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51 B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 36, n.1, jan./abr. 2010. DO PARADIGMA TRADICIONAL AO PARADIGMA DA COMPLEXIDADE: UM NOVO CAMINHAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Jacques de Lima Ferreira* Lucymara Carpim** Marilda Aparecida Behrens*** Resumo A reflexão sobre uma proposta de mudança paradigmática na formação dos docentes que atuam nos Centros de Educação Profissional do SENAC do Paraná foi objeto de pesquisa realizada no grupo PEFOP – Paradigmas educacionais e formação de professores. Apresentam-se neste artigo os resultados da pesquisa, cujo intuito foi evidenciar a influência paradigmática na prática pedagógica em processo de formação de professores. Optou-se por uma pesquisa participante, que envolveu como sujeitos 22 professores que cursavam ou estavam cursando um programa de pós-graduação em Educação da PUCPR e 11 professores que atuavam no ensino técnico pro- fissional do SENAC. Palavras-chave: Prática pedagógica; Mediação docente; Educação profissional; Paradigma da complexidade. 1. INTRODUÇÃO Os paradigmas na educação, em especial no que se refere à prática pedagógica, têm acompanhado a trajetória dos par- ticipantes do grupo de pesquisa “Paradigmas Educacionais e a Formação de Professores” - PEFOP. A pesquisa conjunta com doutores, mestres, professores da graduação, alunos do mestrado e doutorado em educação e de alunos do PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) da Pedagogia e das licenciaturas tem permitido aprofundar a temática e contribuir no grupo, principalmente com os professores uni- versitários na reflexão sobre a docência universitária. Dentre as pesquisas realizadas pelo grupo PEFOP encontram-se as que envolvem a formação pedagógica dos professores universitários. O grupo investiga a influência dos paradigmas na formação dos professores e seus reflexos na opção metodológica da prática pedagógica do docente. Advinda da proposta do PEFOP, desenvolveu-se a pesqui- sa realizada dentro do grupo, que gerou a reflexão sobre uma proposta de mudança paradigmática na formação dos docentes que atuam nos Centros de Educação Profissional do SENAC do Paraná. Essa perspectiva investigativa tinha o propósito de evidenciar a influência paradigmática na prática pedagógica em processo de formação de professores. Optou-se por uma pesquisa participante, que envolveu como sujeitos 22 professo- res que cursaram ou estavam cursando um programa de pós- graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Estes 22 participantes, além da participação no grupo, foram desafiados a propor uma inserção em seus ambientes de trabalho docente a partir da problemática investigada, ou seja, a prática pedagógica num paradigma inovador. Assim, na fase de inserção foi possível envolver 11 professores que atuam no ensino técnico profissional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC do Estado do Paraná. Tomaram-se como procedimentos de pesquisa reuniões sistemáticas em processo de formação continuada para estudos individuais e conjuntos sobre paradigmas na docência, a construção de quadros sinópticos e mapas conceituais, a elaboração e produções de textos individuais e coletivos. Esses procedimentos trouxeram possibilidades de ge- * Mestrando em Tecnologia em Saúde pela PUC-PR e Biologia – Licenciatura plena pela UTFPR. Docente da Rede Estadual de Ensino do Paraná. E-mail: drjacqueslima@ hotmail.com ** Mestranda em Educação, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Coordena- dora de Educação do SENAC do Paraná. Docente da PUCPR – E-mail: lucymara@ pr.senac.br *** Doutora e Mestre em Educação- PUCSP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCPR e coordenadora do grupo PEFOP (Paradigmas Educacionais e Formação de Professores). E-mail: [email protected] Recebido para publicação em: 26/10/09.

Do paradigma tradicional ao paradigma da complexidade: um novo ca minhar na educa ção profissional

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Do paradigma tradicional aoparadigma da complexidade: um novoca minhar na educa ção profissional

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  • 51B. Tc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 36, n.1, jan./abr. 2010.

    do pArAdigmA trAdiCionAl Ao pArAdigmA dA ComplexidAde: um novo CAminhAr nA eduCAo profissionAl

    Jacques de Lima Ferreira*Lucymara Carpim**

    Marilda Aparecida Behrens***

    Resumo

    A reflexo sobre uma proposta de mudana paradigmtica na formao dos docentes que atuam nos Centros de Educao Profissional do SENAC do Paran foi objeto de pesquisa realizada no grupo PEFOP Paradigmas educacionais e formao de professores. Apresentam-se neste artigo os resultados da pesquisa, cujo intuito foi evidenciar a influncia paradigmtica na prtica pedaggica em processo de formao de professores. Optou-se por uma pesquisa participante, que envolveu como sujeitos 22 professores que cursavam ou estavam cursando um programa de ps-graduao em Educao da PUCPR e 11 professores que atuavam no ensino tcnico pro-fissional do SENAC.

    Palavras-chave: Prtica pedaggica; Mediao docente; Educao profissional; Paradigma da complexidade.

    1. introduo

    Os paradigmas na educao, em especial no que se refere prtica pedaggica, tm acompanhado a trajetria dos par-ticipantes do grupo de pesquisa Paradigmas Educacionais e a Formao de Professores - PEFOP. A pesquisa conjunta com doutores, mestres, professores da graduao, alunos do mestrado e doutorado em educao e de alunos do PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica) da Pedagogia e das licenciaturas tem permitido aprofundar a temtica e contribuir no grupo, principalmente com os professores uni-versitrios na reflexo sobre a docncia universitria. Dentre as pesquisas realizadas pelo grupo PEFOP encontram-se as que envolvem a formao pedaggica dos professores universitrios.

    O grupo investiga a influncia dos paradigmas na formao dos professores e seus reflexos na opo metodolgica da prtica pedaggica do docente.

