DIVINAS AVENTURAS

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DIVINAS AVENTURASHISTRIAS DA MITOLOGIA GREGA.ESCRITO POR HELOISA PRIETO ILUSTRADO POR MARIA EUGNIA

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ARTEMISMeu nome rtemis.

Sou a deusa da Lua, das montanhas, dos animais selvagens e das crianas. Nasci noite, na pequena ilha de Delos, sob uma palmeira. Minha me, Leto, estava grvida de gmeos, meu querido irmo, ApoIo, e eu. Vim ao mundo primeiro e, assim que fui banhada pelo luar, senti meu jovem corpo transformar-se no fsico de uma garota. Quanto a meu irmo, foi preciso que o sol brilhasse no horizonte para ele comear a nascer. Nossa me estava exausta e no tinha ningum para ajud-Ia a cuidar de ns. ApoIo chorava muito - era um beb assustado - e eu o abracei. Mal sua cabecinha com cabelos dourados pousou em meu peito, senti um amor to forte por ele que quase chorei. At hoje protejo os bebs. Nada pode ser mais emocionante do que o nascimento de uma criana. ApoIo s crescia luz do dia. Com o passar do tempo, tornou-se um menino de aparncia maravilhosa, calmo, ponderado e sensato. Eu sou diferente. Amo a noite, as brumas, o mistrio das florestas e o encanto das montanhas. Para mim, nada mais valioso do que a liberdade. Nunca serei uma deusa adulta, nunca me casarei. Curiosamente, vivo cercada de jovens apaixonados. Talvez porque eu tenha me tornado uma espcie de desafio para eles, no sei bem como explicar. Em geral me divirto com a sua companhia, prego-lhes peas quando tentam me surpreender noite, mas quando o detestvel gigante Otos tentou raptar-me, a coisa ficou sria e fui obrigada a me defender. Foi a aventura mais perigosa que j enfrentei... RTEMIS Deusa da Lua Protege as montanhas, os animais selvagens e as crianas.

RAPTADA POR UM GIGANTE- Isso um ultraje! - gritou Zeus, irado. - Dois garotos declarando guerra contra ns, os deuses do Olimpo! Conte-me, Hermes, quero saber como tudo comeou! 27

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H CATADeusa da magia e das artes divinatrias Protege as mulheres e as crianas.

Hermes, meu meio-irmo, que exercia a funo de mensageiro dos deuses, explicou a nosso pai que Posidon, o deus dos mares, tivera dois filhos com uma humana. A jovem, muito bela, conquistara Posidon indo tomar banho de mar todas as noites. Os dois jovens que nasceram de sua unio tinham uma estranha aparncia, dezesseis metros de altura e uma fora descomunal. Desobedientes e insolentes, os jovens simplesmente decidiram que conquistariam o Olimpo. Construram uma escada enorme que os levaria ao reino oculto nas nuvens e declararam que, caso os deuses desobedecessem a eles, fariam o mar desaparecer da Terra. E sabem qual era o maior desejo dos dois gigantes? Casar-se com deusas! Um deles desejava casar-se com Hera e outro comigo! Fiquei furiosa tambm! Ningum jamais tentara me obrigar a nada. Meu pai sempre havia permitido que eu vivesse como quisesse e apenas casasse se um dia sentisse vontade. Percebendo que Zeus estava perturbado demais para resolver a situao, reuni meus animais numa clareira da floresta e sentei-me para pensar. Cercada por meus amados amigos, me senti melhor. Fechei os olhos e invoquei a luz do luar. Assim que a lua me cobriu com seus raios poderosos, fui envolta por muita paz, e quando abri os olhos tive uma feliz surpresa! Hcata, a deusa da magia, minha prima preferida, estava parada diante de mim. Belssima, os olhos imensos e negros, os cabelos esvoaantes, o sorriso translcido, Hcata uma deusa muito poderosa. Pode transformar-se no animal que quiser, capaz de quebrar a barreira dos tempos, inventar poes mgicas que do juventude aos idosos e paixo queles que desconhecem o amor. - Voc est correndo grande perigo, minha prima - ela foi logo dizendo -, mas creio que posso ajud-Ia. Responda: qual o animal de corrida mais rpida que conhece? - Uma cora - respondi. - nisso que voc se transformar! E essa ser a perdio daqueles dois presunosos! - ela afirmou, enquanto tirava de sua bolsa de couro suas ervas encantadas. ' Nunca pensei que um animal pudesse enxergar tantas coisas diferentes! Transformada em cora, eu saltava com facilidade e leveza inimaginveis para qualquer ser, divino ou humano. Para mim, que tanto amo os animais, ter me tomado um deles era uma experincia sem igual. Muitos dias se passaram at que os gigantes viessem minha floresta raptar-me. Chegaram durante a noite. Caminhavam e gritavam chamando 28

