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Do Passeio Pblico
ao Parque da liberdade
F ra n o l se Le C u nff
FALTA AO CONJUNTO ARQUITECTNICO D A BAIXA
Pombalina uma pea importante, sacrificada no
final do sculo XIX aquando da construo da
Avenida da Liberdade, que devia permitir o desen
volvimento da cidade para Norte. Trata-se do
Passeio Pblico do Rossio, construo de um g
nero novol na altura, que completou o programa
urbanstico escolhido para a nova cidade.
A projeco desse espao, entre 1 764 e 1771,
por altura do plano de reedificao da Baixa,
constitui a primeira expresso, no pas, do desejo
de um parque pblico numa altura em que, justa
mente, comeava a ser um equipamento fre
quentemente integrado na reconstruo das
cidades europeias influenciadas pelas Luzes. No
mesmo perodo desenha-se, por exemplo, o
Paseo dei Prado em Madrid ( 1760-1770) apre
ciado como sendo l'un des plus grandioses de
l'Europe des Lumieres.2
No sculo XVIII, enquanto alguns filsofos em ruptura com o estilo de vida urbana procuram ref
gio no contacto com a natureza, os planficadores
tentam encontrar solues para a insalubridade da
cidade. Como uma das medidas mais pertinentes,
a plantao de rvores desempenha um papel
importante, tendo como objectivos complemen
tares o saneamento e o embelezamento da cidade.
As estradas de entrada e sada de numerosas cida
des passam a ser arborizadas, assim como os cas
dos rios dos centros urbanos e as zonas de fortifi
caes antigas. A cidade abre-se pouco a pouco paisagem que a circunda. A natureza penetra na
cidade pela mo dos passeios pblicos. Estes so,
ao lado de outros equipamentos colectivos, cons
cientemente projectados e integrados nos planos
de reconstruo das cidades porque iam, efectiva
mente, ao encontro de ideias filosficas e estticas
preconizadas pelo movimento das Luzes. Aqueles
passeios pblicos contribuam para o ordena
mento do espao pblico, para a formosura da
cidade e para o saneamento da mesma, constitu
indo reservas imprescindveis de ar e lUZI>.
o projecto do Passeio Pbli '{ o primeiro desenho do Passeio Pblico
obedece a um esquema bastante simples uaado pelo engenheiro-militar e arqUlitecto Reinaldo Manuel dos Santos: uma alameda de 300x90m constituda por uma rua central; em ambas as faixas laterais desta artria foram plantadas cinco filas de rvores dispostas regular e simetricamente de modo a formarem ruas secundrias. Este Passeio era cercado por muros e a entrada fazia -se, inicialmente, por uma porta de madeira. O ordenamento do seu permetro, tal como o das ruas laterais e do largo fronteiro, facilitava as acessibilidades e disciplinava Ulma rea importante da cidade.
Concebido como um anexo de uma via de circulao alargada e arborizada, o Passeio, alm de assumir as funes acima referidas, permitiria tambm o encontro das classes sociais e a sua mtua e progressiva aceitao. No Portugal de setecentos, os jardins so privados e reservados para a fruio da aristocracia. Consta que esta situao evoluiu com a aproximao da Revoluo Francesa, perodo aps o qual foi, de facto, frequente alguns dos proprietrios de grandes j ardins no interior das cidades abrirem-no ao pblico em certos dias do ano, promovendo assim uma certa democratizao do uso do jardim, observou Ildio Arajo.
O geometrismo e o rigor do desenho do Passeio do Rossio poderia induzir que fora concebido ao velho gosto francs.3Todavia, os jardins francesa desenvolviam todo um programa iconogrfico e filosfico que estava ausente da concepo do Passeio Pblico de Lisboa. Influenciada por outras tradies, de raiz rabe e medieval - o horto - a arte dos jardins portugueses resistira, na verdade, ao modelo francs consagrado por Andr Le Ntre, salvo raras excepes como os j ardins de Queluz e os da Quinta Real de Caxias.4 O traado do Passeio
Pblico, embora no coincida com o modelo Le Ntre aproxima-se, no entanto, de outras tipologias de jardins em grande desenvolvimento em toda a Frana durante o sculo XVII: os mails e os cours.
