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SMO TRIB FEDER DJACI ALVES FALCÃO Discursos proferidos no STF, a 8 de março de 1989, por motivo de sua aposentadoria BRASÍLIA 1989

DJACI ALVES FALCÃO - stf.jus.br · Tribunal Superior Eleitoral, nos quais não medi esforços para o aperfeiçoa ... espírito a constante preocupação de bem servir à Justiça,

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

DJACI ALVES FALCÃO

Discursos proferidos no STF, a 8 de março de 1989,

por motivo de sua aposentadoria

BRASÍLIA 1989

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

DJACI ALVES FALCÃO

Discursos proferidos no STF, a 8 de março de 1989,

por motivo de sua aposentadoria

BRASÍLIA 1989

Carta do Senhor Ministro DJACI FALCÃO

Recife, 30 de janeiro de 1989.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RAFAEL MA YER. DIGNO PRESIDENTE 00 SUPREMO TRffiUNAL FEDERAL.

Nesta data foi publicado no Diário Oficial o ato de minha aposentado­ria como Ministro do Supremo Tribunal Federal, cargo que representa láurea máxima, especialmente para quem se dedicou à sublime missão de Juiz desde o verdor dos anos.

Durante quarenta e quatro anos de efetivo exercício pertenci ao Poder Judiciário, galgando todos os degraus da magistratura no Estado de Pernam­buco, onde integrei o egrégio Tribunal de Justiça, por um decênio, tornan­do-me seu Presidente em 1961. Em fevereiro de 1967 ascendi à nossa Corte mais alta, sucedendo ao eminente e sempre lembrado Ministro Antonio Mar­tins Villas Boas. Tive a fortuna de exercer a sua Presidência no biênio 1975- 1976. Percorri também os caminhos da Justiça Eleitoral, exercendo, in­clusive, a Presidência do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco e do Tribunal Superior Eleitoral, nos quais não medi esforços para o aperfeiçoa­mento do processo eleitoral adequado ao regime democrático.

Nesse itinerário, de Juiz singular a membro do grande órgão de equilí­brio entre os Poderes no mecanismo do sistema político federativo, nutri in­declinável entusiasmo e encanto pela realização do Direito, pairando no meu espírito a constante preocupação de bem servir à Justiça, buscando a "igual­dade de proporção que realiza a justiça, tratando cada qual segundo o que lhe é devido, e, antes de tudo, todo homem como homem", na feliz medi­tação de Jacques Maritain.

Devo dizer que não se deve subestimar a missão do Poder Judiciário, a quem se incumbe a solução derradeira dos conflitos de várias espécies, numa sociedade complexa, cheia de tensões e de almas inquietas. Daí por que sempre me empenhei, com objetividade, acima de qualquer sectarismo, pela

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valorização do magistrado e por modificações na estrutura judiciária, para a modernização dos serviços necessários ao seu regular funcionamento.

O Supremo Tribunal Federal, nos limites conferidos pela Constituição, sem delúios de grandeza, com imperturbável serenidade e altivez, na trajetó­ria de secular história tem a sua atuação jurisdicional voltada para o cumpri­mento do direito positivo e efetivação dos valores da Justiça.

Tive o privilégio de conviver com insignes magistrados. Levo comigo o justo orgulho de haver exercido o cargo de Juiz dessa Corte modelar.

É-me grato proclamar a colaboração dos membros do Ministério Públi­co Federal, hoje representados pelo Or. José Paulo Sepúlveda Pertence, ilus­tre Procurador-Geral da República, e dos nobres advogados do País.

Registro ainda, nesta oportunidade, os meus agradecimentos pela cola­boração valiosa dos funcionários do Tribunal e, particularmente, aos do meu Gabinete, exemplares na dedicação ao serviço público.

Orgulhoso da terra em que nasci - a Par3.1ba, e de Pernambuco, terra de minha formação intelectual e do meu alvorecer como Juiz, retomo agora às raízes com natural contentamento.

Ao encerrar o ciclo da minha vida de magistrado, com muita paz inte­rior, graças a Deus, reitero a Vossa Excelência e demais colegas e amigos os meus protestos de profunda consideração e de pessoal apreço.

DJACI ALVESFALCÁO

Palavras do Senhor Ministro RAFAEL MA YER,

Presidente

A primeira parte desta sessão será dedicada à homenagem que este Tri­bunal presta ao eminente Ministro Djaci Falcão que nos deixou por ocasião da aposentadoria. Concedo a palavra ao eminente Ministro Francisco Rezek, para a saudação em nome da Corte.

Discurso do Senhor Ministro FRANCISCO REZEK

Senhor Presidente. Excelências.

Senhoras e Senhores.

Sua palavra firme, serena e autorizada é sempre garantia de boa jus­

tiça: disse-o Victor Nunes sobre o Presidente Djaci Falcão, e nada disse que já não soubessem todos. Seu renome, muitos anos antes, transbordara do Re­

cife e do Nordeste quando puderam os brasileiros enaltecer o gesto do chefe de Estado - aquele dentre os mais íntegros de nossa história - que decidiu conduzi-lo a esta Corte maior. Guardava seu curso natural a trajetória do magistrado de carreira que recolhera os louros numa competição precoce, e desde então só fizera, a cada passo, justificar-lhes o domínio.

