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TALITHA YRUAMA TEIXEIRA LACERDA
TA
DO CUBO BRANCO À CAIXA PRETA
UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOSEXPOSITIVOS DE ARTE
2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ - CT
Lacerda, Talitha Yruama Teixeira.Do cubo branco à caixa preta: uma análise da evolução dos espaços
expositivos de arte / Talitha Yruama Teixeira Lacerda. - Natal, RN,2019.
65f.: il.
Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande doNorte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.
Orientador: George Alexandre Ferreira Dantas.
1. Arte Contemporânea - Monografia. 2. Teoria e História daArquitetura - Monografia. 3. Espaços expositivos - Monografia. I.Dantas, George Alexandre Ferreira. II. Universidade Federal do RioGrande do Norte. III. Título.
RN/UF/BSE15 CDU 7.01
Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE TECNOLOGIADEPARTAMENTO DE ARQUITETURACURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
Trabalho Final de Graduaçãoapresentado à banca Examinadora daUniversidade Federal do Rio Grande doNorte, como parte dos requisitos para aobtenção do título de Bacharel emArquitetura e Urbanismo.
Orientador: George Alexandre Ferreira Dantas
NATAL, RN2019
TALITHA YRUAMA TEIXEIRA LACERDA
DO CUBO BRANCO À CAIXA PRETA
UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOSEXPOSITIVOS DE ARTE
RESUMO
Até meados do século passado, as artes plásticas enquadravam-sebasicamente em duas categorias: a pintura e a escultura. Noentanto, a partir das vanguardas artísticas, os suportes e temáticasda arte ficaram mais diversificados, alterando a maneira deproduzir e expor. A arquitetura, por sua vez, como expressão deum tempo e sociedade, se molda às mudanças para manter suautilidade. Desse modo, o presente trabalho tem por objetivoanalisar as alterações da arquitetura dos espaços expositivos dearte contemporânea à luz da mudança do paradigma daneutralidade, proposto como Cubo Branco por Brian O'Doherty,para uma máxima flexibilização dos espaços, proposto por delCastillo como o conceito de Caixa Preta.
PALAVRAS-CHAVE: Arte Contemporânea; Teoria e História daArquitetura; Espaços expositivos.
ABSTRACT
Until near the half of the last century, plastic arts participated inmainly two categories: paintings and sculptures. However, with thestarting of the artistic vanguard, the platforms and the thematic ofart turned out more diverse, changing the way to develop andexhibit. Architecture, on the other hand, as an expression of timeand society, adjusts itself according to the perspective to maintainits applicability. Furthermore, the present manuscript has theobjective of analyze the architecture mutation of the contemporaryarts exhibition spaces by the renewal of the paradigm of neutralityproposed as White Cube by Brian O'Doherty, for maximum offlexibility of the spaces, designed by del Castillo as the Black Boxconcept.
KEY-WORDS: Contemporary arts; Teory and History ofArchitecture; Exhibition spaces.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Planta baixa da Galeria Uffizi.......................................12Figura 2 - Galeria Uffizi................................................................... 12Figura 3 - Sala Tribuna dos Uffizi.................................................. 13Figura 4 - Museu Fridericianum.....................................................13Figura 5 - Planta baixa do Museu Fridericianum........................14Figura 6 - Museu do Crescimento Ilimitado de Le Corbusier... 16Figura 7 - MoMa em 1939................................................................ 17Figura 8 - Plantas do MoMA de 1939............................................. 18Figura 9 - Galerias do MoMA, espaços neutros e flexíveis....... 19Figura 10 - Museu Guggenheim..................................................... 23Figura 11 - Interior do Guggenheim.............................................. 24Figura 12 - Salão Parisiense do século XVIII (Exposición en el
Salon del Louvre en 1787 de Pietro Antonio Martini)......................................................................................26
Figura 13 - 1.200 sacos de carvão - Marcel Duchamp, 1938......27Figura 14 - Montagem da instalação de Richard Hamilton na
This is Tomorrow.......................................................29Figura 15 - Esquema tridimensional da exposição This is
Tomorrow................................................................... 31Figura 16 - TELAS DE FRANK STELLA NA GALERIA LEO
CASTELLI EM 1964.....................................................31Figura 17 - SPIRAL JETTY, ROBERT SMITHSON 1970..................34Figura 18 - Instalação ATRAVÉS, CILDO MEIRELES...................35Figura 19 - Exposição FRIDA KAHLO: suas fotos / olhares sobre
o México......................................................................................41Figura 20 - Planta baixa do 1º pav. da Pinacoteca de São Paulo44Figura 21 - Octógono da Pinacoteca de São Paulo.....................45Figura 22 - Exposição de Ernesto Neto no Octógono da
Pinacoteca de São Paulo..........................................46Figura 23 - TAKE YOUR TIME DE OLAFUR ELIASSON na
Pinacoteca.................................................................. 46Figura 24 - Residência artística no Octógono, 2018....................46
Figura 25 - Vista aérea do Instituto Inhotim, Brumadinho/MG. 48Figura 26 - Galeria Adriana Varejão no Instituto Inhotim..........48Figura 27 - Echo, de Richard Serra, 2016......................................50Figura 28 - Instituto Moreira Salles Paulista...............................50Figura 29 - Instituto Tomie Ohtake................................................ 52Figura 30 - Exposição Yayoi Kusama no Instituto Tomie Ohtake53Figura 31 - Plantas das salas de exposição do Instituto Tomie
Ohtake......................................................................... 54Figura 32 - Pinacoteca Potiguar.................................................... 60Figura 33 - Sala de exposição da Pinacoteca Potiguar..............61
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................701. O CUBO BRANCO COMO PARADIGMA...........................10. O PARADIGMA DO MoMA........................................................12O CUBO BRANCO.....................................................................20O CUBO BRANCO SE DISSOLVE..........................................2202. AS MUDANÇAS NO PANORAMAARTÍSTICO.......................................................................................25OS NOVOS CAMINHOS DA ARTE.........................................3203. A POLIVALÊNCIA DA CAIXA PRETA.............................37O OCTÓGONO.............................................................................43ARQUITETURA COMO ARTE PARA ARTE......................... 47A EVOLUÇÃO DO PROGRAMA E AMONUMENTALIDADE............................................................ 49INSTITUTO TOMIE OHTAKE....................................................51RECUPERAÇÃO DE ANTIGOS CENTROS .........................55
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................... 57REFERÊNCIAS........................................................................63
7
“Arte é sentir o ambiente para criar”Ernesto Neto
INTRODUÇÃO
Com as vanguardas artísticas do começo do século XX, o
conceito de arte começou a se alargar, passando a ser muito
mais fluido e abrangente no contexto contemporâneo.
Apropriando-se de suportes, temáticas e métodos variados,
surgiram os conceitos de Land Art, Instalação, Body Art, arte
urbana, Light Art, Happenings, etc.
O interesse por essas manifestações artísticas e como
elas podem representar a sociedade em que estão inseridas
despertou a motivação deste ensaio, que, aliando-se à
questão espacial, busca investigar a arquitetura dos espaços
expositivos de arte, tão carentes na cidade de Natal.
Sobre essa sociedade, Guy Debord (2003) afirma que
vivemos a sociedade do espetáculo:
uma fase específica da sociedade capitalista,quando há uma interdependência entre oprocesso de acúmulo de capital e o processo deacúmulo de imagens. O papel desempenhadopelo marketing, sua onipresença, ilustraperfeitamente bem o que Debord quis dizer: dasrelações interpessoais à política, passando pelas
8
manifestações religiosas, tudo estámercantilizado e envolvido por imagens. (Coelho,2011, n. p.)
Apesar de ser um conceito de 1967, ele vem se
mostrando cada vez mais atual. Basta pensarmos que os
espaços atualmente não são feitos apenas para serem
experienciados, mas também “instagramados”, isto é, terem
sua decoração e iluminação, por exemplo, pensadas
especialmente para atrair o compartilhamento nas redes
sociais, e assim, uma maior publicidade, que por
consequência, gera mais lucros.
Sobre essa mercantilização, Hal Foster (2017, p. 59) alega
que o âmbito cultural não mais está separado do econômico,
e que uma característica do capitalismo contemporâneo é
justamente “a combinação de ambos, que subjaz não só à
proeminência dos museus como também à remodelação de
tais instituições a serviço de uma “economia da experiência”.
Dessa forma, alguns museus parecem seguir a lógica da
espetacularização, seja com a forte mercantilização de sua
própria marca, como é o caso da “Pina”, apelido construído
para a Pinacoteca do Estado de São Paulo e estampado em
dezenas de seus produtos, seja pela própria mercantilização
dentro de seus espaços, com a presença de lojas e
restaurantes, ou pela sua própria forma monumentalizada.
Desse modo, este ensaio tem como objetivo analisar os
espaços expositivos contemporâneos à luz da mudança do
paradigma do Cubo Branco para a Caixa Preta. E para isso,
compreender a evolução desses espaços que formaram o
contexto para consolidação do paradigma do Cubo Branco,
considerando as mudanças da produção artística do
pós-guerra, que criaram novas necessidades espaciais, até as
características dos espaços contemporâneos a partir do
conceito da Caixa Preta.
A princípio, esta pesquisa nortearia diretrizes para
criação de um projeto para um espaço expositivo de arte
contemporânea como ilustração de seus resultados. No
entanto, o processo foi dando origem a descobertas difusas
e abertas, fazendo com que se fosse necessário dar mais
9
ênfase a essa pesquisa, de modo a não ter como resultado
dois produtos (projeto e pesquisa) pouco embasados. Foi
realizada, então, uma revisão bibliográfica acerca do assunto,
bem como considerada visitas de campo e vivências da
autora em espaços desse tipo.
Assim, o texto se divide em três partes: o primeiro
capítulo traz um breve histórico dos espaços expositivos
desde o seu surgimento até as galerias modernistas, sob o
paradigma do cubo branco, conceito do artista e autor Brian
O’Doherty, presente em seu livro No interior do cubo branco
(2002).
