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Parecer KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br I - CONSULTA A Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, por intermédio de seu presidente, Dr. Ivan de Castro Duarte Martins, nos dá a honra de solicitar parecer sobre a matéria em epígrafe formulando os quesitos ao final respondidos. 1. Dos Fatos 1.1 Do Convênio Os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Distrito Federal, num total de 19

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Parecer KIYOSHI HARADA:

Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br

I - CONSULTA

A Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, por intermédio de seu presidente, Dr. Ivan de Castro Duarte Martins, nos dá a honra de solicitar parecer sobre a matéria em epígrafe formulando os quesitos ao final respondidos.

1. Dos Fatos

1.1 Do Convênio

Os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Distrito Federal, num total de 19 entes políticos reunidos no dia 29-8-2002, sob a Presidência do CONFAZ, com base na Lei Complementar nº 24 de 7-1-1975, celebraram o CONVÊNIO ICMS nº 104/02 pelo qual ficaram autorizados a ceder a título oneroso os direitos de recebimento do produto do adimplemento das prestações dos contribuintes do ICMS que sejam objetos de parcelamento judicial ou extrajudicial (cláusula primeira).

A cláusula segunda deixou consignado que a cessão não modifica a natureza do crédito tributário cedido, com suas garantias e privilégios, nem altera as condições do parcelamento, ao passo que

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a cláusula terceira resguardou o repasse das cotas municipais e dos fundos constitucionalmente previstos.

O § 2º da cláusula quinta do Convênio dispõe, ainda, que no caso de desistência pelo contribuinte ou da revogação do parcelamento original cedido, os Estados devem proceder a inscrição do crédito na dívida ativa e promover a cobrança nos termos da legislação aplicável.

Finalmente, a cláusula sétima dispõe que os Estados signatários do Convênio adotarão as medidas necessárias para implementação, em cada unidade federada, da cessão prevista no presente convênio, podendo ainda instituir outras condições que não contrariem as normas relacionadas naquele instrumento.

1.2 Da Lei nº 13.723, de 29-9-2009 do Estado de São Paulo

Com base no Convênio referido no item 1.1 o Estado de São Paulo sancionou a Lei nº 13.723/2009 com o seguinte teor:

“Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a ceder, a título oneroso, à sociedade de propósito específico a que se refere o artigo 8º desta lei, ou à Companhia Paulista de Parcerias - CPP, ou, ainda, a fundo de investimento em direitos creditórios, constituído de acordo com as normas da Comissão de Valores Mobiliários, os direitos creditórios originários de créditos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais, relativos ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, ao Imposto de Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD, ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA, às taxas de qualquer espécie e origem, às multas administrativas de natureza não tributária, às

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multas contratuais, aos ressarcimentos e às restituições e indenizações.

§ 1º - A cessão compreende apenas o direito autônomo ao recebimento do crédito e somente poderá recair sobre o produto de créditos tributários cujo fato gerador já tenha ocorrido e de créditos não tributários vencidos, efetivamente constituídos e inscritos na divida ativa do Estado ou reconhecidos pelo contribuinte ou devedor mediante a formalização de parcelamento.

§ 2º - Na hipótese de cessão a fundo de investimento em direitos creditórios, este deverá ser instituído e administrado pelo agente financeiro do Tesouro.

Art. 2º - A cessão de que trata o artigo 1º não modifica a natureza do crédito que originou o direito creditório objeto da cessão, o qual mantém suas garantias e privilégios, não altera as condições de pagamento, critérios de atualização e data de vencimento, não transfere a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos originadores, que permanece com a Procuradoria Geral do Estado, e não compreende a parcela de que trata o artigo 55 da Lei Complementar nº 93, de 28 de maio de 1974, com alterações posteriores.

Art. 3º - Para os fins desta lei, o valor mínimo da cessão não poderá ser inferior ao do saldo atualizado do parcelamento, excluídos juros e demais acréscimos financeiros incidentes sobre as parcelas vincendas.

Art. 4º - O cessionário não poderá efetuar nova cessão dos direitos creditórios cedidos na forma desta lei, salvo anuência expressa do Estado.

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Art. 5º - A cessão dos direitos creditórios originados de créditos tributários será sempre parcial, ficando excluída a parcela pertencente aos Municípios, nos termos do disposto nos incisos III e IV do artigo 158 e no artigo 159 da Constituição Federal.

Parágrafo único - Os Municípios continuarão a receber os recursos que trata o "caput" deste artigo nos prazos e percentuais previstos na legislação de regência, no momento da concretização dos respectivos pagamentos pelos contribuintes, o mesmo ocorrendo em relação às demais receitas vinculadas, em conformidade com as disposições da Constituição Federal e da Constituição do Estado.

Art. 6º - A cessão deverá ser disciplinada em instrumento específico, com individualização dos direitos creditórios cedidos, aplicando-se, no que couber, os dispositivos pertinentes do Código Civil, instituído pela Lei federal no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Parágrafo único - A cessão far-se-á em caráter definitivo, sem assunção, pelo Estado, perante o cessionário, de responsabilidade pelo efetivo pagamento a cargo do contribuinte ou de qualquer outra espécie de compromisso financeiro que possa, nos termos da Lei Complementar federal no 101, de 4 de maio de 2000, caracterizar operação de crédito.

Art. 7º - Nos procedimentos necessários à formalização da cessão prevista no artigo 1º desta lei, o Estado preservará o sigilo relativamente a qualquer informação sobre a situação econômica ou financeira do contribuinte, do devedor ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos respectivos negócios ou atividades.

Art. 8º - Fica o Poder Executivo autorizado a constituir sociedade de propósito específico, sob a forma de sociedade por ações com a maioria absoluta do capital votante detida pelo Estado, vinculada à Secretaria da Fazenda, tendo por objeto social a estruturação e implementação de operações que envolvam a emissão e

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distribuição de valores mobiliários ou outra forma de obtenção de recursos junto ao mercado de capitais, lastreadas nos direitos creditórios a que se refere o artigo 1º desta lei.

Parágrafo único - A sociedade de propósito específico a que se refere o "caput" deste artigo não poderá receber, do Estado, recursos financeiros para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral, a fim de não se caracterizar como empresa dependente do Tesouro, nos termos da Lei Complementar federal no 101, de 4 de maio de 2000.

