na aplicao de todas as teorias relativas aos
fenmenos psquicos."
Isto no quer dizer, obviamente, que o mdium possa e deva
fazer ou permitir que se faa com ele tudo o que vier sua cabea ou
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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do manifestante, mas preciso garantir condio suficiente para que o
fenmeno ocorra dentro da dinmica que lhe prpria.
Esse princpio vlido para qualquer grupamento de pessoas,
at mesmo quando reunidas para finalidades meramente sociais ou de
trabalho material, estudo, debates, ou o que seja. Pessoas agressivas,
amarguradas, mal-humoradas, pouco educadas causam transtornos em
qualquer reunio, o que no ocorre quando os componentes de um
grupo se harmonizam, respeitam-se mutuamente e debatem os problemas
com serenidade e bom senso, ainda que divergindo neste ou naquele
aspecto.
3 . PASSIVIDADE
No caso do centro, no qual a moa tentava integrar-se para
participar das tarefas coletivas ali desenvolvidas, havia um rgido padro
de comportamento medinico. Nada da elasticidade recomendada por
Boddington e que constitui um dos prprios ingredientes do fenmeno
medinico em si, de vez que cada mdium tem suas peculiaridades,
precisamente por ser uma personalidade autnoma. Sem nenhuma
experincia de trabalho em conjunto, a nossa jovem entrou assim para um
grupo no qual predominavam muitas 'regras' inibidoras.
Nas sesses ditas de desobsesso, exigia o padro ali adotado
que ela 'desse passividade' exatamente como os demais mdiuns
treinados pela casa: imvel, olhos fechados, mos juntas e abandonadas
tranqilamente sobre a mesa. Nenhum gesto era permitido durante a
manifestao, nenhuma palavra em tom mais alto, nenhuma forma de
movimentao do corpo, dos membros ou da cabea.
Acontece que a mediunidade da nossa jovem tinha seus
mtodos operacionais prprios, o que vale dizer: eram diferentes dos que
ali se praticavam. Embora disciplinada, sem manifestaes ruidosas ou
palavras descontroladas, ela gesticulava moderadamente e mantinha os
olhos abertos, dando enfim expresso e naturalidade s suas
manifestaes.
Agia acertadamente a meu ver, permitindo que o esprito
manifestante pudesse expressar-se convenientemente, dizer enfim ao que
veio e expor sua situao a fim de que pudesse ser atendido ou, pelo
menos, compreendido nos seus propsitos. Se ele vinha indignado por
alguma razo - e isto quase que a norma em trabalhos dessa natureza -,
como obrig-lo a falar serenamente, com a voz educada, em tom frio e
controlado? Somos ns, encarnados, capazes de tal proeza? No
elevamos a voz e mudamos de tom nos momentos de irritao e
impacincia? Como exigir procedimento diferente do manifestante e do
mdium? Afinal de contas, se a manifestao ficar contida na rigidez de
tais parmetros, acaba inibida e se torna inexpressiva, quando no
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inautntica, de to deformada. Em tais situaes, como se o mdium
ficasse na posio de mero assistente de uma cena de exaltao e a
descrevesse friamente, em voz montona e emocionalmente distante dos
problemas que lhe so trazidos. preciso considerar, no entanto, que ali
est uma pessoa angustiada por presses ntimas das mais graves e
aflitivas, muitas vezes em real estado de desespero, que vem em busca de
socorro para seus problemas, ainda que no o admita conscientemente.
No uma vaga e despersonalizada entidade, uma simples abstrao,
mas um esprito que se manifesta. um ser humano, vivo, sofrido,
desarvorado, que est precisando falar com algum que o oua, que
sinta seu problema pessoal, que o ajude a sair da crise em que mergulhou,
que partilhe com ele suas dores, que lhe proporcione, por alguns
momentos, o abrigo de um corao fraterno. O mdium frio e com todos
os seus freios aplicados manifestao no consegue transmitir a
angstia que vai naquela alma. um bloco de gelo atravs do qual no
circulam as emoes do manifestante, a pungncia de seu apelo, a nsia
que ele experimenta em busca de amor e compreenso. Nenhum
problema maior, naquele instante, para o manifestante do que o seu,
nenhuma dor mais aguda do que a sua. Dizamos h pouco que a
mdium permitia que o manifestante se expressasse a seu modo, mas, a
rigor, ela simplesmente no sabia trabalhar de outra maneira. A entidade
parecia assumir seus comandos mentais e utilizar-se, com naturalidade, de
seu corpo fsico. Se havia alguma ao inibidora ou controladora da parte
da mdium, era em nvel de conscincia extrafsica. E, certamente, era
isso que se dava, pois nunca houve qualquer distrbio ou excesso nas
manifestaes que ocorriam por sua intermediao.
No entanto, o dirigente exigia que o mdium transmitisse tudo
na rgida postura de um rob, que leva a palavra de um lado para outro,
mas no admite que se filtrem, tambm, as emoes que elas contm e
que as impulsionam.
Quando isso ocorre, o que chega ao dirigente ou doutrinador
no aquilo que partiu do manifestante e, sim, a verso pasteurizada e
impessoal que o mdium lhe transmitiu, como se fosse um mero (e infiel)
telefone. O esprito nem consegue sentir, no ser que utiliza como
instrumento, um pouco de empatia, de solidariedade, de fraternidade, de
emoo participante, de calor humano.
nisso que resulta a excessiva e to decantada passividade ...
E para esse tipo de passividade nossa jovem no estava
preparada. Da os problemas com os mtodos da casa e, obviamente,
com os dirigentes do trabalho.
4. IDENTIFICAES INDESEJVEIS
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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Mas havia outros aspectos, como o da psicografia, por
exemplo. No somente ali, mas em outros grupos que ela iria freqentar
mais tarde.
Logo nos primeiros tempos de trabalho no centro, ela
comeou a receber textos psicografados. Sem imaginar que aquilo
pudesse criar-lhe alguma dificuldade - a regra no era precisamente a de
'dar passividade'? -, o esprito encerrava as mensagens com sua
assinatura, procedimento naturalssimo e rotineiro. O problema que
surgiam nomes considerados como verdadeiros Tabus, tidos como
privativos, exclusivos de determinados mdiuns, como se fossem
propriedades de tais mdiuns. S atravs de determinados medianeiros,
mensagens de certos espritos eram confiveis e aceitveis.
Tal procedimento choca-se, alis, com a prtica adotada e
preconizada pelo codificador, que exatamente nos pontos mais delicados
e controversos gostava de testar a informao dos espritos com diferentes
mdiuns. Vemos em O evangelho segundo o espiritismo e em Obras
pstumas mensagens do prprio mentor do espiritismo, o Esprito de
Verdade, produzidas por diferentes mdiuns, em locais tambm diversos.
Ali naquele centro, contudo, era um deus-nos-acuda quando
o manifestante encerrava sua pgina com certos nomes-tabus, com os
quais nem a jovem mdium estava familiarizada, como Bezerra de
Menezes, Auta de Souza e outros. Novata no movimento esprita, ela no
tinha a menor idia do que representavam tais nomes. Bastava-lhe saber
que as mensagens estavam corretamente formuladas, do ponto de vista
doutrinrio, e eram acatadas com agrado pelos seus ouvintes e leitores,
depois de recebidas nas reunies pblicas. Passavam at pela crtica
atenta dos dirigentes do grupo, que nada tinham a objetar nelas quanto
ao contedo ou forma. O nico problema era mesmo o de que ela "no
podia, como mdium iniciante", receber mensagens assinadas por
entidades que lhe eram desconhecidas, mas consideradas importantes
demais para a insignificncia da jovem mdium.