O segundo capítulo trata das mudanças do panorama
artístico, com enfoque a partir das vanguardas artísticas do
começo do século XX, que levaram às transformações desses
espaços, considerando a arquitetura como continente,
influenciando e sendo influenciada por seu conteúdo.
O terceiro capítulo trata da dissolução do paradigma do
cubo branco, sendo substituído pelo conceito da caixa preta,
proposto por Sonia Salcedo del Castillo, em seu livro Cenário
da Arquitetura da Arte (2008), em que “o espaço expositivo
adquire flexibilidade semelhante à caixa preta do teatro”
(Farias, 2008). Por fim, considerações finais são feitas acerca
dos espaços expositivos, considerando um contexto geral e
também focando na cidade de Natal, cujo cenário de
espaços expositivos, bem como seus problemas e
potencialidades, foi o grande motivador deste trabalho.
É importante destacar que, apesar de se tratar de
espaços expositivos de arte de maneira geral, o presente
ensaio recai sobre exemplos e conceitos relacionados a
museus, por ser sua categoria mais representativa.
10
i
01. O CUBO BRANCO COMO PARADIGMA
MoM
Ade
1939
11
Com o objetivo de compreender as bases que
possibilitaram a consolidação do paradigma do cubo branco
como espaço expositivo ideal, neste capítulo será apresentado
um breve histórico desses espaços1, buscando pontos-chave
de sua arquitetura até chegar nos preceitos defendidos pelo
racionalismo modernista.
Os primeiros espaços expositivos foram criados a partir de
coleções privadas, na época do Renascimento Europeu,
quando o interesse e entusiasmo pela história da humanidade
era crescente. Essas coleções dividiam-se em basicamente dois
tipos: o primeiro eram os gabinetes de curiosidades, os quais
reuniam objetos e animais exóticos, trazidos principalmente de
viagens por exploradores, e que viriam a formar os museus de
história natural; enquanto o segundo tipo eram coleções de
arte abrigadas em salas intensamente ornamentadas de
palácios, cujo primeiro grande exemplo foi o Palácio dos
1 Baseado principalmente no artigo de Kiefer (2000) e na dissertação deLima (2015).
Médici, e que daria origem aos museus de belas artes (LIMA,
2012, p. 09). Este segundo tipo será o enfoque deste trabalho.
No entanto, de acordo com Kiefer (2000, p. 09), o primeiro
espaço especificamente criado para exibição de obras de arte,
sem preocupações decorativas como as salas dos palácios, foi
a Galeria degli Uffizi (Figura 2) em Florença, criada por François
I no final do século XVI, quando o burguês decidiu expor sua
coleção de arte no último andar de seu edifício comercial.
A galeria, que funciona até hoje como um circuito de salas
divididas em ordem cronológica (Figura 1), abriga a sala
Tribuna dos Uffizi (Figura 3), que se tornou um paradigma da
história da arquitetura de museus por causa de sua volumetria
octogonal, coroada por uma cúpula e fortemente
ornamentada (LIMA, 2012, p. 10).
12
Figura 1 - Planta baixa da Galeria Uffizi.
Acesso em 22/10/2019.
Figura 2 - Galeria Uffizi.
Acesso em 10/2019.
http://www.museumsinflorence.com/foto/uffizi/plan.htmlhttps://post-italy.com/ingresso-galleria-degli-uffizi-em-florenca/.
13
Figura 3 - Sala Tribuna dos Uffizi
Acesso em 10/2019.
Concomitante à consolidação da Galeria Uffizi, tornou-se
cada vez mais comum a inserção de galerias nos projetos dos
palácios da época. E com a vontade de expor as coleções dos
nobres à população, as galerias passaram do interior dos
palácios para edifícios independentes. Mas foi apenas no final
do século XVIII que foi concebido o primeiro museu de acesso
público na Europa: o Fridericianum, na cidade de Kassel,
Alemanha (Lima, 2012, p. 12). A edificação, que ainda hoje é
sede da Documenta de Kassel, considerada a mais importante
exposição de arte contemporânea e moderna, é composta por
dois pavimentos e uma planta dividida em três naves (figura 5),
com um exterior que mistura elementos barrocos e
neoclássicos.Figura 4 - Museu Fridericianum.
Acesso em 10/2019.
https://www.lonelyplanet.com/italy/florence/images/galleria-degli-uffizi-47dbfd6ec77fe46ed97ba7a0e144a94a.https://www.lonelyplanet.com/italy/florence/images/galleria-degli-uffizi-47dbfd6ec77fe46ed97ba7a0e144a94a.https://fridericianum.org/contact/.
14
Figura 5 - Planta baixa do Museu Fridericianum
Acesso em 10/2019.
Os museus até o século XIX possuíam uma arquitetura
com muitas características em comum que remetiam ao
passado: frontões clássicos, pilastras romanas, abóbadas e
cúpulas. Isso se deu principalmente com a Revolução Francesa,
que derrubou a monarquia, fazendo com que os antigos
palácios fossem ocupados com a finalidade dos museus, os
quais tinham o papel de delinear e afirmar as ideologias
nacionais.
Outros edifícios foram construídos seguindo os padrões
palacianos, pois se tratava de uma arquitetura imponente e
que causa o sentimento de reverência às obras expostas. Suas
plantas normalmente eram resolvidas através de um átrio que
dava acesso a corredores ligando inúmeras galerias, com
exposições quase sempre ordenadas em categorias de
temáticas. De acordo com Kiefer:
A fórmula de museu-palácio conseguiu resultadossignificativos em termos urbanos e simbólicosdurante mais de um século, tendo por base osprotótipos criados por Klenze e Schinkel, quepermitiam tanto um circuito seqüencial de visitaçãoquanto o estabelecimento de subcircuitosindependentes e especializados. Por outro lado,essa acomodação tipológica facilitou oaparecimento de problemas crônicos, como oamontoamento das salas e depósitos e umadificuldade de comunicação com o público. Assalas eram repletas de objetos apresentados,muitas vezes, sem nenhum comentário. (KIEFER,2000, p. 17)
https://www.europeana.eu/portal/pt/record/08535/local__default__13564.htmlhttps://www.europeana.eu/portal/pt/record/08535/local__default__13564.html
15
Com a Revolução Industrial, a partir do final do século XVIII,
a burguesia ascendente passou a se apropriar da arte como
símbolo de distinção social, vinculando a ideia de arte cada vez
mais à de mercadoria. Nesse contexto, os movimentos de arte
moderna buscavam fortalecer os ideais e convicções artísticas
para além de sua mercantilização, sendo contrários ao padrão
vigente na época. Dessa forma, decretavam em seus
manifestos a morte dos museus por se tratar de uma
instituição voltada ao passado, sem comprometimento ou
ligação com as mudanças da sociedade em que estavam.
“No Manifesto Futurista de 1909, Filippo Marinetti chamava
os museus e bibliotecas de ‘cemitérios’ e exigia que fossem
destruídos; Jean Cocteau qualificou o Louvre como "depósito
de cadáveres" (Montaner, 2003, p. 09). Dessa forma, para eles,
o museu como era deveria desaparecer ou transformar-se
para se adaptar à nova realidade.
Durante esse período de contestações dos artistas,
aconteciam também as duas primeiras guerras mundiais,
deslocando o foco, principalmente na Europa, das
preocupações das construções de museus para necessidades
mais básicas como a reconstrução de cidades destruídas nos
conflitos. No entanto, apesar do contexto político ter atrasado
o surgimento de teorias acerca desse tipo de espaço, ele não
evitou que isso acontecesse. E em 1931, Le Corbusier idealizou
o Museu do Crescimento Ilimitado (Figura 6), com forma em
espiral, possibilitando o seu crescimento acompanhar a
evolução da sociedade. Esse modelo estabeleceu as bases
fundamentais para discutir e reformular toda a museologia
tradicional, e preconizava paredes imaculadamente brancas,
com salas intensamente “iluminadas, de preferência de
maneira zenital, mas necessariamente de maneira equânime e
sem nenhum tipo de interferência arquitetônica” (del Castillo,
2008, p. 61).
16
Figura 6 - Museu do Crescimento Ilimitado de Le Corbusier
Acesso em 10/2019.
O PARADIGMA DO MOMA
Com o período entre-guerras, o centro artístico mundial
foi transferido da Europa para os Estados Unidos. Nesse
contexto surgiu o Museum of Modern Art de Nova York
(MoMA), que acabou tornando-se um exemplo paradigmático
da arquitetura de museus dessa época. Apesar de ter sido
inaugurado em 1929, no 12º andar de um edifício, foi apenas
em 1939 que seria construída sua sede própria, com projeto
dos arquitetos Phillip Goodwin e Edward Durell Stone. O
edifício, cujos preceitos expositivos são copiados até os dias de
hoje, possuía uma “arquitetura neutra, disponibilizando para
montagens expositivas um espaço purista, livre de
interferências decorativistas ou arquiteturais” (CASTILLO, 2003,
p. 117).
O MoMA foi projetado sob os mais rígidos preceitos
modernos, transpirava em sua fachada plana o Estilo
Internacional, a qual possuía grande área de vidro translúcido
com janelas em fita nos últimos pavimentos (Figura 7). Todos
os elementos buscavam comunicar "uma nova arquitetura
como volume e não como massa, o primeiro princípio do Estilo
Internacional" (RICCIOTTI, 1985, p. 52). A ornamentação foi
reduzida ao máximo, e para dar maior leveza, foi colocada
uma cobertura de efeito flutuante e com círculos vazados no
https://www.pinterest.ch/pin/287104544974010136/?autologin=true
17
último pavimento. A sensação de harmonia era dada não mais
pela simetria, mas pela regularidade das formas. Dessa
maneira, o conhecido e até hoje utilizado letreiro vertical foi
posto lateralmente em sua fachada.
O museu surgia com um papel inovador porque tinha
como preceito ser uma instituição educacional, que informava
e difundia os temas e a produção da arte moderna. Dessa
forma, um auditório foi colocado no subsolo para receber
cursos e palestras, bem como uma biblioteca no quarto
pavimento. Os setores administrativos e de curadoria
ocupavam parte do quarto pavimento além do quinto. Toda a
parte de serviço era subterrânea e se conectava com o restante
do museu através de escadas e elevadores, que formavam um
núcleo de serviço vertical, e possuía também fácil acesso à rua.