Art. 9º - Fica o Poder Executivo autorizado a proceder à abertura do capital social da sociedade de propósito específico mencionada no artigo 8º desta lei, de acordo com as normas estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários, desde que mantida, em caráter incondicional, a maioria absoluta do respectivo capital votante.

Art. 10 - Não serão considerados rompidos os acordos de parcelamento firmados no âmbito do Programa de Parcelamento Incentivado - PPI ICM/ICMS no Estado de São Paulo, para a liquidação de débitos fiscais relacionados com o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias - ICM e com o ICMS, desde que as parcelas vencidas e não pagas até 30 de setembro de 2009 sejam repactuadas até 31 de março de 2010, nos termos e condições previstos em regulamento.

Art. 11 - Para atender às despesas decorrentes da execução desta lei, fica o Poder Executivo autorizado a abrir crédito especial, até o limite de R$(cem mil reais), destinados à integralização do capital social da sociedade por ações mencionada no artigo 8º.

Parágrafo único - O valor do crédito especial a que se refere este artigo será coberto na forma prevista no § 1º do artigo 43 da Lei federal nº 4.320, de 17 de março de 1964.

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Art. 12 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

II - PARECER

1 Do vício formal e material do Convênio ICMS nº 104/2002

Na forma do art. 155, § 2º, XII, letra “g” da Constituição Federal cabe à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.

A Lei Complementar nº 24, de 7-1-1975, recepcionada pela ordem constitucional vigente dispõe que as isenções do ICMS só podem ser concedidas ou revogadas por convênios firmados por todos os Estados e pelo Distrito Federal (art. 1º).

Seu parágrafo único estende a disposição do caput:

“I – à redução da base de cálculo;

II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou terceiros;

III – à concessão de créditos presumidos;

IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscal, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação direta ou indireta, do respectivo ônus;

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V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data”.

A inconstitucionalidade formal desse Convênio sui generis de nº 104/2002 fica evidenciada por falta de assinatura dos representantes dos demais nove Estados-membros.

A sua inconstitucionalidade material também salta aos olhos. Basta simples exame ocular do art. 155, § 2º, XII, letra “g”, da CF e do art. 1º da LC nº 24/1975 retro referido, para perceber que o Convênio sob exame não cuida de matéria de Direito Tributário.

Direito Tributário é o ramo do Direito Público que disciplina as relações entre o fisco e o contribuinte sob o prisma material e processual. É o direito que disciplina o processo de retirada compulsória, pelo Estado, de parcela da riqueza produzida pelos particulares mediante observância dos princípios reveladores do Estado de Direito.

Ora, a matéria de que cuida o Convênio ICMS nº 104/2002 não tem por objeto relação jurídica que se desenvolve entre o fisco e o contribuinte. A cessão de crédito tributário sob regime de parcelamento é matéria estranha ao direito tributário.

O Convênio não cuida de isenção do ICMS, nem de quaisquer outros incentivos previstos no parágrafo único do art. 1º, da LC nº 24/1975. Cuida, isso sim, de matéria de Direito Financeiro que tem como um dos objetos o crédito público. Aliás, o Regimento Interno do CONFAZ aprovado pelo Convênio ICMS nº 133/1997 não lhe atribui competência para a celebração de Convênios que não sejam pertinentes à prescrição constitucional da letra “g”, do inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF.

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Daí a inconstitucionalidade formal e material do Convênio ICMS nº 104/2002 no qual se fundamenta a Lei nº 13.723, de 29-9-2009, que ao prever operação de crédito por via transversa incide em afronta à dispositivos da Constituição Federal, da Lei de Responsabilidade Fiscal e das Resoluções do Senado Federal, como adiante se verá.

2 Da inconstitucionalidade formal e material da Lei nº 13.723/2009

A inconstitucionalidade formal e material da Lei Paulista decorre diretamente das inconstitucionalidades formal e material do Convênio ICMS nº 104/2002, no qual se encontra fundada, conforme exposto no tópico anterior.

Além disso, a lei sob comento autorizou a cessão de créditos tributários e não tributários à Companhia Paulista de Parcerias – CPP – com nítido desvio de finalidade e ao arrepio das normas legais pertinentes. Ao mesmo tempo autorizou a criação de Sociedade de Propósitos Específicos – SPE – e do Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios, com o mesmo propósito de ceder-lhes aqueles créditos, ferindo as normas legais e constitucionais pertinentes. A lei examinando mal consegue disfarçar a autêntica operação de crédito encontrando obstáculos na Constituição Federal, na Resolução do Senado Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal como veremos nos tópicos adiante.

2.1 Da Sociedade de Propósito Específico - SPE

O instituto da sociedade de propósito específico foi inserido no nosso ordenamento jurídico por meio da Lei Federal nº 11.079, de 30-12-2004, que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, com a finalidade específica de implantar e gerir o objeto da parceria público-privada.

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Dispôs a Lei nº 11.079/2004 em seu art. 9º:

“Art. 9o Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria.

§ 1o A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

§ 2o A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado.

§ 3o A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento.

§ 4o Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo.

§ 5o A vedação prevista no § 4o deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição.”

Ora o objeto da SPE autorizada a ser constituída pela Lei nº 13.723/2009 para adquirir do Estado, a título oneroso, os créditos tributários e não tributários sob o regime de parcelamento, nada tem a ver com o desenvolvimento de esforços em comum para a realização de obras ou prestação de serviços, que é a verdadeira finalidade da SPE de que cuida a Lei Federal de nº 11.079/2004.

Pelo contrário, a SPE a ser construída com a maioria do capital pertencente ao Estado, portanto, com infração ao § 4º, do art. 9º, da lei de regência da matéria, terá por objeto social “a estruturação e implementação de operações que envolvam a emissão e distribuição de valores mobiliários ou outra forma de obtenção de recursos junto ao mercado de capitais” lastreadas nos direitos

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creditórios provenientes de créditos tributários e não-tributários objetos de parcelamentos administrativos ou judiciais, conforme expresso em seu art. 8º.

Como se vê, a sociedade cuja criação foi autorizada pelo art. 8º da Lei nº 13.723/2009 não se trata de sociedade de propósito específico, mas sim de verdadeira empresa controlada pelo Estado de São Paulo que deterá a maioria de seu capital votante, nos termos do art. 2º da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 4-5-2000, que define a empresa controlada como sendo “a sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação”.

