Do Gênio Da Língua Ao Tradutor Como Gênio (2003), Artigo de Márcio Seligmann-Silva, Apresenta e Debate Dois Modelos de Tradução Comuns Na França Do Século XVII e XVIII- o Retórico,

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  • 7/24/2019 Do Gnio Da Lngua Ao Tradutor Como Gnio (2003), Artigo de Mrcio Seligmann-Silva, Apresenta e Debate Dois

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    Csar Marins de Oliveira n 85.339Prof Ana Cludia Romano

    Literatura francesa - sculos XVII e XVIII

    Do gnio da lngua ao tradutor como gnio(2003), artigo de Mrcio Seligmann-Silva,apresenta uma espcie de arqueologia do debate sobre dois modelos de traduo naFrana dos sculos XVII e XVIII, a saber: (1) o retrico, que defende a

    viabilizao datraduo, enfatizando uma adaptao ao gosto do pblico de chegada, e (2) o modeloque

    inviabiliza a traduo, seja pela (a) valorizao dos aspectos sensuais do texto,pelo (b) relativismo cultural ou pelo (c) carter indissocivel de significante e significado,cujas identidades so definidas a partir de um jogo diferencial. Apesar dos progressosrecentes na rea da teoria da traduo, muitos tericos, que, segundo o autor, nointerpretam bem o desconstrutivismo, ignoram a importncia da viso histrica na

    construo de um saber sobre o presente, insistindo em uma procura anti-histrica dasidentidades. Da a razo de ser de sua proposta de reativar um debate quedefinitivamente no pode ser dissociado de um olhar crtico e histrico.

    1) Seligmann-Silva passa ento ao primeiro ponto de interesse do texto: omodelo "belles infidles", mtodo tradutrio popular na Frana do sculo XVII e XVIII,em que o texto original nada mais do que uma ideia original cujo esprito deve seralcanado e copiado pelo tradutor, tcnica que remonta lgica no existe

    mimesissem

    poiesis

    dos textos da Antiguidade. Perrot dAblancourt (1606-1664) exemplodessa escola to tradicional. Tendo em vista no as palavras do texto, mas sim a

    prpria Ideia, seu mtodo pretende colocar a traduo em competio com o original apartir do objetivo de manter o ideal de fidelidade. Seu sentido de fidelidade preciso:manter o mesmo efeito diante da leitura do objeto que o autor apresentou, caminhopossvel uma vez que a linguagem vista como puro instrumento capaz de se dissociardo contedo que representa. Sua ideia sempre agradar ao leitor, o que o aproxima decertas prticas tradutrias retricas tpicas da Idade Mdia:

    interessante notar que dAblancourt filia-se abertamente ao modelo retrico datraduo como aemulatio que no deixa de ter relao com a prtica da cpiainfiel (realizada pelo comentador em oposio ao copista fiel, o scriptor) naIdade Mdia que era marcada pelas interpolaes daquilo que o copista

    acreditava ser adequado para enriquecer o original. (SELIGMANN-SILVA,2003. p. 178)Dentro deste contexto apresentado, a traduo mais prxima da literalidade do

    texto de partida acaba sendo vista pejorativamente, enquanto as belas infiis ganhamdestaque como um mtodo ideal, que consegue transplantar ideias e espritos de umtempo para outro, como uma vestimenta/costume mais adequado sua poca. Comodestaca Seligmann, trata-se de mtodo que representa a essncia da traduo (aomenos no sentido mais comum e banal do termo) e, ainda, no comentrio de

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    Pietroluongo, em dAblancourt ser racional significa usar o bom senso e odiscernimento em nome do que considerado apropriado s circunstncias. Nestaperspectiva, h uma forte convergncia entre as duas vertentes estticas dominantes: amundana, fundada no bom gosto, e a erudita, fundamentada na tradio antiga. (p. 7)

    Caminhando para o sculo XVIII possvel observar como a tradio das

    bellesinfidlles

    , manteve-se de p. O exemplo Nicolas Beauze (1717-1789), autor doartigo Traduction, Version (1765) da Encyclopdie. Sua teoria uma prova dacontinuidade desse modelo e, portanto, da manuteno do esprito da Antigidade(cujos exemplos maiores so Ccero, Quintiliano, Sneca e Plnio, o jovem, quetraduziram dentro do paradigma da aemulatio). O centro da traduo continua sendoseu efeito final, que deve ser visto como uma conseqncia do potencial derepresentao da linguagem (e, portanto, do conhecimento) que imperava na doutrinaretrica e potica: Beauze foi um terico da especificidade de cada lngua do seu

    carter e gnio que impe verso/traduo o trabalho de reverses. (p. 182).