por mim. Pisoteavam animais e arrancavam as rvores em seu caminho. Senti muita raiva do desrespeito de ambos pela natureza. Observando-os melhor, notei que, embora estivessem sempre juntos, no se davam bem. Nervosos, eram grosseiros e rspidos quando conversavam entre si. Isso me deu uma idia, e agi rapidamente. De um salto me pus na frente de um deles. Atra sua ateno fazendo movimentos estranhos no solo. - Que animalzinho interessante! - disse o gigante, enquanto se abaixava para apanhar-me. Permiti que me levantasse no ar. Enfeitiada por Hcata, eu havia me transformado num animal mgico. Era capaz de voar, e nada de mau iria me acontecer. O outro logo se aproximou para ver o que estava acontecendo. - O que isso na sua mo? Me d esse animalzinho! Tambm quero brincar com ele. O gigante que me segurava afastou-se com suas passadas largas e gritou: - Saia, v embora! O bichinho s meu! Cansei dessa brincadeira de casar com deusas. Quero ficar um pouco aqui, com ele em minha mo. O outro deu-lhe um tapa no rosto com tamanha fora que o gigante caiu. Quando isso aconteceu, o solo se abalou e vrias rvores desabaram. Saltei de sua mo, retomei minha forma humana e escondi-me atrs de uma pedra para observar a cena. - Est vendo? O bichinho fugiu! E por sua culpa! Estou to cansado de voc! - gritou o gigante para o irmo. A resposta do outro foi um soco. E assim se atracaram numa luta mortal, destruindo tudo o que estivesse no seu caminho. Seus berros eram ensurdecedores. Lutando, caindo, rolando no cho, ambos chegaram praia. Sa de meu esconderijo para ver melhor. Mal eles entraram nas guas, j coloridas pelo sol, uma onda gigantesca formou-se, veio crescendo e engoliu os dois irmos. Que sorte!, pensei. De onde surgira a onda? O mar parecia to tranqilo! Quando o vagalho se aproximou das guas rasas, avistei Posidon, o deus do mar. Montado em imensos cavalos-marinhos, as longas barbas brancas, o olhar enfurecido, o tridente nas mos; o deus dos mares tinha me salvado e eu lhe seria 'eternamente grata. - Voltem j para casa! - ele gritou. - Nunca mais vocs tornaro a perturbar a vida da terra! Ficaro presos em meu palcio at o final dos tempos! Tudo voltou a ser como antes. Menos o mar. Porque, at hoje, formamse grandes ondas, e eu me lembro de Posidon e do dia em que os dois gigantes foram condenados a desaparecer no fundo das guas. 29

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POSIDONMeu mundo imenso, maravilhoso, repleto de vida e mistrio. Todo ser humano se acha sob o encantamento de minhas guas. Meu nome Posidon. Sou o deus dos mares. Sou eu quem desmancha os castelos de areia construdos beira de meus mares, para que vocs, crianas humanas, aprendam desde cedo a usar cada vez mais a imaginao. Sou em quem assiste aos romances dos jovens apaixonados que visitam minhas praias quando chega o vero. Sou eu quem deposita as mais lindas conchas e estrelas-do-mar nas areias suaves para que todos percebam a delicada beleza de minhas criaturas. Quem sabe ver com os olhos da mente, percebe minhas longas barbas brancas misturadas espuma das ondas que estouram contra as rochas. Quem sabe ouvir dentro do corao, escuta o canto inesquecvel de minhas belas sereias. E quem sabe sonhar, pode ser meu convidado e visitar meu castelo oculto nas profundezas martimas de meu reino eterno.