Se bem examinado o objeto social da referida “sociedade de propósito específico” a que alude a lei paulista verifica-se que a mesma constitui verdadeira instituição financeira controlada, obrigada que está de obter recursos financeiros junto ao mercado de capitais, nos termos da Lei nº 4.595, de 31-12-1964, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e prescreve em seu artigo 17:

“Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.”

Logo, além da ausência de prévia autorização do órgão competente para criação da instituição financeira, a operação autorizada pela Lei nº 13.723/2009 esbarra na proibição contida no art. 36 da LRF, que dispõe:

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“Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.”

Ainda que não se considere a sociedade de propósito específico, cuja criação foi autorizada pela Lei nº 13.723/2009, uma instituição financeira, inequívoca a sua natureza de empresa controlada, bem como que a operação de “cessão” nela prevista tem por finalidade o recebimento antecipado de valores sob o regime de parcelamento, pelo que essa operação, também, encontra óbice no art. 37, II da LRF que prescreve:

“Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:

.............................................................................................................

.......

II – recebimento antecipado de valores de empresa que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendo, na forma da legislação;”

No mesmo sentido dispõe a Resolução do Senado Federal nº 43/2001, em seu art. 3º, § 1º, I e 5º, I:

“Art. 3º Constitui operação de crédito, para os efeitos desta Resolução, os compromissos assumidos com credores situados no País ou no exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.

§ 1º Equiparam-se a operações de crédito:

I - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da

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legislação; assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de títulos de crédito;

.............................................................................................................

.

Art. 5º É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação”

Sobre a vedação contida nos artigos 36 e 37, II da LRF já nos manifestamos:

“Art. 36

Esse dispositivo vai de encontro aos princípios da moralidade e da eficiência da Administração Pública, ao vedar, expressamente, operação de crédito entre o ente político e a instituição financeira estatal sob seu controle, o que assegura uma gestão fiscal responsável, objetivada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Antes dessa proibição era comum as instituições financeiras oficiais funcionarem como caixa auxiliar do tesouro das respectivas entidades políticas a que estavam vinculadas, principalmente no âmbito dos Estados membros. O Banespa, por exemplo, realizou tantas operações de crédito com o seu ente político controlador que acabou ficando literalmente "quebrado". Foi preciso privatizá-lo. Dada a facilidade na realização dessas operações, nem sempre realizadas com transparência, de sorte a possibilitar fiscalização eficiente, proliferou-se a criação e instituições financeiras oficiais o âmbito das entidades políticas regionais. Vários municípios, também, tentaram obter autorizações do Banco Central do Brasil para criação de suas instituições financeiras, mas, felizmente, elas não foram concedidas”[1]

“Art. 37, II

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É equiparável, também, à operação de crédito o recebimento antecipado de valores de empresa em que o poder público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital votante, salvo lucros e dividendos na forma da legislação aplicável. É que tais operações podem configurar uma forma disfarçada de empréstimo público, provocando o aumento da dívida do ente político.”[2]

2.2 Da Companhia Paulista de Parcerias - CPP

O art. 1º da Lei nº 13.723/2009 autorizou, ainda, que o Poder Executivo celebre a cessão de crédito de que trata com a Companhia Paulista de Parcerias – CPP, cuja criação foi autorizada pela Lei Estadual nº 11.688, de 19-5-2004, que instituiu o programa de parcerias público-privadas no âmbito no Estado de São Paulo, nos seguintes termos:

“Art. 12 – Fica o Poder Executivo autorizado a constituir pessoa jurídica sob a forma de sociedade por ações, denominada Companhia Paulista de Parcerias – CPP, para o fim específico de:

I – colaborar, apoiar e viabilizar a implementação do Programa de Parcerias Público-Privadas;

II – disponibilizar bens, equipamentos e utilidades para a Administração Estadual, mediante pagamento e adequada contrapartida financeira;

III – gerir os ativos patrimoniais a ela transferidos pelo Estado ou por entidades a administração indireta, ou que tenham sido adquiridos a qualquer título.

Art. 14 - ...............................................................................................

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§ 1º - Poderão participar do capital da CPP outras entidades da Administração Estadual, desde que o Estado mantenha, no mínimo, a titularidade direta da maioria das ações com direito a voto.”

Exsurge do simples exame ocular do § 1º, do art. 14, da Lei nº 11.688, de 19-5-2004, que a Companhia Paulista de Parcerias, também, possui natureza jurídica de empresa controlada pelo Estado de São Paulo, que por prescrição legal detém a maioria de seu capital social votante, pelo que realização da operação prevista no art. 1º da Lei nº 13.723/2009 igualmente esbarra na vedação contida no art. 37, II da LRF, conforme já discorremos no tópico anterior.

2.3 Do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios

Não faz o menor sentido o Estado criar um fundo de natureza nitidamente mercantil invadindo esfera reservada a iniciativa privada.

Menos sentido faz a constituição de um Fundo de Investimento com a finalidade de vender-lhe os créditos tributários e não tributários sob forma de cessão que, diga-se de passagem, sequer implica transferência da propriedade do bem cedido, transferindo-lhe, apenas, o direito autônomo de receber o crédito cedido diretamente do contribuinte-devedor, como mais adiante se verá. Por que o Estado não recebe diretamente esses créditos de seus legítimos devedores? Afinal, não é uma obrigação do órgão institucional do Estado, a Procuradoria Geral do Estado, promover a cobrança da dívida ativa? A lei sob comento, neste particular, viola frontalmente o princípio da razoabilidade previsto no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo e implícito no art. 37, da Constituição Federal.

3 Da cessão de crédito autorizada pela Lei nº 13.723/2009

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A Lei nº 13.723/2009 autoriza em seu art. 1º o Poder Executivo a ceder, a título oneroso, os direitos creditórios originários de créditos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais, relativos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ao Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer bens ou Direitos – ITCMD, ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, às taxas de qualquer espécie e origem, às multas administrativas de natureza não tributária, às multas contratuais, aos ressarcimentos e às restituições e indenizações.

Apesar do art. 1º, § 1º se referir à cessão de direito creditório autônomo, o que se verifica, no caso, é a cessão do próprio crédito tributário, uma vez que por meio da indigitada cessão, o direito ao recebimento das prestações decorrentes de parcelamento de impostos e taxas serão transferidos a terceiros.

O parcelamento de créditos relativos a impostos e taxas tem sua origem em obrigações tributárias descumpridas, que com o competente lançamento passaram a constituir crédito tributário, nos termos do art. 139 e 142 do CTN, que prescrevem:

“Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.

.............................................................................................................

.......