A figura 8 apresenta, de cima para baixo e da esquerda para a
direita, as plantas do edifício a partir do porão com mezanino.
Figura 7 - MoMa em 1939
Acesso em 04/11/2019.
18
Figura 8 - Plantas do MoMA de 1939
Acesso em 05/11/2019.
19
As galerias, que tornariam-se paradigmáticas como
espaços expositivos no século XX, encontravam-se no primeiro
e segundo pavimento. Além das salas com paredes brancas e
flexíveis (figura 9), uma vez que não eram autoportantes,
contavam com um sistema de divisórias em madeira
compensada mantidas sob tensão para as exposições
temporárias dos primeiros anos. Havia também uma galeria
estreita e iluminada por uma clarabóia para as esculturas. É
interessante notar que, apesar da flexibilidade das salas, havia
uma clara separação entre espaços para quadros e para
esculturas.
Figura 9 - Galerias do MoMA, espaços neutros e flexíveis.
Acesso em 05/11/2019.
https://www.jstor.org/stable/1594435?read-now=1&seq=8#page_scan_tab_contents.https://www.jstor.org/stable/1594435?read-now=1&seq=8#page_scan_tab_contents.
20
O CUBO BRANCO
Acerca desse novo tipo de museu que começava a se
destacar com a corrente modernista e a consolidação do
MoMA, Lima (2012, p. 17) escreve: “O Museu Modernista traz
importante alteração em seus espaços internos: a sua
simplificação. As salas de exposição e as circulações passam a
ser integradas num contínuo espacial”.
Dentre esses novos preceitos, Pfeiffer destaca a
acessibilidade, a intensa iluminação (em contraponto às salas
mal iluminadas dos museus palacianos):
um museu deve ser extenso, contínuo e bemproporcionado, desde o nível inferior até o superior;que uma cadeira de rodas possa percorrê-lo, subir,baixar e atravessá-lo em todas as direções. Seminterrupção alguma e com suas seçõesgloriosamente iluminadas internamente desdecima, de maneira apropriada a cada grupo depinturas ou a cada quadro individual, segundo sequeira classificá-los (Pfeiffer apud Kiefer, 2000, p.19).
É sobre esse novo paradigma do museu moderno que
Brian O’Doherty, artista, crítico, escritor e diretor de filmes,
escreve entre as décadas de 1970 e 1980, o primeiro dos quatro
ensaios que compõe o livro No Interior do Cubo Branco,
publicado em 2002. A publicação faz uma crítica a esse
modelo de espaço, o qual assemelham-se às igrejas medievais
no que diz respeito aos seus preceitos rigorosos de construção,
vedando completamente o mundo exterior e criando uma
atmosfera própria e sacralizada.
As paredes são pintadas de branco. O tetotorna-se a fonte de luz. O chão de madeira épolido, para que você provoque estalidos austerosao andar, ou acarpetado, para que você ande semruído. A arte é livre, como se dizia,"Para assumirvida própria". Uma mesa discreta talvez seja a únicamobília. Nesse ambiente, um cinzeiro de pétorna-se quase um objeto sagrado” (mcevilley,2002, p. Iv)
O’Doherty, como artista, já trabalhava diálogos irônicos
com as linguagens tradicionais da arte. Como escritor, criticava
a galeria modernista em um contexto de forte crítica a todo o
movimento moderno. Wisnik (2018) aponta a simultaneidade
21
do surgimento e consolidação dos experimentalismos artísticos
dos anos 1960 e 19702 com a publicação de livros3 que faziam a
revisão crítica dessa arquitetura. Que, por sua vez, veio a ser
consolidada, em 1972, “com a implosão do conjunto
habitacional de Pruitt-Igoe, em Saint-Louis, tomada pelo
historiador da arquitetura Charles Jencks como o grande
funeral do Movimento Moderno” (Wisnik, 2018, p. 17). A partir
disso surgiriam variadas correntes linguísticas na arquitetura,
tornando ainda mais favorável o contexto de crítica da
publicação.
Dentre as críticas de O’Doherty, é destacada a separação
que a galeria provoca entre o artista e sua sociedade, uma vez
criada com o intuito de gerar um espaço sacralizado, separado
do mundo real, que dá ares de eternidade aos valores artísticos
e, como reflexo, aos valores da parcela da sociedade que a
legitima. Dessa forma, o cubo branco, além de afirmar o status
de superioridade e intangibilidade das obras que contém,
2 Ver capítulo 02.3 Por exemplo, Complexidade e contradição em arquitetura, de RobertVenturi, e A arquitetura da cidade, de Aldo Rossi.
ainda reduz as possibilidades de diversidade, promovendo seu
próprio ponto de vista, de uma realidade única, e
consequentemente de sua continuidade ou legitimidade
eterna (McEvilley, 2002, p. XVIII).
O’Doherty (2002) desejou mostrar como o modelo“cubo branco” privilegiava a apreensão das obrasde arte como entidades autônomas, separadas davida – do mundo externo e da passagem do tempo–, favorecendo sua aparência de eternidade, debeleza imortal própria aos objetos sagrados. Seuargumento é uma forte crítica a uma ideia de“neutralidade” do espaço expositivo
Uma vez erguido como exemplar dos preceitos
modernistas para arquitetura de espaços de arte, o MoMA é
enquadrado no paradigma do cubo branco. Para del Castilo
(2008, p. 118), ele provoca no espectador uma relação de
passividade perante as obras, beirando o ritualismo e
privilegiando a percepção museográfica sob a lógica da
linearidade histórica.
22
Enquanto na galeria tradicional, a obra era para o
espectador mais um ornamento em uma sala já intensamente
detalhada, uma janela para uma realidade representada,
encerrada e separada das demais obras por uma espessa e
detalhada moldura, na galeria modernista o espaço se dissolvia
para dar voz apenas à obra. Ela mesma se tornava seu próprio
contexto, em um espaço instrospectivo e autorreferente . Ao
espectador, por sua vez, cabia o papel de apenas observar e
absorver, contido em um espaço neutro, sem expressão
nenhuma diante das obras expostas. No entanto, “por mais
sedutores que sejam esses constructos, a arte necessita sempre
aferir e calibrar seus valores com o mundo que a abriga e a
inspira” (Grossmann, 2002, p. 14).
O CUBO BRANCO SE DISSOLVE
Vinte anos mais tarde da criação do MoMA, em 1959, o
Guggenheim de Nova York (figura 10) é construído com
projeto de Frank Lloyd Wright. Uma torre helicoidal de
concreto branco que destaca-se do seu entorno por sua forma
irreverente, linhas elegantes e gabarito mais baixo. Apesar de
sua forma já representar um rompimento com os ideais
modernistas para construção de museus, sua arquitetura
significa um rompimento ainda maior no que diz respeito aos
espaços expositivos.
Se Wright, nos primeiros anos do século XX, játinha sido o primeiro a conseguir romper com acaixa tradicional da casa residencial, em meados doséculo XX foi também ele quem concebeu asolução que convertia o museu em um percursogerador de movimento contínuo. Era o primeirogrande passo para evoluir da caixa estética efechada, acadêmica e simétrica, para uma formainédita e cinemática; um novo museu ativo edinâmico, configurado, neste caso, em espiral(Montaner, 2001, p. 12)
A principal diferença é seu percurso espiralado. A galeria
convencional dá lugar a uma grande rampa contínua de seis
pavimentos que contorna um fosso iluminado pela luz natural
proveniente de uma cúpula (Figura 11). Essa arquitetura traz a
atenção do expectador para o edifício, além do que está
23
exposto, dando-lhe protagonismo. De acordo com del Castillo
(2008, p. 116), o Guggenheim inaugurou a ideia do museu
como obra de arte, podendo gerar conflito com as obras
expostas, ou seja, indo de encontro a um dos principais ideais
modernistas, e contrariando sua função.
Figura 10 - Museu Guggenheim
Acesso em 05/11/2019.
Elaine Caramella (2013, n. p.) chega a comparar a
arquitetura do Guggenheim à da torre observatório da
Mesquita de Samarra, no Iraque, e à Torre de Babel, os quais
são templos sagrados com santuários localizados no topo,
lugar mais perto do céu, em noção de ascendência, e portanto
que faz ligação com o divino. No caso do museu
nova-iorquino, a torre está invertida, e o percurso começa do
topo, através dos elevadores, sendo conduzido de forma
descendente. Dessa forma, “o arquiteto inverte o significado da
forma helicoidal, apontando não para o desprendimento
material, mas para a própria materialidade da obra” (Caramella,
2013, s. p.).
24
Figura 11 - Interior do Guggenheim
Acesso em 05/11/2019.
Não foi apenas por sua arquitetura escultural que o
Guggeinheim foi criticado. Embora tenha se tornado um
símbolo da arquitetura americana, a falta de ortogonalidade de
suas galerias atraiu muitas críticas principalmente dos artistas
da época, os quais reclamavam da falta de uma grade
ortogonal de referência, alegando que a edificação era
“inadequada para uma exposição favorável à pintura e
escultura” (COHEN, 2013, p. 435). Além disso, a falta de
linearidade do percurso também foi criticada, assim como a
incapacidade de suportar obras de grande porte, o que viria a
ser solucionado com ampliações posteriores.
Wright recria e re-significa a concepção tradicional demuseu, ao saturar a Arquitetura na Escultura,apresentando o edifício não como invólucro, mas comosigno híbrido, entre Arquitetura e Escultura e, portantoalgo para ser visto/visitado como acervo, provandoassim que o meio é a mensagem. (...)Quem vai visitar o Guggenheim não vai apenas para veras exposições temporárias, mas principalmente paravê-lo. Ele é acervo do seu próprio acervo e não abrigoda arte, ou espaço das musa. Ele é a musa.”(CARAMELLA, 2013, s. p.)
O Guggenheim simbolizou o desenrolar da ruptura com
os ideais arquitetônicos modernistas para os museus, surgindo
também como museu obra de arte. No entanto, todas as
alterações vistas no presente capítulo foram acompanhadas
por mudanças também no contexto artístico, que iriam
desencadear o surgimento do museu pós-moderno.