E isso em nada contribua para torn-la mais confiante. Pelo
contrrio, ia ficando cada vez mais confusa e insegura, cultivando
inibies de difcil erradicao que, por pouco, no paralisam sua
florescente mediunidade. Ante esses inesperados problemas, ela ficava
sem saber como proceder nas situaes medinicas de que participava.
Como fazer, por exemplo, para que o esprito no assinasse a
comunicao?
5. COMPORTAMENTO PADRONIZADO
Enquanto isso, agravava-se tambm, a presso do grupo
sobre suas manifestaes psicofnicas, chamadas de incorporao. Sua
mediunidade operava por desdobramento - ela se via fora do corpo
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fsico; o manifestante aproximava-se e assumia seus controles mentais, sem
tumultos ou excessos. Eram normais as manifestaes, sem gritos, sem
palavras inconvenientes, sem atitudes de agressividade ou descontrole. A
entidade conseguia, contudo, expressar adequadamente sua
personalidade e seus conflitos, modulando a voz segundo suas emoes,
e gesticulando moderadamente e com naturalidade. O problema, porm,
que elas no 'aceitavam' prontamente a 'doutrinao' dos dirigentes
incumbidos de lhes falarem. No se sujeitavam passivamente esperada
obedincia e concordncia. Elas discordavam, contestavam,
expressavam suas prprias idias e pontos de vista, bem como a
intensidade de suas emoes e convices.
Isso era desastroso para a pobre e aturdida mdium.
Terminadas as reunies, ela era chamada parte para nova sesso de
'doutrinao', dessa vez dirigida especificamente mdium. Coisas como
estas: se o mdium no rouco ou gago, o esprito no pode falar com
voz rouca ou gaguejar; se o mdium mulher, no se admite que o
esprito fale com voz grave de homem. E nada de gestos ou
movimentao do corpo, dos membros ou da cabea. E nada de olhos
abertos. E no podia ela permitir que o tom de voz se elevasse e que a
entidade 'respondesse' ao doutrina dor, com sua cota de contestao.
Mas, senhor, o esprito no estava ali precisamente para ser tratado,
entendido, compreendido e, se possvel, convencido a mudar de rumo?
Se ele se comportasse dentro dos padres rgidos da casa, aceitasse
prontamente os argumentos ou as imposies dos dirigentes, concordasse
com tudo e se portasse como um cavalheiro ou uma dama de esmerada
educao, ento que viera fazer ali?
A moa ia ficando cada vez mais confusa e insegura.
Perguntava o que fazer para evitar que as coisas ocorressem daquela
maneira, indesejvel segundo os padres ali vigentes, mas a nica
'orientao' recebida consistia em dizer que "assim no pode ser", estava
encerrada a conversa !
Ademais, a pessoa que lhe fazia tais advertncias e lhe
transmitia tais 'instrues' tambm funcionava como mdium.
Obviamente, sua experincia medinica era diferente da dela, pois, como
vimos, a mediunidade, mesmo dentro da mesma chave classificatria,
tem seus matizes e peculiaridades individuais. O instrutor, no caso,
desejava o impraticvel, seno impossvel, ou seja, padronizar todas as
manifestaes medinicas pela sua, que operava de maneira consciente,
sem o que costumamos chamar de incorporao. Em outras palavras, ele
no sentia em toda a sua plenitude, a presena do manifestante e nem se
entregava a este para que o prprio esprito operasse seus dispositivos
medinicos, como no caso da moa. No que as manifestaes por seu
intermdio ficassem automaticamente sob suspeio, mas eram
diferentes, caractersticas de sua personalidade medinica.
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6. INSEGURANA
medida que se elevavam os ndices de presso sobre ela,
aumentava proporcionalmente sua insegurana. No exerccio da
psicografia, tentava conscientemente ou inconscientemente bloquear as
assinaturas, o que parece ter conseguido. Ou as prprias entidades
resolveram deixar de assinar para no lhe criar dificuldades? O certo
que as mensagens continuavam a vir, com textos aceitveis,
doutrinariamente boas, e sempre filtradas no crivo da crtica, como
convm, alis, mas sem assinaturas comprometedoras.
Contudo, medida que a mensagem ia chegando ao fim - a
mdium mantinha-se em estado semiconsciente -, era sempre um
momento de tenso e expectativa. Ela ficava nervosa, o corao
acelerado, preocupada, com medo do nome que pudesse ser grafado.
Nos trabalhos de psicofonia, ia para a mesa medinica
literalmente aterrada, com receio do que a entidade manifestante
pudesse dizer ou fazer. Evidentemente que essas emoes, temores e
angstias criavam um clima psicolgico negativo e inadequado s
manifestaes, o que contribua para agravar as tenses e a insegurana
da mdium. Mas, o que fazer? Como mudar a situao para a qual ela
no via remdios e no recebia instrues precisas de quem estava
incumbido de orient-la? Pois no procurara integrar-se no movimento
esprita precisamente para entender o que se passava com ela e como
canalizar suas faculdades para a tarefa do bem? Ser que estava sendo
rejeitada pelas estruturas do espiritismo e no admitia essa difcil e
incompreensvel realidade? Afinal de contas, desde que buscara o
primeiro contato com o movimento entrara em zona de turbulncia. E
continuava a voar em agitadas camadas atmosfricas, pondo em risco a
nave e sua nica tripulante. Ningum vinha dizer-lhe como controlar a
instrumentao que havia sido colocada sua disposio. Tinha,
obviamente, uma tarefa ali, mas como lev-la a bom termo se continuava
como que perdida, voando sem rumo, sem saber o que fazer ou, pelo
menos, como aterrissar? O teto era baixo, o vo cego e os horizontes
pareciam impenetrveis e ameaadores nas suas escuras tonalidades.
Longe de perceber qualquer sada para a luz, ela sentia que
voava para o centro de uma tormenta maior ainda do que aquela da
qual estava tentando escapar. que os problemas e dificuldades com os
dirigentes do grupo agravavam-se com a passagem das semanas. Se
antes os fenmenos eram incompreensveis, passaram a ser traumticos.