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria

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tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”

Logo, sendo o parcelamento oriundo de créditos tributários apenas uma forma de pagamento do crédito tributário vencido e não pago, dúvidas não há de que a cessão de seus direitos creditórios configura a cessão do próprio crédito tributário, que ao lado de outros créditos referidos no art. 1º, da lei sob exame, constitui receita pública classificada no art. 11 da Lei nº 4.320/64 como receitas correntes.

Dessa forma, tanto os direitos creditórios originários de créditos tributários, como aqueles originários de créditos não tributários objetos de parcelamentos administrativos ou judiciais constituem receita pública, que é bem público indisponível, inegociável e irrenunciável, porque necessário ao cumprimento dos fins do Estado, que é a realização do bem comum, ou seja, a satisfação das necessidades públicas, que são aquelas de interesse geral, satisfeitas sob o regime de direito público, presidido pelo princípio da estrita legalidade.[3] Essas necessidades públicas são aquelas consignadas na lei orçamentária anual que ao mesmo tempo que estima a receita pública fixa as despesas pormenorizadamente.

Por isso, a receita pública, como espécie de bem público que é, sequer pode ser penhorada como, aliás, resulta do disposto no art. 100, da CF.

No magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello “bens públicos, como é sabido e ressabido, não são suscetíveis de penhora, nem de qualquer modalidade de apoderamento forçado, visto que a forma pela qual credores públicos se saciam, quando não hajam sido regularmente pagos, é a prevista no art. 100 da Constituição, isto é, com o atendimento dos precatórios, na ordem de sua apresentação, pelas correspondentes verbas consignadas no orçamento ou nos créditos adicionais para tal fim abertos, admitindo-se apenas, em caso de violação de precedência de

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algum credor, o seqüestro da importância necessária, determinado pelo Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exeqüenda”[4].

Daí a proclamação pelo Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal da impenhorabilidade das rendas da EBCT equiparada à Fazenda Pública, conforme ementa abaixo transcrita:

“Ementa

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Vícios no julgamento. Embargos de declaração rejeitados.” (RE nº 230051 ED/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 08-08-2003, PP. 86).

A receita tributária proveniente de impostos sequer pode ser vinculada a órgão, fundo ou despesa, indispensáveis que são à consecução da finalidade estatal, nos termos do art. 167, IV da CF que prescreve:

“Art. 167. São vedados:

...................................

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IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

É importante ressaltar que quando o art. 167, IV da Carta Maior, retro transcrito, ressalva o oferecimento de crédito tributário para garantia das operações de crédito por antecipação de receitas, essa garantia não tem o sentido de garantia real que se preste a execução direta.

O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello versando sobre vinculação de receitas, invocando o parecer que ofertamos à OAB, Seção de São Paulo sobre as parcerias público-privadas disciplinadas pela Lei nº 11.079/2004, tece as seguintes considerações judiciosas:

“Há grosseira inconstitucionalidade na previsão do art. 8º, I, segundo o qual obrigações pecuniárias da Administração resultantes da parceria poderiam ser garantidas por vinculação de receitas. Conforme flagrado pelo Prof. Harada, a proibição de vinculação de receitas residente no art. 167, IV, da Constituição, só pode ser excepcionada nos casos que especifica, consoante ali mesmo está previsto e estampado de maneira exuberantemente clara. A única remissão que nele se faz ao tema de prestação de garantias concerne a operações de créditos por antecipação de receita, ou a pagamento de créditos da União (§ 4º do mesmo artigo). Além disso, na primeira hipótese, sempre conforme observado pelo citado jurista, a prestação de garantias suposta naquele dispositivo nem ao menos tem o mesmo sentido que lhe é próprio no Direito Privado. Sua finalidade não é garantir algum credor, mas ‘preservar o equilíbrio entre o montante do empréstimo público (dívida pública) e o valor da receita antecipada’, para

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prevenção de desequilíbrio orçamentário. Na segunda hipótese está claríssimo que o que entra em pauta são débitos de Estados ou Municípios com a União.

Em suma: receita pública jamais pode ser vinculada a garantia de créditos de particular, sob pena de escandalosa inconstitucionalidade”[5].

A jurisprudência de nossos tribunais também não discrepa do quanto exposto. Na apelação civil nº 168.220-1 de que foi Relator o Des. Régis de Oliveira, a E. 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decretou a rescisão parcial do contrato de execução de obra pública, para excluir a cláusula que vinculava as receitas do ICMS para garantia do pagamento. Nos autos do AI nº 722.535-3, de que foi Relator o Juiz Antonio de Pádua Ferraz Nogueira, o 1º TAC manteve a liminar concedida em medida cautelar preventiva, requerida pela Municipalidade de Araçariguama, para suspender os poderes outorgados ao Banco credor (BANESPA) para recebimento do ICMS em pagamento de mútuo decorrente de contrato firmado entre as partes. Esse tema foi ventilado, também, no mandado de segurança impetrado pela Municipalidade de São Paulo contra ato do Presidente do Banespa, que destinava diretamente ao credor, o produto da arrecadação das cotas do ICMS vinculadas em garantia do mútuo. A liminar foi concedida, porém, ao final, o processo foi extinto sem julgamento de mérito a pretexto de irregularidade na representação processual da impetrante. Foi provida a apelação da impetrante anulando a decisão monocrática para determinar a apreciação do mérito (Apelação Cível nº 135.447-1-SP, 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rel. Des. Jorge de Almeida). Antes da decisão de mérito houve acordo das partes e o Município recebeu de volta os valores do ICMS indevidamente compensados com os seus débitos resultantes de operações de empréstimo. Quanto à indisponibilidade da receita pública é de ser lembrada, ainda, no âmbito do Município de São Paulo, a Lei nº 11.713/94, que autorizou o Executivo aumentar o capital social da EMURB mediante, entre outras modalidades, a 'cessão de créditos ou direitos de qualquer natureza'. Com base nessa lei, o Decreto nº

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34.798/95 transferiu à EMURB créditos tributários inscritos na dívida ativa, no valor total de R$100.00.000,00. Após concessão da liminar no bojo da ação popular (Proc. nº 145/95 da 7ª VFP), o Decreto nº 34.798/95 foi revogado.

Se a própria vinculação de receita de impostos, permitida pela Constituição Federal, em caráter excepcional, para prestação de garantias visando a obtenção de receita creditícia, de natureza temporária, não pode ser interpretada em sentido amplo, permitido pelo direito privado, é justamente porque a receita pública constitui bem fora do comércio insuscetível de negociação.