    Advinda da proposta do PEFOP, desenvolveu-se a pesqui-sa realizada dentro do grupo, que gerou a reflexo sobre uma proposta de mudana paradigmtica na formao dos docentes que atuam nos Centros de Educao Profissional do SENAC do Paran. Essa perspectiva investigativa tinha o propsito de evidenciar a influncia paradigmtica na prtica pedaggica em processo de formao de professores. Optou-se por uma pesquisa participante, que envolveu como sujeitos 22 professo-res que cursaram ou estavam cursando um programa de ps-graduao em Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Paran. Estes 22 participantes, alm da participao no grupo, foram desafiados a propor uma insero em seus ambientes de trabalho docente a partir da problemtica investigada, ou seja, a prtica pedaggica num paradigma inovador. Assim, na fase de insero foi possvel envolver 11 professores que atuam no ensino tcnico profissional do Servio Nacional de Aprendizagem Comercial SENAC do Estado do Paran. Tomaram-se como procedimentos de pesquisa reunies sistemticas em processo de formao continuada para estudos individuais e conjuntos sobre paradigmas na docncia, a construo de quadros sinpticos e mapas conceituais, a elaborao e produes de textos individuais e coletivos. Esses procedimentos trouxeram possibilidades de ge-

    * Mestrando em Tecnologia em Sade pela PUC-PR e Biologia Licenciatura plena pela UTFPR. Docente da Rede Estadual de Ensino do Paran. E-mail: [email protected]

    ** Mestranda em Educao, pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran. Coordena-dora de Educao do SENAC do Paran. Docente da PUCPR E-mail: [email protected]

    *** Doutora e Mestre em Educao- PUCSP. Professora do Programa de Ps-Graduao em Educao da PUCPR e coordenadora do grupo PEFOP (Paradigmas Educacionais e Formao de Professores). E-mail: [email protected]

    Recebido para publicao em: 26/10/09.

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    rar uma reflexo sobre a importncia da formao continuada na vida pessoal e profissional do docente, bem como salientam os principais problemas e alternativas que dela so sistematizados por renomados educadores e pesquisadores.

    O processo investigativo en-volveu duas etapas, a primeira no grupo de pesquisadores dentro da universidade composto por profes-sores que atuam nas universidades pblicas e privadas, faculdades e em diversos nveis de ensino, inclusive

    na educao profissional. E na segunda etapa a insero dos mestrandos em grupos da comunidade. Assim, alm de partici-par de um processo de reflexo sobre os paradigmas da prtica pedaggica dentro do grupo, estenderam esta vivncia em seus ambientes educativos. Com esta proposio, registram-se as inferncias, a partir do processo de reflexo dos dois grupos, ou seja, dos 22 professores universitrios no projeto e dos 11 professores que atuam no ensino tcnico profissional e se propuseram a participar da pesquisa. O foco da investigao foi desafiar os docentes a discutir a opo por uma prtica pe-daggica inovadora num paradigma da complexidade, e como esta escolha do docente pode influenciar na aprendizagem dos alunos de maneira significativa, tanto na vida como na atuao no mundo do trabalho. Os relatos orais e escritos dos participantes evidenciaram ainda a importncia do papel do educador como mediador do processo educacional, estimulando-o a analisar e planejar a sua prtica, o seu processo de avaliao e o papel da escola numa viso complexa.

    eduCAo pArA um novo sCulo

    Muito se tem escrito nos ltimos anos sobre a perspectiva da Educao para o sculo XXI, e essas produes abordam crticas, anlises e reflexes sobre um novo fazer pedaggico nas escolas, especialmente as que atuam com educao profissional. Essas reflexes acompanham a proposta de uma viso holstica, conforme observa Capra: as novas concepes da fsica tm gerado uma profunda mudana em nossas vises de mundo; da viso de mundo mecanicista de Descartes e de Newton para uma viso holstica, ecolgica [...]1. Esta viso se contrape ao paradigma tradicional, pois ainda Capra afirma: hoje, a mudana de paradigma na cincia, em seu nvel mais profundo, implica uma mudana da fsica para a cincia da vida2.

    Muitas discusses ocorrem, tendo em vista as abordagens que visem no s a reforma educacional, mas principalmente renovem as atitudes e definies que devem contemplar aes efetivas na formao do docente, dentre elas as que preparam o indivduo para a vida e para o mundo do trabalho, para viver em sociedade e para participar do desenvolvimento do pas. Estas mudanas incluem o discernimento para utilizao crtica de novas

    metodologias e tecnologias que exigem currculos elaborados a partir do modelo por competncia com viso ampla e na re-estruturao da infraestrutura da escola contempornea.

    A necessidade de aprendizagem significativa e ensino con-textualizado uma demanda apresentada como desafio para construir um novo sistema de ensino profissional, requerendo uma proposta pedaggica fundamentada numa concepo crtica das relaes existentes entre educao, sociedade e mercado de trabalho. Nesse contexto, inspira a atuao dos professores em uma prtica educativa transformadora e participativa, centrada na transformao da informao em conhecimento, refletindo na aprendizagem crtica e ativa de contedos vivos, significativos e atualizados.

    Essa proposta requer um educador que supere o paradig-ma da fragmentao, buscando caminhos diferentes, com uma viso sistmica, atuando de forma significativa, onde seu papel de pesquisador e mediador seja evidente e colabore para o de-senvolvimento de um ser integral e pleno. Entretanto, sabe-se que a escola e o educador precisam estar, alm de preparados, receptivos para concretizar com efetividade o processo de mu-dana na ao docente.

    A doCnCiA ConservAdorA e seus reflexos nA eduCAo pArA o trAbAlho

    A docncia conservadora advm de uma viso reducionista incumbida de propagar os modelos educacionais e projetada no meio da escola tradicional, nasceu no sculo XVIII e tomou como base a cincia da poca, ou seja, o paradigma newtoniano-cartesiano. Esse paradigma contaminou a educao por quase quatrocentos anos e ainda est muito presente nas organiza-es, inclusive na educao. Defendeu, ao longo dos tempos, os modelos conservadores de aprendizagem e de relao com o saber que geraram o foco apenas no fazer e na reproduo fidedigna do conhecimento. Nesse sentido, Moraes acrescenta: o pensamento cartesiano, exposto no Discurso do Mtodo, afirmava que era preciso decompor uma questo em outras mais fceis at chegar a um grau de simplicidade suficiente para que a resposta ficasse evidente 3.