Ela sentia-se desequilibrada, emocionalmente instvel, temendo a prpria
mediunidade, o que suscitou nela um mecanismo bloqueador. Criou-se,
com isso, um crculo vicioso. Quanto maior seu esforo em conter as
manifestaes em busca do padro medinico predominante, mais as
coisas se complicavam e mais duvidosa parecia sua mediunidade aos
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que a policiavam de perto. Entendiam mesmo que suas faculdades
traziam vcios de origem, de difcil correo quela altura. Ao contrrio da
maioria dos mdiuns da casa, que ali mesmo haviam seguido um plano
de 'desenvolvimento' segundo os padres locais, a moa era mdium
espontneo, que se aproximara do grupo j pronta para o trabalho, com
algum conhecimento doutrinrio - e continuava a estudar assiduamente a
doutrina - e com experincia de anos de convivncia com extensa faixa
de fenmenos. A mediunidade era, a seu ver, uma faculdade natural,
espontnea, sem artifcios ou temores. Uma funo psicossomtica como
respirar, ver, falar, metabolizar os alimentos e assim por diante. Desenvolver
o qu? Modificar onde e por qu? E como? Pois no consistia o exerccio
da mediunidade em deix-la funcionar, com as precaues necessrias,
claro, mas permitir a ecloso do fenmeno? A crtica, o exame atento, o
debate, o aperfeioamento viriam logo aps o trabalho. Esse trabalho
educativo, no entanto, precisava ser conduzido com serenidade,
compreenso, sensibilidade e tato. Em qualquer atividade humana a
crtica desejvel, mas precisa ser inteligente, construtiva, sensata.
Isso ali no acontecia. Portanto, no houve condio de dar
continuidade ao trabalho a que ela se propunha. E, novamente, sentiu-se
ela desamparada e confusa ...
7 . Novos RUMOS E ESPERANAS
No se perdera, contudo, a confiana nos seres espirituais,
que aprendera a respeitar e a considerar como verdadeiros amigos. Se os
encarnados no estavam conseguindo ajud-la, por que no recorrer aos
desencarnados?
Lembrou-se do dr. Bezerra de Menezes, um dos nomes que lhe
causara inesperadas (e, certamente, involuntrias) dificuldades, quando
comeou a surgir nas comunicaes que ela psicografava. Seu nome era
tabu para ela, naquele contexto, mas no o esprito generoso que estava
ao alcance de sua mente. Decidiu, portanto, 'conversar' com ele na
intimidade do recolhimennto, como sugeriu o Cristo. Estava precisando de
socorro, e com urgncia, pois j sua mediunidade ameaava estiolar-se
completamente, na sufocao das presses que no entendia e no via
como contornar.
Enquanto orava e pedia ao dr. Bezerra que lhe mostrasse um
caminho, surgiu em sua tela mental, num fenmeno de vidncia com o
qual estava familiarizada, a imagem de uma pessoa qual ela deveria
procurar para expor seus problemas, pedir orientao e esclarecimento.
Foi recebida com dignidade, ouvida com ateno e teve
oportunidade de expor com franqueza seus problemas e dificuldades.
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Saiu desse primeiro encontro mais tranqilizada e com novas
esperanas, esperanas, que alis, se confirmaram depois, em novos
contatos para debate e busca de solues. Conseguiu reordenar suas
idias e emoes, em clima de franqueza, lealdade e respeito.
No devido tempo, organizou-se um novo e reduzido grupo. Ela
foi convidada e aceitou o encargo de colocar sua mediunidade a servio
dessa tarefa que iria prolongar-se por mais de uma dcada de fecundos
resultados e muitas alegrias.
Coube a mim, modesto escriba, relatar no apenas a histria
pessoal dessa moa, nas suas experimentaes com a mediunidade, mas,
principalmente, aproveitar o arcabouo da histria para fazer os encaixes
doutrinrios e as observaes que nos parecerem oportunas.
nosso desejo e esperana que o relato que se segue,
rigorosamente calcado numa realidade e que assume a responsvel
postura de um depoimento vivo, possa servir de inspirao e ajuda a
todos quantos se interessam fenomenologia medinica e anmica.
Pela sua relevante importncia no processo mesmo da
utilizao racional e proveitosa da mediunidade, destacamos, de incio, o
ponto crtico das primeiras tarefas em grupos nem sempre com preparo
adequado para receber os aspirantes ao nobre trabalho medinico.
Ao discorrer sobre a crtica ao trabalho medinico, escreve
Boddington:
A anlise ( ... ) essencial, mas tem de ser conduzida com
tato; do contrrio, poderemos sufocar, logo de incio, a prpria faculdade
que estamos desejosos de examinar. Essa a maior dificuldade. A mais
leve sugesto de fraude, consciente ou inconsciente, suficiente para
fazer recuar muitas almas sensveis, na fase inicial do desenvolvimento e,
at mesmo, liquidar (a faculdade) para sempre. (Boddington, Harry, 1949).
Encontramos advertncias semelhantes em outros autores
especializados. Colin Wilson, na obra The psychic detectives, por exemplo,
citando Hudson, adverte que as faculdades medinicas - ele prefere
caracteriz-las como "poderes psquicos":
... freqentemente evaporam-se, quando confrontadas com o
ceticismo. A mente subjetiva intensamente sugestionvel da porque a
mera insinuao de fraude leva -a a uma catstrofe nervosa. (Wilson,
Colin, 1984).
8. O MDIUM E O DIRIGENTE
Que os mdiuns so pessoas de sensibilidade mais aguada ,
sabemos todos. Ou no seriam mdiuns. E, por isso mesmo, mais sensveis
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tambm crtica, especialmente quando injusta, grosseira ou mal
formulada. imperioso, contudo, distinguir entre sensibilidade e melindre.
O mdium responsvel e interessado em dar o melhor de si mesmo
tarefa que abraou no apenas aceita a crtica construtiva e leal, como a
procura, desejoso de aperfeioar seu desempenho medinico. Melindres
ficam com os que no admitem a menor observao, a no ser o elogio,
o endeusamento, como se fossem infalveis instrumentos dos mais elevados
manifestantes. Vai uma diferena muito grande entre a anlise crtica
construtiva do trabalho realizado e a implicncia, a intolerncia, a
estreiteza de vistas e at o cime.
O dirigente equilibrado, sensato, experiente e seguro dos
aspectos tericos e prticos da mediunidade saber sempre distinguir
com clareza entre o mdium que est necessitando de reparos e
pequenas ou grandes correes, daquele que ouve, em atitude de
aparente humildade, mas no aceita qualquer reparo, por achar-se
envolvido em uma atmosfera de auto-suficincia e infabilidade que lhe
ser fatal, mais cedo ou mais tarde.
extremamente delicada a posio do dirigente responsvel,
nesse terreno. Tem ele de exercer toda sua ateno e bom senso tanto
para evitar que se perca ou se iniba um mdium que, a despeito de
pequenos (ou maiores) equvocos, tem condies de tornar-se eficiente
trabalhador, e para auxiliar aquele que pode, igualmente, perder-se pela
vaidade se o dirigente no tiver habilidade suficiente ou conhecimento
para convenc-lo dos seus equvocos. Convm reconhecer, ainda, que
h casos realmente 'irrecuperveis' de mdiuns iniciantes, ou mais
experientes, que se deixam envolver pela perniciosa convico da
infabilidade. Cabe, a, ao dirigente, admitir humildemente que no tem
condies de modificar o quadro. No lhe resta alternativa seno a que
costumam adotar os prprios espritos orientadores, ou seja, a de
abandonar o mdium assim contaminado pela vaidade aos seus prprios
recursos. No h como violentar seu livre-arbtrio nem como impedir que
ele assuma as responsabilidades pelo que fizer de si mesmo e das
faculdades que tenha recebido como instrumento de trabalho, a servio
do prximo.