Consectário lógico da impenhorabilidade da receita pública é a sua inalienabilidade, sendo, portanto, bem inegociável, não se prestando a cessão prevista na Lei nº 13.723/2009.

Créditos tributário e não tributário sob o regime de parcelamento outras coisas não são senão aquelas receitas lançadas e não pagas em determinado exercício financeiro que, de acordo com o regime de competência, passam a constituir resíduos ativos que devem ser cobrados nos exercícios posteriores na conta de receita a arrecadar.

Face à indisponibilidade do crédito público a cessão prescrita na Lei nº 13.723/2009 não encontra respaldo no Código Civil, devido à ilicitude de seu objeto, conforme disposto em art. 286:

“O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.”

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Daí a absoluta inconstitucionalidade e ilegalidade da cessão prevista na Lei nº 13.723/2009, que atenta frontalmente contra o disposto nos arts. 100 e 167, IV, a, da CF e 286 do Código Civil.

4 A cessão de crédito autorizada pela Lei nº 13.723/2009 mascara autêntica operação de crédito

A cessão de crédito autorizada pelo art. 1º da Lei nº 13.723/2009, conforme se depreende de seu § 1º, compreende apenas o direito autônomo ao recebimento do crédito.

O art. 2º dispõe que a cessão não modifica a natureza do crédito que originou o direito creditório objeto de cessão, e, dentre outras coisas, não transfere a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos originadores, que permanece com a Procuradoria Geral do Estado.

Ora, embora o parágrafo único, do art. 6º da lei sob comento enfatize que a cessão é feita em “caráter definitivo, sem assunção, pelo Estado, perante o cessionário, de responsabilidade pelo efetivo pagamento a cargo do contribuinte”, de sorte a não “caracterizar operação de crédito”, as prescrições do § 1º, do art. 1º e a do art. 2º da mesma lei infirmam a natureza de cessão de crédito. Não é a rotulagem legal que define a verdadeira natureza jurídica dos institutos ou categorias de direito. A verdadeira natureza jurídica do ato legislativo resulta do exame de seus efeitos e causa. Pergunta-se, por que criar uma SPE para que esta adquira do ente político, a título oneroso, o direito autônomo de receber o crédito tributário sob parcelamento? Não seria mais lógico o próprio ente político receber esses créditos diretamente dos contribuintes-devedores? É claro que de cessão não se trata.

O instituto da cessão implica transmissão da própria relação obrigacional que abarca todos os direitos decorrentes dessa relação, dentre os quais se destaca a titularidade ativa da relação

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creditícia. Nesse sentido a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

“A cessão de crédito – que com a sub-rogação pode ser classificada como forma de transmissão de crédito – tem como característica fundamental a disposição volitiva do sujeito (cedente) de transmitir a titularidade ativa da relação creditícia por ele vivenciada a outrem (cessionário), se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor.” (Código Civil Comentado, 7ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 457, nota 4.)

A autonomia da cessão a que se refere o art. 287 do Código Civil[6] somente se refere à autonomia da obrigação principal face às obrigações acessórias, como multa, juros etc., mas nunca às prerrogativas inerentes do direito material transferido, como o direito de cobrança.

Na cessão, a regra geral é que o cessionário assume todos os riscos do negócio. A responsabilização do cedente pela solvência do devedor é exceção à regra, que necessita de estipulação expressa. O Código Civil, via de regra, somente atribui responsabilidade ao cedente no caso de inexistência do crédito cedido, conforme se depreende dos arts. 295 e 296 do Código Civil, que prescrevem:

“Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.” (Contradição da lei com o código civil).

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Se a Lei nº 13.723/2009 prescreveu que mesmo com a cessão definitiva dos direitos creditórios sob o regime de parcelamento, no caso de descumprimento, o direito de cobrança dos créditos originários permanece com a Procuradoria Geral do Estado é porque reconhece que a cobrança da dívida ativa é prerrogativa exclusiva do Poder Público, no caso, da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, que não pode funcionar na defesa de interesses privados.

De fato, prescreve o art. 99, VI da Constituição do Estado de São Paulo:

“Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

.............................................................................................................

.......

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual.”

O art. 2º, VI, da Lei Orgânica da Procuradoria do Estado de São Paulo, LC nº 478, de 18-7-1986, por sua vez, dispõe:

“Artigo 2º - A Procuradoria Geral do Estado, órgão integrante da Secretaria da Justiça, tem, com fundamento nos artigos 48 a 51 da Constituição do Estado, as seguintes atribuições:

.............................................................................................................

.......

VI - promover privativamente a cobrança da dívida ativa em todo o Estado.”

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Como se vê, a cessão sob análise nada tem a ver com o instituto da cessão regulada pelo Código Civil, implicando violações de dispositivos adiante apontados. A cessão autorizada pela lei sob comento configura verdadeira operação de crédito, que é definida no art. 29, III da LEF como:

“compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros”;

Isso está confesso no Ofício SEFAZ/GS nº 470/2009, em que o Sr. Secretário da Fazenda submete ao Sr. Governador do Estado de São Paulo a minuta do projeto da Lei nº 13.723/2009 com a seguinte mensagem:

“4. Ainda em relação aos créditos tributários, importante destacar que a cessão apenas atinge aqueles que já foram devidamente constituídos, com fato gerador já ocorrido, não incidindo, pois, a vedação constante do artigo 37, I da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que proíbe a captação de recursos a título de antecipação de receita e tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido.”

Na mensagem acima o Secretário da Fazenda deixou clara a finalidade da operação prevista na Lei nº 13.723/2009, quer seja, a antecipação de receita de tributo ou contribuição, preocupando-se somente com o aspecto temporal do fato gerador da obrigação tributária a ser antecipada.

Há, na verdade, confissão de dupla infração: primeiramente, porque não se pode fazer operação de crédito sem atendimentos dos requisitos previstos na Constituição Federal e na LRF; em segundo lugar, porque não se pode lançar mão de uma nova

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modalidade de antecipação de receita, não reconhecida na Constituição Federal, nem na LRF.

Com efeito, verifica-se que a Lei Paulista de nº 13.729/2009 introduziu uma nova modalidade de operação de crédito por antecipação de receita de créditos tributários sob parcelamento, não reconhecida pelo nosso ordenamento jurídico, conforme se depreende da leitura conjugada do art. 165, § 8º da Carta Maior com o art. 38 da LRF, abaixo transcritos:

Art. 165, § 8º:

“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

.............................................................................................................

