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Documentação Crítica de Fátima Seleção de documentos (1917-1930) www.fatima.pt/documentacao DOCUMENTAÇÃO Crítica de Fátima: seleção de documentos (1917-1930). Fátima: Santuário de Fátima, 2013. Estudos

Documentação Crítica de Fátima Seleção de documentos ... · ABREU, Adélio Fernando – Contextualização da Mundividência Subjacente aos Acontecimentos de Fátima. In PINHO,

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Documentação Crítica de FátimaSeleção de documentos (1917-1930)

www.fatima.pt/documentacao

DOCUMENTAÇÃO Crítica de Fátima:

seleção de documentos (1917-1930).

Fátima: Santuário de Fátima, 2013.

Estudos

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Santuário de Fátima

DOCUMENTAÇÃO CRÍTICADE FÁTIMA

Seleção de documentos(1917-1930)

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DOCUMENTAÇÃO CRÍTICA DEFÁTIMA

Seleção de documentos(1917-1930)

Santuário de Fátima2013

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2 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

T�T���Documentação Crítica de Fátima - Seleção de documentos

2013

PATROCÍNIO CIENTÍFICOCentro de Estudos de História Religiosa (CEHR) - Faculdade de Teologiada Universidade Católica Portuguesa

COMISSÃO CIENTÍFICADavid Sampaio Barbosa (Presidente); Adélio F. L. Abreu; António Teixeira

Fernandes; Lúciano Coelho Cristino; Maria Inácia Rezola; Pedro Penteado, ZíliaOsório de Castro

FIXAÇÃO DE TEXTOS E REVISÃOLuciano Coelho Cristino; Ana Teresa dos Santos Silva Neto

COMPOSIÇÃO E PAGINAÇÃOAna Teresa dos Santos Silva Neto

CAPAEmília Nadal

EDIÇÃO:ISBN: 978-972-8213-91-6Depósito legal:Tiragem: 500 exemplares

© SANTUÁRIO DE FÁTIMAP-2496-908 FÁTIMA www.santuario-Fátima.ptTelef: 249539600; fax: 249539605 E-mail:sesdi@santuario-Fátima.pt

EXECUÇÃO GRÁFICA

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INTRODUÇÃO

E� �� �� �� �� ����� �� ��� Alves Correia da Silva, bispode Leiria, depois de considerado o relatório da comissão que constituiuem 1922 para organizar o processo canónico, declarou dignas de créditoas aparições de Fátima de 1917 e permitiu oficialmente o culto a NossaSenhora de Fátima. Era o termo de um processo de análise das apariçõesmarianas, ocorridas de maio a outubro daquele ano, na Cova da Iria,freguesia de Fátima, concelho de Vila Nova de Ourém, a três crianças:Jacinta Marto, de sete anos de idade, seu irmão Francisco Marto, denove anos, e a prima de ambos, Lúcia de Jesus, de dez anos.

A esta problemática e a este período corresponde a seleçãodocumental que agora se publica. Cumpre-nos contextualizar osacontecimentos que contribuíram para a sua produção, justificar apublicação deste volume e a sua organização, e apresentar as linhasfundamentais da documentação aqui dada à estampa a partir daDocumentação Crítica de Fátima, publicada entre 1992 e 2013.

1 - A singeleza dos factos vistos e testemunhados de maio a outubrode 1917 não prescinde do contexto eclesial, social, religioso e político.Os acontecimentos de Fátima encontram a sociedade portuguesa norescaldo da instauração da república. O mundo, por seu lado, é abaladopela I Guerra Mundial, com repercussões em Portugal, sobretudo apartir da sua participação em 1916. Vinham de longe as dificuldades docatolicismo português no confronto com a política, enquanto tratava dese recompor por uma via unitária especificamente religiosa, comrepercussões na sociedade portuguesa1.

1 Prescindindo nesta contextualização de um aparato crítico exaustivo, remetemospara o nosso estudo, que seguimos de perto, e para bibliografia que o sustenta:ABREU, Adélio Fernando – Contextualização da Mundividência Subjacenteaos Acontecimentos de Fátima. In PINHO, Arnaldo de; COUTINHO, Vitor, coord.– Francisco Marto: Crescer para o Dom. Fátima: Santuário, 2010, p. 59-103.Fátima Estudos; 1.

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4 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

1�1� � ����� ��� � ��� !� " #��$" %� &�����$" � ����'� (�$ ')� *�(��$em causa o catolicismo romano como religião oficial. Contudo, noajustamento da Igreja à nova sociedade, convertia os seus ministros emagentes de estruturação social, comprometidos em várias atividades decaráter cívico e enquadrados no funcionalismo público. Tratava-se deuma visão instrumental da Igreja, manietada aos interesses do Estado,incompreendida na sua missão religiosa, diminuída nos seus meios eatingida na sua capacidade de organizar e influenciar autonomamente asociedade. Numa continuada atividade legislativa de caráter regalista,foram suprimidos os dízimos, abolido o foro eclesiástico, eliminados ospadroados, extintas as ordens religiosas e nacionalizados os seus bens.O processo de desamortização dos bens da Igreja estender-se-ia àscolegiadas, aos passais, aos mosteiros femininos. Os bispados que ogoverno queria suprimir foram permanecendo vacantes, como pressãosobre a Santa Sé para o necessário assentimento. Os restantes tambémtardaram muitas vezes em ter bispo, dada a resistência papal aos nomesapresentados pelo governo. Internamente, as nomeações mantiveram-se controladas, nomeadamente através do concurso documental exigidopelo governo como forma de eliminar a intervenção episcopal naavaliação dos candidatos. Paralelamente, a Igreja e os seus ministrosforam vivendo no meio de dificuldades económicas, após a supressãodos dízimos e o adiamento sucessivo da dotação eclesiástica, sógovernamentalmente acenada como contrapartida para outrasnegociações.

Enquanto aprendia a viver no quadro constitucional, a Igreja começavaa lançar as bases da recuperação religiosa, patente nas iniciativas ligadasao associativismo católico, iniciado nos anos 40 em Lisboa, com a criaçãoda Sociedade Católica, e ressurgido no Porto dos anos 70, com o ICongresso Católico e a Associação Católica, para se estender ao país.Era o tempo da organização do laicado numa perspetiva eminentementereligiosa, distanciada das clivagens políticas, que tinham dividido oscatólicos. Prescindindo da instrumentalização da religião pela política,que caraterizara miguelistas e liberais, unia-os uma genuína preocupaçãopelo destino e pela revitalização do catolicismo dentro do regimeconstitucional vigente. O movimento católico abria-se aliás, pelo menosem parte dos seus membros, à aceitação de qualquer forma de regimepolítico, desde que respeitadora da Igreja, antecipando e sintonizandocom o ralliement de Leão XIII no face a face com a república francesa.

A evidenciar a recomposição do catolicismo, renascia das cinzas,também na segunda metade do século, a vida religiosa, depois da

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5Introdução

d+,-./-023 .3456d- 738 - +9/6:023 d-. 35d+:. -:/6;-.< = 7+5/3 >?+ 6-8já longe os mosteiros masculinos e os femininos continuaram a fechar àmorte da última monja, enquanto o governo esperava ansioso os seusbens. Contudo, numa situação de clandestinidade e de alguma tolerância,que o desenvolvimento de núcleos republicanos e socialistas e as ameaçasexternas aos domínios ultramarinos aconselhavam ao governo, foram--se implantando em território nacional diversos institutos religiosos,protegidos e encobertos pelas atividades educativas e assistenciais epelas preocupações missionárias relativas aos territórios ultramarinos,sobretudo a partir do momento em que, após a Conferência de Berlim,a ocupação era imprescindível à sua manutenção. Os religiosos nãoestiveram imunes às campanhas anticlericais, mas foram construindo umabase de atuação no quadro instável de uma possível expulsão, enquantocontribuíam para a recuperação do catolicismo português.

A questão política entretanto atenuada deu espaço à abordagemcatólica da questão social, mais intensamente a partir dos anos 90, quandoos ventos romanos trouxeram o pensamento social de Leão XIII naRerum Novarum, difundido entre nós no magistério dos bispos esobretudo na imprensa católica. Criava-se assim o lastro de reflexão eação que tornaria possível o aparecimento em Portugal, a partir de finaisdo século, dos Círculos Católicos de Operários, o primeiro dos quaisno Porto. A questão política voltaria a evidenciar-se ainda, na primeiradécada do século XX, quando os católicos, superados os longos anosde resistência a um partido católico, tenderam para um projeto deunidade política em torno do Centro Nacional, apoiado pela nunciaturae pelo episcopado, que daria lugar ao Partido Nacionalista, maisintransigente e menos capaz de congregar as simpatias dos católicos detendências diversas. Paralelamente ao nacionalismo católico, foi-sedesenvolvendo uma linha democrata-cristã, de cariz associativo e compreocupações sociais, até ao confronto entre ambas, em 1909, napolémica desencadeada entre A Voz de Santo António dos franciscanosde Montariol, aberta à pluralidade das opções políticas dos católicos, eo Novo Mensageiro do Coração de Jesus dos jesuítas, que insistianuma visão mais monolítica da intervenção política dos católicos. Nãoera, pois, pela via da confessionalidade partidária que os católicosconseguiriam a unidade requerida para fazer face aos desafios dasociedade liberal, mesmo quando o regime já agonizava e prenunciava arevolução.

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6 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

@AB C A agitação política e as preocupações eclesiais de 1917encontravam, porém, antecedentes mais próximos. As dificuldades emque o catolicismo se moveu desde o dealbar do liberalismo persistirame agravaram-se com a eclosão da revolução republicana de 1910 ecom a subsequente lei de separação de 1911. A Igreja foi confrontadacom um novo quadro jurídico, pois os novos protagonistas políticosretiraram-lhe o estatuto de religião oficial e, consequentemente, já nãolhe destinavam o papel na construção social que o liberalismo entrecontradições lhe reconheceu. Não foi, contudo, este novoenquadramento global que causou mais perplexidade à Igreja, atendendoà reflexão sobre a contingência das formas de governo que o movimentocatólico lhe fora oferecendo ao longo da segunda metade da centúriaprecedente e à aceitação da república pelo ralliement leonino. Ostranstornos advieram da política de laicização que a república instaurouem Portugal, através de um conjunto de medidas que foram alterando afisionomia do catolicismo português: os jesuítas foram expulsos e ascongregações religiosas foram extintas e perderam os seus bens; osjuramentos religiosos foram eliminados; o ensino religioso nas escolasprimárias e normais foi proibido, e a Faculdade de Teologia daUniversidade de Coimbra foi extinta; os dias santificados foram abolidos;o casamento civil tornou-se obrigatório e foi introduzido o divórcio. Alei da separação privou a Igreja da sua personalidade jurídica e passouos seus bens para as associações cultuais, de que estava excluído oclero. Também o converteu ao funcionalismo público pela oferta depensões, a que maioritariamente renunciou.

Os bispos portugueses reagiram na linha do ralliement, numa pastoralcoletiva que não contestava o novo regime, mas apenas a sua políticalaicizadora, e afirmava que os católicos deviam acatar as novasinstituições políticas, obedecendo-lhes em tudo o que não fosse contrárioà consciência. Seguiu-se-lhe um protesto coletivo dos bispos, em respostaà lei de separação. Subjacente ao protesto estava a teoria tese/hipótese,que recusava a separação ao nível dos princípios, mas a aceitava naprática, desde que respeitasse o catolicismo; respeito que a lei sobprotesto não tinha em conta. A reação episcopal começava, pois, aesboçar novo caminho. Aliás, numa nova tomada de posição dos bispos,em 1913, comummente apelidada de Apelo de Santarém, surgia umrepto à união dos católicos, para que interviessem publicamente edefendessem a Igreja, contra as medidas laicizadoras da república, aomesmo tempo que invocava, qual eco da divisa de Pio X, à necessidadede instaurare Lusitaniam in Christo.

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7Introdução

PDFGDHIJK LM HIMNLM OQD J FDMRJQFJSUL GFIMRU VUL MD GLVMDWQIJ NDXJconfessionalidade do Estado, recentemente perdida, mas através de umempenho especificamente religioso, com repercussões no tecido social.Não apontavam algo de inaudito. Tinha já sido a proposta do movimentocatólico em contexto liberal. O desígnio da restauração cristã dasociedade, como referiam os bispos, ou da recomposição do catolicismoportuguês, como prefere a historiografia mais recente, não se quedou naletra dos textos do episcopado português ou na correspondência edocumentos de alguns bispos em concreto. O desígnio de unidadeconvergiu para o surgimento da União Católica em 1915, de onde saiuem 1917 o Centro Católico Português, para a defesa do catolicismo emsede política e parlamentar. Estamos já em época coeva aosacontecimentos de Fátima, altura em que o regime republicano denotavacrise e gerara descontentamentos, entre as clivagens partidárias e osefeitos da participação de Portugal na I Guerra Mundial, dando azo àrevolução sidonista de finais de 1917, que atenuaria a política religiosaanterior. Entre outras disposições atenuantes, os prelados de Lisboa ePorto puderam regressar às suas sedes e vários párocos às suascomunidades, agora sem estarem sujeitos à proibição de veste talar. Oshorários de culto deixaram de ser controlados e os estabelecimentos deassistência puderam receber doações. As relações diplomáticas com aSanta Sé também seriam reatadas. O atenuar da política religiosa anteriornão significava, porém, a resolução do problema jurídico levantado pelalegislação republicana e pela lei de separação, que se arrastaria até àconcordata de 1940.

Na imprensa, também se fez sentir a restauração católica, expressana criação da Liga da Boa Imprensa nas várias dioceses a partir de1915, na publicação de periódicos locais ou regionais de inspiraçãocatólica e na criação de boletins paroquiais e diocesanos. Significativotambém foi o conjunto de iniciativas de enquadramento e formação dosfiéis, paralelas à paróquia, muitas nascidas ainda no século XIX, comoas Associações Católicas, as Conferências Vicentinas ou os CírculosCatólicos de Operários. Outras viram a luz já no período republicano,em resposta ao movimento de laicização. Foi o caso da União NoelistaPortuguesa, chegada de França em 1913, para a valorização femininanos meios urbanos; da Associação de Médicos Católicos, nascida em1915; ou da Associação dos Pais de Família, criada um ano depoispara uma intervenção no setor educativo. Também no âmbito da pastoraljuvenil podíamos apontar a Federação das Juventudes CatólicasPortuguesas, que reagrupou em 1913 as várias Juventudes Católicas,

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8 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

sYZ[Ys [\ ]\^_]`ab\ s\c_Ye cYbfe_c\g `abh\ `]ci_s`j kh\cYl` Ymn_ n]recenseamento exaustivo destas propostas, mas sobretudo a perceçãoda sua existência e ação, na cristianização da sociedade portuguesa.

À laicização da sociedade, respondeu também a Igreja com várioselementos favoráveis à cristianização das massas, como as missõespopulares e pregações, as festas e procissões, as peregrinações edevoções variadas, nomeadamente à Eucaristia, à Virgem Maria e aoCoração de Jesus. Muitas destas formas de piedade ressentiram-se dahostilidade republicana, das suas medidas de controlo e das limitaçõesàs manifestações públicas. Sobreviveram e intensificaram-se, porém,afirmando a sensibilidade religiosa do povo português. Várias delas serefletiram inclusivamente nos acontecimentos religiosos ocorridos em1917 em Fátima, convertendo-se este local num polo de dinamizaçãodo catolicismo português subsequente. O processo de recomposiçãocatólica que, no rescaldo da república, Fátima veio confirmar, corria jáno campo religioso e devocional em detrimento do político e jurídico. Areorganização pastoral do catolicismo em Portugal desembocou e foidepois impulsionada pelo Concílio Plenário Português de 1926, realizadotambém sob o signo da união católica para uma ação pastoral maisconcertada na disciplina, na catequese e nos estudos eclesiásticos.Continuaria ainda com a dinamização catequética e litúrgica e sobretudocom a criação da Ação Católica Portuguesa em 1933. Fátima pôdeconstituir-se assim em espaço de convergência de um catolicismo quese recompunha pela via da unidade, sobre um lastro religioso edevocional, que as aparições se encarregaram de confirmar e impulsionar.

2 - A necessidade de estudar criticamente as aparições de Fátima ea sua mensagem tem já uma história de mais de 50 anos2. O projetopartiu em 1966 do então bispo de Leiria D. João Pereira Venâncio (1958--1972) e foi confiado ao claretiano espanhol Joaquín María Alonso,professor de teologia dogmática e de mariologia em vários institutos euniversidades. Depois de uma fase de investigação empreendida por si,foi coadjuvado por uma comissão científica, a partir de 1975, até que adoença lhe impediu o trabalho, vindo a falecer em 1981. Em 1983, foi

2 Cf. CRISTINO, Luciano Coelho – Introdução. In Documentação Crítica deFátima. Fátima: Santuário, 1992, vol. 1, p. VII-XI; IDEM – A los Noventa Añosde las Apariciones de Fátima. La Edición Crítica de los Documentos: Historia delos Proyectos de Edición y Fase Actual. Ephemerides Mariologicae. 58 (2008)523-535.

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9Introdução

poqrqt u vwxyzqwqo qo Teologia da Universidade Católica Portuguesaque patrocinasse cientificamente o projeto, vindo a ser constituída em1985 uma comissão científica para o efeito.

Do trabalho desta comissão sucessivamente renovada brotou oprojeto da Documentação Crítica de Fátima, publicada em cincovolumes e 15 tomos, entre 1992 e 2013, abarcando documentalmenteo período de 1917 a 1930, ou seja desde as aparições até à cartapastoral de D. José Alves Correia da Silva, bispo de Leiria (1920-1957),que declarou como dignas de crédito as aparições de Fátima de 1917 epermitiu oficialmente o culto de Nossa Senhora de Fátima. Os doisprimeiros volumes seguiram um critério tipológico: o primeiro publicouos interrogatórios oficiais e particulares realizados aos videntes e umconjunto de depoimentos, então mandados fazer pelo Patriarcado deLisboa, documentação toda ela de 1917; o segundo publicou osdocumentos relativos ao processo canónico diocesano, mandado realizarpor D. José Alves Correia da Silva em 1922 e encerrado em 1930,antes da referida carta pastoral do bispo acerca das aparições e doculto a Nossa Senhora de Fátima. Os restantes três volumes, seguindoum critério cronológico, estendem-se nos seus vários tomos, por trêsperíodos: das aparições ao início do processo canónico (1917-1922) –três tomos; do início do processo canónico à criação da capelania noSantuário de Fátima (1922-1927) – quatro tomos; da criação dacapelania à referida carta pastoral de D. José Alves Correia da Silva(1927-1930) – seis tomos.

Com o aproximar do fim da publicação da Documentação Críticade Fátima, foi-se fazendo sentir a necessidade de um volume maismanuseável, que disponibilizasse as fontes consideradas maisimportantes, passível de tradução noutras línguas, de modo a chegar anovos destinatários e também a servir de suporte à realização decongressos sobre a mensagem de Fátima em ambientes internacionais,onde nem sempre é possível ler os documentos em língua portuguesa.Consciente de que a Documentação Crítica de Fátima é insubstituívelpara o estudo dos acontecimentos e da mensagem de Fátima, masprocurando também corresponder ao repto lançado pelo Santuário deelaboração de uma seleção documental, a Comissão Científica daDocumentação Crítica de Fátima avançou na preparação destevolume: Documentação Crítica de Fátima (1917-1930): Seleção deDocumentos. A base é, portanto, a Documentação Crítica já publicada.

Para circunscrever a obra a um só volume foi preciso selecionar eorganizar. Selecionar implica tomar, mas também deixar. Se nalguns casos

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10 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

{ |}~���{ � |���|��|� ~���� ��� |�|����� ��{��� }| ��{�{ ��} ���������}aos videntes, noutros nem sempre é tão óbvia. Escolheram-se osdocumentos que se julgaram mais significativos, tendo em conta osobjetivos do volume. Preferiram-se assim sobretudo os documentosreferentes à mensagem de Fátima e à sua receção. Relativamente aosvolumes da Documentação Crítica de Fátima que lhe servem de base,prescindiu-se agora da descrição dos documentos e da indicação dasua localização arquivística ou da sua edição, assim como de grandeparte do aparato crítico. Optou-se, contudo, por inserir algumas notasde correção de erros detetados e de breve informação pertinente,nomeadamente de cariz biográfico. Os documentos encontram-senumerados e ordenados cronologicamente, com a indicação do volumede publicação na Documentação Crítica de Fátima e com a grafiaatualizada. Tornando o texto mais fácil de ler, é todavia possível recorrerfacilmente ao documento descrito e publicado criticamente no respetivovolume da Documentação Crítica de Fátima.

A publicação em anexo de Os episódios maravilhosos de Fátima,da autoria do Visconde de Montelo, o P. Manuel Nunes Formigão,reveste-se de uma exceção relativamente ao resto do volume, no que serefere à reprodução dos documentos a partir da Documentação Críticade Fátima. Reunindo este opúsculo muitos textos anteriores, jápublicados na Documentação Crítica de Fátima, aquando dapublicação do volume III-3, relativo ao período de publicação doopúsculo, optou-se então por publicar apenas as passagens nãopublicadas e as correções feitas pelo autor no opúsculo, com a indicaçãoda localização dos textos antecedentes na Documentação Crítica deFátima. Na nossa seleção documental, tendo em conta que o modocomo foram publicados criticamente estes textos não favorece alinearidade da leitura e o caráter mais divulgativo deste volume, optou--se por publicar todo o opúsculo em anexo, em detrimento do modocomo está publicado o seu conteúdo na Documentação Crítica deFátima.

3 - Detemo-nos agora no conteúdo desta Seleção, percorrendo asgrandes linhas temáticas que a compõem de 1917 a 1930, desde osinterrogatórios aos videntes e outros testemunhos até à declaraçãoepiscopal da credibilidade das aparições e da permissão do culto deNossa Senhora de Fátima, passando pelas ressonâncias de Fátima naimprensa e pela sua divulgação em Portugal e além-fronteiras, pelahostilidade das autoridades e setores anticlericais e pela consolidaçãoda mensagem com o contributo de Lúcia e das suas revelações

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11Introdução

��������������� ���� ������������������������� ���������������¡���juntamente com a promoção da análise dos acontecimentos, foi dandopassos prudentes e seguros rumo à aceitação das aparições.

3.1 - Parte fundamental desta Seleção são os interrogatórios aosvidentes. Os primeiros foram feitos a Lúcia logo em cima dosacontecimentos pelo pároco de Fátima, P. Manuel Marques Ferreira.Pouco tempo após cada aparição, registou o que foi dito em cada uma,num crescendo de mensagem. Se da primeira decorre sobretudo anecessidade dos vidente se deslocarem ao local “todos os meses atéfazer seis meses” (doc. 1, p. 31), progressivamente são dadas novasindicações: o mandato de Lúcia aprender a ler (doc. 2, p. 32); a oraçãodo terço à Senhora do Rosário para que abrande a guerra; a promessade um milagre em outubro que fará com que todos acreditem (doc. 3, p.33); a promessa de que em outubro “há de vir S. José dar a paz aomundo e Nosso Senhor dar a bênção ao povo” (doc. 8, p. 48). Naaparição de outubro, alargam-se as indicações: “Quero-te dizer quenão ofendas mais a Nosso Senhor; que rezem o terço a Nossa Senhora;façam aqui uma capelinha à Senhora do Rosário (Lúcia tem dúvida sefoi assim se foi: façam aqui uma capelinha, eu sou a Senhora do Rosário);a guerra acaba ainda hoje” (doc. 14, p. 79). A partir dos elementosrecolhidos, o pároco de Fátima elaboraria um relatório, a pedido de D.João Evangelista de Lima Vidal, arcebispo de Mitilene e vigário geral doPatriarcado de Lisboa. O relatório manifesta a prudência do párocodiante dos acontecimentos, procurando manifestar-se “indiferenteenquanto não houvesse provas evidentes ou a Igreja falasse” (doc. 36,p. 182).

Ainda antes do termo das aparições, já Manuel Nunes Formigãocomeçara também a interrogar os videntes. Fê-lo pela primeira vez em27 de setembro de 1917 (doc. 10, p. 52-61), por ocasião da sua visitaa Fátima, deslocando-se a casa de Lúcia. Junta ao interrogatório dostrês videntes também o da mãe dela. O interrogatório é abundante nospormenores, tantas as questões dirigidas às crianças, massubstancialmente concorde com o do pároco de Fátima. No termo,uma apreciação das aparições, em que reconhece a sinceridade dosvidentes e se mostra convicto de que se não trata de alucinações, nemde possessão diabólica, aguardando, todavia, pela aparição de outubro.Novos interrogatórios decorreram em 11 de outubro a um habitante deFátima, à mãe de Lúcia e aos três videntes. Do primeiro emerge arespeitabilidade dos pais dos videntes, sobretudo dos de Francisco e

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12 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¢£¤¥¦§£¨ © £ ¤ª¦«¥¤¬­ª ®ª®¯°£±, passadas as dúvidas iniciais, de “que ascrianças falam verdade” (doc. 11, p. 63). A aparição de 13 de outubroaconselhou novo interrogatório às crianças, centrado no anúncio do fimda guerra, na visão de São José e do Menino Jesus e no milagre do sol.Segundo Lúcia, a Senhora dissera que “a guerra acaba ainda hoje” (doc.18, p. 101). Na descrição de Francisco e Jacinta do fenómeno solar, osol “andava à roda“ (doc. 18, p. 104). Alguma perplexidade quanto àcredibilidade das aparições geraria a declaração do fim da guerra, pelofacto de os acontecimentos não confirmarem no imediato o anúncio.Manuel Nunes Formigão regressou aos interrogatórios aos videntes em2 e 3 de novembro, na procura de mais elementos e no esclarecimentode pormenores que então se iam ouvindo. O interrogatório a Lúcia alarga-se à visão no ano anterior de “um vulto branco” que se parecia com“uma pessoa embrulhada num lençol” (doc. 22, p. 117). É ouvidotambém João Marto, irmão de Francisco e Jacinta, sobre a aparição de19 de agosto.

O volume ainda oferece o interrogatório do P. José Ferreira deLacerda aos videntes, realizado em 19 de outubro de 1917, a partir deum questionário prévio (doc. 15, p. 81-88). Também aqui se indaga odetalhe, assim como se procura discernir um eventual sugestionamentodas crianças, averiguando o conhecimento prévio de elementos integradosno conteúdo das aparições; cuidado também presente nos interrogatóriosde Manuel Nunes Formigão. Muitas outras pessoas terão interrogadoas crianças, também Carlos de Azevedo Mendes, advogado de TorresNovas, ainda em setembro de 1917, que deixou o relato em carta à suanoiva (doc. 7, p. 41-47). Fica a perceção da coerência e da genuinidadedos videntes, nos interrogatórios feitos em separado e na convivênciacom as crianças durante a visita ao local das aparições.

3.2 - A preocupação com a credibilidade das aparições atravessa adocumentação logo desde o início. Assim, à narração dos videntes,juntam-se os testemunhos de outras pessoas capazes de confirmar oque deles provinha. Uns chegam-nos de cartas ou testemunhosparticulares, outros de inquéritos organizados pelas autoridadeseclesiásticas. No seguimento da aparição de 13 de outubro, o Patriarcadode Lisboa, pela pena de D. João Evangelista de Lima Vidal, incumbiu osvigários de Porto de Mós e de Ourém de colherem informações detestemunhas fidedignas sobre os acontecimentos ocorridos em Fátimaem 13 de outubro (doc. 16, p. 89). O P. Joaquim Vieira Rosa, párocode Alqueidão da Serra e vigário de Porto de Mós, vigararia vizinha de

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²³´µ¶·¸ µ¹´º»»¼½¼¾ ¿À ´ºÁ´º¶¾¹Â·Á ûºÁº¹Äµ·µÁ Å· ·Ã·»µÆǼ¸ ź Ⱦº ɺÊuma breve síntese sobretudo com as descrições concordes do fenómenosolar. O testemunho mais pormenorizado refere a abundante chuva queantecedeu a aparição e “aquela ingente multidão de povo, em grandeclamor e quase todo ajoelhado, voltado para o sol, e que este tinhasinais desusados, girando sobre si, tremendo, observando ao mesmotempo um afrouxamento de luz e um aumento de temperatura” (doc. 19,p. 106). No envio do relatório, o vigário de Porto de Mós refere aconcordância das testemunhas e o incómodo por o prometido fim daguerra não se ter concretizado (doc. 24, p. 132).

O P. Faustino José Jacinto Ferreira, pároco de Olival e vigário deOurém, vigararia a que pertencia a paróquia de Fátima, não fezpropriamente um inquérito presencial, mas pediu um conjunto dedepoimentos a pessoas de prestígio. A Documentação Crítica deFátima integrou neste inquérito três depoimentos (cf. vol. 2, p. 211--237; veja-se a nota 2 da p. 221), que incuímos nesta Seleção (doc.30, 31, 32, p. 154-163): o breve depoimento do P. Francisco Brás dasNeves, coadjutor da Freixianda, que resume as entrevistas a Lúcia eJacinta e refere sobretudo a questão do anúncio do fim da guerra; odepoimento do P. Luís Andrade e Silva, que narra o que viu em 13 deoutubro, reconhecendo que aí se passou “qualquer coisa deextraordinário” (doc. 31, p. 156), mesmo que não garanta tratar-se deum milagre; o depoimento de Luís António Vieira de Magalhães eVasconcelos, advogado em Vila Nova de Ourém, que testemunha a suaprudência inicial, em sintonia com o alheamento do clero do concelho, enarra o que viu na aparição de 13 de outubro e o diálogo com Lúcia eJacinta algumas semanas depois. A impressão que lhe causou o fenómenosolar é expressa com emoção, e a reserva inicial cedeu lugar à convicçãode que se tratava de uma manifestação divina: “Ao observar estasmanifestações, que não duvidei um momento que fossem devidas à InfinitaOmnipotência de Deus, uma indescritível impressão se apoderou demim. Sei apenas que gritei, creio, creio, creio, e que as lágrimas caíamdos meus olhos, maravilhado, extasiado, perante essa demonstração doPoder Divino. Sei também que não senti a menor sombra de receio outerror. Se não fosse católico, nesse momento ter-me-ia convertido” (doc.32, p. 160). Apesar das dificuldades criadas pelo anúncio nãoconcretizado do fim da guerra e sem se querer antecipar à autoridadeeclesiástica, o deponente concluía que “as pastorinhas falam verdade ese estas falam verdade não pode haver dúvidas de que foi um milagre oque se deu no dia 13 de outubro próximo, passado, nas imediações dolugar da Fátima” (doc. 32, p. 163).

Introdução

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14 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ËÌÍÎÏÐÑÒÓÎÍÔÓÕÖÓ×ÎØÐÑÙÎÐÒÍ×ÐÌ ÍÎÌÍÎÓÒÚÙÐÌÛÐÌ ÜÔØÍÐÌÐØÐ××ÝÛÐÌem Fátima. É o caso do relato da manifestação solar de 13 de outubropelo P. Manuel Pereira da Silva, pároco de Monte Redondo:“Imediatamente apareceu o sol com a circunferência bem definida.Aproxima-se como que até à altura das nuvens e começa girando sobresi mesmo vertiginosamente como uma roda de fogo preso, com algumasintermitências, durante mais de oito minutos“ (doc. 12, p. 71). Ou otestemunho de Leonor de Avelar e Silva Constâncio, a partir da suapresença no local nos dias 13 de agosto, setembro e outubro, mesmo seno primeiro dia não compareceram as crianças, detidas parainterrogatório pela autoridade municipal, e no último chegou a própriaatrasada por um percalço na viagem. Testemunha ainda assim o enormeconcurso de povo e a “magnífica e imponente manifestação de fé, adaquela enorme multidão de cerca de 50 mil pessoas, quase todas alilevadas pela fé, pelo desejo de se certificarem da veracidade dos factosque tinham ouvido narrar” (doc. 17, p. 96). Narra ainda o contacto comos videntes e a sua assistência ao interrogatório de 19 de outubro,realizado pelo Manuel Nunes Formigão (doc. 18, p. 100). Ficouagradada com as crianças, “que são robustas, sadias, alegres, francas esimpáticas, com uma desenvoltura própria da sua idade” (doc. 17, p.97). Partilha ou deixa ressoar conclusão idêntica à do P. Formigão jáanteriormente referida: “Todos estes argumentos que a minha razão mesuscita me fazem pôr de parte, tanto a ideia de exploração, como a desugestão nervosa, como até mesmo a de intervenção demoníaca.Aguardemos a resolução da Igreja” (doc. 17, p. 99).

Os fenómenos solares de 13 de outubro de 1917 também geraramcuriosidade científica, repercutindo a atmosfera racionalista e positivista,dada à explicação científica. Nalguns casos, o recurso à ciência fez-seno sentido de descredibilizar os fenómenos. Noutros no de esgotar aspossibilidades de explicação, para tornar sustentável a possibilidade deintervenção divina, superando as leis da natureza. A preocupaçãocientífica favorável aos acontecimentos de Fátima emerge nas cartas deGonçalo de Almeida Garrett, bacharel em filosofia e doutor emmatemática, lente substituto em Coimbra, a Manuel Nunes Formigão.Na primeira, de dezembro de 1917, considera os fenómenos solaresnão “astronómicos do sol propriamente dito, mas sim meteorológicosda atmosfera da terra sobre a imagem solar, quanto à cor e aspeto dobrilho semelhante à lua, e também quanto à vista da rotação” (doc. 28,p. 148). Procurando uma justificação junto do seu destinatário para onão concretizado fim da guerra, questionava-se ainda sobre a aparente

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Þßàáâãá äßâåæßá çá áèáàåß Þå èåéêè ãê êëêìíîïåð ìáèêñêãêð òßÞñêâáÞñácom o fenómeno solar, num testemunho do seu filho José Maria deProença de Almeida Garrett: “Uma coluna de fumo, delgada, ténue eazulada que subiu direita até dois metros, talvez, acima das cabeçaspara se nesta altura se esvair. Durou este fenómeno, perfeitamente visívela olho nu, alguns segundos. Não tendo marcado o tempo de duraçãonão posso afirmar se foi mais ou menos um minuto. Dissipou-sebruscamente o fumo e passado algum tempo repetiu-se o fenómenouma segunda e uma terceira vez. Das três vezes, e sobretudo da última,destacaram-se nitidamente os fustes esguios na atmosfera cinzenta” (doc.29, p. 151). Numa segunda carta, de setembro de 1918, Gonçalo deAlmeida Garrett giza um plano para tentar perceber cientificamente adita manifestação de fumo (doc. 37, p. 183-185). Já antes, num artigode jornal, se detivera no relato de duas curas ocorridas em Fátima e nosproblemas levantados à credibilidade dos videntes pelo facto de a guerranão ter imediatamente terminado (doc. 35, p. 169-171). Voltaria à nuvemde fumo num depoimento publicado em 1922, para concluir que “é,pois, um elemento de toda e completa transcendência para comprovarrigorosamente a verdade das aparições em Fátima” (doc. 70, p. 250).

3.3 - Os acontecimentos depressa se repercutiram na imprensaperiódica local ou nacional. A aparição de julho de 1917 já encontrouespaço no jornal lisboeta O Século. O relato do correspondente emMeia Via, Torres Novas, dá conta dos boatos relativos às apariçõesanteriores, que arrastaram ao local muitas pessoas por curiosidade oudevoção em 13 de julho, esgotando as possibilidades de transporteexistentes em Torres Novas e fechando inclusivamente bastantesestabelecimentos. O correspondente interrogou várias pessoas queestiveram no local e lhe mereciam confiança. Acreditava, porém, quepor trás daquelas manifestações podia estar “uma premeditadaespeculação financeira, cuja fonte de receita existe nas entranhas daserra, em qualquer manancial de águas minerais” (doc. 4, p. 36)recentemente descobertas. Em outubro, porém, o mesmo jornal, pelapena de Avelino de Almeida, enviado especial à aparição, publicou umrelato detalhado de quanto pôde registar, desde as impressões recolhidasantes e depois da aparição até à narração do fenómeno solar ocorrido:“O sol tremeu, o sol teve nunca vistos movimentos bruscos fora de todasas leis cósmicas – o sol ‘bailou’, segundo a típica expressão doscamponeses” (doc. 13, p. 76). Para o articulista, “assiste-se então a umespetáculo único e inacreditável para quem não foi testemunha dele”

Introdução

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16 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

óôõö÷ øùú û÷ üýþ÷ ÿ(ö���� ������ � ����� ô� û����� ô(���ö(�ô� ô�membros do clero e da expetativa do pronunciamento das autoridadescompetentes sobre a manifestação solar. No termo de um relato maiscurto, na revista Ilustração Portuguesa do mesmo jornal, Avelino deAlmeida, depois de se cingir aos factos, diria: “Milagre, como gritava opovo; fenómeno natural, como dizem os sábios? Não curo agora sabê-lo, mas apenas de te afirmar o que vi… O resto é com a Ciência e coma Igreja…” (doc. 21, p. 116).

As ressonâncias na imprensa não se ficaram apenas por relatosfactuais de quem pretendeu ser imparcial e dizer só o que viu. A imprensafoi também muitas vezes o palco da discussão em torno dosacontecimentos de Fátima. Houve quem se serviu dela, para se justificarou defender, como o pároco de Fátima diante das acusações decumplicidade com o administrador de Vila Nova de Ourém, quando ascrianças foram levadas para interrogatório em 13 de agosto (doc. 6, p.38-40. Também dela deitou mão quem quis divulgar os acontecimentos,como Manuel Nunes Formigão no jornal A Guarda (doc. 47, p. 202).Ainda recorreram a ela os detratores, ao pretenderem interpretar osacontecimentos como um retrocesso da modernidade, que prescindeda ciência e da razão, para iludir pelo milagre. É o caso da Comissão dePropaganda do Registo Civil que se serve do jornal O Mundo de 26 deoutubro de 1917 para publicar um projeto de manifesto a propósito da“invenção dos fantasiosos e ridículos milagres de Fátima”, resultado do“ignominioso manejo clérico-reacionário” (doc. 20, p. 112). No iníciode dezembro seguinte sairia uma folha panfletária, editada pelaAssociação de Registo Civil e Federação Portuguesa do LivrePensamento, denunciando o recurso ao milagre “para embrutecer o povopelo fanatismo e pela superstição” e reclamando “a luz brilhante daVerdade, da Razão e da Ciência” (doc. 27, p. 145).

3.4 - Entretanto ia ganhando expressão o culto e com ele a necessidadede uma imagem de Nossa Senhora para a capela das aparições. Depoisde uma tentativa de compra em Lisboa, foi mandada fazer em Braga em1919 (doc. 46, p. 201). Seria enviada em abril de 1920 (doc. 54, p.213-214) e exposta ao culto no local das aparições em 13 de junho.Gilberto Fernandes dos Santos, que oferecera a imagem e a expuseranaquele dia, refere ter acontecido “o fenómeno solar tal qual o de 13 deoutubro de 1917”, assim como o facto de ter sido “a Venerada imagemcompletamente focada dum dourado transparente, celestial de certo”(doc. 57, p. 217). Os milagres, as pagelas e os folhetos iam ajudando a

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Paralelamente deu-se início à compra dos terrenos na Cova de Iria,tarefa facilitada pela maior parte dos proprietários. No dizer do P.Formigão, “há grandes dedicações e entusiasmos por Fátima” (doc. 61,p. 226).

Manuel Nunes Formigão destacar-se-ia aliás na divulgação dosacontecimentos de Fátima e dos elementos que podiam favorecer oculto e a piedade. Em 1921 publicou Os episódios maravilhosos deFátima (anexo, p. 567-617), dando conta dos acontecimentos de 1917,pela sua pena ou transcrevendo testemunhos. Relata ainda o segundoaniversário da primeira aparição, evidenciando a fé dos presentes ealgumas curas. Depois de expor a doença e a morte de Jacinta, dáconta também do que testemunhou presencialmente no dia 13 de maiode 1920. O juízo ainda ficava em aberto – “Continuamos a manter-nos,como até aqui, em benévola expetativa“ (anexo, p. 617) – mas os factoseram tidos como credíveis e merecedores de divulgação. Idênticoobjetivo revelou com um novo opúsculo publicado em 1923, intituladoOs acontecimentos de Fátima (doc. 73, p. 261-278). Descreve asaparições, elenca as curas extraordinárias, alude à intenção de construirum templo dedicado à Senhora do Rosário, à doença e morte deFrancisco e de Jacinta, ao atentado contra a capela de março de 1922,à comissão de inquérito nomeada pelo bispo, aos transportes para chegara Fátima. Apesar da constatação de um comércio tido por indigno nasproximidades do lugar das aparições, que a autoridade eclesiástica iaprocurando evitar, o opúsculo narra também o caráter religioso dasperegrinações ocorridas nos dias 13: “A lembrança sempre viva dasaparições e dos sucessos maravilhosos de que Fátima é teatro, aatmosfera saturada de sobrenatural que ali se respira, o temor religiosoque insensivelmente se apodera de todos os que se aproximam do centrodas maiores manifestações periódicas de índole religiosa, que registamos anais de Portugal, impedem a explosão das paixões humanas econservam à distância aqueles que por ventura sejam tentados a visitaro local das aparições” (doc. 73, p. 276-277).

Fátima não gozava, porém, da benevolência de todos, nomeadamentedos setores anticlericais e das autoridades, que iam pondo obstáculosàs peregrinações. Em maio de 1920, o governador civil de Santarémdeu ordens para que não se realizassem manifestações religiosas no 13de maio (doc. 55, p. 215). Antes da peregrinação de junho de 1921 oregedor da freguesia de Fátima recebeu indicações do administrador doconcelho de Vila Nova de Ourém para que “não consinta tais

Introdução

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18 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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nas suas leis fundamentais” (doc. 62, p. 228). Os obstáculos eraminterpretados por aqueles que os promoviam como expressão da vitóriada modernidade sobre o obscurantismo que atentava contra o ideáriosubscrito pela república (doc. 56, p. 216). Corolário deste ambientehostil foi a explosão de uma bomba na capela na madrugada de 6 demarço de 1922 (doc. 66-67, p. 237-239). Os obstáculos continuariamainda nos anos seguintes (doc. 74-75, p. 279-280; doc. 81, p. 316). Sena Câmara dos Deputados, o católico António Lino Neto erguia a suavoz a pedir esclarecimentos (doc. 76, p. 281-282), no Senado seráDias de Andrade a replicar à tentativa de Ramos de Miranda incluir osmilagres no reduto da superstição (doc. 77, p. 283-286). Nas invetivasde um folheto da época, subscrito por um dito Grupo Anticlerical, “oMilagre de Fátima […] é uma ridícula mentira, é uma comédia, não éreligioso” (doc. 78, p. 289). A adversidade também é contada nalgumascartas de 1929, escritas em resposta ao P. José Galamba de Oliveira(doc. 110, p. 401-402; doc. 112, p. 405-406; doc. 114, p. 409-412).