Seja como for, os primeiros contatos de um mdium iniciante,
ou no qual a mediunidade acaba de ser 'diagnosticada', so altamente
crticos, nessa hora que muito se define do futuro. Se for acolhido com a
necessria compreenso e adequadamente orientado e instrudo, poder
chegar a ser excelente colaborador na tarefa para a qual,
evidentemente, veio preparado. Se mal recebido, tratado com
condescendente superioridade, aspereza, incompreenso e intolerncia,
ante as peculiaridades de suas faculdades, grande a responsabilidade
daqueles que no souberam ou no quiseram estender a mo, no
momento oportuno, ao que vem precisamente para ser ajudado a servir.
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No caso da moa de que trata este livro, pudemos observar
claramente que foi custa de impressionante obstinao e humildade
que ela conseguiu vencer as barreiras iniciais da rejeio. A reao
normal e esperada, numa pessoa tratada da maneira como ela o foi, seria
a do desencanto, da decepo, do abandono puro e simples da tarefa,
o que seria deveras lamentvel no apenas para ela como para todos
aqueles aos quais ela viria contribuir para que fossem ajudados ao longo
dos anos em que, afinal, conseguisse exercer, com equilbrio e
competncia, suas variadas faculdades.
Isto nos leva a pensar com uma ponta de angstia na
quantidade de pessoas programadas para o exerccio da mediunidade,
com responsabilidades e compromissos muito srios nessa rea to crtica,
que no conseguem vencer as primeiras dificuldades, derrotadas pelo
desencanto com as pessoas que deveriam estar preparadas para ajud-
las e encaminh-las ao trabalho to necessrio quanto redentor.
Isso sem contar os que nem sequer procuram os centros e os
grupos por inmeras e complexas motivaes pessoais injustificveis:
temor, preguia, orgulho, ignorncia, indiferena ou vaidade.
Pelo menos os que buscam o caminho certo, desejosos de
aprender e servir, que sejam recebidos com dignidade, com pacincia,
com amor. preciso ouvi-los com ateno, aconselh-los com serenidade
e competncia, ajud-los fraternalmente.
nessa fase inicial que se estabelece a diferena entre um
mdium equilibrado e devotado sua tarefa e aquele que recua,
desencanta-se, perde-se no emaranhado de suas decepes e nas
complexidades de fenmenos que no entende, entregando-se ao
exerccio desordenado de suas faculdades ou sufocando-as no
nascedouro, com imprevisveis prejuzos para si mesmo e para os outros.
Vimos, h pouco, no entanto, que este livro um relato de
uma histria pessoal, cuja estrutura set aproveitada para um estudo
informal da mediunidade. Precisamos, portanto, comear pelo princpio.
o que faremos a seguir.
Hermnio C. Miranda
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CAPTULO 2 - MINIBIOGRAFIA
1. INTRODUO
Antes de prosseguir, cumpre-me informar o leitor de que foi
necessrio, por bvias razes, preservar certas identificaes que nada
acrescentariam ao relato, bem como evitar informaes que resultassem
em constrangimento ou mesmo conflito com as pessoas envolvidas.
Estamos empenhados na elaborao de uma obra construtiva e nunca
na inglria tarefa da demolio.
Decidimos atribuir jovem referida no captulo inicial o nome
de Regina, pseudnimo que j havia sido por mim utilizado em A memria
e o tempo. O leitor encontrar nessa obra um relato sumrio de suas
experincias e de alguns dos fenmenos com ela ocorridos que dizem
respeito ao aspecto especfico da memria nas suas interaes com o
tempo. Para facilitar as coisas, faremos aqui um resumo, diramos
biogrfico, de Regina.
Ela dotada de uma memria realmente assombrosa, pois se
recorda com nitidez de seu batismo, com apenas algumas semanas de
vida na carne. J ali estava seu esprito perfeitamente lcido, consciente
da cena que se desenrolava sua volta: as pessoas, o ambiente e sua
participao na mesma. Desagradava -lhe sua incapacidade para
controlar o frgil e inseguro corpo fsico, com o qual no conseguia ficar
suficientemente ereta no colo da madrinha.
Mais desagradvel ainda foi o choque da gua fria,
derramada sobre sua cabea. O pior, contudo, fora o gosto horrvel do sal
e a repugnante sensao dos dedos do sacerdote forando a introduo
da substncia em sua boca. Com seis meses de idade, foi levada a uma
dessas quermesses paroquiais do interior. Ao passar, no colo da irm, por
uma barraquinha, viu uma linda bola colorida e desejou t-la. Sem saber
ainda como formalizar o desejo em palavras, estendeu as mos, tentando
agarrar a bola. Tudo em vo, pois a irm mais velha no percebeu o
gesto nem a frustrao da criana.
A memria ia mais longe e mais fundo ainda, porque, desde a
primeira infncia, comeou a exibir, em verdadeiros espetculos de video-
tape, imagens estranhas que s muito mais tarde iria saber tratarem-se de
ocorrncias de vidas suas anteriores.
Nascera em extrema pobreza, na zona rural do interior do
estado do Rio de Janeiro. Fora a ltima dos doze filhos do casal, dos quais
apenas seis sobreviveram.
Embora tivesse as alegrias normais da infncia pobre, mas no
miservel, no se sentia feliz. Muito cedo comeou a viver duas vidas
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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paralelas: uma, na casinha singela, de piso de terra batida e paredes de
pau a pique; a outra, num mundo to real quanto aquele, em luxuosos e
amplos ambientes, ricamente decorados e mobiliados, forrados de
tapetes e revestidos de cortinas imponentes, nas quais predominavam os
tons vermelhos e ouro, na imponncia do veludo que descia das alturas
at o assoalho. Em vez das majestosas camas daquele 'outro universo'
paralelo, ela dormia sobre duas tbuas de madeira apoiadas em rsticos
cavaletes, com uma esteira por cima - trabalho caseiro de seu pai.
Outras coisas incompreensveis eram a pele escura e o cabelo
caractersticos dos mulatos (o pai era branco, alfabetizado; a me, negra
e analfabeta). E apesar de tudo isso ela sabia, com toda a convico,
que era branca. Com freqncia, tentava raspar a pele do brao com as
unhas em busca da cor branca que tinha de estar ali, em algum lugar.
Quando corria pelos campos, sentia a cabeleira farta, ondulada, macia e
sedosa, saltando em torno dos ombros. Se a buscava, porm, com as
mos para acarici-la ou ajeit-la, dava apenas com o cabelo spero,
curto e rijo. Afinal de contas, o que acontecera aos seus cabelos e sua
pele? Por que estava ali a esquisita cabeleira que no era,
definitivamente, a sua? Onde estaria seu bonito e farto cabelo?
Criada no catolicismo pela me devota, rezava com todo o
fervor infantil a Nossa Senhora das Graas, pedindo o milagre da
recuperao de seus belos cabelos longos e da sua pele alva de outrora.
Adormecia cheia de esperanas, ainda enxugando as ltimas lgrimas.
Mas tudo em vo! Pela manh, procurava com as mos ansiosas os
cabelos derramados sobre o travesseiro e no os encontrava ... e a pele
continuava escura, como sempre, e nada conseguiu clare-la.
Sobrava-lhe tempo para tais especulaes e vidncias, pois
ainda no comeara a freqentar a escola.