MEDUSA, MEU AMOR IMPOSSVELInfelizmente, nem todos compreendem minha maneira de ser: mutante, inconstante, at muito raivoso, mas tambm capaz de sentir um amor profundo e eterno. A deusa da sabedoria, Atena, nunca soube apreciar minhas melhores qualidades. Talvez nossas naturezas sejam bastante diferentes, pois ela calma, sbia, planeja cada uma de suas decises. Eu, no. Quando me aborreo, minhas guas invadem a terra, o cu se turva, e - devo confessar nesses momentos posso ser muito perigoso. Atena e eu tivemos diversos desentendimentos ao longo de nossas vidas. Quando os homens comearam a formar suas cidades, todos os deuses do Olimpo decidiram que teriam direito a esses centros. Mas Atena e eu nos 31

POSIDONDeus dos mares Protege as criaturas marinhas, as praias eos navegantes.

apaixonamos pelo mesmo lugar: a cidade de Acrpole. Levamos nossa disputa ao conselho dos deuses. Zeus e seus divinos companheiros foram injustos: declararam que Atena seria a protetora da cidade, pois havia plantado uma palmeira naquelas terras, garantindo assim seu direito de deusa. Ofendido, injuriado, perdi a cabea. Inundei todas as plancies das redondezas de Acrpole das mais altas ondas que pude criar, destruindo tudo o que estivesse entre mim e a cidade que eu tanto desejava. Foi nesse dia que Atena se declarou minha inimiga, e essa foi minha perdio. Alguns anos mais tarde, apaixonei-me por uma bela jovem. Olhos acinzentados, cabelos encaracolados, Medusa era a mulher mais linda que eu havia conhecido. Sei que agora seu nome inspira horror e que seu rosto s lembrado com as feies deformadas de um monstro, mas nem sempre foi assim. Como j lhes disse, Medusa era belssima. Apaixonei-me por ela quando veio banhar-se em minhas ondas luz doce do luar. Meu amor foi correspondido, e nossa unio trouxe-me profunda felicidade. Foi ento que Atena surgiu para castigar-me pelas mortes que eu tinha provocado em suas terras. Desceu do Olimpo, dirigiu-se caverna beira do mar onde eu me encontrava com minha formosa amada e exigiu que eu a abandonasse. Nossa discusso foi violenta, e Atena ergueu sua lana mgica para atingir-me. Medusa se ps entre ns, tentando me defender. Esquecendo-se de sua bondade natural, Atena fez um gesto mgico e a transformou num enorme drago de trs cabeas. A mais horrvel das cabeas pertencia a Medusa. Seus belos olhos negros tomaram-se armas mortais, pois quem os fitasse se converteria em esttua no mesmo instante. Totalmente desesperado, voltei para meu reino. Chamei Hcata, a deusa da magia, e implorei-lhe que tentasse quebrar aquele encanto. Mas os poderes de Atena eram insuperveis. Vendo-me to triste e s, Hcata consoloume dizendo que Medusa e eu teramos um filho. Seu nome seria Pgaso e ele nasceria mesmo que sua me morresse. Pgaso teria a forma de um cavalo alado e seria uma criatura da luz, cuja misso era fazer o bem e trazer a felicidade aos homens. Seu nascimento seria a prova de que o amor produz sempre um bom fruto, mesmo que seja um amor impossvel. Quando Perseu, o jovem protegido de Atena, declarou que mataria minha amada, tentei fazer de tudo para impedi-l o, mas, como vocs talvez j saibam, jamais consegui vencer a deusa da sabedoria. Ela ensinou Perseu a usar o escudo da invencibilidade, e juntos aniquilaram minha amada, como se ela no passasse de um monstro desprezvel.