......

§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.”

O art. 38 da LRF reza:

“Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:”

I- realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;

II - deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada ano;

III -

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IV - estará proibida não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;:

a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;

b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.

§ 1o As operações de que trata este artigo não serão computadas para efeito do que dispõe o inciso III do art. 167 da Constituição, desde que liquidadas no prazo definido no inciso II do caput.

§ 2o As operações de crédito por antecipação de receita realizadas por Estados ou Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil.

§ 3o O Banco Central do Brasil manterá sistema de acompanhamento e controle do saldo do crédito aberto e, no caso de inobservância dos limites, aplicará as sanções cabíveis à instituição credora.”

E o art. 32 da LRF ainda prescreve:

“Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente.

§ 1o O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das seguintes condições:

I - existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica;

II - inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos provenientes da operação, exceto no caso de operações por antecipação de receita;

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III - observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;

IV - autorização específica do Senado Federal, quando se tratar de operação de crédito externo;

V - atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição;

VI - observância das demais restrições estabelecidas nesta Lei Complementar.

§ 2o As operações relativas à dívida mobiliária federal autorizadas, no texto da lei orçamentária ou de créditos adicionais, serão objeto de processo simplificado que atenda às suas especificidades.

§ 3o Para fins do disposto no inciso V do § 1o, considerar-se-á, em cada exercício financeiro, o total dos recursos de operações de crédito nele ingressados e o das despesas de capital executadas, observado o seguinte:

I - não serão computadas nas despesas de capital as realizadas sob a forma de empréstimo ou financiamento a contribuinte, com o intuito de promover incentivo fiscal, tendo por base tributo de competência do ente da Federação, se resultar a diminuição, direta ou indireta, do ônus deste;

II - se o empréstimo ou financiamento a que se refere o inciso I for concedido por instituição financeira controlada pelo ente da Federação, o valor da operação será deduzido das despesas de capital;

III - (VETADO)

§ 4o Sem prejuízo das atribuições próprias do Senado Federal e do Banco Central do Brasil, o Ministério da Fazenda efetuará o registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas interna e externa, garantido o acesso público às informações, que incluirão:

I - encargos e condições de contratação;

II - saldos atualizados e limites relativos às dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e concessão de garantias.

§ 5o Os contratos de operação de crédito externo não conterão cláusula que importe na compensação automática de débitos e créditos.”

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Como operação de crédito na modalidade de empréstimo também fere os arts. 165, § 8º, 167, IV, da Carta Maior anteriormente transcritos, bem como seu art. 52, VII e IV, reproduzidos abaixo:

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

.............................................................................................................

.......

VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;

.............................................................................................................

.......

IX - estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

Viola ostensivamente os arts. 32, 36, 37, II e 38 da LRF e arts. 3º, § 1º, I e 5º, I, da Resolução do Senado Federal nº 43/2001, todos já transcritos no corpo do parecer.

Dessa forma, as operações descritas na Lei nº 13.723/2009 são absolutamente nulas, por evidente violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo ser canceladas, no caso de sua implementação, sujeitando, ainda, a entidade política a aplicação das sanções previstas no § 3º, do art. 23, da LRF, conforme prescreve o art. 33, §§ 1º a 4º desse mesmo diploma legal:

“Art. 33. A instituição financeira que contratar operação de crédito com ente da Federação, exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à externa, deverá exigir comprovação de que a operação atende às condições e limites estabelecidos.

§ 1º. A operação realizada com a infração do disposto nesta Lei Complementar será considerada nula, procedendo-se ao seu

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cancelamento, mediante a devolução do principal, vedados o pagamento de juros e demais encargos financeiros.

§ 2º. Se a devolução não for efetuada no exercício de ingresso dos recursos, será consignada reserva específica na lei orçamentária para o exercício seguinte.

§ 3º. Enquanto não efetuado o cancelamento, a amortização, ou constituída a reserva, aplicam-se as sanções previstas nos incisos do § 3º do art. 23. [7]

§ 4º. Também se constituirá reserva, no montante equivalente ao excesso, se não atendido o disposto no inciso III do art. 167 da Constituição, consideradas as disposições do § 3º do art. 32.”

Como se vê, a Lei nº 13.723/2009 viola não só a Lei de Responsabilidade Fiscal, como também os princípios Constitucionais que norteiam a Administração Pública previstos no caput de seu art. 37, mormente os princípios da moralidade e da eficiência da Administração, uma vez que não se antevê o propósito específico de ceder, a título oneroso, os direitos creditórios oriundos de créditos tributários e não tributários objetos de parcelamento administrativos ou judiciais do Estado de São Paulo a outra entidade controlada pelo próprio Estado de São Paulo. Atenta, também, contra o princípio da razoabilidade implícita na CF e expressa no art. 111 da CE, além de violar o inciso XXII, do art. 37 que define as administrações tributárias como atividades essenciais do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas.

A operação autorizada pela Lei nº 13.723/2009, além de nula, configura ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 10, VI e 11 I da Lei nº 8.429/1992, que prescrevem:

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“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

.............................................................................................................

.......

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;”

O mesmo diploma legal ainda prescreve as penas para o governante que incorrer nesses atos, nos seguintes termos:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

..........................................

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos

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fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.”

Outrossim, tanto a Companhia Paulista de Parcerias já constituída em desacordo com a Lei Federal de nº 11.079/2004, como a Sociedade de Propósito Específico a ser constituída com o mesmo vício da primeira destinam-se a atuar com desvio de finalidade, pois nada têm a ver com a implementação de obras e serviços mediante esforços comuns entre o poder público e o setor privado, finalidade única da Lei nº 11.079/2004, que disciplina as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada.

5 Da lesão ao patrimônio e à moralidade do Estado de São Paulo

A implementação das medidas previstas na Lei nº 13.723/2009, mormente a constituição da ‘sociedade de propósito específico’ de que cuida o seu art. 8º é lesiva ao patrimônio do Estado de São Paulo que terá que dispor da quantia de até R$ 100.000,00 para a integralização do capital social dessa sociedade, constituída para receber as prestações de sua dívida ativa objeto de parcelamento, tarefa essa já devidamente realizada pela sua Procuradoria Geral do Estado no cumprimento de sua missão constitucional.