    Essa viso cartesiana marcou fortemente a educao tra-dicional, conforme afirma Behrens: o sculo XX caracterizou-se por uma sociedade de produo de massa. Alicerada nos pressupostos do pensamento newtoniano-cartesiano, a cincia contaminou a Educao com um pensamento racional, fragmentado e reducionista 4. Com uma viso newtoniano-cartesiana, numa abordagem conservadora, segundo Mizukami, o ensino, em todas as suas formas, nessa abordagem, era centrado no professor. Esse tipo de ensino volta-se para o que est externo ao aluno: o programa, as disciplinas, o professor. O aluno apenas executa prescries que lhe so fixadas por autoridades exteriores 5.

    Alm disso, as abordagens pedaggicas conservadoras eram embasadas na reproduo e na repetio de aes dentro de uma viso mecanicista do universo, na qual toda a nfase do processo de ensino-aprendizagem recaa nos valores materiais da vida, no desenvolvimento de habilidades e produtos. Portanto, a viso conservadora privilegiava apenas o adestramento intelectual do

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    aluno trabalhador, sem levar em conta que o homem , antes de tudo, um Ser em processo evolutivo e que necessita desenvolver mltiplas inteligncias, no apenas cognitivas e motoras, mais acima de tudo afetivas.

    A metodologia na abordagem conservadora prioriza a transmisso de informaes muitas vezes sem nenhum signifi-cado para o aluno, torna importante apenas o ensinar e no o aprender. A qualidade da aprendizagem do aluno trabalhador mensurada pela reproduo dos contedos, onde a avaliao requer respostas prontas e precisas que devem ser desenvolvidas por meio de memorizao e repetio, retirando do aluno o direito de questionar, argumentar e refletir. Neste sentido, cabe a contribuio de Kuenzer, quando alerta:

    [...] o seu objetivo central a constituio de um trabalhador que combine a posse de um conjunto de habilidades tcnicas necessrias e no mais do que isto a um conjunto de condutas convenientes, de modo a assumir, o mais espontaneamente possvel, sua funo de trabalhador alienado ao mesmo tempo que assegure as condies necessrias sua prpria produo.6

    Essa viso advinda do paradigma newtoniano-cartesiano acompanha a revoluo industrial e a abordagem tcnica na educao nas dcadas de 60 e 70 e gera a nfase do processo de produo capitalista. A qualificao dos profissionais nestes anos era apenas para atender a exigncias da expanso do processo de industrializao, que demandavam a formao de um pro-fissional capaz de atuar em um determinado posto de trabalho, desenvolvendo operaes simples e repetitivas, proposies de uma educao reprodutivista.

    Esse enfoque, baseado na teoria educacional do capital huma-no, fundamentado no positivismo e caracterizado por modelos educacionais focados na abordagem tecnicista com modelos preestabelecidos, determinou a nfase nos instrumentos que subsidiavam o processo de ensino-aprendizagem e apresentou princpios como: a fragmentao do conhecimento, a educao mecanicista, a compartimentalizao por disciplinas e a tcnica pela tcnica.

    Segundo aborda Kuenzer, esse saber distribudo desigualmente segundo as necessidades relativas ao desempenho das tarefas, determinadas pelo seu grau de complexidade, mediante agentes e mecanismos diversificados 7.

    Entretanto, consolidando-se na dcada de 80 surgem pro-posies da educao profissional sob os ideais de politecnia, exigindo do trabalhador competncias mais elaboradas, como tomada de decises frente a alternativas diversas, valorizao da esttica e da sensibilidade, empreendedorismo, ousadia e liderana. Oliveira refora que para a educao profissional:

    Na verdade, reivindica-se maior e melhor formao, capacidade para enfrentar novas situaes, preocupao com aspectos educativos que no podem ser descritos em normas, integridade pessoal, responsabi-lidade naquilo que executa, formao continuada, sensibilidade diante de situaes delicadas, compromisso tico, moral e poltico com a comunidade.8

    Fica evidente que a prtica escolar tecnicista no atende a esses novos desafios, pois as disciplinas trabalhadas de forma

    fragmentada e reducio-nista eram desvinculadas da prtica, o que exigia que o aluno sozinho estabelecesse as rela-es entre os contedos abordados e sua realidade social. Libneo comenta que a escola funcionava como modeladora do comportamento huma-no, por meio de tcnicas especficas, e acrescenta: educao escolar compete: organizar o processo de aquisio de habilidades, atitudes e conhecimentos especficos, teis e necessrios, para que os indivduos se integrem na mquina do sistema social global9. No mesmo sentido, cabe a contribuio de Kuenzer e Deluiz, que afirmam:

    [...] do paradigma taylorista/fordista decorrem vrias modalidades de fragmentao do trabalho pedaggico, escolar e no escolar: a dualidade estrutural, a partir da qual se definem tipos diferentes de escola, segundo a origem de classe e o papel a elas destinado na diviso social e tcnica do trabalho; a fragmentao curricular, que divide o conhecimento em reas e disciplinas trabalhadas de forma isolada que passam a ser tratadas como se fossem autnomas entre si e desvinculadas de prtica social concreta, a partir da pretensa diviso da conscincia sobre a ao [...]10

    No modelo tecnicista ocorria tambm a fragmentao do trabalho dos pedagogos, que exerciam um controle rgido sobre o trabalho do professor. Os docentes obedeciam a um plane-jamento preelaborado pela equipe tcnica da escola e que nem sempre atendia aos interesses dos professores e dos alunos. A viso tecnicista do trabalho docente focalizado nos manuais impedia o professor de agir com autonomia na escolha dos saberes pertinentes proposta pedaggica. Impossibilitado de intervir, o professor seguia risca o planejamento recomendado pela superviso pedaggica e oferecia um processo ensino-

    A metodologia na abordagem conservadora prioriza a transmisso

    de informaes muitas vezes sem nenhum significado para o aluno, torna importante apenas o ensinar

    e no o aprender.

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    aprendizagem focalizado nas respostas rpidas e prontas, em especial as que preparassem para o mercado de trabalho. Na abordagem tecnicista, segundo Freire, [...] o educando recebe passi-vamente os conhecimentos, tornando-se um depsito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita [...]11 para ambos era impossvel a interao e o dilogo, ou seja, a ao pedaggica favorecia a promoo da eficincia e da eficcia com produtividade.