Alm do mais, sentia terrvel falta de sua me. Ou seja, tinha
me, como todo mundo, mas sabia que aquela no era a sua. Sua me
de verdade era diferente. Essa que ali estava e cuidava dela e que os
outros diziam ser sua me era boa, por certo, amava-a no seu jeito rude,
mas era uma estranha. E, alm de tudo, era negra. A me verdadeira era
branca, carinhosa, beijava-a com freqncia e a pegava no colo. Aquela
ali no fazia nada disso.
Por isso tinha inexplicveis angstias, chorava sem motivo
aparente, sofria de indefinidas saudades, vagas, incompreensveis. Onde
estaria sua gente: seus pais, seus amigos, a casa rica, a famlia, enfim?
As dificuldades maiores eram com a me, em quem s
conseguia ver uma estranha mulher rude e sofrida, negra, a qual no se
sentia inclinada a amar. Com o pai, relacionava-se melhor; mas tambm
ele no era de muitos carinhos, embora lhe dedicasse mais ateno que
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a me. s vezes, a colocava no colo para faz-la adormecer, e ela, por
sua vez, chegava a fingir-se sonolenta somente para ganhar alguns
momentos de aconchego. Eram muitas as suas carncias, a nsia de
afeto, de ateno, de amor ... como se estivesse habituada a outra
espcie de relacionamento, o que lhe davam ali era muito pouco para
preencher seu imenso vazio interior. sua maneira, eram pessoas boas e
dedicadas, nos limites de suas modestas possibilidades e recursos
emocionais, mas ela no os via como pais e irmos de verdade, no eram
sua famlia, nem aquela era sua casa.
Por tudo isso, e mais, pela tendncia introverso, refugiava-
se na solido e soltava as asas da imaginao. Conversava com invisveis
personagens de suas vises. Os que assistiam quilo apenas concluam
que ela estava falando sozinha, coisa no muito rara em crianas de sua
idade - quatro a seis anos.
Alis, foi a pelos seis anos que lhe morreu o pai. Diz ela que
gostava muito dele, e acrescenta significativamente: "Ele era branco."
Como se a cor tivesse algo a ver com sua preferncia ... sofreu muito com
a sua inesperada partida. Alm do mais, naquela mesma noite, depois do
enterro, ela o viu. Ele mostrava-se aflito e lhe dizia que no estava morto e
que havia sido enterrado vivo. Provavelmente no percebera ainda que
se encontrava em uma condio diferente e ao presenciar o
sepultamento do corpo, concluiu que havia sido enterrado com vida. A
menina ficou muito angustiada, principalmente porque no conseguiu
convencer ningum a mandar desenterrar o pai, que estaria vivo embaixo
da terra. Disseram-lhe que era um sonho, apenas um sonho sem p nem
cabea.
Seguiu-se um perodo ainda mais difcil em sua curta
existncia. No s ele provia a maior parte dos recursos materiais de
sustentao da casa, como era a nica pessoa a ter certa compreenso
e pacincia com suas fantasias infantis. Inclusive a de Papai Noel! Embora
risse dela, ela sempre colocou seus humildes sapatinhos no lugar prprio, e
era certo encontrar neles algum presentinho singelo, na manh do natal.
Nunca soube, contudo, que fim levara seu brinquedo
preferido: um ursinho de pelcia marrom, com olhos de contas vermelhas.
Por certo, ficara perdido em alguma esquina do passado remoto, quando
fora rica, bela e feliz em algum ponto deste imenso mundo.
2. ALUCINAES?
Algum tempo aps a morte do pai, a famlia mudou -se para
um centro maior. Regina, mais crescida, continuava uma criana triste,
muito triste. Entraram num perodo de srias privaes, agravadas nela
pela sensao de exlio, de desajuste e de incompreenso. Era como se,
adormecida branca, linda, rica e feliz, acordasse de repente ali naquele
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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mundo estranho, numa casa feia e pequena, cercada de gente
desconhecida e, pior de tudo, num corpo que definitivamente no era o
seu.
As dificuldades se acentuaram com a adolescncia,
especialmente o desajuste com a famlia. No encontrava em seus
parentes ressonncia alguma para seus anseios sociais e emocionais. No
se importavam com o arranjo da casa, o cuidado com os mveis e
objetos, mesmo pobres. Ela ansiava pelo requinte. Queria a mesa bem
posta e forrada com toalhas de imaculado linho, os alimentos em
travessas apropriadas e, se possvel, algum para servir.
Problemas suscitados pelos preconceitos raciais tambm se
intensificavam. Embora ainda inconformada, fora forada a aceitar sua
pele e cabelos tal como eram. No havia como mudar a situao. Eram
fatos consumados, produzidos por motivaes desconhecidas e
misteriosas, mas imutveis. No admitia, contudo, ser cortejada por um
rapaz de cor. Decidira jamais casar-se para no passar adiante a herana
gentica, que considerava um verdadeiro estigma. A cor era como que a
marca visvel de uma vergonha, que cumpria sufocar e esquecer.
Longe de atenuar os problemas, a adolescncia os agravou.
O universo em paralelo tinha agora personagens to vivos quanto
qualquer outro de carne e osso. Sem saber ao certo o que se passava
com ela, a menina romntica vivia em toda a sua intensidade uma novela
de amor e devotamento. O objeto de sua ternura era um homem que
tambm a amava e a cercava de cuidados e atenes carinhosas, em
admirvel identidade de propsitos e entendimento. Ela via nele um ser
ideal e maravilhoso, o companheiro perfeito. Era compreensvel que, em
confronto com a spera existncia que levava no mundo material, aquela
outra face da realidade fosse a mais atraente. Para l, onde quer que se
situasse aquele universo paralelo, ela fugia com freqncia, para escapar
s angstias e presses do 'outro'. Ali era querida, tinha o conforto de uma
existncia protegida, na qual nada lhe faltava, nem mesmo (e
principalmente) o amor.
Quando as dificuldades pareciam insuperveis deste lado, ela
emigrava para o outro, em busca da felicidade que l estava sua
espera. Para isso bastava imobilizar-se, em estado de relaxamento, num
mvel que lhe oferecesse um mnimo de comodidade, e soltar a
imaginao. E assim passavam-se as horas, num estado de inao e
desligamento. Um experimentado psiquiatra talvez diagnosticasse aquilo
como crise de catatonia.
A vida seguia seu curso em toda a sua intensidade no universo
interior.
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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Agora, no eram apenas as vises de ambientes estticos
fixados em fotografias mentais, como na infncia. Havia movimento, cor,
som, dilogos com outros seres. As cenas se projetavam, ntidas e reais,
como numa tela de cinema a exibir um filme emocionante, no qual a
mocinha ao mesmo tempo personagem e espectadora. To reais que
ela perdia a noo de tempo e espao e envolvia-se em conversas com
aquelas personagens que ali estavam, sua volta, como qualquer ser
vivo.
Cada vez mais ela se entregava quela realidade e rejeitava
a outra. Ali, era intensamente feliz, tinha seu marido, filhos, uma famlia
com a qual convivia.
As tarefas do dia eram desempenhadas como que em estado
sonamblico, mas com impacincia, na ansiosa expectativa das horas de
recolhimento, quando pudesse ir para casa e entregar-se aos seus sonhos.