3.5 - A doença e a morte dos videntes Francisco e Jacinta tambémcomparecem na documentação publicada. À morte de Francisco em 4de abril de 1919 se refere um aditamento do pároco de Fátima ao termode encerramento do processo paroquial (doc. 44, p. 198). Maisabundantes são as informações acerca de Jacinta, a propósito doscuidados com o internamento hospitalar em Lisboa e, posteriormente,com o seu funeral (doc. 48, 50-52, p. 203,206-209). À doença e àmorte de ambos alude ainda com detalhe Manuel Nunes Formigão (doc.53, p. 210-212). Restava agora Lúcia para testemunhar as aparições.Já no Asilo de Vilar, no Porto, a cargo das irmãs doroteias, escreverá,em janeiro de 1922, a pedido do confessor, o seu primeiro relato (doc.65, p. 232-236). Em julho de 1924, também no Porto, será interrogadaoficialmente no âmbito do processo canônico (doc. 82, p. 317-324).

A partir de 1926, o volume inclui alguma correspondência de Lúcia,escrita a partir das comunidades das irmãs doroteias de Pontevedra eTuy, por onde sucessivamente passou, sobre a devoção dos cincoprimeiros sábados em reparação das ofensas ao Imaculado Coraçãode Maria, núcleo da aparição de 10 de dezembro de 1925. Segundo orelato de Lúcia, transcrito pelo P. José Aparício da Silva, Nossa Senhora,referindo encontrar-se o seu “coração cercado de espinhos que oshomens ingratos a todos os momentos me cravam com blasfémias eingratidões”, prometeu a assistência na hora da morte a “todos aqueles

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Sagrada Comunhão, rezarem o terço e me fizerem 15 minutos decompanhia” (doc. 96, p. 356). Dadas as limitações colocadas peloconfessor à divulgação da devoção, Lúcia receberia confirmação damesma por nova aparição de 15 de fevereiro de 1926, juntamente coma permissão para que a confissão pudesse ser noutro dia, desde que acomunhão ocorresse em graça, com “a intenção de com ela desagravaro Sagrado Coração de Maria” (doc. 84, p. 327). Dessa devoção deuconta em carta à mãe (doc. 89, p. 339; doc. 92 , p. 344-345) e àmadrinha de crisma (doc. 90, p. 340-341). Manifestou também alegriapor saber que a mesma se está a difundir, em carta ao P. José Aparícioda Silva, em que denota inquietação sobre se deve permanecer ou nãono Instituto das Irmãs de Santa Doroteia em que se encontrava a fazer onoviciado (doc. 91, p. 342-343) e onde viria a professar em 3 de outubrode 1928 (doc. 95, p. 352-354); permanência que voltará a ser afloradaem documentação de 1929 (doc. 104, p. 378-379; doc. 106, p. 383).Lúcia menciona também ao mesmo presbítero ter queimado, após diálogocom a madre superiora, o seu primeiro escrito sobre as revelaçõesrelativas à devoção dos cinco primeiros sábados (doc. 93, 346-347).Veio a escrever novo texto em 1928, com as revelações que lhe foramfeitas em 10 de dezembro de 1925, 15 de fevereiro de 1926 e 17 dedezembro de 1927 (doc. 96, p. 355-357), com vista a obter autorizaçãodo bispo de Leiria para a divulgação da devoção (doc. 97-99, p. 358--362 ). Nova revelação na noite de 29 para 30 de maio de 1930 fez-lheconhecer a relação dos cinco sábados com as cinco “espécies deblasfémias, proferidas contra o Imaculado Coração de Maria” (doc.128, p. 524). Neste contexto, surgem também referências de Lúcia àpromessa divina do fim da perseguição na Rússia, “se o Santo Padre sedignar fazer, e mandar que o façam igualmente os Bispos do mundoCatólico, um solene e público ato de reparação e consagração da Rússiaaos Santíssimos Corações de Jesus e Maria, prometendo Sua Santidade,mediante o fim desta perseguição, aprovar e recomendar a prática da jáindicada devoção reparadora” (doc. 125, p. 518; a mesma informaçãoem doc. 128, p. 524-525; doc. 129, p. 526-528). Era uma temáticaque haveria de ter outros desenvolvimentos já depois do período a quese restringe a nossa documentação.

3.6 - Se o crescimento do culto em Fátima gerava entusiasmo nosfiéis e reações nas autoridades civis e nos opositores, também era objetoda atenção da autoridade eclesiástica, nomeadamente do bispo de Leiria,

Introdução

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20 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

LMNOPQAlves Correia da Silva, que em 1920 assumira o governo pastoralda diocese, depois de esta ter sido restaurada. Inicialmente não sepronunciou oficialmente sobre os acontecimentos. Progressivamente foidesenvolvendo algumas iniciativas, como a visita à Cova de Iria e apermissão para a celebração da missa, como testemunha em nota de 14de setembro de 1921 (doc. 63, p. 229). Tomaria subsequentementealgumas medidas disciplinares, para moderar excessos e evitar abusos,ao proibir o uso de foguetes e de bebidas alcoólicas no local dasaparições (doc. 64, p. 230-231), para ordenar as peregrinações, numapelo à entreajuda, à piedade e à penitência (doc. 83, p. 325), e pararegulamentar os peditórios (doc. 85, p. 329).

Mais relevante fora, porém, a nomeação, em 3 de maio de 1922, dacomissão que haveria de organizar o processo canónico para que sepudesse pronunciar definitivamente sobre as aparições (doc. 68, p. 240--246). O bispo constatava o grande número de fiéis que acorriam aFátima, apesar da atitude expectante da autoridade eclesiástica e dasperseguições e ameaças das autoridades civis. Da primeira sessão dacomissão canónica, em 4 de maio de 1922, saiu a decisão de publicar“um boletim mensal a que se daria o nome de Voz da Fátima e seriadestinado a registar todas as notícias e informações relativas aosacontecimentos de Fátima” (doc. 69, p. 247). O primeiro número deum jornal intitulado A Voz de Fátima seria dado à estampa em 13 dejunho seguinte. Publicado sem consenso quanto ao seu diretor, não foialém do seu primeiro número. O jornal Voz da Fátima publicar-se-iamensalmente apenas a partir de outubro. Com a nomeação da comissão,chegara o tempo de “estudar e mandar estudar este caso“ (doc. 68, p.245). Começaram a reunir-se depoimentos (doc. 72 p. 255-259). Onosso volume comporta os interrogatórios aos familiares e habitantes deFátima (doc. 80, p. 293-315) e a Lúcia (doc. 82, p. 317-324). Sublinhe-se a concordância dos testemunhos e a segurança de Lúcia: “Tenho acerteza de que a [Nossa Senhora] vi e de que não me enganei; aindaque me matassem, ninguém me faria dizer o contrário” (doc. 82, p. 324).

A comissão tardaria ainda a pronunciar-se. O bispo, porém, daprudência inicial foi passando a um posicionamento ativo e favorável àevolução religiosa de Fátima. Revela-o a entrevista informal dada em1926 ao jornal A Época, onde a comparação com Lourdes evidenciavaa importância dada ao rumo que o culto em Fátima tomara: “Asperegrinações de Fátima são mais imponentes e significativas que as deLourdes. Em Fátima juntam-se num só dia muitas mais pessoas do quehabitualmente se juntam em Lourdes, apesar de todo o conforto e

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peregrinos” (doc. 86, p. 333). No ano seguinte, em julho, D. José AlvesCorreia da Silva criou uma capelania permanente no Santuário de Fátima(doc. 88, p. 338).

Mais prudência revelou no que concerne à aprovação da devoçãodos cinco primeiros sábados. Manuel Nunes Formigão refere, em 8 deoutubro de 1928, que o bispo o autorizou a propagar, “desde já,particularmente, a devoção reparadora, que Ele promulgará brevemente,recomendando-a e indulgenciando-a, em documento público e oficial”.Dava ao mesmo tempo conta da sua ida ao Porto na véspera para “tornarconhecida esta devoção, que é acolhida com o maior entusiasmo” (doc.95, p. 353). Quase um ano depois, em setembro, D. José mostrava nãoser ainda tempo de ir além de uma divulgação restrita e particular: “Adevoção dos primeiros sábados está bem, mas ainda não lhe chegou ahora o que não quer dizer que não se propague nas casas e colégiosreligiosos” (doc. 106, p. 383). Era tempo, porém, de fortalecer o cultomariano, como exprime a aprovação indulgenciada da Novena a NossaSenhora de Fátima (doc. 107, p. 384-386).

3.7 - Os acontecimentos de Fátima foram progressivamentetransbordando da cena nacional e adquirindo repercussão além--fronteiras. Particularmente significativa desta internacionalização, porquemostrava acolhimento por parte do periódico da Santa Sé, foi apublicação de um artigo em L’Osservatore Romano, a propósito daperegrinação de 13 de maio de 1928 (doc. 94, p. 348-351). DefinindoFátima como a Lourdes portuguesa e evidenciando o entusiasmo damultidão de peregrinos, a notícia historia brevemente os acontecimentosde Fátima e descreve detalhadamente a peregrinação. Também mereceriaespaço no periódico do Vaticano a peregrinação aniversária de maio1930 (doc. 126, p. 520-521). Desta internacionalização dá conta ojornal Novidades quando refere em janeiro de 1929 que “na Europa enas Américas, Fátima vai despertando a atenção, que passa facilmenteao louvor”, ao mesmo tempo que lamenta que “não temos sabidoapregoar esta maravilha da nossa pátria“ (doc. 100, p. 363). Sublinha,contudo, o papel dos alunos do Colégio Português em Roma: “Hoje,em Roma, na Universidade Gregoriana, estudantes espanhóis, franceses,belgas, alemães, ingleses, italianos, etc., etc. interessam-se pela vida deFátima e pedem continuamente pormenorizadas informações” (doc. 100,p. 365). Informa ainda que, numa audiência recente dos alunos com PioXI, este lhes tinha oferecido umas estampas de Nossa Senhora de Fátima,

Introdução

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22 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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pontifício como uma “aprovação implícita” (doc. 100, p. 366).Na dinamização de Fátima em Roma desempenhou, de facto, papel

de relevo o Colégio Português, como evidencia alguma documentaçãoaqui reunida. Joaquim Carreira, aluno da diocese de Leiria e futuro reitordo Colégio, testemunha em carta o interesse por Fátima de algunsprofessores da Universidade Gregoriana, pede alguns “santinhos deNossa Senhora de Fátima” para divulgação e, em jeito de pergunta,aventa a utilidade da publicação de um opúsculo “destinado a fazerpropaganda de Fátima pelo estrangeiro, devendo por isso ser escritoem duas ou três línguas (francês, italiano e alemão)” (doc. 101, p. 369--370). Noutra missiva narra a festa de Nossa Senhora de Fátima emOrte, em 13 de outubro de 1929, dinamizada pela comunidade doColégio Português (doc. 108, p. 387-389). A barreira da língua entretantoia sendo ultrapassada com a chegada a Roma de alguns exemplaresfranceses da Revue du Rosaire e outros do livro alemão do historiadorLudwig Fischer, Fatima, das Portugiesiche Lourdes. Reseeindrücke,entretanto traduzido em português (Fátima, a Lourdes Portuguesa.Impressões de Viagem) (doc. 118, p. 422-426). As iniciativas eressonâncias romanas iam-se multiplicando. Também o aluno JoãoPereira Venâncio, futuro bispo de Leiria, dá notas do modo como noColégio se prestavaatenção a Fátima, ao descrever a inauguração daimagem de Nossa Senhora de Fátima da capela do Colégio, em 8 dedezembro de 1929, imagem benzida dois dias antes por Pio XI (doc.111, p. 403-404).

Neste crescente acolhimento de Fátima em Roma alcançou particularsignificado a conferência do diretor espiritual do Colégio, o jesuíta LuísGonzaga da Fonseca, no Pontifício Instituto Bíblico, onde era professor,em 11 de maio de 1930 (doc. 123, p. 513-516). Fátima marcavapresença numa prestigiada instituição académica romana, com a presençade professores e alunos de diversas proveniências, a potenciar a difusão.Aquele jesuíta desenvolveria, aliás, significativa atividade divulgativa deFátima em Roma e noutras paragens. Das celebrações relacionadas comFátima no Colégio Português, da conferência no Pontifício InstitutoBíblico e diferentes ações divulgativas desenvolvidas em Itália fazia ecoem Portugal o jornal Novidades (doc. 109, p. 390-400; doc. 115, p.413-416; doc. 130-131, p. 529-539). A internacionalização damensagem e do culto de Nossa Senhora de Fátima repercutiam-se assimtambém na própria divulgação nacional, onde a imprensa nacional oulocal continuava a desempenhar o seu papel.

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por geografias mais distantes. Para tal contribuiu certamente a difusãodo livro de Ludwig Fischer. Segundo o documento de aprovação daobra pelo bispo de Leiria, “este entusiasmo transbordou da sua Alemanhae espalhou-se pela Holanda, Checoslováquia, Jugoslávia, Roménia, etc“(doc. 119, p. 428). Também o jesuíta Luís Gonzaga Cabral reconheciaa importância do livro para a difusão de Fátima, quer pela qualidade daobra, quer pelo facto “de ser escrito por um estrangeiro, que se dirigeaos seus compatriotas alemães, propondo-lhes Portugal como modelo“(doc. 122, p. 508). A dita conferência de Luís Gonzaga da Fonsecaadvertia que o nome Fátima “mais ou menos estropiado conhece-se emtodas as nações da Europa, e fora dela, nos Açores e na Madeira – emAngola e Moçambique – nas Índias e na China, nos Estados Unidos eno Brasil” (doc. 130, p. 531) Os territórios que eram ou tinha sidoportugueses permitiam que a devoção chegasse a outros continentes.Do Lubango, Angola, surge-nos um testemunho de 1929, que conta adifusão do jornal Voz da Fátima e narra o culto a Nossa Senhora deFátima no aniversário da primeira aparição (doc. 103, p. 376-377). DoBrasil, chega a notícia da inauguração, em 1930, de uma imagem no Riode Janeiro, depois de ter seguido benzida de Portugal, e a informaçãode que “o culto a Nossa Senhora do Rosário de Fátima está a propagar-se extraordinariamente” (doc. 116, p. 418).

3.8 - Acolhidos e divulgados em Portugal e no estrangeiro, osacontecimentos de Fátima estavam prestes a obter o reconhecimentoda autoridade eclesiástica diocesana. Em 13 abril de 1930 foi aprovadoo relatório pela comissão canónica, criada por D. José Alves Correia daSilva oito anos antes (doc. 120, p. 430-505; doc. 121, p. 506). É umdocumento longo e pormenorizado, redigido por Manuel NunesFormigão, que procura historiar as aparições e analisar os diferentesaspetos a elas relativos, de modo a concluir que são credíveis. Combase nos relatos dos videntes e das testemunhas, o relatório pronuncia--se pela sinceridade daqueles e pela verdade do que disseram, mesmoem ambiente adverso, e entende que as aparições não podem confundir-se com alucinações. A credibilidade é sustentada também pelo habitualdesinteresse dos familiares das crianças, não propícia à construção deum relato desconforme com o ocorrido, assim como pelo alheamentodos padres e pela reserva ponderada da autoridade eclesiástica. Muitovalor é dado às declarações de Lúcia, cujo depoimento oficial “nãopode deixar de oferecer as mais seguras garantias de credibilidade“ (doc.

Introdução

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24 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

���� �� �����Aliás, a sua figura é altamente considerada, também noseu itinerário vocacional rumo à profissão religiosa, numa linguagemencomiástica que parece esquecer a necessária objetividade de umrelatório. Consideradas foram ainda as conversões, as manifestaçõesde fé e piedade, as curas extraordinárias e a difusão do culto de NossaSenhora de Fátima nos territórios portugueses de aquém e de além-mare nos muitos países a que já tinha chegado, assim como a atenção dopapa expressa na audiência aos alunos do Colégio Português de 1929.A divergência entre o anúncio do imediato fim da I Guerra Mundial noconteúdo das aparições e a demora na sua concretização – aspeto quedesafiava a credibilidade das aparições – leva o relatório a esmerar-sena busca de soluções plausíveis. Para ser aprovado pela comissão sofreu,todavia, uma simplificação, prescindindo de algumas delas. O relatórioprocura analisar objetivamente os fenómenos naturais que envolveramas aparições, nomeadamente a nuvem de fumo que se elevava no locale o sinal solar predito por Lúcia para se realizar na aparição de outubro.Relativamente a este último e independentemente da sua natureza, orelatório defende a sua origem sobrenatural. Por fim, afirma que as suasconsiderações finais “não podem deixar de ser inteiramente favoráveis àrealidade das aparições e à origem sobrenatural e divina das mesmasaparições, assim como dos outros sucessos extraordinários que asacompanharam e que se lhes seguiram” (doc. 120, p. 499).

Na posse do relatório, o bispo de Leiria não se pronunciou deimediato. Teve tempo para refletir antes de publicar a carta pastoral de13 de outubro de 1930. Depois de um conjunto de considerações, quehistoriam os acontecimentos e justificam a sua credibilidade, D. JoséAlves Correia da Silva entendeu por bem “declarar como dignas decrédito às visões das crianças na Cova de Iria, […] nos dias 13 demaio a outubro de 1917” e “permitir oficialmente o culto de NossaSenhora de Fátima” (doc. 133, p. 552). Era o pronunciamento oficialda autoridade eclesiástica. No dizer do jornal A Guarda, um dos quenoticiaram a oficialização das aparições, depois da prudência inicial daIgreja, “a devoção venceu as determinações episcopais” (doc. 128, p.560).

A mensagem e o culto de Nossa Senhora de Fátima adquiriam assimuma base mais sólida para a sua difusão. A unidade que o catolicismoportuguês reclamava no rescaldo do confronto com a república e noquadro de recomposição proporcionado pelo Concílio PlenárioPortuguês podia gravitar em torno de Fátima. Afinal, nas palavras do P.Manuel Pereira dos Reis em 1929, “Fátima é no dia de hoje o mais

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das multidões que se dirigiam à Cova da Iria e o reconhecimento oficialdas aparições conferiam a Fátima uma importância crescente como centrode peregrinação nacional. Ao catolicismo em Portugal era oferecida umanova centralidade geográfica e um polo dinamizador da ação pastoralda Igreja.

Adélio Fernando Abreu

Introdução

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DOCUMENTOS

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1917-05-c.27, Fátima

Interrogatório do Pe. Manuel Marques Ferreira1, pároco de Fátima, a Lúcia deJesus Santos2 sobre a primeira aparição.

Publ: DCF, I - Doc. 1

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às crianças que dizem ter visto Nossa Senhora.1ª Aparição – 13-5-1917 – Lúcia, de 11 anos, filha de António dos

Santos – Francisco3 e Jacinta4, filhos de Manuel PedroMarto, de Aljustrel.

Doc. 1 1917-05-c.27

Ó Nasceu a 22 de março de 1880 em Casal Menino, freguesia de Espite, concelhode Ourém. Foi pároco de Ourém (1908-1910), Sabacheira (1910-1914), Fátima(1914-1919), Maceira (1920-1927) e S. Simão de Litém (1927-1945) Faleceu a 26de janeiro de 1945.

2 Nasceu, em Aljustrel, a 22 de março de 1907 (data do assento de batismo; cf.Doc. 10, nota 10) e foi batizada no dia 30 do mesmo mês. Filha de António dosSantos e de Maria Rosa. Em 1916, é favorecida com as aparições do Anjo e, em1917, as de Nossa Senhora do Rosário. Saiu de Fátima para o Asilo de Vilar, noPorto, em junho de 1921. A 24 de agosto de 1925, recebe o Crisma de D. JoséAlves Correia da Silva, na Quinta da Formigueira, em Braga, sendo sua madrinha,Maria Filomena Morais de Miranda. Nesse mesmo ano ingressou no Institutode Santa Doroteia, como Postulante, em Pontevedra, Espanha, passando a usaro nome de Maria das Dores. A 19 de junho de 1926, entra no noviciado, em Tuy,Espanha, fazendo os seus primeiros votos, a 3 de outubro de 1928 e os votosperpétuos a 3 de outubro de 1934. A 25 de março de 1948, entrou para o Carmelode Coimbra, onde professou como Carmelita, a 31 de maio de 1949. Aí se manteveaté à sua morte, a 13 de fevereiro de 2005. A 19 de fevereiro de 2006, foi trasladadapara a Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, no Santuário de Fátima.

3 Nasceu a 11 de junho de 1908, em Aljustrel e foi batizado no dia 20 do mesmomês . Filho de Manuel Pedro Marto e de Olímpia de Jesus. Faleceu a 4 de abrilde 1919, vítima da pneumónica. Os seus restos mortais ficaram sepultados nocemitério paroquial de Fátima, até ao dia 13 de março de 1952, data em que foramtrasladados para a Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima (ladonascente).

4 Nasceu a 11 de março de 1910, em Aljustrel e foi batizada no dia 19 do mesmomês. Segundo o Dr. Formigão, “Jacinta de Jesus fez 7 [anos] a 5 de Março [de1917]” (DCF, I, Doc. 11 de 11 de outubro de 1917). Filha de Manuel PedroMarto e de Olímpia de Jesus. Jacinta foi favorecida com as aparições de NossaSenhora, em 1917, tendo ainda recebido uma visita de Nossa Senhora, poucoantes de morrer, no hospital de D. Estefânia, em Lisboa, a 20 de fevereiro de1920. Em 12 de setembro de 1935, foi trasladado o seu cadáver do jazigo da

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30 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Ô Lúcia disse que andavam todos... e todos viam uma mulher. OFrancisco que só a viu quando ela partiu. A Lúcia disse que estavamassentados todos e que a mulher apareceu ficando para o lado da Fátima.

Primeiro viram um relâmpago, levantaram-se e começaram a juntaras ovelhas para se irem embora com medo, depois viram outrorelâmpago, depois viram uma mulher em cima duma carrasqueira, vestidade branco, nos pés meias brancas, saia branca dourada, casaco branco,manto branco, que trazia pela cabeça, o manto não era dourado e a saiaera toda dourada a atravessar, trazia um cordão de ouro e umas arrecadasmuito pequeninas, tinha as mãos erguidas e quando falava alargava osbraços e mãos abertas.

Essa mulher disse que não tivessem medo, que não lhes fazia mal.Perguntou a Lúcia:– Que lugar é o de vossemecê?Ela disse:– O meu lugar é o céu.– Para que é que vossemecê cá vem ao mundo?– Venho cá para te dizer que venhas cá todos os meses até fazer seis

meses e no fim de seis meses te direi o que quero.– Vossemecê sabe-me dizer se a guerra ainda dura muito tempo ou

se acaba breve?– Não te posso dizer ainda enquanto te não disser também o que

quero.Perguntei-lhe se ia para o Céu e ela disse-me:– Tu vais.– E minha prima?– Também vai.– E meu primo?– Esse ainda há-de rezar as continhas dele.E depois disto abalou pelo ar acima.Os outros dois ouviram as perguntas e as respostas mas não fizeram

perguntas.

família do Barão de Alvaiázere, em Vila Nova de Ourém, para o cemitério deFátima, e colocado junto dos restos mortais do seu irmão Francisco. No dia 1 demaio de 1951, efectuou-se a trasladação dos restos mortais de Jacinta para onovo sepulcro preparado na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima(lado poente).

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1917-06-p.141, Fátima

Interrogatório do Pe. Manuel Marques Ferreira, pároco de Fátima, a Lúcia,sobre a aparição de junho, na Cova da Iria.

Publ: DCF, I - Doc.2

ÚÛ Aparição – 13-6-1917. Diz a Lúcia que esteve um bocado àespera e durante este tempo esteve a rezar o terço e quando iam pararezar a ladainha disse: não comecem que já não têm tempo, pois estavamuita gente, por já ter visto o relâmpago e dirigiu-se à carrasqueira como povo que estava: ao chegar fez uma vénia dobrando um joelho e aomesmo tempo chegou a Senhora vindo em linha oblíqua do lado donascente e fez a pergunta:

– Então o que é que me quer?– “Quero-te dizer que voltes cá no dia 13 e que aprendas a ler para

te dizer o que te quero.”– Então não quer mais nada?– Não quero mais.O traje era: um manto branco que da cabeça chegava ao fundo da

saia, era dourado da cintura para baixo dos cordões a atravessar e dealto a baixo e nas orlas era o ouro mais junto. A saia era branca toda edourada em cordões ao comprido e a atravessar, mas só chegava aojoelho; casaco branco sem ser dourado, tendo nos punhos só dois outrês cordões; não tinha sapatos, tinha meias brancas, sem serem douradas;ao pescoço tinha um cordão de ouro com medalha aos bicos; tinha asmãos erguidas; tinha nas orelhas uns botões muito pequeninos e muitochegados às orelhas; separava as mãos quando falava; tinha os olhospretos; era de meia altura.

1 Não é referida a data exata do interrogatório, mas na redação final do depoimentode Lúcia (6 de agosto de 1918), o pároco diz: “Logo após o dia treze de junho,comparece na minha presença...”.

Doc. 2 1917-06-p.14

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32 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÜJoão Carreira. Filho de Manuel Carreira e de Maria dos Santos, ou Maria Carreira(“Maria da Capelinha”). Nasceu a 26 de março de 1901, na Moita Redonda,

Doc. 31917-07-14, Fátima

Interrogatório do Pe. Manuel Marques Ferreira, pároco de Fátima, a Lúcia e aJacinta sobre a aparição de julho, na Cova da Iria.

Publ.: DCF, I - Doc. 3

ÝÞ Aparição: 13-7-1917 – No dia 14-7-1917 veio à minha presençaLúcia de 10 anos, disse que saiu de casa no dia 13 pelas onze horas,chamou a Jacinta e chegámos à estrada nova: fomos a correr até lá, agente dizia que fôssemos devagar e nós dizíamos que não nos cansavamas pernas para irmos devagar. Chegámos e encontrámos lá minha irmã eela mandou-me pedir o terço, eu pedi-o e rezámo-lo; estivemos umnadita, deu um relâmpago e veio a Senhora. Levantei-me, disse que sechegassem para trás alguma coisa e que ajoelhassem os que pudesseme quisessem, tornei a joelhar e perguntei-lhe:

– O que é que me quer?– Quero-te dizer que voltem cá no dia 13.E disse mais:– “Rezem o terço a Nossa Senhora do Rosário que abrande a guerra

que só ela é que lhe pode valer.”Eu disse mais:– Tenho aqui por pedido se vossemecê converte uma mulher do

Pedrógão e uma da Fátima e se melhora um menino da Moita1.Ela disse que os convertia e melhorava entre um ano.Eu disse:– Faça um milagre para que todos se acreditem.– Daqui a três meses farei então com que todos acreditem.– Não me quer mais nada?– “Não, eu por mim agora não te quero mais nada.”Eu disse-lhe:– Pois eu por mim também não quero mais nada.Depois ela foi-se para o lado do nascente e eu disse ao povo:– Olhem para ali para a ver, para o lado onde ela ia.O povo voltou-se.Era exatamente a mesma que tinha visto das outras vezes.

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ßàinha aqui um pedido se vossemecê levava para o céu um homemda Atouguia o mais depressa melhor.

– Levo-o.No dia 14 de julho de 1917 apareceu na minha presença Jacinta de

7 anos de idade, filha de Manuel Pedro Marto; interrogada sobre avisão, disse:

Que tinha visto uma mulher pequena 4 vezes, uma em sua casa ànoite e três na Cova da Iria ao meio dia; diz ser do tamanho da Albina,filha de António Rosa da Casa Velha2; em casa viu-a à borda do alçapãodo sótão, não dizendo nada; estava a mãe e irmãos a dormir e era denoite; na Cova da Iria viu-a em pé em cima duma carrasqueira3; vinhavestida com meias brancas e fato todo dourado; não trazia sapatos; asaia era branca e toda dourada e dava-lhe pelos joelhos; o dourado eraaos cordões a atravessar e nos cordões aos biquinhos; casaco brancotodo dourado; um manto pela cabeça era branco e todo dourado; asmãos erguidas à cintura e abriam, separando-as quando falava à Lúcia;não lhe ouviu dizer nada, ouviu falar (ora diz que sim, ora diz que não),não ouviu dizer quantas vezes cá vinha; à saída abria-se o céu e ficavamos pés entalados e o corpo já escondido; ouviu uma fala muito piedosae só se lembra de ouvir que a gente (elas) ia para o céu; diz ter vistorelâmpago mas ora diz ser uma vez ora mais duma, ora antes, ora depois;trazia umas contas brancas nas mãos, seguras entre o dedo polegar eindicador das duas mãos; não viu brincos; trazia um cordão de ourodelgado ao pescoço.

2 Nasceu a 3 de dezembro de 1901. Era filha de António Ferreira Rosa , de Aljustrel,irmão de José Ferreira Rosa (primeiro marido de Olímpia de Jesus, mãe deFrancisco e Jacinta) e de Maria Rosa (mãe de Lúcia).

3 A carrasqueira, tantas vezes referida, é uma azinheira nova, de pequeno porte.Azinheira: Quercus rotundifolia, Lam., árvore da família das fagáceas, de copaampla arredondada e densa, de folhas persistentes, muito coriáceas, pequenas,dentado-espinhosas no estado juvenil , com cinco a oito pares de nervuras. Aofruto se dá popularmente o nome de “azinha”, “boleta” ou “bolota”.

Doc. 3 1917-07-14

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34 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 41917-07-23, Lisboa

Descrição da aparição de 13 de julho, pelo correspondente do jornal “O Século”,em Meia-Via, Torres Novas [data da redação: 21 de julho de 1917].

Publ.: DCF, 3-1, Doc. 3

áâãäâåãæçãèãéäêäëìæãêííí

ESPECULAÇÃO FINANCEIRA?

“Meia Via, (Torres Novas), 21. – C. – Há muito tempo que nestalocalidade corria com insistência o boato de que num determinado pontoda serra de Aire apareceria no dia 13 do corrente a mãe de Jesus Cristoa duas criancinhas, a quem já por diversas vezes tinha aparecido, e nomesmo local.

Este boato, como é de supor, despertou a curiosidade geral na vilade Torres Novas e subúrbios, entre os quais se conta esta localidade,arrastando ao referido ponto milhares de criaturas, umas, as descrentes,para assistirem a qualquer coisa interessante; outras, as religiosas, porcredulismo e devoção.

O caso é que o acontecimento foi tão empolgante que, em TorresNovas, vila, como todos sabem, abundante em alquilarias, no referidodia não se encontrava sequer um carro para alugar, chegando mesmo afechar bastantes estabelecimentos.

Seriam 2 horas quando nesta localidade apareceram, de regresso,as numerosas pessoas, na maioria religiosas, que daqui foram presenciaro anunciado milagre, entoando cânticos e hinos à Virgem e soltandoalguns vivas quando destroçaram para suas casas.

Num impulso de irresistível curiosidade (pois o caso é de molde adespertá-la), acercámo-nos no dia seguinte duma criatura, que, creiotambém, fez parte da romagem pelas completas informações que soubedar-me, e dirigimos-lhe algumas perguntas acerca do assunto, às quais,com uma inflexão de voz, que bem deixava transparecer a emoção quesentia, respondeu da forma seguinte:

1 Diário do Partido Republicano Português, fundado em 1881. Esta é a primeiranotícia de imprensa sobre os acontecimentos de Fátima.

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î No dia 13, que estava designado para a aparição de NossaSenhora, dirigimo-nos ao local indicado. Já ali fervilhavam milhares depessoas, que, impulsionadas pelo desejo de a verem, ali se tinhamarrastado, vindo de longínquas povoações algumas delas.

A curiosidade era geral e num momento todos se conservaramsilenciosos, boquiabertos, perscrutadores, como que procurando ouvirqualquer voz que vinha das entranhas da terra. Nisto, ouve-se um ruídosemelhante ao ribombar do trovão e logo a seguir as duas crianças, queestavam junto duma carrasqueira circundada por muitas florinhas, creioque paradisíacas, irromperam num choro aflitivo, fazendo gestos epiléticose caindo depois em êxtase. A uma delas, a que tinha o privilégio de ouvire ver a santa, fizeram várias pessoas muitas perguntas, às quais respondiadizendo que via uma espécie de boneca muito bonita, que lhe falava.Tinha, dizia, um resplendor em torno da cabeça e chamava-a para juntode si, numa voz muito fininha e melodiosa. Entre muitas coisas que lhedisse, a principal foi anunciar-lhe a sua reaparição do dia 13 a um mês eno mesmo sítio, aparecendo ainda mais outra, para declarar o motivopor que tinha vindo ao mundo.

Agradecidas as informações que a mulherzinha prestou, retirei-me,formulando uma opinião acerca do que acabava de ouvir. O caso pareceextremamente irrisório e, seriamente, não o teria acreditado se aquelacriatura não merecesse a máxima confiança por ser sincera e verdadeirae não fosse corroborado por outras que o contaram, empregando asmesmas palavras e citando os mesmos factos.

Entretanto, é minha opinião que se trata duma premeditadaespeculação financeira, cuja fonte de receita existe nas entranhas daserra, em qualquer manancial de águas minerais que recentemente tenhadescoberto algum indivíduo astucioso que, à sombra da religião, quertransformar a serra de Aire numa estância miraculosa como a velhaLourdes.

As autoridades já tomaram conta do caso, e, se ainda o ignoram,servir-lhe-á o comentário de aviso.

Doc. 4 1917-07-23

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36 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1917-08-211, Fátima

Interrogatório do Pe. Manuel Marques Ferreira, pároco de Fátima, a Lúcia,sobre a aparição de agosto, nos Valinhos.

Publ. DCF, I - Doc. 4

ôõAparição – Foram presas.

Disse Lúcia que viu Nossa Senhora no domingo a seguir ao dia 132

no sítio do Valinho3; primeiro viu os ares como costumavam aparecer;viu vir Nossa Senhora do lado do nascente, depois pousou em cima dacarrasqueira.

Fiz-lhe uma vénia, levantei-me outra vez e perguntei-lhe:– O que é que vossemecê me quer?– “Quero dizer-te que voltes lá à Cova da Iria; se não tivessem

abalado contigo para a Aldeia4 seria o Milagre mais conhecido; havia devir S. José com o Menino Jesus dar a paz ao mundo e havia de virNosso Senhor benzer o povo, vinha Nossa Senhora do Rosário comum anjo de cada lado e Nossa Senhora com um arco de flores à roda.”

Perguntei:– Aquele dinheiro que vossemecê tem, o que é que vossemecê quer

feito dele?– Aquele dinheiro façam dois andorzinhos pequeninos; um leva-o tu

mais três meninas como tu e vão de branco; o outro leva-o o Franciscoe mais três meninos como ele; levem uma capa branca, levem-no àSenhora do Rosário e apliquem-no a ela. Depois abalou pelo ar acima eeu disse adeus.

Perguntei-lhe da 1ª ou 2ª vez quem era e ela disse que no último diame dizia.

1 O interrogatório sobre a quarta aparição foi feito a 21 de agosto de 1917 (noProcesso Paroquial, de 6 de agosto de 1918, o pároco diz: “no dia 21 compareceuna minha presença, a menina Lúcia”).

2 Dia 19 de agosto.3 Atualmente Valinhos, a cerca de 400 metros a noroeste da casa de Lúcia.4 Aldeia da Cruz, antigo nome de Vila Nova de Ourém, atualmente Nossa Senhora

da Piedade.

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Doc. 61917-08-25, Fátima

O jornal “O Ouriense”1 publica a carta do Padre Manuel Marques Ferreira,pároco de Fátima, ao redator deste jornal, a defender-se da acusação decumplicidade com o administrador de Vila Nova de Ourém2, no rapto dos videntesno dia 13 de agosto de 1917.

Cartas semelhantes foram publicadas também em “O Mensageiro”, Leiria, 3(151), 22 ago. 1917, p. 2, cols. 2-3 (DCF, III-1, Doc. 12) e em “A Ordem”, Lisboa, 25ago. 1917, p. 2, cols. 2-3 (DCF, I - Doc. 40).

Entre as três redações, não existe diferença essencial, se se excluir o postscriptum nesta carta enviada a “O Ouriense”. Nota-se no pároco uma preocupaçãode adaptar cada carta à publicação a que era destinada.

Publ.: DCF, III-1, Doc. 19

ö÷øùú ûüý. RedatorVenho rogar a subida honra de publicar em lugar comum do Ouriense

o seguinte: – Aos crentes e não crentes.Com toda a repulsão do coração de padre católico, venho tornar

patente e asseverar perante todos os que tiveram conhecimento ou opossam vir a ter do boato tanto mais infamante e repelente quanto maisperigoso para a minha existência e dignidade paroquial de que fui cúmpliceno brusco arrebatamento das criancinhas, que dizem ver Nossa Senhoranesta freguesia, à autoridade de seus pais e à satisfação que desejavamas 5 a 6 000 pessoas (segundo os cálculos) que, muitas à distância detantas léguas e com enormes sacrifícios, vieram para as ver, falar e ouvirfalar – digo – venho a repelir tão injusta como insidiosa calúnia, bradandoao mundo inteiro que não tomei parte por mínima que fosse, quer diretaquer indiretamente, no odioso e sacrílego ato.

O Administrador não me confiou o segredo de suas intenções.E se foi providencial – que foi – a autoridade levar furtivamente e

1 Boletim do concelho de Vila Nova de Ourém. Diretor e editor: Pe. Manuel JoséAlves, que foi pároco de Vila Nova de Ourém, durante 40 anos.

2 Artur de Oliveira Santos, nasceu a 22 de janeiro de 1884. Fundou o CentroRepublicano Democrático. Ocupou o cargo de adminstrador do concelho deVila Nova de Ourém de maio de 1915 a dezembro de 1917, em 1919, 1922 e 1924.Faleceu a 27 de junho de 1955.

Doc. 6 1917-08-25

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38 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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acalmação dos ânimos excitados pelo diabólico boato – aliás teria estafreguesia hoje a lamentar a morte de seu pároco como cúmplice.

Mas desta vez ainda a cilada do demónio não logrou ferir de mortedevido certamente à Virgem Mãe.

A autoridade, depois do longo interrogatório das criancinhas em suascasas, as fez conduzir a título de informações para minha casa; diz, paraelas lhe descobrirem um segredo que ainda lhe não haviam revelado –donde em tempo que julgou oportuno as mandou subir para o carro e,dizendo aos pais e circunstantes que as levava ao local das Aparições,parte à desfilada para Vila Nova de Ourém.

Escolheu a minha casa com que fins?Para se furtar às vias que seu ato iria provocar?Para que o povo se amotinasse, como amotinou contra mim como

cúmplice? Para... outro fim?Não sei. – Mas só o que sei, é que declino toda a responsabilidade

que cabe a tal modo de proceder, e, que Deus pode sempre velar pelosseus.

Às obras de Deus ninguém pode pôr entraves.Não foram necessárias, dizem milhares de testemunhas, as crianças

para a Rainha dos Anjos revelar o seu poder, vão elas mesmo atestar osfactos extraordinários e os fenómenos de que deram fé e que maisarreigaram sua crença.

Agora não são as 3 crianças de 9 a 11 anos, são os milhares depessoas de todas as idades, classes e condições, vindas dos diferentespontos do país.

Se a minha ausência como pároco no local se faz sentir aos crentes,não menos se faria sentir a minha presença aos descrentes, em desprimorda verdade dos factos.

A Virgem Mãe não precisa da presença do pároco para mostrar asua bondade, e é necessário que os inimigos da religião não possamdeslustrar o brilho de Sua Benevolência atribuíndo a crença dos povosà presença ou conselho do pároco porque a fé é um dom de Deus e nãodos padres: – eis o verdadeiro motivo da minha ausência e aparenteindiferença em tão sublime e maravilhoso assunto: – eis porque não tenhodado meu claro parecer às mil interrogações e cartas que se me têmdirigido.

O inimigo não dorme. Ruge como o Leão.Não foram os Apóstolos os primeiros a anunciar a Ressurreição do

Filho da Virgem.

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Aparições porque esta já vai longa, de que peço desculpa, e porquecertamente a esta hora já a imprensa se deve feito eco disso.

Creia-me muito agradecido. De V. EªMt. At. Vor. e Ob.

Pe. Manuel Marques Ferreira

P.S. — Chegou no dia 15, a autoridade com as crianças a minhacasa, onde se ajuntaram os pais das mesmas e muitas outras pessoasperante as quais pretendeu com todas as amabilidades explicar o seumodo de proceder.

Doc. 6 1917-09-01

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40 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1917-09-08, Soudos

Carta de Carlos de Azevedo Mendes1, enviada à sua futura esposa, MariaPrazeres Lucas Courinha2, contando a sua visita a Fátima e a conversa com osvidentes no dia 7 de setembro.

Publ.: DCF, I - Doc. 55

M'()*+,*-.,./

Soudos8/9/917.

Como dizia na carta do dia 6, impossível me foi escrever ontem àminha Filhinha. Não porque chegasse muito cansado, mas sim muitomoído...

Contudo, Prazeres agradeço-te e muito o teres de certo modo feitocom que tivesse ido à Fátima!!!

Talvez o amorzito não tivesse desconfiado desta minha decisão e domotivo que a originou... Passou-me é certo tal ideia pela cabeça,confesso que talvez sem grande vontade de a pôr em prática, mas se aminha Filhinha me disse ou me deu a entender que gostava que fosse...Parece-me que encarei o passeio mais como uma prova desportiva,sem contudo lhe querer tirar o espírito de curiosidade (mais forte, queoutro qualquer) que me levou até ao meio da serra. A dificuldade dacompanhia tinha-a resolvido e com muita felicidade, pois o Júlio é umótimo companheiro. A do caminho não era também pequena. Mas comvontade todas desaparecem!!...

Tirei informações e depois de as pesar resolvi-me a seguir, o que àminha cabeça me parecia melhor. Ainda bem que assim fiz.

De noite mal cerrei os olhos!!! Creio que, se dormi, não foi além deduas horas!!... Às 6 horas (uma hora antes do sol fora!!), já estávamos

1 Nasceu em Soudos, freguesia do Paço, concelho de Torres Novas, a 2 de julhode 1888. Licenciou-se em Direito, em Coimbra, em 1911. Casou a 2 de dezembrode 1919. Foi presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, deputado daAssembleia Nacional, em duas legislaturas. Diretor do semanário “O Almonda”desde 1925 até à morte. Foi um dos primeiros membros da Pia União dos Servitasde Nossa Senhora de Fátima. Faleceu a 4 de maio de 1962.

2 Nasceu em Alcanena, a 14 de setembro de 1886 e faleceu a 6 de janeiro de 1948.

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que nos deixaria lobrigar o caminho...Ao sol-fora já subíamos a serra. A manhã estava um pouco fria.Para aquecer e estender as pernas ainda andámos a pé talvez um

quilómetro!!... Antes de chegar à serra chegámos a perder-nos, mascomo era uma região que conhecia, facilmente me orientava, sem chegarsequer a perder tempo. Na serra como a estrada era de macadamemelhor se andava e não havia o perigo de nos perdermos. Que a paisagemera linda, não te poderei dizer, mas era interessante... Predominavam aspedras e em certos sítios os pinheiros!!!...

