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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE SERVIÇO SOCIAL RAQUEL LIMA DA COSTA DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E A POSIÇÃO IMPOSTA A MULHER NA SOCIEDADE CAPITALISTA NATAL 2019

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E A POSIÇÃO IMPOSTA A …

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

RAQUEL LIMA DA COSTA

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E A POSIÇÃO IMPOSTA A MULHER NA

SOCIEDADE CAPITALISTA

NATAL

2019

RAQUEL LIMA DA COSTA

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E A POSIÇÃO IMPOSTA A MULHER NA

SOCIEDADE CAPITALISTA

Monografia apresentada ao curso de Serviço

Social da Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, como requisito parcial para obtenção

do título de bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Daniela Neves.

NATAL

2019

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Costa, Raquel Lima da.

Divisão sexual do trabalho e a posição imposta a mulher na

sociedade capitalista / Raquel Lima da Costa. - 2019.

29f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais

Aplicadas, Departamento de Serviço Social. Natal, RN, 2019.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Daniela Neves de Sousa.

1. Divisão sexual do trabalho - Monografia. 2. Trabalho

feminino - Monografia. 3. Patriarcado - Monografia. I. Sousa,

Daniela Neves de. II. Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 331.5-055.2

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355

RAQUEL LIMA DA COSTA

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E A POSIÇÃO IMPOSTA A MULHER NA

SOCIEDADE CAPITALISTA

Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço

Social.

Data de aprovação: Natal/RN, 17/06/2019

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Daniela Neves de Sousa (DESSO/UFRN)

(Orientadora)

______________________________________________

Prof.ª Dr.ª Ilka de Lima Sousa (DESSO/UFRN)

(Examinadora interna)

_____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Janaiky Pereira de Almeida (UFERSA)

(Examinadora externa)

Dedico esta conquista e o fim deste ciclo a todos os meus

familiares, em especial, meu pai e minha mãe e a minha avó

Maria, assim como aos meus amigos, sem os quais nada disso

teria sido possível.

AGRADECIMENTOS

Queria agradecer primeiramente a Deus por nunca ter me abandonado, nem

nos momentos que eu mais me via desesperada e perdida.

Agradeço também a minha família, em especial aos meus pais e meus

irmãos, que sempre estiveram ao meu lado e que, mesmo nas maiores dificuldades,

faziam de tudo para que eu pudesse desfrutar do que a universidade estava me

oferecendo.

Agradeço também a minha avó Maria, mulher forte que eu tenho a maior

admiração desse mundo por tudo o que ela representa para mim e para minha

família.

Agradeço também a Eliara, Natália, Hélida, Beth, Dennise e Brena por esses

mais de 12 anos de amizade, por serem quem são e por estar comigo em todos os

momentos, por conhecerem todos os meus defeitos e, mesmo assim, continuarem

do meu lado. Agradeço as Carois e a Gisy, minhas amigas de curso, por nunca

desistirem de mim, pelos conselhos dados (que eu quase nunca sigo) e por

acreditarem que sou capaz. Obrigada, minhas amigas, por fazerem a minha

caminhada ser mais leve. Amo vocês do fundo do meu coração.

Agradeço pelos maiores presentes que a vida poderia ter me dado, Maria

Alice e Maria Flor, minhas sobrinhas que eu amo de todo o meu coração.

Agradeço a minha orientadora pela paciência e por conseguir lidar com uma

pessoa tão complicada quanto eu.

Este é mais um ciclo que se encerra em minha vida e eu só tenho a

agradecer por tudo que vi e vivi até aqui. Foram 6 anos de muito aprendizado, que

fizeram com que eu mudasse e me transformasse na pessoa que sou hoje. Grata

sou por essa oportunidade.

RESUMO

Este trabalho teve como objetivos discutir sobre a posição da mulher na divisão

sexual do trabalho, fazendo uma análise entre as posições impostas sobre homens

e mulheres na sociedade e fazendo uma explanação sobre como se deu essa

divisão e as consequências dela. Dessa forma, a discussão perpassa não só pela

conjuntura atual, mas por toda uma análise de passagens bíblicas que atribuem à

mulher um lugar na divisão social e do trabalho, passando por textos que analisam a

forma como a mesma ainda é vista nos dias atuais e como é vista no mercado de

trabalho. A metodologia utilizada foi baseada em revisão bibliográfica, trazendo

posicionamentos de autores que discutem tal temática, tendo como perspectiva de

análise o método crítico dialético que possibilita a compreensão do fenômeno como

um todo. Portanto, podem-se observar as dificuldades que ainda permeiam em

relação à imagem da mulher na sociedade e as consequências de tal fato

especialmente para o seu trabalho.

Palavras- chaves: Divisão sexual do trabalho; Trabalho feminino; patriarcado.

ABSTRACT

This paper aimed to discuss the position of women in the sexual division of labor,

making an analysis between the positions imposed on men and women in society

and explaining how this division occurred and the consequences of it. In this way, the

discussion runs not only through the current conjuncture, but through an analysis of

biblical passages that attribute to women a place in social and labor division, through

the way it is still seen today and as seen in the job market. The methodology used

was based on a bibliographical review, bringing the positions of authors who discuss

this subject, having as an analysis perspective the critical dialectical method that

allows the understanding of the phenomenon as a whole. Therefore, one can

observe the difficulties that still permeate the image of women in society and the

consequences of this fact especially for their work.