Marcel Poete explica que o mail era un jeu d'exercice ou on pousse avec une grande violence et adresse une boule de buis qu'on doit faire passer par un archet de fer qu'on nomme la passe. Aquele termo indicava igualmente o pau com o qual se empurrava a bola e, por extenso, o local onde se praticava o jogo, geralmente disposto do seguinte modo: Une alle d'aulnes battue et ferme de planches.5 Pouco a pouco, estes espaos, inicialmente concebidos como reas de jogo, tornaram-se des lieux de rencontre, des promenades publiques,6 constata outro historiador dos jardins pblicos, Louis-Michel Nourry. Quanto aos cours, eram de dois tipos: uns, concebidos para passeios a p e, outros, para passeios de coche. O Cours de la Reine Margot ( 1606) pertence ao primeiro grupo. Fora criado para Marguerite de Valo is, primeira esposa do rei Henrique Iv. Era uma extensa alameda constituda pela plantao de dois renques de rvores onde se penetrava por uma porta aberta na rua des Saints-peres. Construdo em terrao, paralelamente ao Sena, proporcionava uma admirvel vista sobre o rio e sobre a galeria do Louvre. No segundo grupo, encontra-se outro de designao parecida, o Cours-la-Reine ( 1622) . Era composto por quatro filas de ulmeiros plantados numa extenso de 1500 metros de comprimento. O cours era interrompido a meio por uma rotunda de uma centena de metros, tambm arborizada, e permitia a um nmero aprecivel de carros girarem sua volta ao memo tempo. Tanto os mails como os cours eram autnticos sales ao ar livre nos quais as classes mundanas se dedicavam arte da conversao, ao exibicionismo das suas posses e valorizao da ociosidade. 180
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No ltimo quartel de setecentos e durante
os trs primeiros decnios do sculo XIX, o Passeio Pblico do Rossio no conseguiu impor
-se como o centro de sociabilidade dos lisboe
tas, a julgar por descries vrias colhidas na
literatura de viagens e na imprensa. Parte deste
insucesso parece proceder da sua fraca quali
dade esttica e da sua desadequada integrao
paisagista. O viajante e mdico J.B.F. Carrere, por
exemplo, lamenta que tenha sido construdo
em stio afastado e de mau acesso, enterrado
no sop de um monte elevado, que o priva da
livre circulao do ar. Foram formuladas igual
mente crticas ao horrio do seu funciona
mento. Muitos dos seus frequentadores acha
vam que devia estar aberto at mais tarde na
poca do Vero. Por outro lado, a lenta progres
so das obras de reconstruo da cidade, aps
o terramoto de 1 755, tornava difcil o acesso
quele espao. A fraca adeso a esta iniciativa
residia tambm no facto de que, na sociedade
portuguesa, no existia o hbito e o gosto de
passear num espao previsto para o efeito.
Prevalecendo ainda no meio aristocrtico as
tradies de festas e encontros em palcios
privados, a sociedade no seu todo no estava,
por isso, habituada a uma mistura informal e
sem etiqueta em espaos de recreio pblico.
A mentalidade das elites constitua um freio
mistura das classes e emulao que o reen
contro destas no Passeio devia favorecer. D e
facto, a burguesia tal como se apresenta n a
segunda metade do sculo XIX e que vai acabar por aderir com entusiasmo aos divertimentos
proporcionados pelo Passeio Pblico, era ainda
nesta poca de reduzida expresso social. Final
mente, no sendo a industrializao muito
desenvolvida no pas, a c:riao de um espao
verde para usufruto pblico no era sentida
como um empreendimento de grande utilidade
ou corno uma sensvel encenao esttica da
natureza.
asseio Pblico . T .entist
O Passeio Pblico tornou-se o local de
encontro da sociedade portuguesa s a partir da
segunda metade do sculo XIX, depois de beneficiar de melhoramentos introduzidos pelas
sucessivas vereaes liberais.