25
ii
02. AS MUDANÇAS NO PANORAMA
ARTÍSTICO
Walking
thewall
26
Uma vez que a arquitetura é continente, é preciso
entender as mudanças pelas quais o seu conteúdo, no caso
deste trabalho, a arte, passou para que se justifique as
mudanças espaciais dos espaços expositivos. Dessa forma, este
capítulo traz um panorama das principais mudanças do
contexto artístico com foco no pós-guerra.
Desde o impressionismo, no fim do século XIX, possamos
observar rompimentos da arte com a pintura tradicional, como
o fim da composição formal, sobre o qual Brian O”Doherty
escreve:
Essas e outras pinturas centradas em um trechoindeterminado da paisagem que geralmenteparece ser o tema “errado” apresentam a ideia deperceber algo, de um olho rastreando. Essaaceleração temporal faz da moldura uma áreaequivocada, e não absoluta” (O’DOHERTY, 2002, p.10)
Embora tenha havido esse rompimento com expressões
artísticas mais tradicionais, ainda não foi suficiente para que
houvesse um rebatimento nos espaços expositivos. Os
impressionistas ainda penduravam as pinturas lado a lado,
como era feito nos salões parisienses (Figura 12) do século XVIII.
Esses salões estavam intimamente ligados à elite, sendo fonte
de investimentos e lucros financeiros, valorizando “muito mais
a disputa artística sob critérios de um juri duvidoso, do que o
verdadeiro sentido das exposições: dar concretude às ideias e
às convicções artísticas” (Del Castillo, 2008, p. 26).
Figura 12 - Salão Parisiense do século XVIII (Exposición en el Salon del
Louvre en 1787 de Pietro Antonio Martini)
Acesso em 04/10/2019.
https://www.metmuseum.org/art/collection/search/393346.
27
Mudanças mais significativas no modo de expor vieram
apenas com as vanguardas artísticas do começo do século XX,
como forma de oposição ao gosto público dominante
promovido pelos salões. Os artistas passaram a criar suas
próprias exposições, por vezes individuais, por vezes em grupo,
buscando atrair a atenção do público através de estratégias de
montagens originais (del Castillo, 2008, p. 28). Como exemplo,
em 1938, na Exposição Internacional do Surrealismo, Marcel
Duchamp subverteu o espaço da galeria. Enquanto várias
obras eram expostas tradicionalmente penduradas nas paredes
com molduras ortodoxas, o artista, pela primeira vez na
história, transformou o espaço inteiro da galeria em sua obra
de arte (O’Doherty, 2002, p. 75).
1.200 sacos de carvão (Figura 13) virou a galeria ao
contrário, transformando o teto em chão e vice-versa ao
colocar sacos de carvão pendurados no teto e um tonel com
uma lâmpada no chão metaforizando o fogareiro. O’Doherty
(2002, p. 75) aponta para a interpretação de que a, ainda não
denominada assim, instalação de Duchamp fazia referência à
própria história da arte, com obras prestes a entrar em
combustão e transformar-se em cinzas.
Figura 13 - 1.200 sacos de carvão - Marcel Duchamp, 1938
Acesso em 04/11/2019.
https://doattime-arthistory.blogspot.com/1981/04/1938-marcel-duchamp-1200-coal-bags-sala.html.https://doattime-arthistory.blogspot.com/1981/04/1938-marcel-duchamp-1200-coal-bags-sala.html.
28
Enquanto movimentos como o surrealismo e dadaísmo
propunham o espaço expositivo como parte de uma obra de
arte total, o De Stijil, com suas experiências neoplásticas, dá
destaque à parede branca como suporte ideal para a
exposição das obras sem causar interferências com o espaço
ao redor. Como resultado desse embate ideológico,
somando-se ao contexto da arquitetura modernista no
começo do século XX, ganham força as propostas expositivas
racionalistas, como mencionadas no capítulo anterior.
Na década de 1950, o mercado vinha se aquecendo no
pós-guerra, fato que levou ao diálogo entre lógica capitalista e
produção artística, fazendo surgir um consumo cultural de
massa (del Castillo, 2008, p. 114) que incentivou novas
experimentações artísticas. Nesse contexto, uma exposição
marcaria um ponto de ruptura com os modos de expor da
época, uma vez que já surgia como um discurso, antecipando
as práticas expositivas atuais: a I Documenta de Kassel, em
1955.
Mais do que apenas expor visualmente as obras, a I
Documenta se destacada por ter como objetivo criar um
discurso para reavivar a cultura na Alemanha após os conflitos
bélicos mundiais. Apesar disso, ainda buscava trazer uma nova
leitura da arte moderna a seu público. E com essas intenções, a
exposição afirmava a museografia
como veículo de adequação da tipologia modernano cubo branco a antigos espaços degradados ereabilitados pelo uso de materiais efêmeros ousintéticos, como, por exemplo, painéis plásticos,suportes metálicos, cortinas de tecido fino em fiosde náilon como difusores de luz, assim comocarpetes, aplicados harmoniosamente àssuperfícies rústicas de tijolos. (del Castillo, 2008, p.140)
O contexto começava, portanto, a aparecer cada vez mais
como parte integrante da obra. Por sua vez, as exposições
começava a reaparecer como uma obra total, assim como
propuseram as vanguardas mais radicais do começo do século,
maculando o espaço sacralizado do cubo branco, até então já
consolidado como paradigma. Além disso, a partir dessa
exposição, o curador passava da figura ligada apenas à
29
pesquisa e articulação da produção artística para criador de
um discurso cultural.
Se por um lado, ainda haviam esforços para afirmar a arte
moderna, por outro se consolidava movimentos de ruptura e
que estreitavam laços com a lógica capitalista, como a
fotografia que “encontra na estética dos anos 1960 o espelho
da questão da reprodutibilidade técnica anunciada por (Walter)
Benjamin” (ibid., p. 147), e a Pop Art, que banalizava a arte,
dessacralizando-a, ao passo que criticava sua mercantilização.
Outra exposição que seria emblemática e se tornaria mais
um marco de ruptura com a lógica modernista de exposição
foi a This is Tomorrow, que apresentou, na Whitechapel Art
Gallery em Londres, uma instalação de Richard Hamilton
(Figura 14), inaugurando uma das primeiras manifestações da
Pop Art na Inglaterra. De acordo com del Castillo (2008, p. 149),
a exposição reunia artistas londrinos que já em 1956 utilizavam
quadrinhos, anúncios, filmes e outros produtos e objetos em
suas produções.
Figura 14 - Montagem da instalação de Richard Hamilton na This is
Tomorrow
Acesso em 08/11/2019.
Além disso, a própria montagem já era inovadora ao ser
pensada desde do início, não só como um discurso, como fez
a I Documenta de Kassel, mas como um projeto artístico
completo e interdisciplinar, unindo de forma inédita, arquitetos,
https://www.ft.com/content/a5228eaa-2418-11e9-8ce6-5db4543da632.https://www.ft.com/content/a5228eaa-2418-11e9-8ce6-5db4543da632.
30
designers e artistas, como pode ser observado na figura 15,
representando a planta de um dos três espaços.
Como naquelas exposições do passado, quebuscaram ser uma obra de arte total, tudo que eraexposto na This is Tomorrow vinculava-se aoespaço expositivo, porém, de forma efêmera esegundo critérios que manipulassem a percepçãodo espectador.Influenciados pelo rápido progresso tecnológicodo pós-guerra, seus organizadores desenvolveramprincípios e concepções de espaços e montagemconforme os modelos que a indústria decomunicação, a ciência e a tecnologia faziam surgir.(ibid., p. 149)
Como pode ser observado na figura 15, a exposição que
tinha como objetivo representar as visões dos artistas sobre a
arte contemporânea, resultou em uma mostra fragmentada
com 12 ambientes, que buscavam provocar os sentidos dos
espectadores de maneiras únicas, explorando efeitos ópticos e
interativos. A participação do espectador, portanto, era
essencial na construção do sentido da exposição, levando ao
conceito do “espectador emancipado” de Rancière:
A emancipação, por sua vez, começa quando sequestiona a oposição entre olhar e agir, quando secompreende que as evidências que assimestruturam as relações do dizer, do ver e do fazerpertencem à estrutura da dominação e da sujeição.Começa quando se compreende que olhartambém é uma ação ” (Rancière, 2014, p. 17)
Del Castillo aponta que essa importância dada ao
observador foi bastante forte também em um movimento
divergente da Pop Art, mas que compartilhava de algumas
caracteísticas: o Minimalismo. Ambos os movimentos “adotam
igualmente, formas seriais; insistem na externalidade, na
superficialidade das representações e experiências
contemporâneas; e se valem da lógica do ready-made não
apenas de maneira temática e formal, como estruturalmente”
(Foster apud del Castillo, 2008, p. 154).
31
Figura 15 - Esquema tridimensional da exposição This is
Tomorrow
Fonte: Juan Cabello Arribas4
4 Apresentado durante o curso O que é uma exposição? PráticasColaborativas para a Construção De Uma Experiência Coletiva no MuseuCâmara Cascudo em parceria com a Universidade Federal do Rio Grandedo Norte, ministrado em setembro de 2017
O'Doherty destaca a exposição das telas de Frank Stella, de
1960, apresentadas na Galeria Leo Castelli de Nova York, como
um marco Minimalista. Isso porque as telas negras tinham
como formato o rebatimento de seus núcleos vazios (figura 16),
travando um "diálogo sem precendentes" entre as obras e o
espaço, graças ao formato inédito das telas. (O’Doherty, 2002,
p. 22)Figura 16 - telas de Frank Stella na galeria Leo Castelli em 1964.
Acesso em 07/11/2019.