Quando assumiu o foro do centro industrial de Paulista, quarta e última das comarcas da província, a preceder de imediato seu estabelecimento na capital de Pernambuco, foi-lhe frustrante a busca de moradia que se ofere­cesse à locação. Não que não houvesse ali casas vazias, e de boa qualidade. Pertenciam todas, porém, à dinastia dos Lundgreen, que sem qualquer ônus costumavam cedê-las, quando necessário, às pessoas gradas. O juiz Djaci Falcão declina da gratuidade, e, sem opção outra, reclama o arbitramento de aluguel justo. Rigor e austeridade, fundamentos de semelhante gesto, emba­sariam no Recife, no exercício da undécima vara, a célebre sentença na ação popular com que alguém investira contra a munificência, em causa própria, dos membros da Assembléia Legislativa do Estado, que se entenderam de outorgar, por maioria, substancioso aumento à guisa de representação. Hoje, tanto melhor assentadas as bases do exato entendimento desse instituto jurí­dico, pode diluir-se aos olhos do observador incauto a clarividência no trato da matéria pelo magistrado, naqueles idos distantes de 1956. Lei de ação p0-pular não havia: impunha-se dizer, primeiro, da auto-eficácia de um preceito

constitucional sumário, e traçar-lhe os contornos à luz do que então repon­tasse, raro, na doutrina, e de quanto à consciência do juiz lhe ditassem o

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bom senso e o gosto da probidade. Fê-lo Djaci Falcão em preliminar alenta­da, para depois dizer da pertinência do controle judiciário sobre o mérito de atos materialmente administrativos do parlamento, e concluir:

"A chamada 'representação' exorbita, pois, o limite constitucional de tão elevada estimação fmalística. É flagrante sua invalidade. E tanto não é legítima a percepção dessa 'representação' que à mesma não se referiu o legislador constituinte. Se assim a considerasse, por uma

razão de lógica comum, de coerência moral e jurídica, teria feito a sua inclusão, especialmente no § 2�, do citado art. 13, que diz da imutabi­lidade das vantagens pecuniárias atribuídas ao Deputado, no curso do mandato. Se porventura admitida a 'representação', e não fosse ela in­cluída no § 2� do art. 13, perderia tal parágrafo toda a sua imponência e respeitabilidade. É fora de dúvida que o legislador limitou as vanta­gens pecuniárias do Deputado à ajuda de custo e ao subsídio, como também determinou que a sua ftxação só deverá ser feita no ftm de ca­da legislatura ( ... ). Está caracterizada a lesão ao erário. Houve uma Resolução inconstitucional, e que executada, trouxe diminuição patri­monial ao Estado de Pernambuco." Não só na investidura judiciária. Também no magistério do direito o ju­

rista forasteiro - posto que vindo da vizinha Parruba - marcava presença na metrópole do Nordeste. Como titular de direito civil tiveram-no a Universi­dade oftcial e a Universidade Católica de Pernambuco. Nós, que cultuamos

as letras jur(dicas - dizia ele produzindo doutrina -, devemos ter presente,

jamais olvidar que o direito tem sido e, decerto, continuará a ser a ciência

do equilfbrio social. Esse precioso estudo da igualdade perante a lei, estam­pado na Revista Forense, ensinava, sem autocensura que lhe traísse a hones­tidade da idéia:

"Constitui pressuposto lógico do preceito igualitário - iguais condições e iguais circunstâncias. Tratamento igual entre iguais é o sentido fmalístico que ele encerra. Ao invés de um nivelamento utópi­co, importa num tratamento de mérito. Este o seu escopo. O mais é de­magogia." Aos trinta e sete anos Djaci Falcão ascendeu ao Tribunal de Justiça de

Pernambuco. Uma década mais tarde, esgotadas as funções e responsabilida­des a que se pode chegar no âmbito do Estado federado, traziam-no seus mé­ritos ao Supremo. Deste a Presidência lhe renovaria, no instante inaugural, as emoções da grande jornada. Foi quando disse:

"Ao chegar ao Tribunal de Justiça em princípios de 1957 vi aca­lentada a minha aspiração maior. Sentia-me sobejamente recompensa-

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do. A mim bastava. Chamado a integrar esta Corte, sem dúvida honra inexcedível, como sertanejo acostumado à seca nordestina, me vi diante de uma colheita além das previsões. Agora, chego a esta cadeira mais

elevada, como depositário da confiança dos meus eminentes colegas. Com humildade e prudência, mas crente na majestade do Direito e com

a devida flrmeza, procurarei executar o que a Corte decidir, em sua so­branceira sabedoria e no seu perene amor à Justiça." Da excelência do regime democrático e das virtudes didáticas do voto,

dera ele seu testemunho ainda antes, ao tomar em mãos a regência da Justiça eleitoral:

"Creio no exercício do direito de voto, através de eleições regula­res. Além do mérito que lhe é inerente, como realização imprescindível ao estado de direito, a sua prática propicia a correção de deficiências que maculam o processo eleitoral." Esse judicioso entendimento fez-se ouvir em cerimônia plenária de 11

de fevereiro de 1971. Numa época, portanto, em que, po r expressiva maio­ria, nossas elites não acreditavam que o voto popular tivesse qualquer mérito inerente ou eflcácia corretiva dos vícios do sistema. Se acreditavam, prefe­riam não dizê-lo. E se o diziam, melhor estimavam que não fosse em público nem se estampasse em papel impresso.

Os anais do Supremo registram vinte e dois anos de sua fecunda judi­catura, e o número de destaques possíveis, pelo valor doutrinário, tanto quanto pela oportunidade histórica, não tem medida. A ele coube relatar o recurso de Caio Prado Júnior contra a decisão, não unânime, da Justiça Mili­tar que o condenara ao cárcere por exortação subversiva. Esse gênero de

crime, ensinava o relator, reclama uma vontade consciente, visando a umfa­

to determinado. Não há crime sefalta a potencialidade causal. O crime não

pode decorrer de uma conjectura.