Keywords: Sexual division of labor; Female work; patriarchy

.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10

2.O PATRIARCADO E A DOMINAÇÃO DAS MULHERES ..................................... 12

2.1. O PODER DO PATRIARCADO NA HISTÓRIA E A DOMINAÇÃO DAS MULHERES NO

CAPITALISMO ............................................................................................................ 14

2.2. AS DIVERSAS FORMAS DE OPRESSÃO E RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO .................. 16

3. RELAÇÕES DE SEXO E DIVISÃO DO TRABALHO ......................................... 209

3.1 O TRABALHO FEMININO NO BRASIL – A MULHER E O MERCADO DE TRABALHO ......... 232

3.2 MULHER, DEMOCRACIA E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO ........................................ 25

4.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 287

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 298

10

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe a discussão no tocante a divisão sexual do

trabalho que, mais precisamente, se trata da distinção de distribuição do trabalho a

partir do gênero, que divide as atribuições entre o trabalho feminino e o masculino, e

a implicação desta na posição da mulher na sociedade capitalista, fazendo um breve

histórico sobre a construção da visão sobre a mulher na sociedade e as implicações

destas sobre a mesma. Busca-se então, a realização da discussão acerca das

mudanças e das imposições tidas há milhares de anos que ainda se fazem presente

no cotidiano de diversas mulheres.

O interesse pela temática escolhida se deu a partir da aproximação mais

intensa com o movimento feminista, que fez com que despertassem inquietudes em

relação ao papel imposto a mulher pela sociedade capitalista. Assim, pude perceber

que tal discussão é bastante válida, uma vez que é um assunto que, cada vez mais,

se faz mais presente na vida das mulheres que, conforme vão conquistando seu

espaço no mercado, podem também perceber a presença constante do patriarcado

e da discriminação em diversas profissões que fogem do padrão imposto pela

sociedade capitalista. Por isso, creio que é de grande importância à discussão do

presente tema, para que possamos perceber ainda mais que o nosso papel na

sociedade deve ser construído por nós mesmas e que não podemos aceitar

atribuições impostas as nós pelo fato de sermos mulheres.

Diante disto, o presente estudo é dividido em dois capítulos, no qual o

primeiro deles trata da discussão sobre patriarcado e dominação da mulher no

capitalismo e as formas de opressão nas relações sócias de gênero, que perpassam

a discussão sobre as atribuições dadas as mulheres desde Adão e Eva, Roma

Antiga e idade média, até os dias atuais. O segundo capítulo trata de temáticas

como relações de sexo, trabalho feminino e democracia, sendo elaborada discussão

acerca da designação da mulher para a esfera reprodutiva, enquanto que para oo

homem, a esfera produtiva, as implicações destas imposições para a mulher e a

importância do impulso feminista para o debate de tal temática.

11

A metodologia utilizada para a construção do presente texto foi a de revisão

bibliográfica, partindo para uma discussão ampla, estudando autores que discutem

tal temática.

Assim, tal discussão se torna imprescindível diante da sociedade em que

vivemos, uma vez que, apesar de estarmos conquistando cada vez mais nosso

espaço, ainda permeiam sobre nós imposições criadas pelo patriarcado.

12

2. O PATRIARCADO E A DOMINAÇÃO DAS MULHERES

Na Roma Antiga, consolidou-se o conceito de família, desta forma, nasceu um

novo conceito de união entre indivíduos, o qual tornou-se base da formação da

estrutura social de grande parte humanidade. Neste período da história, o centro

principal da família era o homem, tendo as mulheres um papel secundário. Desta

forma, o mesmo tinha poder sobre todos, inclusive no que diz respeito à vida e a

morte dos integrantes da família, conforme coloca Xavier, E. (1998). Vale salientar

que o patriarcado aqui discutido diz respeito não somente ao poder do pai, mas sim,

no poder exercido pela figura masculina. Neste sentido, há a caracterização da

preponderância masculina, o desprestígio feminino e o papel da mulher apenas

como procriadora e zeladora da família.

Durante a idade média, era notável a relação de mulher e reprodução. Como

exemplo de tal fato, podemos citar a cultura Viking, a qual as mulheres tinham seu

valor medido pela quantidade de filhos homens que geraram. Uma vez geradas

apenas meninas, essas mulheres, muitas vezes, eram menosprezadas pelo meio

social. Outro exemplo desta relação é o encontrado na cultura na antiga babilônia,

onde a relação entre mulher e reprodução era tão forte que o conjunto de leis

escritas na época, o chamado Código de Hamurabi, estabelecia que mulheres

casadas e estéreis, tinham como obrigação fornecer uma substituta ao seu marido,

como garantia de continuidade da genética do mesmo.

Contudo, apesar da passagem dos anos e de todas as mudanças tidas no

que diz respeito a relações socioculturais, de desenvolvimento tecnológico, evolução

humana, dentre tantos outros aspectos, o sistema patriarcal sobrevive, com apenas

pequenas diferenças. Desta forma, a relação homem x mulher não perdeu

totalmente as caraterísticas desiguais, apenas as mesmas encontram-se em menor

evidência, estando presente em todos os meios, seja ele social, profissional ou

familiar.

No âmbito familiar, mesmo em meio a atual discussão de liberdade e

empoderamento feminino, facilmente encontram-se indícios, mesmo que em

pequenas atitudes que, a princípio parecem inofensivos, mas que, de fato, espelham

a influência patriarcal. Como exemplo de tal fato, podemos perceber a divisão de

13

tarefas domésticas como principal amostra, uma vez que, ainda recai fortemente

sobre as mulheres as responsabilidades sobre elas.

Outro ponto que ainda é bastante forte em meio a sociedade é a repressão da

sexualidade feminina. Enquanto os homens tem sua sexualidade estimulada quase

que diariamente, as mulheres ainda são julgadas e apontadas caso exponham esta

sexualidade. Estes são fatos que mostram que, embora tenhamos avançado em

vários aspectos, o patriarcado continua presente no nosso cotidiano, nos impondo

regras, sejam elas diretas ou indiretamente.