32
Ao serem apresentadas, as obras pairavam entre oefeito conjunto e a independência. O modo dependurar era tão revolucionário quanto os quadros;já que a disposição fazia parte da estética, elacresceu simultaneamente com os quadros. Oabandono do retângulo confirmou formalmente aautonomia da parede, modificando para sempre oconceito de espaço na galeria. Parte da mística dasuperfície pictórica rasa fora transferida para ocontexto da arte. (Ibid., p. 28)
Como maior contribuição das propostas minimalistas, del
Castillo aponta, além da ampliação do campo escultórico, a
ampliação do espaço expositivo. Isso porque o espaço
minimalista não se restringia apenas aos espaços
institucionalizados, mas a todo o ambiente urbano, de ruas e
praças a terrenos e edifícios. E “ao se relacionar com o
contexto em que se inseriam, romperam tanto com os limites
cúbicos (arquitetônicos) das galerias quanto com os limites
físicos (plásticos) do objeto artístico” (del Castillo, 2008, p. 164),
criando novas linguagens e novos termos.
As mudanças no panorama artístico, portanto, eram claras.
O próprio Donald Judd, ícone do movimento minimalista,
escreveu em seu ensaio “Objetos específicos”, de 1965, que
“muito da arte que estava sendo feita não podia mais ser
descrita como pintura ou escultura” (Archer, 2012, p. 43). A
importância do observador deslocava parte da atenção da
obra para o espaço em que ela estava inserida, levando em
consideração o tempo de fruição. A arte começava a invadir a
vida, como observou o crítico Clement Greenberg, ao afirmar:
“o que parece definido é que [os artistas] empenham-se na
terceira dimensão porque ela é, entre outras coisas, uma
coordenada que a arte deve compartilhar com a não-arte”
(Greenberg apud Archer, 2013, p. 43).
OS NOVOS CAMINHOS DA ARTE
O Minimalismo e experimentalismos dos anos 1960
abriram caminhos para novos tipos de arte que se
consolidariam a partir, principalmente, da década de 1970. Ao
se relacionar com o espaço, levou ao site-specific, que levou à
Land Art e Instalações. Ao se relacionar ao sujeito e à
teatralidade, levou às perfomances e à arte conceitual. Esses
33
novos caminhos, por sua vez, seriam responsáveis por colocar
a baixo definitivamente os limites da arte.
Lucy Lippard, crítica americana, tentou documentar todos
esses acontecimentos, chegando a um resultado bastante
fragmentado. “Não havia nenhuma maneira simples de
desenredar todas essas tendências uma da outra e examiná-las
separadamente” (Archer, 2013, p. 62). Pairava o
questionamento sobre se a arte tinha um formato substancial
ou estava se tornando apenas um conjunto de ideias como
forma de perceber o mundo. E no entanto, apesar da
dificuldade em se definir o resultado desses experimentalismos,
alguns deles serão descritos aqui como forma de ilustrar a
expansão do campo artístico e expositivo.
LAND ART
A Land Art surgiu a partir da aproximação do Minimalismo
ao espaço em que se inseria, mas levando essa condição ao
máximo e fazendo desse lugar, a própria obra, de maneira que
seria impossível separá-los. Ao extrapolar as paredes da galeria,
essas obras ficam sujeitas também à passagem do tempo, além
dos fatores metereológicos.
Ao realizar a obra Spiral Jetty, em 1970, o artista Robert
Smithson depositou pedras negras no lago, emergindo na
superfície em formato de espiral (Figura 17). Além de estar
condicionado pela configuração formal do lago salgado do
deserto de Utah, Estados Unidos, era de seu interesse os
efeitos que seriam provocados pela deposição de cristais de sal
e algas vermelhas, bem como as questões relacionadas à
temporalidade sobre a obra.
Embora tenha saído da galeria e pareça se desvincular da
arquitetura desses espaços, esse tipo de arte volta para dentro
de suas paredes através de fotos, vídeos e outros tipos de
documentações e registros.
Quando tais registros eram transportados paradentro do espaço das galerias, não se tornavamapenas um veículo capaz de levar ao olhar doespectador a imagem do que estava do lado defora, sem que o mesmo tivesse que se deslocar desua instalação, mas, sim, parte constituinte dotrabalho. (...) não eram simplesmente memória,documento ou rastros escultóricos da obra, mas
34
fragmentos do que sua totalidade estabelecia - arelação necessária entre obra e contexto. (delCastillo, 2008, p. 167)
Figura 17 - Spiral Jetty, Robert Smithson 1970
Fonte: Dave Sunderland. Disponível em Google Maps. Acesso em
09/11/2019.
A partir dessa relação com a imagem, foram necessários
novos meios de transmissão, como televisões, telões e vitrinas,
ou seja, eram evocadas novas concepções de montagem, o
que, mais uma vez, distanciava-se da neutralidade do espaço
proposta pelo cubo branco.
INSTALAÇÃO
As instalações são o resultado da completa relação entre o
objeto instalado (ou objetos) em determinado lugar, o espaço
em que está instalado e o espectador, que condiciona a
existência da obra, sendo a principal intenção, provocar os
seus sentidos. Apesar da difícil definição, reúnem três principais
qualidades que foram instauradas pelos experimentalismos das
décadas em questão, e classificadas por Fernanda Juncqueira
como: in situ, por funcionar apenas em um lugar; site specific,
por se tratar de conteúdo para determinado lugar; e
ambientação, por ser formada por um conjunto de objetos
parte de um todo (del Castillo, 2008, p. 174).
35
Figura 18 - Instalação Através, Cildo Meireles
Fonte: Daniela Paoliello.
Acesso em 09/11/2019.
Del Castillo aponta para um rebatimento espacial de
grande importância provocado pelas instalações: o de que por
meio delas, o espaço expositivo adquiriu flexibilidade e caráter
lúdico através de recursos arquitetônicos e cenográficos, “uma
vez que, no âmbito de suas experimentações, além de
trabalhos realizados in situ e em site specific, inserem-se
trabalhos que lidam com ambientações e significados
metafóricos” (ibid., p. 184)
ARTE CONCEITUAL
Na arte conceitual, a ideia é o ponto mais importante da
obra, sobressaindo-se aos seus aspectos meramente estéticos.
Esse tipo de arte fez rever o papel do público, do objeto, do
artista, e principalmente das instituições de arte. Isso porque as
obras não se apresentavam mais como objeto, mas como
processo.
O desaparecimento das obras como objetosconcretos e estáveis dará lugar, neste evento, aidéias, conceitos, processos, informações esituações, cujo caráter provisório, imaterial einacabado funcionou como uma espécie deafirmação para as novas experiências artísticas domomento. (Artmotiv, 2015, n. p.)
36
Começando com a criação de uma exposição como
discurso na I Documenta de Kassel, passando pela
interdisciplinaridade da This is Tomorrow e chegando à
impossibilidade de definição precisa dos limites artísticos,
percebemos que a arte ganhou a vida e transpassou seus
contornos. Mas além disso, Wisnik (2018, p. 16) chega a
mencionar uma fusão entre os processos produtivos de artistas
e arquitetos, chegando até mesmo a se inverterem, como é o
caso de artistas como Richard Serra e Robert Smithson
trabalhando com
grossas barras de ferro em estaleiros navais,vestindo botas e capacetes, comandandohelicópteros, tratores e escavadeiras,movimentando terra e orientando o trabalho deequipes de operários.Enquanto que, por outro lado, vemos arquitetoscomo o mesmo Frank Gehry projetando edifíciossingulares através de papéis amassados, que ele eseu assistente dispõe sobre a mesa, olhando-ossob diversos ângulos de modo a avaliar a harmoniavisual de suas proporções, conseguida quase queespontaneamente. (Wisnik, 2018, p. 16)
Mostrando que a crise do paradigma moderno nessas
décadas provocou um alargamento das antigas fronteiras
disciplinares na esfera cultural, aumentando imensamente as
possibilidades do fazer artístico, e, consequentemente, dos
seus modos de expor. Ao passo que alguns artistas se
apropriavam de materiais e técnicas arquitetônicas, arquitetos
criavam verdadeiras obras de arte, desvinculando-se cada vez
mais da racionalização modernista.
37
iii
03. A POLIVALÊNCIA DA CAIXA PRETA
RosenthalCenter
ofContem
poraryArts
38
Com as mudanças estruturais no fazer e expor da arte,
descritas no capítulo 02, muito foi alterado no que diz respeito
à criação de espaços expositivos para atender as novas
necessidades de tamanho, forma e características das obras
artísticas. Essas mudanças espaciais, bem como a análise de
alguns espaços como forma de exemplificação, serão o
enfoque deste capítulo.
Na medida em que as vanguardas mais recentes, como o
Minimalismo, Pop Art, Videoart, Happenings, Perfomances e
Instalações, se desvinculam da pura visualidade e tornam o
espectador imprescindível à existência da obra, requerem
também uma crescente vinculação ao contexto social e político,
e assim começam a ditar suas próprias leis para criação dos
espaços expositivos. E uma vez utilizado como parte do
discurso artístico, o espaço perde a necessidade de
neutralidade tão imposta pelos ideais modernistas. “O recinto
da galeria não é mais ‘neutro’. A parede torna-se uma
membrana através da qual os valores estéticos e os comerciais
permutam-se por osmose” (O’Doherty, 2002, p. 89).
Além disso, as manifestações artísticas das décadas de
1960 e 1970 questionavam exatamente a institucionalização do
sistema de arte, apropriando-se de novas propostas e lugares,
e colaborando para as reflexões acerca do que seria um
espaço ideal de exposição. E como substituição ao paradigma
do cubo branco criado durante o modernismo, del Castillo
defende em sua tese de doutorado, publicada em 2008 como
Cenário da Arquitetura da Arte, o conceito da caixa preta, no
qual “o espaço não mais se cala para a obra falar; agora, obra
e espaço falam, em uníssono, assim como na caixa preta ou
‘lugar teatral’” (del Castillo, 2008, p.329).
Concordando com O’Doherty em seus ensaios do final da
década de 1970, del Castillo assume que, uma vez que se torna
um ponto chave na comunicação do conteúdo através das
obras e exposições, o espaço expositivo perde a necessidade
de ser neutro e asséptico em relação ao seu conteúdo. A este
argumento, a autora adiciona a necessidade do espaço
transmutar-se de acordo com os ideais do curador e designer
de exposições, adquirindo uma característica semelhante à
39
polivalência dos espaços teatrais através, principalmente, dos
recursos cenográficos.