De outra feita sua sensibilidade política haveria de aflorar, com a maes­tria da técnica do jurista, numa singular representação por inconstitucionali­dade. Fora esta motivada pelo inconformismo de grandes construtores imobi­liários, frente à norma que, no contexto da Constituição da Parruba, protegia parte da orla marítima contra o estrago que a construção de maior porte lhe

anunciara trazer. Por uma dessas ironias que de quando em quando colorem o argumento jurídico, a especulação imobiliária chamava em seu prol um princípio em si mesmo inofensivo, qual o da autonomia municipal, alegada­mente ultrajada quando o constituinte paraibano entendeu de dar disciplina uniforme à construção civil nas comunidades litorâneas. Rejeitando a repre­sentação, em voto comodamente vitorioso, ponderou que o valor político-

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administrativo dessas regras é abrangente dos interesses do município e do

Estado. Elas transcendem, por isso, o âmbito do peculiar interesse do mu­nicípio:

"Os horizontes do processo de urbanização, nos dias atuais, com a superconcentração populacional urbana, a gerar nas capitais e gran­des cidades desajustamentos econômicos e sociais, envolvendo graves problemas atinentes à saúde, à segurança, à ecologia e ao bem-estar da sociedade, não podem ficar limitados a normas do estreito âmbito legis­lativo municipal."

Recordo que, faz algum tempo, ao escrever um prefácio, observei que em dois aspectos somente se têm identificado, todos, os membros do Supre­mo: a honradez incontestada, tradição que precede o período republicano, e a consagração exaustiva ao trabalho. No restante, o Tribunal figura em todas as suas fases um arquipélago, à força de profunda diversidade entre as ori­gens, o estilo, a experiência e a carreira de seus membros, entre as opções metodológicas, entre os tantos modos de encarar as pessoas e as coisas, o di­reito e a sociedade, a história e o futuro. Talvez por isso mesmo germine, em cada um de nós, uma tendência espontânea à admiração daqueles que osten­tam o que a nós próprios na vida não foi dado experimentar; proverbial nos­talgia que a escolha de determinado caminho produz no coração humano à lembrança de todos os outros caminhos preteridos ou inalcançados.

Na consciência de quantos aqui chegaram, durante estas duas décadas, havendo trilhado vias distintas, a imagem do Presidente Djaci Falcão fixou­se, por certo, como a do modelo antológico do magistrado de carreira. Nin­guém o excedeu no cuidado, na percuciência, na preocupação constante com o correto dizer do direito. Custa-nos deixar de encontrá-lo agora, às tardes próprias, no assento de onde presidiu pelos derradeiros anos a Segunda Turma. Era alentador trabalhar sob sua direção segura, acompanhar suas análises minuciosas, porém nunca prolixas, ceder à injunção ponderada de quem sempre dominou o direito mas nunca pretendeu impor a própria ótica, conservando, mesmo no debate, um comedimento fidalgo que fazia evocar o Supremo dos tempos de Prado Kelly.

Na primeira sessão que realizamos sem sua presença, os sentimentos da Segunda Turma foram traduzidos pelo Ministro Carlos Madeira, que disse da compreensão de seus pares para com o fato de que o colega retirante dese­jasse, depois de tão longa Jornada, desfrutar a alegria do conv{vio da bela

jamflia que constituiu, sem as fugas para o silêncio cheio de ansiedades do

gabinete do trabalho. E observou que:

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"Ao lado da sua dedicada esposa - que tanto desejou este mo­

mento - vai ele desfrutar as luzes da cidade de sua eleição, com as ja­nelas para o largo oceano, por onde entra a manhã - que é mais manhã porque marinha, como diz o poeta -, e, em paz, revolver lembranças e

se enriquecer do presente povoado de vozes familiares. Volta, assim, Sua Excelência, ao porto seguro onde, sôbolos rios, ouvia as vozes de sua Parruba natal, embalando os sonhos que realizou. "

O mesmo imponderável poeta, João Cabral de Melo Neto, diz ao mais fundo sentimento de quantos, no velho Recife, cresceram e tomaram cons­

ciência, a um tempo, da grandeza e dos limites da condição humana: "Diversas coisas se alinham na memória numa prateleira com o rótulo: Recife. Coisas como de cabeceira da memória, a um tempo coisas e no próprio índice; e pois que em índice: densas, recorta­das, bem legíveis, em suas formas simples."

Esse largo oceano que doravante se estenderá a cada dia frente a seus

olhos atentos, frente a seu semblante premiado por Deus, mesmo na proxi­midade dos setenta anos, com singular juventude, só igualada pela higidez

de seu raciocínio e pela consistência de suas idéias; esse oceano sem medida não excede, entretanto, na dimensão simbólica dos valores d'alma, a pequena

lagoa do Monteiro, a que o viu nascer em 1919, quando lá fora, silentes os canhões da grande guerra, cuidava-se de instituir, sob o signo de viva espe­rança, a Sociedade das Nações. O mundo foi desde então menos feliz, nos seus caminhos, que o colega a quem rendemos homenagem. A violência e o

preconceito marcaram presença constante nas relações entre os povos. Todo

compromisso com a razão e a ética pareceu abolir-se vez por outra, até que

chegássemos à crise de nossos dias, marcada, segundo o exilado Alexander Soljenitzyn, pela dolorosa impressão de que o poder da força prossegue de­belando resistências, e de que o poder da justiça sucumbe a cada instante. Sobre a trilha biográfica do Presidente Djaci Falcão luziu, contudo, e em to­dos os momentos, a boa estrela, não porque assim o determinasse o acaso, mas como contrapartida do seu trabalho sem trégua, do seu talento e desas­

sombro, da exemplaridade de sua liderança e de seu convívio, cuja falta, no cotidiano monástico da Corte, já pesa sobre nós como espessa e cinzenta bruma.