No âmbito profissional, grande parte das mulheres se vê em meio à dupla,

tripla jornada de trabalho, uma vez que se veem obrigadas a conciliar trabalho,

família, estudo. Isso ocorre devido a influência de algumas das diversas culturas

trazidas dos tempos antigos, sendo elas, as que atribuam aos homens apenas o

trabalho fora de casa. Infelizmente, este ainda é um ponto muito forte na sociedade

capitalista atual.

Além disto, há também a questão salarial. Um estudo realizado pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, divulgado em 07/03/2018, que tomou

como base o rendimento habitual médio mensal por sexo, entre os anos de 2012 e

2016, contatou-se que as mulheres ganham, em média, 76,5% do valor recebido por

indivíduos do sexo masculino. Diante disto, pode-se perceber que neste aspecto a

mulher brasileira ainda encontra-se em um patamar inferior ao homem. Outro

aspecto bastante presente na realidade feminina é o fato da aceitação masculina em

meio ao mercado de trabalho, uma vez que ainda é bastante comum a

subestimação da mulher em certos cargos ou atribuição da mesma a cargos

inferiores. Todos esses aspectos são influência direta do patriarcado e do modelo

ideal de mulher feminina, doméstica e obediente.

Quando partimos para o meio social, podem ser percebidos que inegáveis

séculos de submissão ao sexo dominante culminaram com a ideia da mulher “sexo

frágil”, o que, de certa forma, acaba por estimular e intensificar possíveis agressões

contra ela. Oliveira (2007, p. 35) coloca que “violência como toda e qualquer

violação da liberdade e do direito de alguém ser sujeito constituinte de sua própria

história. Liberdade aqui entendida como ausência de autonomia”. Desta forma,

podemos afirmar que o uso de poder ou qualquer outra forma de dominar ou

explorar alguém, é uma forma de violência. A vista disto, a violência contra a mulher

14

se dá no momento em que está sujeita por sua condição de sexo. A identidade da

mulher é, em sua maioria, construída sob essa concepção. Assim, quando esta tem

uma identidade diferente da esperada pela sociedade, a mesma passa a ser alvo de

algum tipo de agressão ou discriminação.

No tocante a dominação que persiste no subconsciente social, podemos

perceber que a mesma se faz presente quando uma em cada cinco mulheres

colocam que já sofreram, alguma vez, “algum tipo de violência de parte de algum

homem, conhecido ou desconhecido” (FPA/SESC, 2010), sendo 80% por cento dos

casos vindo de seus parceiros (companheiro ou marido). Tal questão permeia a

história humana. Crianças que são criadas em ambientes com características

patriarcais, tendem a ser adultos com ideias relacionadas a tal, com forte tendência

de absorver e tomar para si tais ideias.

Assim, compreende-se que a mulher carrega na história um grande fardo em

relação a ideias e comportamentos impostos pelo modelo patriarcal.

2.1. O poder do patriarcado na história e a dominação das

mulheres no capitalismo

Para iniciar uma reflexão no que diz respeito a visão sobre a mulher no

capitalismo, torna-se indispensável discorrer sobre uma das diversas questões que

rodeiam a discussão acerca do trabalho feminino, situando-se a partir da

implantação do capitalismo. Quanto a isto, Engels e Marx colocam que “(...) esta

atual sociedade destrói todos os laços familiares dos proletários (...) a mulher

também não é deixada de fora, pois ela também é instrumento de produção”. (1998,

p. 26).

Saffioti (1967) coloca que, no período em que a sociedade encontrava-se

entre a produção de valor de uso e a capitalista, alternava-se um período no interior

no qual nasce o valor de troca. Isto é, uma sociedade de mercado que transforma

tudo em mercadoria.

Sendo a troca uma das características dessa sociedade, uma vez que se

realiza em prol da satisfação das necessidades e que independe da posição

ocupada pelo homem, posto que ele vive dela, ela também passa a ser tida como

engrenagem para assegurar o bem do outro. Desta forma, a força de trabalho que

15

serve como base da acumulação capitalista, constitui-se como mercadoria e passa a

fazer parte dessa engrenagem de troca.

O sistema capitalista, implantado como novo modelo de produção, chega para

acabar com o então sistema feudal, que tinha como base suas classes sociais

praticamente estáticas, tendo em vista a preposição de que o indivíduo tinha que

aceitar a condição social que vivera. O que não acontece no sistema capitalista, uma

vez que o mesmo passa a pregar a defesa da igualdade. Todavia, o discurso

utilizado pelo novo modelo torna-se apenas formal, uma vez que afirmação de que

todos são iguais não é real, tendo em vista as desigualdades produzidas pelo

próprio sistema.

Logo, a história do regime capitalista é sublinhada pela defesa da igualdade,

todavia, tem como base a concepção de um mundo burguês com ideologia

conservadora e de manutenção da ordem vigente. O novo modelo também defende

a ideia de homem livre, entretanto, a liberdade colocada por ele é pontuada no que

diz respeito a esfera da circulação da produção, onde o homem e a mulher são livres

para a realização de um contrato de trabalho. Desta forma, a condição de homem

livre não satisfaz todos os membros da sociedade.

Além dos fatos apontados, são também colocados os de ordem natural, tal

como sexo e etnia, que operam no sentido de transferir para a estrutura de classe o

motivo pelo qual alguns indivíduos possuem mais vantagens em relação a outros,

favorecendo assim a ordem estabelecida.

A partir disto, observa-se a reprodução e naturalização da dependência e

subordinação feminina em relação ao homem, onde lhe cabe apenas integrar o

sistema como fonte produtiva. Nessa conjuntura, o trabalho feminino ainda é visto

como uma extensão do trabalho doméstico, mesmo estando inserido nas atividades

produtivas. Assim, faz-se necessária uma discussão sobre uma das características

que tiveram marcas profundas nas relações sociais de gênero na sociedade

patriarcal, a divisão social do trabalho.