    Nessa metodologia cabia ao professor estimular e reforar o contedo como forma de memorizar a aprendizagem, no cabia ao aluno a reflexo e a crtica, mas sim seguir rigidamente os manuais e as instrues por meio de repetio de exerccios e treino constante. Esses fatores eram possveis porque, visando atender produo em massa e ao capital, exigiam-se do professor aes educacionais fundamentadas em instrues programadas advindas dos manuais. A educao reflete a questo econmica e torna-se essencial para o desenvolvimento do sistema produtivo, facilitado pela influncia da psicologia behaviorista e da aborda-gem cientfica positiva que propunham formas de controle para as condies de aquisio das respostas desejadas.

    Na abordagem tecnicista, aprender significa modificar o desempenho em resposta aos estmulos externos, e mais do que aprender a pensar o que importa o aprender a fazer, reduzindo a educao ao treinamento, concebendo-o como meio de obter a maximizao da produo. Aos alunos cabia o domnio do fazer, que a partir do final do sculo XX passa a no corresponder mais s exigncias da nova viso de mundo, nascida com as proposies da cincia, trazendo a necessidade de um entender cientfico diferenciado, que objetiva atender a nova concepo de vida, de trabalho e de educao.

    Os grandes avanos alcanados pela revoluo tecnolgica geraram um acmulo de capital, mas ao longo do tempo no conseguiram ir alm da perspectiva reprodutivista e reducionista

    no sistema produtivo. A educao, por sua vez, seguiu o mesmo processo, onde todos os esforos estavam centrados em dotar o aluno de habilidades, tornando-o apenas um reprodutor e memorizador de informaes. O grande desafio de superao paradigmtica que acompanhou o sculo XX, nas ltimas d-cadas, focalizou em pensar a formao de um novo educando e profissional, em especial no sentido de torn-los capazes de aprender e assimilar o mundo e no s de reproduzi-lo, mas com condies de transform-lo.

    A trAnsio pArAdigmtiCA projetAdA nAs Contribuies dos professores nA formAo ContinuAdA sobre A novA prtiCA doCente

    Das discusses dos docentes no PEFOP dos dois grupos envolvidos na pesquisa foi possvel depreender que os paradigmas tradicionais que visam reproduo do conhecimento repercu-tem na prtica do professor que prope processos pedaggicos assentados na memorizao dos contedos. Nesse cenrio, aos professores foi questionado como proceder no processo de mudana da prtica pedaggica para superar a atuao autoritria para a mediao; da imposio para a dialogicidade; da cpia para a compreenso crtica e transformadora. As contribuies explicitadas pelos participantes, nos relatos orais e escritos, apontaram que o processo de formao continuada gerou a reflexo sobre a transio paradigmtica, a urgncia na mudana da prtica docente, o despertar do professor para a necessria atuao, a viso de que o educando precisa aprender para uma vida plena em sociedade como cidado participativo, empreen-dedor e transformador.

    Os registros das produes individuais e coletivas dos do-centes envolvidos no estudo focalizaram o desafio proposto no sculo XXI, que requer um paradigma inovador na atuao pedaggica e profissional. Esta constatao levou a refletir sobre as novas exigncias da sociedade, que demandam mu-danas educacionais e requerem transformaes que levem ao repensar do fazer pedaggico nas escolas em todos os nveis, em especial na Educao Profissional. Busca-se nesse processo inovador uma educao que garanta ao cidado a capacidade de aprender a aprender, conquistando novos conhecimentos. Assim, exige-se do professor a busca de um novo paradigma que significa repensar inteiramente a prtica pedaggica. O que se constata atualmente que apesar de algumas das reformas educacionais propostas nos ltimos anos terem sido promisso-ras, elas tm falhado porque os agentes envolvidos no processo educacional no conseguiram atuar com abordagens inovadoras, pois continuaram desenvolvendo uma formao reducionista, atendendo to somente s necessidades de uma tendncia con-servadora que requer aplicaes imediatistas do conhecimento e da tecnologia.

    Outra discusso pertinente no processo de formao conti-nuada adveio da necessidade de articular um novo paradigma que pressupe a recuperao para a educao do elo entre a razo e a intuio, que predominou sob a influncia do paradigma

    Na abordagem tecnicista, aprender significa modificar o desempenho em resposta aos

    estmulos externos, e mais do que aprender a pensar o que importa o aprender a fazer, reduzindo

    a educao ao treinamento, concebendo-o como meio de obter a maximizao da produo.

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    O paradigma inovador busca ento estimular a reflexo do aluno, o seu esprito investigativo, valorizando

    suas inteligncias mltiplas, oportunizando um relacionamento dialgico com o professor, os colegas, a escola e o ambiente profissional. Possibilita tambm construir seu prprio conhecimento, levando o aluno a ser respeitado em suas

    diferenas individuais, considerado um ser nico, valioso e com

    talentos prprios.

    newtoniano-cartesiano nos diversos ramos do conhecimento. Exige-se a superao urgente da viso racional e reducionista da cincia, da arte, da filosofia positiva, na educao e na prpria viso do trabalho e do ser humano.

    Desde o sculo XVIII a civilizao, sobretudo o mundo oci-dental, substituiu a formao da alma pelo culto da lgica. Hoje, sente-se com clareza que o fator essencial para o homem contem-porneo no deve ser mais apenas o domnio da informao, mas tambm a conquista da dimenso mais complexa do ser humano. Significa que cada vez mais os sistemas educativos precisam estar ligados viso da totalidade, da aprendizagem para a vida e do trabalho significativo que respeite a natureza. Este processo pode ser desencadeado por meio de conexes em rede.