A oferta variada de divertimentos, em parti
cular durante as noites de Vero, mas no s,
contribuiu decisivamente para a afluncia do
pblico ao Passeio. Alm das iluminaes,
organizavam-se igualmente fogos-de-artifcio,
concertos aos domingos e dias santificados,
festas temticas (festa chinesa e festa do Tirol) ,
espectculos acrobticos, bailes infantis e, sobre
tudo, festas de beneficncia. Os entretenimentos
e os fins caritativos a que se destinavam estas
festas justificavam a massiva presena do pblico
nestas noites especiais.7 Pouco a pouco, o Passeio
Pblico do Rossio foi-se impondo como o local
de encontro de todas as classes sociais que ali se ' juntavam, embora sem necessariamente se
misturarem. Por detrs do seu ar convivial e inter
classista, aquele jardim era objecto de alguma
segregao social. A frequncia do Passeio
Pblico pelos diferentes grupos sociais era
distinta segundo os dias da semana. As quintas
feiras eram consideradas de bom tom ao
contrrio de os domingos, desprezados pelos
mais chiques porque o acesso gratuito favore
cia a amlgama social. Alm desta hierarquiza
o que se estendia, inclusive, s prprias horas
do dia, verificava-se uma outra relativa prpria
utilizao fsica do espao: havia os que frequen
tavam a rua central, e os que se mantinham nas
ruas secundrias. A presena de membros da
famlia real e do high life em alguns aconteci
mentos que decorreram ali, nomeadamente nas
festas caritativas, fazia com que a burguesia
tambm fosse atrada pelo desejo de compare
cer num jogo complexo de emulao, identifica
o e exibio.
a O'
No final do sculo XIX, o velho jardim j no satisfazia os lisboetas, saturados que estavam da rotina do mesmo tipo de divertimentos. Impeditivo do desenvolvimento urbanstico da cidade em expanso para norte, o Passeio Ptblico foi sacrificado para se construir no seu lugar a Avenida da Liberdade. Esta, conforme o projecto do ento engenheiro-chefe da CML, Frederico Ressano Garcia, devia ser completada por um parque a construir nos terrenos livres a norte da Rotunda do Marqus de Pombal. O declive destes terrenos dificultava efectivamente o prolongamento natural da avenida naquele sentido. O parque, com uma superfcie de aproximadamente 38 hectares, devia compensar os lisboetas pela perda do Passeio Pblico e teria um desenho mais adequado aos novos tempos. Com efeito, a arte dos jardins ptblicos evoluir consideravelmente. Obedecendo inicialmente a concepes bastarlte rudimentares, baseadas no modelo de alameda, a arte paisagista desenvolvera plantas cada vez mais complexas capazes de conferir maior autonomia funcional e formal aos parques e jardins. Neste campo, as grandes obras realizadas em Paris entre 1853 e 1870 por Napoleo III e G. Haussmann tiveram um carcter exemplar.8 As diferentes formas como a natureza fora encenada em Paris (parques perifricos suburbanos, parques intramuros, praas e avenidas ajardinadas e arborizadas), a sua distribuio por toda a rea urbana e a sua livre acessibilidade so as caractersticas mais originais salientadas pelos estudiosos do urbanismo haussmanniano.9 O sistema dos jardins parisienses, concebido ao mesmo tempo que o plano do conjunto edificado, devia assumir com maior relevncia funes enunciadas quase um sculo mais cedo mas que continuavam a permanecer de grande actualidade devido grave degradao da vida social urbana provocada pela Revoluo Industrial. Os reformadores parisienses no inventam apenas um
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A CHINA NO PASEIO FUIJIjICO TlUl>l:Co 00 OrcRE:TO I A n e S T A t:;::;;;'='::':I:':il I ;E:;:::.;t:;;:!:
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