A Lei nº 13.723/2009 também é lesiva a moralidade pública uma vez que é imoral se criar uma lei com a finalidade de burlar as normas constitucionais e legais que visam assegurar a gestão fiscal responsável, o que também caracteriza o seu nítido desvio de finalidade.

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De fato, não faz menor sentido confiar à CPP ou à SPE o serviço de recebimento de créditos tributários, implícito na atribuição do órgão estatal específico que detém o poder de cobrar privativamente a dívida ativa do Estado. Caracteriza-se verdadeiro ato ilegal, em sentido amplo, e lesivo ao patrimônio do Estado.

6 Medidas Judiciais Cabíveis

Em face de todo o exposto no corpo do parecer cabem as seguintes medidas judiciais:

a) Ação direta de inconstitucionalidade – Adin – perante o STF com fundamento no art. 102, I, a, da CF a ser proposta por pessoas arroladas no art. 103, da CF. No caso, a consulente teria que promover representação para um dos órgãos legitimados a propor a Adin.

b) Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – prevista no § 1º, do art. 102, da CF, para a qual estão legitimadas as mesmas pessoas referidas no art. 103, da CF.

c) Ação Popular, com fundamento no art. 5º, LXXIII, da CF a ser interposta por cidadão brasileiro nos termos da Lei nº 4.717/65.

d) Caso venham a ser implementadas as operações previstas na Lei nº 13.723/09 cabível será a Ação Civil Pública com base na Lei 7.347/85 e art. 25, IV, a, da Lei 8.625/93. A consulente, como associação de classe, teria dificuldade na demonstração da pertinência temática, pelo que aconselhável a representação para que o órgão ministerial ingresse com a ação.

e) Realizadas as operações previstas na Lei nº 13.723/09 caberá, também, o ajuizamento de ação por improbidade

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administrativa com fundamento na Lei nº 8.429/92. Para tal fim a consulente deve promover representação ao Ministério Público.

6 Respostas aos quesitos formulados

1- As operações de cessão onerosa dos direitos creditórios acima mencionadas têm amparo no Convênio ICMS nº 104/2002, do CONFAZ, publicado no DOU de 30.08.2002. Ao dispor sobre transações envolvendo a cessão onerosa dos direitos creditórios de recebimento do produto do adimplemento das prestações dos contribuintes do ICMS teria o CONFAZ exorbitado de suas atribuições constitucionais?

R: As operações de cessão onerosa têm fundamento no Convênio ICMS nº 104/2002, porém, esse Convênio é nulo de pleno direito, quer por ausência de assinatura de todos os Estados-membros, quer por extrapolar os limites de sua competência, versando sobre matéria de Direito Financeiro que nada tem a ver com a outorga de isenção e demais incentivos fiscais do ICMS (art. 155, § 2º, XII, g, da CF). O CONFAZ usurpou a competência do Poder Legislativo e agiu contra seu regimento interno.

2- É possível considerar os direitos creditórios de recebimento do produto do adimplemento das prestações dos contribuintes do ICMS como um direito autônomo e destacado do imposto subjacente?

R: Não. A cessão implica necessariamente a transferência ao cessionário de todos os direitos relativos ao bem objeto de cessão, principalmente, o direito de ação.

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3- Tais transações constituiriam antecipação da receita que se realizaria nos próximos dez anos (considerados os parcelamentos concedidos dentro do Programa de Parcelamento Incentivado- PPI) e, como tal, caracterizariam apropriação de receita futura obtida mediante empréstimo captado com a distribuição de valores mobiliários pela Sociedade de Propósito Específico e, desse modo, estariam vedadas pela legislação em vigor?

R: Sem dúvida alguma as cessões de crédito de que cuida a Lei nº 13.723/09 caracterizam operações de crédito na modalidade de antecipação de receitas de créditos tributários parcelados, modalidade essa sem previsão na CF e na LRF. Conforme demonstrado no corpo do parecer, trata-se de uma manobra legislativa para tentar caracterizar uma coisa que não é (cessão de crédito) para se ver livre dos rígidos princípios que regem as operações de crédito estabelecidos na CF, na LRF e nas Resoluções do Senado Federal.

4- Sendo o crédito tributário indisponível, a cessão de direito creditório derivado do parcelamento da dívida tributária incorreria em violação ao CTN?

R: Crédito tributário é bem público indisponível, inegociável e irrenunciável porque existe como instrumento necessário ao cumprimento dos fins do Estado. Logo, ele está fora do comércio não podendo ser objeto de cessão, nos precisos termos do art. 286 do Código Civil. A cessão de crédito tributário esbarra na impossibilidade jurídica. Ele nem é passível de penhora. Quando o inciso IV, do art. 167, da CF ressalva o oferecimento de crédito tributário para a garantia das operações de crédito por antecipação de receita, essa garantia não tem o sentido de uma garantia real que se prestasse à execução direta, porque crédito tributário é bem público indisponível e impenhorável, conforme demonstrado no corpo deste parecer.

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5- A vinculação de receita pelo atrelamento do produto proveniente dos parcelamentos a determinado fundo de investimentos em direitos creditórios ou sociedade de propósito específico resvalaria no vício da inconstitucionalidade?

R: Sim. Vide respostas dadas aos quesitos de números 3 e 4.

6- Há algum óbice que impeça tais operações do ponto de vista da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou ofensa de outras autorizações legislativas necessárias?

R: Sim. As operações de crédito por antecipação de receita, além de preencher todos os requisitos previstos no art. 32 (pleito fundamentado perante o Ministério da Fazenda) devem, ainda, observar todas as prescrições do art. 38 da LRF, dentre as quais as proibições enumeradas em seu inciso IV. Tais operações com a SPE ou com a CPP (empresas controladas) incidem na proibição expressa do art. 36 da LRF, além de configurar ato de improbidade administrativa, nos termos dos arts. 10, VI e 11, I da Lei nº 8.429/1992. Outrossim, as operações previstas na Lei nº 13.723/09 configuram verdadeiras operações de crédito ao teor do inciso II, do art. 37 da LRF, que equipara a operações de crédito ao “recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto”.

7- Ocorreria quebra do sigilo fiscal na medida em que os créditos públicos sejam auditados por empresas de “rating”, dando-se a conhecer identidade do devedores?

R: Sim, se considerada a hipótese de que estaria havendo cessão de crédito tributário, pois ninguém compraria o crédito tributário sem conhecer previamente o patrimônio econômico do contribuinte-devedor, a menos que o adquirente seja o próprio Estado representado por uma empresa controlada que criou para isso.