Dos que se retiram ao termo de longa jornada no trabalho ativo, costu­ma dizer-se que partem para o ócio com dignidade. Não há como crer, porém, que a lucidez e o vigor que a natureza preserva, e por muitos anos adiante irá guardar em nosso antigo Presidente, de algum modo o predispo­nham ao perfeito repouso, verdade tanto mais transparente neste momento

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histórico em que a República, combalida, parece suplicar pelo socorro dos seus valores maiores. Não haverá ócio, tudo o indica. Há de resplandecer,

como em todos os passos da trajetória de Djaci Falcão, a dignidade, ela que foi sempre seu maior emblema. Nos que na Casa permanecemos, a lembrança de sua palavra fIrme, serena e autorizada irá representar, para nossas insti­

tuições e nossa gente, nestas horas ditíceis e nos melhores dias que nos re­

serva o futuro, garantia segura de boa justiça. Que Deus o guarde, à beira do

Atlântico, junto aos que lhe são caros. E, no isolamento espartano do planal­

to, guarde esta Casa que ainda é sua.

Discurso do Dr. JOSÉ PAULO SEPÚLVEDA PERTENCE

Procurador-Geral da República

- Senhor Presidente, Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal,

Senhor Presidente do ego Superior Tribunal Militar, Senhores Ministros, De­sembargadores e Magistrados, Senhores Subprocuradores-Gerais da Repúbli­

ca e membros do Ministério Público Federal, Senhores Advogados, Familia­

res do Exmo. Sr. Ministro Djaci Falcão. Acedem, gratificados e prazerosos, o Ministério Público da União e o

titular da sua chefia, ao convite do Supremo Tribunal Federal para o preito

devido, e tão justamente devido, ao eminente Ministro Djaci Falcão, decano

da Casa, que dela vem de afastar-se por aposentadoria voluntária. Raras vezes, enquanto prêmio ao trabalho dignificante, a inatividade de

um juiz será tão merecida: são quarenta e cinco anos de magistratura - desde a posse na humilde comarca de Serrita, dos sertões pernambucanos - aos úl­

timos vinte e dois anos de serviço na Suprema Corte, com passagem marcan­

te pela responsabilidade das presidências do Tribunal de Justiça do Estado

de Pernambuco, do Tribunal Superior Eleitoral e dessa Suprema Corte.

São décadas assinaladas pela dedicação total à vocação da judicatura. A ela entregou Djaci Falcão, sem reservas nem limites, uma rara constelação de virtudes típicas do exemplar juiz de carreira.

Não obstante, na personalidade amena do Presidente Djaci Falcão, to­

dos os seus méritos indiscutíveis estão impregnados e coroados pelo seu úni­co e singular orgulho: o justo orgulho de não ser vaidoso, de que não se pe­

jou de jactar-se, por mais de uma vez, sempre que constrangido a falar de si

mesmo.

Assim, ao despedir-se do Tribunal de Pernambuco: "Sou feliz - dizia­em poder proclamar que no meu espírito não vagueiam os demônios da inve­ja, do orgulho ou da vaidade vã, que tanto esvaziam o homem, deixando-o

pobre de paz interior. Tenho procurado manter bem vivos os sentimentos de

humildade e fraternidade, que tanto enchem a vida de plenitude."

Assim também, já depois de passar pela presidência do Supremo, ao

receber a cidadania honorária do Estado de Goiás, voltaria ao tema, para

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afmnar que, na sua longa vida de juiz, "cheia de esforços, de emoções, de

esperanças e de fé pela realização da Justiça", tivera sempre presente a ad­vertência de Matias Aires, segundo a qual:

"A ciência de fazer Justiça é donde a vaidade é mais perniciosa."

De fato. A modéstia, a autocrítica, a discrição, tudo, enfim, que abor­

rece a vaidade, são, em Djaci Falcão, uma segunda natureza. E não é que lhe falecessem justos títulos para habilitar-se ao ingresso

na feira das auto-estimas desvairadas, a cujas seduções nem sempre são avessos magistrados de escol.

Afmal, sua história profissional é uma cadeia de êxitos na carreira que elegeu; o maior dos quais o de chegar, ainda jovem, o primeiro do seu Tri­

bunal de Justiça, à honraria excelsa da Suprema Corte e à sua presidência. Tudo isso, sempre, com o testemunho uníssono do mundo judiciário, dos

seus colegas, dos advogados, do Ministério Público, de quantos, enfim, no

curso da longa caminhada, lhe puderam admirar o amor ao trabalho e o senso

da responsabilidade de julgar sem tardança; a inteligência lúcida, capaz de

identificar com precisão o ponto crucial da lide e de solvê-la com os frutos de uma formação jurídica competente, qualidades documentadas em miríades

de decisões escorreitas; um austero sentimento da ordem temperado sempre pelas inspiraç.ões humanistas de tolerância cristã: no trato pessoal, uma im­perturbável serenidade, que jamais raiou pela algidez dos insensíveis.

A convivência, já de quase trinta anos, com o Supremo Tribunal, na qual tenho encanecido, me recompensou, na sucessão dos seus juízes, com a

recordação de algumas figuras humanas inesquecíveis. Djaci Falcão seguramente é uma delas: na memória dos poucos que pu­

demos observar os seus vinte e dois anos de doação completa ao serviço da Corte, fica gravada indelevelmente a imagem da trajetória coerente e sem

desvios de um juiz integral, que se inscreveu com honra na galeria de varões

exemplares, que a Nação há de cultuar, dentre os juízes desta Casa.

Desse modo, se as suas próprias virtudes lhe permitiram poupar-se do que chamou de o demônio da vaidade, do Ministro Djaci Falcão, podem,

contudo, envaidecer-se os seus, assim como se pode envaidecer o próprio Tribunal.

Muito obrigado.