Essa mudança de paradigma está intimamente ligada ao
contexto social e político. De acordo com a autora, a arte
vincula-se “às transformações sociais em seus aspectos
políticos e econômicos” (del Castillo, 2008, p. 319), de forma
que existe uma relação de mão dupla entre a produção
artística e o contexto em que essa produção está inserida, na
qual cada uma das partes influencia a outra. O contexto do
capitalismo industrial está estritamente relacionado às
mudanças nesse panorama:
Desde o século XIX, esse sistema econômicoarrastará consigo a evolução de uma estéticaligada ao consumo, ampliando fortemente omercado artístico. Uma prova disso é o fato de que,desde então, as grandes coleções de arte foramconstituídas sobretudo por grandes nomes doempresariado industrial, especialmentenorte-americano, tornando-se - em pouco tempoe por iniciativa própria desses colecionadores -fundações e galerias públicas. Dessa maneira,repetindo o pensamento dos grandes industriais,‘que se fizeram sozinhos’, buscando contribuir para
uma sociedade moderna e livre de tradicionalismos,a arte, assim como a cultura, sob a égide doprogresso, passou a ser administrada comoempresa financeira - coleções particulares, acervosde museus, tudo se transformava em investimento.(del Castillo, 2008, p. 103)
Enquanto os expressionistas abstratos buscavam se
distanciar da impessoalidade trazida pela era industrial, com
sua produção em massa, os artistas pop buscavam justamente
se apropriar dessa cultura para se destacar. No que diz
respeito ao espaço dos museus na pós-modernidade,
atundo sob a lógica do consumo cultural, essemercado tendia a transformar os museus emempresas, as obras em ações, e os acervos em avalpara financiamentos, ampliando a malhainstitucional por todo o mundo. Assim, vimos aproliferação de galerias, o surgimento de novosespaços, como os centros culturais, masespecialmente a reformulação de antigasconcepções museológicas (ibid., p. 323).
O espaço expositivo polivalente como a caixa preta teatral
surgia, portanto, não apenas das transformações nas
40
dinâmicas de produção da arte, mas também da necessidade
de alimentar um consumo cultural de massa, que crescia
conforme o aquecimento do mercado a partir dos anos de
1950. Del Castillo destaca a definição de Juan Carlo Rico de
Museu-Negócio, que concilia justamente o mercado de massa
ao mercado de arte e utiliza-se de “exposições temporárias e
itinerantes, tornando-as, em pouco tempo, propensas a
transformar-se em espaço de lazer, diversão e espetáculo” (del
Castillo, 2008, p. 114), através de montagens elaboradas com
ambientações e recursos cenográficos, além de um forte apelo
à mídia, em busca de maiores retornos financeiros para as
empresas que começaram a investir nessa “cultura de
exposições”.
Como produto de uma sociedade espetacularizada,
os espaços dos museus passaram a requerer umacapacidade de jogo espacial semelhante àpolivalência dos teatros e óperas, e o modusoperandi das montagens a implicar estratégiasmuseográficas dicotômicas: meios transitórios e/ouefêmeros e flexibilização buscam atender à artecomo experimento; e, para responder à museofilia,
acrescentam-se, além de documentos, recursoscenográficos à expografia. (ibid., p. 327)
Um exemplo dessa nova característica dos museus pode
ser observada na exposição FRIDA KAHLO: suas fotos / olhares
sobre o México, que apresentou ao público a coleção de
fotografias que a artista possuía, tanto anônimas quanto
assinadas por grandes fotógrafos, e esteve em cartaz
conjuntamente no Museu da Imagem e do Som de São Paulo
e no Espaço Cultural Porto Seguro em 2016. Apesar de ter as
fotografias como foco, o discurso da exposição apresentava
uma visão do México e utilizava fortes recursos cenográficos,
dividindo a exposição em dois principais espaços: um bastante
lúdico com elementos que remetiam à pintura de Frida Kaklo
bem como à vegetação e cultura mexicana, e outro mais
introspectivo, remetendo à uma casa, onde as fotografias eram
de fato expostas, como pode ser observado na Figura 19.
41
Figura 19 - Exposição FRIDA KAHLO: suas fotos / olhares sobre o
México
Fonte: Juan Cabello Arribas5
É interessante notar neste exemplo, que existe uma
distinção muito clara de espaços, em que um parece alimentar
5 Apresentado durante o curso O que é uma exposição? PráticasColaborativas para a Construção De Uma Experiência Coletiva no MuseuCâmara Cascudo em parceria com a Universidade Federal do Rio Grandedo Norte, ministrado em setembro de 2017.
as demandas da sociedade espetacularizada, com cenários
detalhados, além da apresentação de vídeos e documentos
como forma de contextualização, e outro que apresenta as
obras em si. No entanto, mesmo com tal distinção, ambos os
espaços são igualmente cenográficos, utilizando uma
infinidade de meios efêmeros para criação de atmosferas
completamente diferentes da arquitetura do edifício em que
estão inseridas.
De acordo com del Castillo, essa gama de possibilidades
espacias trazidas pelas exposições como espetáculo nos leva a
um limite perigoso, em que “subjetividades temáticas ou
conceituais, aglutinadoras de um conjunto de obras, podem
comprometer a fruição dos objetos” (del Castillo, 2008, p. 322),
mas são também um ponto extremamente positivo ao atrair a
atenção de uma sociedade espetacularizada como a nossa. E
acerca disso, Hal Foster é bastante crítico ao afirmar que
algumas experiências chegam ao ponto de nos subjugar “pois
quanto mais optam por efeitos especiais, menos nos envolvem
como espectadores ativos” (Foster, 2017, p. 115). Enquanto del
42
Castillo trata a espetacularização como um fato inquestionável
e tendo as exposições cenográficas como possíveis aliadas na
difusão do conhecimento, embora não desconsidere seu
ponto fraco, Foster é irremediavelmente contra a relação de
exposição como espetáculo, pois recai na fetichização,
subjugando o intelecto do espectador ao criar a dependência
de fatores externos à obra para sua compreensão.
Ainda acerca da relação entre o espaço expositivo e o
teatral, a autora faz outras conexões como a possibilidade que
o curador tem de passar como mensagem sua ótica própria
acerca de determinadas obras em uma exposição. Assim como
o diretor teatral dá uma essência particular às peças com as
quais trabalha, o curador cria discursos de acordo com as
intenções que deseja comunicar acerca de um determinado
período, temática ou artista. Além disso,
Na cultura das exposições, de forma geral,observamos um crescente interesse em se mantera memória coletiva, expresso por mis-sen-scènesespetaculares, simulações e representações. Porserem formas efetivamente ambíguas, relacionadasao binômio real/imaginário - ora como maneiras
de afastar o contexto expositivo do real, ora comoformas de aproximá-los das contingências da vida -,entendemos que são semelhantes às teatrais. (delCastillo, 2008, p. 327)
Dialogando com o conceito de Caixa Preta de Castillo, o
estúdio espanhol Sol89, ao explicar sua intervenção no antigo
convento de Madre de Dios para criar um espaço de arte
contemporânea, em Sevilla, parece dar a definição mais
adequada para a necessidade mais desejável ao espaço
expositivo de arte no contexto contemporâneo:
Podemos reconhecer que grande parte daexpressão da arte contemporânea entende oespaço arquitetônico como matéria de trabalho.Assim, um espaço de exposição poderiapermanecer em pontos de reticências, como sefosse um relato inacabado, aguardando que cadaexposição venha completá-lo. O espaço do museucontemporâneo poderia então se assemelhar aoespaço teatral, mudando ao longo do tempo.(Sol89, 20146, grifo da autora)
6 Disponível em: http://sol89.sol89.com/2003/07/blog-post.html. Acesso24/10/2019.
43
A arquitetura das instituições não precisa mais ser
engessada em paredes brancas e ortogonais. Agora, pode-se
brincar com suas formas porque a arte atuará em resposta,
desde que haja potencialidades para isso. Desse modo, os
espaços expositivos devem possibilitar a criação de diferentes
cenários, a apropriação pela arte, além da utilização dos mais
variados tipos de tecnologias, desde da iluminação à projeções
mapeadas e realidade aumentada. Deve ser, portanto,
polivalente.
Às vezes uma exibição específica exige um espaçoespecialmente constituído. Outras vezes, otamanho e o peso do trabalho obrigam o prédio aatender certas condições especiais deinfra-estrutura. Quase invariavelmente é exigidoum espaço com provisões tecnológicas sofisticadas.Resumindo, espaços destinados a abrigar trabalhosde arte contemporânea devem possuir certasqualidades cuidadosamente definidas,provavelmente incluindo flexibilidade, versatilidadee um alto nível de tecnologia.” (Montaner apudKiefer, 2000, p. 20)
O OCTÓGONO
Nem sempre, no entanto, as exposições constroem
ambientes dentro de outros espaços. Por vezes, a arte se
aproveita de suas características para se mostrar da melhor
forma. Para exemplificação, foi tomado como exemplo o
Octógono, átrio central da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
O edifício original da Pinacoteca foi construído no final do
século XIX para abrigar o Liceu de Artes e Ofícios e teve sua
mudança de função com a intervenção de Paulo Mendes da
Rocha e equipe, concluída em 1998. Sua característica mais
marcante é a clarabóia que toma lugar da nunca construída
(pois o edifício não foi finalizado) cúpula e ilumina o octógono
e os pátios internos, bem como as passarelas metálicas criadas
entre esses pátios para dar um novo eixo de circulação à
edificação.
Também foi criada, no espaço do octógono central,uma laje intermediária que delimita um auditóriocom cerca de 150 lugares destinado a cursos,conferências, cinema, desfiles e outros eventos, oque torna o museu, juntamente com os espaços do
44
café/restaurante e das diversas oficinas, um lugarversátil e multifuncional. (Müller, 2000, n. p.)
Figura 20 - Planta baixa do 1º pav. da Pinacoteca de São Paulo
Acesso em 10/11/2019.