Se ela dispusesse de tempo livre e dinheiro farto,
provavelmente teria comeado a via dolorosa dos consultrios, em busca
de psiquiatras, analistas e psiclogos das mais variadas tendncias e
doutrinas. Teria ficado coberta de rtulos mais ou menos cabalsticos e
estaria saturada de drogas, provavelmente internada em alguma clnica
elegante.
Ficaria eu profundamente desapontado se o que se vai ler a
seguir fosse tomado como crtica injusta ou ataque s nobres profisses
que se interessam pelo sofrimento alheio. Desejo limitar-me a observaes
em torno de uma realidade incontestvel. Sem apontar o dedo acusador
para nenhum mdico, psiquiatra, analista, ou psiclogo, que conceitos e
que teorizaes tm suas respectivas cincias, na abordagem de um caso
como o de Regina? Os mesmos de sempre. Primeiro rtulo: sofria de
alucinaes visuais e auditivas. Quanto ao processo de fuga da realidade,
de que maneira poderia ser catalogado? Esquizofrenia? Catatonia?
Psicose manaco-depressiva? Autismo? Simples neurastenia? Ou mera
hipocondria? E as neuroses? Quantas delas? E complexos? Quais? Pelo
menos um aspecto qualquer analista poderia identificar com facilidade:
sua bvia preferncia pelo pai com a respectiva indiferena ou rejeio
pela me caracterizariam o complexo freudiano de Eletra. Certamente
que haveria outros: o de inferioridade (a no aceitao da cor da pele e
do aspecto dos cabelos); de superioridade (a rejeio de namorados de
cor) e outros.
Mediunidade nascente? Animismo? Nem pensar ...
Em verdade, ela acabou mesmo encaminhada a um analista.
Saberia mais tarde que ele era esprita e at mdium. E competente, alis.
No obstante, via sua cliente como um caso clnico mais do que como
um Ser humano confuso que busca sadas para seus conflitos interiores e
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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seus choques com a realidade objetiva. Embora de formao esprita, ou
tendo pelo menos uma boa noo dos aspectos doutrinrios do
espiritismo, tratou a jovem com os rgidos e clssicos recursos de sua
formao profissional, ou seja, sem utilizar-se dos conhecimentos de que
dispunha acerca do dualismo corpo/esprito do ser humano encarnado.
Era, portanto, um analista que tambm era esprita, mas no um analista-
esprita. Provavelmente entendia o espiritismo como mera teoria do
conhecimento, um elemento a mais no quadro geral da sua cultura, mas
que nada tinha a ver com o exerccio de sua profisso. possvel que
atuasse como esprita - e at mdium - nas demais situaes da
existncia, no porm como analista. No h como critic-lo ou censur-
lo, pois nem sabemos das razes que o levaram a essa postura. Merece
todo o respeito pelas opes e procedimento. Somente agora, enquanto
escrevemos este relato, alguns psiclogos, analistas e psiquiatras de
vanguarda comeam a utilizar-se de metodologia teraputica mais
adequada, enriquecida pela valiosa contribuio de importantes
postulados espritas como sobrevivncia e reencarnao.
A expresso postulados espritas ficou a colocada por mera
convenincia expositiva, pois na realidade o espiritismo jamais se
considerou 'proprietrio' ou mesmo criador desses conceitos. A doutrina os
adotou como princpios bsicos, necessrios ao entendimento de
aspectos ainda mal-compreendidos da vida e que eles iluminam e
explicam com clareza. O ponto a considerar aqui o seguinte: o
postulado A ou B verdadeiro ou no? Podemos, com este ou aquele,
explicar racionalmente aspectos ainda obscuros da psicologia humana?
Se so verdadeiros, no pertencem a ningum e, sim, a todos. Isso quer
dizer que conceitos como reencarnao e sobrevivncia do esprito um
dia estaro sendo lidos tanto nos Evangelhos, onde alis se encontram h
quase dois milnios - e j se encontravam em outros documentos de
conotao religiosa anterior, como em tratados de medicina, psicologia,
biologia, sociologia, antropologia, de cincia enfim, alm de compor
tambm a estrutura bsica dos estudos filosficos. pelo menos na filosofia
ningum estar inovando, porque era exatamente assim que pensava
Scrates, h mais de vinte e quatro sculos. E no me consta que ele fosse
um dbil mental.
Precisamos, contudo, ver como foi a experincia de Regina
com seu analista.
3. PSICANLISE
Sem entender o que se passava com ela prpria e at mesmo
temerosa de que tudo degenerasse numa crise geral de alienao, ela
resolveu buscar ajuda de quem estaria profissionalmente preparado para
estudar sua problemtica, explic-la e proporcionar-lhe orientao
confivel. que, a essa altura, as fugas estavam se tornando cada vez
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mais freqentes e mais longas e, por contraste e consequncia, o mundo
material cada vez mais spero, difcil e insuportvel. Ela precisava
trabalhar e tinha elevadas aspiraes a realizar, como a de estudar at o
limite extremo de suas possibilidades para conseguir um tipo de vida pelo
menos tolervel; um acordo entre suas aspiraes e aquilo que a vida lhe
poderia dar.
No tardou muito o desencanto com a metodologia
teraputica do analista. Em vez de uma discusso objetiva e racional de
seus problemas, ele usava o jargo tpico de sua formao e uma
terminologia que servia apenas para rotular os fenmenos e no para
explic-los e corrigir os desvios da emoo que Regina apresentava.
Falava-lhe em alucinaes visuais e auditivas e em processos de fuga,
com tendncias autistas; abordava o problema das neuroses da maneira
habitual e, pior que isso, prescrevia-lhe drogas para relaxar, dormir,
combater a inexplicvel rejeio pelo alimento e coisas dessa natureza.
Em paralelo com os antidistnicos, prosseguia a busca dos 'traumas' de
infncia. A questo, contudo, que os tais traumas, que certamente
existiam, no estavam guardadinhos espera da anlise, no mbito de
uma vida que mal excedia duas dcadas. Eles vinham de longe, muito
longe, no tempo e no espao.
Regina foi dotada, desde a mais tenra idade, daquilo que
Joan Grant, escritora inglesa, chama de far memory (memria remota).
Ao contrrio da maioria que esquece - a memria uma 'coisa' com a
qual a gente esquece -, suas lembranas do passado varavam as
camadas do tempo, escapavam pelas frinchas dos cofres secretos de sua
intimidade e se apresentavam dramatizadas, vivas, dotadas de
movimento, cor, som e emoo sua aturdida vidncia.
No caberia aqui uma contestao formal doutrina
freudiana de um passado traumtico, nem a de que existe ntida
possibilidade de ajustar as emoes em tumulto ou, pelo menos, aliviar os
conflitos ntimos quando os traumas so identificados, debatidos e
racionalizados. No que isto seja uma panacia capaz de solucionar
qualquer distrbio da mente, claro, mas porque realmente no passado
que se encontram os conflitos que hoje emergem como neuroses e
psicoses de variada conotao e terminologia. No h o que discordar
do eminente professor vienense na formulao desses conceitos vlidos.
Pelo contrrio, o que se prope que sejam ampliados no tempo a fim de
que possam alcanar no apenas os possveis traumas infantis de uma
existncia, mas tambm os mais remotos, de antigas vivncias alhures.