Com que ansiedade não estará a minha Filhinha de com o seu Carloschegar à Fátima!!... Pois eram quase 10 horas, quando depois de aldeiasvárias e de atravessar terras agrestes, chegámos à... Fátima!!

À entrada a Igreja com um adro enorme. A descrição da Igreja nãote interessa, nem ela, pobrezita, muito tem a descrever...

A casa do Prior ao lado. Uma bela residência paroquial!!... Instalámosos cavalos. Pelo adro gente vária, que nos olhava com certo ardesconfiado. Dois cavaleiros àquela hora!!!... Entrei na Igreja. Uma moleimensa de povo a enchia. Abandonei a ideia de poder entrar na sacristia,por ser impraticável. Entro pela porta principal. Ajoelho. Ao lado noconfessionário o Vigário. A cara de espanto do Senhor quando me viu!!!...No fim da missa veio falar-nos. Confessei-me e na missa a seguircomunguei.

Ali entre o povo, onde tanta devoção havia, sentia-me bem orando...Como se estava no tríduo para a festa do Sagrado Coração de Jesus

disse-me o Vigário que se poderia ganhar indulgência plenária. Belarecompensa para o sacrifício de chegar lá em jejum... Depois atraía-mea ideia de comungar na sede de tal freguesia!!! ...O Vigário depois damissa dele veio fora falar-nos. Era meio-dia e ainda em jejum!!... Procureiver se seria fácil alcançar um almoço ao prior da freguesia!!!... Disse aoVigário que íamos procurar uma taberna, onde nos fosse possível comerqualquer coisa, que fingisse de almoço!!...

Protestou, foi logo falar com o Prior. O Snr. chegou e ficámos logoadidos à mesa do reverendo!!!... Eram 6 Padres e nós dois!!!... O almoçoanimado. Expliquei o motivo da minha ida. Trocámos impressões. Navéspera as Pequenas tinham estado na casa do Prior, para os padres asinterrogarem. Mantiveram todas as suas afirmações de sempre, o quejuntamente com a atitude das Pequenas, os impressionou. Não era razãosuficiente para poderem formar um juízo, mas todos concordavam, quehavia algo de extraordinário. O quê?

Doc. 7 1917-09-08

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manifeste. O almoço terminou. O Prior destaca como nosso oficial àsordens o seu criado com as maiores e melhores recomendações para amãe das pequenas. Uma curiosidade intensa me prendia. A Mãe dosdois mais pequenos, depois do recado do prior recebe-me com o melhordos sorrisos. Entrámos para a sala. A mãe, uma velhota seca, modosdesembaraçados, todo de mulher ativa. Começa as suas explicações.Só a Jacinta (de 7 anos) e o Francisco (que vai em 9) eram seus filhos,a Lúcia (que vai em 11) é sua sobrinha. A Jacinta estava em casa daLúcia. Mandou logo chamá-la.

O Francisco tinha chegado com o gadito e enquanto o jantar nãochega fôra para junto do Pai roçar o matito. Estou só com a mãe.

Fala-me nas suas apreensões por causa do alvoroço que as Pequenastêm causado. “Ainda se nós fôssemos merecedores!!...”. “Mas calculeque até o meu irmão (pai de Lúcia) não se importa com a Igreja e é umhomem de vinho!!!...”.

Contou-me a visita do Administrador e a prisão das pequenas. Enfimfoi falando até que chegou a Jacinta. A Lúcia tinha ido levar o jantar aoPai, vinha já. A pequerrucha não queria vir sem a prima (são inseparáveis),foi preciso a irmã trazê-la às cavalitas. Muito pequerrucha, muitoencolhidita foi chegando para ao pé de mim. Estava sentado, para melhora apreciar sentei-a em cima de uma arca e eu ao pé. Observei-a entãomuito à vontade. O Vigário tinha-me dito que era um Anjo. Quis tambémformular opinião. Afirmo-te Prazeres, é um anjo, mas um anjo muitomuito Amor!!!... Muitas vezes o pensei e algumas o disse, se a minhaPrazeres a visse e falasse com ela, só a não raptaria, se não lhe fossepossível!!!... Um lenço com ramagem encarniçada embrulhado na cabeçacom as pontas atadas atrás. Lenço velhito e já roto... Um casaquito,que também não primava muito pela limpeza, uma saia sobre o encarnado,mas com uma roda enorme à moda da terra.

Aqui tens o traje do nosso anjito. Queria descrever-te a carita, mas,creio bem, que nada conseguirei dizer-te, aproximado ao menos!!!...

O lenço da maneira como o usava ainda mais lhe realçava as feições:os olhos de uma vivacidade encantadora, uma expressão angélica, deuma bondade que nos seduz, num todo extraordinário, que não seiporquê, nos atrai.

Muito envergonhadita com dificuldade ouvíamos o pouco que falavaem resposta a minhas perguntas. Faltava-lhe a sua Lúcia. Não estavabem!!... Depois de durante algum tempo a ter entretido, conversandoe... (não te rias!!) brincando, chegou o Francisco. Carapuço enterrado

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justas, enfim um homem em miniatura. Bela cara de rapaz!... Olhar vivoe cara agarotada!!... Com ar desempenado responde a minhas perguntas.A Jacinta começa a ganhar confiança. Pouco depois chega a Lúcia.Não imaginas a alegria da Jacinta, quando a viu!!... Toda ela riu, correupara ela e nunca mais a largou!!!... Era um quadro lindo. A Lúcia numlado, não, a Lúcia ao centro, de um lado o Francisco e do outro, muitojunto dela e com a cabecita mesmo em cima dela, a Jacinta.

A Lúcia não tem feições que nos impressionem. Só o olhar é vivo. Asfeições são vulgares. O tipo da região. Ao princípio também retraída.Mas em breve as tenho à vontade e então, sem embaraços, respondeme vão satisfazendo a minha curiosidade. Depois de me convencer queestaria completo o meu interrogatório, peço-lhes, se iriam comigo rezaro terço ao local da aparição. Se a mãe deixar, vão. Eu mesmo alcançoa licença. Apenas a mãe a deu, a Jacintita foi logo fazer a sua toilete...Pôs um lenço lavado, um outro casaco e um aventalito!!!... Esperascom ansiedade a minha impressão, não é verdade?... Pois vamos a ela,minha Filhinha. Como te disse examinei ou antes interroguei os três emseparado. Todos dizem o mesmo sem a mais leve alteração. A baseprincipal, que de tudo o que me dizem, eu deduzi é “– que a apariçãoquer que se espalhe a devoção do Terço –”. Todos os pequenos dizemsempre, que, quem lhes aparece, é a Senhora. Não sabem quem é... Sódepois das 6 vezes, no dia 13 de Outubro, lhes diz quem é e o quequer!!... A naturalidade e ingenuidade, com que falam e contam o queviram é admirável e impressionante.

A Lúcia vê a Senhora, fala com ela e ouve-a. A Jacinta vê a Senhora,ouve-a, mas não fala com Ela. O Francisco vê a Senhora, mas não lhefala, nem a ouve!!!... É interessante esta diferença, não achasPrazeres??... Mas além de interessante tem até mesmo muito deextraordinário!!... Ouvir as petizas, vê-las na sua simplicidade, examinar--lhes o seu todo, impressiona-nos de uma maneira extraordinária, e leva--me a concluir, que em tudo o que me dizem, alguma coisa existe desobrenatural. Estar com elas choca-nos com uma forte intensidade...Hoje, Prazeres, é convicção minha que há um facto extraordinário, quea nossa razão não alcança. Qual?... Com ansiedade mais crescente aindaespero o próximo dia 13. O que é certo, é que nos sentimos bem juntodas pequenas e chegamos a perder a noção do tempo. Há uma atração,que não sei como explicar... Uma das impressões mais intensas dascrianças é a da beleza da Senhora. O rapaz para exprimir a suaadmiração dizia-me que era “muito bonitica”!!!... Mostrei-lhe o teu retrato

Doc. 7 1917-09-08

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n onqguntei: é mais bonita? “Muito mais!!...”. A Senhora vem toda debranco com ouro. Não traz nenhuma faixa azul como se dizia. Se é aSenhora da Paz.... Já te recordaste, o que disse na 2ª aparição?... Queaprendessem a ler... Dizia-me a Jacintita “que já ia na carreira do A”!!...

Enquanto as pequenas tomaram alguma coisa, conversei com o Pai.Fizeram-me comer pão com queijo e uvas!!... Para os não desconsolarfiz-lhe a vontade e ofereci-lhe em troca cigarros dos meus!!...

Também me parecia interessante ouvir os pais, por isso tudo correuàs mil maravilhas. Só sabem o que as crianças dizem; os conhecimentosdeles hoje não vão mais longe, que os meus!!!...

Depois da refeição deles fomos ao local com os petizes rezar o terço.Só eles nos acompanhavam. É ainda um bocado bom da casa deles.Pelo caminho perguntei-lhes:

– Não poderei arranjar uma folha da carrasqueira?– Ela já não tem nada, mas eu tenho lá em casa, dizem-me eles.– E não me arranjam uma??...– Sim senhor.Depois de vermos quem a iria buscar, esperamos que o Francisco

voltasse a casa.As duas pequerruchas brincavam. Jogavam os “pontos”; atirando

com uma pedra para um certo sítio, ganhava quem mais perto ficasse.Era interessante vê-las brincar. Discutiam, mas sempre sem se alterareme com a maior amizade. O Francisco chega, já não tinha nenhuma, mastrouxe das da Lúcia!!... (Que alegria para a minha Filhinha!!!!...). Umramito só com duas folhas inteiras. Guardei-o. A minha Prazeres terá asua folhita... Se mais não houvera isto me chegava para me dar porsatisfeito com o passeio!!!...

Pelo caminho rimo-nos!!... Os “petizes” já muito à vontade e comoamigos de há muito conhecidos foram todo o caminho brincandoconnosco!!... Ficavam para trás para ver se conhecíamos o caminho,riam-se, enfim éramos já... amigos!!!...

Assim já à vontade como a Jacinta era...amor... A Lúcia, apesar dasfeições menos corretas, prende-nos pelo seu todo, que tem um não seiquê, que nos encanta...

Chegámos ao local. Perto da estrada, numa encosta, em localmagnífico, onde se pode ver muito à vontade de muito longe. Acarrasqueira (pequena azinheira) está reduzida à expressão mais simples.Em volta um muro de pedra. Rodeando-a um arco de verdura. Em cimado muro, vasos com manjericos e outras flores. Os três ajoelham. ALúcia, que está no meio, começa a recitar o terço. O recolhimento, o

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terço é interessante. É pelos soldados, que estão em guerra. Com quedevoção, Prazeres, se reza ali o terço... Creio que nunca o rezei comtanta atenção!!!... No fim pedi licença às pequenas para guardar umramito de manjerico. Todas elas depois me ofereceram um bocadito!!...Guardei o um raminho para ti, Prazeres. Guardei também uma outrafolhita, que depois te levarei. São preciosas em demasia tais recordaçõespara as confiar ao correio, por isso o teu Carlos será o portador. Aoração, que dizem a Senhora lhes ensinou é simples, é a seguinte:

“Ó meu Jesus perdoai-me.Livrai-me do fogo do infernoLevai as alminhas todaspara o céu, principalmenteas que mais precisarem.”Queres maior simplicidade? Achei interessante que a Senhora a tivesse

ensinado, mas não lhe recomendasse que a rezassem.Com saudades via que tinha de deixar as pequenas. Eram 6 horas.

Tínhamos saído de casa do Prior às 4!!!... No fim do jantar o Priorainda me leu o interrogatório, que tinha feito às crianças. Era quase sol--posto, mas ainda à pressa tomei uns rápidos apontamentos, depoismostrarei ao Amor. Nada porém adiantam, ao que já sabes. Aqui tens,Filhinha, as impressões do meu dia de ontem... Que conclusões tirarásdepois de arrazoado tão comprido??!!...

À volta tinha mais por companhia o Vigário e um Prior aqui dos meuslados. As minhas pressas de pela manhã, antes de falar com as pequenas,deram depois em vagares. Eram 8 horas quando deixámos Fátima.

Procurámos outro caminho, que quase chamarei de... cabras!!...A todos os momentos eu ia a ver que a minha Prazeres ficava sem o

seu Carlos... Carreiros íngremes, cheios de pedras, já de noite sem vero caminho e a minha égua não sabendo andar em tal piso... Enfim NossaSenhora protegeu-me e sem novidade cheguei aos Soudos. Era... meianoite!!!!.

O Vigário ficou no caminho em casa do outro companheiro. As minhascriadas não me deixaram deitar, sem lhes contar as minhas impressões.Fiz-lhes a vontade e depois de beber um copo de água com chá, fuideitar-me. Com que vontade dormi...

Mas hoje às 9 já estava a pé a tratar da vida!!... Quando passou orápido estava eu num figueiral ao pé do rancho, que andava apanhandopassas. Fui ainda às hortas e só depois vim almoçar. Com que vontadeo ataquei!!... No fim tratei de umas pequenas coisas e... fui fazer a

Doc. 7 1917-09-08

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46 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

������� ��� ������ ��� �� ������� � ������ ������... Dormi uma sestade três horas!!!... sinto-me ótimo e capaz de novo passeio.

Tenho escrito todos os dias ao Amor. Mando as cartas para a estaçãoda Lamarosa para um empregado nosso as deitar na ambulância. Ontemmandou-me duas, as dos dias 5 e 6, pois a caixa do correiro passaselada sem receber correspondência. A do 4 ainda eu mandei. Tê-las--ias recebido??... Há tantos dias sem notícias do Amor... Como terápassado? Como revolta esta greve... Com que ansiedade lhe esperamoso fim... Tenho um pressentimento íntimo que me diz o Amor tem passadomuito bem... São 2 horas da manhã e amanhã é domingo!!! AdeusFilhinha

teu Carlos

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1917-09-15, Fátima

Interrogatório do Pe. Manuel Marques Ferreira, pároco de Fátima, a Lúcia,sobre a aparição de setembro, na Cova da Iria.

Publ.: DCF, I - Doc. 5

� Aparição: 13-9-917 – Chamei à minha presença a Lúcia no dia15 que disse que no dia 13 viu a mesma mulher vestida de branco quelhe pareceu ser a mesma que viu das outras vezes; pouco mais viu doque a cara para onde olhava continuamente para tomar sentido no queela dizia; vem do nascente; diz que viu um relâmpago, depois viu aquelamulher a chegar à carrasqueira e diz que perguntou:

– O que é que vossemecê quer?– Quero dizer-te que continues a rezar sempre o terço à Senhora do

Rosário, que abrande ela a guerra, que a guerra está para acabar1; parao último dia há de vir S. José dar a paz ao mundo e Nosso Senhor dara bênção ao povo; que venhas cá para o dia 13 de outubro.

– Está aqui este menino que é mudo e mouco, se vossemecê omelhora.

– Daqui a um ano se acharia com algumas melhoras.– Tinha aqui muitos pedidos, uns para os converter outros para os

melhorar.– Melhoro alguns, outros não porque Nosso Senhor não quer crer

neles.– O povo muito gostava aqui duma capelinha.– Metade do dinheiro que juntaram até hoje façam os andores e

deem-os à Senhora do Rosário; a outra metade seja para ajuda dacapelinha.

Ofereci-lhe duas cartas e um vidro com água de cheiro.– Deram-me isto, se vossemecê os quer.– Isso não é conveniente lá para o céu.E foi-se para o nascente e eu disse ao povo: se a querem ver voltem-

-se para acolá.

1 A primeira guerra mundial (1914-1918) terminou com o armistício de 11 denovembro de 1918. O tratado de paz foi assinado pelas potências beligerantes,em Versalhes, a 28 de junho de 1919.

Doc. 8 1917-09-15

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48 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 91917-09-p.171, Cortes

Depoimento do Pe. António dos Santos Alves2 , pároco das Cortes, sobre aconversa com Lúcia e Jacinta, em Reixida, freguesia das Cortes, com aditamentoposterior sobre a sexta aparição.

Publ.: DCF, I - Docs. 45

¡identes da Fátima – interrogadas no dia 17 de setembro de 1917Lúcia , filha de António dos Santos Abóbora, de idade 9 anos, Jacintade idade de 7 anos, filha de Manuel dos Santos Marto, e Francisco dosSantos Marto, de idade de 9 anos, irmão da Jacinta.

1ª aparição

O que diz a Lúcia interrogada na presença da Jacinta que pouco diz:Que no dia 13 de maio de 1917, andando os três pastoreando as

suas ovelhas, no sítio da Cova da Iria, limite da Fátima, depois de haveremmerendado (isto é jantado) foram, segundo o seu costume, rezar o terçoa Nossa Senhora e que quando já tinham quase terminado o oferecimentodo mesmo, viram um relâmpago que os amedrontou, pelo que a Lúciaconvidou os outros a retirar dizendo-lhes: vamos-nos embora porqueestá a trovejar; nisto viram um outro relâmpago e na sua frente umaSenhora extremamente bela vestida de branco, com um manto igualmentebranco, mas dourado e com um resplendor na cabeça fazendo lembraro resplendor do sol, mas mais brilhante; como que pousou sobre umapequena carrasqueira, de pé, com as mãos postas donde pendiam umascontas brancas, mas lindíssimas. Ficaram aterrados com a visão, mas aSenhora tranquilizou-os dizendo-lhes, que não tivessem medo porquenão lhes fazia mal, nisto a Lúcia perguntou-lhe quem era e o que queriaao que Ela respondeu, que fossem ali durante seis meses no mesmo dia

1 Jacinta e Lúcia estiveram na Reixida, hospedadas em casa de Maria do Carmo daCruz Meneses, a partir de 14 ou 15 de setembro. A data deste documento nãoestá indicada, mas a comparação da caligrafia e da tinta usada nos livrosparoquiais de 1917, leva-nos a supor uma data próxima a 17 de setembro.

2 Nasceu a 13 de março de 1877. Frequentou o seminário de Leiria e de Coimbra.Em 1903 foi nomeado pároco da Barosa e em 1908, pároco das Cortes. Faleceua 19 de maio de 1956.

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começou a desaparecer lentamente, primeiro pela cabeça, braços e oresto do corpo até aos pés que foi a última coisa a desaparecer.

2ª aparição

No dia de Santo António (a 13 de junho). Neste dia houve uma festana Fátima à qual a mãe da Lúcia (e não sei se também a do Franciscoe da Jacinta queria que fossem assistir, mas em obediência ao que lhetinha recomendado no mês anterior, deixaram a festa para irem ao localda aparição, onde se encontraram com algumas pessoas desconhecidase apenas umas 3 ou 4 conhecidas. Um pouco mais ou menos pela mesmahora do mês anterior aparece-lhes a mesma visão pela mesma forma edesta vez disse-lhes que continuassem a ir ali nos meses seguintes; queaprendessem a ler; e disse-lhes um segredo, que lhes proibiu revelarfosse a quem fosse. – Dias depois próximo do sítio da aparição andandoos três com o seu gado, pensaram em ir rezar o terço no local da aparição,mas para isso era forçoso, ou abandonarem o gado, com perigo de irdanificar as searas próximas, ou um pelo menos ficar em guarda e não irrezar o terço; resolveram ir todos rezar o terço e abandonar o gado,que imediatamente foi para uma terra de milho, couves, chícharos eoutros legumes. Uma mulher que por ali próximo andava, ao ver asovelhas naquela seara, chama os pastores que não lhe responderampelo que ela mesma foi virar as ovelhas, que ao voltar as costasimediatamente para lá voltaram. Terminado o terço foram os três para oseu gado, virá-lo do sítio em que andava e observar o prejuízo que tinhacausado, mas qual não foi o seu espanto quando viram que nada tinhasido danificado o que foi confirmado pelo próprio dono que sendo-lhedito que o gado tinha andado na sua fazenda foi ao outro dia paraobservar o prejuízo que lá tinha, constatando que prejuízo algum lhetinha causado.

3ª aparição

A 13 de julho. Desta vez recomendou-lhe que rezassem o terço aNossa Senhora do Rosário para que abrandasse a guerra; que só Elalhe podia valer e que nos meses futuros continuassem a ir àquele sítiocomo até ali.

4ª aparição

Desta vez apareceu-lhes no sítio dos Valinhos no domingo imediatoao do dia 13 de agosto (porque neste dia foram traiçoeiramente levadas

Doc. 9 1917-09-p.17

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50 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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ele mesmo as levava no seu carro para o local da aparição). Neste diadisse-lhe que se elas no dia 13 não tivessem sido levadas peloadministrador, o milagre (para o povo) não teria sido tão conhecido.Fez-lhe a Lúcia vários pedidos para que convertesse certas pessoas emelhorasse alguns doentes ao que Ela respondeu que se converteriam emelhorariam alguns, mas outros não porque não acreditavam e algunsnem sequer em seu Filho.

5ª aparição – Dia 13 de setembro

Disse-lhes que apareceria em outubro primeiro sob a representaçãode Nossa Senhora das Dores e depois sob a de Nossa Senhora doRosário. Recomendou-lhes que rezassem o terço a Nossa Senhora doRosário para que abrandasse a guerra que estava para acabar. Disse--lhes também que em outubro viria também S. José com o Menino Jesuspara dar a paz ao mundo e seu Divino Filho para dar a bênção ao povo.

6ª Aparição dia 13 de outubro

Disse-lhes que era Nossa Senhora do Rosário; que a guerra acabavanaquele dia; que os nossos soldados em breve, viriam; que construissemno sítio da aparição uma capela a Nossa Senhora do Rosário e que opovo se emendasse de seus pecados que muito têm ofendido a seuFilho.

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ËÌÍÎ ÏÐ

1917-09-27, Fátima

Interrogatório aos videntes Lúcia, Francisco e Jacinta, e a Maria Rosa1, mãede Lúcia, feito pelo Dr. Manuel Nunes Formigão2, aquando da sua segunda visitaà Cova da Iria, no intuito de completar as impressões colhidas no dia 13 desetembro de 1917.

Publ.: DCF, I - Doc. 7

ÑÒ ÓÔÕÖÓÕÒ ×Ø ÙÒÚÛÜØÕÝÞ Ýß ÓÚÛÞØßßàØß ÙÒÜáÓ×ÝßÔÒ ×ÓÝ âã×Ò ÙÒÞÞØÔÕØ

mês de Setembro e habilitar-me com os elementos indispensáveis parafundamentar um juízo, tanto quanto possível, acertado acerca dosacontecimentos que nos últimos cinco meses se têm desenrolado a trêsquilómetros ao sul da aldeia de Fátima, no local denominado Cova daIria, fui pela segunda vez na quinta-feira última, 27, àquela pitorescaaldeia, graciosamente alcandorada num dos contrafortes da majestosaserra de Aire. Eram três horas da tarde quando me apeei do trem quede Torres Novas me conduzira por Vila Nova de Ourém à humildepovoação, cujo nome é hoje pronunciado como uma esperança fagueirade bênçãos e graças celestes por dezenas de milhares de lábios, de umextremo ao outro de Portugal. O rev.do Pároco a quem logo procurei,não estava em casa: tinha saído para fora da freguesia e só à noite deviavoltar. Pesaroso por não poder trocar algumas palavras com ele sobreo assunto que ali me levava, resolvi ir a casa das crianças que se dizemfavorecidas com aparições da Virgem Santíssima e ouvir da boca delasa narração pormenorizada dos estranhos sucessos cuja notícia tem atraídodia a dia à Fátima um sem número de pessoas de todas as classes econdições sociais.

À distância de dois quilómetros da igreja paroquial e do presbitério,num insignificante lugarejo chamado Aljustrel, pertencente à freguesia,

1 Mãe de Lúcia. Nasceu na Perulheira, freguesia de S. Mamede, concelho daBatalha, a 6 de julho de 1869 e faleceu, em Aljustrel, a 16 de julho de 1942.

2 Nasceu em Tomar a 1 de janeiro de 1883. Foi professor do Seminário e do Liceude Santarém. Em 1922, foi nomeado, por D. José Alves Correia da Silva, Bispode Leiria, membro da Comissão Canónica para o estudo dos acontecimentos deFátima, sendo o autor do Relatório, apresentado a D. José em 1930. Em 1926,fundou a Congregação das Religiosas Reparadoras de Nossa Senhora Doresde Fátima. Faleceu, em Fátima, a 30 de janeiro de 1958.

Doc. 10 1917-09-27

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52 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

äåæçèéåêëçìçé íîïêð ëèç ìç ðëêïçñ çéèðìîéêçé òçóåêçôõîé ìçé äçèö÷åçé

dos videntes. As duas crianças mais novas estavam ausentes.Dirigi-me a casa da mais velha, onde a mãe me convidou a entrar e

sentar-me, convite a que acedi. A uma pergunta minha sobre o paradeiroda filha que eu procurava, respondeu-me que ela andava a vindimarnuma pequena propriedade que lhe pertencia e que ficava doisquilómetros distante.

Alguém se prestou logo a ir chamá-la de ordem da mãe. Entretanto,as duas crianças mais novas, que tinham regressado do campo, sabendopelos vizinhos que eu lhes desejava falar, vieram ter comigo. Eram doisirmãos, um menino e uma menina.

Chegou primeiro a menina. Chama-se Jacinta de Jesus, tem sete anosde idade e é filha de Manuel Pedro Marto e de Olímpia de Jesus3.Bastante alta para a sua idade, um pouco delgada sem se poder dizermagra, de rosto bem proporcionado, tez morena, modestamente vestida,descendo-lhe a saia até à altura dos artelhos, o seu aspeto é o de umacriança saudável, acusando perfeita normalidade no seu todo físico emoral. Surpreendida com a presença de pessoas estranhas, que me tinhamacompanhado e que não esperava encontrar, a princípio mostra um grandeembaraço, respondendo, por monossílabos, e num tom de voz quaseimpercetível, às perguntas que eu lhe dirijo. Momentos depois apareceo irmão, rapaz de nove anos de idade, que entra com um certodesembaraço no quarto, onde estávamos, conservando o barrete nacabeça, decerto por não se lembrar de que o devia tirar. Um sinal que airmã lhe fez para se descobrir não foi percebido por ele. Convidei-o asentar-se numa cadeira ao meu lado, obedecendo imediatamente semnenhuma relutância. Principiei sem demora a interrogá-lo sobre o quetinha visto e ouvido desde maio último na Cova da Iria no dia 13 decada mês durante o tempo da aparição. Estabeleceu-se entre mim e eleo curto diálogo que segue.

– Que é que tens visto na Cova da Iria nos últimos meses?– Tenho visto Nossa Senhora.– Onde aparece ela?– Em cima duma carrasqueira.

– Aparece de repente ou tu vê-la vir de alguma parte?

3 Nasceu em Aljustrel a 31 de maio de 1869. Casou com José Ferreira da Rosa, a6 de fevereiro de 1888, ficando viúva em 1895. Deste matrimónio nasceram doisfilhos, António Ferreira Rosa e Manuel Ferreira Rosa.A 11 de fevereiro de 1898,casou com Manuel Pedro Marto. Faleceu, em Aljustrel, a 3 de abril de 1957.

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ø Vejo-a vir do lado onde nasce o sol e colocar-se sobre acarrasqueira.

– Vem devagar ou depressa?– Vem sempre depressa.– Ouves o que ela diz à Lúcia?– Não ouço.– Falaste alguma vez com a Senhora? Ela já te dirigiu a palavra?– Não, nunca lhe perguntei nada; fala só com a Lúcia.– Para quem olha ela, também para ti e para a Jacinta, ou só para a

Lúcia?– Olha para todos três; mas olha durante mais tempo para a Lúcia.

Jacinta que andava a brincar na rua com outras crianças, fi-la sentarnum banquinho ao pé de mim e submeti-a também a um interrogatório,conseguindo obter dela respostas completas e minuciosas, como as doirmão.

– Tens visto Nossa Senhora no dia 13 de cada mês desde maio paracá?

– Tenho visto.– Donde é que ela vem?– Vem do Céu, do lado do sol.– Como está vestida?– Tem um vestido branco, enfeitado a ouro, e na cabeça tem um

manto, também branco. Em volta da cintura há uma fita doirada quedesce até à orla do vestido.

– Usa botas ou sapatos?– Não usa botas nem sapatos.– Então tem só meias?– Parece que tem meias, mas talvez os pés sejam tão brancos que

pareçam trazer meias calçadas.– De que cor são os cabelos?– Não se lhe veem os cabelos, que estão cobertos com o manto.– Traz brincos nas orelhas?– Não sei, porque não se lhe veem também as orelhas.– Qual é a posição das mãos?– As mãos estão postas sobre o peito, com os dedos voltados para

cima.ù As contas estão na mão direita ou na mão esquerda?– ........ A esta pergunta a criança responde primeiro que estavam na mão

direita, mas em seguida, devido a insistência da minha parte, mostra-

Doc. 10 1917-09-27

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54 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

úûü ýüþýÿü-� ü �����û�� ��� û��ü�� ýþü�û�þ �ü����ÿ �û û��û���ûcorrespondia à mão com que a Senhora segurava o Rosário.

– O que é que a Senhora recomendou à Lúcia com mais empenho?– Mandou que rezássemos o terço todos os dias.– E tu reza-lo?– Rezo-o todos os dias com o Francisco e a Lúcia.

Meia hora depois de terminado o interrogatório de Jacinta de Jesus,aparece Lúcia de Jesus. Vinha, como disse de uma pequena propriedadede sua família, situada a dois quilómetros de distância, onde tinha estadoa vindimar. Mais alta e mais nutrida que as outras duas crianças, de tezmais clara, robusta e saudável, apresenta-se diante de mim com umdesembaraço que contrasta singularmente com o acanhamento e a timidezexcessiva da Jacinta. Singelamente vestida como esta, a sua atitude nãodenota e o seu rosto não traduz nenhum sentimento de vaidade nem deconfusão.

Sentando-se, a um aceno meu, numa cadeira, ao meu lado, presta--se da melhor vontade a ser interrogada sobre os acontecimentos deque ela é a principal protagonista, sem embargo de se sentir visivelmentefatigada e abatida, mercê das visitas incessantes que recebe e dosinquéritos repetidos e prolongados a que é submetida.

Filha de António dos Santos4, de 50 anos de idade, e de Maria Rosa,de 48 anos, tem um irmão e quatro irmãs, todos mais velhos do que ela:Maria5, de 26 anos, já casada, Teresa6, de 24, Manuel7, de 22, Glória8,de 20, e Carolina9, de 15. Completou dez anos de idade em 22 demarço do corrente ano10 .

4 Nasceu a 3 de janeiro de 1868, em Aljustrel; casou a 19 de novembro de 1890com Maria Rosa. Faleceu a 31 de julho de 1919.

5 Maria dos Anjos, nasceu 13 de agosto de 1891. Casou a 23 de agosto de 1916com António dos Santos Valinho. Faleceu a 26 de agosto de 1986.

6 Teresa de Jesus nasceu a 22 de maio de 1893. Casou com José da Lomba.Faleceu a 29 de novembro de 1972.

7 Manuel dos Santos nasceu a 22 de agosto de 1895. Casou com Emília de Jesusde Oliveira, a 21 de junho de 1922. Faleceu, no Brasil, a 30 de abril de 1977.

8 Glória de Jesus nasceu a 5 de outubro de 1898. Casou com Francisco InácioVieira, a 6 de julho de 1922. Faleceu a 6 de agosto de 1971.

9 Carolina de Jesus nasceu a 17 de outubro de 1902. Casou com Manuel PereiraCarvalho, a 28 de julho de 1929. Faleceu a 31 de março de 1992.

10 Segundo declaração da própria Lúcia, a 23 de fevereiro de 1989, o dia denascimento foi a 28 de março de 1907 e não a 22 de março: “Meu pai era muito

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Tinha oito anos quando fez a sua primeira comunhão. A mãe, tipo damulher cristã, e da boa dona de casa, entregue às lides domésticas,procurou sempre inspirar aos filhos o santo temor de Deus e levá-los aocumprimento de todos os seus deveres morais e religiosos. Altamentepreocupada com os sucessos que atraem a todo o momento as atençõesde milhares de pessoas para a sua pobre habitação, até há pouco tempoignorada do mundo, nota-se desde logo que o seu espírito hesita, numaansiedade inquieta, entre a esperança de que sua filha seja realmenteprivilegiada com a aparição da Virgem e o receio de que ela seja vítimade uma alucinação que lhe traga desgostos e cubra de ridículo toda asua família.

A uma pergunta minha acerca da piedade da sua Lúcia, respondeque não lhe nota nada de extraordinário neste particular, vendo-a rezarda mesma forma e com o mesmo fervor que antes das aparições,exatamente como fazem as suas irmãs.

Dou princípio ao interrogatório da vidente.– É verdade que Nossa Senhora te tem aparecido no local chamado

Cova da Iria?– É verdade.– Quantas vezes te apareceu já?– Cinco vezes, sendo uma cada mês.– Em que dia do mês?– Sempre no dia treze, exceto no mês de agosto, em que fui presa e

levada para a vila (Vila Nova de Ourém) pelo sr. administrador. Nessemês vi-a só alguns dias depois, a dezanove, no sítio dos Valinhos.

– Diz-se que a Senhora te apareceu também o ano passado. Que háde verdade a este respeito?

– O ano passado nunca me apareceu (nem antes de maio deste ano);nem eu disse isso a pessoa alguma, porque não era exato.

assíduo em levar os filhos à pia batismal. Quando eu nasci – ouvi contar aminha mãe numa entrevista com o Dr. Formigão, que a interrogou perguntandoem que dia eu fazia anos - a Mãe respondeu: “Nós dizemos que é no dia 22 demarço, porque ela foi registada como tendo nascido nesse dia, mas, na verdade,não é bem assim. Ela nasceu no dia 28 de março. Era quinta-feira Santa. [...] O Paitratou logo do batizado. Não lhe convinha na próxima semana , por motivo dosseus trabalhos, mas, como estava mandado que os pais levassem os filhos abatizar aos oito dias, depois de nascidos - que, de contrário, pagavam multa, oPai resolveu dá-la como nascida no dia 22, para que o Pároco a batizasse noSábado de Aleluia, que era o dia 30 do mesmo mês” (Memórias da Irmã Lúcia,Memória V, capítulo 1, nº 2, Fátima, Vice-Postulação).

Doc. 10 1917-09-27

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56 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

� ���� � ��� ��� ���� �� ������ �� ���������– Não sei; não a vejo vir de parte alguma; aparece sobre a

carrasqueira, e quando se retira é que toma a direção donde nasce osol.

– Quanto tempo se demora? Muito ou pouco?– Pouco tempo.– O suficiente para se recitar um Padre Nosso e uma Avé Maria, ou

mais?– Mais, bastante mais, mas nem sempre o mesmo tempo (talvez não

chegasse para rezar o terço).– Da primeira vez que a viste não ficaste assustada?– Fiquei, e tanto assim que quis fugir, com a Jacinta e o Francisco,

mas Ela disse-nos que não tivéssemos medo, porque não nos faria mal.Disse: “não tenham medo que eu não vos faço mal.”

– Como é que está vestida?– Tem um vestido branco, que desce até um pouco abaixo do meio

da perna, e cobre-lhe a cabeça um manto, da mesma cor, e do mesmocomprimento que o vestido.

– O vestido não tem enfeites?– Veem-se nele, na parte anterior, dois cordões dourados, que descem

do pescoço e se reunem por uma borla, também dourada, à altura domeio do corpo.

– Tem algum cinto ou alguma fita?– Não tem.– Usa brincos nas orelhas?– Usa umas argolas pequenas e de cor amarela.– Qual das mãos segura as contas?– A mão direita.– Eram um terço ou um rosário?– Não reparei bem.– Terminavam por uma cruz?– Terminavam por uma cruz branca, sendo as contas também brancas.

A cadeia era também branca.– Perguntaste-lhe alguma vez quem era?– Perguntei, mas declarou que só o diria a 13 de outubro.– Não lhe perguntaste de onde vinha?– Perguntei de onde era, e ela respondeu-me que era do Céu.– E quando foi que lhe fizeste essa pergunta?– Da segunda vez, a treze de junho.– Sorriu-se alguma vez ou mostrou-se triste?

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�� !"# $% $&''( !%) $%)&$*'& *'($*%+ )#$ $%),'% $.'(#/– Recomendou-te, e aos teus primos, que rezassem algumas orações?– Recomendou-nos que rezássemos o terço em honra de Nossa

Senhora do Rosário, a fim de se alcançar a paz para o mundo.– Mostrou desejos de que no dia treze de cada mês estivessem

presentes muitas pessoas na Cova da Iria?– Não disse nada a esse respeito.– É certo que te disse um segredo, proibindo que o revelasses a

quem quer que fosse?– É certo.– Diz respeito só a ti ou também aos teus companheiros?– A todos três.– Não o podes manifestar ao menos ao teu confessor?(A esta pergunta guardou silêncio, parecendo um tanto enleada e

julguei não dever insistir, repetindo a pergunta).– Consta que, para te veres livre das importunações do sr.

administrador, no dia em que foste presa, lhe contaste, como se fosse osegredo uma coisa que o não era, enganando-o assim e gabando-tedepois de lhe teres feito essa partida: é verdade?

– Não é; o sr. administrador quis realmente que eu lhe revelasse osegredo, mas como eu não o podia dizer a ninguém, não lhe disse, apesarde ter insistido muito comigo para esse fim. O que fiz foi contar tudo oque a Senhora me disse, exceto o segredo, e talvez por esse motivo osr. administrador ficasse julgando que eu lhe tinha revelado também osegredo. Não o quis enganar.

– A Senhora mandou que aprendesses a ler?– Mandou, sim, da segunda vez que apareceu.– Mas se a Senhora disse que te levaria para o Céu no mês de

outubro próximo, para que te serviria aprenderes a ler?– Não é verdade isso: a Senhora nunca disse que me levaria para o

Céu em outubro, e eu nunca afirmei que ela me tivesse dito tal coisa.– O que declarou a Senhora que se devia fazer ao dinheiro que o

povo deposita na Cova da Iria ao pé da carrasqueira?– Disse que o devíamos colocar em dois andores, levando eu, a

Jacinta e mais duas meninas um deles, e o Francisco, com mais trêsrapazes, o outro, para a igreja da freguesia. Parte desse dinheiro seriadestinado ao culto e festa da Senhora do Rosário e a outra parte paraajuda de uma capela nova.

– Onde quer ela que seja edificada a capela? Na Cova da Iria?– Não sei: ela não o disse.

Doc. 10 1917-09-27

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58 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

0 12342 56738 98:3;:3; <8=>822? @;:A8=? 3; 3;= ?<?=;97B8C– Estou.– No dia treze de outubro Nossa Senhora virá só?– Vem também S. José com o menino, e será concedida a paz ao

mundo.– E fez mais alguma revelação?– Declarou que no dia 13 fará com que todo a povo acredite que ela

realmente aparece.– Por que razão não raro baixas os olhos deixando de fitar a Senhora?– É que ela às vezes cega.– Ensinou-te alguma oração?– Ensinou; e quer que a recitemos depois de cada mistério do rosário.– Sabes de cor essa oração?– Sei.– Diz lá...– Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as

alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais deleprecisarem10.

Das respostas das crianças e mais ainda da sua atitude e modo deproceder em todas as circunstâncias em que se têm encontrado, resulta,com uma clareza, que parece excluir toda a dúvida, a sua perfeita eabsoluta sinceridade.

Não é verosímil que três crianças de tão tenra idade, uma delas apenascom sete anos, rudes e ignorantes, mintam e persistam na mentira durantetantos meses, posto que sejam tão obsediadas com perguntas einterrogatórios de toda a ordem e ameaçadas pelos representantes daautoridade eclesiástica e da autoridade civil e por tantas pessoas a quemelas devem respeito e consideração. Nenhuma consideração, nenhumtemor é capaz de demovê-las de afirmar que veem Nossa Senhora.Nem a prisão a que as sujeitam, depois de as arrancar violentamente aoseio da família e de as levarem para longe da terra, em que nasceram etêm vivido, as intimidações exercidas por elementos do povo, que chegamao extremo de ameaçá-las com a morte, se um dia forem depreendidas

10 O Dr. Formigão fez um apontamento, possivelmente na mesma data, em queescreveu: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai asalminhas todas para o Céu, e aquelas que mais precisarem. Para se recitar depoisde cada mistério do rosário. Posteriormente, o Dr. Formigão acrescentou: ealiviai as almas do Purgatório, principalmente as mais abandonadas.

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eDDeEFGHI JKILHIEFeMA naturalidade e franqueza com que se expressam,a simplicidade e candura que manifestam, a indiferença e desinteresseque mostram quanto ao facto de se lhes prestar ou não crédito, a timidezextrema da Jacinta, as próprias contradições aparentes, facilmenteexplicáveis, em que caiem e que excluem em absoluto qualquercombinação entre as crianças, são tudo indícios de que as criançaspossuem, no mais alto grau, um dos requisitos indispensáveis numatestemunha para ser fidedigna: a veracidade.

Mas serão as crianças vítimas de uma alucinação? Estarão iludidas,julgando ouvir, e não ouvindo, julgando ver, e não vendo? Verificar-se--á no caso sujeito a hipótese de autosugestão?

Mas como, se nada autoriza semelhante suposição, de todo o pontogratuita? Não se trata de uma só testemunha, são três.

Não se trata de adultos, mais sujeitos a alucinações, mas de crianças.E que crianças! Crianças de tenra idade, dotadas de perfeita saúde, eque não manifestam o mais pequeno sintoma de histerismo, segundo adeclaração de um médico consciencioso que as examinoucuidadosamente.

Dar-se-á o caso, não raro sucedido, de uma intervenção diabólica?O anjo das trevas transforma-se algumas vezes em anjo de luz, para

enganar os crentes. Verificar-se-á isso agora? A Jacinta afirma que ovestido da Senhora chega apenas aos joelhos. A Lúcia e o Franciscodeclaram que desce até próximo dos artelhos. Haverá neste pontoconfusão da parte das crianças, sobretudo por parte da mais nova? Senão, este ponto torna-se difícil de explicar e resolver.

Nossa Senhora não pode, evidentemente, aparecer senão o maisdecente e modestamente vestida. O vestido deveria descer até pertodos pés. O contrário, posta de parte a hipótese de um engano dascrianças, aliás admissível, porque podiam não ter reparado bem, não terpodido examinar perfeitamente o traje da aparição, tanto mais que nãopossuem o dom da infalibilidade, o contrário, digo, constitui a dificuldademais grave a opôr à sobrenaturalidade da aparição e faz nascer noespírito o receio de que se trata de uma mistificação, preparada peloespírito das trevas. Mas como explicar a concorrência de tantos milharesde pessoas, a sua fé viva e a piedade ardente, a modéstia e composturaque mostram em todos os seus atos, o silêncio e recolhimento da multidão,as conversões numerosas e retumbantes ocasionadas pelosacontecimentos, o aparecimento de sinais extraordinários no céu e naterra, verificados por milhares de testemunhas, como explicar, repito,todos estes factos e conciliá-los com a providência divina e a economia

Doc. 10 1917-09-27

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60 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

qNO POQO RSNUVR WRXPOUYZNPY[\ WRXPOZNVR VO]R^W VR OWZYXO[O_^SOUZRdo cristianismo, se o demónio é que é a causa ou a ocasião de semelhantesfactos?