É interessante notar que, apesar de conter salas mais
tradicionais, com paredes brancas e ortogonais, os espaços
centrais, principalmente o octógono (Figura 21), da Pinacoteca
são intensamente utilizados para exposições de arte
contemporânea.
O octógono possui paredes estruturais de tijolos aparentes,
uma geometria, como sugere seu próprio nome, não
ortogonal e um pé direito duplo em dois dos seus três níveis.
Seu interior pode ser visto pelo público através das várias
aberturas que tiveram suas esquadrias retiradas na intervenção.
Essas características criam um ambiente com personalidade
própria, que pode ser facilmente identificado e exprime um
contexto único às obras que recebe, indo de encontro,
portanto, a todos os preceitos do cubo branco.
Enquanto a exposição de Ernesto Neto (Figura 22) criou
uma atmosfera própria utilizando o espaço, Olafur Eliasson
tomou partido das características únicas para potencializar sua
obra Take your time (Figura 23), que convida o espactador ao
deleite do espaço por uma perspectiva invertida. A Figura 24,
por sua vez, ilustra a polivalência do espaço, ocupado em julho
de 2018 por uma residência artística, fazendo as vezes de um
ateliê, e incluindo a obra de arte como processo.
45
Figura 21 - Octógono da Pinacoteca de São Paulo
Acesso em 10/11/2019.
46
Figura 22 - Exposição de Ernesto Neto
no Octógono da Pinacoteca de São
Paulo.
Acesso em 10/11/2019.
Figura 23 - TAKE YOUR TIME DE
OLAFUR ELIASSON na Pinacoteca
Fonte: Pontes, 2017, p. 165.
Figura 24 - Residência artística no
Octógono, 2018.
Fonte: Acervo da autora (2018).
47
ARQUITETURA COMO ARTE PARA ARTE
Se por um lado obras de arte tomam partido do espaço,
por outro, a arquitetura pode ser feita sob medida para certas
obras. Um exemplo brasileiro de destaque no mundo todo é o
Instituto Inhotim (Figura 25), localizado na cidade de
Brumadinho, Minas Gerais.
Graças a uma série de contextos específicos,Inhotim oferece um novo modelo distante daqueledos museus urbanos. A experiência do Inhotim estáem grande parte associada ao desenvolvimento deuma relação espacial entre arte e natureza, quepossibilita aos artistas criarem e exibirem suasobras em condições únicas. O espectador éconvidado a percorrer jardins, paisagens deflorestas e ambientes rurais, perdendo-se entrelagos, trilhas, montanhas e vales, estabelecendouma vivência ativa do espaço.7
As obras são dispostas tanto ao ar livre quanto em
pavilhões e galerias, muitas das quais construídas
especificamente para uma exposição ou artista. É o caso da
7 Informações disponíveis em Acesso em10/11/2019.
Galeria Adriana Varejão (Figura 26), projetada pelo arquiteto
Rodrigo Cerviño Lopez, em estreita ligação com a artista que
lhe dá nome. Com 558m², foi inaugurada em 2008.
Um seleto conjunto de obras da artistacontemporânea brasileira faz parte do acervo doInhotim. Parte encontra-se exposta no interiordeste cubo de concreto e outros trabalhos estãoinstalados na área externa da edificação. O volumeprismático nos instiga a desvendar o seu conteúdo.(Ribeiro, 2016, p. 182)
Em espaços como esse, a arquitetura se distancia de vez
da neutralidade, chegando a tornar-se parte da obra e
colaborando para o retorno da sua aura, tão condenada pelos
artistas modernos.
48
Figura 25 - Vista aérea do Instituto Inhotim, Brumadinho/MG.
Acesso em 09/11/2019.
Figura 26 - Galeria Adriana Varejão no Instituto Inhotim
Acesso em 09/11/2019.
https://mapio.net/pic/p-48068091/
49
A EVOLUÇÃO DO PROGRAMA E A MONUMENTALIDADE
A espetacularização dos museus, tornando-os parte de
investimentos altamente lucrativos, foi imprescindível para uma
outra grande mudança na arquitetura dos museus
contemporâneos: a evolução do seu programa de
necessidades. É indispensável que os edifícios abarquem um
programa híbrido, que pode incluir cafeteria, lojas de produtos
ligados à temática do museu, livraria, ateliês, salas de aula,
auditório, espaço para residências artísticas, entre outros.
O edifício construído em 2017 para ser a nova sede do
Instituto Moreira Salles (IMS) em São Paulo, por exemplo, teve
como partido arquitetônico a continuação do térreo na
Avenida Paulista em seu terceiro pavimento (Figura 28), com
um mirante para esta avenida, além de um café e livraria.
Dessa forma, a instituição atrai uma intensa visitação que pode,
dessa forma, tornar-se público para suas exposições. Acerca
disso, Montaner escreve:
A afluência maciça de visitantes implicou nanecessidade de multiplicar os serviços do museu,com exposições temporárias e locais para consumo,e redundou no crescimento das áreas dedicadas àdireção, à educação e à conservação. Os museuscontemporâneos seguiram na esteira dosprotótipos do movimento moderno e de algumasrealizações dos anos cinqüenta, recuperandovalores tipológicos dos museus históricos; aomesmo tempo, porém, eles realizaram umacompleta transformação de sua concepçãoconvencional. (Montaner, 2003, p. 08)
É interessante notar que o IMS é a primeira instituição a
receber uma exposição permanente do artista Richard Serra na
América Latina. A obra Echo (Figura 27) é composta por duas
placas de aço com mais de 18 metros de altura, e muito
embora o instituto possua uma estrutura reforçada nos
pavimentos de exposição, já diminuindo alguns entraves
expositivos relacionados a grandes obras, Echo consegue
transpor seus limites, e justamente por suas características
monumentais, não está em uma das salas de exposições, mas
apropriou-se de um dos recúos laterais do prédio.
50
Figura 27 - Echo, de Richard Serra, 2016.
. Acesso em 10/11/2019.
Figura 28 - Instituto Moreira Salles Paulista
Acesso
em 06/11/2019.
51
A transformação radical mencionada por Montaner se
refere tanto às novas possibilidades de espaços expositivos e
ao programa de necessidades expandido, quanto à
monumentalidade da própria arquitetura, que, no caso dos
edifícios existentes, com seus acréscimos e reformulações, e
“conforme a intensidade do comprometimento com a
espetaculização social (...) pode resultar em colagem e
fragmentação de vocabulários arquitetônicos precendentes”
(del Castillo, 2008, p. 119).
Acerca desse ponto, Hal Foster (2017) afirma que a
arquitetura contemporânea passa por um “cosmopolitismo
banal”, no qual os edifícios são pensados, ainda que se
considerados as especificidades locais, para produzir uma
imagem que circule globalmente. Aplicando essa questão aos
museus de arte, o autor defende que “alguns desses edifícios
são tão performáticos ou escultóricos que os próprios artistas
devem se sentir os últimos a chegar à festa, colaboradores a
posteriori” (Foster, 2017, p. 93), apontando para um conflito
entre forma e função da arquitetura de museus, os quais não
deveriam possuir uma arquitetura a ponto de atrair visitantes
por ela mesma, sobrepondo as obras a serem expostas.
Ainda sobre essa questão, Montaner (2003) defende um
ponto de vista mais conciliador entre o papel da arquitetura e
sua imagem. Para ele, a “missão primordial (da arquitetura) é
expressar o conteúdo do museu como coleção e também
como edifício cultural e público” (Montaner, 2003, p. 11). Desse
modo, além de mero continente da arte, os edifícios
museológicos também guardam a função de mostrar a
personalidade de uma determinada localidade.
INSTITUTO TOMIE OHTAKE
Vemos então a proliferação de edifícios-ícones
principalmente nas maiores cidades. As instituições buscam se
destacar através da arquitetura, muitas vezes traduzindo seus
ideais e temáticas em suas próprias paredes.
Seguindo essa linha, o Instituto Tomie Ohtake (Figura 29) é
um dos raros edifícios da cidade de São Paulo especialmente
projetado, arquitetônica e conceitualmente, para receber
52
mostras de artes plásticas, arquitetura e design. Construído em
2001 como parte de um complexo de edifícios de escritórios,
possui um programa de exposições marcante na cena cultural
brasileira, focado nos últimos 60 anos, período que diz respeito
à época de atuação da artista que dá nome ao instituto,
incluindo também outras atividades, como debate, pesquisa,
produção de conteúdo, documentação e edição de
publicações, tendo um papel importante na pesquisa e ensino
da arte contemporânea no país8.
Projetado pelo arquiteto Ruy Ohtake para se destacar na
paisagem, com cores marcantes, diferenças de gabarito e
ondas sinuosas que marcam muito bem a estética de sua
fachada, possui salas de exposições com formatos não
ortogonais (Figura 31), que ainda assim se mantém flexíveis.
Sendo três galerias maiores e quatro salas menores, mas com
grande potencial de transformação, como ilustrado pela Figura
30, com a exposição da artista Yoyoi Kusama, fazendo o
8 Informações disponíveis em Acesso em10/11/2019.
expectador adentrar em um ambiente lúdico, proporcionado
por recursos cenográficos e também tecnológicos.
Figura 29 - Instituto Tomie Ohtake
Acesso em 10/11/2019.
https://live.staticflickr.com/2881/9067383150_4f26257ba0_b.jpghttps://www.institutotomieohtake.org.br/o_instituto/sobre
53
Figura 30 - Exposição Yayoi Kusama no Instituto Tomie Ohtake
. Acesso em 10/11/2019.
54
Figura 31 - Plantas das salas de exposição do Instituto Tomie Ohtake.
http://www.institutotomieohtake.org.br/o_instituto/espaco
55
RECUPERAÇÃO DE ANTIGOS CENTROS
Ao passo que a arte, refletindo a sociedade, se modifica, os
centros urbanos também se adequam às dinâmicas de cada
época. De acordo com o Ministério das Cidades (2008), “o
centro é a expressão de uma infinidade de funções de uma
cidade e cada cidade tem um tipo de centro, expressando
práticas, maneiras de fazer, histórias e formas próprias daquele
local, daquela cultura e daquele conjunto de pessoas”.