Interferindo nesse jogo de emoes em tumulto, havia, ainda,
o complicador adicional da mediunidade que nem o analista nem ela
estavam levando em conta. Ela, porque no sabia; ele, porque no
queria. Grande parte daquela fenomenologia era certamente de origem
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anmica, ou seja, gerada pelo psiquismo da prpria Regina como
resultante da manipulao (voluntria ou involuntria) de seu
inconsciente, onde se agitavam memrias de muitas vidas que lutavam
por emergir e expressar-se. Sem dvida, porm, participava daquilo tudo
um componente medinico, pois mediunidade e animismo so
fenmenos conjugados e complementares. Isso porque os espritos
desencarnados produzem fenmenos, utilizando-se de recursos anmicos
do mdium. Ou, para dizer as coisas de outra maneira: o fenmeno resulta
de uma ao conjugada entre dois espritos - um encarnado e outro
desencarnado.
Mas isto fica para discusso em outro ponto deste livro. Por
ora, basta dizer que, embora o analista no ignorasse tais aspectos, pela
sua formao doutrinria esprita - no sabemos em que nvel e
profundidade -, devia saber que havia ali fenmenos anmicos e
fenmenos medinicos ou espritas. Mantinha, contudo, sua postura
tcnica, e encaminhava suas concluses avaliadoras para o terreno rido,
mas 'cientfico' e 'seguro', da psicanliise ortodoxa e catalogava os
episdios como produtos do inconsciente da moa. E da? - perguntava-
se ela. Como resolver aqueles conflitos, ainda que admitida a tese
consagrada pelo terapeuta? Estaria ela irremediavelmente condenada a
um progressivo agravamento de sua condio a ponto de tornar-se uma
alienada?
Aps dois anos de assdua freqncia ao consultrio do
analista, a situao continuava a mesma. Os fenmenos se produziam
com crescente intensidade e freqncia e ela prosseguia vivendo duas
realidades, sendo que cada vez mais na realidade II, a subjetiva, a ntima,
alienante, em vez da realidade I, a objetiva e penosa, do mundo material.
A certa altura, ela concluiu que estava indo sem rumo a lugar
nenhum e resolveu interromper o tratamento e suspender a ingesto de
drogas. Durante esses dois anos de ansiada busca, jamais o analista
(esprita, repetimos) mencionou de leve conceitos doutrinrios ou
terminologia esprita, como mediunidade, animismo, reencarnao, causa
e efeito e outros. Manteve-se rigorosamente dentro da rea profissional,
limitado instrumentao do seu aprendizado acadmico, sem mesmo
tentar introduzir qualquer noo doutrinria, ainda que como simples
hiptese exploratria de trabalho.
Dois ou trs episdios curiosos e reveladores merecem
destaque no relato desta experincia de Regina com o analista.
Percebeu ela, ao cabo de algum tempo, que ele comeou a
demonstrar profundo interesse pela variada fenomenologia que ela
apresentava. Chegou mesmo realizao de algumas experimentaes,
como, por exemplo, comunicar-se com ela telepaticamente, funcionando
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ele como emitente e ela como receptora. O sistema funcionou. Bastava
que ele se concentrasse, desejando que ela lhe falasse ao telefone que,
onde quer que se encontrasse, ela procurava um aparelho e ligava para
ele, perguntando se ele a havia chamado, o que ele confirmava. De
outras vezes, mesmo sem ser dia de consulta, ele propunha
telepaticamente que ela fosse ao consultrio, e ela comparecia, movida
pelo impulso de ir.
Talvez estimulado por essa receptividade da parte dela, tenha
ele decidido experimentar tambm com a hipnose, de modo a penetrar
mais profundamente no seu psiquismo. Parece que pretendia lev-la a
uma regresso de memria com a inteno de explorar suas vivncias
infantis ou, quem sabe, saltar a barreira e aprofundar-se na memria
integral, onde se acham protegidos pelo inconsciente os arquivos secretos
das vidas anteriores.
Paradoxalmente, ela no se revelou um bom sujet, como seria
de se esperar: tentaram o procedimento vrias vezes, sem xito.
Certo dia, porm, quando comeava j a mergulhar na zona
crepuscular da hipnose, ela viu a porta do consultrio 'abrir-se' e entrar um
esprito. Era uma mulher de estatura mediana, vestida como enfermeira ou
mdica, cabelos curtos cuidadosamente penteados Romeu.
Aproximou-se, postou-se direita de Regina e lhe disse que estava ali para
impedir que ela fosse hipnotizada, pois no lhe convinha submeter-se ao
procedimento. Prontamente ela ficou em estado de alerta. Fora-se a
sonolncia que prenunciava o mergulho nos estados mais profundos da
hipnose. Como o mdico insistisse nos comandos, ela informou-lhe de que
ele no conseguiria hipnotiz-la. Ante seu desejo de saber das razes,
uma vez que ele usava o procedimento com regularidade (e xito) com
vrios pacientes, ela contou o que presenciava. Estava ali, sua direita,
uma senhora para impedi-lo. Dizia-lhe, ainda, que o mtodo no convinha
a Regina e que ela se recusasse terminantemente a submeter-se
experincia. Por certo que haveria boas razes para isso, ainda que
ignoradas.
O analista ficou desapontado e na maior frustrao. No se
sabe se props algum termo cientfico para mais aquela 'alucinao'.
Certa vez, ela lhe disse que, embora referindo-se
freqentemente a uma irm, ele era filho nico, o que ele, admirado,
confirmou. Seus pais haviam criado como filha uma prima dele que fora
para sua casa ainda infante. A estava, pois, sua irm (de criao).
De outra vez, ela lhe falou sobre um acidente grave que ele
sofrera quando ainda criana, tambm confirmado. Como Regina sabia
disso? Provavelmente era informada durante seus freqentes
desdobramentos.
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Tais 'revelaes' emergiam espontneas e sem artificialismos
ou 'montagens' especiais para impressionar. Nem era inteno de Regina
impression-lo com fatos inslitos. Os fenmenos fluam, to autnticos
como inesperados, e sem demonstraes espetaculares ou transes. Eram
mencionados no decorrer da conversa, de passagem, como simples
comentrio sem maiores conseqncias.
Da, provavelmente, seu propsito de estudar mais a fundo
aquele curioso psiquismo que guardava tantos segredos e mistrios.
Regina decidiu, por esse tempo, que ali no havia nada do
que ela buscava, ou seja, explicaes que a ajudassem a entender e
eventualmente resolver seus conflitos emocionais.
Foi nessa fase que dois episdios da maior repercusso
ocorreram na sua vida: a descoberta do espiritismo e o reencontro com a
personagem central das suas vidncias, que o analista preferira considerar
alucinaes ou fantasias subliminares.
o que veremos a seguir.
4. O REENCONTRO
A evidncia de que o mtodo psicanaltico falhara com ela
na tentativa de reordenar suas emoes causou-lhe decepo e
angstia. Onde buscar, ento, o socorro de que tanto necessitava?