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No entanto, quando minha amada Medusa foi destruda, inesperadamente Pgaso, nosso belo filho, nasceu. Em homenagem a ele, o cavalo mgico, o corcel da luz e da alegria, fiz surgir os pequenos cavalos-marinhos. At hoje eles povoam os mares, emprestando um pouco da beleza insupervel de meu filho alado s criaturas aquticas. E quando vocs, pequenos filhos dos homens, puderem ver meus minsculos filhos graciosamente cavalgando as profundezas do oceano, sintam um pouco de minha antiga alegria e lembrem-se que o nome de Medusa tambm pode significar amor, beleza e felicidade.

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GAlAj sentiu o aroma de minhas flores, o delicioso sabor de minhas frutas e a energia mgica que se acumula no cume de minhas montanhas, conhece a fora de meu poder. Sou Gaia, a deusa da Terra. O primeiro deus a surgir no mundo foi Caos; logo em seguida, eu nasci. Fiz surgir o cu, os vales, plancies e cordilheiras. Imediatamente fui coberta por florestas e habitada por animais. Sou amada pelas crianas, que adoram lambuzar-se em minhas terras enlameadas pela chuva e deitar-se sobre minhas relvas para contemplar os

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cus,onde vive Zeus, meu neto querido.

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Alis, tive doze filhos. Cronos, o deus do tempo, meu caula. Houve uma poca em que ele reinou sobre o mundo. Mas, infelizmente, Cronos no soube usar seus poderes e transformou-se num temvel tirano. Tolerei seus atos o mximo que pude. Porm, quando ele tentou matar Zeus, fui obrigada a agir...

COMO DESCOBRI OS SEGREDOS DO DESTINOCronos embebedou-se com seu prprio poder. Sendo o deus do tempo, decidiu que seu reinado como senhor do universo seria eterno. Adivinhando que eu no concordaria com sua resoluo, ocultou-a de mim. Ele sabia' que eu no acreditava no poder supremo de um nico governante. Conhecia minhas opinies: creio na mudana de estaes, no eterno movimento da vida; penso que os jovens precisam assumir o lugar de seus pais para que o mundo se renove. Um dia, Cronos teria que ceder seu trono ao filho. Mais tarde, Cronos casou-se com Ria e dessa unio nasceu o belo Zeus. Encantada com meu neto, fui at o lago do destino, cujas guas previam o futuro, e observei seus reflexos, procurando descobrir o que a vida reservava ao querido Zeus. A face adulta do menino surgiu atravs da transparn35

GAlA Deusa da Terra Protege as frutas,

as florese as florestas.

cia das guas e aos poucos notei que a cena ali estampada mostrava o pequeno como o futuro senhor do universo. Certa de que Cronos ficaria feliz em saber que seu poder seria herdado pelo prprio filho, comuniquei-lhe o que o destino lhe traria. Cronos enfureceu-se. Fez as horas comearem a correr e os homens a envelhecer. Para ele, desfrutar de um poder eterno era mais importante do que a vida de Zeus. Tentando proteger a vida de meu neto, voltei ao lago mgico para descobrir o segredo do futuro. Ao fitar novamente as guas prateadas, percebi que o futuro est sempre em movimento e que o gnio que as habitava era uma espcie de conselheiro indicando-me as escolhas possveis. A primeira cena mostrava a morte do pequeno Zeus. Afastei-me das guas, revoltada. Depois, reuni toda a minha coragem e as observei mais uma vez. A segunda cena refletia minha imagem dentro de uma gruta. Foi ento que fiquei sabendo o que deveria fazer. - Ria, entregue seu beb para mim imediatamente. Cronos no pode v-Io -, fui dizendo assim que entrei no palcio de meu filho. Chorando, a bela Ria passou-me a criana envolta num lindo tecido branco. Eu o abracei com todo o carinho. Auxiliada por meu companheiro Urano, corri at a gruta secreta e escondi o menino num cantinho aconchegante. Chamei uma ninfa para cuidar bem dele. Quando regressei ao palcio de Cronos, encontrei todos em polvorosa. - Onde est meu filho? -, gritava o deus do tempo, andando de um lado para o outro. Seu comportamento deu-me a certeza de que, infelizmente, meu filho havia enlouquecido. Obedecendo ao conselho das guas mgicas do futuro, entreguei a Cronos uma pedra do tamanho de um beb envolta no mesmo tecido que Ria usara para cobrir a criana. Cronos transformou-se num gigante imenso e no mesmo instante engoliu o pacote inteiro. Convencido de que havia destrudo o prprio filho, a quem via como um rival, o deus do tempo partiu para a terra, alegre e satisfeito. Zeus cresceu em segredo e muito amado por todos os que o conheciam. Quando se tomou um jovem, ganhou suas armas principais: o raio, a tempestade e os troves. Ele sabia que no futuro teria que enfrentar o prprio pai. Para exercitar-se, montava nas nuvens, provocando as chuvas e fazendo raios cortarem os cus. No incio, os humanos assustaram-se muito. Bem, para dizer a verdade, at hoje seus pequenos filhos temem as brincadeiras de Zeus. Foi esse o motivo por que meu neto permitiu que os humanos descobrissem uma parte do poder dos raios e o usassem em benefcio prprio. Mas isso j no pertence s histrias do incio dos tempos... 36