Dessa forma, à medida em que a cidade se desenvolve,
esse centro pode se deslocar, causando a degradação das
antigas localidades. Esse processo é conflitante para a cidade,
uma vez que o deslocamento dessas áreas leva ao abandono
de uma infraestrutura já assentada. De acordo com Valéria
Campos:
pouca atenção é dada ao deslocamento do centrode negócios principal, que ocorre pari passu com odeslocamento das camadas de mais alta renda, ecom os complexos processos verificados nas áreasurbanas centrais — esvaziamento populacional ede atividades econômicas, degradação dopatrimônio construído, subutilização da
infraestrutura e do solo —, incompatíveis com abusca da sustentabilidade. (Campos, 2012, p. 03)
Nesse contexto, outra tendência contemporânea que
se afasta da neutralidade ao passo em que se relaciona com a
lógica de mercado, são os espaços expositivos que se
apropriam de edifícios antigos. A recuperação de prédios
abandonados, o que ocorre principalmente nos antigos
centros, além de dar um novo potencial à uma arquitetura já
existente, ajuda na recuperação dessas localidades. Acerca do
tema, Foster escreve:
A arte recente está longe de ser um objeto passivonessas alterações; algumas vezes a simplesexpansão de suas dimensões provocou atransformação de armazéns e fábricasabandonados em galerias e museus, e nesseprocesso algumas regiões operárias degradadasrenasceram como sofisticados destinos do turismode arte. Nesse ponto, por certo, a alegação de queo cultural está separado do econômico terácessado. (Foster, 2017, p. 61)
56
Cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Barcelona vêm
desenvolvendo nos últimos quinze anos políticas de
reabilitação de seus centros, em conjunto com a iniciativa
privada. Apenas mais recentemente, Natal vem
experimentando aos poucos algumas dessas políticas, como
melhorias na limpeza e segurança do bairro da Cidade Alta,
centro econômico que teve seu apogeu entre as décadas de
1980 e início dos anos 2000, tendo sua decaída graças à
chegada dos shoppings centers e descaso de políticas públicas
(Araujo, 2019).
Muitas dessas políticas de requalificação são aliadas a
aspectos artísticos e culturais. Um exemplo é o Museu Cais do
Sertão, criado em um dos armazéns do antigo Porto do Recife,
destinado pelo Governo do Estado de Pernambuco à enaltecer
a cultura do Sertão Nordestino, funcionando “como agente de
requalificação urbanística de todo o centro histórico,
reforçando os laços da cidade com suas águas – canais, rios e
mar” (Vada, 2018, n. p.). A já citada Pinacoteca é um dos
exemplos na cidade de São Paulo, com o objetivo de recuperar
a região da Luz. Em Natal, esse aspecto cultural nas estratégias
de requalificação já se apresenta na ação do Beco da Lama,
que convidou 40 artistas para transformar a rua Vaz Gondim
em uma galeria de arte urbana a céu aberto.
57
“Se a era da máquina tinha sua iconografia distinta, qual é
a nossa?” Hal Foster
iv
CONSIDERAÇÕES FINAIS
PinacotecaPotiguar
58
O fato de, mesmo com tantas mudanças no cenário de
produção e exposição de arte, até mesmo as obras menos
ortodoxas acabam retornando para a galeria sob a forma de
registros (fotos, vídeos, documentos). O’Doherty (2002) já
mencionava que desde Duchamp, a arte parecia ser o que é
criado na galeria, fazendo referência aos ready-mades. Del
Castillo, acerca de outros contextos como a Land Art e Video
Art, complementa ao afirmar que a arte “após desligar-se do
tradicionalismo, volta ao espaço da galeria para obter sua
‘função artística’ (Del Castillo, 2008, p. 213), ou seja, para se
legitimar como tal.
Isso nos faz perceber a importância que museus e outros
espaços expositivos têm na consolidação da cultura de uma
sociedade. Por isso, desde as galerias aos moldes palacianos,
com suas salas ornamentadas e pouca iluminação, passando
pela galeria neutra e asséptica modernista, que procurava
retirar qualquer interferência à obra, até chegar aos espaços
polivalentes atuais, possíveis de abarcar as infinitas
possibilidades artísticas, esse tipo de instituição vem sofrendo
reformulações.
Acerca desses espaços, Hal Foster faz o questionamento:
“Se a era da máquina tinha sua iconografia distinta, qual é a
nossa?” (Foster, 2017, p. 71). No entanto, as infinitas
possibilidades arquitetônicas trazidas principalmente pela alta
tecnologia, torna difícil a atividade de catalogar a arquitetura
pós-modernista. O que se torna ainda mais difícil, visto o papel
icônico que as instituições museológicas possuem atualmente,
algumas vezes tornando-se o marco visual mais importante de
sua localidade, e para isso, portanto, procurando cada uma a
sua singularidade. “Os arquitetos de hoje, chamados
pós-modernos, têm uma grande liberdade para propor as
mais diferentes soluções para seus projetos de museus,
podendo incluir desde velhos princípios acadêmicos até os
mais audaciosos hightechs.” (KFEIFER, 2000, p. 21)
No entanto, se não é possível encontrarmos uma
iconografia própria de nossa época, como questiona Foster,
Montaner dá a sua definição das principais características do
59
museu pós moderno, dando o exemplo do Guggenheim
Bilbao como sintetizador:
a manutenção das salas convencionais enfileiradaspara expor os formatos tradicionais dos quadros daarte moderna; a recriação do âmbito do ateliê doartista na gigantesca sala em planta baixa, que seinaugurou com um diálogo com a obra de RichardSerra e que pode abrigar as obras de diferentesformatos do pop e do minimal; a definição deespaços de altura dupla e forma singular parainstalações, coleções concretas ou exposiçõesindividuais; o uso de recantos ou locais depassagem para alojamentos artísticos singulares,coleções de fotografias ou para videoinstalações; ea configuração de grandes salas neutras em plantabaixa para exposições temporárias de visitaçãomaciça. Demonstra-se com isso a habilidade deFrank Gehry para situar dentro do grandecomplexo arquitetônico a máxima diversidade detipos de espaços museísticos, para hospedar osmais diversos formatos adotados pelas exposiçõesde arte contemporânea (Montaner, 2001, p. 18)
Sob a ótica dessas análises acerca dos espaços expositivos,
ao observar a cidade de Natal, percebemos9 uma variedade de
espaços híbridos. Isso é, espaços que possuem outros usos,
como bares, restaurantes, salões de beleza, coworkings, cafés,
loja de roupas e até de móveis modulados, que compartilham
a função de espaços expositivos10.
De acordo com Nunes, os espaços híbridos “são urgências
de um tempo, são resultados de desejos e relações afetivas”
(Nunes apud Duran, 2015, p.50). Esses inúmeros edifícios
híbridos, portanto, estão provavelmente relacionados à falta de
espaços institucionalizados voltados à arte na capital potiguar,
fazendo surgir a necessidade de se adaptar locais para expor a
produção que vem sendo feita.
A Pinacoteca Potiguar (Figura 32) é a única instituição
voltada especialmente para as artes na cidade, funcionando no
9 Essas observações tomaram como base as percepções e vivências daautora. Serviram para levantar hipóteses e questionamentos para esteensaio, podendo vir a ser foco de pesquisa sistematizada adiante.10 A citar como exemplos: Bar.co Espaço Gastroartístico, Nalva Melo CaféSalão, Casa Séfora, Mahalila Café e Livros e Complexo Iguales.
60
Palácio Potengi, construído entre 1866 e 1873. É um dos
edifícios neoclássicos de maior importância no estado do Rio
Grande do Norte, possuindo portanto ares monumentais.
Apesar disso, a instituição não é tão reconhecida pela
população, nem recebe tantos visitantes.
Figura 32 - Pinacoteca Potiguar
Acesso em
10/11/2019.
É preciso destacar que, apesar da necessidade de olhar
para as questões de uma maneira multidisciplinar,
considerando outros aspectos, principalmente museológicos e
administrativos, as considerações feitas aqui levam em conta o
caráter espacial.
Embora suas salas expositivas, com paredes brancas e
ortogonais, como pode ser observado na Figura 33, não
divergirem de muitos museus da atualidade, que preferem
ainda optar pela neutralidade do espaço, mantendo a
flexibilidade, parece haver uma dificuldade em receber
exposições de caráter menos tradicionais. Como foi descrito,
apesar dos autores diferirem acerca dos benefícios de
exposições desse tipo, de caráter menos ortodoxo e mais
espetacularizados, parece haver um consenso sobre o fato
delas chamarem mais atenção do público em uma sociedade
como a nossa, contribuindo para o sucesso de instituições
museológicas. Além disso, para del Castillo (2008), elas podem
ainda ser aliadas na difusão do conhecimento.
https://www.praiasdenatal.com.br/palacio-potengi/
61
Figura 33 - Sala de exposição da Pinacoteca Potiguar
Acesso em 10/11/2019.
Contribuindo na diversificação dos espaços, de forma a
conter apropriações distintas pela arte, a Pinacoteca conta com
um grande pátio na parte posterior de seu terreno, que possui
possibilidades de abarcar obras de caráter mais monumental
ou teatral, fugindo de suas galerias tradicionais. Estar apta - e
disponível - a receber os novos tipos de arte é essencial para
uma instituição como essa, que deve refletir a cultura de uma
sociedade.
No entanto, o maior problema a ser enfrentado é
provavelmente o programa de necessidades reduzido. O
edifício não conta com uma diversidade de usos, como café,
restaurante, loja, salas de aula ou ateliês. O programa
expandido é, como Montaner (2001) descreve, uma das
maiores características do museu pós-moderno, por estar
ligado à lógica capitalista e atrair um público diversificado, que
não está ligado apenas às exposições.
Além disso, a Pinacoteca, situada no bairro da Cidade Alta,
encontra-se no contexto de um bairro que se recupera da
decadência pela alteração da centralidade na cidade de Natal.
Como edifício de caráter cultural, pode contribuir na
recuperação do bairro, que vem sendo mais focado pelas
políticas públicas atuais, a exemplo dos investimentos feitos no
Beco da Lama, transformado em uma g