    Nesse contexto, Capra afirma que:

    No sculo XX, a fsica passou por vrias revolues conceituais que revelam claramente as limitaes de viso de mundo mecanicista e levam a uma viso orgnica, ecolgica, que mostra grandes semelhanas com as vises dos msticos de todas as pocas e tradies. O universo deixou de ser visto como uma mquina, composta de uma profuso de objetos distintos, para apresentar-se agora como um todo harmonioso e indivisvel, uma rede de relaes dinmicas que incluem o observador humano e sua conscincia de um modo essencial.12

    O exposto acima sinaliza a demanda por um novo paradigma educacional, que tem como enfoque o pensamento complexo13 e a produo do conhecimento com autonomia. Essa nova viso coligada ao desenvolvimento de novas comunicaes e tecnologias desafia o sistema educacional pautado em quatro pressupostos: aprender a conhecer, aprender a pensar, aprender a conviver e aprender a ser, conforme afirma Delors14. Surge ento uma concepo pedaggica complexa, caracterizada pelo paradigma emergente ou da complexidade, que segundo Behrens15 prioriza a viso sistmica, ou holstica, a abordagem progressista e o ensino com pesquisa. Ainda para a autora, o ponto de encontro entre os autores que contribuem com seus estudos sobre o paradigma inovador a viso de totalidade e o desafio de buscar a superao da reproduo para a produo do conhecimento 16.

    Com esse desafio posto, Moraes apresenta contribuio relevante quando prope:

    No pensamento do novo paradigma, no conhecimento em rede, todos os conceitos e todas as teorias esto interconectados. No h conceitos em hierarquias. Uma cincia ou uma disciplina no mais importante do que a outra. A viso do conhecimento em rede constitui um instrumento para a transformao potencial do prprio conhecimento.17

    No paradigma da complexidade, o processo de aquisio de conhecimento compreendido como decorrncia das relaes que o aluno estabelece com o meio, cabendo ao professor mediar o processo educacional. Assim, o docente necessita viabilizar as trocas necessrias, propor relaes dialgicas, provocar os alunos para realizar pesquisas para colher informaes e contedos co-letados de forma crtica e ativa. Este procedimento investigativo permite transformar esses contedos e informaes coletados em elaboraes que levem a uma produo do conhecimento prprio e significativo.

    O respeito aos interesses e aos diferentes estgios do desen-volvimento cognitivo dos alunos trabalhadores favorece a autono-mia e auxilia na transferncia da aprendizagem, no apenas para aprender a fazer, mas principalmente para aprender a aprender. O trabalho escolar na educao profissional e, em outros segmentos, possui caractersticas cooperativas e participativas, assegurando ao professor a autonomia e o controle do processo de trabalho em prol de uma formao slida e abrangente, qualitativa e que atenda a critrios sociais, profissionais e educacionais.

    O paradigma inovador busca ento estimular a reflexo do aluno, o seu esprito investigativo, valorizando suas inteligncias mltiplas, oportunizando um relacionamento dialgico com o professor, os colegas, a escola e o ambiente profissional. Possibilita tambm construir seu prprio conhecimento, levando o aluno a ser respeitado em suas diferenas individuais, considerado um ser nico, valioso e com talentos prprios.

    Dessa forma, desencadeia a construo de sua prpria his-tria, compartilhando idias, informaes, responsabilidades, decises e cooperaes, transformando-se em sujeito do seu prprio processo de aprendizagem e desenvolvimento.

    Ao aluno oportunizada uma prtica diferenciada, na qual tem liberdade de expressar suas idias e suas produes, tornando-se corresponsvel pelo processo de aprendizagem por meio da construo e da reconstruo de conhecimentos e do desen-volvimento de competncias. Nesta proposta percebe em seus erros a possibilidade de uma aprendizagem significativa, busca

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    respostas criativas de forma ousada e autnoma. Para tanto, o aluno precisa prosseguir sem parar jamais de aprender, sozinho ou em grupo, por meio de investigao individual e coletiva.

    Nesse contexto o educador, num paradigma da complexidade, passa a aprender junto com o aluno, estimula a sua capacidade de percepo e pensamento perante suas necessidades e suas realidades educacionais e profissionais, sempre em sintonia com problemas reais de carter social, econmico, afetivo e educa-cional de forma individualizada, discutindo sempre sentimentos e emoes.

    Cabe ainda ao professor ser um animador dos alunos na pesquisa, na investigao e na busca de aprendizagens significa-tivas e durveis, mediando o saber elaborado e o conhecimento a ser produzido. Assim, oportuniza a autonomia intelectual e moral para o indivduo aprender a ser ele mesmo, nico, dife-rente na igualdade e igual na diversidade. Com essa proposta, o professor pode possibilitar ao aluno identificar-se com uma cultura e desenvolv-la, para aprender a buscar informaes, acess-las e transform-las em conhecimentos teis, aplicveis s organizaes hoje globalizadas.

    Significa, ento, que o processo educacional no paradigma da complexidade no pode ser centrado em contedos que apenas so transmitidos, mas em produo do conhecimento que tor-na o processo educacional significativo e relevante. Portanto, segundo Behrens18 a metodologia deve possibilitar processos de autonomia e liberdade, embasada na contextualidade e na problematizao, superando a fragmentao do conhecimento por meio do resgate do ser humano em sua totalidade e da valorizao das inteligncias mltiplas.

    O paradigma da complexidade visa integralizao da viso do todo, em busca de um pensamento complexo, estabelecendo conexes entre as diversas reas do conhecimento por meio de um pensamento multidimensional, que provoque a produo

    individual e coletiva dos alunos e com enfoque crtico, reflexivo, transformador e globalizador. Sendo assim, para a efetividade dessa abordagem faz-se necessrio implementar um processo de avaliao que possibilite o resgate e o respeito do crescimento integral do aluno e do grupo. Para Behrens:

    as avaliaes realizadas durante o processo tm demonstrado que os resultados so mais significativos, pois permitem ao aluno perceber seu desenvolvimento durante o trabalho que est sendo realizado. O professor com uma viso sistmica capaz de perceber que o erro pode vir a ser um caminho do acerto.19

    Diante deste contexto muito se tem falado sobre competn-cias, tanto na escola quanto em ambientes de trabalho, conforme Kuenzer, que define competncia como:

    Capacidade de agir, em situaes previstas e no previstas, com rapidez e eficincia, articulando conhecimentos tcitos e cientficos a experincias de vida e laborais vivenciadas ao longo das histrias de vida vincula-das idia de solucionar problemas, mobilizando conhecimentos de forma transdisciplinar a comportamentos e habilidades psicofsicas, e transferindo-os para novas situaes; supe, portanto, a capacidade de atuar mobilizando conhecimentos.20

    O planejamento curricular centrado no desenvolvimento de competncias deve prever atividades de ensino que possibilitem a avaliao conjunta do aluno e do professor na aprendizagem, garantindo o direito de ensinar e o direito de aprender.