Resta, pois, uma única solução. Serão os acontecimentos de Fátimaobra de Deus? É cedo demais para responder com segurança a estapergunta. A Igreja ainda não interveio, nomeando a respetiva comissãode inquérito.

Quando o fizer, a missão desta comissão será relativamente fácil decumprir. No próximo dia 13 de outubro, ou tudo se desfará como porencanto, ou novas provas, inteiramente concludentes, virão confirmaras que já existem em favor da realidade das aparições da Virgem.

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`abc d11917-10-p.111, Montelo e Aljustrel

Redação literária dos apontamentos dos interrogatórios do dia 11 de outubrode 1917, feitos pelo Dr. Formigão.

Publ.: DCF, I - Doc. 12

fghijhklmg mn olhkjplmnmj nrogstun mno upvo kplnhwnox ytj mlzln{ter visto cinco vezes Nossa Senhora, no local denominado Cova daIria, da freguesia da Fátima, concelho de Vila Nova de Ourém e ter eladeclarado que no dia 13 de outubro corrente havia de fazer que todo opovo acreditasse no seu aparecimento, voltei pela terceira vez àquelapovoação. Embora receasse que as crianças fossem vítimas de umaalucinação, hipótese que aliás tudo me fazia repelir, ou que osacontecimentos extraordinários que ali se realizavam fossem provocadospelo espírito das trevas para fins desconhecidos, no meu espírito ia-seradicando cada vez mais a convicção de que a Fátima era o localdestinado pela Rainha do Céu, Padroeira de Portugal, para teatro denovos prodígios da sua bondade e misericórdia. Por esse motivo resolvipartir com alguns dias de antecedência, tomando no dia 10, às 11 horase meia da manhã, na estação de Santarém, o comboio, que me deviaconduzir a Chão de Maçãs, estação de caminho de ferro mais próximada que talvez venha a ser considerada, por mercê do Céu, a Lourdes oua La Salette Portuguesa. Uma charrete me transportou a Vila Nova deOurém, de onde depois de haver trocado impressões com o Rev. Párocodaquela Vila sobre os acontecimentos que motivavam a minha viagem,segui noutra charrete para a Fátima, onde me apeei às 11 horas danoite, dirigindo-me imediatamente para o lugar de Montelo, a doisquilómetros de distância. Ali fiquei hospedado em casa da famíliaGonçalves, muito considerada pela sua honestidade e pelos seussentimentos religiosos. No dia seguinte de manhã propus-me ir interrogarnovamente os videntes a Aljustrel, onde residem, a três quilómetros do

1 A data da redação literária dos interrogatórios do dia 11 de outubro não estádeterminada explicitamente, mas terá sido feita algum tempo depois do dia 13.Como o próprio autor afirma, Nossa Senhora declarou “que no dia 13 de outubrocorrente havia de fazer que todo o povo acreditasse no seu aparecimento”, oque implica uma data dentro do mês de outubro.

Doc. 11 1917-10-p.11

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62 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

|}~���}�Antes disso, porém, interroguei Manuel Gonçalves Júnior2, de30 anos de idade, casado, filho do meu hospedeiro, homem inteligente edotado de muito bom senso e de faculdades invulgares de observação.

São do teor seguinte as perguntas que lhe fiz e as respetivas respostas:1ª – Os pais das crianças de Aljustrel que se dizem favorecidas com

aparições de Nossa Senhora têm boa fama, são gente honrada e debons costumes?

– Os pais do Francisco e da Jacinta são pessoas muito boas,profundamente religiosas e respeitadas e estimadas por todos. O paitem a fama de ser o homem mais sério do lugar. É incapaz de enganaralguém. O pai da Lúcia embriaga-se às vezes, e frequenta pouco aigreja. Não é porém dotado de maus sentimentos. No dia 13 de julhoalguns companheiros dele, mal intencionados, embriagaram-no no intuitode o levarem a praticar desatinos no local das aparições. Efetivamente,embora, como sempre, deixasse ir a filha àquele local, mandou retirar opovo. Ele é o proprietário da charneca onde está a carrasqueira queserve de pedestal à Aparição. O povo, vendo-o em estado deembriaguez, não se importou com essa intimação e um homem empurrou--o, fazendo-o cair. A mãe é uma mulher honesta, religiosa e amante dotrabalho.

2ª – O que pensam os habitantes da Fátima a respeito do que ascrianças dizem? Não as acreditam? Julgam-nas mentirosas? Ou julgam--nas vítimas de uma alucinação?

– A princípio o povo não queria ir à Cova da Iria. Ninguém acreditavanas crianças. Em treze de junho, dia da segunda aparição, havia festa naigreja da freguesia em honra de Santo António. Na Cova da Iria estavamapenas, à hora da aparição, umas sessenta pessoas. Os pais do Franciscoe da Jacinta tinham ido de manhã cedo para Porto de Mós à feirachamada dos treze, com o fim de comprar bois, e chegaram já de noite.Na sua ausência a residência encheu-se-lhes de gente, que queria ver ascrianças e fazer-lhes perguntas. Presentemente uma grande parte dopovo julga que as crianças falam verdade. Pela minha parte, estouconvencido disso.

3ª – Nos dias das Aparições tem havido sinais extraordinários? Hámuitas pessoas que afirmem tê-los visto?

2 Manuel Gonçalves Júnior nasceu a 14 de janeiro de 1884. Filho de ManuelGonçalves e Cecília de Jesus. Residente no lugar do Montelo, da freguesia deFátima, hospedou o Dr. Formigão em sua casa.

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� �� ������ ��� ������� �� ������ ����� ����� �� ��� �������presentes viram esses sinais. Uma nuvem baixou até à carrasqueira. Emjulho notou-se o mesmo. Não havia poeira no local. A nuvem empoouos ares, que pareciam enevoados.

– Houve mais algum sinal?– Veem-se no céu, próximo do sol, umas nuvens brancas que se

tornam sucessivamente vermelhas vivas (cor de sangue), cor de rosa eamarelas. O povo torna-se desta última cor. A luz do sol diminui bastantede intensidade.

Sentiu-se também um rumor em julho e em agosto.4ª – Suspeita-se de alguém que tenha induzido as crianças a

representar uma comédia?– Não, nem isso é verosímil.5ª – Tem vindo muita gente de fora ver as crianças e falar com elas?– Têm vindo inúmeras pessoas de toda a parte.6ª – Elas aceitam o dinheiro que lhes queiram dar?– Têm aceitado qualquer coisa, quando teimam muito com elas, mas

não aceitam por vontade delas.7ª – As famílias são pobres? Vivem do seu trabalho? Têm

propriedades?– Não são pobres. São até abastadas. E se a família da Lúcia não o

é mais, isso é devido a circunstância do pai se entregar com frequênciaà embriaguês, descurando assim o amanho das suas propriedades.

8ª – Há na Fátima pessoas que tenham estado ao pé das criançasdurante as aparições?

– Em julho estiveram ao pé delas Jacinto de Almeida Lopes3, dolugar da Amoreira e Manuel de Oliveira4, deste lugar de Montelo.

9ª – O que faz a Lúcia durante o tempo da aparição?– Reza o terço. Quando se dirige à Senhora, fala alto.Eu próprio a ouvi em junho, porque estava próximo. Algumas pessoas

afirmam que ouvem o som das respostas.10ª – O local das aparições é muito frequentado também nos outros

dias por pessoas piedosas ou por curiosos?– É muito frequentado, sobretudo aos domingos. A maior

concorrência é à noite. Vão ali muitas pessoas, de longe e de perto, emais ainda de fora da freguesia. Rezam o terço e entoam cânticos emhonra da Virgem.

3 Nasceu em 1865. Casou com Maria dos Prazeres.4 Nasceu em 1867. Casou com Leocádia de Jesus

Doc. 11 1917-10-p.11

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64 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

�erminado este interrogatório, pus-me a caminho de Aljustrel e,chegado àquele lugar, dirigi-me imediatamente a casa da Lúcia. Estavajunto da sua habitação dando serventia a um pedreiro que consertava otelhado. Logo que me viu, pediu-me respeitosamente a bênção. A mãeapareceu no mesmo instante e acedeu da melhor vontade ao pedidoque lhe fiz de me deixar interrogar novamente a filha. Primeiro, porém,fiz-lhe algumas perguntas.

1ª – Sua filha é parente do Francisco e da Jacinta?– É prima, porque meu marido é irmão da mãe deles.2ª – Como soube que a Senhora apareceu à sua filha da primeira

vez? Foi ela que lhe contou? – Tive conhecimento desse facto pela família das outras crianças,

porque a Lúcia aconselhou os seus companheiros a não dizerem nadacom receio de que lhes ralhassem. Só depois de interrogada por mim éque disse o que tinha visto.

3ª – Nunca repreendeu sua filha por ir à Cova da Iria? Deu-lhe sempreinteira liberdade de lá ir, no dia 13 de cada mês?

– Nunca a proibi de ir a esse sítio. Umas vezes perguntava-lhe sequeria ir e ela respondia afirmativamente, outras vezes ela mesma diziaque ia, se eu lhe desse licença.

4ª – As três crianças costumam ir sozinhas ao local das aparições ouvão acompanhadas de outras crianças?

– Vão sós. Quase sempre vão também outras crianças, masacompanhadas dos pais e ficam ao pé deles, não se juntam com a Lúciae os primos dela.

5ª – As crianças guardavam gado? A quem é que ele pertencia?– A Lúcia guardava um pequeno rebanho de ovelhas e os primos

outro. Pertenciam esses rebanhos às respetivas famílias. Às vezesjuntavam o gado, mas unicamente porque queriam. As ovelhas que aLúcia guardava, já as vendi.

6ª – Como é que as crianças têm ido vestidas?– Da primeira vez iam mal arranjadas, como andam quase sempre os

pastores. Das outras vezes, no dia 13 de cada mês, vão vestidas de fatoclaro e levam um lenço branco na cabeça.

7ª – Consta-me que possui um livro intitulado “Missão abreviada”5,e que às vezes o lê a seus filhos. É verdade?5 A “Missão Abreviada” é um livro do Padre José Gonçalves Couto, que teve 16

edições, com um total de mais de 16 edições, com um total de mais de 100 milexemplares, de 1859 a 1904. A “Aparição de Nossa Senhora no Monte La Salette”vem publicada nas edições 2ª (1861) a 9ª (1873). A edição que existia na casa dafamília de Lúcia deveria ser a 5ª edição, Porto, 1867.

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�� �������� � ¡¡¢  �¡¡� £¤��  � ¥�¦§ ¨  £¤�  �©�¢¡ ª¤£§ ¡«8ª – Leu a história da aparição de La Salette diante da Lúcia e de

outras crianças?– Só diante da Lúcia e dos outros meus filhos.9ª – A Lúcia falava às vezes na história de La Salette, mostrando de

qualquer modo que essa história tinha produzido grande impressão noseu espírito?

– Nunca lhe ouvi dizer nada a esse respeito, se bem me recordo.10ª – Quando as crianças foram presas pelo administrador de Vila

Nova de Ourém foi alguém reclamar que as restituissem aos pais?– Um irmão do Francisco e da Jacinta foi falar com elas a casa do

administrador. A senhora do administrador perguntou se ia buscar ascrianças, ao que ele respondeu negativamente. O próprio administradoras veio trazer à Fátima.

11ª – Tem vindo muita gente ver sua filha?– Tem vindo muita gente quase todos os dias.

Concluído este interrogatório, convidei quatro indivíduos dignos detodo o crédito a assistir como testemunhas ao interrogatório da Lúcia:Anastácio da Teresa5, Gonçalves da Silva6 e Manuel Henriques7, todosde Aljustrel, e Francisco Rodrigues8, da Moita do Martinho.Imediatamente dei príncipio à inquirição da vidente.

1ª – Disseste-me há dias que Nossa Senhora queria que o dinheirooferecido pelo povo fosse levado para a igreja da freguesia em doisandores. Como é que arranjam os andores e quando é que eles devemser levados para a igreja?

5 Anastácio Vieira, de Aljustrel. Padrinho de batismo de Lúcia, casado, a 29 denovembro de 1882, com Teresa de Jesus, tia paterna e madrinha de batismo deAntónio dos Santos, pai de Lúcia.

6 Manuel Gonçalves da Silva, residente em Aljustrel, casado com Maria dosPrazeres.

7 Pode tratar-se de Manuel Henriques, nascido em 1850, casado com MariaViolante, então residente em Fátima, ou de seu filho, também Manuel Henriques,nascido a 15 de fevereiro de 1891, que veio a casar com Maria dos Anjos.

8 Filho de António Carreira Ribeiro e de Rosa de Jesus Ribeiro. Nasceu na Moitado Martinho, freguesia de S. Mamede, concelho da Batalha, a 19 de novembrode 1865. Casou com Maria da Cunha. Faleceu a 18 de janeiro de 1919. No Roldos Confessados de 1917, não consta nenhum Francisco Rodrigues, mas simFrancisco Ribeiro. Deve tratar-se de um lapso do autor.

Doc. 11 1917-10-p.11

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66 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¬­® ¯°±²³´® µ²¶·³¯¶¸®´ µ²¶²±¹°º´¹³² ²»´³´µ¹±² ´ serão levadosnas festas da Senhora do Rosário.

2ª – Sabes com certeza em que sítio é que Nossa Senhora desejaque seja edificada uma capela em sua honra?

– Não sei ao certo, mas julgo que Ela quer a capela na Cova da Iria.3ª– O que é que Ela disse que havia de fazer para que todo o povo

acreditasse que ela aparecia?– Disse que havia de fazer um milagre.4ª – Quando foi que ela disse isso?– Disse-o umas poucas de vezes, mas só uma vez, na ocasião da

primeira aparição é que lhe fiz essa pergunta.5ª – Não tens medo de que o povo te faça mal se não vir nada de

extraordinário nesse dia?– Não tenho medo nenhum.6ª – Sentes dentro de ti alguma coisa, alguma força que te arraste

para a Cova da Iria no dia 13 de cada mês?– Sinto vontade de lá ir e ficava triste se não fosse.7ª – Viste alguma vez a Senhora benzer-se, rezar ou desfiar as contas

do Rosário?– Não vi.8ª – Mandou-te rezar?– Mandou-me rezar umas poucas de vezes.9ª – Disse-te que rezasses pela conversão dos pecadores?– Não disse; mandou-me só rezar a Nossa Senhora do Rosário para

que acabasse a guerra.10ª – Viste os sinais que outras pessoas dizem ter visto, como uma

estrela, rosas a despregarem-se do vestido da Senhora, etc.?– Não vi a estrela nem outros sinais extraordinários.11ª – Ouviste algum rumor, trovão ou tremor de terra?– Nunca ouvi.12ª – Sabes ler?– Não sei.13ª – Andas a aprender a ler?– Não ando.14ª – Como cumpres então a ordem que a Senhora te deu nesse

sentido?!.......15ª – Quando dizes ao povo que ajoelhe e reze, é a Senhora que

manda que o digas?– Não é a Senhora que manda, sou eu que quero.16ª – Sempre que ela aparece, tu ajoelhas?

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¼½¾ ¿ÀÁÀ¾ ÂÃÄÅ ÆÀ ÇÈÉ ÅÊËÌ; ¿ÀÁÀ¾ ÍÎÅÀÏÐÅÑÒÀÓ16ª – Quando fala, a sua voz é doce e agradável?– É.17ª – Que idade parece ter a Senhora?– Parece ter uns quinze anos.18ª – De que cor é o cadeado do rosário?– É branco.19ª – E a do crucifixo?– O crucifixo também é branco.20ª – O véu cobre a testa da Senhora?– Não cobre. Vê-se-lhe a testa bem.21ª – O esplendor que a envolve é bonito?– É mais bonito que a luz do sol e muito brilhante.22ª – A Senhora nunca te saudou com a cabeça ou com as mãos?– Nunca.23ª – Nunca se sorriu para ti?– Também não.24ª – Costuma olhar para o povo?– Nunca a vi olhar para ele.25ª – Ouves as conversas, rumores e gritos do povo, durante o tempo

que vês a Senhora?– Não ouço.26ª – A Senhora pediu-te em maio que voltasses todos os meses até

outubro à Cova da Iria?– Disse que voltássemos lá de mês a mês durante seis meses, no dia

13.27ª – Ouviste ler a tua mãe o livro chamado “Missão abreviada”

onde se conta a história da aparição de Nossa Senhora a um menino euma menina?

– Ouvi.28ª – Pensavas muitas vezes nessa história e falavas dela a outras

crianças?– Não pensava nessa história nem a contei a ninguém.

Concluída esta inquirição, dirigi-me a casa das outras duas crianças,procedendo ali à sua inquirição, na presença do pai e de algumas dasirmãs. Interroguei primeiro a Jacinta.

1ª – A Senhora recomendou que rezassem o terço?– Recomendou.

Doc. 11 1917-10-p.11

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68 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÔÕ Ö ×ØÙÚÛÜÝ– Quando apareceu pela primeira vez.3ª – Ouviste também o segredo ou foi só a Lúcia que o ouviu?– Eu também ouvi.4ª – Quando o ouviste?– Da segunda vez, no dia de Santo António.5ª – Esse segredo é para serem ricos?– Não é.6ª – É para serem bons e felizes?– É. É para bem de todos três.7ª – É para irem para o Céu?– Não é.8ª – Não podes revelar o segredo?– Não posso.9ª – Porquê?– Porque a Senhora disse que não disséssemos o segredo a ninguém.10ª – Se o povo soubesse o segredo, ficava triste?– Ficava.11ª – Como tinha a Senhora as mãos?– Tinha-as erguidas.12ª – Sempre erguidas?– Às vezes volta as palmas para o céu.13ª – A Senhora disse em maio que queria que fossem à Cova da

Iria mais vezes?– Disse que queria que fôssemos lá durante seis meses, de mês a

mês, até que em outubro dissesse o que queria.14ª – Ela tem na cabeça algum resplendor?– Tem.15ª – Podes olhar bem para o rosto?– Não posso, porque faz mal aos olhos.16ª – Ouviste sempre bem o que a Senhora disse?– Da última vez não ouvi tudo por causa do barulho que o povo

fazia.Segue-se a inquirição do Francisco.

1ª – Que idade é que tens?– Tenho nove anos feitos.2ª – Só vês a Senhora ou ouves também o que Ela diz?– Só a vejo, não ouço nada do que Ela diz.4ª – Tem algum clarão em volta da cabeça?

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ÞTem.5ª – Podes olhar bem para a cara dela?– Posso olhar, mas pouco, por causa da luz.6ª – Tem alguns enfeites no vestido?– Tem uns cordões de ouro.7ª – De que cor é o crucifixo do rosário?– É branco.8ª – E a cadeia do rosário?– Também é branca.9ª – O povo ficava triste se soubesse o segredo?– Ficava.

Em seguida entretive-me em demorada conversa com o pai dasinocentes crianças acerca dos acontecimentos que tanto o têmpreocupado. Forneceu-me informações bastante interessantes que passoa referir, porque lançam muita luz sobre esses acontecimentos.

Doc. 11 1917-10-p.11

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70 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 121917-10-13, Monte Redondo

Carta do Pe. Manuel Pereira da Silva1, pároco de Monte Redondo, ao Pe.António Pereira de Almeida2, então na paróquia de Mata Mourisca, concelho dePombal, sobre a aparição do dia 13 de outubro de 1917.

Publ.: DCF, III-1 - Doc. 55

ßàáâãäå à åæåâå çàèåéêççåëìà íåáäîççãæåï

Meu caro

O prometido é devido. Escrevo-lhe de Monte Redondo às 9 e 1/2da noite de 13 do corrente.

Nossa Senhora fez-me a vontade. Dignou-se dar sinal evidente dasua aparição às pequenas da Fátima.

Ao meio dia estavam na Fátima mais de noventa automóveis, umainfinidade de carros de todos os tamanhos, formas e feitios, e umamultidão enorme de pessoas (multitudo magna ... ex omnibus gentibuset linguis). Tudo molhadinho, encharcado, a escorrer, mas alegre.

Cerca do meio dia vieram as pequenas ao local e começaram, comode costume, rezando o terço. Acabado ele, perguntaram os pequenos aNossa Senhora do Rosário se dava o tal sinal prometido. Imediatamenteapareceu o sol com a circunferência bem definida. Aproxima-se comoque até à altura das nuvens e começa girando sobre si mesmovertiginosamente como uma roda de fogo preso, com algumasintermitências, durante mais de oito minutos. Ficou tudo quase escuro eas feições de cada um eram amareladas. Tudo ajoelhou mesmo na lama.

Em todo o tempo, aqui e além, cantava-se, rezava-se, etc. Tudo saiusatisfeito. As pequenas disseram que apareceu Nossa Senhora doRosário. Depois apareceu (quando o sol deu sinal) S. José. As pequenasdisseram que este dissera que hoje, ou breve, seria arvorada a bandeirada paz; que rezassem o terço que em breve cá teriam as nossas tropas;

1 Nasceu a 30 de agosto de 1877, na freguesia de Monte Real, concelho de Leiria.Faleceu a 15 de fevereiro de 1951, no Santuário de Fátima.

2 Natural de Coja, diocese de Coimbra. Foi cónego da Sé Catedral da Guarda.

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ðñò óôõòööò÷ øòùôúûùüôýþ ðñò÷ñÿýööò÷ÿò qôÿý ø��ðñòþ ÿò ü�ùú���ô�þse acabaria o mundo.

Ai! que me parece que é Nossa Senhora quem ainda ampara estebarco com a sua omnipotência suplicante!

Um grande abraço e... fique-se com Deus, pois que amanhã, às 4horas, hei de marchar para a Bajouca e por isso são horas de ir roncar(media boca roncabat aberta, diz o Palito Métrico3).

SeuPe. Silva

(Leia ao Pe. Alexandre4. Diga-lhe que o Pe. Paulo5 não foi por lhefaltar, à última hora, o cavalo).

3 Poema em latim macarrónico composto pelo Padre João da Silva Rebelo so opseudónimo de António Duarte Ferrão, com primeira edição em 1746, e muitasedições posteriores.

4 Joaquim Duarte Alexandre. Nasceu em Monte Real, concelho de Leiria a 6 demarço de 1879. Foi pároco de Pala, Marinha Grande, Mata Mourisca,Fermentelos, Avelãs e Santa Cruz de Coimbra. Faleceu a 27 de agosto de 1968.

5 Paulo Gonçalves Machado. Nasceu em Braga a 8 de fevereiro de 1882. Foicoadjutor da Marinha Grande, onde foi preso várias vezes. Faleceu em Condeixa,a 30 de outubro de 1953.

Doc. 12 1917-10-13

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72 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 131917-10-15, Lisboa

O jornal “O Século” publica um artigo de Avelino de Almeida2, em que descreveo que presenciou na Cova da Iria no dia 13 de outubro de 1917 [data de redação:13 de outubro de 1917].

Publ.: DCF, III-1, Doc. 87

C����� ���ANTOSAS!COMO O SOL BAILOU

AO MEIO DIA EM FÁTIMA

As aparições da Virgem – Em que consistiu o sinal do céu –Muitos milhares de pessoas afirmam ter-se produzido um milagre – A

guerra e a paz[fotografia]

Lúcia, de 10 anos; Francisco, de 9, e Jacinta, de 7, que nacharneca de Fátima, concelho de Vila Nova de Ourém, dizem ter

falado com a Virgem Maria

(DO NOSSO ENVIADO ESPECIAL)

OURÉM, 13 de outubro

Ao saltar, após demorada viagem, pelas dezasseis horas de ontem,na estação de Chão de Maçãs, onde se apearam também pessoasreligiosas vindas de longes terras para assistir ao “milagre”, perguntei,de chofre, a um rapazote do “char-á-bancs” da carreira se já tinha vistoa Senhora. Com seu sorriso sardónico e o olhar enviezado, não hesitouem responder-me:

– Eu cá só lá vi pedras, carros, automóveis, cavalgaduras e gente!Por um fácil equívoco, o trem que nos devia conduzir, a Judah Ruah2

e a mim, até à vila, não apareceu e decidimo-nos a calcorrear

1 Jornalista, nasceu em Sintra a 10 de novembro de 1873. Colaborou em diversosjornais. Faleceu, em Lisboa, a 2 de de agosto de 1932.

2 Judah Bento Ruah, filho de Hassan Bento Ruah e de Sol Benshaia Ruah, nasceua 28 de março de 1892, em Faro. Foi diretor dos Serviços Técnicos da CâmaraMunicipal de Lisboa. Faleceu, em Lisboa, a 16 de maio de 1958.

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c�� ��ente cerca de duas léguas por não haver lugar para nós nadiligência e estarem, desde muito, afreguezadas as carriotas queaguardavam passageiros. Pelo caminho, topámos os primeiros ranchosque seguiam em direção ao local santo, distante mais de vinte quilómetrosbem medidos. Homens e mulheres vão quase todos descalços – elascom saquitéis à cabeça, sobrepujados pelas sapatorras; eles abordoando--se a grossos vara-paus e cautelosamente munidos também de guarda--chuva. Dir-se-iam, em geral, alheados do que se passa à sua volta,num desinteresse grande da paisagem e dos outros viandantes, comoque imersos em sonho, rezando numa triste melopeia o terço. Uma mulherrompe com a primeira parte da avé-maria, a saudação; os companheiros,em coro, continuam com a segunda parte, a súplica. Num passo certo ecadenciado, pisam a estrada poeirenta, entre pinhais e olivedos, parachegarem antes que se cerre a noite ao sítio da aparição, onde, sob orelento e a luz fria das estrelas, projetam dormir, guardando os primeiroslugares junto da azinheira bendita – para no dia de hoje verem melhor.

À entrada da vila, mulheres do povo a quem o meio já infetou com ovírus do ceticismo, comentam, em tom de troça, o caso do dia:

– Então vais ver amanhã a santa?– Eu, não. Se ela ainda cá viesse!E riem-se com gosto, enquanto os devotos prosseguem indiferentes

a tudo o que não seja o objetivo da sua romagem. Em Ourém só poruma amabilidade extrema se encontra aposentadoria. Durante a noite,reunem-se na praça da vila os mais variados veículos conduzindo crentese curiosos sem que faltem velhas damas vestidas de escuro, vergadas jáao peso dos anos, mas faiscando-lhes nos olhos o lume ardente da féque as animou ao ato corajoso de abandonar por um dia o inseparávelcantinho da sua casa. Ao romper da alva, novos ranchos surgemintrépidos e atravessam, sem pararem um instante, o povoado, cujosilêncio quebram com a harmonia dos cânticos que vozes femininas,muito afinadas, entoam num violento contraste com a rudeza dos tipos...

O sol nasce, mas o cariz do céu ameaça tormenta. As nuvens negrasacastelam-se precisamente sobre as bandas de Fátima. Nada, todavia,detém os que por todos os caminhos e servindo-se de todos os meiosde locomoção para lá confluem. Os automóveis luxuosos deslizamvertiginosamente, tocando as buzinas; os carros de bois arrastam-secom vagar a um lado da estrada; as galeras, as vitórias, os calechesfechados, as carroças nas quais se improvisaram assentos vão ajoujadosa mais não poderem. Quase todos levam com os farnéis, mais ou menosmodestos, para as bocas cristãs a ração de folhelho para os irracionais

Doc. 13 1917-10-15

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74 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

��� � ���������� ��Assis chamava nossos irmãos e que cumprem,valorosamente a sua tarefa... Tilinta uma ou outra guizeira, vê-se umacarrocinha adornada de buxo; no entanto, o ar festivo é discreto, asmaneiras são compostas e a ordem absoluta... Burrinhos choutam àmargem da estrada e os ciclistas, numerosíssimos, fazem prodígios paranão esbarrar de encontro aos carros.

Pelas dez horas, o Céu tolda-se totalmente e não tardou que entrassea chover a bom chover. As cordas de água, batidas por um vento agreste,fustigam os rostos, encharcando o macadame e repassando até aos ossosos caminhantes desprovidos de chapéus e de quaisquer outrosresguardos. Mas ninguém se impacienta ou desiste de prosseguir e, sealguns se abrigam sob a copa das árvores, junto dos muros das quintasou nas distanciadas casas que se debruçam ao longo do caminho, outroscontinuam a marcha com uma impressionante resistência, notando-sealgumas senhoras cujos vestidos colados aos corpos, por efeito doímpeto e da pertinácia da chuva, lhes desenham as formas como setivessem saído do banho!

** *

O ponto da charneca de Fátima, onde se disse que a Virgemaparecera aos pastorinhos do lugarejo de Aljustrel, é dominado numaenorme extensão pela estrada que corre para Leiria, e ao longo da qualse postaram os veículos que lá conduziram os peregrinos e os mirones.Mais de cem automóveis alguém contou e mais de cem bicicletas, eseria impossível contar os diversos carros que atravancaram a estrada,um deles o auto-omnibus de Torres Novas, dentro do qual se irmanavampessoas de todas as condições sociais.

Mas o grosso dos romeiros, milhares de criaturas que foram de muitasléguas ao redor e a que se juntaram fiéis idos de várias províncias,alentejanos e algarvios, minhotos e beirões, congregam-se em torno dapequenina azinheira que, no dizer dos pastorinhos, a visão escolherapara seu pedestal e que podia considerar-se como que o centro de umamplo círculo em cujo rebordo outros espetadores e outros devotos seacomodam. Visto da estrada, o conjunto é simplesmente fantástico. Osprudentes campónios, abarracados sob os chapéus enormes,acompanham, muitos deles, o desbaste dos parcos farnéis com o condutoespiritual dos hinos sacros e das dezenas do rosário. Não há quem temaenterrar os pés na argila empapada, para ter a dita de ver de perto aazinheira sobre a qual ergueram um tosco pórtico em que bamboleiam

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d��� ���� !���"""Alteram-se os grupos que cantam os louvores da Virgem,e uma lebre, espavorida, que galga matagal em fora, apenas desvia asatenções de meia duzia de zagaletes que a alcançam e prostram àcacetada...

E os pastorinhos? Lúcia, de 10 anos, a vidente, e os seus pequenoscompanheiros, Francisco, de 9, e Jacinta, de 7, ainda não chegaram. Asua presença assinala-se talvez meia hora antes da indicada como sendoa da aparição. Conduzem as rapariguinhas, coroadas de capelas deflores, ao sítio em que se levanta o pórtico. A chuva cai incessantementemas ninguém desespera. Carros com retardatários chegam à estrada.Grupos de fiéis ajoelham na lama e a Lúcia pede-lhes, ordena que fechemos chapéus. Transmite-se a ordem, que é obedecida de pronto, sem amínima relutância. Há gente, muita gente, como que em êxtase; gentecomovida, em cujos lábios secos a prece paralizou; gente pasmada,com as mãos postas e os olhos borbulhantes; gente que parece sentir,tocar o sobrenatural... A criança afirma que a Senhora lhe falou maisuma vez, e o céu, ainda caliginoso, começa, de súbito, a clarear no alto;a chuva para e pressente-se que o sol vai inundar de luz a paisagem quea manhã invernosa tornou ainda mais triste...

A hora antiga é a que regula para esta multidão, que cálculosdesapaixonados de pessoas cultas e de todo o ponto alheias às influênciasmísticas computam em trinta ou quarenta mil criaturas... A manifestaçãomiraculosa, o sinal vísivel anunciado está prestes a produzir-se –asseguram muitos romeiros... E assiste-se então a um espetáculo únicoe inacreditável para quem não foi testemunha dele. Do cimo da estrada,onde se aglomeram os carros e se conservam muitas centenas depessoas, a quem escasseou valor para se meter à terra barrenta, vê-setoda a imensa multidão voltar-se para o sol, que se mostra liberto denuvens, no zénite. O astro lembra uma placa de prata fosca e é possívelfitar-lhe o disco sem o mínimo esforço. Não queima, não cega. Dir-se--ia estar-se realizando um eclipse. Mas eis que um alarido colossal selevanta, e aos espetadores que se encontram mais perto se ouve gritar:

– Milagre, milagre! Maravilha, maravilha!Aos olhos deslumbrados daquele povo, cuja atitude nos transporta

aos tempos bíblicos e que, pálido de assombro, com a cabeçadescoberta, encara o azul, o sol tremeu, o sol teve nunca vistosmovimentos bruscos fora de todas as leis cósmicas – o sol “bailou”,segundo a típica expressão dos camponeses. Empoleirado no estribodo auto-omnibus de Torres Novas, um ancião cuja estatura e cujafisionomia, ao mesmo tempo doce e enérgica, lembram as de Paul

Doc. 13 1917-10-15

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76 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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fim, o Credo. Pergunto quem é e dizem-me ser o sr. João Maria Amadode Melo Ramalho da Cunha Vasconcelos4. Vejo-o depois dirigir-se aosque o rodeiam, e que se conservaram de chapéu na cabeça, suplicando--lhes, veementemente, que se descubram em face de tão extraordináriademonstração da existência de Deus. Cenas idênticas repetem-se noutrospontos e uma senhora clama, banhada em aflitivo pranto e quase numasufocação:

– Que lástima! Ainda há homens que se não descobrem diante detão estupendo milagre!

E, a seguir, perguntam uns aos outros se viram e o que viram. Omaior número confessa que viu a tremura, o bailado do sol; outros,porém, declaram ter visto o rosto risonho da própria Virgem, juram queo sol girou sobre si mesmo como uma roda de fogo de artifício, que elebaixou quase a ponto de queimar a terra com os seus raios... Há quemdiga que o viu mudar sucessivamente de cor...

** *

São perto de quinze horas.O céu está varrido de nuvens e o sol segue o seu curso com o

esplendor habitual que ninguém se atreve a encarar de frente. E ospastorinhos? Lúcia, a que fala com a Virgem, anuncia, com ademanesteatrais, ao colo de um homem, que a transporta de grupo em grupo,que a guerra terminara e que os nossos soldados iam regressar...Semelhante nova, todavia, não aumenta o júbilo de quem a escuta. Osinal celeste foi tudo. Há uma intensa curiosidade em ver as duasrapariguinhas com suas grinaldas de rosas, há quem procure oscular asmãos das “santinhas”, uma das quais, a Jacinta, está mais para desmaiardo que para danças, mas aquilo por que todos ansiavam – o sinal docéu – bastou a satisfazê-los, a radicá-los na sua fé de carvoeiro.Vendedores ambulantes oferecem os retratos das crianças em bilhetespostais e outros bilhetes que representam um soldado do CorpoExpedicionário Português “pensando no auxílio da sua protetora parasalvação da Pátria” e até uma imagem da Virgem como sendo a figurada visão... Bom negócio foi esse e decerto mais centavos entraram na

4 Segundo informação de Maria Elisa Cunha Serra, João Vasconcelos foi a Fátimana mesma carruagem que Maria Raposo, ela própria e outras pessoas.

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do que nas mãos estendidas e abertas dos leprosos e dos cegos que,acotevelando-se com os romeiros, atiravam aos ares seus gritoslancinantes...

O dispersar faz-se rapidamente, sem dificuldades, sem sombra dedesordem, sem que fosse mister que o regulasse qualquer patrulha daguarda. Os peregrinos que mais depressa se retiram, correndo estradafora, são os que primeiro chegaram, a pé e descalços com os sapatos àcabeça ou dependurados nos varapaus. Vão, com a alma em lausperene,levar a boa nova aos lugarejos que não se despovoaram de todo. E ospadres? Alguns compareceram no local, sorridentes, enfileirando maiscom os espetadores curiosos do que com os romeiros ávidos de favorescelestiais. Talvez um ou outro não lograsse dissimular a satisfação queno semblante dos triunfadores tantas vezes se traduz... Resta que oscompetentes digam de sua justiça sobre o macabro bailado do sol quehoje, em Fátima, fez explodir hossanas dos peitos dos fiéis e deixounaturalmente impressionados – ao que me asseguraram sujeitosfidedignos os livres pensadores e outras pessoas sem preocupações denatureza religiosa que acorreram à já agora celebrada charneca.

Avelino de Almeida

Doc. 13 1917-10-15

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78 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1917-10-16, Fátima

Interrogatório do Pe. Manuel Marques Ferreira, pároco de Fátima, a Lúcia,sobre a sexta aparição, na Cova da Iria.

Publ.: DCF, I - Doc. 6

PQAparição – 13-10-1917 – No dia 16 de outubro chamei à minhapresença Lúcia e interrogada disse que viu primeiro um relâmpago, oque se tem dado sempre: disse ao povo que se calasse que já tinha dadoo relâmpago; voltei-me para o nascente e vi vir Nossa Senhora pelo arabaixo e disse ao povo: calem-se que já lá vem Nossa Senhora – Veem--na! Veem-na!

A Senhora veio e pôs-se em cima das rosas e fitas de seda queestavam a cobrir os troços da carrasqueira.

Eu perguntei:– O que é que vossemecê me quer?– Quero-te dizer que não ofendas1 mais a Nosso Senhor; que rezem

o terço a Nossa Senhora; façam aqui uma capelinha à Senhora doRosário (Lúcia tem dúvida se foi assim se foi: façam aqui uma capelinha,eu sou a Senhora do Rosário); a guerra acaba ainda hoje; esperem cápelos seus militares, muito breve. Tudo isto disse a Lúcia que a Senhorahavia dito em resposta à 1ª pergunta.

– Tenho muitos pedidos, se a Senhora mos despacha todos ou não?– Uns despacharei, outros não.Não fiz nenhum pedido em particular porque então ainda lá estava a

fazer pedidos.– Ainda me quer mais alguma coisa?– Já não quero mais nada.Depois ela foi-se embora voltando pelo mesmo caminho e na mesma

direção e eu disse ao povo: olhem, lá vai ela! Lá vai ela! Lá vai ela!A Senhora desapareceu e parece-me que foi por a minha vista já não

ver mais, mas sem nuvens que a ocultassem.Depois diz que olhou para o sol e que viu São José à esquerda do sol

e o Menino Jesus; de S. José só viu da cintura para cima, vinha vestido

1 Na redação final deste depoimento, datada de 6 de agosto de 1918, diz-se:“ofendam”.

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Jesus, viu-o todo e estava assentado no braço esquerdo de S. José. S.José estava a fazer cruzes com a mão direita; julga que fez umas 3 ou 4,depois desapareceu; depois de S. José desaparecer estava tudo amarelo;chegou Nosso Senhor mas parecia que não divisava senão um vestidocom capa; só o vi da cintura para cima; as barbas eram pequenas e ocabelo não o vi; não cheguei a ver as mãos, vi só o peito.

Junto de Nosso Senhor estava uma Senhora em pé ao lado direitode Nosso Senhor, e Nosso Senhor estava à direita do sol. Ambos tinhamresplendor amarelo, não tinha menino; esta Senhora estava vestida debranco e tinha um manto azul pela cabeça; tinha as mãos sobre o peito,de palmas para o peito por baixo uma da outra. A saia era branca ecomprida e chegava aos pés; parece-lhe que a saia e casaco brancosnão eram dourados; não a via tão bem no sol como quando estava nacarrasqueira; depois desapareceu.

Junto com S. José vi outra imagem ou Senhora que estava ao ladodireito do sol; vi-a toda vestida de encarnado, o manto era azul debruadoao pescoço; tinha as mãos à cintura com os dedos entrelaçados; nãotinha menino, tinha resplendor amarelo; desapareceu com S. José.

Na ocasião em que estava a ver esta imagem estava o povo a gritar:olhem! olhem! tão bonito!

E eu também olhei a dizer ao povo que olhassem para lá, que estavaS. José e depois Nosso Senhor.

A Senhora da Carrasqueira vinha vestida de branco exatamente comodas outras vezes; não vi nem menos, nem mais; a saia julgo que era curtacomo das mais vezes; disse que o dinheiro era para uma capela mas nãotodo, porque algum deve ser para um andor; disse que não tinha ideiade quem devia fazer a capela ou tomar a direção.

Doc. 14 1917-10-16

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80 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1917-10-19, Aljustrel

Interrogatório do Pe. José Ferreira de Lacerda1 aos videntes Jacinta, Lúcia eFrancisco.

Publ.: DCF, I - Doc. 46 (questionário) e Doc. 47 (respostas)

Interrogatório da Jacinta

1- Quantos anos tem? De quem é filho? – Jacinta de Jesus, de 7 anos, filha de Manuel Pedro Marto e

Olímpia de Jesus - tem 8 irmãos. De duas camas2.2 - O que faziam quando viram a Senhora?3 - É verdade o menino correr a Imagem à pedra?4 - Como apareceu a Imagem?5 - Que vestidos trazia e o que disse?2º - Era meio dia e guardavam as ovelhas quando viram uma

Senhora vestida de branco, de mãos postas com umas contas brancasenfiadas no braço. O rosto era branco, não tem com quem possacomparar; somente na altura diz que era igual a Virgínia3 – (Arapariga tem 12 anos) 1 m e 10; que lhes aparecera em cima daazinheira.

Que o irmão que atirara com uma pedra às ovelhas e passarajunto dela.

6 - Ouviram todos?6 - Ouve. Que dissera que fossem lá 6 vezes até fazer 6 meses e

que depois diria o que queria e desaparecera.

1 Nasceu em Monte Real, a 23 de abril de 1881. Foi pároco de Alvorge, Vieira deLeiria e Milagres. A 2 de maio de 1917, partiu para França, como capelão militarvoluntário do Corpo Expedicionário Português, regressando a 25 de setembrodo mesmo ano. Fundou o semanário “O Mensageiro”, sendo seu diretor, até àsua morte, a 20 de setembro de 1971.

2 “De duas camas” é uma expressão popular usada para designar dois matrimónios.Do segundo matrimónio com Manuel Pedro Marto, Olímpia de Jesus teve setefilhos (José, Teresa (f. 1902), Florinda, Teresa, João, Francisco e Jacinta). Comoa segunda filha, Teresa, já tinha morrido, Jacinta tinha, em 1917 cinco irmãos edois meios irmãos, estes do primeiro casamento de Olímpia de Jesus com JoséFerreira Rosa.