    2) a) Ainda no sculo XVIII, Seligmann introduz os adversrios das

    bellesinfidlles, comeando por Jean Baptiste Dubos (1670-1742), um dos responsveis pelavalorizao da linha sensualista da tradio Retrica/Potica. Para ele o estilo dopoema (a inveno de figuras poticas) a essncia do labor potico, o que valoriza oelemento sensual da linguagem em detrimento da procura pela reproduo da Ideia queest por trs do texto. A partir dessa concepo formalista a originalidade da obraadquire novo sentido, adquirindo mais peso. Por essa razo em Dubos s possvel

    julgar obras escritas em lnguas que o tradutor absolutamente domina, descartando aprocura por originalidade em obras traduzidas ou com base no juzo dos crticos ehistoriadores da literatura. justamente a originalidade do estilo que torna impossvel atraduo. Tambm dela nasce a ideia de gnio, to marcante nos sculo XVIII e XIX,e que tambm possui origens na Antiguidade, a partir da noo retrica de ingenium(definido como os elementos retricos ou estticos que transcendem gramtica eno so redutveis ao racional), fato que constitui outro empecilho traduo.

    b) H ainda o exemplo de Charles Batteux (1713-1780) e sua concepo, muitoinfluenciada pelo Iluminismo, acerca do carter arbitrrio da linguagem a partir danoo de relativismo cultural que nasce em seu tempo. No entanto, mesmo com essepressuposto, Batteux negava a ideia de uma relao necessria entre essa concepoarbitrria da lngua e a afirmao ou negao da traduzibilidade. Em sua teoria datraduo no h tanto a importncia e dificuldade da passagem do sentido de umalngua para outra, mas uma espcie de retorno da tradio retrica na forma da buscade uma compreenso do texto, como um prottipo da teoria hermenutica que nasceriadali a cinquenta anos. Sua posio, portanto, surge como intermediria entredAblancourt e Dubos, em que a exigncia da fidelidade ao esprito do texto original

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    alia-se a uma preocupao com a clareza e a vivacidade do texto traduzido. Nocomentrio de Pietroluongo: Calcando-se igualmente na idia de uma coincidnciaentre palavras e coisas evidenciada no interior de cada lngua, Batteux insiste sobre adificuldade que o trabalho de traduo suscita. (...) Mais uma vez se faz presente a

    necessidade do gnio do tradutor para fazer jus ao gnio da lngua e do autor a seremtraduzidos. Para tal, a noo de gosto se faz imperiosa. ela que ordena o modelo aser obedecido, (p. 9) No entanto, apesar dos esforos, Batteux est longe de ser umentusiasta do sucesso das tradues, afirmando que se trata apenas de uma tentativa,que jamais alcanar o brilhantismo do texto original. Para ele o ideal da traduo descartado e a natureza relativa da traduo sempre ser um exerccio condenado aofracasso.

    c) Seligmann termina o artigo com o breve exemplo de Johann David Michaelis(1717-1791), quando j possvel vislumbrar a virada copernicana do conhecimento

    ao qual tambm se associa a virada lingstica associada a Wilhelm von Humboldt(1767-1835) e seu conceito de forma interna das lnguas (p. 189). Aqui j se iniciaprocesso de construo do aparelho conceitual da lingustica com uma matria primasemelhante aquela as quais pertencem as teorias da traduo do nosso presente:Essa forma interna significava para ele o resduo intraduzvel de cada lngua, oque escapa ao conceito, e que ao mesmo tempo a constitui. (p. 189) Inaugura-seassim um momento de inflexo na histria da teoria da traduo, ponto no qualdesmorona a querelle des anciens et des modernes apresentadas brevemente acimaem nome do nascimento de um novo paradigma de saber. A traduo finalmente passa

    a ganhar contornos de forma com o desenvolvimento da noo de

    Bildung, queconsidera a formao das culturas na construo da linguagem, instituindo um jogoinfinito entre as lnguas e suas diferenas. (p. 190).