    Assim, segundo destaca Deluiz, no modelo de competncias importa no s a posse dos saberes disciplinares escolares ou tcnicos profissionais, mais a capacidade de mobiliz-los para resolver problemas e enfrentar os imprevistos na situao de trabalho21.

    Portanto, o desenvolvimento de competncias deve prever a capacidade do aluno trabalhador em resolver problemas por meio da aplicao de tarefas complexas e de desafios que os levem a mobilizar seus conhecimentos, habilidades e valores.

    O termo competncias tem sido aplicado educao profissio-nal tendo em vista as exigncias ocorridas no mundo do trabalho, embora inexista consenso dos profissionais da educao sobre essa noo, porm o modelo de competncias sugere qualificao de um indivduo, tratando principalmente da sua capacidade de agir, intervir, decidir em situaes previstas ou previsveis. Dessa forma, requer uma profissionalizao que prepare o trabalhador para rpidas reconverses ao longo da vida.

    Sendo assim, o modelo de competncias favorece uma arti-culao com o mundo do trabalho, promovendo a construo da cidadania, e tambm prepara o aluno trabalhador para atuar de forma participativa e ativa no mundo do trabalho.

    Alm disso, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB, Lei n 9.394/9622, confirma a possibilidade nas polticas de educao profissional da opo por uma orga-nizao curricular baseada no desenvolvimento de competncias profissionais, por meio de seu Parecer n 17/9723, Parecer n 16/9924 e Resoluo n 04/9925, da Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao. Nesse contexto, no que diz respeito Educao Profissional, tratada em captulo especial, destaca que a organizao curricular da educao profissional tem

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    O modelo estrutural do currculo por competncias deve contemplar a flexibilidade, a interdisciplinaridade

    e a contextualizao.

    como princpio orientador a formao baseada em competncias, entendida conforme os dispositivos que a regulamentam.

    Sendo assim, o foco da estrutura curricular no desenvol-vimento de competncias possibilita a superao de um fazer pedaggico centrado na transmisso de contedos, o que exige dos profissionais de educao uma nova postura, possibilitando ao aluno um fazer autnomo, crtico e criativo, elementos essenciais ao exerccio da cidadania e de uma participao poltica.

    Esse modelo exige a adoo de um novo paradigma, onde o ensino deve voltar-se para a valorizao das experincias pessoais do aluno, possibilitando ao educando ser parceiro no processo de aprendizagem, onde os contedos sejam significa-tivos e atualizados.

    O modelo estrutural do currculo por competncias deve contemplar a flexibilidade, a interdisciplinaridade e a contex-tualizao.

    Dessa forma, as competncias precisam ser vistas de ma-neira mais ampla, pois o paradigma da complexidade prope que a aprendizagem e a avaliao sejam processuais, contnuas e transformadoras. Com essa viso, possibilita o crescimento gradativo do aluno trabalhador e tambm do professor, pos-sibilitando perceber o desenvolvimento ocorrido durante o processo educacional. Ou seja, para que ocorra a efetividade da aprendizagem e a contextualizao de situaes reais, a prtica pedaggica precisa contemplar a elaborao de projetos que provoquem um estudo sistemtico por meio de investigao orientada. Essa metodologia possibilita perceber o aluno no somente como objeto, mas principalmente como o sujeito e o produtor de seu prprio processo de desenvolvimento.

    A metodologia por projetos, num paradigma complexo, destaca-se como estratgia que visa estabelecer relaes entre as informaes a que os alunos tm acesso e a sua realidade, instaurando um ambiente de ensino baseado na resoluo de problemas. Esta proposta pode refletir positivamente na atuao profissional e no processo produtivo, pois o aluno deve ultrapassar o universo dos livros, incentivando a busca de informaes e conhecimentos crticos e reflexivos, promovendo a autonomia, a capacidade de problematizar, investigar, refletir e sistematizar o conhecimento. Segundo Barbosa, Gontijo e Santos:

    O mtodo de ensino por projetos uma estratgia de ensino-aprendizagem que visa, por meio da investigao de um tema ou problema, vincular teoria e prtica, gera aprendizagem diversificada e em tempo real, inserida em novo contexto pedaggico no qual o aluno agente na produo do conhecimento. Rompe com a imposio de contedos de forma rgida e pr-estabelecida, incorporando-os na medida em que se constituem como parte fundamental para o desenvolvimento do projeto.26

    O professor torna-se tambm um pesquisador, pois, segundo Demo, ... a educao pela pesquisa supe um processo de permanente recuperao do professor 27. Ele deve dividir com os alunos a res-ponsabilidade pela construo do conhecimento. Quanto aos alunos, cabe-lhes desenvolver uma postura participativa durante o processo de ensino-aprendizagem e reconhecer que o professor no mais o nico a decidir sobre os caminhos a serem seguidos nem o centro absoluto do saber.

    Dessa forma, cabe defender uma metodologia que possibilite a problematizao, pois com este encaminhamento o tema escolhido ou negociado pelo grupo. O problema no deve ser imposto pelo professor, mas deve gerar no aluno a curiosidade investigativa, ou seja, deve representar um desafio que estimule o investimento no tempo e no esforo cognitivo, estabelecendo uma necessidade real e que favorea a troca e o entendimento dos diversos pontos de vistas e diferentes caminhos estabelecidos para o desenvolvimento do tema.

    No paradigma inovador, a metodologia assentada na pesquisa deve ser avaliada permanentemente, buscando investigar o alcance dos objetivos propostos e que aes devem ser propostas para conquistar a qualidade no desenvolvimento do projeto.

    O paradigma da complexidade exige um fazer docente dial-gico e democrtico, o incentivo e a busca constante da produo autnoma do conhecimento. Com uma viso emergente, visa proporcionar uma prtica pedaggica que seja inovadora e esti-mule o aluno a participar efetivamente no processo educativo. A docncia numa viso complexa pode transformar o aluno num sujeito critico e inovador, inserido no contexto real de situaes sociais e profissionais, de forma a lev-lo a encontrar novos caminhos para aprender.