Discurso do Or. JOSÉ GUILHERME VILLELA

Advogado

Sr. Presidente, Srs. Ministros.

Corria em Brasília, ao [mal do já afastado ano de 1966, que o honrado Presidente CASTELLO BRANCO denotava alguma preocupação de ordem geográfica quanto ao provimento da vaga aberta na Suprema Corte com a aposentadoria do saudoso Ministro VILLAS BOAS. A inclinação presiden­cial, ao que se dizia, fIxara-se no Estado de Pernambuco, de onde deveria provir o novo Ministro.

A inspirada escolha do Chefe do Governo recaiu em DJACI ALVES FALCÃO, um dos expoentes do Tribunal de Justiça, que ostentava invejável carreira de 22 anos de magistratura: do estágio inicial - a que chegou com a láurea do primeiro lugar no concurso - à eleição para a Presidência da Corte, todos os degraus intennediários haviam sido conquistados pelo mérito do Juiz.

Avesso à promoção pessoal e dotado de excepcional simplicidade e modéstia, o nome contemplado com a nomeação ainda não era muito conhe­cido no Centro-Sul do País. No entanto, sobejamente o conhecia o Nordeste, que lhe tributou, então, significativas e merecidas homenagens pela alta in­vestidura. Dos seus atributos funcionais, assim falou o Des. AMARO DE LIRA E CÉSAR na sessão solene do Tribunal de Justiça:

"Nomeado para o interior distante e árido, não se amedrontrou diante das dificuldades e da aspereza da região. Para lá se transportou, cônscio das responsabilidades que lhe pesavam sobre os ombros, resul­tantes da sua livre opção entre aceitá-las ou não aceitá-las. A consciên­cia do dever a cumprir o impeliu a uma vida de juiz perfeito, dentro das óbvias imperfeições humanas. Passou a residir na comarca, proporcio­nando inteira assistência a seus jurisdicionados, como lhe competia fa-

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zer e dando o bom exemplo aos seus subalternos. E assim se manteve até o fIm" 1. Ao agradecer a calorosa manifestação do culto meio jurídico pernam­

bucano, o homenageado recordou os primeiros passos que, aos 25 anos, em­preendera na judicatura e, como que revelando a verdadeira divisa de sua existência, declarou:

"Mercê de Deus, guardando fé no apostolado que abraçara, com

amor ao estudo e sem temor do trabalho, fui das apreensões me liber­tando, para ganhar paz contmua no exercício do ideal jamais abando­nado"2. Quando, percorridos outros 22 anos, o Ministro DJACI FALCÃO deu

por concluída sua missão no Supremo Tribunal, pôde S. Ex!! reiterar, com a mesma convicção, idênticas palavras de fIdelidade ao ideal de Justiça e se­guir desta Augusta Casa para o recesso de sua querida fannlia no Recife com aquela paz de consciência que trouxe consigo, pois tudo fez para praticar aqui os imperecíveis princípios que sempre lhe nortearam a conduta desde os bancos acadêmicos.

Daqui parte o magistrado que agora toda a Nação conhece, admira e respeita, agradecendo-Ihe os árduos e relevantes serviços no desempenho do grave, mas sublime, ofício de julgar, sacerdócio a que o Ministro DJACI FALCÃO dedicou 44 anos de sua vida, a metade dos quais na culminância do Tribunal da Federação, de onde, nas suas próprias expressões, "se des­cortina a visão do todo, na complexidade dos componentes econômicos, so­ciais, jurídicos e éticos da civilização brasileira" 3 .

Essa complexidade de tantos componentes foi galhardamente enfrenta­da pelo Ministro DJACI FALCÃO, e, para percebê-lo, não é necessário senão relancear os olhos pelos magistrais votos e acórdãos que os repertórios especializados recolheram e hão de preservar para a memória do tempo.

O mestre de Direito Civil - de cujas lições os alunos da velha e tradi­cional Escola do Recife não mais fIcarão privados - deixou nesta Alta Corte magistério do melhor quilate. Se quisesse referir-me ao tema da responsabi­lidade civil, um daqueles de sua predileção doutrinária, poderia começar lembrando, por exemplo, a questão da reparação por ato ilícito de que resulta a morte de fIlho menor. Nesse voto, em que propugna por uma jurisprudên­cia que busque emprestar "conteúdo real à lei", advertiu com inegável apoio nessa realidade:

1 - Discurso em sessão extraordinária do TJ PE (10.2.67). 2 - Discurso no T J PE na mesma sessão de 10.2.67. 3 - Discurso no STF por ocasião da apo sentadoria do eminente Ministro CUNHA PEIXOTO

(sessão de 16.12.81).

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"Por outro lado, há de se considerar, além da dor moral experi­mentada, fruto do afeto e do amor que vincula pais e filhos, "a expec­tativa de que o menor venha a ser útil", a supressão de um valor econômico potencial. É natural e humana essa esperança de solidarie­dade no seio da fann1ia, especialmente entre pessoas pobres, como ocorre no caso, em que o pai da inditosa vítima é um simples motoris­ta"4.

Outros problemas da mesma seara, analisados com profundidade e mui­to bem resolvidos, foram os efeitos da decisão da instância criminal na de­manda pela reparação civiP; a não exclusão da reparação do direito comum pela indenização acidentária, quando provada a culpa grave do empregador:;; e a polêmica questão da responsabilidade civil do Estado pelo ato jurisdicio­nal7. Aqui, a opinião conservadora do Ministro DJACI FALCÃO prevaleceu no Plenário sobre a do saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO, que, na defesa de seu ponto de vista, empregou o melhor de seu talento e de sua cul­tura, sem, contudo, convencer a maioria, para a qual a tese inovadora só se justificaria de lege ferenda.