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ZEUSPara mim, difcil explicar o que significa ser o deus dos deuses. Ter o poder supremo da deciso, determinar os destinos das criaturas do universo, manter a ordem e a justia na terra e nos cus. Amo o conhecimento, as luzes, a filosofia, as artes da cura e as grandes cidades. Amo tambm as mulheres. Jamais resisto aos seus encantos. Sou casado com Hera, deusa belssima, protetora dos casamentos. Porm, embora eu a queira profundamente, continuo me apaixonando por lindas jovens. Foi desses amores proibidos por Hera que nasceram Atena, Apolo'e rtemis, por exemplo. Os cimes de minha mulher sempre me causaram inmeros problemas e passei grande parte da vida protegendo os filhos nascidos de meus romances proibidos. Hera nunca aceitou minha principal misso divina que fertilizar os seres, gerar criaturas excepcionais, aproximar os humanos dos deuses, criar jovens semideuses de talentos insuperveis. Alm disso, ela jamais compreendeu a solido de quem tem o poder supremo e responsvel por todos os atos do universo. Portanto, minha vida tem sido marcada pelas desavenas com Hera e pela disputa com meu prprio pai, Cronos, o impiedoso deus do tempo...

MINHA LUTA CONTRA O TEMPOFui criado por ninfas, no interior de uma gruta secreta, longe dos olhos de meu pai. Alimentado com mel e leite, fui muito amado por minhas doces protetoras. Cresci desfrutando da beleza da natureza, caminhando pelos campos e praias, nadando em guas salgadas. Mas chegou o momento em que senti que precisava finalmente enfrentar meu prprio pai. Chamei Mtis, a deusa da prudncia, para que ela me aconselhasse. Como poderia conquistar o poder que me fora destinado? Como poderia tornar-me o deus dos deuses, o senhor supremo do universo? 39

ZEUS Deus dos cus Protege a ordem e a justia.