    ConsiderAes finAis

    A realizao de estudos, no grupo PEFOP e no SENAC do Paran, sobre os paradigmas da Prtica Pedaggica, possibilitou a reflexo dos 22 participantes do grupo e uma vivncia no pro-cesso de insero com professores da comunidade. Assim, na etapa desenvolvida na comunidade foi possvel conviver com 11 professores que atuam nos Centros de Educao Profissional. O processo de formao continuada, nos dois grupos, se apresentou com a inteno de oferecer momentos de reflexo, em especial no que se refere opo de um Paradigma da Complexidade na docncia em todos os nveis de ensino. No processo investigati-vo foi possvel perceber que esse paradigma inovador pode ser adotado como metodologia da prtica pedaggica, mas depende de uma ao conjunta e de proposta de processo de formao continuada, visando preparar os professores que desejam atuar de maneira critica e mudar seu paradigma na educao e na formao para o trabalho. Os relatos dos docentes apontaram para a neces-sidade de desenvolver uma atuao pedaggica fundamentada no ensino contextualizado a partir de problematizao que favorece

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    a avaliao por competncias. As exigncias do trabalhador em atuar com as novas tecnologias de maneira criativa demandam uma formao que os prepare para se manterem atualizados e produtivos na sua rea profissional.

    Para tanto, Behrens28 orienta que a prtica pedaggica num paradigma da complexidade exige um trabalho entrelaado das abordagens: sistmica ou holstica, progressista e o ensino com pesquisa. Por meio de inter-relao dessas abordagens os docen-tes podem promover uma prtica pedaggica reflexiva, crtica e inovadora. Neste contexto, torna-se urgente a proposio de uma prtica pedaggica problematizadora por meio de projetos de trabalho a partir da realidade concreta que levem a certificar competncias profissionais de forma efetiva e que correspondam as demandadas do mundo de trabalho.

    O desafio prende-se formao de um novo educador que atue de forma crtica atendendo, ao proposto no paradigma da complexidade ou emergente tambm nas escolas de educao profissional. Os cursos profissionalizantes que atendam s demandas da sociedade neste incio de sculo XXI exigem um professor que prepare os alunos trabalhadores para atuar num mercado de trabalho globalizado com autonomia e criatividade por meio de aes investigativas. Esta formao pode possibilitar a identificao e a projeo de problemas, bem como a apresentao de propostas e solues, demandando dessa forma um educador capaz de preparar seus alunos para transformar saberes reprodu-tivistas em saberes aplicveis, uma vez que as inovaes tcnicas e tecnolgicas ocorrem de forma acelerada, exigindo profissionais capazes de construir e reconstruir o conhecimento.

    O desenvolvimento da educao continuada juntamente com os docentes que atuam nos Centros de Educao Profissional do SENAC do Paran permitiu perceber a pertinncia da formao profissional que atenda ao paradigma da complexidade por meio de uma nova metodologia que seja dialgica, reflexiva e crtica, que gere uma aprendizagem autnoma e contextualizada.

    importante destacar que a equipe de profissionais que atuam com educao profissional no se compe de seres abstratos, mas de pessoas experientes, com suas identidades pessoais e profissionais, imersas no mundo do trabalho e na vivncia na comunidade. Com base nas representaes constitudas durante a vida profissional e pessoal podem compartilhar seus conhe-cimentos, valores e atitudes.

    A reflexo crtica proposta durante o processo de formao desses educadores aponta que os conhecimentos adquirem sentido ou no, so aceitos ou incorporados em funo de

    complexos processos no apenas cognitivos, mas principalmente socioafetivos e culturais. Socioafetivos por conta da importncia das atitudes e comportamentos exigidos do profissional do s-culo XXI, em especial no compromisso de fazer uma educao de qualidade que prepare os alunos para atuarem na sociedade enquanto indivduos participativos e comprometidos com as questes culturais, sociais e ambientais.

    Neste processo desafiador, tem extrema importncia a viso dos gestores das escolas em todos os nveis, em especial na edu-cao profissional no sentido de repensar o papel do professor, pois o sucesso de uma gerao de trabalhadores depende de uma formao crtica, inovadora e transformadora. Acredita-se que a formao continuada dos docentes deve ocorrer de forma sistmica, estimulando o desenvolvimento de competncias pedaggicas inovadoras, considerando a tecnologia como parte integrante e necessria no processo educacional.

    A caminhada com os professores pesquisadores permite enfatizar a necessidade de um esforo concentrado na articulao pedaggica entre gestores e professores das escolas, inclusive as de educao profissional, no sentido de buscar uma formao que atenda ao paradigma da complexidade. Neste paradigma a formao profissional assume a viso do todo, que implica superar a repetio e a memorizao de atividades desconectadas. No paradigma da complexidade, a formao dos alunos e tambm dos professores leva a argumentar, a duvidar, a questionar, a rever conceitos e manuais, a saber ouvir e entender o outro, a partilhar seus acertos e buscar novas solues para seus erros, a entender o trabalho compartilhado como responsabilidade de cada um e o sucesso de todos, a enfrentar novos desafios, a discutir e dialogar com seus pares e ser mais humano, justo e fraterno, e assim se entender como cidado do mundo e construtor de sua prpria histria e da sua comunidade.

    O paradigma da complexidade instiga as organizaes em seus mltiplos desdobramentos, ou seja, educativos, religiosos, comerciais, industriais, sociais, entre outros, a repensarem seus processos, a redimensionar seus procedimentos, a pensar os danos causados ao homem, sociedade e ao planeta. A superao da viso reducionista de conviver na sociedade depende da formao de cidados para construir um mundo melhor, mais justo, fraterno e igualitrio. Neste movimento de mudana paradigmtica tambm as organizaes precisam propiciar aos seus colaboradores momentos de reflexo, de dilogo, de participao e de partilha, assim trabalhadores, pro-fissionais, professores e alunos podem aprender a fazer, a conhecer, a ser e conviver. Neste contexto, a sociedade complexa exige um educador que inove sua ao pedaggica, que repense seu papel na sociedade e que entenda sua contribuio significativa no mundo do trabalho. O esforo concentrado pode gerar mudanas signifi-cativas, abrindo novos caminhos para uma formao educacional e profissional mais relevante e significativa.

    notAs

    1 CAPRA, Fritjof. A teia da fsica: uma nova compreenso cientfica dos sistemas vivos. So Paulo : Cultrix, 1996. p.24.

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    2 Id. ibid., p.26.3 MOARES, Maria Cndida. O paradigma educacional emergente. 12.ed.,

    Campinas: Papirus. p.18.