Pode-se dizer que a divisão sexual do trabalho e as relações sociais de sexo

estão juntas e que ambas fazem parte de um contexto amplo no que diz respeito a

contraposição entre capital e trabalho, ou seja, encontram-se relacionadas na

contradição das duas categorias. Assim, também é possível perceber que as

problematizações das relações sociais de gênero são decorrentes da pressão do

16

feminismo quanto a evidenciar que os papéis sociais de homens e mulheres não são

produtos de destino biológico e sim, de uma construção social.

Assim, percebe-se que a raiz de toda essa problemática é fruto de um

conjunto de normas fixas no que diz respeito a masculinidade e feminilidade, que

estabelece a divisão entre homens e mulheres quanto a ocupação de postos de

trabalho, de cargos, tarefas, serviços, categorias. Desta forma, todos esses pontos

foram essenciais para o surgimento de uma sociedade patriarcal e para a

dominação da mulher na sociedade capitalista.

2.2. As diversas formas de opressão e relações sociais de gênero

A humanidade traz, desde os seus primórdios, a constituição do traço da

violência, elaborada mediante a dominação e exploração do homem pelo homem,

transformando as diversas formas de relação através de mecanismos de poder e

submissão. Diante disto, faz necessário nos atentarmos as transformações nas

relações homem/mulher dentro de uma perspectiva cultural patriarcal e entender que

somos resultado de uma educação diferenciada, tendo como base a desigualdade e

a mudança das relações. Dentro desta visão, o patriarcado pode ser entendido como

uma organização sexual hierárquica.

No entanto, se nos atentarmos as raízes da desigualdade entre homens e

mulheres, percebe-se que esta foi constituída ao longo dos tempos, tendo como

base mitos consolidados e que resultam nas diversas formas de violência contra a

mulher. Um dos mitos que ilustram bem esta construção é o judaico-cristão. Se nos

detivermos a alguns pontos da história do primeiro livro da bíblia (gênesis), podemos

compreender questões em relação a divisão desigual dos papeis sexuais, que

transpassa pela relação de poder e a perpetuação nos dias atuais, que tem como

resultado a opressão e a dominação da mulher.

A partir das formulações cristãs, que influenciam diversas organizações

culturais e sociais pelo mundo, o planeta foi criado em sete dias por Deus que, no

final, sentiu que ainda faltava algo. Assim, criou o homem a sua imagem e

semelhança e a partir dai, o mesmo passou a desfrutar abundantemente de todas as

riquezas materiais do planeta. Passando-se o tempo, o homem percebeu que todos

os animais tinham seus companheiros, macho e fêmea. Observando tal fato, o

17

mesmo passou a se sentir sozinho. Deus, percebendo a tristeza do seu filho, pegou

uma de suas costelas e criou a mulher. Assim, a mulher nasce com a função de ser

companhia para o homem, ou seja, foi criada na perspectiva de um ser dependente,

que veio ao mundo a partir de um pedaço do homem e não como ser individual.

Os dois viviam no jardim do Éden de forma igual e em perfeito equilíbrio com

a fauna e a flora. Até que, um dia, a mulher resolve explorar outros lugares e ares e

acaba conhecendo e conversando com uma serpente que vivia numa árvore cujo

fruto era proibido por Deus. A serpente, por sua vez, convence a mulher (Eva), a

comer tal fruto. Tendo a mesma provado e gostado do mesmo, ofereceu também ao

homem (Adão).

Deus, percebendo que seus filhos infringiram a única regra colocada por Ele,

castigou-os. Eva agora passaria a sentir dores no parto e ficaria sob o domínio de

Adão. Este, por sua vez, teve como castigo a obrigação de aprender a dominar a

natureza e do que dela vinha para poder sustentar a si e a sua família.

Deste modo, Eva ficou como culpada de ter provocado a expulsão do paraíso

e a Adão foi dado o poder de estabelecer a ordem, usando estratégias de

dominação e exploração, inclusive sobre Eva, tendo em vista que a mesma

precisava ser mantida sob controle, uma vez que já havia causado muitos

transtornos.

A medida em que o homem vai controlando a natureza, seu poder sobre a

mulher vai também, na mesma proporção, aumentando e se cerrando. O

fruto da árvore do conhecimento afasta cada vez mais o homem da

natureza , e a árvore do conhecimento é também a árvore do bem e do mal.

Do bem, porque permite a continuidade do processo humano, e do mal no

sentido em que cria o poder, a dominação como conhecemos hoje

(MURARO, 1992, p. 71).

Assim, é preciso retomarmos a história de Adão e Eva para que possamos

compreender a influência que ela tem na construção do papel do homem e da

mulher na cultura em que vivemos.

Adão, por ter preferido Eva e desobedecido a Deus, passa a ignorar sua

sensibilidade emotiva e suas possíveis manifestações de afeto, assim, tais pontos

passam a ser vistos pelos homens como se fosse uma coisa ruim e vergonhosa,

18

devendo o macho apenas manifestar sua função dominante sobre a mulher e a

terra. Eva, por ter desafiado o criador, teve sua vida limitada a um pequeno espaço

na sociedade. Desta forma, a mesma agora ocupa um espaço privado, sendo agora

apenas o ser do amor, da maternidade, da doçura e da fragilidade. Sua

responsabilidade passou a ser a família, o marido e as tarefas domésticas.

Com tais mudanças e a delimitação dos papéis sociais do homem e da

mulher, vão sendo potencializados e cristalizados os mitos, tornando-se assim,

verdades tidas como inquestionáveis e santificadas. Desta forma, naturaliza-se a

ideia de lugares que homens e mulheres devem ter na sociedade, afirmando a

hierarquia de poder entre os gêneros.