A situao agravou-se substancialmente a partir da
identificao do homem que desempenhava to importante papel nos
seus sonhos. bem verdade que ela sempre soube que ele era uma
pessoa real e concreta e que, portanto, existia em algum lugar sua
espera. De repente viu-se diante dele, ao vivo, atropelada pelas
emoes. Alm do mais, se nutrira propsitos de uma eventual unio, logo
verificou essa impossibilidade, pois ele j assumira compromissos de famlia.
O impacto desse encontro foi to dramtico que ela ficou
dois dias recolhida, com febre. Parece ter experimentado ali uma
regresso espontnea de memria provocada pela presena fsica dele.
Ou uma espcie de psicometria? Talvez. O certo que esse reencontro
inesperado - e do qual ele no tomara conhecimento - acabou por abrir
de vez as janelas atravs das quais ela, at ento, havia contemplado
cenas esparsas, como que observadas pelas frestas entreabertas. Alm do
esposo, via agora dois filhos e, em vez de mera observadora que assiste
ao espetculo da objetivao da memria, ela vivia de novo os episdios
da vida domstica com suas mincias, alegrias e ternuras.
Contemplava as crianas com os mesmos olhos e o mesmo
corao de me e de tudo participava com as emoes frescas e vivas,
como se aquilo fosse presente. E era.
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L fora daquele mundo ideal e feliz, contudo, permanecia
sua espera a dura realidade das lutas, da pobreza, do desconforto, das
humilhaes e da solido. Era difcil conciliar as duas faces dissonantes da
mesma realidade total. Muitas vezes desejou adormecer naquele sonho
para nunca mais despertar.
Mais grave que isso que, quanto mais se refugiava nas vises
de uma perdida felicidade no tempo e no espao, mais se afastava da
realidade I, como um barco que, solto das amarras, distancia-se das
praias onde se chocava com as rochas. Por um imperceptvel mas
crescente processo de envolvimento, comeou a ser dominada pelas
vises. J no mais as convocava ao sabor de sua vontade e de suas
disponibilidades de tempo; elas ocorriam, agora, sua revelia, impondo-
se por si mesmas. Tinha, s vezes, a impresso de ser duas pessoas distintas.
Uma, a personalidade que vivia aquela histria, tinha um lar, marido e
filhos; era branca, bonita, adornada por vasta cabeleira sedosa,
inteligente e imensamente feliz. A outra l estava, inarredvel, sua
espera, cada vez que ela retornava da realidade II; era feia, estranha e -
segundo ela - tambm burra, alm de infeliz. Um verdadeiro estorvo. No
fosse aquela mulher to desagradvel, talvez ela pudesse viver, na sua
plenitude, a vida do sonho.
5. TERAPIA DA CONVERSA
Foi quando comeou a temer pelo seu futuro. J
experimentava certa dificuldade em deixar o mundo paralelo para
enfrentar os compromissos, carncias e frustraes deste. Era preciso
encontrar ajuda competente e com urgncia, enquanto ainda estava
lcida e podia distinguir uma realidade da outra. Sentia, contudo, que no
contexto da psicanlise clssica no teria muita chance de encontrar o
socorro de que tanto necessitava, pois sua experincia anterior fora uma
decepo, como vimos.
Recorreu aos amigos espirituais, no caso ao dr. Bezerra de
Menezes, com o qual, diz ela, "no tinha nenhuma intimidade"! Pedia-lhe
que a "ajudasse, em nome de uma pessoa que sabia ser muito amiga
dele".
Foi, assim, um fenmeno medinico que a encaminhou a
algum que procurava ajudar companheiros em dificuldade, no com
teorias esdrxulas e rtulos eruditos, mas com os singelos postulados da
doutrina dos espritos e os conceitos fundamentais dos ensinamentos do
Cristo.
Ao fim de algum tempo, breve - no mais que algumas
semanas -, Regina comeou a aceitar a vida, ou melhor, aquela parte da
vida que estamos chamando de realidade I, o mundo objetivo com todos
os seus problemas e complexidades. Foi convencida de que no havia
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duas personalidades nela, apenas uma individualidade em conflito
consigo mesma. Aquela outra mulher que ela rejeitava era ela mesma,
vista de um ngulo diferente. Se na tica de uma existncia
contemplamos a ns mesmos vivendo outra vida (passada ou futura),
estamos sujeitos a esse baralhamento do senso de perspectiva e
identidade. Em outras palavras: se, regredido a uma vida passada,
contemplo a presente, testemunho coisas de difcil assimilao como se
estivesse anacronicamente mergulhado num futuro incompreensvel.
Isto no mera teorizao. Foi exatamente assim que
aconteceu com um jovem oficial do exrcito americano, acantonado na
Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, conforme j narrei em A
memria e o tempo. o que conta Hugh Lynn Cayce, filho do famoso
sensitivo americano Edgar Cayce, testemunha ocular do fenmeno. Por
regresso da memria, via hipnose, levaram o homem a uma vida anterior
na qual ele era um modesto professor do interior dos Estados Unidos, h
cerca de um sculo. Em seguida, despertaram-no sem os cuidados
devidos e o oficial conservou sua memria anterior, com total excluso da
atual. Via-se ali, de maneira incompreensvel para ele, cercado de gente
desconhecida que o chamava de um nome que no era o seu. Ele por
sua vez no se reconhecia naquele ambiente, naquela personalidade e
indumentria. Quem era ele, afinal? Onde estava? O que acontecera
com sua vida? Sua cidadezinha, sua famlia, seus amigos, seus alunos? Ali
estava, pois, na incongruente situao de uma pessoa que, de um
passado mais ou menos remoto, contempla uma existncia que ainda
no aconteceu ...
Com Regina, a situao era comparvel, embora no
idntica. Duas memrias diferentes, ou melhor, dois segmentos diferentes
das suas memrias disputavam-lhe a ateno: a de uma remota
existncia feliz e a de uma vida amargurada e cercada por limitaes
constrangedoras. Ao regressar das vidncias da antiga existncia, trazia
ainda as lembranas e o agitar das emoes que l experimentava.
Nesse estado de esprito, estranhava aquele ser que era ela mesma, mas
que teimava em considerar como se fosse outra pessoa.
Seu novo interlocutor era apenas um conselheiro com o qual
discutia seus problemas, mas no um terapeuta ou um analista. Dizia-lhe
que ela precisava aceitar como expresso de si mesma aquele ser que
ela, cada vez mais, ia se habituando a tratar na terceira pessoa: ao se
referir a si mesma, no dizia eu, dizia ela. Suas chamadas alucinaes,
acrescentava o conselheiro, no passavam de vidncias ou
revivescncias de uma vida anterior que, por alguma razo
desconhecida, estavam emergindo das profundidades da memria.
Havia, contudo, uma vida pela frente para ser vivida em toda a sua
intensidade, com todos os seus problemas e, certamente, com o valioso
potencial de acertos e conquistas, se tudo fosse feito da maneira
Diversidade dos Carismas - Teoria e Prtica da Mediunidad - Herminio C. Miranda
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adequada. Nas passadas existncias nada era possvel mudar, ou melhor,
desfazer, mas na atual tinha de aproveitar as oportunidades para refazer o
que no fizera bem feito ou com acerto. Talvez as vidncias tivessem por
finalidade mostrar-lhe uma felicidade perdida, mas reconquistvel, um
modelo