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Os olhos penetrantes de Mtis fitaram-me por alguns instantes antes que ela me dissesse o que fazer: - Voc tem irmos, Zeus, e precisa salv-Ios. Eles foram engolidos por Cronos, mas no esto mortos, e voc poder traz-l os de volta. Necessitar da ajuda deles para conseguir conquistar o lugar que lhe pertence. Deve apresentar-se diante de seu pai como se fosse um simples mortal e dar-lhe esta poo. - Mtis entregou-me um lindo frasco de vidro que continha um lquido brilhante e prosseguiu: - Esta poo foi preparada por Hcata, a pedido de sua me. Quando Cronos a beber, seus irmos desaparecidos ressurgiro. Juntos, vocs vencero seu pai. Quando entrei no luxuoso palcio de Cronos, aguardei na fila de mortais que lhe imploravam favores. Jovens apaixonadas que haviam perdido seus amados em guerras suplicavam a Cronos que ele fizesse o tempo voltar. Intil. "O que passou, passou", era o que ele lhes dizia, curta e secamente. Velhos apavorados diante da morte pediam-lhe que retardasse a passagem dos minutos. "O tempo no pra", ele repetia, impassvel. Filhos saudosos rogavam-lhe que ele apressasse as horas para que seus pais retomassem de perigosas viagens o mais rapidamente possvel. "Mas o tempo voa! Por que querem mais rapidez ainda?", ele respondia com um sorriso irnico. Quando chegou minha vez, declarei: - Eu no desejo nada, mestre do tempo. Quero apenas dar-lhe um presente. O tempo tem sido bondoso comigo, pois durante toda a minha vida s senti a felicidade. Curioso, Cronos apanhou o belo frasco com seu lquido brilhante. - O que isso, meu jovem? - Uma bebida de sabor inigualvel, feita com mel de abelhas especialmente para Vossa Majestade. Cronos sorriu e destampou o vidro. Olhei para o cho, tentando ocultar minha ansiedade. De um s gole, meu pai bebeu o contedo do frasco. E logo em seguida comeou a contorcer-se. Abriu a boca, e dela saram trs minsculos bebezinhos. As crianas foram iluminadas por raios de luz e, contrariando todas as leis do tempo, cresceram numa frao de segundo. Depressa me vi cercado por vrios irmos e irms que instantaneamente se posicionaram para enfrentar Cronos e seus ajudantes, os Tits. No entanto, como j disse, Cronos era o senhor absoluto do tempo. Embora fssemos muitos e bem mais fortes, nossos movimentos foram retarqados pela lenta passagem das horas e nossa luta acabou durando dez anos terrestres. Vencemos graas ajuda dos Ciclopes, imensas criaturas com apenas um olho no meio da testa, que, como ns, haviam sido prejudicados por Cronos. 40

A cada um de ns, filhos e adversrios de Cronos, foi entregue uma arma especial. Eu recebi os raios e troves; Hades, meu valente irmo, recebeu um capacete mgico que o tomava invisvel; e Posidon, o magnfico deus dos mares, recebeu seu poderoso. tridente cujo golpe rompia terras e guas. E assim, munidos de novos poderes, enfim triunfamos. Aps nossa vitria, repartimos o universo. Hades decidiu reinar nos mundos subterrneos e secretos, Posidon, no universo marinho, e a mim foram dados os cus e o trono de senhor do universo. Fui encarregado ainda de governar o destino dos homens. porta de meu palcio, tenho dois enormes jarros. Um deles contm os bens da vida, e o outro, os males. Ao longo da existncia de meus sditos humanos, espalho um pouco do contedo de cada um dos jarros. Infelizmente, j me descuidei al~mas vezes; em conseqncia disso, certas pessoas foram premiadas com uma vida de alegrias, e outras, com uma vida de tristezas. Mas tenho sido mais cauteloso ultimamente. E tambm generoso. Em especial parc:lcom vocs, que agora me ouvem confessar esses segredos.

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CRONOSdeus do universo. Meu filho Zeus acredita que governa o mundo sentado no alto das nuvens, comandando os raios e troves. Mas at mesmo Zeus est sujeito s minhas leis. E por isso que, na realidade, ele jamais me derrotou. Meu nome Cronos, o senhor do tempo. Sou filho de Urano, deus do cosmos, e de Caia, a deusa da Terra. Portanto, perteno primeira gerao de deuses. Sei que Zeus me tratou como um inimigo, como um monstro insensve~.Tudo porque eu no queria abandonar o reino que meu por direito. Mas, na verdade, a disputa entre ns foi iniciada por Caia. Sem sua interferncia teramos sido muito prximos, desde o comeo. Caia, porm, sempre nos ps um contra o outro, e por isso passaram-se muitas eras at nosso reencontro acontecer...