Para que haja uma melhor compreensão das relações sociais de gênero, é

preciso que se entenda a construção social baseada na distinção biológica dos

sexos, que se expressa por meio de relações de poder e subordinação, assim como

também pela discriminação de funções, normas, atividades, dentre outros fatores

que se esperam de homens e mulheres dentro de cada sociedade.

Pensar de forma contrária as verdades construídas sobre os papéis sexuais

nos remete a reflexão sobre o esquecimento em relação à divisão dos sexos de

forma biológica, se tornando essa uma possibilidade de revolução no meio do

comportamento humano. Esse fato desaguaria no possível abandono de

concepções tidas historicamente do ser humano masculino e suas funções, tais

como, chefe de família, homem de negócios, responsável pelo provento e sustento

familiar. Da mesma forma nós, mulheres, teríamos cedidas as concepções que

recaem sobre nós, tais como, ser capaz de parir, dedicada ao lar, sexo frágil.

Em troca de definições já impostas, passaríamos a aderir a concepções

comuns a ambos os gêneros, tais como inteligentes e capazes, racionais e

emotivos, fortes e fracos. Assim, se evidenciaria uma ocupação mútua tanto no

espaço público, quanto no privado.

Tais mudanças integram a categoria gênero como uma perspectiva de que

sujeitos são frutos de suas vivências e experiências que, por sua vez, são

constituídos de forma histórico-cultural e não concedidos pela natureza. Assim, o

conceito de gênero está entrelaçado nos conceitos das relações entre os sexos,

19

identidade e papel sexual. Nesse caso, cabe empregar o conceito da autora Joan

Scott que define: “gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas

nas diferenças percebidas entre os sexos” (1990, pg. 86). Isto é, as relações de

poder se desenvolvem dentro das relações sociais.

O poder é entendido como expressão de correlação de forças que se

centralizam no controle, na opressão transmitida entre um dominador e um

dominado, estabelecido nas relações culturais, políticas, sociais, econômicas e

sexuais.

Foucalt (1990), coloca que o poder é exercido em várias direções, sendo

capaz de envolver a sociedade inteira, desta forma, ninguém estaria livre dele,

sendo o poder compreendido como uma estratégia. O autor também coloca que o

poder fabrica corpos dóceis e úteis, que produz sujeitos e induz comportamentos.

Assim, percebe-se que não apenas mecanismos de censura e repressão constroem

homens e mulheres, mas também as relações culturais e as práticas sociais e

econômicas impõem os modos de viver em sociedade.

Esse conjunto de relações não pode ser interpretado de acordo com a visão

de Foucalt que coloca que: “fosse estável, fixa e imutável, pois os sujeitos que a

compõem são constituídos de identidades próprias, portanto, onde existe poder

também encontramos resistência”, uma vez que coloca em questão a relação inerte

entre dominante e dominado de forma passiva. Desta forma, homens e mulheres

têm condições tanto de disputar, quanto de resistir ao poder.

Constatando ações de mulheres contra tal resistência, assim sendo um

mecanismo de poder, percebe-se que ainda é insuficiente o exercício do poder para

reversão do jogo da dominação masculina, uma vez que essa é a configuração

histórica da humanidade. Portanto, pode-se considerar que persiste uma distribuição

desigual nas parcelas de poder no que se refere as relações de gênero.

Diante do que já foi exposto no presente trabalho, a submissão da mulher ao

homem é uma produção histórico-cultural que se processa no âmbito da

santificação, o que torna seu rompimento difícil, uma vez que se incorporam

verdades do polo cultural.

20

3. RELAÇÕES DE SEXO E DIVISÃO DO TRABALHO

No contexto capitalista e patriarcal, por muito tempo, a não consideração dos

afazeres domésticos como trabalho, fez com que fossem silenciadas e invizibilizadas

relações desiguais e de poder entre os sexos. Tendo em vista que as atividades

domésticas tinham como base os vínculos de casamento e trocas parentais, a

opressão e a subalternidade tida entre os sexos se escondiam em meio à visão da

mulher como cúmplice familiar, amor e cuidado, enquanto ao homem era a de

sustento e provisão financeira. A sociedade patriarcal coloca um modelo de família o

qual a mulher, mãe, se torna responsável pela educação e criação dos filhos. Neste

contexto os homens ocupam os espaços públicos e são vistos como os chefes de

família.

Hirata e Kergorat (2007) colocam que no momento em que o trabalho

doméstico passa a ser analisado como atividade de trabalho e trabalho profissional,

foram abertos novos horizontes para que fosse pensado em termos de “divisão

sexual do trabalho”.

A divisão sexual do trabalho tornou-se objeto de pesquisa em diversos

países, todavia, a consolidação da base teórica do assunto, sob o impulso do

movimento feminista, se deu no início dos anos 70, na França. Castro (1992), coloca

que o paradigma da divisão sexual do trabalho serviu como fortalecimento do debate

relacionado ao trabalho da mulher nos espaços público e privado, tirando, portanto,

da invisibilidade a reprodução social executada de forma gratuita pelas mulheres.

Para as autoras Hirata e Kergoat (2007), a relação habitual entre os grupos de

homens e mulheres é considerada como “relações sociais de sexo”. As mesmas

colocam ainda que a divisão sexual do trabalho é fruto do estabelecimento da

divisão social nas relações sociais entre os sexos, divisão essa que teve sua

modulação estabelecida histórica e socialmente e instrumento de sobrevivência da

relação social entre os sexos.

A divisão do trabalho que resulta das “relações sociais de sexo” na sociedade

capitalista designou às mulheres a esfera reprodutiva, já para os homens, a esfera

produtiva, que estabelece uma relação desigual entre eles que cria e reproduz

21

desigualdades em relação ao papel e função de cada um na sociedade. Assim, as

relações sociais entre os sexos manifestam com base na desigualdade, hierarquia, o

qual é marcado pela opressão e a exploração de um sexo sobre o outro. Tal divisão

estabeleceu as divisões de funções entre os sexos, atribuindo à mulher o cuidado do

lar e da família, atribuições essas consideradas de pouco valor social. Já para os

homens atribuiu-se a produção material, sendo tal função considerada de prestígio e

que confere poder dentro da sociedade.