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Mas, como esclarecido nas respostas anteriores, o caso sob exame não cuida de cessão de crédito, mas de operação de crédito disfarçada. Aliás, sintomático o esforço do legislador em tentar descaracterizar a operação de crédito, como se depreende da parte final do parágrafo único, do art. 6º, da lei sob exame. A verdadeira natureza jurídica dos institutos ou categorias de direito não resulta da rotulagem legal, mas do exame dos efeitos e da causa do ato legislativo. Pergunta-se, por que criar uma SPE para que esta adquira do ente político, a título oneroso, o direito autônomo de receber o crédito tributário sob parcelamento? Não seria mais lógico o ente político receber esses créditos diretamente dos contribuintes-devedores? Como se vê, a lei sob comento viola o princípio da razoabilidade que é um limite imposto à ação do próprio legislador.

8- No que se refere aos riscos da operação, tendo em vista a disposição do artigo 295 do Código Civil, haveria alguma inconsistência?

R: Como já esclarecido anteriormente não se trata de cessão de crédito. Deu-se o nome de cessão de crédito para tentar encobrir a verdadeira natureza jurídica da operação (operação de crédito por antecipação de receita de créditos tributários parcelados) para burlar os princípios que regem as operações creditícias realizadas pelo poder público. Se tratasse de cessão haveria, efetivamente, a apontada inconsistência na hipótese de cessão de crédito fictício. Mas, de cessão não se cuida, apesar da ênfase dada pelo parágrafo único, do art. 6º (cessão em caráter definitivo, sem responsabilidade do Estado pelo efetivo pagamento do crédito cedido pelo contribuinte), pois o art. 2º da mesma lei reserva para o Estado a prerrogativa da cobrança judicial e extrajudicial do crédito cedido.

9- A lei dispõe sobre cessão definitiva, ou seja, transferência irretratável de titularidade, e assim pode obstar a retomada da execução, se os parcelamentos forem rompidos?

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R: Não, porque de cessão não se trata. Os créditos tributários “cedidos” não saem da esfera do Poder Público, pois essa cessão somente abrange o “direito autônomo ao recebimento do crédito”. Se o cessionário não conseguir receber o crédito tributário a Fazenda retoma a cobrança judicial ou extrajudicial, nos precisos termos do art. 2º da lei sob exame. Ora, isso tem outro nome: operação de crédito por antecipação de receita de créditos tributários sob o regime de parcelamento. Aliás, nem poderia ser de outra forma, pois na forma do inciso VI, do art. 99, da Constituição do Estado de São Paulo, e do inciso VI, do art. 2º, da Lei Complementar nº 478, de 18-7-1986, compete privativamente à Procuradoria Geral do Estado a cobrança da dívida ativa do Estado.

10- Os devedores beneficiados pelo parcelamento de suas dívidas poderiam adquirir os valores mobiliários distribuídos pela SPE e depois alegar a extinção da obrigação tributária pelo instituto da confusão?

R: Não, porque o crédito tributário “cedido” continua pertencendo ao Estado cedente. O que a esdrúxula lei permite é apenas a cessão do direito de o cessionário receber o valor do crédito tributário. Não havendo pagamento voluntário por parte do contribuinte-devedor a cessão fica desfeita, ipso fato, para ser o crédito cobrado pela PGE.

11- Haveria risco de responsabilização do Estado, por força de demandas ajuizadas pelos cessionários prejudicados pelo rompimento dos parcelamentos, haja vista que o Estado não assume a responsabilidade pelo efetivo pagamento a cargo do contribuinte ou qualquer outra espécie de compromisso financeiro?

R: Em uma operação regular de cessão de direitos creditórios o cessionário teria que arcar com as conseqüências do negócio. Nenhuma responsabilidade teria o cedente pela má liquidação do crédito cedido ressalvada a hipótese do art. 295 do CC. Por isso, o cessionário teria que investigar o patrimônio econômico do contribuinte-devedor, bem como adquirir esses créditos com um

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deságio que compensasse correr o risco do negócio. Mas, no caso sob exame, trata-se de um negócio do Estado consigo mesmo. O cessionário (SPE ou CPP) atuaria como se fosse um “laranja”.

12- A subscrição de capital de sociedade de propósito específico mediante cessão de direitos creditórios originários de créditos tributários e não tributários parcelados representa despesa e deveria estar autorizada na lei orçamentária anual, com relação àquelas realizadas no próprio exercício, e na lei de diretrizes orçamentárias as despesas do exercício seguinte?

R: Para contornar o problema levantado no quesito o astuto legislador prescreveu em seu art. 11 a autorização para o Executivo abrir crédito especial até o limite de cem mil reais, por sinal, um capital bem modesto, próprio de uma empresa de “fachada”.

13- As despesas dessa natureza relativas a exercícios posteriores ao seguinte deveriam atender as diretrizes, objetivos e metas previstos na lei do plano plurianual?

R: Não sendo despesa obrigatória de caráter continuado não tem aplicação o disposto no art. 17 da LRF.

14- As transações autorizadas pela lei configurariam operação de crédito e dependeriam de análise (endividamento) pela Secretária do Tesouro?

R: Sim. Tais transações equiparam-se a operações de crédito nos precisos termos do inciso II, do art. 37 da LRF. Por isso, em obediência ao disposto no art. 32 da LRF o ente político interessado deve pleitear a competente autorização perante o Ministério da Fazenda em parecer fundamentado de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das condições

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previstas nos incisos I a VI do seu parágrafo 1º. Outrossim, o ente político deverá observar todos os requisitos do art. 38 da LRF, notadamente, a proibição do inciso IV, b, concernente à contratação de operação de crédito no último ano de mandato do governante.

É o meu parecer, s.m.j.

São Paulo, 1º de dezembro de 2009.

Kiyoshi Harada

OAB/SP 20.317

[1] Responsabilidade fiscal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 166.

[2] Ob. Cit. p. 168.

[3] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 18 ed., São Paulo : Atlas, 2009, p. 5.

[4] Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 780-781.

[5] Ob. cit., p. 780.

[6] “Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.”

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[7] “§ 3º. Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá:

I - receber transferências voluntárias;

II - obter garantia, direta ou indireta, de outro ente;

III - contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.

§ 4º. As restrições do § 3º aplicam-se imediatamente se a despesa com o pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20.”