Possuindo grande sensibilidade em relação às questões de família, o Ministro DJACI FALCÃO conferiu ao filho adulterino reconhecido a con­dição de herdeiro necessári08 e procurou facilitar a legitimação dos filhos pelo subsequens matrimonium9• A tormentosa questão de distinguir, na prá­tica, o usufruto do fideicomisso, sem desobedecer a suprema lei da vontade do testador, recebeu noutra causa tratamento exemplar10. A esse tempo, os grandes Juízes da Eg. I!! Turma - LUIZ GALLOTII, OSWALDO TRI­GUEIRO, ALIOMAR BALEEIRO, DJACI FALCÃO e RODRIGUES AL­CKMIN - tinham o bom hábito de suprir a falta da figura do revisor nos re­cursos extraordinários, solicitando o primeiro vogal vista dos autos nos casos mais intricados. Tão difícil se apresentava esse relatado pelo Ministro DJACI FALCÃO que houve dois sucessivos adiamentos, após os quais os saudosos Ministros RODRIGUES ALCKMIN e LUIZ GALLOTII concor­daram com o relator, sem nada acrescentar aos seus bem lançados fundamen­tos.

4 - RE 74.317, de 28.11.72, RTJ. 671182 (184). 5 - RE 70.982, de 21.9.72, RTJ. 64/120. 6 - RE 77 .232, de 28.9.72, RTJ. 641746. 7 - RE70.121,de13.1O.71,RTJ. 64/689. 8 - RE 78.676, de 22.4.75, RTJ. 741783. 9 - RE 62.870, de 30.10.67, RTJ. 44/419.

10 - RE 73.121, de 31.5.74, RTJ. 70/394.

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Juiz de carreira - dos mais completos e com 44 anos de experiência do ofício -, o Ministro DJACI FALCÃO jamais atribuiu à função poderes maio­res do que os facultados pela lei. Ainda nos últimos dias de sua judicatura, vimo-Io anular um processo por cerceamento de defesa, no qual acentuou com exatidão que "não se deve olvidar que o sistema da livre convicção do juiz não é absoluto, não significa mero arbítrio, prejudicial à instrução da causa e ao interesse das provas" 11.

O amor ao estudo proporcionou-lhe amealhar vasto cabedal de cultura, de que muito se valeu na solução de complexas questões de direito estrangei­ro, que, não raro, se apresentam aos Juízes do Supremo no exercício das atribuições peculiares à jurisdição da Corte. Em diversos processos de extra­dição, por exemplo, os votos do Ministro DJACI FALCÃO esquadrinharam o direito estrangeiro pertinente, como ocorreu, entre outros, no notório Caso Legros12, no qual abordou o instituto processual francês do mandat d' arrêt.

Se o voto então proferido não reuniu a unanimidade do Tribunal, poucos anos depois já não remanesciam dissidentes, como se verificou numa extra­dição suíça, em que a mesma questão foi resolvida em face do direito do Cantão de Genebra 1 3.

Noutra rumorosa extradição, que envolveu o italiano Ovidio Lefebvre, houve lúcida apreciação em tomo da natureza da Corte Constitucional da Itália - que a defesa pretendeu caracterizar como tribunal de exceção; real­çou ainda o voto do relator DJACI FALCÃO que não se poderia identificar, na hipótese, a presença do crime político, se o agente foi impelido pelo âni­mo de lucro14.

Mesmo quando o direito estrangeiro não era o thema decidendum, o largo conhecimento do direito comparado transparecia nos votos, que, no en­tanto, jamais tiveram o propósito de vã exibição de eruditismo. A expulsão do padre italiano Vito Miracapillo, muito contestada por prestigiosos setores da sociedade civil, foi um desses votos, em que o Ministro DJACI FALCÃO procurou demonstrar, à luz dos direitos americano, italiano, francês e brasi­leiro, que o ato de expulsão, embora não deva ser arbitrário, era ato discri­cionário, não podendo, assim, ser invalidado pelo Supremo Tribunal15.

Com a mesma isenção, que jamais desertou do grande Juiz, muito con­tribuiu para coibir os excessos da repressão política do pós-64. São numero-

11 - RE 115.222, de 1 3.12.88, Ementário 1531-4. 12 - Ext. 318,de 30. 3.74,RT J. 69/ 311.

1 3 - Ext. 3 36, de 18.5.77 ,Extradições (STF), W77, ed. 1979. 14 - Ext. 347, de 7.12.77,RT J. 86/1. 15 - HC 58.409, de 30.10.80, RTJ. 95/589.

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sos os acórdãos do Ministro DJACI FALCÃO que, provendo recursos inter­postos de julgados do Col. Superior Tribunal Militar, ora negam caráter deli­tuoso a um singelo debate acadêmico sobre marxismo e socialismo 1 6 , ora ab­solvem um acusado de propaganda subversiva em virtude de simples entre­vista à imprensa 17, ora exculpam um estudante antes condenado por mera participação no congresso de Ibiúna, em que se cuidou do restabelecimento e legalização da UNEI8.