Na sociedade capitalista, histórica e culturalmente, sempre foi colocado à

mulher responsabilidades referente aos cuidados com a casa e a família, isto, sem

levar em consideração a sua idade, nível de renda ou condição de ocupação. Sobre

elas, até os dias atuais, recai o trabalho doméstico, tendo como base o discurso que

atribui à mulher a naturalidade feminina para tais tarefas. Assim, tal discurso de

atribuição social do cuidado feminino limitou a inserção da mulher no espaço privado

e deixou a mesma em desvantagem em relação aos homens na atuação econômica

e social.

O ingresso feminino no mundo econômico não equipara as funções atribuídas

aos sexos. Pelo contrário, reforça ainda mais as desvantagens tidas entre os

mesmos, uma vez que as mulheres passam a compartilhar a provisão financeira da

família juntamente do homem, além da responsabilidade com as atribuições do setor

privado. Apesar da saída do lar e das conquistas tidas pelas mulheres no âmbito do

setor público, ainda podemos considerar que esta é uma revolução incompleta, uma

vez que a maioria delas, ainda assumem sozinhas as atividades do espaço privado,

ou seja, uma dupla jornada de trabalho. Desta forma, Bruschini (2006), coloca que o

tempo econômico masculino é sempre maior que o feminino e, em decorrência disto,

o tempo feminino na reprodução social é maior que o masculino. A mesma coloca

ainda que não há uma contrapartida de redução de tempo dedicado por elas à

reprodução social, apenas acontece uma adição do tempo econômico ao da

reprodução social.

O entendimento da forma que se dá a divisão sexual social e sexual do

trabalho transcorre sobre o entendimento das relações sociais, econômicas e de

poder articuladas através da cultura ao longo da história. O estreitamento entre

22

produção e reprodução tem sua materialização na relação existente entre trabalho

remunerado e não remunerado, assim como também, nas relações sociais entre os

sexos. Na perspectiva do “destino natural dos sexos”, para os homens, são definidos

a produção e a remuneração e, para as mulheres, fica o trabalho não remunerado. É

a divisão entre o público e o privado que se concretiza na questão do trabalho

remunerado e o não remunerado. Sorj (2004) coloca que esses tipos de trabalho são

duas dimensões do trabalho social que estão intimamente relacionadas, sendo

prevalecida a noção de que o trabalho para o mercado e a atividade doméstica são

guiados por diferentes princípios, uma vez que as regras de mercado se aplicam a

produção, enquanto que o trabalho doméstico seria um tipo de contrapartida das

mulheres no casamento. Desta forma, podemos considerar que a divisão sexual do

trabalho é o que elucida o estreito vínculo existente entre trabalho remunerado e não

remunerado. Percebendo a esfera da produção econômica e a da reprodução social,

pode-se observar que as obrigações domésticas, por muito tempo, limitavam o

desenvolvimento profissional das mulheres, o que implicou de forma considerável

em salários mais baixos, empregos de menor qualidade e carreiras descontínuas.

As atividades de trabalho são marcadas por estereótipos que são associados

ao sexo e ao conjunto masculinidade/virilidade e feminilidade. Hirata (1995) coloca

que a virilidade está associada a trabalho pesado, sujo, insalubre, penoso, enquanto

que a feminilidade associasse ao trabalho limpo, fácil, leve, que exige paciência e

minúcia. Há tempos a masculinidade foi associada a racionalidade, enquanto a

feminilidade foi atribuída ao sentimentalismo. Assim, para os homens ficaram as

tarefas ligadas ao econômico e as mulheres, as tarefa ligadas ao cuidado, amor e

altruísta feminino. Todavia, essa associação tida em relação ao masculino e

feminino vem sendo cada vez mais colocada em cheque ao longo da história, na

medida em que as mulheres vão buscando mais espaço na sociedade e ocupando

funções tidas como masculinas no mercado de trabalho e na vida pública.

Entretanto, vale ressaltar que a ocupação das mulheres em espaços tidos

historicamente como masculinos não significa a alteração total na essência da

divisão social do trabalho, uma vez que ainda é bastante presente a hierarquização

do trabalho masculino como de maior valor que o feminino.

23

Assim, pode ser percebido que as mudanças e permanências da divisão do

trabalho entre os sexos ao longo da história mostram tanto a variabilidade quanto

persistência das formas de trabalho dos mesmos. Os avanços e retrocessos são

contínuos, o que configuram novas relações e tensões e mostrando que as relações

sociais de sexo são dinâmicas e não lineares.

3.1 O Trabalho feminino no Brasil – A mulher e o mercado de trabalho

Para começarmos a falar do trabalho feminino do Brasil, vale ressaltar alguns

pontos que permeiam a história da mulher neste cenário há décadas, que são eles:

continuação das desigualdades salariais entre homens e mulheres; discriminação

feminina e divisão sexual do trabalho; influência da imagem social

masculino/feminino na ocupação de cargos. Apesar do destaque de tais pontos,

houve uma significativa ampliação da mulher no mercado de trabalho no país, o que

ocasionou alterações no perfil da força de trabalho, bem como modificações na

composição de gênero de diversas profissões. Todavia, ainda há desigualdades

profissionais e salariais entre homens e mulheres, tendo em vista que ainda é

bastante presente a concentração de mulheres em determinados setores e

profissões e essa segmentação constitui a base das desigualdades profissionais

entre os sexos (MELO, 2001).