3 Virgínía de Jesus, filha de António da Silva e Teresa de Jesus e prima materna deLúcia, nascida a 11 de maio de 1904.

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m nTinham ido à missa no domingo anterior? E onde?7 - Vai todos os domingos à missa; no dia da aparição era de

semana e não tinha ido à missa.8 - Onde costumam ir à missa?8 - Vai à missa à Fátima9 - Que veste a Imagem da capela onde costumam ir à missa?9 - Que sabe que na igreja existe a Senhora do Rosário mas não

tem contas, nem tem um vestido branco.10 - Tinham ouvido algum sermão sobre Nossa Senhora de Lourdes

ou prática?10 - Não sabe.11 - Costumavam ir muitas vezes à missa mesmo de semana?11 - Vai à missa só ao domingo; porque a mãe não a deixa.12 - O que fizeram depois de verem a Senhora?12 - Só à noite vieram para casa e disseram que tinham visto a

Senhora do Céu, pois assim ela se chamara.13 - Que fatos trazia ela da 1ª vez e das outras vezes?13 - Sempre o mesmo vestido.14 - Disse porque vinha no dia 13?

[...]15 - Viram sempre as manchas no sol?15 - Só na última vez é que viram no sol o Menino Jesus e São

José e Nossa Senhora. Mas a Lúcia viu melhor.16 - Como estava ela na Azinheira? Ria-se ou estava triste?16 - Estava séria.17 - De que cor era o vestido e como trazia os braços?17 - Vestido todo branco, em baixo apertado, mãos erguidas.18 - Tiveram medo quando viram a Senhora?18 - Teve medo da 1ª vez; ela disse que não tivesse medo, que

não fazia mal.19 - A quem disseram que a tinham visto?19 - Disse ao pai e irmão que tinha visto a Senhora.20 - Quando falaram com qualquer padre sobre o assunto?20 - Não disse.21 - O que lhes disse este?21 - Não se lembra.22 - O que disse Nossa Senhora da 1ª vez?

da 2ªda 3ª “ 4ª

Doc. 15 1917-10-19

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o pr

“ 6ª22 - Dia de Santo Antonio (2ª vez) disse que aprendesse a gente

a ler.Diz o pai que estavam umas 50 a 60 pessoas.Da última vez - A Lúcia perguntou o que ela queria e Ela disse - Que

acabava a guerra no dia 13 - Quando chegasse ao Céu.– Que o povo se não quisesse emendar acabava o mundo; se não se

quisesse emendar acabava a guerra.Não ouviu mais. A Senhora estava triste quando dizia isto.23 - São pobres ou remediadas?[...]24 - Costumam rezar o terço todos os dias?24 - Todos os dias rezam o terço.25 - Ouviram falar alguma vez em que Nossa Senhora aparecera

aos soldados?25 - Nunca ouviu.26 - O sr. prior tinha pedido o terço pelos soldados?26 - Que sim.27 - Sabem ler ou ouviram em casa ou em alguma parte ler que

Nossa Senhora aparecera?27 - Nunca ouvira.28 - A quem disseram pela primeira vez que viram Nossa Senhora?28 - Pais e irmãos29 - Quem são os pais e como se chamam? De que vivem? Idade,

sentimentos religiosos – Rezam o terço à noite em casa ou dão graças?[...]

30 - Têm contado e sabem a história de Lourdes ou La Salette ouNossa Senhora de Monserrate?

30 - Não ouviu31 - São alcoólicos? O que disseram às filhas e ao filho?

[...]32 - O que disse a Senhora de cada uma das vezes?

1ª.2ª.3ª.4ª.5ª.6ª.

32 - [...]33 - A Senhora disse a que horas vinha e os dias?

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34 - Da 2ª vez foi gente assistir? O que viram?34 - Foram umas 50 pessoas.35 - Da 2ª

Da 3ªDa 4ªDa 5ª[...]

36 - O que queria a Senhora? Disse a que vinha?36 - Nunca ouviu dizer à Senhora a que vinha. A Senhora falava

devagar.[37]37 - Não teve medo de lá ir.[38][38] A Jacinta só se confessou este ano.

Interrogatório da Lúcia

1 - Quantos anos tem? De quem é filho?1 - Lúcia de Jesus - 10 anos, vai em 11. O pai António dos Santos

Abóbora e Maria Rosa. Tem 5 irmãos.2 - O que faziam quando viram a Senhora?2 - Guardava as ovelhas. Deu um relâmpago e eu disse: ó

Francisco é melhor irmos embora que vem trovoada. Deu outrorelâmpago e olhei para a carrasqueira e vi uma Senhora que disse:Não tenham medo que não faço mal. Estava em cima dacarrasqueira. A Senhora era nova, tinha saia justa. Não sabe o queé saia travadinha, e tem visto senhoras com saias às pregas mas ovestido da Senhora não era. Não reparou se o vestido era inteiro.

3 - É verdade o menino correr a Imagem à pedra?3 - Noutro ano é que o João atirara a pedra.A mãe conta que o ano passado em maio aparecera outra

imagem e que esta é que fora corrida. Só um ano depois é quehouve outra aparição.

4 - Como apareceu a imagem?4 - [...]5 - Que vestidos trazia e o que disse?5 - Primeira vez que não tivéssemos medo que não fazia mal:

fosse a gente lá 6 vezes até fazer 6 meses e depois dizia o que queria.Foi a pouco e pouco subindo e desapareceu.

Doc. 15 1917-10-19

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84 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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6 - [...]7 - Tinham ido à missa no domingo anterior? E onde?7 - Tinha ido à missa que era domigo na 1ª aparição. Apareceu

ao meio-dia.8 - Onde costumam ir à missa?8 - [...]9 - Que veste a Imagem da capela onde costumam ir à missa?9 - Que na Igreja há a Senhora do Rosário, mas tem um menino,

um manto e não tem contas e aquela tinha contas.10 - Tinham ouvido algum sermão sobre Nossa Senhora de Lourdes

ou prática?10 - Não sabia da história de Lourdes, mas um sr. prior contou-

-a agora.11 - Costumavam ir muitas vezes à missa mesmo de semana?11 - Às vezes.12 - O que fizeram depois de verem a Senhora?12 - Vieram embora e não contou nada. Tinha visto o outro ano

e tinha contado à mãe e ela ralhou-lhe. A primeira vez que vira foinum sítio chamado as Estrumeiras.

13 - Que fatos trazia ela da primeira e das outras vezes?13 - Trazia sempre o mesmo fato.14 - Disse porque vinha no dia 13?14 - Vid. nº 5.15 - Viram sempre as manchas no sol?15 - Nunca vi nada no sol porque só olhava para a Senhora.16 - Como estava ela na Azinheira? Ria-se ou estava triste?16 - Estava séria17 - De que cor era o vestido e como trazia os braços?17 - Branco - braços erguidos.18 - Tiveram medo quando viram a Senhora?18 - Tiveram medo da primeira vez.19 - A quem disseram que a tinham visto?19 - Esta não disse. A Jacinta é que espalhou.20 - Quando falaram com qualquer padre sobre o assunto?20 - Não contou logo, mas sim mais tarde.21 - O que lhes disse este?21 - Fez perguntas e não disse nada.22 - O que disse Nossa Senhora da 1ª vez?

da 2ª

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“ 4ª “ 5ª “ 6ª

22 - Da 2ª vez: Que continuasse a gente lá a ir e que aprendessea ler.

3ª vez - Que continuasse a vir, que rezasse o terço a N. Senhorapara que acabasse a guerra pois só ela é que podia valer. Demorava--se pouco; já estava muita gente.

4ª vez - Fui presaDa 5ª vez - Não se recorda.Da 6ª - Que não ofendesse a gente mais a Nosso Senhor que ele

já estava muito ofendido. – Que rezasse a gente o terço a NossaSenhora do Rosário para que ele nos perdoasse os nossos pecados,querendo a gente ir para o Céu.

Que fizesse ali uma capelinha à Senhora do Rosário, querendo;que a guerra acabava hoje e que esperassem pelos nossos militaresmuito breve.

[...]Desaparecia primeiro a cabeça, depois o corpo e os pés.Viu junto ao sol - uma coisa que parecia uma cara dum homem

e dum menino.20 [sic] - Quando falaram com qualquer padre sobre o assunto?20 - Não foi logo. Foi depois.21 [sic] - O que lhes disse este?21 - Este disse-lhe porque lhe não fora logo contar.23 - São pobres ou remediadas?23 - [...]24 - Costumam rezar o terço todos os dias?24 - Sabe rezar o terço e rezava-o às vezes, muita vez, mesmo

com as ovelhas; agora reza-o todos os dias.25 - Ouviram falar alguma vez em que Nossa Senhora aparecera

aos soldados?25 - Não se recorda quando mas já ouviu dizer.26 - O sr. prior tinha pedido para rezarem o terço pelos soldados?26 - Não se recorda.27 - Sabem ler ou ouviram em casa em alguma parte ler que Nossa

Senhora aparecera?27 - Não sabe ler.28 - A quem disseram pela primeira vez que viram Nossa Senhora?28 - A Jacinta espalhou e ela disse que sim.

Doc. 15 1917-10-19

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86 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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sentimentos religiosos, rezam o terço à noite em casa ou dão graças?29 - A mãe sabe ler e tem lido coisas de Nossa Senhora, diz o

prior, e Lourdes - Missão abreviada.30 - Têm contado e sabem a história de Lourdes ou La Salette ou de

Nossa Senhora de Monserrate?30 - [...]31 - São alcoólicos? O que disseram às filhas e ao filho?31 - [...]32 - O que disse a Senhora de cada uma das vezes?

1ª -2ª -3ª -4ª -5ª -6ª -[...]

33 - A Senhora disse a que horas vinha e os dias?33 - Nunca disse a que horas vinha mas nós íamos lá àquelas

horas.[37]4

[37-] A Senhora disse-lhe um segredo mas ela não o revelará.[38][38] A Lúcia já fez a 1ª comunhão.

Interrogatório do Francisco

1 - Quantos anos tem? De quem é filho?1 - Francisco Marto - de 9 anos - irmão da Jacinta.2 - O que faziam quando viram a Senhora?2 - Guardava o gado.3 - É verdade o menino correr a Imagem à pedra?[3] O irmão é que o ano passado correu a Senhora.N. B. A Jacinta diz que sim.4 - Como apareceu a Imagem?

4 Quase certamente, o autor dispensou-se de fazer as perguntas nº 34 a 36. Talcomo no interrogatório anterior, o Pe. Lacerda também aqui continuou a conversacom a Lúcia, de que resultaram as duas respostas seguintes.

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6 - Ouviram todos?4 - Fazia sol, vinham a passar e viu uma mulher vestida de branco.

Não viu relâmpagos; a Lúcia é que viu. As ovelhas fugiam para oschícharos e milho mas a Senhora disse que não se importassem queas ovelhas não tombavam, nem comiam. Depois da apariçãocomiam.

A Lúcia diz que a Senhora não disse nada, só se foi à Jacintaporque ela lhe tinha já aparecido.

Via (Francisco) a Imagem.Trazia um manto na cabeça e o vestido era todo branco.13 - Que fatos trazia ela da 1ª vez e das outras vezes?[13 -] Trazia sempre o mesmo fato, ela era bonita.[...] 15 - Viram sempre as manchas no sol?[15 -] Viu S. José e o Menino Jesus no sol.[...] 22- O que disse N. Senhora da 1ª vez?

da 2ªda 3ª “ 4ª “ 5ª “ 6ª

[22 -] Nunca a ouviu falar.[24 -] Costumam rezar o terço todos os dias?[24 -] Rezavam o terço quando tinham vagar.

Doc. 15 1917-10-19

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88 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1917-10-19, Lisboa

Ofício de D. João Evangelista de Lima Vidal, Arcebispo de Mitilene1, ao Pe.Faustino José Jacinto Ferreira, Vigário de Ourém2, a incumbi-lo de receber osdepoimentos de testemunhas dos factos ocorridos no dia 13 de outubro de 1917,na Cova da Iria.

Publ.: DCF, I - Doc. 23

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Para os efeitos convenientes seja V. S. R. servido receber, enviando--no-los depois, os depoimentos do maior número possível de pessoasfidedignas que tenham sido testemunhas presenciais dos factos ocorridosem Fátima, no dia 13 do corrente mês de outubro.

Deus Guarde a V. S. R.

Lisboa e Paço Patriarcal, 19 de outubro de 1917

Ilustríssimo e Reverendíssimo SenhorVigário da Vara de Ourém

† João, Arcebispo de Mitilene

1 D. João Evangelista de Lima Vidal nasceu em Aveiro, a 2 de abril de 1874 . A 28de janeiro de 1909 foi nomeado Bispo de Angola e Congo e a 9 de dezembro de1915, arcebispo de Mitilene. Em virtude da expulsão do Cardeal Patriarca, D.António Mendes Belo, foi incumbido, a 29 de agosto de 1917, do expedientedos assuntos eclesiásticos do Patriarcado. Foi nomeado Bispo de Vila Real, a 3de maio de 1923, administrador apostólico de Aveiro, a 24 de agosto de 1938, ebispo residencial, a 22 de janeiro de 1940. Faleceu a 5 de janeiro de 1958.

2 Nasceu a 24 de janeiro de 1853, em Espite, concelho de Ourém. Embora residindosempre no Olival, foi vigário de Ourém, desde 1892 até à sua morte, a 10 de julhode 1924.

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Doc. 171917-10-p.191,, Alcanhões

Testemunho de Leonor de Avelar e Silva Constâncio2, sobre as aparições deFátima.

Publ.: DCF, III-1 - Doc. 129

ÐÑÒÓÔÕÖ×ØÙÙÙ ÚÔ ÛÜÝÒÞÔ

Tendo-nos constado nos fins de julho, que havia na freguesia daFátima, em plena Serra de Aire, três pastorinhos que desde maio, erama 13 de cada mês favorecidos por uma aparição celeste, resolvemos irlá em agosto e nos dois meses seguintes, visto as crianças dizerem que aaparição lhes revelara que viria ali durante seis meses. Queríamos colherinformações, averiguar o que havia, embora tivéssemos a certeza quemesmo que isto fosse verdade, nós não veríamos essa aparição, masqueríamos ao menos ver as crianças, ver a sua atitude durante a aparição,falar depois com elas.

Fomos pois ali no dia 13 de agosto. Saímos de casa às 9 1/2 damanhã; o dia estava bonito, mas não muito quente, havia até umatemperatura agradável. Íamos comovidos, apreensivos, recolhidos,esperando nem eu sei bem o quê. Depois de um passeio de perto de 3horas de automóvel, chegámos enfim a Fátima, e ali nos disseram que olocal da aparição era na Cova da Iria, a uns três quilómetros da povoação,para onde nos dirigimos. Era já grande a aglomeração de gente quandoali chegámos. Na Fátima uma mulher do povo tinha-nos dito: “logo sabemonde é, hão de ver à sua direita um mundo de gente, é aí.” E assim era.Deixámos o carro na estrada e percorremos a pé alguns metros até aosítio onde a multidão era mais compacta, ouvindo-se cantar o Avé deLourdes.

Indagámos se as crianças já tinham chegado pois difícil era ver quemrodeava a carrasqueira, arbusto, onde segundo diziam pousava a aparição.

1 O documento não está datado, mas é, seguramente, posterior a 19 de outubro de1917, pois refere o interrogatório feito pelo Dr. Formigão nesse dia, na presençade Maria Cândida de Avelar e Silva e de suas filhas, Laura de Avelar e Silva,Maria de Avelar e Silva e Leonor de Avelar e Silva Constâncio.

2 Tia-avó de Maria Leonor Lobo da Silva Gomes Pereira, Servita de Nossa Senhorade Fátima, que ofereceu este testemunho ao Santuário de Fátima.

Doc. 17 1917-10-p.19

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só teria lugar do meio dia para a uma, as crianças só viriam perto dessahora. Alegámos que sendo já perto de uma hora, as crianças já deveriamali estar. “Por que horas se regulam?” (pergunta-nos uma mulher dopovo). É pelas modernas? ... Nem a Senhora nem as meninas se regulampor elas, mas sim pelas antigas, que são as verdadeiras”. – Enquantoesperávamos fomos conversando com o povo e indagando dos que jános meses anteriores ali tinham ido, o que costumava passar-se.Disseram-nos que à hora indicada o sol se encobriria por leves nuvens,e que um nevoeiro envolveria o arbusto sobre o qual, Nossa Senhora,descendo de uma nuvem, pousaria a falar com as crianças.

A pouco e pouco fomos encontrando entre a multidão várias pessoasconhecidas, e até ainda nossas parentas. Juntámos-nos todas, fomoscolhendo informações e comentando-as, achando umas algoextraordinárias e outras inverosímeis.

Nesta altura aparece um homem dizendo-nos que as crianças nãoviriam, porque tinham sido presas pelo administrador do concelho e porele levadas para Vila Nova de Ourém. De princípio, ninguém acredita,julga-se que se trata de uma brincadeira de mau gosto, da parte dohomem, mas é tal a intimativa com que ele o afirma, que uma Senhorase oferece para, no seu auto ir a Fátima, saber o que lá se passara.Voltou, e no seu rosto, vemos todos que é verdadeira a notícia. Oadministrador oferecendo-se para levar as crianças para a Cova da Iriadepois de as ter interrogado, leva-as traiçoeiramente presas para VilaNova de Ourém. Com que direito? O que tinham feito as crianças paraserem presas?... Nada, era a perseguição que principiava.

Todos protestam, todos se indignam, mas é um protesto ordeiro, e,apesar de ali estar muita gente, umas 5 a 6 mil pessoas, ninguém pensaem se revoltar, em lutar. Eram crentes, gente cheia de fé, e não brigõesque ali se encontravam.

Das pessoas presentes, muitas pensam em ir-se embora, mas, dopovo sobretudo, sai este grito “Fiquemos e esperemos, ainda não chegoua hora, e se isto é coisa do Céu há de manifestar-se, mesmo apesar deas crianças terem sido presas, pois contra o poder de Deus e da Virgem,a autoridade não pode nada”.

Admirámos a fé do povo, e todos ficámos aguardando cheios deansiedade a hora anunciada.

Como nos não lembrávamos dos 37 minutos já de há muitoadiantados, às 2 horas pensávamos já todos em nos retirar, pensandoque, por estarem ausentes as crianças, nada de anormal se passaria.

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a todos nos fez voltar, e foi-nos dado então, o presenciar a maiscomovente manifestação de fé a que jamais tínhamos assistido.

O povo caindo todo de joelhos de mãos e olhos erguidos ao Céuimplorava Deus e a Virgem; os homens, e era deles a maioria,descobertos, de joelhos em terra, deixavam correr livremente as lágrimas.Era realmente impressionante.

Todos olhavam para o Céu, que, uma ligeira nuvem, como que umafiníssima renda branca, em sítios rosada, cobria. O sol, que por uminstante se escondeu de todo, deixou-nos alumiados por uma luz esquisita,notando-se umas manchas amarelas no chão e sobre nós todos, e umagrande baixa de temperatura como sucede quando há um eclipse de sol.Alguém diz: “Olhem o nevoeiro em volta da carrasqueira!” Olhámos eefetivamente ele lá estava. Era realmente um nevoeiro? Era fumo? Erapó?... Poderia ser qualquer destas coisas, mas a mim mais me pareciafumo que, saindo como que de um perfumador se levantasse do chãoem leves espirais e se desfizesse logo em volta do arbusto.

Alguns, diziam ser pó, que uma leve brisa levantava, mas comoexplicar que a brisa só soprasse naquele sítio, e que assim sucedessesempre no dia 13 de cada mês?! ... Nessa altura já o sol tinha retomadotodo o seu antigo brilho. De súbito um homem das Lapas (lugar nãolonge de Torres Novas) que ali tinha ido só para satisfazer a mulher, eque não acreditava na possibilidade do milagre, grita banhado em lágrimas:“Eu vejo, eu vejo a Senhora!!! Olhem, nesta direção entre aquelas duasnuvens, não a veem?” Todos olhámos na direção indicada mas... nenhumde nós viu mais do que as nuvens. No entanto o homem cheio de fédizia: “Prendam-me se quiserem, mas hei de sempre dizer o que vi”!

A mulher, não viu nada, mas estava radiante por ter sido o maridoquem tinha visto, pois que não acreditava; ela acreditava, não precisavaver.

Veria realmente este homem alguma coisa, ou seria mera sugestão?– Não era nem um velho, nem uma criança, era um homem, dos seusquarenta anos, estava portanto em toda a força da vida e por isso talvezmenos apto a ser sugestionado. Não era um ateu, pois que tinha vindoda sua casa ao Bairro, lugar ali perto, para ouvir um sermão, mas era umincrédulo do milagre.

Mais pessoas do povo diziam ter visto, mas o que viam? Não sei,mas daqueles com quem falei o que mais me impressionou foi o homemdas Lapas.

Fui para a Fátima sem ter a presunção de ver Nossa Senhora, emboraacreditasse que Ela poderia bem mostrar-se às crianças, e às almas

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com a visão, nem por ter adquirido a certeza que ali ia buscar, de que N.Senhora aparecia realmente às crianças, vim no entanto muito consoladacom a grande e espontânea manisfestação de fé a que assisti, e a quenão contava assistir nunca neste nosso Portugal, onde as doutrinaserróneas tanto têm abalado a fé do povo. Mas louvado seja Deus! Aindahá muita fé em Portugal, e nos dois meses seguintes veria eu ainda crescero número dos manifestantes muito além de toda a minha espetativa.

Dali fomos, todos muito impressionados a casa do Revº Prior daFátima, para colher mais informações, e sobretudo informações a quepudéssemos dar crédito. Mas S. Rev.cia foi de uma grande reserva,dizendo-nos, não querer contribuir de forma alguma para sugestionar osoutros.

Só ali soubemos que as três crianças, naturais de Aljustrel, pequenapovoação da freguesia da Fátima, diziam que uma Senhora lhes apareciano dia 13 de cada mês, falava com elas, respondia às suas perguntas, elhes recomendava que rezassem o terço e o oferecessem à Senhora doRosário. O Revº. Prior nem sequer nos quis dizer como as criançasdescreviam a aparição.

Voltámos pois da Fátima convencidos de que alguma coisa de anormalse tinha passado. Um eclipse de sol é um facto conhecido, vulgar mesmose quiserem, mas como se explica que em quatro meses consecutivos,ele se desse sempre no mesmo dia, e à mesma hora, sem que a ciênciao tivesse anunciado? E o tal nevoeiro que só se via naquele sítio?Soubemos depois, que, as crianças postas em liberdade no dia 15, diziamter sido no dia 19 favorecidas com nova aparição, não na Cova da Iria,mas nos Valinhos, onde andavam apascentando o gado. Que a Senhoralhes recomendara novamente que rezassem o terço em honra da Senhorado Rosário para abrandar a guerra, e que por terem sido presas no dia13 não se veriam, no próximo mês, os mesmos sinais, e que o milagreseria mais conhecido. Mas que Ela viria no dia 13 de setembro à Covada Iria, e que fossem as crianças também lá.

Nesse dia estávamos nas Caldas da Rainha, mas lá fomos outra vezà Fátima. A manhã estava linda, o céu de um azul intenso estavacompletamente limpo de nuvens, um sol brilhante e muito quente, nãohavia a mais ligeira brisa.

Chegámos ali perto do meio dia, era ainda muito maior a concorrênciade gente, do que em agosto. Não sei calcular, mas em agosto avaliaramestarem ali umas 5 a 6 mil pessoas, e em setembro umas 15 a 20 mil.

Todos receavam que as crianças fossem de novo impedidas de vir,mas Deus não permitiu tal. As pessoas presentes iam no entretanto

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c������� �Avé, e outros cânticos, sendo um à Senhora da Carrasqueira,de que ainda não consegui obter a letra, cântico feito pelo povo; outrasrezavam o terço. Chegaram as crianças e começaram a rezar o terçoque a mais velha meditava; rezaram depois a Ladainha. De repente, semque o céu se toldasse, sentiu-se uma diferença na temperatura, viu-seque a intensidade do calor do sol tinha diminuído, e viram-se no chão asmanchas amarelas que também se notavam sobretudo nas blusas brancasque algumas senhoras tinham. Foi um só instante, tudo passourapidamente. O povo, como em Agosto, caiu por terra de joelhos,manifestando a sua fé.

Em agosto não havia ali um só padre, não queriam que se dissesseque eles iam ali sugestionar o povo; em setembro vi lá alguns, mas todosprocuravam ver os fenómenos naturais e convencer-se de que só issohavia. Nada diziam, quase não falavam ao povo, a não ser que com elesfalassem, e a um ouvi eu, ao passar, que não se devia nem afirmar nemdar crédito por enquanto àquelas coisas.

Eu só vi o ligeiro eclipse de sol, mas muitas pessoas viram uma estrela,ou antes uma pequeníssima nuvem, como que um pequenino floco dealgodão branco, que qual estrela cadente, atravessou o firmamento, vindado nascente para o poente, e desapareceu no espaço como quesubmergida de repente! Ouvi isto a mais de uma pessoa, contado damesma maneira, sem que estas pessoas estivessem juntas ou ouvissemas outras contar. Merece-me pois todo o crédito. Coincidiu estapassagem da nuvem ou estrela por cima da carrasqueira, com a hora aque as crianças dizem ter visto a Senhora.

Houve também quem dissesse ter visto duas estrelas, e algumaspessoas afirmavam ter visto três! Não seria muita estrela junta?!... Nãosei, mas o que me pareceu foi que os que diziam tê-las visto estavamconvencidos de que diziam a verdade.

Voltámos para as Caldas impressionadas, e o mesmo sucedeu a muitasoutras pessoas que das Caldas lá foram e tanto nos impressionou, queas pessoas conhecidas que a nossa casa foram saber novas, fizeramlogo tenção de ir à Fátima em outubro. E no entanto nós afirmávamos atodos nada ter visto, senão um leve eclipse de sol e uma extraordináriamanifestação de fé.

Chegou o dia 13 de outubro e apesar da manhã estar feia e chuvosa,e de ter chovido durante a noite, o que não sucedia há meses, e que eraportanto já uma graça que Deus nos fazia, pois os campos estavamsequíssimos; enchemo-nos de coragem e lá partimos para a Fátima. Aochegarmos a Torres Novas chovia torrencialmente. No entanto

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garagem. Tínhamos pressa de chegar, mas Deus tinha resolvido que nãochegaríamos a horas de ver o fenómeno solar, que a todos tantoimpressionou.

Pouco depois de sairmos de Torres Novas, sucedeu-nos um desastrede que só milagrosamente escapámos. Enterrou-se-nos o carro na beirada estrada, onde o terreno era falso, e este começou a desabar pouco apouco. Uma roda do jogo dianteiro já estava no ar, e a de trás não seachava a mais de um palmo afastada do abismo, e mesmo esse poucoterreno parecia querer desabar também. Saímos do carro, e julgámosnão o poder tirar dali, e demos graças a Deus por termos escapado.Engatam-se dois bois ao carro e ao primeiro arranco, fica pior do queestava. O carro é muito grande e muito pesado, vão-se portanto buscarmais bois, e engatam-se-lhe quatro. O mais pequeno movimento falsofaria rolar o carro por uma ribanceira de uns três metros de altura,arrastando na queda alguns homens. É grande o perigo, invocámos aSenhora do Rosário e dá-se o sinal para que todos puxassem na mesmadireção. Um só arranco, e o carro desliza lindamente para o meio daestrada. Passámos nisto uma hora e quarenta minutos, em que estivemosparados na estrada sob uma chuva miudinha e persistente, e com os pésencharcados. Estava constipadíssima e muito rouca, e apesar de terapanhado muita chuva e de ter humedecido muito os pés, não piorei,antes pelo contrário, voltei para casa menos rouca.

Outra graça me fez Deus. Sou de ordinário muito pouco paciente,pois apesar de ter um grande ferro de ver que não chegava a horas, nãome impacientei. Antes pelo contrário, senti-me sempre conformada ebem disposta.

Continuámos a nossa jornada, e chegámos finalmente à Fátima, massó meia hora depois de se ter dado o maravilhoso fenómeno, hoje já detodos conhecido pelas lindas descrições publicadas pelo “Século” eoutros jornais.

Que imenso ferro não o ter eu visto!Chegada à Fátima procuro ver pessoas conhecidas, para trocar

impressões. Todos me dizem o mesmo, todos viram... Mas viram oquê? – lhes pergunto: “Vimos o sol, coberto como que por uma chapade prata, num constante movimento de rotação, despedindo raiosvermelhos, amarelos, roxos, e parecendo desprender-se do Céu eaproximar-se da terra.”

Falei com o povo, dizia-me o mesmo, posto que, por outras palavras.Diziam-me ter visto Nossa Senhora, S. José, o Menino Jesus, e que sei

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e*+,,, Toda a corte celestial, ao mesmo tempo que tinham visto dançar osol. Não acreditei em tanta visão.

É certo, que é possível que julgassem ter visto; sugestão talvez. Onosso povo, em geral muito ignorante é muito crédulo, e fácil lhe seria oconvencer-se de que realmente via, o que desejava ver. É mesmo graçasa esta facilidade de convicção que por vezes as doutrinas demagógicas,têm sido ouvidas e acreditadas por ele!

Nas classes mais cultas ninguém me disse ter visto a aparição celeste,mas certo é que todos, ilustrados e não ilustrados, manifestavam a suafé. E que magnífica e imponente manifestação de fé, a daquela enormemultidão de cerca de 50 mil pessoas, quase todas ali levadas pela fé,pelo desejo de se certificarem da veracidade dos factos que tinhamouvido narrar! Em quase todos os olhos haviam lágrimas, mas lágrimasda alegria infinda que lhes ia na alma. Todos se convenciam que algumacoisa de sobrenatural se havia passado, e agradeciam a Deus, lembrar--se ainda deste pobre e tão culpado Portugal.

Magnífica a profissão de fé do Engenheiro Sr. João Amado, que,sem respeitos humanos, nem receios, a proclama bem alto. É lindo oseu gesto, quer nesse momento, quer quando humildemente se acusa depecador; lindo e edificante. Oxalá tenha imitadores.

Ainda desta vez não conseguimos falar às crianças, que todoscercavam procurando falar-lhes, e como se fazia tarde, voltámos paracasa.

Não voltei da Fátima com a inteira convicção de que N. Senhoraaparecera às crianças, conquanto nada me repugnasse a acreditá-lo. ADeus nada é impossivel, mas tinha dúvidas, e persistem ainda essasdúvidas, pois só à Igreja reconheço o direito de se pronunciar claramentesobre o caso.

Mas se não tive a consolação de ver desfeitas as minhas dúvidas,por qualquer prova retumbante, consolou-me, e muito, o ver aquelaaglomeração de gente, que ali foi com grande fé e entusiasmo. Nem achuva persistente que encharcou os caminhos os impediu de ali irem! EDeus sabe com que sacrifício muitos lá foram, uns sacrificando umasaúde mais ou menos frágil, e por isso arriscados a adoecerem, outrosfazendo sacrifícios monetários, já porque alguns perdiam dois e trêsdias para lá irem, já porque os meios de transporte eram caríssimos,atendendo a grande distância que separa a Fátima, de qualquer estaçãode caminho de ferro.

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nosso povo que é bom, ainda alguma coisa se pode fazer e que ele peloseu ideal é capaz de trabalhar e de se sacrificar com amor, alegria eentusiasmo. – E para prova, era vê-los marchar pelas lamas, pelasestradas encharcadas, pelas pedras escorregadias, alegres, semdesfalecimento, cheios de coragem, ora entoando alegremente o “Avé”e outros cânticos, ora recitando piedosamente o terço em comum.Certamente deste povo ainda se pode esperar um ressurgimento.

Voltei à Fátima no dia 19 de outubro, fui ver as crianças e falar comelas. Foi connosco um sacerdote que já por vezes as tinha interrogado,sendo interessantíssimos esses interrogatórios.

Ao contrário do que sucedera a algumas pessoas, agradaram-meimenso as crianças, que são robustas, sadias, alegres, francas esimpáticas, com uma desenvoltura própria da sua idade. Não fugiramde nós, antes nos receberam amavelmente. Assistimos a um demoradointerrogatório, feito a cada criança separadamente. Respondemfrancamente, prontamente, e com a maior singeleza. No entanto vê-seque gostam pouco de ser interrogadas, que isso as maça, e que sórespondem, por se acharem obrigadas a isso.

A ser certa a visão, haveria uma certa diferença entre a maneira comoela se revelava a cada criança. Assim, a mais velha Lúcia era de certo amais privilegiada, via, ouvia e falava com a aparição, fazendo-lhe pedidose perguntas, e obtendo respostas. A mais novita, Jacinta, via e ouvia aSenhora mas nunca lhe falou, nem esta se lhe dirigiu diretamente. Orapazito, Francisco, via a Senhora, mas nunca a ouviu falar nem sequera viu mexer os lábios, e nunca A viu tão distintamente como em 13 deoutubro.

Interrogámos as crianças, para saber como se tinha dado a primeiraaparição. Responderam com simplicidade que no dia 13 de maio, quandona Cova da Iria andavam apascentando o seu rebanho, fez uma grandetrovoada. Pensavam em juntar o rebanho e irem-se embora, quandodum relâmpago viram aparecer uma Senhora. Amedrontados, quiseramfugir, mas a aparição disse-lhes que não fugissem, pois nenhum mal lhesfaria. Antes de começar a trovoada as crianças estavam rezando o seuterço, e a aparição recomendou-lhes que rezassem o terço à Senhorado Rosário, para abrandar a guerra, e que voltassem ali todos os meses,pois durante seis meses consecutivos ali viriam. As crianças voltaram aliem junho e dizem ter-lhes aparecido a Senhora que desta vez lhesrecomendou que aprendessem a ler, o que as crianças não fizeram logo,porque não havia nem nunca houve professora na Fátima. Agora, sem

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uma professora das escolas móveis, e as crianças começaram já afrequentar a escola com bastante aproveitamento, sobretudo da Lúcia.

Lá foram as crianças na sua piedosa romaria todos os dias 13 decada mês à Cova da Iria, exceto em agosto, em que foram presas.Dizem que viram sempre a Senhora, que a Lúcia falou sempre com Ela,que lhe pediu algumas curas e conversões; que a Senhora lhe prometeucurar e converter uns, outros não. Que lhes recomendou sempre querezassem o terço, e lhes disse que queria naquele sítio uma Capelinhadedicada à Senhora do Rosário. Que haverá em tudo isto? As criançasnão mentem, estou certa disso, creem que viram o que afirmam ter visto.Sugestão nervosa então?... Talvez, mas as crianças parecem-me robustase sadias, e nem sequer mostram os mais leves sintomas de nervosismo,e mesmo o meio em que vivem parece-me pouco próprio a sugestõesdeste género.

Uma exploração como muitos dizem!? ... Mas com que fim? Os paisdas crianças são (no meio em que vivem) abastados, e elas não recebemdonativo algum; repelem mesmo altivamente quem lho ofereça, dizendonão precisarem de dinheiro.

Se há até quem diga que é uma mulher que explora este caso!! Umamulher, mas que mulher? Onde está ela? Com que intenção, como oexplora? Confesso que não percebo, a minha compreensão não atingetanto. Na Fátima nem sequer há onde se gaste dinheiro, não será poistambém o comércio dali que pense em explorar o caso, pois parece-meque bem pouco ganhou com a concorrência ali! Outros foram mais longe,pretenderam até que as obras feitas na Igreja da Fátima eram já custeadaspelas esmolas que às crianças tinham sido dadas! Maldade? Ignorância?Ou o quê? É certamente vontade de querer dizer mal e de querer vercoisas que não existem. As obras da Igreja já estavam adiantadíssimasquando da primeira aparição e lá têm continuado sem necessitar derecorrer a explorações.

E posta de parte a ideia de toda e qualquer exploração, resta só a dasugestão nervosa, e essa ponho-a eu de parte desde que vi as criançase lhes falei. Que há pois? Não sei, não posso, nem devo dizer nada, aIgreja o dirá.

Mas seria por sugestão que as crianças previam os fenómenos, queanunciavam para dias certos com tanta antecedência? E que poder desugestão tiveram essas três crianças ignorantes, para sugestionar tanta etanta gente, que ali foi, só chamada pela palavra delas? Há aqui algo deextraordinário.

Doc. 17 1917-10-p.19

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Há muitos que assim o têm pensado também. E não há dúvida, poderiaser assim, o demónio é muito esperto, e serve-se de tantos meios paraconseguir os seus fins! Mas seria então natural que ele aconselhasse aque não pecassem mais, a que se arrependessem e a que rezassem oRosário, arma com que S. Domingos o combateu e venceu?

Todos estes argumentos que a minha razão me suscita me fazem pôrde parte, tanto a ideia de exploração, como a de sugestão nervosa,como até mesmo a de intervenção demoníaca. Aguardemos a resoluçãoda Igreja.

As crianças descrevem a aparição, como sendo uma Senhora muitolinda, a mais linda que tivessem visto (palavras textuais), de mãos erguidaspara o Céu, toda vestida de branco e ouro, tendo pendente do braçodireito um terço todo branco.

Uma vez, a Lúcia perguntou à Senhora: “De onde é Vossemecê epara onde vai?” E diz que a Senhora lhe respondeu: “Sou do Céu e voupara o Céu”. E perguntando-lhe a Lúcia se ela, a Jacinta e o Franciscotambém iriam para o Céu, que a Senhora lhe respondera que ela e aJacinta iriam, e que o Francisco também iria, mas teria de rezar mais oterço. Desde então o pequeno, tem por vezes rezado dez terços pordia!

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1917-10-p.19, Aljustrel

Redação literária do interrogatório feito aos três videntes Lúcia, Francisco eJacinta, pelo Dr. Manuel Nunes Formigão, na sua quarta visita a Fátima.

Publ.: DCF, I - Doc. 16

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Depois do meio-dia parti de automóvel para a Fátima pela estradada Mendiga, Reguengo de Fetal e Porto de Mós. Cheguei a Fátima às 3horas da tarde. Na Cova da Iria, junto da azinheira das aparições, algumaspiedosas mulheres do campo, ajoelhadas, rezam devotamente o terço.A azinheira reduzida ao tronco, que tem pouco mais de um palmo dealtura, está envolta em ramos de plantas campestres e flores. A devoçãodos peregrinos, que desejavam conservar uma recordação do arbusto,que servia de pedestal à Virgem durante as aparições, aniquilou-o quasecompletamente. Tudo o mais se conservava no mesmo estado em quese via no dia 11, antevéspera da última aparição. Dirigi-me em seguida acasa da família da Jacinta, onde se encontravam os três videntes, queestavam sendo submetidos a um interrogatório pelo Pe. José Ferreira deLacerda, pároco dos Milagres e diretor do semanário católico “OMensageiro”, de Leiria, e atualmente alferes-capelão do corpoexpedicionário português, o qual tinha vindo à sua terra em gozo delicença e quis, antes de regressar a França, ver e falar com as criançasde Aljustrel. Acompanhavam o Pe. Lacerda outro sacerdote de Leiria eo pároco da Fátima. O número de visitantes das crianças aumenta dedia para dia. Vêm a toda a hora, dos pontos mais distantes e opostos dopaís. As crianças sentem-se bastante abatidas. A Lúcia sobretudo, devidoa ser interrogada mais detidamente, acha-se profundamente exausta,notando-se que o cansaço excessivo a obriga a responder às perguntasque lhe são feitas sem a atenção e a reflexão que era para desejar.Responde às vezes quase maquinalmente, ocorrendo com frequêncianão se recordar bem de certas circunstâncias das aparições, ao contráriodo que sucedia antes do dia 13 de outubro. Se não há cuidado empoupar as crianças à fadiga das inquirições frequentes e demoradas, asua saúde corre risco de sofrer um profundo abalo.

Doc. 18 1917-10-p.19

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100 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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dormido a última noite a Lúcia, sua sobrinha, interroguei separadamenteas três crianças, na presença da Ex.ma Senhora D. Maria Cândida deAvelar e Silva e de suas ex.mas filhas D. Laura de Avelar e Silva, D.Maria de Avelar e Silva e D. Leonor de Avelar e Silva Constâncio, daQuinta da Comenda, Alcanhões (Santarém).

Comecei pelo interrogatório de Lúcia, que é do teor seguinte:

1ª – No dia treze do corrente Nossa Senhora disse que a guerraacabava nesse mesmo dia? Quais foram as palavras que empregou?

– Disse assim: “A guerra acaba ainda hoje; esperem cá pelos seusmilitares muito em breve”.

2ª – Ela disse: “esperem cá pelos seus militares” ou “esperem cápelos vossos soldados”?

– Disse: “esperem cá pelos militares”.3ª – Mas olha que a guerra ainda continua!... Os jornais noticiam

que tem havido combates depois do dia treze!... Como se explica isto,se Nossa Senhora disse que a guerra acabou nesse dia?

– Não sei. Só sei que lhe ouvi dizer que a guerra acabava no dia 13.Não sei mais nada.

4ª – Algumas pessoas afirmam que te ouviram dizer nesse dia queNossa Senhora tinha declarado que a guerra acabava brevemente. Éverdade?

– Disse tal e qual como Nossa Senhora tinha dito.5ª – No dia 27 do mês passado fui a tua casa falar contigo, lembras-

-te?– Lembro-me de o ver cá.6ª – Pois nesse dia disseste-me que Nossa Senhora tinha dito que no

dia 13 de outubro vinham também S. José e o Menino Jesus e quedepois disso brevemente acabaria a guerra, não nesse dia.

– Não me recordo já bem como Ela disse. Podia ter dito isso; nãosei. Talvez não entendesse bem a Senhora.

7ª – No dia treze do corrente mandaste ao povo que olhasse para osol?

– Não me lembro de assim fazer.8ª – Mandaste fechar os chapéus?– No outro mês atrás mandei. Da última vez não me lembro de mandar.9ª – Sabias quando devia começar o sinal no sol?– Não.10ª – Olhaste para ele?

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11ª – Porque foi que olhaste para o sol?– Olhei, porque toda aquela gente disse que olhassem para o sol.12ª – Nossa Senhora disse que pediria a seu Divino Filho pelas almas

dos soldados mortos na guerra?– Não, senhor.13ª – Disse que o povo seria castigado se não se emendasse dos

seus pecados?– Não me lembro se Ela o disse. Parece-me que não.14ª – No dia 13 não tinhas dúvidas como agora acerca do que a

Senhora disse. Como se compreendem as tuas dúvidas de hoje?– Nesse dia lembrava-me melhor, tinha sido há menos tempo.15ª – O que viste há cerca de um ano? Tua mãe diz que tu e outras

crianças viram um vulto embrulhado, que não deixava ver o rosto. Porquefoi que me disseste o mês passado que não foi nada?

– !...16ª – Dessa vez fugiste?– Cuido que fugi.17ª – No dia onze deste mês não me quiseste dizer que no dia treze

do corrente haviam de aparecer Nosso Senhor abençoando o povo eNossa Senhora das Dores. Foi com receio de que eu fizesse troça de ti,como outras pessoas já tinham feito, dizendo que isso era impossível?Ou era porque estavam presentes muitas pessoas estranhas e tivesteacanhamento de dizer isso diante e tanta gente? Olha que a Jacinta disse--me tudo...

– !...18ª – Quando foi que Nossa Senhora te disse que se haviam de dar

essas aparições no dia treze de outubro?– Foi no dia em que apareceu nos Valinhos ou no outro dia treze.