Conquanto menos graves que as criminais, o Ministro DJACI FALCÃO não foi indiferente às sanções disciplinares por motivação política. Julgando um mandado de segurança impetrado por estudantes de Engenharia suspensos das atividades escolares, depois de mostrar a propriedade da via eleita para impugnar o aspecto formal da sanção disciplinar, asseverou que a defesa deveria ser entendida "como direito subjetivo que o regime democrá­tico guarda em si", o qual, a seu ver, deveria ser assegurado "não só à ins­trução criminal, mas também na esfera disciplinar e dos estabelecimentos de ensino em resguardo dos direitos individuais"19. Anulando a ilegal punição administrativa, lançou em seu voto esta pedagógica e oportuna advertência: "a disciplina é princípio vital às instituições", mas o poder disciplinar deve atuar "sem quebra do princípio universal da defesa do acusado" 20

. Se pretendêssemos encontrar na atividade judicante do Ministro DJACI

FALCÃO a força dos grandes princípios, apontaríamos uma pletora de jul­gados: aqui, em nome do princípio da liberdade de ensino, considerou in­constitucional norma guanabarina que tornara privativa dos diplomados pelo estabelecimento do Estado o magistério primário oficial21; ali, é o princípio da propriedade privada, que lhe recomenda um voto vencido na desapro­priação para o metrô de São PauloZ2; acolá, o princípio da unidade do Mi­nistério Público aconselha repelir tentativa de equiparar-lhe outra carreira23. Outra página magnífica - de resto, enriquecida pela incorporação de outro voto do saudoso Ministro CÂNDIDO MOTTA FILHO, de [mo lavor literá­rio - se preocupou com o respeito ao princípio do sigilo profissional, que não admitiu ficasse comprometido pelas necessidades de uma investigação policial de crime24.

16 - RCr 1.223, de 22.11.74, RTJ. 74/1321. 17 - RCr 1.116, de 20.8.71, RTJ. 59/247. 18 - RCr .1.l38, de 15.5.73, RTJ. 67/365. 19 - RMS 17.093,de27.11.67,RTJ. 451218(223). 20 - idem, RTJ. 45/224. 21 - Rp 776, de 27.2.69, RTJ. 491745. 22 - RE 82.300, de 12.4.78, RTJ. 86/202-203. 23 - Rp 770, de 26.2.69. 24 - RE 91.218, de 10.11.81, RTJ. 1011676.

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A longa pennanência do Ministro DJACI FALCÃO no cargo de Minis­tro do Supremo Tribunal, como seria natural diante da vasta competência que a Constituição atribuía à Corte, deu-lhe ensejo de resolver uma gama in­fmita de questões, algumas de palpitante atualidade, como as atinentes à res­ponsabilidade penal do silvícola25 e à proteção ambiental paisagística26. Na primeira, invocou lição do seu velho mestre ANÍBAL BRUNO, que situa es­sa responsabilidade em face da cláusula do desenvolvimento mental incom­pleto ou retardado, mas acrescentou, de sua parte, a consideração pragmática da possível inadaptação à vida do meio civilizad025. Na outra, o objeto do julgamento foi a validade de norma estadual paraibana, que proíbe construir "arranha-céus" na orla marítima de João Pessoa, impugnada sob a alegação de ofensa ao princípio da autonomia municipal. A tese da constitucionalida­de do preceito estadual, consagrada pelo Ministro DJACI FALCÃO, foi de­fendida igualmente pelo douto parecer do Ministério Público, então brilhan­temente representado pelo eminente Ministro FRANCISCO REZEK26.

Como o Supremo Tribunal Federal, infelizmente, não poderá contar com o precioso concurso do Ministro DJACI FALCÃO na tarefa, que só agora começa, de defmir o sentido e o alcance da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, convém lembrar que dele partiu importante contribuição acerca dos limites do poder de adaptação que a Carta de 67/69 conferira aos constituintes estaduais27. A tese restritiva desenvolvida pelo nosso homena­geado teve ampla repercussão na jurisprudência da Corte, como se colhe de inúmeros arestos. Também extensa aplicação teve a interpretação dada à dis­posição transitória sobre estabilidade dos servidores públicos - que retomou no texto de 1988 -, segundo a qual essa estabilidade deveria importar efeti­vidade, pois, como disse o saudoso Ministro LUIZ GALLOTTI em apoio ao voto de DJACI FALCÃO, "o funcionário pode ser efetivo sem ser estável, mas não pode ser estável sem ser efetivo"28.

Para concluir estas pálidas observações retrospectivas da atuação judi­cante do Ministro DJACI FALCÃO, minha sensibilidade de antigo militante da advocacia nesta Corte Suprema me impõe destacar uma de suas raras qua­lidades de julgador de recursos, que é a imediata percepção da injustiça da decisão recorrida. Se muitas vezes a instância do recurso extraordinário e do habeas corpus não admite, em tennos ortodoxos, fazer às partes-a melhor justiça, os verdadeiros Juízes não se deixam enredar em fónnulas frívolas e,

25 - HC 45.349, de 27.5.68, RT J. 47/304. 26 - Rp 1.048, de 4.11.81, RT J. 1011474. 27 - Rp 753, de 12.6.68, RT J . 46/441. 28 - RE 69.372, de 27.10.70, RT J. 58/112 (115).

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com acuidade, se esforçam para distribuir-lhes a justiça possível. Em muitos casos, ficou patente essa peregrina virtude de DJACI FALCÃO, dos quais me ocorre mencionar dois habeas corpus em que S. Ex � percebeu de pronto que o processo criminal ressumbrava mera perseguição 29 ou estava sendo utilizado em lugar da adequada ação civil3o.

Ao saudar o Ministro DJACI FALCÃO, no momento em que ele assu­mia a curol presidencial, o saudoso Ministro RODRIGUES ALCKMIN re­cordou as qualidades reclamadas dos Juízes - formação moral imbatível, in­dependência, cultura, preparo profissional e dedicação aos deveres do cargo -, acentuando que S. Ex� bem as conhecia, "porque as possui suntuariamen­te"31. Ao fmalizar sua formosa oração, vaticinou:

"E exercerá, com exação e brilho as funções da Presidência -como a todas exerceu - servindo, superiormente, à justiça do Brasil".