Para falarmos da participação feminina no mercado de trabalho, devemos

levar em consideração as condições nas quais as mulheres são inseridas no

mercado, a dupla jornada de trabalho e as consequências dos laços empregatícios,

especialmente quando consideradas mulheres com baixa qualificação profissional e

escolaridade. Assim, a compreensão de tal processo requer explicações além de

âmbito profissional, qual seja, as de âmbito extraprofissional, que são os referentes

a responsabilidade feminina acerca de tarefas domésticas.

Na questão da precarização do trabalho, pode-se perceber que esta tem

ocorrido em um duplo processo, o que exige uma estabilização com maior

participação do sujeito no processo de trabalho e o que precariza os laços

empregatícios, apontando para uma dispersão das situações de trabalho

(HIRATA,1998). Desta forma, podemos considerar essa precarização como uma

espécie de “inserção excluída”, que regularmente envolve o trabalho feminino,

24

fazendo com que seja ocasionada uma posição desvantajosa das mulheres no

mercado de trabalho (POSTHUMA, 1998).

Segnini (1998) coloca que historicamente, as mulheres representam uma

grande parcela no número de ocupações precárias e que permanecem vivenciando

as maiores taxas de informalidade. Entretanto, o emprego precarizado não se

restringe apenas as mulheres, o que possibilita a suposição de que o trabalho

feminino pode representar um teste de viabilidade ou não desse modelo para a

classe trabalhadora como um todo, tendo em vista que, ainda conforme Segnini

(1998, p. 38), “as mulheres foram pioneiras ao ocupar postos de trabalhos precários,

que estavam por vir para ambos os sexos, no contexto da reestruturação produtiva”.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, pode ser percebido que um

elemento praticamente constante que se faz presente é a desigualdade de gênero

no quesito rendimentos. Conforme dados do (IBGE, 2018, online):

Em relação aos rendimentos médios do trabalho, as mulheres seguem

recebendo, em média, cerca de ¾ do que os homens recebem. Em 2016,

enquanto o rendimento médio mensal dos homens era de R$2.306, o das

mulheres era de R$1.764.

Assim, pode ser observado que o processo de feminilização de atividades

pode vir acompanhado de um de desvalorização da atividade e rebaixamento

salarial. No que diz respeito ao processo de inovação tecnológica e organizacional,

deve ser levado em conta que ele pode ter dois tipos de resultado, o que gera novas

oportunidades de emprego, o que refletiria de forma positiva para as mulheres, ou o

que reforça a marginalização das mulheres, especialmente nas trabalhadoras não

qualificadas. No tocante ao fato de que espaços que exigem maior qualificação e

escolaridade passam a ser cada vez mais ocupados por mulheres, onde as mesmas

se incorporam atividades que eram consideradas masculinas, não significa que essa

realidade é homogênea para todas, o que resulta na possível construção de um

distanciamento profissional no quesito mulheres qualificadas e não qualificadas.

Tais questões, de alguma forma, representam consequências da divisão

sexual do trabalho para a mulher inserida no mercado. As mudanças constantes no

processo produtivo ainda não tem contribuído de forma efetiva para a eliminação da

25

divisão sexual do trabalho, separação essa que, historicamente, segrega, diminui e

desvaloriza o trabalho feminino.

3.2 Mulher, democracia e divisão sexual do trabalho

O caminho que marca as lutas feministas e as conquistas de direitos pelas

mulheres no período que vai do início do século XX e início do século XXI, foi de

grande significado no que diz respeito às relações sociais na vida das mesmas. Com

a conquista de direitos, vem sendo permitido que a mulher participe de forma mais

ativa e autônoma em vários campos. O confronto direto do feminismo as hierarquias

impostas desde o inicio da sociedade capitalista, que coloca o homem como o

centro das atividades e a conscientização da mulher sobre o seu lugar nela, tem sido

de grande colaboração no que diz respeito à ampliação e efetividade desses

direitos.

Apesar da constante luta por igualdade, ainda permeiam na sociedade as

hierarquias de gênero, que podem ser facilmente identificadas no trabalho, na

política, nas atribuições tidas como de homem/mulher. Neste quesito, podemos

destacar a posição desigual entre homens e mulheres nas relações de poder,

assumidas na vivência cotidiana. Tendo o feminismo herdado o liberalismo em muito

sentidos, o mesmo adere de forma significativa, o indivíduo como valor. É histórica a

posição da mulher como sujeito secundário, com baixa efetividade de direitos e de

tomadas de decisões. Assim, percebem-se limites na igualdade da cidadania, uma

vez que, diversas vezes, não é levada em conta a singularidade da posição das

mulheres, o que compromete a efetividade da ampla democracia.

Tendo em mente que as mulheres, apesar das conquistas tidas até o

momento, ainda não estão totalmente libertas das premissas tidas historicamente no

que diz respeito à posição da mesma na sociedade, podemos caminhar para uma

discussão a cerca das relações de poder presentes na divisão sexual do trabalho.

Para uma análise mais pertinente desta divisão, devemos levar em conta o

espaço doméstico, percebendo também que a divisão citada é fruto de uma

produção social, com efeitos de normas e costumes. Diante disto, podemos destacar

que é preciso que haja o entendimento de que relações de poder percorrem por

26

diferentes esferas. A responsabilização da mulher pela vida doméstica tem como

destaque o cuidado com os filhos e a casa e o trabalho sistemático para a

reprodução da vida. A sociedade nos ensina, desde crianças que esta é a nossa

função e crescemos acreditando que isto é o certo. Todavia, essa imposição que

nos é atribuída, nos coloca em uma posição que nos da menor controle sobre

nossas vidas e ocasiona em um menor tempo de participação na vida pública,

precarização do trabalho e obstáculos em relação à participação política.