Não sei bem.19ª – Viste também Nosso Senhor?– Vi uma figura que parecia ser um homem; parecia Nosso Senhor.20ª – Onde estava essa figura?– Estava ao lado do sol.21ª – Viste-a abençoar o povo?– Não vi; mas Nossa Senhora tinha dito que Nosso Senhor viria

abençoar o povo.22ª – Se o povo soubesse o segredo que Nossa Senhora te revelou

ficava triste?– Cuido que ficava como está, quase à mesma.

Doc. 18 1917-10-p.19

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1ª – Viste no dia treze deste mês Nosso Senhor abençoando o povo?– Não vi. Vi, mas foi Nossa Senhora.2ª – Viste a Senhora das Dores ou a Senhora do Carmo?– Não vi. A Nossa Senhora parecia a que eu vi cá em baixo. Estava

vestida do mesmo modo.3ª – Não olhaste para o sol?– Olhei.4ª – Não viste S. José e o Menino Jesus?– Vi.5ª – Estavam longe ou perto do sol?– Perto do sol.6ª – De que lado do sol estava S. José?– Estava do lado esquerdo.7ª – E de que lado estava Nossa Senhora?– Do lado direito.8º – Onde estava o Menino Jesus?– Estava ao pé de S. José.9º – De que lado?– Não reparei de que lado.10ª – O Menino era grande ou pequeno?– Era pequenino.11ª – Era do tamanho da Deolinda do José das Neves1?– Era assim bem como ela.12ª – Quando a Senhora estava sobre a carrasqueira ouviste o que

ela dizia à Lúcia?– Não ouvia.13ª – Ouvias o som da voz dela? – Também não ouvia.14ª – Parecia que não falava?– Parecia.15ª – Não a vias mexer os beiços?– Não via.16ª – Não a vias rir-se?– Também não17ª – Viste os sinais no sol? O que foi que viste?

1 Deolinda de Jesus. Filha de José das Neves e de Maria Vitória. Nasceu a 12 dejaneiro de 1913.

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18ª – Quando foi que apareceram os sinais, antes ou depois daSenhora desaparecer da carrasqueira?

– Foi quando a Senhora desapareceu.19ª – Ouviste a Lúcia avisar o povo para que olhasse para o sol?– Ouvi. Deu um grito que olhasse o povo para o sol.20ª – Foi a Senhora que a mandou avisar o povo para que olhasse

para o sol?– Foi. A Senhora apontou com o dedo para a banda onde está o sol. 21ª – E quando foi que fez isso?– Foi quando desapareceu.22ª – Os sinais no sol começaram logo?– Começaram.23ª – Quais foram as cores que viste no sol?– Vi cores muito bonitas, azul, amarelo e outras.

A inquiração da Jacinta efetuou-se no percurso de Aljustrel à Fátima,ouvindo-a a Ex.ma Senhora D. Leonor de Avelar e Silva Constâncio,que levava a criança pela mão, atrás da Lúcia e do Francisco, que eramacompanhadas pelas outras senhoras acima mencionadas.

Eis o relato do seu interrogatório.1ª – No dia treze do corrente viste ao pé do sol Nosso Senhor, a

Senhora das Dores e a Senhora do Carmo?– Não vi.2ª – Mas a onze deste mês disseste-me que deviam aparecer.– Disse. A Lúcia é que viu outra Senhora, eu não.3ª – Viste S. José?– Vi. A Lúcia disse que S. José estava dando a paz.4ª – Olhaste para o sol?– Olhei.5ª – E o que é que viste?– Vi o sol encarnado, verde e de outras cores e vi que andava à

roda.6ª – Ouviste a Lúcia a avisar o povo para que olhasse para o sol?– Ouvi. Ela disse numa voz muito alta que olhassem para o sol. O sol

já andava à roda.7ª – Foi a Senhora que a mandou avisar o povo?– A Senhora não disse anda.

Doc. 18 1917-10-p.19

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104 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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– Disse: Venho aqui para te dizer que não ofendam mais a NossoSenhor, que estava muito ofendido, que se o povo se emendasse acabavaa guerra, se não se emendasse acabava o mundo. A Lúcia ouviu melhordo que eu o que a Senhora disse.

9ª – Disse que a guerra acabava nesse dia ou que acabavabrevemente?

– Nossa Senhora disse que quando chegasse ao Céu acabava aguerra.

10ª – Mas a guerra ainda não acabou!...– Acaba, acaba.11ª – Mas então quando acaba?– Cuido que acaba no Domingo.

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1917-10-25, Alqueidão da Serra

Depoimentos de dezasseis testemunhas que presenciaram os acontecimentosdo dia 13 de outubro de 1917 na Cova da Iria, recolhidos pelo Pe. Joaquim Vieirada Rosa, Vigário da Vara de Porto de Mós1.

Pelo teor deste documento e do ofício que o acompanhava, remetido peloVigário de Porto de Mós ao Arcebispo de Mitilene, não temos dúvidas em afirmarque responde à incumbência de proceder a um inquérito, idêntica à que foi feitaao Vigário de Ourém.

Publ.: DCF, I - Doc. 21

ðñòóô õóö÷ø øùóöùñòø ñú÷úûüñòñ ôöñòø ýóþ öñõøùøö÷ñÿ øòøNôÿÿø÷ø�perante o Revº Vigário de Porto de Mós, e perante mim, escrivão,nomeado ad hoc, compareceram as testemunhas abaixo nomeadas.

Pe. Joaquim Vieira da Rosa.O escrivão João Gomes Menitra2

1ª testemunha – António dos Ramos Mira3, casado, morador nafreguesia do Reguengo do Fetal, testemunha presencial dos factosocorridos em Fátima no dia treze de outubro de 1917, ajuramentadoaos Santos Evangelhos, disse: que se dirigiu para o local das apariçõesno meio de chuva e que um quarto de hora depois de parar a chuva, viuaquela ingente multidão de povo, em grande clamor e quase todojoelhado, voltado para o sol, e que este tinha sinais desusados, girandosobre si, tremendo, observando ao mesmo tempo, que em volta dele,aparecera uma cor amarela-avermelhada, que se refletiu em toda amultidão e no horizonte, havendo ao mesmo tempo um afrouxamentode luz e aumento de temperatura. Dizia a multidão até mesmo osdescrentes que era um milagre conhecido. É público que as criancinhas

1 Nasceu no Alqueidão da Serra, Porto de Mós, a 6 de junho de 1866. Foi Vigáriode Porto de Mós, durante muitos anos. Faleceu a 20 de agosto de 1938.

2 Nasceu no Reguengo do Fetal, a 14 de janeiro de 1885.Foi pároco de diversasparóquias e esteve como encarregado da paróquia de Fátima em agosto de1914. Faleceu a 29 de outubro de 1968.

3 Nasceu a 15 de dezembro de 1890, no Reguengo do Fetal. Filho de AntónioFrancisco Mira e Maria Ramos. Casou com Laura da Piedade Ramos Meneses,a 5 de setembro de 1911. Faleceu a 15 de agosto de 1940.

Doc. 19 1917-10-25

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d����� ���� ����� ����� � ����� d��� ��� � ����� �� ���� d� d��milagre; o que fez atraír ali uma multidão de cerca de quarenta mil pessoas,que voltaram crentes para suas casas. E mais não disse e assina o seudepoimento.

Pe. Joaquim Vieira da RosaAntónio dos Ramos Mira

2ª testemunha – Anzebino Francisco Mira4, casado, morador nolugar e freguesia do Reguengo do Fetal, testemunha presencial dos factosocorridos em Fátima no dia treze de outubro de mil novecentos edezassete, ajuramentado aos Santos Evangelhos, disse: que tendo-sedirigido debaixo de água para o local das aparições, parou a chuvaentre o meio dia e a 1 hora da tarde e logo a seguir viu o sol, girandocomo uma roda de fogo e que se aproximou da grande multidão, que aliestava presente, e viu também diferentes cores no povo e no horizonte etudo à mesma hora dos factos ocorridos nos dias treze dos cinco mesestransatos. E mais não disse e assina o seu depoimento.

Joaquim Vieira da RosaAnzebino Francisco Mira

3ª testemunha – Manuel Ribeiro de Carvalho5, casado, proprietário,morador no lugar do Reguengo do Fetal, interrogado sobre o factoocorrido no dia treze de outubro do ano de mil novecentos e dezassetena Cova da Iria de Fátima, disse: que um quarto de hora depois, poucomais ou menos, de parar a chuva viu que o sol girou sobre si mesmo,aproximando-se do povo, e que lançou bastante calor, e ao mesmotempo observou a cor azul e encarnada no horizonte. E mais não disse eassina o seu depoimento.

Joaquim Vieira da RosaManuel Ribeiro Carvalho

4 Nasceu no Reguengo do Fetal, a 10 de maio de 1887. Filho de Joaquim FranciscoMira Júnior e de Maria da Rosa. Casou com Maria Vitória, a 8 de agosto de 1917.Faleceu a 12 de março de 1930.

5 Nasceu no Reguengo do Fetal, a 7 de março de 1881. Filho de Manuel Ribeiro deCarvalho e de Maria de Jesus. Casou com Vitória de Jesus, a 30 de novembro de1903. Faleceu a 13 de dezembro de 1957.

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4� ���������� � António Maria Menitra6, casado, proprietário,morador no lugar do Reguengo do Fetal, interrogado sobre os factosocorridos no dia 13 de outubro em Fátima, disse: que tendo chovidotorrencialmente de manhã, um pouco depois do meio dia, parou a chuvae observou que uma grande multidão de povo, de joelhos olhava para osol, e olhou também e viu diferentes cores no sol e no povo. E mais nãodisse e assina o seu depoimento.

Joaquim Vieira da RosaAntónio Maria Menitra

5ª testemunha – Romano dos Santos7, casado, morador no lugar efreguesia do Alqueidão da Serra, testemunha presencial dos factosocorridos no dia treze de outubro de 1917, ajuramentado aos SantosEvangelhos, disse: que ouviu dizer que ajoelhassem todos que vinhaNossa Senhora, palavras estas que ouviu da multidão e que viriam daspastorinhas, que se achavam distantes. Ditas estas palavras a multidãoajoelhou, tendo a chuva cessado nesta ocasião, e olhando para o sol viuque ele estava cercado de diferentes cores e girando como uma roda defogo de artifício. Ouviu os clamores daquele povo, dizendo que era ummilagre conhecido. E mais não disse e não assina o seu depoimento pornão saber.

Joaquim Vieira da Rosa O escrivão - João Gomes Menitra

6ª testemunha – Maria da SilvaVieira da Rosa8, solteira, de maioridade, moradora no Alqueidão da Serra, testemunha presencial dos factosocorridos em Fátima no dia treze do corrente mês, ajuramentado aosSantos evangelhos, disse: que na ocasião em que a multidão ajoelhava,

6 Nasceu no Reguengo do Fetal, a 6 de junho de 1879. Filho de José Maria GomesMenitra e de Joaquina de Jesus. Casou com Ana Soares. Faleceu a 20 de maiode 1941.

7 Era exposto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Casou com 28 anos, a 26de novembro de 1893, com Joana da Costa Carreira. Faleceu a 5 de outubro de1962.

8 Nasceu a 22 de junho de 1883, no Alqueidão da Serra. Filha de Domingos Vieirada Rosa e de Maria da Silva e irmã dos padres Joaquim Vieira da Rosa, AntónioVieira da Rosa e Francisco Vieira da Rosa. Faleceu, solteira, a 2 de abril de 1968.

Doc. 19 1917-10-25

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108 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

t���� �!!"�� #�$ � "�t�! " %$&"' �(%�$ #")" � !�( � &*$ +$� �!t� !�transformou em diferentes cores, aproximando-se e girando como umaroda de fogo. Por três vezes viu este fenómeno. Toda aquela multidãobanhada em lágrimas, gritava por Nossa Senhora. E mais não disse eassina o seu depoimento.

Joaquim Vieira da RosaMaria da Silva Vieira da Rosa

7ª testemunha – Manuel João Sénior9, casado, morador no Alqueidãoda Serra, testemunha ocular dos factos ocorridos no dia treze de outubrode 1917 em Fátima, ajuramentado aos Santos evangelhos, disse: queestando uma numerosa multidão de joelhos, olhou perfeitamente para osol sem incómodo algum para a vista, e sem queimar, e viu-o por trêsvezes girar como uma roda de fogo aproximando-se, à hora marcadapelos três pastores. E mais não disse e não assina por não saber escrever.

Joaquim Vieira da Rosa O escrivão - João Gomes Menitra

8ª testemunha – Adriano de Matos10, casado, morador no Alqueidãoda Serra, testemunha ocular dos factos ocorridos em Fátima no dia 13de outubro de 1917, ajuramentado aos Santos Evangelhos, disse: queolhou perfeitamente para o sol sem este o incomodar e representou-se--lhe ver Nossa Senhora com o Menino Jesus no braço esquerdo e viuem roda do dito astro cores diferentes.

Joaquim Vieira da Rosa O escrivão - João Gomes Menitra

9ª testemunha – António Vieira Amado11, casado, morador noAlqueidão da Serra, testemunha ocular dos factos ocorridos em Fátima

9 Nasceu a 26 de junho de 1853. Filho de Manuel Gaspar e de Francisca deCarvalho. Casou com Francisca Joana, a 7 de outubro de 1877 . Faleceu a 7 deoutubro de 1938.

10 Nasceu a 4 de fevereiro de 1869. Filho de António de Matos e de Luciana deOliveira. Casou com Doroteia Joana, a 8 de janeiro de 1899. Faleceu a 18 dedezembro de 1949.

11 Nasceu a 23 de dezembro de 1889. Filho de José Vieira Amado e de Maria deJesus Parreira. Casou com Joaquina Carreira. Faleceu a 30 de abril de 1968.

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n, -./ 01232 -2 ,50561, -27.8 n,92:2n0,; 2 -23/;;202< /=51/72n0/-,aos Santos Evangelhos, disse: que viu o sol muito claro e dentrorepresentou-se-lhe ver três imagens, e diante do sol, cores diversas egirando como uma roda de fogo, tendo ouvido antes disso queajoelhassem todos que vinha Nossa Senhora, ao que a multidãoobedeceu, soltando grandes clamores e gritando por Nossa Senhora. Emais não disse e assina o seu depoimento.

Joaquim Vieira da Rosa António Vieira Amado

10ª testemunha – João Vieira Gomes12, casado, morador na freguesiado Alqueidão da Serra, testemunha ocular dos factos ocorridos emFátima no dia treze do corrente, ajuramentado aos Santos Evangelhos,disse: que viu o sol girar como uma roda de fogo, fitando o sol semincómodo para o órgão visual, tremendo ele e gritando toda a multidãopor Nossa Senhora. Este facto foi presenciado por toda a multidão. Ese alguém não viu foi porque não quis ver. E mais não disse e não assinapor não saber escrever.

Joaquim Vieira da Rosa O escrivão - João Gomes Menitra

11ª testemunha – Manuel Carvalho13, casado, morador no Alqueidãoda Serra, testemunha ocular dos factos ocorridos em Fátima no diatreze de outubro de mil novecentos e dezassete, ajuramentado aos SantosEvangelhos, disse: que viu o sol baixar, segundo o seu entender, revestir--se de várias cores, girando como uma roda de fogo de artifício, e quese podia sem incómodo ver. Notou a testemunha que chovendo toda amanhã, cessou a chuva àquela hora da chegada das crianças, que rezandoo terço mandaram ajoelhar a multidão, calculada em cinquenta mil

12 Nasceu a 13 de novembro de 1871. Filho de Manuel Vieira Gomes e de MariaGomes Correia. Casou com Ana Carvalho, a 7 de janeiro de 1906. Faleceu a 12de junho de 1945.

13 Nasceu a 28 de junho de 1866. Filho de João Carvalho e de Maria de Jesus.Casou com Maria do Rosário, a 11 de fevereiro de 1900. Faleceu a 13 de fevereirode 1951.

Doc. 19 1917-10-25

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110 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

p>??@A?B CD> EFGHAIAJ p@F K@??A L>MO@FAP QJAG? MR@ SG??> > A??GMA @seu depoimento.

Manuel Carvalho Joaquim Vieira da Rosa

12ª testemunha – Domingos Pedro14, casado, morador no lugar doAlqueidão da Serra, testemunha ocular dos factos ocorridos em Fátimano dia treze do corrente, ajuramentado aos Santos Evangelhos, disse:viu cessar a chuva em que as criancinhas, digo, a chuva em hora que ascriancinhas mandaram fechar os chapéus, e o sol girar como uma rodade fogo e baixar, segundo o seu modo de ver. A multidão joelhou à vozdas pastorinhas, que diziam: lá vem Nossa Senhora, dando-se estesfenómenos em ato contínuo e à hora marcada seis meses antes. Todosos que presenciaram o facto, consideravam-no miraculoso. E mais nãodisse não assinando por não saber.

Joaquim Vieira da Rosa O escrivão - João Gomes Menitra

13ª, 14ª, 15ª e 16ª testemunhas – Domingos Correia15, Joaquim dosSantos16, Manuel Boal17 e Ezequiel Vieira da Rosa18, casados, moradoresna freguesia do Alqueidão da Serra, testemunhas oculares dos factosocorridos em Fátima no dia treze de outubro de mil novecentos edezassete, ajuramentados aos Santos Evangelho s, disseram o mesmoque a testemunha nº 12, por estarem juntos.

Joaquim Vieira da Rosa O escrivão - João Gomes Menitra

14 Domingos Pedro ou Domingos Vieira Pedro. Nasceu a 3 de maio de 1877. Filhode José Vieira Pedro e Francisca Carvalho. Casou com Maria da Silva, a 18 dede fevereiro de 1912. Faleceu a 3 de agosto de 1963.

15 Domingos Correia ou Domingos Carreira Correia. Nasceu a 18 de outubro de1863. Filho de José Carreira Correia e de Maria da Silva. casou com Ana deCarvalho, a 26 de janeiro de 1890. Faleceu a 25 de dezembro de 1937.

16 Era exposto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Casou com Maria Amado,a 13 de janeiro de 1901. Faleceu a 25 de dezembro de 1953, com 78 anos.

17 Manuel da Cunha Boal. Nasceu a 21 de agosto de 1867. Casou com Maria deSão José. Faleceu a 2 de junho de 1959.

18 Nasceu a 11 de novembro de 1888 e faleceu a 2 de abril de 1973.

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Doc. 201917-10-26, Lisboa

O jornal “O Mundo”1, na sua rubrica Livre Pensamento, publica o projeto demanifesto contra Fátima, da Comissão de Propaganda da Associação do RegistoCivil.

Publ.: DCF, III-1, Doc. 192

LIVRE PENSAMENTO

COMISSÃO DE PROPAGANDADA ASSOCIAÇÃO DO REGISTO CIVIL

Reuniu ontem esta comissão, sob a presidência do nosso colegaAugusto José Vieira, secretariado pelos srs. Celestino José Miguéis deVasconcelos e João de Deus. Lida e aprovada a ata da sessão anterior,entrou em discussão a seguinte proposta do presidente:

“Considerando que a excessiva benevolência dos dirigentes daRepública para com os seus mais figadais e intransigentes inimigos temdado lugar a que estes perante nada recuem já para a consecução,felizmente mais que problemática, dos seus tenebrosos fins, e que ainvenção dos fantasiosos e ridículos milagres de Fátima é uma provaevidente do grau de descaramento a que chegaram na sua audáciadesenfreada; considerando que é urgente reclamar dos poderes públicosque ponham imediato cobro a semelhante ignomínia, à qual se devetambém opôr uma intensa propaganda, que se deve desde já fazer portodos os meios legais, custe o que custar e doa a quem doer, propagandaque se não pode nem deve protelar sob motivo ou pretexto algum, senão quisermos que, quando pretendamos debelar o mal, seja ele jáirremediável, proponho:

1º – que se oficie ao chefe do governo e aos ministros do interior eda justiça, informando-os do ignominioso manejo clérico-reacionário epedindo-lhes, a cada um na sua alçada, enérgicas e imediatas providências;

1 Diário republicano, fundado a 16 de setembro de 1900, por António FrançaBorges.

Doc. 20 1917-10-26

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112 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

TU VWXY ZY[X\]^WXYX__`a^bYZce b`fYagehYi eWXYjkgY ^aZYaZ`cee de pernicioso em semelhante invenção, e os fins miseráveis a queobedecem os seus autores;

3º – que se consulte o delegado da Associação do Registo Civil emVila Nova de Ourém sobre a conveniência de ir ali uma missão depropaganda que, expondo-se a todos os perigos, arrostando com todasas dificuldades e vencendo todos os obstáculos, oponha a essas tramóiashorripilantes à luz esplendorosa da razão e de ciência;

4º – que se oficie a todos os nossos representantes gerais e delegadosnas províncias, ilhas adjacentes e colónias, pedindo-lhes que cada umna sua esfera de ação faça a mais intensa propaganda contra esta odiosatentativa de fanatização do povo”.

O sr. Júlio Martins Pires declarou, em nome da direção, que estaestava em completo acordo com esta proposta, à qual dava todo o seuapoio e todo o seu auxílio em todos os pontos. A proposta foi aprovadapor unanimidade, ficando a mesa encarregada dos manifestos, circularese ofícios. Foram aprovados delegados, respetivamente, para Estremoze Alter do Chão, os srs. Luís António Coelho e Serafim Alves Correia.

Leu-se uma comunicação da Junta de Freguesia de Alhos Vedros,congratulando-se pelo castigo aplicado aos prelados rebeldes. Leram--se também referências elogiosas, que se resolveu agradecer, dos jornaisTrabalho e União e A Verdade, do Funchal, a propósito do 22ºaniversário da associação. A sessão encerrou-se às 22 horas.

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Doc. 211917-10-29, Lisboa

Reportagem sobre o milagre de Fátima, publicada na revista “IlustraçãoPortuguesa”1, do jornal “O Século”, da autoria de Avelino de Almeida.

Publ.: DCF, III-I, Doc. 228

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(Carta a alguém que pede um testemunho insuspeito2).

Quebrando um silêncio de mais de vinte anos e com a invocação doslongínquos e saudosos tempos em que convivemos numa fraternalcamaradagem, iluminada então pela fé comum e fortalecida por idênticospropósitos, escreves-me para que te diga, sincera e minuciosamente, oque vi e ouvi na charneca de Fátima, quando a fama de celestes apariçõescongregou naquele desolado ermo dezenas de milhares de pessoas maissedentas, segundo creio, de sobrenatural do que impelidas por meracuriosidade ou receosas de um logro... Estão os católicos em desacordosobre a importância e a significação do que presenciaram. Unsconvenceram-se de que se tinham cumprido prometimentos do Alto;outros acham-se ainda longe de acreditar na incontroversa realidade deum milagre. Foste um crente na tua juventude e deixaste de sê-lo. Pessoasde família arrastaram-te a Fátima, no vagalhão colossal daquele povoque ali se juntou a 13 de outubro. O teu racionalismo sofreu um formidávelembate e queres estabelecer uma opinião segura socorrendo-te dedepoimentos insuspeitos como o meu, pois que estive lá apenas nodesempenho de uma missão bem difícil, tal a de relatar imparcialmentepara um grande diário, O Século, os factos que diante de mim sedesenrolassem e tudo quanto de curioso e de elucidativo a eles seprendesse. Não ficará por satisfazer o teu desejo, mas decerto que osnossos olhos e os nossos ouvidos não viram nem ouviram coisas diversas,

1 Revista semanal pertencente ao jornal “O Século”. Diretor: J. J. da Silva Graça;Editor: José Joubert Chaves.

2Trata-se de António Bastos, antigo companheiro de Avelino de Almeida, noSeminário de Santarém.

Doc. 21 1917-10-29

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114 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

{ |}{ ~�~�� ��~���� |}{ ����~�� ���{����{�� � �~���{�� �{ �{�{�����{espetáculo, único entre nós e de todo o ponto digno de meditação e deestudo...

** *

O que ouvi e me levou a Fátima? Que a Virgem Maria, depois dafesta da Ascensão3, aparecera a três crianças que apascentavam gado,duas mocinhas e um zagalete, recomendando-lhes que orassem eprometendo-lhes aparecer ali, sobre uma azinheira, no dia 13 de cadamês, até que em outubro lhes daria qualquer sinal do poder de Deus efaria revelações. Espalhou-se a nova por muitas léguas em redondez;voou, de terra em terra, até os confins de Portugal, e a romagem doscrentes foi aumentando de mês para mês, a ponto de se juntarem nacharneca de Fátima, em 13 de outubro, umas cinquenta mil pessoasconsoante os cálculos de indivíduos desapaixonados. Nas precedentesreuniões de fiéis, não faltou quem tivesse suposto ver singularidadesastronómicas e atmosféricas que se tomaram como indício da imediataintervenção divina. Houve quem falasse de súbitos abaixamentos detemperatura, da cintilação de estrelas em pleno meio dia e de nuvenslindas e jamais vistas em torno do sol. Houve quem repetisse e propalassecomovidamente que a Senhora recomendava penitência, que pretendiaa ereção de uma capela naquele local, que em 13 de outubro manifestaria,por intermédio de uma prova sensível a todos, a infinita bondade e aomnipotência de Deus...

Foi assim que, no dia célebre e tão ansiado, afluiram de perto e delonge a Fátima, arrostando com todos os embaraços e todas as durezasdas viagens, milhares e milhares de pessoas, umas que palmilharam léguasao sol e à chuva, outras que se transportaram em variadíssimos veículos,desde os quase pré-históricos até os mais recentes e maravilhososmodelos de automóveis, e ainda muitíssimas que suportaram osincómodos das terceiras classes dos comboios, dentro dos quais, parapercorrer hoje relativamente pequenas distâncias, se perdem longas horase até dias e noites! Vi ranchos de homens e de mulheres, pacientemente,como enlevados num sonho, dirigirem-se, de véspera, para o sítio famoso,cantando hinos sacros e caminhando descalços ao ritmo deles é àrecitação cadenciada do terço do Rosário, sem que os importunasse,

3 A primeira aparição foi num domingo, dia 13 de maio de 1917, e não no dia daAscensão, dia 17 do mesmo mês.

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�� ���������� �� ������������� �������� ����� ��������� �� ������quando as bátegas de água transformaram as estradas poeirentas emfundos lamaçais e às doçuras do outono sucederam, por um dia, osaspérrimos rigores do inverno... Vi a multidão, ora comprimida à voltada pequenina árvore do milagre e desbastando-a dos seus ramos paraos guardar como relíquias, ora espraiada pela vasta charneca que aestrada de Leiria atravessa e domina e que a mais pitoresca e heterógeneaconcorrência de carros e pessoas atravancou naquele dia memorável,aguardar na melhor ordem as manifestações sobrenaturais, sem temerque a invernia as prejudicasse, diminuindo-lhes o esplendor e aimponência... Vi que o desalento não invadiu as almas, que a confiançase conservou viva e ardente, a despeito das inesperadas contrariedades,que a compostura da multidão em que superabundavam os campóniosfoi perfeita e que as crianças, no seu entender privilegiadas, tiveram aacolhê-las as demonstrações do mais intenso carinho por parte daquelepovo que ajoelhou, se descobriu e rezou a seu mandado ao aproximar--se a hora do “milagre”, a hora do “sinal sensível”, a hora mística esuspirada do contacto entre o céu e a terra...

E, quando já não imaginava que via alguma coisa mais impressionantedo que essa rumorosa mas pacífica multidão animada pela mesmaobsessiva ideia e movida pelo mesmo poderoso anseio, que vi eu aindade verdadeiramente estranho na charneca de Fátima? A chuva, à horapré-anunciada, deixa de cair; a densa massa de nuvens romper-se e oastro-rei – disco de prata fosca – em pleno zénite aparecer e começardançando num bailado violento e convulso, que grande número depessoas imaginava ser uma dança serpentina, tão belas e rutilantes coresrevestiu sucessivamente a superfície solar...

Milagre, como gritava o povo; fenómeno natural, como dizem sábios?Não curo agora sabê-lo, mas apenas de te afirmar o que vi... O resto écom a Ciência e com a Igreja...

Avelino de Almeida

Doc. 21 1917-10-29

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116 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

 ¡¢£ ¤¤1917-11-02 e 3, Aljustrel

Interrogatórios do Dr. Manuel Nunes Formigão aos videntes Lúcia, Francisco,Jacinta e a João Marto, nos dias 2 e 3 de novembro de 1917.

Publ.: DCF, I - Doc. 17

2 de novembro de 1917 [Interrogatório da Lúcia]

1ª – Não me tens querido dizer o que viste o ano passado.Provalvelmente julgas que se trata de uma coisa sem importância quenão vale a pena averiguar bem. Pois crê que estás enganada. Preciso desaber o que foi que viste então e como foi que as coisas se passaram.

– É certo que te apareceu um vulto branco?– É.2ª – Em que sítio?– Vi esse vulto no Cabeço, às Estrumeiras, ao pé da Cova da Iria.3ª – Quantas vezes o viste?– Não me recordo quantas vezes.4ª – Viste-o no chão ou em cima de alguma árvore?– Vi-o em cima de uma azinheira.5ª – O que te parecia esse vulto?– Parecia-me uma pessoa embrulhada num lençol.6ª – Dirigiste-lhe a palavra?– Não lhe disse nada.7ª – Andavas sózinha ou estavam contigo outras pessoas?– Da 1ª vez eu andava com a Teresa do José Matias1 da Casa Velha,

e com o Manuel do Justino Pereira2.8ª – Eles também viram?– Disseram que também tinham visto.

1 Teresa, filha de José Matias (nascido em 1886) e de Maria de Jesus, da CasaVelha. Nasceu a 23 de janeiro de 1906, na Casa Velha. Casou com José AnastácioVitória. Faleceu a 16 de novembro de 1997.

2 Trata-se de um engano do autor, pois refere-se a Maria de Jesus ou MariaJustino, filha de Manuel Pereira e de Justina de Jesus. Manuel Pereira eratambém conhecido por Manuel Justino Pereira, nome de seu pai. Maria deJesus nasceu a 26 de fevereiro de 1907.

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¥¦ § ¨© ª¦ «¬­ ®¯¬° ¬±²©«© ³´¬±¬µ²¬¶– Estavam o Manuel do José das Neves3, de Aljustrel, e o Manuel

da Maria de Jesus4, da Casa Velha.10ª – E da 3ª vez?– Da 3ª vez andávamos só eu e o João Marto que disse que não

tinha visto.11ª – O vulto estava de cada vez na mesma árvore?– Apareceu em mais de uma árvore de cada vez.12ª – Como estava vestido?– Estava todo vestido de branco. Eu não lhe via os braços nem os

pés.12ª – Quem viu primeiro o vulto?– Os outros viram primeiro e disseram-me.13ª – Quanto tempo se demorou?– Demorou-se pouco tempo.14ª – Disse alguma coisa?– Não disse nada.15ª – Quem julgas que fosse esse vulto?– Não sei o que era.16ª – Era Nossa Senhora?– Cuido que não era Nossa Senhora.17ª – É verdade que uma vez em que estavas a rezar o terço, o gado

que apascentavas foi para o campo onde havia trigo e chícharo já crescidosem que comesse nenhuma dessas plantas?

– É verdade.18ª – Quando foi que isso sucedeu?– Não me recordo, mas parece-me que foi num Domingo.19ª – Não viste o gado comer o trigo e o chícharo?– Não vi.20ª – Mas sabes com certeza que não comeu?– Sei, porque um dos donos da propriedade disse que o gado não

tinha dado perda.21ª – Afastaste o gado desse sítio?

3 Manuel das Neves Marto, filho de José das Neves e de Maria Vitória. Nasceuem Aljustrel a 15 de novembro de 1904 e casou a 29 de setembro com Maria doRosário. Faleceu a 19 de janeiro de 1996.

4 Manuel Pereira Carvalho, filho de Maria de Jesus e de pai incógnito. Nasceu naCasa Velha a 6 de abril de 1906. Casou a 28 de julho de 1929, com Carolina deJesus, irmã de Lúcia. Faleceu a 22 de outubro de 1978.

Doc. 22 1917-11-02

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118 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

·Afastámo-lo depois de rezar o terço.22ª – A quem pertencia a propriedade?23ª – Pertencia ao José Matias e a Francisco António5, da Casa

Velha. São dois talhões pegados.24ª – Porque não afastaste o gado logo que o viste ir para o campo

semeado?– Não afastei logo porque queria rezar o terço.25ª – Não receavas que ele comesse o que estava semeado?– Pensava que ele comia, mas deixei-o andar.26ª – Então não sabias que a tua obrigação era retirares imediatmente

o gado para que ele não causasse dano?– Já me confessei dessa falta.

2 de novembro de 1917

27ª – Ouvi contar que tinhas dito a uma pessoa que havias de vivermais de vinte anos. É verdade?

– Não me recordo.28ª – Antes de cada aparição vias algum relâmpago?– Às vezes via um, outras vezes via dois. Os ares estavam turvos,

como de trovoada.29ª – Da primeira vez que a Senhora te apareceu o céu estava sem

nuvens?– Não me recordo se havia nuvens.30ª – Quando a Senhora te apareceu da 1ª vez o que é que estavas

a fazer?– Rezei o terço antes dela vir.31ª – Quando sucedeu a primeira aparição ajoelhaste-te ou ficaste

de pé?– Da primeira vez fiquei de pé.32ª – A Senhora vinha sempre envolta num esplendor?– Vinha.– De que côr era esse esplendor?– Era muito claro, muito branco.33ª – O esplendor aparecia primeiro que a Senhora?– Aparecia quase ao mesmo tempo que a Senhora.34ª – Da primeira vez pediste ao Francisco e à Jacinta que não

dissessem à família nada do que tinham visto?

5 Francisco António, nascido em 1873 e casado com Jacinta de Jesus, entãoresidente na Casa Velha.

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¸ ¹º»¼½35ª – Porquê?– Porque o ano passado minha mãe ralhou-me, quando eu lhe disse

que tinha visto o vulto branco, e disse-me que eu andava a mentir.36ª – Tua mãe soube por ti da 1ª aparição?– Não; foi pelo Francisco e pela Jacinta ou por pessoas a quem eles

tivessem contado o que viram.37ª – Conta-me o que ouviste dizer à Senhora em maio.– Em maio a Senhora disse que não tivéssemos medo porque não

nos fazia mal. Perguntei-lhe donde era e ela disse-me que era do Céu.Perguntei-lhe o que que queria e ela respondeu que fôssemos lá todosos meses de mês a mês e ao fim de seis meses dizia o que queria.

38ª – Porque foste daí em diante ao local das aparições no dia 13 enão noutro dia de cada mês?

– Fui no dia 13 porque fazia um mês. Entendi que devia ir no dia 13,porque o dia da primeira aparição era 13.

39ª – Fizeste-lhe mais algumas perguntas?– Perguntei se íamos para o Céu e a Senhora disse que sim, mas que

o Francisco devia rezar as contas.40ª – A Senhora disse mais alguma coisa?– Talvez dissesse mais alguma coisa, mas não me lembro.41ª – O que foi que disse a Senhora em junho?– Disse que continuássemos a ir à Cova da Iria e que aprendêssemos

a ler.42ª – Disse mais alguma coisa?– Estava presente um filho do Manuel Carreira, da Moita, aleijadinho

das pernas e das costas6. Perguntei à Senhora se o curava, e ela disseque seria curado dentro de um ano. Já se curou pouco a pouco dascostas. Perguntei também se a Senhora era servida converter uma mulherda Moita e ela disse que a converteria dentro de um ano7.

43ª – Que mais disse a Senhora?– Não me recordo de mais nada.

6 João Carreira. Filho de Manuel Carreira e de Maria Carreira ou Maria dos Santos(Maria da Capelinha). Nasceu a 26 de março de 1901, na Moita. Foi guardião daCapelinha das Aparições. Faleceu, no Santuário de Fátima, no dia 6 de abril de1975.

7 Deve notar-se que estes pedidos da Lúcia, aqui referidos como tendo sidofeitos em junho, aparecem nos primeiros interrogatórios do Pároco de Fátima,em julho. Por outro lado, aqui fala-se de “uma mulher da Moita”, enquantonaqueles se refere “uma mulher de Fátima”.

Doc. 22 1917-11-02

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120 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¾¾¿ À ÁÂà ÄÅÆÆÃ Ç ÈÃÉÊËÌÇ ÃÍ ÎÂÏÊËЖ Disse que continuássemos a ir à Cova da Iria e que rezássemos o

terço a Nossa Senhora do Rosário para que abrandasse a guerra, quesó ela lhe poderia valer. Pedi à Senhora a cura de enfermos e a conversãode pecadores que me tinham recomendado e ela disse-me que melhorariauns, outros não, e converteria uns, outros não.

45ª – Disse mais alguma coisa?– Não me recordo que tivesse dito mais nada nesse dia.46ª – Que disse a Senhora em agosto?– Em agosto não fui lá.47ª – Mas que disse ela no domingo seguinte quando te apareceu no

sítio dos Valinhos?– Nos Valinhos disse que se não tivéssemos sido presas não seria o

milagre tão conhecido e que teriam vindo S. José com o Menino dar apaz ao mundo e Nosso Senhor dar a bênção ao povo.

48ª – Que mais disse Ela?– Perguntei-lhe o que devia fazer ao dinheiro que se tinha juntado e

ela disse que o levássemos em dois andores à Senhora do Rosário, nosdias das festas da Senhora do Rosário.

49ª – Foste tu que te lembraste de fazer essa pergunta?– Não; quem tinha o dinheiro é que me mandou fazer essa pergunta.50ª – A Senhora não disse mais nada?– Tornei a pedir pelos doentes e pecadores recomendados e ela

disse que uns seriam melhorados e outros convertidos dentro de umano.

Nesse dia não lhe perguntei mais nada.51ª – O que disse a Senhora em setembro?–Não me recordo do que Ela disse.Talvez fôsse nesse dia que disse que em 13 de outubro havia de vir

S. José com o Menino e Nosso Senhor dar a bênção ao povo e NossaSenhora do Rosário com um anjinho de cada lado e Nossa Senhora dasDores com um arco de flores.

52ª – A treze de outubro viste os anjinhos e o arco de flores?– Não vi, não reparei, quando a Senhora apareceu ao pé do sol.52ª – O que disse a Senhora em outubro?– Perguntei-lhe o que me queria. Disse que não ofendessem mais a

Deus Nosso Senhor, que já estava muito ofendido, que rezassem o terçoa Nossa Senhora do Rosário que lhes perdoasse os pecados (sic),querendo ir para o Céu, e disse também que queria que fizessem aliuma capelinha à Senhora do Rosário ou que ela era a Senhora do Rosário.Eu não sei se ela disse “à Senhora do Rosário” ou “eu sou a Senhora doRosário”.

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ÑÒÓ Ô ÕÖ×ØÙÚÛ ÜÚÛÛ× ×ÝÙÞ– Eu disse-lhe que tinha muitos pedidos de curas e conversões e ela

disse que melhoraria e converteria uns, outros não.54ª – Não disse mais nada?– Disse: “a guerra acaba hoje e esperem cá pelos seus militares muito

breve”.55ª – Não disse que a guerra acabava logo que chegasse ao Céu? – Não me recordo se disse que era logo que chegasse ao Céu.56ª – Nesse dia disseste ao povo que fechasse os chapéus?– Não me recordo que o dissesse.57ª – Soltaste um grito dizendo ao povo que olhasse para o sol?– Não me recordo que soltasse tal grito.58ª – É verdade que a Senhora apontou para o sol?– Não me recordo que o tivesse feito.59ª – De que cor era o traje de Nossa Senhora ao pé do sol?– O manto era azul e o vestido branco.– E o de Nosso Senhor, o de S. José e o do Menino?– O de S. José era encarnado, e o de Nosso Senhor e o do Menino

penso que também eram encarnados.60ª – Quando foi que perguntaste à Senhora o que é que fazia para

que o povo acreditasse que era ela que te aparecia?– Perguntei-lhe umas poucas de vezes; a primeira vez que perguntei

cuido que foi em junho.61ª - Quando te disse o segredo?– Parece-me que foi da 2ª vez.

2 de novembro de 1917Interrogatório da Jacinta

1ª – O que foi que disse a Senhora da primeira vez que apareceu, nomês de maio?

– A Lúcia perguntou o que lhe queria e ela disse que fôssemos lá demês a mês até fazer seis meses e que no último mês diria o que queria.

2ª – A Lúcia fez-lhe mais alguma pergunta?– Perguntou se ela ia para o Céu e a Senhora disse que sim. Perguntou

depois se eu ia para o Céu e ela disse que sim. Depois perguntou se oFrancisco ia para o Céu e ela disse que sim, mas que havia de rezar ascontas.

3ª – A Senhora disse mais alguma coisa?– Não me lembro que tivesse dito mais nada nesse dia. Foi dessa vez

Doc. 22 1917-11-02

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122 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ßàá â ãäåâ æâç èäéä âê ëìíëìäéâêî4ª – Que disse a Senhora da segunda vez, em junho?– A Lúcia disse: O que me quer? A senhora respondeu: quero que

aprendam a ler.5ª – A Lúcia fez mais alguma pergunta?– Pediu pelos doentes e pecadores e a Senhora disse que melhorava

uns e os convertia, outros não.6ª – A Senhora disse mais alguma coisa?– Naquele dia não disse mais nada.7ª – O que disse a Senhora em agosto?– Em agosto não fomos lá.8ª – Queres dizer o que foi que a Senhora disse no domingo seguinte

nos Valinhos?– A Lúcia perguntou à Senhora se trazia o meu Manuel8 (um irmão

da Jacinta que está servindo no exército em Cabo Verde) e ela disseque trazia cá todos.

9ª – Que mais disse a Senhora?– Disse que, se não abalássemos para Ourém, viria S. José e o Menino

dar a paz ao mundo e Nossa Senhora do Rosário com dois anjinhos,um de cada lado.

10ª – Que mais disse?– Disse que fizéssemos dois andores e que os levássemos à festa da

Senhora do Rosário, que eu, a Lúcia e mais duas meninas vestidas debranco levássemos um e o Francisco com três rapazes levasse o outro.

11ª – Disse mais alguma coisa?– Não disse nada.12ª – Que disse a Senhora em setembro?– Não me recordo.13ª – Que disse a Senhora em outubro?– A Lúcia disse: “Que me quer”? A Senhora respondeu: “não ofendam

mais a Nosso Senhor que estava muito ofendido”. Disse que perdoava[sic] os nossos pecados, querendo ir para o Céu. Disse também querezasse a gente o terço. Disse que esperassem cá os militares muitobreve e que acabava a guerra naquele dia. Disse que fizesse a gente láuma capela e não sei se disse “à Senhora do Rosário” ou que “ela era aSenhora do Rosário”.