Em verdade, a Presidência DJACI FALCÃO representou um período fecundo da vida da Corte. Se no biênio anterior se procedera a uma ampla pesquisa sobre o funcionamento e as necessidades da Justiça, que consta de 94 grossos volumes, foi no período seguinte que se desencadearam as pro­vidências visando à Reforma do Poder Judiciário, sob a segura coordena­ção do Presidente DJACI FALCÃO. ° Diagnóstico enviado ao honrado Presidente ERNESTO GEISEL, que foi redigido pelo saudoso Ministro ALCKMIN, bem reflete a seriedade e competência com que o Supremo Tri­bunal buscou a ansiada solução do grave problema32.

Nesse documento estava o embrião da excelente Reforma Judiciária de 1977, que acabou não vingando, menos pelo seu próprio conteúdo do que pela origem autoritária que a maculou.

Em sucessivas conferências,33 proferidas ao tempo de sua Presidência, o Ministro DJACI FALCÃO, do alto da experiência de sua longa e profícua atividade judicante, defendeu com vigor as medidas valorizadas pelos seus eminentes pares, notadamente a que conservava a competência da Corte para julgar os recursos extraordinários, mediante o requisito da relevância, já que sempre entendeu que "nem todas as causas devem acabar no Supremo Tri­bunal", mas que se deve, "de qualquer forma, preservar a sua marcante e tradicional função, como Tribunal da Federação".

29 - RHC66. 319,de 28.6.88,Ementário 1512-2. 30 - HC 48.757, de 18.6.71, RT J. 61/25. 31 - Discurso na sessão solene de posse, em 14.2.75.

32 - Diagnóstico-Reforma do Poder Judiciário, DIN, ed. 1975.

33 - "O Poder Judiciário e a Nova Conjuntura Nacional" -ESG -29.6.75. "Reforma do Poder Judiciário" - PUC/SP -28.11.75, RT. 485/2 34-245.

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As profundas modificações introduzidas em 88 nas instituições da Jus­tiça da União hão de deixar-nos pelo menos apreensivos quando sabemos que não tiveram o aplauso do Juiz DJACI FALCÃ034, que perlustrou, du­rante mais de 40 anos, todos os postos judicantes, desde uma remota comar­ca do sertão pernambucano até a elevada cátedra presidencial da Suprema Corte.

Com descortino para o cargo, haurido no exercício de quatro presidên­cias de diferentes Tribunais, desenvolveu com êxito os melhores esforços pa­ra a aprovação da Emenda Regimental n!:? 3, de 12.6.75, que introduziu a argüição de relevância; para a elaboração do Adendo n!:? 5, da Súmula; para a indispensável atualização da Revista Trimestral de Jurisprudência e para a publicação de coletâneas de acórdãos selecionados por classes de processo, partindo das representações de inconstitucionalidade e das extradições. To­dos esses instrumentos serviram ao superior objetivo de facilitar o trabalho do Supremo e minorar os males do congestionamento de serviço, constituin­do, portanto, realizações importantes que a Nação ficou devendo ao tirocínio administrativo do Presidente DJACI FALCÃO.

Faltando-me engenho para concluir à altura esta saudação dos advoga­dos, socorro-me da mestria do notável advogado DARIO DE ALMEIDA MAGALHÃES, que, dirigindo-se a outro grande Juiz - LAUDO DE CA­MARGO -, traçou dele este extraordinário perfll, que serve muito bem ao nosso homenageado de hoje:

"Honradez imaculada, não apenas uma honradez passiva e infe­cunda, porém, uma honradez militante que irradia estímulos e impõe o exemplo, formando um ambiente de veneração pela própria honra; isenção perfeita, que não cede a nenhuma razão subalterna, nem ao te­mor, nem à vaidade, nem à fama; equanimidade, que permite encontrar sem esforço a solução da moderação e da harmonia; paciência, que leva a suportar com tolerância a crítica, conduz, sem arrogância, à revisão dos erros cometidos, e aguarda com resignação a hora da recompensa pelos trabalhos e sacrifícios; prudência, que não se confunde com timi­dez, nem se acomoda aos excessos do poder, pelo receio de provocar crises ou choques; humildade, pela renúncia às recompensas materiais, pelo espúito de resignação, pela autocrítica leal de suas decisões, sem contudo consentir no menor desrespeito à autoridade de que está inves­tido; sensibilidade e compreensão humanas, que traduzem a esclarecida consciência de que a tarefa de julgar não se subalterniza a uma técnica

34 - "O Poder Judiciário e a Nova Carta Constitucional" - OAB/PR, em 11.8.88.

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árida de lidar com textos legais e desenvolver temas doutrinários; espí­rito cívico, que signifique a majestade da função e o relevo social que apresenta a figura do juiz, destinado sempre a ser um modelo para os seus concidadãos; aplicação integral ao exercício do seu ministério, pondo nele o coração e identificando com ele o destino - eis alguns dos atributos essenciais que deve apresentar um servidor e aplicador da lei, para que possa ser apontado como paradigma, orgulho da sua clas­se e de seus contemporâneos"35.

Nesta página antológica está, com todas as cores, o verdadeiro retrato do grande Ministro DJACI FALCÃO!

35 - Figuras e Momentos, ed . 198 5, p. 224 .

Palavras do Senhor Ministro RAFAEL MA YER,

Presidente, encerrando a sessão

As belas orações aqui proferidas em homenagem ao eminente Ministro Djaci Falcão serão transcritas em ata.

Agradeço a todas as autoridades e a todos quantos aqui vieram para abrilhantar esta cerimônia.

Suspendo a sessão por cinco minutos, para que os Exmos. Ministros da Corte e demais pessoas presentes possam cumprimentar os familiares do eminente homenageado.

Este trabalho foi realizado pela Imprensa Nacional,

SIG - Quadra 6 - Lote 800 70.604 Brasl1ia, DF,

em maio de 1989

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