    4 BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prtica pedaggica. Petrpolis(RJ): Vozes, 2005. p.18.

    5 MIZUKAMI, Maria da Graa Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. So Paulo: EPU, 1986. p. 8.

    6 KUENZER, Accia Zeneide. Pedagogia da fbrica: as relaes de produo e a educao do trabalhador. 6.ed., So Paulo: Cortez, 2002. p. 78.

    7 Id. ibid., p. 155.8 OLIVEIRA, Ana Maria Rocha. A contribuio da prtica reflexiva para uma

    docncia com profissionalidade. Boletim Tcnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p. 46-61, jan./abr., 2007.

    9 LIBNEO, Jos Carlos. Democratizao da escola pblica: a pedagogia crtico-social dos contedos. 9.ed., So Paulo : Ed. Loyola, 1990. p. 28.

    10 DELUIZ, Neise. Pedagogia do trabalho na acumulao flexvel: os proces-sos de excluso includente e incluso excludente como uma nova forma de dualidade estrutural. Boletim Tcnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 32-37, jan./abr., 2005. Entrevistada: Accia Zeneida Kuenzer.

    11 FREIRE, Paulo. Educao e mudana. 16.ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p.38.

    12 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutao: a cincia, a sociedade e a cultura emergente. So Paulo: Cultrix, 1982. p. 44.

    13 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessrios para a educao do sculo XXI. 10.ed., So Paulo: Cortez, 2005.

    14 DELORS, Jacques. Educao: um tesouro a descobrir. Relatrio da UNES-CO da Comisso Internacional sobre Educao para o Sculo XXI. Braslia: Cortez, 1996.

    15 BEHRENS, Marilda Aparecida. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos didticos e portflio. Petrpolis(RJ): Vozes, 2006.

    16 Id. Ibid., p. 14.17 MOARES, Maria Cndida. O paradigma educacional emergente. 12.ed.,

    Campinas: Papirus, 2007. p. 96.

    18 BEHRENS, Marilda Aparecida. (2006) op. cit.19 Id. (2005) op. cit., p.18.20 KUENZER, Accia Zeneida. Competncias como prxis: os dilemas da

    relao entre teoria e prtica na educao dos trabalhadores. Boletim Tcnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 29, n.1, jan.,/abr., 2003. p. 16.

    21 DELUIZ, Neise. O modelo das competncias profissionais no mundo do trabalho e na educao: implicaes para o currculo. Boletim Tcnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 27., n.3, set.,/dez., 2001. p.14.

    22 BRASIL. Leis, Decretos. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Documenta, Braslia, n. 423, p. 569-586, dez. 1996. Publicado no DOU de 23.12.96. Seo I, p. 1-27. 841. Estabelece as Diretrizes e Bases de Educao Nacional.

    23 CONSELHO NACIONAL DE EDUCACO (Brasil). Cmara de Educa-o Bsica. Parecer 17/97 de 03 de dezembro de 1997. Fixa as Diretrizes Operacionais para a Educao Profissional em Nvel Nacional.

    24 Id. Parecer 16/99, aprovado em 05 de outubro de 1999. Documenta, Braslia, n. 457, p. 3-73, out. 1999. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profissional de nvel tcnico.

    25 Id. Resoluo CEB 4/99, aprovado em 08 de dezembro de 1999. Documen-ta, Braslia, n. 459, p. 277-306, dez. 1999. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profissional de nvel tcnico. .

    26 BARBOSA, Eduardo Fernando; GONTIJO, Alberto de Figueiredo, SANTOS, Fernanda Ftima dos. Inovaes pedaggicas em educao profissional: uma experincia de utilizao do mtodo de projetos na formao de competncias. Boletim Tcnico do SENAC, Rio de Janeiro, v.30, n.2, maio/ago., 2004. p. 40.

    27 DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 7.ed., Campinas: Autores Associados, 2005. p. 49.

    28 BEHRENS, Marilda Aparecida. (2005) op. cit.

    ABSTRACT

    Jacques de Lima Ferreira; Lucymara Carpim; Marilda Aparecida Behrens. From the traditional paradigm to the comple-xity paradigm: a new road for vocational training.

    The object of this research, carried out by the group Educational Paradigms and Teacher Education (PEFOP), was to reflect on a proposal for paradigmatic change in the education of teachers working at the SENAC Centers for Vocational Training in Pa-ran. This article presents the results of the research whose purpose was to reveal the paradigmatic influence on pedagogical practice in the process of teacher education. The choice was for a participatory research, involving 22 teachers who had studied or were studying in a postgraduate program in education at the Pontifical Catholic University (PUC) in Paran state and 11 teachers who taught technical vocational classes in SENAC.

    Keywords: Pedagogical practice; Teacher mediation; Vocational training; Complexity paradigm.

    RESUMEN

    Jacques de Lima Ferreira; Lucymara Carpim; Marilda Aparecida Behrens. Del paradigma tradicional al paradigma de la complejidad: un nuevo recorrido en la educacin profesional.

    El objeto de esta investigacin, realizada en el grupo PEFOP Pa-radigmas educacionales y formacin de profesores fue reflexionar sobre la propuesta de cambio paradigmtico en la formacin de los docentes que actan en los Centros de Educacin Profesional del SENAC del estado de Paran. En este artculo se presentan los resultados de una investigacin, cuya meta fue poner en evidencia la influencia paradigmtica de la prctica pedaggica en el proceso de formacin de profesores. Se opt por una investigacin participa-tiva, de la que tomaron parte 22 profesores que cursaron o estn cursando un programa de posgrado en educacin, de la PUCPR, y 11 profesores que actuaban en la enseanza tcnico profesional en el SENAC.

    Palabras clave: Prctica pedaggica; Mediacin docente; Edu-cacin profesional; Paradigma de la complejidad.