S ou eu o verdadeiro

MINHA ERA DE OUROPor que o tempo do amor fica eterno quando se concentra no instante de um beijo apaixonado? Por que o tempo da dor infinito quando o corpo sente sua fragilidade diante das enfermidades? Por que o tempo da alegria passa to rpido e o tempo do tdio to lentamente? Controlo muitas camadas de tempo. Tenho inmeros segredos. s vezes, vocs, humanos, tentam me acorrentar a relgios, dias, meses e anos. Afirmam que o tempo tem uma lgica e falam da cronologia da vida. Mas, como eu j disse, o tempo tem segredos incontveis. s vezes permito que um de vocs vislumbre minha verdadeira natureza. Assim foi com meu querido amigo, o sbio Einstein, mestre da fsica. Naturalmente vocs o conhecem. Conclu que ele merecia minha proteo. Sua inteligncia era 43

CRONOS Deus do tempo Protegea sabedoria e as criaturas invisveis.

excepcional; sua sensibilidade e criatividade, magnficas. Permiti que ele descobrisse como sou relativo, como tambm ordeno as leis do espao. Afinal, sou filho de Urano, deus do cosmos. Meus problemas com Zeus iniciaram-se antes de ele nascer. Quando Caia, minha me, a deusa capaz de prever o futuro, afirmou que um de meus filhos me mataria e tomaria meu lugar, enlouqueci. Acreditei totalmente em suas palavras. E esse foi, na verdade, meu grande erro. No percebi que o futuro pode ser modificado. Engoli todos os meus filhos. No os matei: apenas mantive-os presos dentro de mim. Minha era no havia terminado. Eu ainda tinha muito o que fazer. Quando Zeus veio luz, Caia o escondeu de mim. Depois o criou e o preparou para enfrentar-me. Assim, iludido mais uma vez por minha me, que na verdade controlava a todos ns, fui vencido e aprisionado. Passei sculos acorrentado. No mundo, tudo acontecia com muita lentido. A vida na terra era marcada pela falsa lgica dos dias, horas e noites. At que, inesperadamente, Zeus me libertou. - Percebi que era jovem demais para reinar sozinho sobre o universo, meu pai - disse, ao soltar minhas correntes. - Quero que venha comigo. Tenho muito o que aprender. Mudamo-nos para a ilha da Felicidade e, no mundo terrestre, teve incio a era de ouro. Nossos sditos humanos no tinham preocupao alguma, viviam sem trabalhar e alimentavam-se unicamente de frutos silvestres e de mel, saciando a sede com leite de cabra. Tendo o tempo mais uma vez sob meu controle, ordenei que as horas parassem de passar e a humanidade deixasse de envelhecer. Foi a era da eterna juventude. Todos danavam e se divertiam muito, e a morte no passava de uma boa noite de sono. Infelizmente, a humanidade no soube ser feliz por muito tempo. E comearam a surgir homens de outra natureza, os homens da era de prata. Briguentos, inquietos, desafiavam meus sditos para lutas e depressa os matavam. Por isso, antes que meus queridos sditos desaparecessem completamente da face da terra, transformei-os em espritos. Depois mandei que se ocultassem no fundo das grutas, no corao das florestas e no centro das montanhas. E at hoje eles vivem, oferecendo sua proteo aos seres de alma alegre, aos humanos que, como eles, amam a natureza e a felicidade. Mas sei que um dia a era de ouro voltar. Deuses e homens vivero em harmonia com o universo. O tempo se desdobrar e todos os medos desaparecero. Para que isso acontea, porm,

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preciso acreditar na fora da vida e confiar em ns, os eternos protetores da humanidade. Ser que vocs, humanos, conquistaro a felicidade, finalmente? Isso, meus amigos, s o tempo dir! Mas uma coisa eu posso lhes contar. Nossa era no acabou! Estamos em todo lugar. Continuamos a falar entre ns, a brigar entre ns, a inventar novas verses de nossas aventuras, a invadir a imaginao das crianas e dos adultos para que nossas histrias nunca tenham um fim! E estou certo de que, se vocs olharem ao redor, prestando bastante ateno, logo reconhecero a fora mtica de nossa presena...

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Gostou do livro?Quer poder l-lo sempre?Pea de presente aos seus pais!Um beijo, Professora Femanda