8 Manuel dos Santos Rosa, filho de José Ferreira da Rosa e de Olímpia de Jesus,nasceu a 10 de maio de 1895. Casou com Josefina de Jesus, a 3 de novembro de1922. Faleceu a 6 de fevereiro de 1976

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ïðñð òóôõööð÷øôùöòð úø ûøüòóôø óðýõþýðúòø úðòþ úõ óðñõýÿöð(antes do precedente)

1ª – De que lado estava o Menino Jesus quando o viste no dia trezede outubro ao pé do sol?

– O Menino Jesus estava no meio, ao lado direito de S. José, ficandoNossa Senhora do lado direito do sol.

2ª – A senhora que viste ao lado do sol era diferente da que vistesobre a carrasqueira?

– A Senhora que estava ao pé do sol tinha fato branco e manto azul,a que eu vi ao pé da carrasqueira tinha o fato e o manto brancos.

3ª – De que cor eram os pés da Senhora que apareceu nacarrasqueira?

– Os pés da Senhora eram brancos, cuido que ela trazia meias.4ª – De que cor era o fato de S. José e o do Menino?– O de S. José era encarnado, e o do Menino parece-me que era

também encarnado.5ª – Quando foi que a Senhora revelou o segredo?– Cuido que foi em julho.

Interrogatório do Francisco

1ª – De que lado estava o Menino Jesus quando o viste ao pé dosol?

– Estava mais perto do sol, do lado esquerdo dele, mas do ladodireito de S. José.

2ª – A Senhora que viste ao pé do sol era diferente da que vistesobre a carrasqueira?

– A Senhora que estava ao pé do sol parecia a mesma que eu cá viem baixo.

3ª – Viste Nosso Senhor abençoando o povo?– Não vi Nosso Senhor.

Novo interrogatório da Lúcia (antes do precedente) no mesmo dia

1ª – O que a Senhora trazia nos pés eram meias? Tens a certezadisso?

– Cuido que eram meias, mas podiam não ser.4ª – Tu nunca disseste o segredo, nem mesmo disseste que o povo

ficava triste se o soubesse. O Francisco e a Jacinta dizem que ficava

Doc. 22 1917-11-02

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124 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

t���t�� �� t� �� ��� ����� ��� t����� ���� �� ���������. Quete parece?

– Não sei se eles deviam ou não dizer, que o povo ficava triste.Nossa Senhora disse que não devíamos dizer nada a ninguém. Por issonão posso dizer nada.

2ª – Tu disseste uma vez que a Senhora tinha meias brancas. Entãoeram as meias ou eram os pés?

– Se eram meias, eram brancas, mas eu não sei ao certo se erammeias ou se eram os pés.

3ª – A saia era sempre do mesmo comprimento?– A saia da última vez parecia mais comprida.

Breve interrogatório da Lúcia a três de novembro

1ª – Quando foi que a Senhora te ensinou a oração que devias rezardepois de cada mistério?

– Parece-me que foi no terceiro mês.2ª – Quantas foram as pessoas que a Senhora prometeu curar e

converter?– Eu pedi por muitas e ela disse que curava e convertia umas, outras

não.3ª – Quantas vezes lhe fizeste esse pedido?– Parece-me que foi cinco vezes, ora por umas pessoas, ora por

outras.

Interrogatório de João Marto, de 14 anos de idade irmão doFrancisco e da Jacinta.

1ª – A 19 de agosto, com quem andavas tu a apascentar o gado nosValinhos?

– Andava com o Francisco e a Lúcia.2ª – A Jacinta também estava presente?– Não estava.3ª – A Lúcia pediu-te que a fosses chamar?– Pediu.4ª – O que foi que ela te disse?– Disse-me que fosse chamar a Jacinta, porque parecia que ia

aparecer Nossa Senhora.5ª – E tu foste logo chamá-la?– Não; eu não queria ir, mas a Lúcia deu-me um vintém para que eu

fosse, e então fui.

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6� � A Jacinta estava em casa?– Não estava; só encontrei lá a mãe, minha irmã estava à porta da

casa da Lúcia.7ª – Ela quis ir de boa vontade aos Valinhos?– Quis.8ª – Quando chegaram, o que estavam fazendo a Lúcia e o Francisco?– Estavam sentados, mas levantaram-se quando chegámos.9ª – O que fizeram depois?– A Lúcia disse à Jacinta que olhasse para onde parecia que devia

aparecer Nossa Senhora. A Jacinta pôs-se a olhar para esse lado.10ª – Puseram-se todos de joelhos?– Não; todos estavam de pé. A Lúcia não ajoelhou.

2 de novembro de 1917Continuação do interrogatório do João

11ª – Viste alguma coisa?– Não vi nada. Só ouvi a Lúcia falar com Nossa Senhora ao pé da

carrasqueira.12ª – Ouviste o que Nossa Senhora disse?– Não ouvi.13ª – O que foi que a Lúcia disse à Senhora?– Perguntou-lhe o que é que ela cá vinha fazer.14ª – Ouviste a resposta da Senhora?– Não ouvi, mas a Lúcia esteve um bocadito à espera.15ª – A Lúcia fez mais perguntas?– Fez. Tornou a falar, mas não me lembro do que disse, a não ser da

última pergunta que foi se ela trazia cá o meu Manuel.16ª – A Lúcia não te contou depois o que a Senhora lhe tinha dito?– Disse-me no mesmo dia ao pé da carrasqueira, logo de caminho,

que, se não fosse levada para a aldeia (Vila Nova de Ourém) no dia 13,o milagre não seria tão conhecido.

17ª – Que horas eram quando Nossa Senhora apareceu?– Era quase noite.18ª – Demoraram-se ainda muito no sítio?– O Francisco e a Jacinta vieram-se embora e ficámos eu e a Lúcia.

O Francisco e a Jacinta voltaram e disseram-me depois que tinham idorezar lá, mas eu fiquei longe a guardar as ovelhas e não as ouvi rezar.

Doc. 22 1917-09-27

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126 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1917-11-10, Viseu

O jornal “Correio da Beira”1 publica um artigo de Maria José de LemosQueirós2, sobre os acontecimentos ocorridos na Cova da Iria, no dia 13 de outubrode 1917 [data de redação: 30 de Outubro de 1917].

Publ.: DCF, I - Doc. 41 (Este documento faz parte do Processo Paroquial deFátima).

FÁTIMA

Peço ao... sr. Diretor do acreditado periódico, o “Correio da Beira”,o favor de dispensar um cantinho do seu jornal para estas breves palavras.

Tendo visto já em vários jornais falar do extraordinário acontecimentode Fátima, como eu e minha filha3 fomos testemunhas presenciais, vouapenas dizer com toda a sinceridade que me caracteriza o que os nossosolhos mortaes viram!

** *

Na véspera do dia 13 de outubro alugámos um carro, tendo sidomuitos felizes em encontrar naquela altura um coupé, em Torres Novas.Saindo dali à ½ ou 1 hora da tarde, seguimos para Fátima aondechegámos ao toque das Avé Marias, tendo apenas descansado naCharneca4, talvez um quarto de hora, para dar folga aos cavalos.

1 Publicação periódica, fundada em Viseu, a 1 de abril de 1911.2 A autora deste artigo, que se designa apenas como “Uma assinante do seu

jornal”, e que rubrica com um simples “J”, é identificada pelo Pe. Manuel MarquesFerreira, pároco de Fátima, no Processo Paroquial, de 18 de abril de 1919, fl.17v. Nasceu na Quinta da Cruz, S. Salvador, Viseu, a 5 de fevereiro de 1859.Casou com o Dr. Henrique de Queirós Pinto de Ataíde de Serpa e Melo SãoNicolau. Teve dois filhos: Maria do Amparo de Lemos Queirós Pinto Ataíde eHenrique de Queirós Pinto Ataíde e Lemos.

3 Cf. nota anterior. Nasceu em Treixedo, Santa Comba Dão. Casou a 15 de agostode 1920, com o Dr. Joaquim Martins da Cunha e Almeida (Visconde de Rio--Torto). Maria do Amparo faleceu em Lisboa, a 15 de março de 1964. É autora,pelo menos, de duas cartas ao Dr. Formigão: 9 de março e 14 de abril de 1918.

4 Charneca, povoação da freguesia de Nossa Senhora das Misericórdias, concelhode Ourém. Pelo Decreto nº 37.890/50, de 21 de julho de 1950, foi alterado o nomede Charneca para Vilar dos Prazeres (“Diário do Governo”, I série, nº 143, de 21de Julho de 1950).

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léguas de Torres Novas a Fátima, talvez 4 ou 5 de charneca; e esta temo nome e a propriedade! Toda fragosa e pedras soltas, com boas oliveiras,que produzem melhor do que as nossas da Beira Alta, embora sejambem tratadas e aquelas apenas alimentadas nos lezins das mesmas pedrase no solo barrento.

Paisagem para nós agradável por nos ser desconhecida.Em Fátima, descansámos na casa do dig.mo Prior e fomos por este e

sua boa irmã5 tratadas com todo o cuidado e atenção.No dia seguinte, dia 13, fomos logo de manhã para o lugar da

aparição. Entretanto é-me agradável dizer que Fátima é um pequenolugarejo, bonitinho, talvez de cento e tantos fogos.

Às 8½, a estrada para o campo da aparição, já ia ladeada de carros,automóveis, carroças, burricos, e muita gente a pé. Devem ser 2quilómetros de Fátima ao local do fenómeno.

Chegadas ali, o nosso trem retirou-se ao lado da estrada, comofizeram outros, para darem lugar ao trânsito. Já a essa hora estava imensagente. Dentro do coupé envidraçado defrontávamos com o extensíssimocampo, parecendo um alguidar, levantado nos lados e abatido ao centro,formando a vastíssima bacia, com grupos aqui e além, e um extensovale, que nos lembrava se deverá parecer com o Vale de Josafá!

Lá, muito ao longe, a um lado, víamos muita gente rodeando o localda aparição, marcado por 2 postes de madeira com uma cruz ao centroe 2 lanternas nos postes.

O dia 13 apresentou-se de chuva, o céu plúmbeo e vento.Às 9 ou 9½ mais escureceu e mais chovia, parecendo-nos não poder

melhorar o dia. Como víssemos que a chuva continuava, às 11 horas,tomámos a resolução de sair da nossa estufa e do mirante..., e seguimoscom os ranchos em direção ao local que uns pastorinhos anunciaramcomo teatro de cenas sobrenaturais. Ao meio dia chegaram os 3pastorinhos. Lúcia, de 10 a 11 anos, é que fala; os outros, Jacinta, amais nova, e Francisco, irmãos um do outro e primos de Lúcia, diziamter visto uma Senhora muito linda, toda vestida de branco com umanuvem aos pés.

Passados minutos, depois da chegada dos pastorinhos, cessou achuva, e o céu, até ali escuro, precisamente à hora (seria 1 da tarde) em

5 Joaquina Amélia nasceu em Casal Menino, Espite, a 24 de fevereiro de 1890 efaleceu a 1 de outubro de 1970, no mesmo lugar.

Doc. 23 1917-11-10

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q01 23 4 53789:2;236 anunciaram o caso mais fenomenal que se podiadar, em frente ao local da anunciada aparição, o céu aclarou um pouco,o que fez que quase todos os olhares instintivamente fitassem o mesmolocal.

Cena verdadeiramente impressionável, presenciada por 40:000 a50:000 pessoas, tantas foram aproximadamente calculadas!

Não afirmo o que não vi. Não vimos a Nossa Senhora, nem nosconsideramos dignas disso. Mas vimos no sol, por si só, a afirmaçãodum fenómeno, dum caso sobrenatural!

Como foi e donde veio, não sabemos explicar. Mas o facto deu-se econtra factos não há argumentos.

Como já disse, à 1 hora, no céu, lugar onde a nuvem se desviara,aclarou; e qual o nosso espanto, quando apareceu um globo, prateado,fazendo um pequeno giro e aparecendo atravessado aqui e além pelasnuvens! Isto por 3 vezes, com intervalo, talvez, de 3 a 4 minutos.

Nesta ocasião, à nossa retaguarda, dava-se a cena dos pastorinhosjunto à azinheira; nós ficámos a 7 ou a 10 metros deste local paraescaparmos à turba-multa. A mais velha das pastorinhas impôs nestaaltura silêncio e o resto da cena, ali, era para os 3! Depois deste simpáticoensaio ou prelúdio ao Astro-Rei, como que eclipsado pelas nuvens, masnão de todo encoberto, de súbito rompe em todo o esplendor, muitodiferente do usual, uma nuvem ou chama vermelha brilhantissima que oencobria, e passados momentos aquelle globo ou esfera se agitavanervosamente como impelido por eletricidade. Parecia avolumar-se equerer precipitar-se ou falar para a terra, a anunciar um caso de regozijoe pavor!

Mudou este cenário uma nuvem amarela, dourada; e assim foidesaparecendo esta realidade, que aos mortais parecera um sonho!Desejava poder descrever este acontecimento, único, maravilhoso, emfrase burilada; limito-me a narrá-lo com a simples expressão da verdade,por nós presenciada.

Se tudo houvera sido anunciado por homens de ciência, astrónomos,nada admirava; mas não.

Só a voz simples e inocente das crianças despertou a curiosidade demilhares de pessoas.

Ora não é natural que estas simples crianças tivessem a arrojadapretensão de trazer aos sábios novidades: nem se propunham ensinar osmestres!

A sua aspiração era mais modesta; apenas em muito simples palavrasagora afirmavam terem visto uma Senhora muito linda, de mãos postase vestida de branco, que lhes disse que deviam naquele local mandar

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que se deixassem de ofender a Deus, que já estava de mais ofendido!Que a guerra ia acabar, e que viriam os nossos soldados.

Anteriormente, a mesma Senhora lhes dissera uma coisa que apastorinha Lucia não pode revelar.

** *

Quando entrámos no carro, em Torres Novas, a criada do hotel veiotrazer-nos o farnel para auxilio naquelas inóspitas paragens, e disse-nosem tom misterioso:

“Parece que vai haver lá grande barulho!” O veículo rodou. Eu dissepara a minha filha: habituei-me a rezar a São Bartolomeu (advogado domedo). Como não fazemos mal a ninguém, cremos que ninguém terá odireito de no-lo fazer a nós! Nossa Senhora nos guardará e a todos queali vão, que não têm culpa de que o milagre se realize ou não!

Mal diríamos que o havíamos de presenciar no momento em que osol nervoso tinha suspenso o auditório. Parecia vir para a terra,anunciando o milagre e saudando a Rainha do Céu e do universo, quenaqueles momentos falava para os 3 pastorinhos, como as três criançasespontânea e intemeratamente6 afirmam.

Acredito e nada me repugna acreditar, em face do que vi. Mas, comoa minha voz é fraca e débil no deserto, esperemos que outras vozesmais fortes e autorizadas o confirmem.

Logo que o astro-rei entrara na sua normalidade, tudo se retirou namelhor ordem e silêncio, subjugado pela verdade dos factos! Peripécias:o vasto campo do milagre era todo de barro, separado em arretos depedras soltas.

Como choveu, ficou feito em lama. Logo que saí do carro, enterreias botas na lama e os pés pesavam, que julguei não poder andar! Láfomos indo, indo até parar bem próximo da azinheira, já cortada edepenada, cujos raminhos davam-se aos devotos, como os nossos irmãosque vão para o front levam lembranças e relíquias da família.

Comoveu-nos, no entanto, ver colegas nossas de sapatinho branco,julgando encontrar terreno seco e firme, onde só era barro movediço!Pena foi não subirem mais alto... calcando indiferentes a lama da terra!

6 Confusão com “intimoratamente” (destemidamente, corajosamente)

Doc. 23 1917-11-10

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130 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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me aturar.Também nos não admira que entre milhares de pessoas alguma

apareça como o nosso cocheiro, a quem, tendo ficado junto do carro,no alto do vale, perguntei:

– Então, sr. Manuel, gostou e viu o sol?...Parece que nessa ocasião estava a dar de comer aos cavalos! Grande

materialista (sendo aliás muito boa pessoa)...Nada admira.

Uma assinante do seu jornal.

Aldeia Central7, 30 - outubro, 1917.

J.

7 Deve tratar-se de um nome fictício, pois a autora residia na cidade de Viseu.

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1917-11-11, Alqueidão da Serra

Ofício do Pe. Joaquim Vieira da Rosa, vigário de Porto de Mós a D. JoãoEvangelista de Lima Vidal, Arcebispo de Mitilene, a enviar dezasseis depoimentosde pessoas que presenciaram os fenómenos do dia 13 de outubro de 1917, naCova da Iria (ver Doc. 19)

Publ.: DCF, I - Doc. 23

prsmo e R.mo Senhor

Remeto o documento junto. Consultei muitas pessoas sobre o assuntoe todas elas confirmam o mesmo que disseram as testemunhas constantesdo mesmo documento e por isso me abstive de mandar escrever osseus depoimentos. O que atualmente tem resfriado um pouco a fé dealgumas pessoas é uma das pastoras ter dito que a guerra acabarianaquele dia mesmo, ou na noite seguinte, e ela ainda continuar com todoo incremento.

Deus guarde a V. Ex. Rª

Alqueidão da Serra 11 de novembro de 1917

Ex.mo e Rmo Snr.Arcebispo de Mitilene.

O Vigário de Porto de Mós Joaquim Vieira da Rosa

Doc. 24 1917-11-11

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Doc. 251917-11-13, Torres Novas

Testemunho de João Maria Lúcio Serra, sobre o dia 13 de outubro de 1917, naCova da Iria, dedicado a sua filha, Maria Elisa da Cunha Serra1.

Publ.: DCF, III-1 - Doc. 295

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13 de novembro de 1917

Faz hoje precisamente um mês que dezenas de milhares de pessoas,atraídas pelas promessas reiteradas de três crianças rudes e boçais, sereuniram na Charneca de Fátima.

Também eu lá fui; não que me estimulasse o entusiasmo vivo de umaconvicção íntima na realização anunciada de factos portentosos, masporque a ir me obrigava a gratidão devida a gentileza penhorante e insigne.

O dia 13 de outubro amanhecera chuvoso e desabrido mas o turbilhãodo vento impetuoso, acompanhado de fortes aguaceiros, não bastoupara vencer a fé sincera de uns e a curiosidade ardente de outros.

Pelo longo caminho encontrei dezenas, centenas, milhares de pessoasque, açoitadas pelo vendaval tempestuoso, sem um gesto de enfado,sem uma quebra de ânimo, seguiam pela estrada alagada, em demandado sítio onde factos prodigiosos se diz terem-se já dado, e onde outrosdeviam neste dia produzir-se. A gravidade e a compostura que em todosos rostos transluziam, eram garantia segura da crença fervorosa queimpelia muitos, e do respeito que essa crença ingénua e pura a todosimpunha.

Chegado ao teatro dos retumbantes acontecimentos, impressionou--me vivamente a enorme multidão, em muitos milhares de pessoascomputada, e que se aglomerava numa ordem, num respeito, numacompostura que comoviam.

Não podendo romper caminho até junto da famosa carrasqueira,que parece ter servido como que de trono à Celeste Visão, quedei-mena estrada em sítio de onde tudo bem se podia observar.

1 Acompanhou o seu pai a Fátima, no dia 13 de outubro de 1917.

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que a multidão retemperava a fé enquanto não chegava a hora solenepor que milhares de corações ansiavam.

Acabavam de chegar as três crianças, boçais e rudes protagonistasdo espetáculo mais grandioso e extraordinário que ainda me foi dadopresenciar. Aproximava-se o momento augusto. A chuva impertinenteabrandou, e para o norte divisa-se numa nesga de céu, o azul límpidorompendo as nuvens plúmbeas.

Ao meu espírito já então comovido com o que presenciava, ocorreuque bem poderia suceder que aquela manhã brumosa, de céu carregadode nuvens pardacentas, fosse a mis-en-scène de um espetáculo grandiosoque estivesse para dar-se. No relógio o ponteiro marcava vagarosamente2 horas; e entretanto a multidão aguardava em ansioso recolhimento oacontecimento maravilhoso que havia de revigorar-lhe a fé.

Já em algumas almas cândidas surgia o receio de que o facto anunciadonão se produzisse, quando de repente toda aquela imensa multidão àvoz da vidente se agitou num brouhaha significativo de espanto eassombro levantou a cabeça para o céu, onde milhares de olhoscontemplaram estarrecidos o sol em pleno azul, visível a todos, sem aintensidade dos raios a ferirem a retina e a dificultarem a visão, coroadode cores várias, num movimento de veloz rotação, parecendo por vezesdesprender-se da abóbada celeste, aproximando-se da terra. Osespetadores, entreolhando-se, representavam-se, uns aos outros, de coramarela, e no horizonte, vermelho-alaranjado, onde quer que os olhosse fitavam, viam-se fachos de luz esbatida, afetando a forma oval,parecendo colocados a igual distância, e refletindo-se na terra.

Tal foi o fenómeno surpreendente que todos tiveram ocasião deobservar, e que a uns arrancou a confissão sincera de fé ardente, e aoutros a quem o vento adusto do ceticismo crestou a flor da crença,lançou numa expetativa benévola.

De que se trata, pois?É fora de dúvida que estamos em presença de factos que comoveram

profundamente as multidões, não hesitando muitos em classificá-los demilagre.

Sê-lo-á?Seria temerário afirmá-lo. Todavia é certo que em boa crítica não

podemos nem devemos na apreciação dos factos separar estes dascircunstâncias que os precederam, acompanharam e se lhes seguiram.Dando de barato que no caso da Fátima tudo se explica por causasnaturais, uma circunstância basta para lhe dar foros de maravilhoso – o

Doc. 25 1917-11-13

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134 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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meses e ainda no próprio dia.Coincidência?Mas não será admirável e surpreendente semelhante coincidência de

um facto com tanta antecedência e firmeza anunciado?Os factos produzidos na Fátima tiveram por teatro lugares públicos,

por espetadores, pessoas de todas as condições sociais, multidõesinumeráveis atraídas ali por três crianças de rudeza quase selvática,inimigos numerosos e encarniçados.

E contudo, se nem todos se confessaram crentes, todos se mostraramrendidos perante o poder que tal maravilha operava.

Ao maior número, sem estudo, sem ciência, o sobrenatural impôs-secom uma convicção inabalável, que é a certeza mística, que só exige aboa fé e que leva o homem reto e de são juízo a exclamar: Digitus Deiest hic.

Por isso as línguas humanas, órgãos misteriosos da verdade, deramum nome significativo ao ato pelo qual Deus exerce a sua soberaniasobre a natureza e manifesta instantaneamente a sua presença aos homens:chamaram-lhe milagre, isto é, o ato admirável por excelência, o ato queconstitui o poder público de Deus.

Àqueles a quem por ventura estas considerações fizerem assomaraos lábios um frouxo de riso, eu direi que não só pela razão senão quetambém pelo coração nós conhecemos a verdade. Ao lado da razãodonde procede a filosofia, há a natureza, que se exprime pela voz doinstinto, do sentimento ou do coração. O sentimento é um eco da razão,que algumas vezes, por ecoar no mais recôndito da alma, se faz ouvirmelhor que a própria razão. Quando se fala da luz do coração, designa--se sem se dar por isso a luz da razão espontânea que nos descobre averdade com uma intuição viva e pura, diametralmente oposta aosprocessos lentos e laboriosos da razão refletida e do raciocínio.

E aos que, fazendo ostentação soberba da sua ciência, zombam dacrença popular, simples e ingénua, eu direi: príncipes da ciência,potentados da análise, laureados das academias: nós temos sede e temosfome; e vós, que sabeis pela análise decompôr a água e conhecer deque se compõe o trigo, dai-nos uma gota de água, produzi-nos um grãode trigo.

Porque não atendeis às nossas súplicas? Abatei o vosso orgulho;confessai a vossa impotência: conhecendo apenas os efeitos, nãoconheceis a força que produz o gérmen.

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da “Ordem” e firmado pelas iniciais A. de F. que ocultam o nome de umdos mais ilustrados e denodados paladinos da causa católica, provocassea tão grande e inconveniente arruído os espetadores dos casos ocorridosna Fátima. O seu autor, no intento de sofrear entusiasmos porventuraexcessivos, arrancou da alma simples das multidões ricas de fé e felicidadeserena, deixando-lhes na alma erma de santos júbilos e inefáveis alegriaso espinho da dúvida lacerante.

Não seria preferível deixar ao futuro a verificação do milagre ou aconfirmação da mistificação?

L. S.(João Maria Lúcio Serra)

Doc. 25 1917-11-13

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136 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1917-p.11-23, Coimbra

Folheto de Maria Augusta Saraiva Vieira de Campos1, sobre os acontecimentosdo dia 13 de Outubro, na Cova da Iria [data de redação: 19 de outubro de 1917]2.

Publ.: DCF, I - Doc. 42 (Este documento faz parte do Processo Paroquial deFátima).

A MINHA PEREGRINAÇÃO A FÁTIMA

¾¿ÀÁÂÃÄ Å¿Æ ÇÄÈÄÉÃÊË¿Æ¿Æ Ä¿ÌÀÍÂÃÇÍÌÀ¿Æ

ocorridos em Fátima, no dia 13 de outubro de 1917por

Maria Augusta Saraiva Vieira de CamposCoimbra

Tipografia França Amadooutubro de 1917.

O produto da venda deste folheto reverte a favor do patronato quesustentam em Coimbra as Senhoras católicas que constituem aassociação “Auxílio dos Pobres”.

[3] Nihil obstatConimbrigae, 23 novembris, 1917.Emanuel Fernandes Nogueira

Pode imprimir-seCoimbra, 23 de novembro de 1917.† MANUEL, Bispo de Coimbra.

Excelentissimo e Reverendissimo Senhor Bispo Conde.

Peço a Vossa Excelência Reverendíssima a autorização parapublicar o folheto incluso intitulado “A minha peregrinação aFátima”.

Maria Augusta Saraiva Vieira de Campos

1 Nasceu a 11 de setembro de 1864 no lugar da Barroca, freguesia de Cernache,concelho de Coimbra. Casou a 28 de novembro de 1889, com João Vieira Pessoade Campos, oficial do exército (n. 6.02.1860; f. 1.07.1918)

2 Pelo “nihil obstat” e “pode imprimir-se”, concluímos que o folheto, redigido em19 de outubro de 1917, foi impresso entre os fins de novembro e fins de dezembrodo mesmo ano.

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ÎÏ ÐÑ. Dr. José de Almeida Correia3

Ex.mo Senhor:

Como sócia do Círculo de Estudos4 que V. Exª tem dirigido emCoimbra e a cujas lições tenho tido a satisfação de assistir, lembrei-mede oferecer a V. Exª esta breve notícia da minha peregrinação a Fátima,onde se deram acontecimentos extraordinários que vivamenteimpressionaram todo o país.

Não tem pretenções literárias o meu modesto escrito; é um simplesrelato do que vi e presenciei, que ficará como depoimento de umatestemunha que conserva as melhores e mais fundas impressões daperegrinação que fez àquele lugar, levada, como tantos milhares depessoas que ali se dirigiram, pelo desejo de presenciar os sinaismiraculosos que acompanhavam a aparição de Nossa Senhora a unspastorinhos.

Sobre o caráter miraculoso dos sinais e a realidade das aparições,pronunciar-se-á, quando o entender, a autoridade competente.Publicando esta resumida notícia, o meu fim é chamar a atenção daquelesque porventura ainda não os conhecessem, para o que me parece haverde extraordinário nestes acontecimentos.

E oferecendo a V. Exª o meu modestíssimo trabalho, desejo que oconsidere como testemunho do interesse com que tenho acompanhadoas suas lições, das quais alguma coisa julgo haver aproveitado e aomesmo tempo de reconhecimento pelas atenções que tem dispensado àmais humilde das suas alunas.

Coimbra, 19 de outubro de 1917.

Maria Augusta Saraiva Vieira de Campos.

Foi no dia 7 de setembro que uma mulher do povo, criada de umapessoa da minha família, que me contou que em Fátima, aldeia que ficaentre Leiria e Vila Nova de Ourém, se dava um milagre com umaspastorinhas a quem Nossa Senhora aparecia desde o dia 13 de maio,

3 Sacerdote da diocese de Viseu. Formou-se em Teologia, na Universidade deCoimbra, em 1917, e frequentou Direito e Letras. Foi associado, vice-presidentee, de 1914 a 1919, o primeiro assistente eclesiástico do Centro Académico deDemocracia Cristã (C.A.D.C.).

4 Curso de Apologética, dado pelo assistente do C.A.D.C.

Doc. 26 1917-p.11-23

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138 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÒÓÔÕÖ×ØÙÓ ÚÛÖÜÓÒÝÕÖ ÞßÓ ØÙÓà áÚáÛÓâÓÛÝá ÕßÛáÔÒÓ ÜÓÝÖ áÔÖã ÓÞßÓÔÖ ÕÝá

13 de outubro lhes faria as últimas revelações.Esta promessa não fora feita propriamente às três crianças, mas só à

privilegiada Lúcia, a mais velhita, única que recebia a graça de ouvir efalar a Nossa Senhora. Contava-se que ofereciam à criança cordões deouro e dinheiro para ela dizer o que sabia; mas a pequena nem ao párocode Fátima, com quem fizera a sua primeira comunhão, deixando-omaravilhado pela maneira como se preparava para um ato de culto, seprestava a dizer o que ouvira a Nossa Senhora. No dia 13 de agosto oadministrador do concelho foi buscar a pequena Lúcia mais os seuscompanheiros, outra pequena e um rapazito tambem pastores,companheiros da primeira, mas que só recebiam a graça de ver aSenhora, não a ouvindo porém nem lhe falando5.

Contava-se mais: que muita gente que naquele local se encontrou, àhora do meio-dia solar, sentira qualquer coisa de extraordinário, desobrenatural, ajoelhando e rezando.

O mesmo se dera em 13 de agosto, dia em que a pequena Lúciaesteve presa à ordem da autoridade administrativa. No domingo imediato,19 de agosto, a criança pediu à Senhora a não deixasse ficar pormentirosa no dia 13 de outubro; e acrescentava-se que a Senhora lhefizera essa promessa, dizendo: descansa, que todos aqueles que aquivierem hão de ver o milagre. E assim aconteceu. O povo e o própriopároco de Fátima metiam medo à criança, dizendo-lhe que, se no dia13 de outubro o povo não visse o milagre, ali mesmo seria feita empedaços; ao que ela respondia serena e sorrindo: não fazem, não senhor,porque a Senhora não mente.

Saí pois de Coimbra, na meia noite de 12 para 13 de outubro, comduas amigas minhas, D. Ermelinda Gomes Ribeiro e D. Matilde Forjazde Sampaio, tomando lugar no comboio em 3ª classe, por promessa, eseguindo até Chão de Maçãs, onde tomamos uma diligência que nosconduziu até Vila Nova de Ourém.

Aqui chegámos às 7 horas da manhã, indo procurar o rev. pároco dafreguesia6 para que nos ministrasse a sagrada comunhão.

Pudemos assistir à missa, que foi ouvida por bastantes pessoas, efomos depois tomar uma pequena refeição, utilizando os farnéis que

5 Na realidade, a Jacinta também ouvia.6 Pe. Manuel José Alves, pároco de Vila Nova de Ourém de 1904 a 1934. Faleceu

em Valadares, Monção, a 9 de janeiro de 1952.

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äåæçèéêë Tínhamos de andar uns 18 quilómetros a pé, caminho a subir.A dificuldade do caminho não nos desalentou. Tomámos por eleresolutamente, rezando o terço em coro. O povo que passava descobria--se em sinal de respeito. Era enorme a concorrência de automóveis,carros de todas as espécies, bicicletas, cavalgaduras; e como nós, a pé,seguia grande quantidade de povo.

Fazia um calor sufocante, ameaçando tempestade, pois muitas nuvensse acastelavam no espaço.

Os passageiros de um pequeno carro que passou por nós, gente boaque notou a nossa sensação de fadiga, ofereceram-se para nos levaremas sacas de viagem, favor que aceitámos reconhecidas, confiando nasua seriedade, apesar de não os conhecermos. Passado pouco tempoprincipiou a chover, e a chuva foi aumentado, tocada por um rígido efrigidíssimo vento, ficando nós em breve tão molhadas e encharcadasde água como se saíssemos de um banho.

A estrada parecia não ter fim; caminho aos zig-zags, muita gentemolhada como nós, mas andando sempre, movida pelo mesmo desejo,pela mesma ânsia de chegar a tempo ao lugar da aparição.

Ao meio dia e meia hora, chegámos ao local, bem dispostas apesarde tudo. O espetáculo era imponente!

Apresentava-se-nos um pequeno vale, bastante árido, sem uma únicacasa; milhares de guarda-chuvas, abertos sobre as cabeças, davam aimpressão de um verdadeiro acampamento. A multidão comprimia-se;caíam sobre ela torrentes de água, e contudo ninguém se retirava. Oterreno, em volta do local da aparição era barrento e encharcado. Nolocal destacava-se uma espécie de pórtico tosco, formado por trêsbarrotes aparelhados; aqui e acolá pequenos carvalheiros, e em redormilhares de pessoas de todas as classes e condições.

Entre a multidão tomámos lugar, começando a rezar o terço em coro,cantando o Avé de Lourdes, que o povo e as senhoras acompanhavam,o Queremos Deus, recitando a oração de S. Bernardo, etc.

A chuva não parava um instante; tremia-se de frio porque o ventoera cortante. Entretanto ouve-se dizer: lá trazem as pastorinhas.

De facto uns homens transportavam ao colo as crianças vestidas deazul claro, com véus de tule branco, seguros por coroas de rosas brancase folhagem verde.

Reparo na minha companheira, D. Ermelinda Gomes Ribeiro, e noto--lhe uma impressão de grande sofrimento. Pergunto-lhe o que tem, ediz-me que sente uma pontada tão forte que mal a deixa respirar. Senhoradoente, com febre quase todos os dias, assim molhada, com os pés

Doc. 26 1917-p.11-23

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140 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ìíîïð ñ òðïïñ ðóôõñïôñöñ÷ óøí òðóöí ñùú ûðúí öð òïñóìüíïòð ýþð óíì

conduzisse a um lugar onde pudesse tratar-se, o seu estado causou-meaflição. Lembrei-me de lhe fazer uma massagem sobre a pleura, o queaceitou; mas estava tão fria, tão molhada, que receei que nada valesse.

Confesso que já então nenhuma esperança me restava de ver omilagre. Como o local era ainda distante da estrada, viemos até lá àprocura de alguém que por caridade nos cedesse um lugar em automóvelou carro, em que pudesse vir a minha amiga, pois receava bem que nãoaguentasse o caminho, tendo de fazer novamente a viajem a pé.

Na estrada onde chegámos com as saias cobertas de barro vermelho,nenhum automóvel ou carro nos dispensou um lugar nem pago nem porfavor.

Era grande a nossa impressão de desânimo, quando, de repente, seouve de todos os lados: Milagre! Olhem o sol! Parara como por encantoa chuva; fecharam-se os chapéus; sentiu-se um calor como seentrássemos numa estufa aquecida, e começou a vêr-se o disco do sol,a perceber--se claramente na camada pardacenta que corria todo océu. O calor aumentava, e o sol parecia descer, descer cada vez mais,apresentando novos e variados cambiantes. Vimos como que um véuprateado, com forma arredondada como se fosse a lua cheia; poucodepois passava para o roxo vivo, depois para o vermelho, depois parao verde-esmeralda e tomava finalmente a cor primitiva.

Ouviam-se gritos de todos os lados, quando se destacava do solcomo que uma forma branca de neve, brilhante, sem ferir a retina, vindopara nós, voltando de novo ao sol, e por fim escondendo-se a terceiravez entre as nuvens. Todos choravam e de muitas bocas se ouviam preces,súplicas, atos de fé.

A pequena Lúcia disse que Nossa Senhora lhe pedira que fizessm aliuma capela com a invocação da Senhora do Rosário; que a guerra iaterminar; que os soldados portugueses em breve regressariam a suascasas; que se unissem os portugueses e fizessem penitência, pois Deusestava cansado de tantas ofensas; que rezassem o Rosário, a fim deevitar os castigos que pesariam sobre Portugal, se os portugueses senão emendassem.

Para maior satisfação nossa, depois da alegria inexprimível, daconsolação de havermos presenciado o grande milagre, tivemos a boafortuna de encontrar lugar num automóvel que do Luso tinha levadomeus primos Jaime Forjaz de Serpa Pimentel e esposa, transportando--nos assim a Vila Nova de Ourém, onde umas senhoras caritativas nosemprestaram roupas para substituirmos as que trazíamos e que

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ÿc����������c����� � �� �ÿ� c�� �c������� c7 nos deu pousadaonde pudéssemos descansar essa noite, prosseguindo depois na nossaviagem até à estação de Chão de Maçãs, donde regressámos pelocomboio, em carruagem de 3ª classe como tínhamos ido, à cidade deCoimbra.

7 Provavelmente, trata-se do Pe. Luís de Andrade e Silva, advogado e notário emVila Nova de Ourém.

Doc. 26 1917-p.11-23

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142 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 271917-12-02

Folha panfletária contra Fátima, editada pela Associação do Registo Civil eFederação Portuguesa do Livre Pensamento.

Publ.: DCF, III-1 - Doc. 333

A�� �����A�� ���TUGUESES

A reação campeia desenfreada

Contra a torpe especulação feita com a comédia ridícula de Fátima,protestam energicamente a Associação do Registo Civil e a FederaçãoPortuguesa do Livre Pensamento.

Cidadãos!

Por mais que queiram certas personalidades, umas de boa fé e outrasnão, insinuar que está terminada a missão destas coletividades, visto nasleis da República se consignarem medidas defensivas da liberdade deconsciência e de pensamento, os factos dia a dia se encarregam de nosprovar que tais acertos não têm razão alguma de ser.

Ainda há pouco vimos, no programa eleitoral de determinadocandidato, que se inseria nesse programa o esfacelamento da lei deSeparação do Estado das igrejas e o restabelecimento das relaçõesdiplomáticas com o Vaticano, sob pretexto de conservação do padroadodo Oriente!

Vimos as pastorais prelatícias contra a mesma lei e os protestos ilegaise insolentes de padres e outros elementos reacionários contra os justoscastigos aplicados a bispos delinquentes; vimos as miseráveis tentativasdo estabelecimento de uma igreja extra-territorial estrangeira em Portugal;vimos os esforços envidados para a reconstituição do felizmente extintocorpo dos capelães militares, e vimos a célebre ordem nº 39 do C.E.P.,sobre que não foram ainda dadas no Senado as explicações queAgostinho Fortes sobre o assunto há meses exigiu; vimos as tentativasdo restabelecimento de congregações religiosas, e vemos sem respostaa interpelação do senador Tomás da Fonseca sobre o assunto; vemossacerdotes servirem-se do altar e do púlpito para as suas diatribes de

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agredidos, e até assassinados, pelo horrível crime de se não descobriremà passagem de uma dessas carnavalescas cegadas, a que é moda tratarpela alcunha de procissões, e que melhor seria que as autoridadesadministrativas não tivessem a faculdade comprometedora e perigosade permitir.

Vemos isto tudo e muito mais, cuja enumeração não cabe nos estreitoslimites de um manifesto como este.

Mas, como se tudo isto fosse pouco, a muito mais se levou odescaramento na perniciosa propaganda reacionária. Agora é ao própriomilagre que se recorre para embrutecer o povo pelo fanatismo e pelasuperstição.

Que vem a ser um milagre? Nada mais do que uma contravenção àsleis imutáveis da natureza, muito mais grave do que a transgressão deuma postura municipal, e por isso mesmo muito mais digna de castigodo que de veneração.

Todavia houve quem, conjugando gananciosíssimo com espíritofanatizador, arranjasse, com cenário esplendoroso em que o luxoespaventoso do automóvel se casava hibridamente com modéstia dacarriola aldeã e com a humildade do peão, uma comédia indecorosaque há dias levou milhares de pessoas a assistir, em Fátima, à exibiçãode uma fita ridiculamente fantasiosa em que se incutia no espírito dopovo ingénuo a sugestão coletiva de uma suposta aparição da virgemmãe de Jesus de Nazaré a três crianças sugestionadas ou industriadaspara servirem de comparsas a essa torpe e vergonhosa especulação, aum tempo mercantil e clérico-reacionária!

Como, porém, não bastassem as tolas declarações dos pobres petizesa quem a tal virgem aparecia e falava sem que mais ninguém a visse eouvisse, inventou-se quem visse o sol, a determinada hora de 13 deoutubro de 1917 – no 8º aniversário do assassínio de Francisco Ferrer,isto é, em pleno século XX, e não em iguais dia e mês de 1917 –,dançar o fandango ou o chifarote com as nuvens!

E houve ainda mesmo quem desse a essa patranha indecorosa alanterna luminosa da grande publicidade, assumindo desse crime aresponsabilidade quem, pela sua ilustração, pela sua inteligência, pelosseus especiais conhecimentos em matéria teológica e pelas suas tradiçõesbrilhantes de outra lanterna bem diferente, não tinha o direito de seprestar a tão repugnante papel!

Não queremos entrar aqui em dissertações doutrinárias a respeitodo valor ou não valor do dinheiro, porque não é essa a missão destas

Doc. 27 1917-12-02

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144 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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ele valha ou valesse, nunca poderia, ou antes, nunca deveria valer osuficiente para comprar a consciência de quem preza a própria dignidadee conhece as responsabilidades e os deveres que essa mesma dignidadeimpõe.

Isto, cidadãos, é uma miserável tentativa de retrocesso, no intuito demergulhar novamente o povo português nas densas trevas só própriasde tempos ominosos que se foram para não mais voltarem.

A República e os cidadãos que têm a seu cargo a tão nobre quãoespinhosa missão de a dirigirem e de a fazerem trilhar à senda gloriosada Civilização e do Progresso, não têm o direito de consentir nabestificação do povo pelo fanatismo e pela crendice, pois isso seria,para ela e para eles, uma falta imperdoável ao cumprimento do seuprimordial dever, não só para com a Pátria, mas para com a Humanidadeem geral.

É, pois, dever indeclinável de todos nós reclamar dos poderespúblicos, enérgicas e imediatas providências que desde já ponham pontofinal nessa especulação abusiva com que a reação pretende fazerretrogradar o povo ao medievalismo.

Não devemos, porém, esperar tudo dos poderes públicos, à laia dosque, esperando tudo da hipotética divina providência, para nada contamcom o próprio esforço, e aos quais é aplicável, com toda a propriedade,o velho aforismo: –“Fia- te na Virgem e não corras, e verás o tomboque levas”.

Temos, portanto, que, sem pôr de lado as providências que dospoderes públicos reclamamos, contar igualmente com o nosso próprioesforço, que servirá também de esteio e de apoio aos governantes paraque possam honradamente desempenhar-se da missão que lhes incumbe.

Qual a forma de cooperar com aqueles de quem reclamamosprovidências para a consecução do que lhes exigimos? Por meio deuma propaganda intensiva e tenaz, levando pela persuasão ao espíritodos nossos concidadãos, a luz brilhante da Verdade, da Razão e daCiência, convencendo-o de que nada pode alterar as leis da natureza,de que os pretensos milagres não passam de balelas miseráveisdestinadas a abusar da credulidade filha da ignorância, restos de umasecular educação fradesca, muito difícil, mas ainda assim possível de lhearrancar do espírito.