Diante destes fatos, a construção de políticas de caráter permanente que

possam alterar a condição de desigualdades e que ampliem bases de autonomia

das mulheres demanda ações nas mais diversas áreas. É possível a identificação de

algumas dessas políticas que, embora não tenham sido criadas voltadas única e

exclusivamente para as mulheres, são de grande contribuição, quando implantadas

de forma eficaz, para a ampliação da autonomia e autosustentação das mesmas. A

efetivação de programas em escolas e creches que acolhem crianças em tempo

integral são, quando efetivas, de grande importância na vida da mulher, uma vez

que a mesma passa a ter mais tempo para investir em profissionalização, carreira e

estudos. A interferência de políticas que garantem, por exemplo, ampliação de

períodos ecolares e vagas para educação infantil, estão diretamente relacionadas a

presença feminina no mercado de trabalho, tanto no ponto de vista quantitativo,

quanto nas perspectivas de desenvolvimento profissional, além do que, são

indispensáveis para a existência de tempo livre, o que é essencial para a construção

da cidadania, tanto no aspecto de cultura e lazer, quanto no de participação política.

Na questão da divisão sexual do trabalho, vale ressaltar que falar de mulher

não é falar de um grupo homogêneo. São diversos os interesses que perpassam as

mulheres e isso deve ser levado em conta quando discutimos a presente questão.

São distintos os impactos causado nas mulheres no que diz respeito a atribuição

diferenciada das responsabilidades. Quando discutimos sobre o fato das mulheres

terem entrado no mercado de trabalho nas últimas décadas, não podemos aplicar tal

fato aquelas que nunca tiveram oportunidade de fazer parte dele, ainda que isso

pudesse ser acrescido como trabalho mal remunerado, em condições de exploração.

27

Apesar das mudanças ao longo da história, as mulheres ainda continuam

sendo prioritariamente responsabilizadas pela vida doméstica e tendo sua imagem

diretamente ligada a mulher mãe, esposa e sexo frágil. O trabalho doméstico

remunerado ainda é realizado, predominantemente, por mulheres. No Brasil, estas

mulheres são, na sua maioria, negras e pobres que saíram das regiões mais pobres

do país em busca de emprego. Neste ponto, podemos citar a demora na

regulamentação de seus direitos, o que faz com que sejam expostos alguns dos

limites da nossa democracia. Um destes é a privatização de responsabilidades,

podendo ser citado aqui a baixa responsabilização do estado pelas crianças.

Algumas das medidas que poderiam colaborar para uma definição diferente das

atribuições dessas trabalhadoras seriam o acesso a creches e ensino integral,

normas que evitem que trabalhadoras sejam prejudicadas por alguma necessidade

do filho, por exemplo, no caso de doença.

Em contrapartida, há toda a discussão de ascensão da mulher no mercado de

trabalho, ainda se fazem presentes as situações de contratação do trabalho mal

remunerado e precário de mulheres mais pobres, o que alavanca a participação de

mulheres mais ricas no mercado, o que permite que as mesmas cheguem a

posições mais elevadas e com melhores remunerações em relação a momentos

históricos anteriores. Todavia, apesar dessa relação, não podemos deixar de

salientar que tanto as mais ricas, quanto as mais pobres são trabalhadoras e que,

em relação a divisão sexual do trabalho, as mesmas permeiam por diversos

obstáculos.

Não é automática ou direta a relação entre o exercício do trabalho doméstico

pelas mulheres, em que está incluída sua responsabilização pelo cuidado das

crianças e dos idosos, e sua posição desvantajosa nas hierarquias que organizam

nossa sociedade. Isso não implica que tenha menos centralidade na dinâmica em

que se definem, nas democracias, posições desiguais para os indivíduos. O acesso

seletivo à política institucional, ao exercício de influência, assim como a renda e a

tempo livre, têm como um elemento fundamental a divisão sexual do trabalho.

28

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É sabido que a mulher teve papel secundário na sociedade desde os

primórdios, sendo o homem o centro principal. Desta forma, nota-se em meio a

história da humanidade, que o homem sempre foi tido como sinônimo de força e

poder, enquanto as mulheres tinham sua imagem ligada a maternidade e a doçura.

É notável também que está ideia vem sendo constantemente discutida e

questionada por mulheres que, apesar das conquistas tidas até então, ainda sofrem

com os respingos deste patriarcado imposto.

A chegada do novo modelo de regime, o capitalista, tras consigo a falsa ideia

de igualdade, uma vez que na verdade, reproduz ainda mais as desigualdades já

existentes na sociedade, inclusive, em relação a divisão sexual do trabalho. Isto

porque, continua a naturalização da dependência da mulher em relação ao homem e

continua acentuando o trabalho feminino como a extensão do trabalho doméstico.

Além disto, outros fatores também são contribuintes para a ideia em questão, sendo

um deles é o judaico Cristão que coloca a mulher como culpada da expulsão do

Paraíso e coloca o homem como o provedor e a cabeça pensante do processo de

reconstrução da humanidade.

Diante destes fatos, percebe-se que a mulher vem, desde os primórdios,

sendo induzida a comportar-se de forma inferior ao homem, sendo sempre submissa

e criada com a ideia de que nasceu para obedecer. Felizmente, este cenário vem

mudando ao longo das décadas e a mulher começa a entender que tem autonomia

para fazer o que quer que seja, sem que seja colocada como inferior a alguém do

sexo masculino. Todavia, o machismo e o patriarcado ainda se faz bastante

presente no cotidiano de grande maioria delas. Desta forma, torna-se evidente a

adoção de medidas que conscientizem não somente as mulheres, mas,

principalmente os homens sobre igualdade e respeito. Acredito que a adoção de

políticas públicas de conscientização e esclarecimento seja de grande valia para que

possamos, juntos, combater cada vez mais a desigualdade existente em relação ao

sexos não somente no âmbito da divisão sexual do trabalho, mas em todas as

esferas da sociedade.

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