Eliminem os mais ilustrados, gradualmente, do cérebro dos que onão são ou dos que o são menos, a deletéria e embrutecedora crençano sobrenatural, e ter-se-á dado um grande passo para que cesse de

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h?@BCD?D?E@FGHIB GBJBKLBMEIJKNCK?C DBEFGvigaristas do mercantilismoe da reação que há dias os levaram a Fátima.

Que os professores, nas escolas e nos colégios, vão educando einstruindo racionalmente os seus discípulos, libertando-os dospreconceitos religiosos como de todos os outros, e teremos assimpreparada para amanhã uma geração mais feliz do que a atual, por sermais do que ela digna da felicidade.

Libertemo-nos, pois, todos, arrancando do nosso espírito, não só atola crendice em embustes grosseiros e hilariantes como o de Fátima,mas mui especialmente a crença no sobrenatural, num pretenso Deusomnipotente, omnisciente e omni tudo o mais que fantasiar a argutaimaginação dos intrujões para armar ao efeito e embarrilar a popularingenuidade.

CIDADÃOS:

Viva a República!Abaixo a reação!Viva a Liberdade!

Editores - A Associação do Registo Civil e a Federação Portuguesado Livre Pensamento.

Largo do Intendente, 45, 1º-Telef. 652, NorteComp.e Imp. na Tip. Leiria - R. da Horta Seca 64

Doc. 27 1917-12-02

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146 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 281917-12-03, Castelo Branco

Carta de Gonçalo Xavier de Almeida Garrett1 para o Dr. Manuel NunesFormigão, a relatar os fenómenos extraordinários a que assistiu, na Cova da Iria.

Publ.: DCF, III-1 - Doc. 334

OP QRSTUV WPX1.17

Dia de S. Francisco Xavier

Ex.mo Snr

Releve-me V. Exª a demora em responder à pergunta por V. Exªfeita em carta dirigida a minha mulher, acerca dos extraordináriosacontecimentos de Fátima, na parte relativa ao sol, nas horas do meiodia.

Foram os seguintes: 1º Os fenómenos duraram uns 8 a 10 minutos;2º O sol perdeu o seu brilho ofuscante, tomando o aspeto da lua podendoser encarado facilmente; 3º O sol por três vezes, durante esse períodode tempo, manifestou um movimento rotatório na periferia, faiscandochispas de luz nos seus bordos, à semelhança do que se dá com asrodas de artíficio de fogo muito conhecidas; 4º Esse movimento rotatóriodos bordos do sol, 3 vezes manifestado e 3 interrompido, era rápido edurou 8 ou 10 minutos, pouco mais ou menos; 5º A seguir, o sol tomoua cor violácea e depois alaranjada espalhando essas cores por sobre aterra, readquirindo alfim o seu brilho e fulgor, impossível de ser encaradocom a vista; 6º Foi pouco depois do meio dia e perto do zénite, (o queé importantíssimo) que estes factos se deram.

Peço a V Exª o favor de me dizer se confirma esta narrativa.Relatam o Sr. Bispo de Portalegre e a Srª D. Maria de Jesus Raposo

que estando com outras pessoas em Torres Novas, no dia 20 de outubrofindo pelas [sic]? horas do dia viram o movimento de rotação do sol emudança de cores.

1 Nasceu no Porto a 30 de dezembro de 1842. Foi bacharel em Filosofia e doutorem Matemática. Faleceu a 10 de janeiro de 1925.

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diferentes das de Fátima e não tiveram a importância de 13 de outubrofindo.

É urgente saber quais as diferenças, pois que ela assistiu a ambas.Desejo esclarecimentos sobre as diferenças.

O sol é incomparavelmente maior do que a terra, o qual tem ummovimento próprio de rotação demorado, e não é feito em poucosmomentos ou minutos por 3 vezes.

Respondendo a V Exª direi que não considero os fenómenos vistose observados no sol, como astronómicos do sol propriamente dito, massim meteorológicos da atmosfera da terra sobre a imagem solar, quantoà cor e aspeto do brilho semelhante à lua, e também quanto à vista darotação.

É muitíssimo para reter à hora do meio dia, perto do zénite, na qualos fenómenos meteorológicos têm menos intensidade sobre o sol.

Nos fins da tarde, estando o sol perto do horizonte, em que sãograndes as evaporações as quais são atravessadas pelos raios solares.E assim há muitos cambiantes formosos ao pôr do sol de diversas corese oscilações na atmosfera, principalmente no tempo de verão. Devemser mais difíceis de produzir os fenómenos observados em Fátima aomeio dia do que pela manhã e à tarde, o que dá muito maior valor eimportância àquele.

Até agora ninguém via as rotações faiscantes do sol e agora todos asveem muitos dias e vezes. Muito será imaginação.

Desejo fazer algumas perguntas a algum observatório meteorológicodo país e talvez ao observatório astronómico de Coimbra. Há um assuntoem que V. Exª não fala que se afigura a mim mais importante e singulartalvez do que o relativo ao sol.

Diz que no local das aparições todas, e no momento em que elasbem se manifestavam, elevava-se sempre uma nuvem ao céu partindoda terra.

E mais se diz que a nuvem foi mais intensa no dia em que as criançasestavam presas. É um fenómeno repetido 6 vezes. É verdade? Hátestemunhas de todas elas?

Na última aparição viu toda a minha família a nuvem, e como estavaa alguma distância julgaram que havia lume e incenso no local. Por umapessoa minha parenta e por outras que estavam perto das criançasverificou-se não haver lume algum.

Este fenómeno repetido 6 vezes, a horas certas, é para mim dos maisimportantes, e porque se produziu junto a tantas e tantas pessoas. Admiro

Doc. 28 1917-12-03

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148 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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consta se desse em Lourdes.Não tem explicação alguma, com as suas repetições, senão

sobrenatural. Convinha obter testemunhas para as manifestações todas6 do aparecimento da nuvem de fumo. Considero miraculoso. Consideromiraculosas também manifestações extraordinárias do sol no dia 13 aomeio dia. Mas convém arranjar testemunhas oculares que mostrem oudigam as diferenças grandes das manifestações de 13 e as tais que todosagora querem ver e não viam até agora.

Admiro que V. Exª não fale das declarações da rapariga sobre a paze o regresso das tropas portuguesas em breve a Portugal. Como conciliaV. Exª estas declarações? Desejava que V. Exª me dissesse algumacoisa sobre este ponto. É verdade que este assunto é material e profanomas envolve uma profecia, que era muito importante na atualidade. Haveráequívoco da rapariga? Em verdade ainda se pode realizar tudo isto.Serão início os factos ocorridos na Rússia e o armistício?

É indispensável separar a rapariga de tantas e tantas perguntas. Repitoque é urgente evitar as múltiplas perguntas.

Meu filho José Maria não se nega a fazer uma narração do quepresenciou em Fátima, segundo ele me disse. Mas faria mais força se V.Exª lhe escrevesse uma carta diretamente, fazendo o pedido, não dizendoV. Exª que foi indicação minha.

Desculpe V. Exª esta carta com as minhas observações e declaraçõesfrancas e leais, como é mister.

Para mim pedia o favor duma A. M. por minha intenção, pois muitocareço.

Com toda a consideração

De V. EªAtto obdo agdo

Gonçalo de Almeida Garrett

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Doc. 291917-12-18

Testemunho de José Maria de Proença de Almeida Garrett1 sobre o fenómenodo sol, ocorrido em Fátima no dia 13 de outubro de 1917.

Publ.: DCF, III-1 - Doc. 345

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Vou relatar de uma maneira breve e concisa, sem frases que velem averdade, o que vi em Fátima no dia 13 de outubro de 1917.

As horas a que me referirei são as que nessa época marcavamoficialmente o tempo segundo a determinação do governo que unificaraa nossa hora com a dos países beligerantes. Faço isto para maior verdadepois me não era fácil designar com precisão o momento em que o solalcançou o zénite.

Cheguei ao meio dia. A chuva que desde manhã caía miúda epersistente, tocada de um vento agreste, prosseguia, irritante, na ameaçade querer tudo liquifazer. O céu baixo e pesado tinha uma cor pardacentaprenhe de água, prenúncio de chuva abundante e de longa duração.

Quedei-me na estrada, ao abrigo da capota do automóvel e um poucosobranceiro ao local que diziam ser o da aparição, não ousando meter--me ao lamaçal barrento e pegajoso do campo frescamente lavrado.Estaria a pouco mais de cem metros dos elevados postes que uma toscacruz encimava vendo distintamente em redor deles o largo círculo degente que, com os guarda-chuvas abertos, parecia um vasto sobradode broquéis.

Pouco depois da uma hora chegaram a este sítio as crianças a quema Virgem (garantiam elas) marcara lugar, dia e hora da aparição. Ouviam--se os cânticos entoados pelo povo que as cercava.

Numa determinada altura esta larga massa, confusa e compacta,fechou os guarda-chuvas e descobriu-se num gesto que devia ser dehumildade ou respeito mas que me deixou surpreso e admirado porquea chuva, numa continuidade cega, molhava agora cabeças, encharcavae ensopava. Disseram-me depois que esta gente, que acabou por ajoelharna lama, tinha obedecido à voz de uma criança.

1 Filho de Gonçalo Xavier de Almeida Garrett e de Maria Joaquina Proença AlmeidaGarrett.

Doc. 29 1917-12-18

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150 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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onde estavam as crianças, uma coluna de fumo, delgada, ténue e azuladaque subiu direita até dois metros, talvez, acima das cabeças para senesta altura se esvair. Durou este fenómeno, perfeitamente visível a olhonu, alguns segundos. Não tendo marcado o tempo de duração não possoafirmar se foi mais ou menos de um minuto. Dissipou-se bruscamente ofumo e passado algum tempo voltou a repetir-se o fenómeno uma segundae uma terceira vez. Das três vezes, e sobretudo da última, destacaram--se nitidamente os fustes esguios na atmosfera cinzenta.

Dirigi para lá o binóculo. Nada consegui ver além das colunas defumo mas convencido fiiquei de que eram produzidas por algum turíbulo,não agitado, em que queimava incenso. Depois pessoas dignas de féafirmaram-me que era de uso produzir-se o acontecimento no dia 13dos cinco meses anteriores e que nesses dias, como neste, nunca ali sequeimara nada nem se fizera fogo.

Continuando a olhar o lugar da aparição numa espetativa serena efria e com uma curiosidade que ia amolecendo porque o tempo decorreralongo e vagaroso sem que nada ativasse a minha atenção, ouvi o bruhahade milhares de vozes e vi aquela multidão, espraiada, pelo largo campoque se estendia a meus pés, ou concentrada em vagas compactas, emredor dos madeiros erguidos, ou sobre os baixos socalcos que retinhamas terras, voltar as costas ao ponto que até então convergira os desejose ânsias e olhar o céu do lado oposto.

Eram quase duas horas.O sol momentos antes tinha rompido ovante, a densa camada de

nuvens que o tivera escondido, para brilhar clara e intensamente. Voltei--me para este íman que atraía todos os olhares e pude vê-lo semelhantea um disco de bordo nítido e aresta viva luminosa e luzente mas semmagoar.

Não me pareceu bem a comparação, que ainda em Fátima ouvi fazer,de um disco de prata fosca. Era uma cor mais clara, ativa e rica, e comcambiantes, tendo como que o oriente de uma pérola. Em nada seassemelhava à lua em noite transparente e pura porque se via e sentia-seser um astro vivo. Não era como a lua esférica e não tinha a mesmatonalidade nem os claros-escuros. Parecia uma rodela brunida cortadano nácar de uma concha. Isto não é uma comparação banal de poesiabarata. Os meus olhos viram assim. Também se não confundia com osol encarado através de nevoeiro (que aliás não havia àquele tempo)porque não era opaco, difuso e velado. Em Fátima tinha luz e calor edesenhava-se nítido e com a borda cortada em aresta como uma tabelade jogo.

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azul aqui e acolá, mas o sol algumas vezes se destacou em rasgões decéu limpo. As nuvens que corriam ligeiras de poente para oriente nãoempanavam a luz (que não feria) do sol dando a impressão facilmentecompreensível e explicável de passar por detrás, mas, por vezes, essesflocos, que vinham brancos, pareciam tomar, deslizando ante o sol, umatonalidade rosa ou azul diáfana.

Maravilhoso é que, durante longo tempo, se pudesse fixar o astro,labareda de luz e brasa de calor, sem uma dor nos olhos e sem umdeslumbramento na retina, que cegasse.

Este fenómeno com duas breves interrupções em que o sol bravioarremessou os seus raios mais coruscantes e refulgentes, e que obrigarama desviar o olhar, devia ter durado cerca de dez minutos.

Este disco nacarado tinha a vertigem do movimento. Não era acintilação de um astro em plena vida. Girava sobre si mesmo numavelocidade arrebatada.

De repente ouve-se um clamor como que um grito de angústia detodo aquele povo. O sol, conservando a celeridade da sua rotação,destaca-se do firmamento e sanguínio avança sobre a terra ameaçandoesmagar-nos com o peso da sua ígnea e ingente mó. São segundos deimpressão terrífica.

Durante o acidente solar, que detalhadamente tenho vindo a descrever,houve na atmosfera coloridos cambiantes. Não posso precisar bem aocasião porque já lá vão dois meses passados e eu não tomei notas.Lembro-me que não foi logo no princípio e antes creio que foi para ofim.

Estando a fixar o sol notei que tudo escurecia à minha volta. Olhei oque estava perto e alonguei a vista para o largo até ao extremo horizontee vi tudo cor de ametista. Os objetos, o céu e a camada atmosféricatinham a mesma cor. Uma carvalheira arroxeada que se erguia na minhafrente lançava sobre a terra uma sombra carregada. Receando ter sofridouma afeção da retina, hipótese pouco provável porque dado este casonão devia ver as coisas em roxo, voltei-me, cerrei as pálpebras e retive--as com as mãos para intercetar toda a luz. Ainda de costas abri osolhos e reconheci que, como antes, a paisagem e o ar continuavam damesma cor roxa.

A impressão que se tinha não era de eclipse. Vi o eclipse que emViseu, onde estava, foi total. À medida que a lua marcha a esconder osol, a luz vai-se acinzentando até que tudo se torna baço e negro. A vistaalcança um pequeno círculo para lá do qual os objetos se vão tornando

Doc. 29 1917-12-18

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152 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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temperatura consideravelmente e dir-se-á que a vida na terra morreu.Em Fátima, a atmosfera, embora roxa, permaneceu transparente até aoconfim do horizonte, que se distingue e vê claramente, e eu não tive asensação de uma paragem na energia universal.

Continuando a olhar o sol reparei que o ambiente tinha aclarado.Logo depois ouvi um campónio que cerca de mim estava a dizer comvoz de pasmo: esta senhora está amarela. De facto tudo agora mudara,perto e distante, tomando a cor de velhos damascos amarelos. Aspessoas pareciam doentias e com icterícia. Sorri-me de as acharfrancamente feias e desairosas. Ouviram-se risos. A minha mão tinha omesmo tom amarelo.

Dias depois fiz a experiência de fixar o sol uns breves instantes.Retirada a vista vi, após alguns momentos, manchas amarelas irregularesna forma. Não se vê tudo de uma cor uniforme, como se no ar se tivessevolatilizado um topázio, mas nódoas ou malhas que com o movimentodo olhar se deslocam.

Todos estes fenómenos que citei e descrevi observei-os eu sossegadoe serenamente sem uma emoção ou sobressalto. A outros cumpre explicá--los ou interpretá-los.

Para terminar devo fazer a afirmação, que nunca, nem antes nemdepois do dia 13 de outubro, vi iguais fenómenos, solares ou atmosféricos.

José Maria de Proença de Almeida Garrett

No caso de ser utilizado este meu depoimento peço para que se façaa declaração, que algumas pessoas da Granja concorreram com 50.000para a construção de uma capela, no local da aparição, e que estedinheiro foi entregue ao Dmo Pároco de Fátima. Por este modo indicadofica o paradeiro da quantia que nos fins de outubro me foi entregue.

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ÉÊËÌ ÍÎ

1917-12-27, Freixianda

Depoimento do Pe. Francisco Brás das Neves1, sobre duas entrevistas com asvidentes Lúcia e Jacinta.

Publ.: DCF, I - Doc. 26

Ïe. Francisco Brás das Neves, coadjutor da freguesia da Freixianda,

deste Patriarcado de Lisboa, declara: que, tendo entrevistado no diavinte de outubro, do corrente ano, as duas meninas da freguesia daFátima, que dizem ter-lhes aparecido Nossa Senhora no sítio da Covada Iria, da mesma freguesia, no dia 13 dos meses de maio a outubro,inclusive, também do corrente ano, a mais velha, de nome Lúcia, lheafirmara que Nossa Senhora, quando lhe apareceu no dia 13 de outubro,lhe prometera que a guerra havia de terminar naquele mesmo dia.Outrossim declara: que, encontrando-se de novo com ela, Lúcia, no diaoito do corrente mês de dezembro, e sendo-lhe feita a observação deque a guerra não tinha acabado no dia designado nem tão pouco atéàquela data, pela mesma foi respondido que talvez se tivesse enganado,pois que a sua companheira Jacinta dissera que Nossa Senhora haviadito por sua vez que a guerra acabaria , sim, mas se o povo se emendasse.E, por ser verdade, faço a presente declaração, que assino, e, sendonecessário, juro.

Freixianda 27 de dezembro de 1917.

Pe. Francisco Brás das Neves

1 Nasceu no Pedrógão (Torres Novas), a 5 de dezembro de 1884. Foi pároco dasfreguesias da Ribeira Branca, Zibreira e Alcanena. A partir de fins de 1915, foicoadjutor do Pe. Faustino Jacinto de Almeida, pároco da Freixianda. Em 1922 foinomeado pároco de Seiça. Faleceu a 5 de novembro de 1923.

Doc. 30 1917-12-27

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ÐÑÒÓ ÔÕ

1917-12-30, Vila Nova de Ourém

Depoimento do Pe. Dr. Luís de Andrade e Silva1 sobre o dia 13 de outubro de1917.

Publ.: DCF, I - Doc. 27

Ö× ØÙØÚÛÜ ØÝÝÚÞØßÜà á×âÝ ßãAndrade e Silva, bacharel formado emTeologia e direito pela Universidade de Coimbra, morador em Vila Novade Ourém, declaro, que no dia 13 de outubro de 1917, observei nacharneca de Fátima, o seguinte:

No local onde dizem ter aparecido Nossa Senhora, durante seis mesesseguidos, estavam mais de cinquenta mil pessoas, mais de cemautomóveis, incalculável número de carros, carroças, cavalos, bicicletas,e motocicletes, que, de quase todas as províncias portuguesas, vieram àFátima, atraídos pela declaração de três inocentes crianças.

Pelas 12 ½ solares, pouco mais ou menos, chegaram ao local daaparição, as três crianças, apesar da chuva impertinente e atrevida, quetudo encharcava.

Quase toda aquela gente se descobriu a uma ordem das videntes.Rezaram o terço, entoaram cânticos religiosos, cuja melopeia chegava

até mim, que me encontrava à distância dos videntes, cerca de cemmetros.

A chuva entretanto havia cessado.A certa altura, ouço exclamações repassadas de admiração e pasmo,

e vejo toda a gente, fitando o sol a olho nu.Alguém a meu lado, chamou a minha atenção para o astro-rei, e

divisei nele, fenómenos que, até hoje, jamais observei.O globo do sol, semelhante a um disco de prata fosca, girava em

volta dum eixo imaginário, e nesse momento, parecia descer na atmosfera,em direção à terra, acompanhado por vezes, dum brilho extraordinário,e dum calor intensíssimo.

Os raios solares apresentaram a cor amarela, verde, azul e roxa,segundo dizem, mas eu só reparei na cor amarela.

1 Nasceu no Sardoal, a 11 de junho de 1887. Ordenado sacerdote a 25 de setembrode 1910. Exerceu advocacia e notariado em Vila Nova de Ourém e foi capelãoem diversas localidades do concelho. Faleceu a 29 de dezembro de 1965.

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äåææåçèæ éèêëèæ ìíîêïèæð çêñåîïò èæ óêåíæ æò çòñåì òææòæ

fenómenos, já ninguém podia fitar o sol, porque os seus raios feriam aretina. Só quem presenciou estes fenómenos, pode avaliar o que entãose passou, mas não os pode descrever exatamente.

Dizem-me que aqueles movimentos bruscos no sol foram anunciadospela Lúcia, já no mês de agosto, ou julho, como também me disseram,que antes destes fenómenos começarem a produzir-se no sol, no dia13, a Lúcia dissera estas palavras, cuja autenticidade eu não possogarantir: “Reparem para o sol, porque a Senhora vai dar um sinal no sol,para toda a gente acreditar”.

Serão miraculosos os fenómenos que vi na Fátima, no dia 13 deoutubro?

Não posso afirmar tal, sem receio de errar, mas no entanto, qualquercoisa de extraordinário, que eu não sei explicar, então aconteceu, o queé corrobado ainda pelos seguintes factos:

1º Ter lugar a primeira aparição, segundo a Lúcia diz, em maio de1917, mês este, consagrado pela Igreja Católica, em louvor de NossaSenhora, e terminar no mês de outubro e num sábado, que a Igrejatambém dedica a Nossa Senhora.

2º O facto de durante todas as seis aparições, as três crianças semprerezarem o terço, entoarem cânticos religiosos, a que o povo se associavasempre.

3º O pedido da Senhora, transmitido pela Lúcia, para que o povorezasse o terço e fizesse penitência.

4º O facto de naquela aglomeração de povo e de tantos e variadosmeios de locomoção, não haver um único desastre a lamentar, nem umaúnica desordem a apontar.

5º Dos milhares de pessoas que, nesse dia, em Fátima, observaramos movimentos do sol, nenhuma, que eu saiba, duvida da veracidadedesses fenómenos, embora os não saiba explicar.

6º A rápida propagação por todo o país da aparição de Fátima, e aquantidade extraordinária de gente, de todas as classes sociais, que alicompareceram naquele dia, e continuam comparecendo ainda hoje.

7º O extraordinário número de devotos, que naquele dia seaproximaram da Sagrada Eucaristia, nas igrejas de Fátima, Ourém, VilaNova de Ourém e outras.

É esta a minha declaração, para todos os efeitos.

Vila Nova de Ourém 30 de dezembro de 1917Luís de Andrade e Silva

Doc. 31 1917-12-30

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1917-12-30, Vila Nova de Ourém

Depoimento do Dr. Luís António Vieira de Magalhães e Vasconcelos1, sobreas aparições de Fátima.

Publ.: DCF, I - Doc. 28

Depoimento que faz pela sua honra e pela sua fé de cristão, LuísAntónio Vieira de Magalhães e Vasconcelos, solteiro, advogado e oficialdo registo civil no concelho de Vila Nova de Ourém, sobre os factosocorridos nas proximidades do lugar da Fátima, deste concelho, no anode 1917. Já há meses corriam variadas versões de que a Virgem NossaSenhora aparecia nas proximidades do lugar da Fátima a umas pequenaspastoras. Eu tinha conhecimento dessas versões e sabia que era grandea afluência de gente de várias categorias sociais ao local indicado pelasreferidas pastoras, principalmente nos dias 13 de cada mês, pois eramos dias em que estas diziam que se davam as aparições. Tais boatoscomeçaram a interessar-me e por esse motivo pretendi então informar--me do que se passava. Falando com algumas pessoas que lá tinhamestado no dia treze de setembro, umas declararam-me que nada tinhamvisto, outras que tinham visto uma estrela, outras faziam descriçõesfantásticas. Tão pouca uniformidade havia nos seus depoimentos queme convenci de que se tratava de uma “blague” sem o menor fundamento.Esta minha convicção mais se avigorou, quando dias depois falei comum venerando sacerdote deste concelho2, que me disse ter sabidocasualmente que as pequenas pastoras tinham em casa um livro onde sedescreviam os milagres de Nossa Senhora de Lourdes e da Virgem deLa Salette. Este venerando Sacerdote mostrava-se pouco inclinado a

1 Filho de Miguel Porto-Carrero de Souto Maior Vieira da Silva e VasconcelosSousa de Almeida, 3º Barão de Alvaiázere, e de Maria José da Câmara FariaSerpa Magalhães. Nasceu a 31 de março de 1881. Bacharel, formado em Direitopela Universidade de Coimbra. A 7 de janeiro de 1922, foi autorizado a usar otítulo de Barão de Alvaiázere. Casou com Clotilde do Rego Brandão da FonsecaMagalhães da Câmara e Vasconcelos, a 28 de junho de 1926. Exerceu advocaciaem Ourém. Faleceu a 19 de setembro de 1955.

2 Maria Celeste da Câmara e Vasconcelos, irmã do autor deste testemunho, emobra inédita, intitulada Eu vi, que se encontra no Santuário de Fátima, identificaeste sacerdote como sendo o Pe. Faustino José Jacinto Ferreira, pároco doOlival e Vigário de Ourém.

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úûüýþÿaúü �ú �ÿ�ûýüÿþúþý þú� üý�ý�ú��ý� �ýÿaú� �ý�ú� �ý�ý�ú�Escrupulosamente, conservava-se na espetativa, alheio a tudo, comoalheio a tudo se tem conservado e conserva o clero deste concelho.Pela minha parte pensei então que a imaginação das crianças podia deixarantever toda a possibilidade de uma visão irreal, meramente subjetiva.Podia também tratar-se de uma mistificação de intuitos espetaculososou lucrativos e por isso entendi que era dever não me fazer eco dessesboatos que visavam um assunto tão grave e tão melindroso. Com oinsucesso só a Nossa Religião poderia perder. Por isso, quando se falavano caso, de aí em diante, mostrei sempre mais descrença do queespetativa. Foi nestas disposições de espírito que eu, no dia 13 deoutubro, próximo passado, pela primeira vez me dirigi para o local dasaparições. Era curioso; não era um romeiro. Na véspera e antevésperadesse dia, e mesmo durante a noite, eu vi uma enorme multidão atravessaresta vila em direção à Fátima. De longes terras vinham ranchos decamponeses, na sua maior parte descalços, que cheios de fé e devoçãoatravessavam esta terra, entoando cânticos religiosos como o “Bendito”e o “Queremos Deus”. Alguns com quem falei já vinham de catorzeléguas de distância, mortos de fome e de fadiga, mas mostravam-seesperançados e contentes. Estes eram por certo os romeiros. Veículosde toda a espécie, desde a carroça desconjuntada até à “limusine”perfumada, atravessavam também a terra numa fila interminável. Estesúltimos eram talvez na sua maior parte os curiosos, os “mirones”. Tiveinformações de que nas estradas de Torres Novas e de Leiria aconcorrência foi igual. Como atrás deixei dito, no dia 13 parti para olocal das aparições, logo de manhã, às oito horas, aproximadamente.Acompanhavam-me meus irmãos António e Fernando.

Logo à saída daqui, a chuva começou caíndo copiosamente, tornandoas estradas num contínuo lamaçal. O vento soprava rijo, principalmentenas alturas da serra da Fátima. Pelas estradas continuava ainda enormeconcorrência. Passámos ao lugar da Fátima e seguimos pela estradaque liga este lugar com a vila da Batalha. A chuva continuava caindotorrencialmente. À distância de um quilómetro, aproximadamente, vimosuma multidão de muitos milhares de pessoas que de preferência seaglomerava nos outeiros. Seriam trinta mil pessoas, seriam cinquentamil? Ninguém o poderia dizer ao certo. Parámos. Centenas de carros eautomóveis, pejavam por completo a estrada enlameada. No fundo dovale, por entre a multidão, consegui divisar uns toscos postes de madeiraclara que se assemelhavam a um trapézio, os quais eram encimados poruma pequena cruz, segundo depois observei de mais perto. A chuva eraagora menos intensa. O sol continuava escondido entre grossas nuvenspardacentas. Em volta do trapézio a que me referi, aglomerava-se um

Doc. 32 1917-12-30

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n�� ���� ������ ��� � ����� �n������ � ��� ��������� n� ���� � concentravam todas as atenções. A paisagem naquele ponto é agreste enada tem de interessante. Montes na maior parte cobertos de pedra eurze. Alguns carvalhos e azinheiras de pequeno porte alternam com umpinhal escasso que fica para os lados do nascente. Aqui e além, baixasparedes de pedra solta, quase desmoronadas, afirmam alguma estrema.Encontrei nessa ocasião, bastantes pessoas das minhas relações tantode Lisboa como de vários pontos afastados daqui. Quase todasperguntavam a minha opinião, talvez com particular interesse, por saberemque vivia nesta região. A todas respondi, sorrindo incredulamente, quetudo era uma “blague”. “Que como católico, me não repugnava acreditarna possibilidade de um milagre mas que por isso mesmo que era católico,é que não acreditava, enquanto esse milagre se não operasse por umaforma evidente, inconfundível. Que o próprio clero do concelho duvidavatambém, segundo me constava”. Entre outras pessoas, lembro-me quedisse isso à esposa do Snr. Emílio Infante da Câmara3, de Vale de Figueirae a seus filhos Emílio4 e José5, ao Dr. Gualdim de Queirós6, de Cernachede Bonjardim, ao Snr. José Rino7 de Alcobaça e a sua esposa, a SenhoraDona Capitolina Guimarães Rino8. Tentei aproximar-se do ponto ondeestavam as pastoras que era junto do trapézio a que me referianteriormente, a uns duzentos metros da estrada, mas não o consegui,tão compacto era o círculo de gente que se formava em volta delas.Assim não as consegui ver nem ouvir nessa ocasião; percebi apenas queoravam. Voltei para cima, para a estrada, e aproximei-me do Snr. JoséRino e de sua esposa que estavam junto da sua “limusine” conversandocom várias pessoas. Foi então que estes meus bons amigos que desde

3 Emílio Infante da Câmara nasceu em Vale de Figueira em 1888 e faleceu a 29 dejaneiro de 1949. Filho de Emílio Infante da Câmara e de Emília César de Mac--Mahon. Casou com Emília Mota.

4 Emílio Infante da Câmara (neto), bacharel formado em direito, casado em 1915com Maria da Nazaré Almeida Centeno.

5 José Infante da Câmara casado com Maria Luísa Schwalbach Ribeiro da Silva.6 Gualdim António de Queirós e Melo, filho de Higino Oto de Queirós e Melo e de

Maria Violante. Nasceu em Cernache do Bonjardim, a 22 de outubro de 1867.Casou com Maria do Céu Matos, a 4 de janeiro de 1899. Faleceu a 2 de setembrode 1961.

7 José Pereira da Silva Rino, natural de Alcobaça e aí proprietário e lavrardor.8 Capitolina Guimarães Rino, filha de Joaquim Ferreira de Araújo Guimarães. Esta

senhora adquiriu em Fátima, no dia 13 de outubro de 1917, uma estampa com afotografia dos três videntes, que atualmente se encontra no Santuário de Fátima.

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c��� !�"#c$ %#c#" &#'���"�"� %�$&� �($)*# +%#,"� �-#,.#� &#+�forma que anteriormente expus. Mostraram-se quase indignados edisseram-me “que para eles não restava a menor dúvida de que se tratavade um milagre, pois que eles já anteriormente, no dia 13 de setembroúltimo, ali tinham estado e tinham presenciado no sol extraordináriosfenómenos luminosos, precisamente à hora indicada pelas pastorinhas;que o clero não estava bem informado e que, se eu duvidava, queesperasse”. Como insistir seria inconveniência, calei-me, mas fiqueiabsolutamente convencido de que nada veria. Recordei então, como jápor várias vezes tinha recordado aquele princípio de Gustave Le Bonque se resume à corrente hipnótica que a domina. Era preciso precaver--me, não me deixar influenciar. Esse meu amigo, tirando o relógio disse--me: faltam cinco minutos, à uma hora olhe para o sol, foi a hora anunciadapelas pastorinhas, depois me dirá.

Isto surpreendeu-me pois que para onde eu tencionava olhar e paraonde eu julgava que todos olhariam era para o local onde se encontravamas pastoras. Constava-me que elas tinham afirmado que nesse dia sedaria uma coisa que depois disso ninguém poderia duvidar. O céu nessemomento estava duma cor plúmbea. A chuva tinha parado. O sol não sevia, encoberto pelas nuvens, e ninguém diria que ele tornaria mais aaparecer nesse dia tão chuvoso e tão desabrido. À uma hora em ponto,ouço um grande clamor. Esses meus amigos gritam-me: olhe, olhe, maseu a princípio apenas via nuvens correndo ligeiras deixarem o sol adescoberto. De repente vejo uma orla intensamente cor-de-rosa,circundar o sol que se assemelhava a um disco de prata fosca, como jáalguém disse, ao mesmo tempo que me dava a impressão de que este sedeslocava da sua primitiva posição. Nuvens diáfanas, vaporosas, umtanto roxas, um tanto alaranjadas, perpassavam. Em vários pontos dalinha do horizonte, contrastando com a cor plúmbea do céu, eu vi tambémmanchas cor-de-rosa e amarelas. O clamor cada vez era maior. Istonão durou segundos: durou talvez minutos. Ao observar estasmanifestações, que não duvidei um momento fossem devidas à InfinitaOmnipotência de Deus, uma indiscritível impressão se apoderou de mim.Sei apenas que gritei, creio, creio, creio, e que as lágrimas caíam dosmeus olhos, maravilhado, extasiado, perante essa demonstração do PoderDivino. Sei também que não senti a menor sombra de receio ou terror.Se não fosse católico, nesse momento ter-me-ia convertido. Lembro-me também que não ajoelhei mas a maior parte das pessoas caíram dejoelhos sem se importarem com o enorme lamaçal. Então estes fenómenosescapam à previsão da ciência e não escapam à previsão de umas

Doc. 32 1917-12-30

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p/01/234 p3456782934 :3 4/773; 01/ 64 3212<83= <6= 1=3 p7/<84>6verdadeiramente matemática?!... Demais, sendo eles tão deslumbrantes,tão maravilhosos?!

Fui procurar meus irmãos que me disseram ter presenciado o mesmo,assim como as restantes pessoas que encontrei, variando um tanto asdescrições do que observaram no sol. Às pessoas a quem tinhaclassificado o caso de “blague” disse-lhes o que vira e que estava agoraabsolutamente convencido de que estávamos em face de um milagre. Oastro-rei brilhava agora intensamente e não mais deixou de brilhar nessedia, assim como não tornou a chover. Quase no momento da partidaencontrei o meu amigo Emílio Infante da Câmara que me disse ter idover as pastoras e que estas tinham dito: que a guerra acabaria brevemente,ou que acabaria de ali a oito dias (não posso precisar). Disse-me tambémque elas estavam vestidas com “toiletes” de primeira Comunhão.Começava a debandada. Regressámos a casa.

Algumas semanas depois voltei ao local das aparições para entrevistaras pastoras. Desejava conhecer essas crianças. Acompanharam-meminha mãe, a Baronesa de Alvaiázere9, minha irmã, Maria Celeste10, e omeu particular amigo Conde do Juncal11, e sua Ex.ma Mulher, que entãoeram nossos hóspedes. Junto da Igreja da Fátima parámos e pedimosque nos dissessem onde se encontravam as pastorinhas. Disseram-nosque deviam estar no local das aparições e que o pastorinho que asacompanhava e a quem a Virgem também aparecia que estava ali próximoe que o iam chamar. Pouco depois apareceu este. Era uma criança dedez a doze anos, trajando à moda do campo, bastante alegre edespreocupado, ao que parecia. Convidámos o pequeno a acompanhar--nos ao que ele se prontificou logo, saltando sorridente para o automóvelque nos conduzia. Fizemos-lhe várias perguntas mas ele sorria mais doque falava, mostrando-se muito deslumbrado com as várias peças doautomóvel. Junto do local, em frente de uma mesa de madeira bastantevelha, onde estava colocado um Crucifixo, várias pessoas oravam. Láestava o tronco da azinheira cortada e os tais postes de madeira dosquais pendiam duas lanternas de lata. Ajoelhámos e rezámos também.

9 Maria José da Câmara Faria Serpa Magalhães. Faleceu a 1 de janeiro de 1934.10 Maria Celeste da Câmara e Vasconcelos, nascida a 22 de março de 1897. Faleceu,

solteira, a 16 de setembro de 1977.11 Pedro Sande Mexia Aires de Campo Vieira da Mota, segundo filho dos Condes

do Ameal. Casou duas veze: a primeira com Maria Albina Cochofel da SilvaCorreia; a segunda, com Maria Luísa Tavraes Aires de Campos.

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A pequena Lúcia, aquela a quem a Virgem aparecia, conversava a certadistância com alguns forasteiros. Esperámos que estes a deixassem eaproximámo-nos dela. Esta era uma criança dos seus doze anos, defeições grosseiras e de cor muito macilenta. Estava vestida pobremente,à moda do campo, tendo ao peito uma pequena flor de papel vermelhoe nas mãos um pequeno cofre, onde tilintavam algumas moedas. Tinhamum ar tristonho e sombrio. Narrou-nos a aparição da Virgem da formaque já é de todos conhecida. Que a Virgem lhe dissera “que nós tínhamosofendido muito a Deus e que nos emendássemos”. “Que fízéssemos aliuma capelinha e que lhe pusessem o nome da Senhora do Rosário”.“Que a guerra acabaria em breve”. Perguntando-lhe minha irmã o quevira ela no sol na ocasião do milagre, respondeu “que vira S. José”.Perguntei-lhe também se ela não tinha receado que se não desse o milagrepois que o povo a poderia matar julgando que ela estivesse enganandotodos, disse-me com certa energia “que sabia que o milagre se daria eque por isso nem em tal perigo tinha pensado”. Disse-nos também quejá tinha anteriormente ouvido contar os milagres da Senhora de Lourdes.Uma mulher que dizia ser tia dela auxiliava-a algumas vezes nas respostase fazia várias considerações sobre um segredo que elas tinham e que aninguém o revelavam embora já lhes tivessem feito vários prometimentossedutores e até as tivessem ameaçado de que as deitariam a um poçoou de que as queimariam se elas o não revelassem. Disseram-nos aindaque as esmolas que recebiam eram para a construção de uma capela eque dessas esmolas era depositária outra mulher que ali se encontrava.Informaram-nos também ali que a pequena se encontrava fatigadíssimacom a constante série de perguntas que toda a gente lhe fazia. A referidapequena, umas vezes me parecia concentrada, outras vezes me pareciadistraída. Devo declarar que a impressão que me deixou não foi boa, oufoi pelo menos muito diferente da que eu esperava. Uma criança cheiade lógica, de coêrencia e de perspicácia seria também de recear. Seapesar dessas aparências estava ali uma criatura escolhida por Deuspara uma tão assombrosa revelação, não posso eu dizê-lo. No regresso,parámos novamente junto da Igreja da Fátima; ali conseguimos falar àoutra pequena, cujo nome não me recorda. Subiu ao estribo do automóvelque nos conduzia mas não conseguimos arrancar-lhe uma palavra pormais diligências que empregámos para esse fim. Tinha esta aspeto muitojovial e uns olhos expressivos. Devia ter sete ou oito anos de idade. Doque venho expondo concluo duas coisas que pelos menos aparentementebrigam uma com a outra. A primeira: se Deus não quisesse mostrar atodos os que foram ao local das aparições, que eram exatas as revelações

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f?@BCD E?FCD G?f?G@HCD ECDBIGCDJ B?G@C C KLC MNf@N@BC OPN@EIBQNR@Cimpedindo que se dessem essas deslumbrantes manifestações tãoextraordinárias no Sol e no Céu, as quais toda a gente que estava nesselocal, observou no dia 13 de outubro, próximo passado, e que foramanunciadas pelas mesmas pastoras, e só por estas, com grandeantecedência e com uma precisão da hora e local absolutamentematemáticas. A segunda: tendo as mesmas pastoras declarado que aVirgem Nossa Senhora lhes dissera que a guerra acabaria brevemente esendo certo que esta ainda não acabou, teremos de concluir que aspastoras faltam à verdade, pois a Virgem é que por certo se não enganava,nem tal é admissível. Que se referiam à guerra europeia, não há dúvidapois que, segundo ouvi dizer, as referidas pastoras ainda acrescentaramque os nossos soldados em breve regressariam à pátria, mas não poderáo advérbio brevemente ser tomado numa aceção mais lata e não poderáassim referir-se a um período de tempo maior dos que os três mesesque aproximadamente já decorreram? Não podia haver qualquerequívoco por parte das mesmas crianças na interpretação das ExpressõesDivinas? Que o digam aqueles que têm de proferir o seu “veredictum”sobre este assunto gravíssimo, porque se assim fôr, por completodesapareceram todas as contradições para só ficar de pé em todo o seuesplendor a minha primeira conclusão, isto é, a de que as pastorinhasfalam verdade e se estas falam verdade não pode haver dúvidas de quefoi um milagre o que se deu no dia 13 de outubro próximo passado, nasproximidades do lugar da Fátima. Não cabem nos moldes destedepoimento quaisquer considerações científicas ou filosóficas e por issome limitei a narrar circunstanciadamente o que vi e observei, com toda aexatidão e com toda a imparcialidade, desapaixonadamente, o que maisuma vez juro pela minha fé de cristão e afirmo pela minha honra.

Vila Nova de Ourém aos trinta de dezembro de mil novecentos edezassete.

Luís António Vieira de Magalhães e Vasconcelos

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STUV WW1918-06-01

Carta de Ana Maria da Câmara1 a sua irmã Maria de Jesus2, a contar a sua idaa Fátima, no dia 13 de maio de 1918.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 370

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[...]A nossa mana Emília, graças a Deus vai melhorando. Logo que

aumente mais um quilo, vai para o Tortozendo onde o ar é ótimo. OAníbal de Castro esteve cá ontem e confirmou as melhoras que tinhaencontrado nas duas últimas vezes que cá esteve.

Agora vou-lhe contar um grande passeio que eu dei. Imagine que fuipassar o dia 13 a Fátima. Era um plano que eu tinha encasquetado hámuito tempo e pude realizá-lo. Parti no domingo às 8,50 com a MariaInocência3 e chegámos a Chão de Maçãs às 3 e meia da tarde. Fomoshospedadas para casa de um conhecimento da Maria Inocência: JaimeLandal e mulher. Essas duas criaturas e uma pequena de 12 anos foramde uma amabilidade comigo que eu nem sei como agradecer-lhes, masmuito me poderiam ter desanimado na minha crença sobre a visita deNossa Senhora, se eu a não tivesse tão arreigada. Ouvi isto tudo: “Apequena mais velha, a Lúcia, é uma espertalhona, sustenta o seu papelhá um ano. Imita em tudo a Bernadete, descreve Nossa Senhora talqual como a de Lourdes, falando sempre na faixa azul; pede dinheiro atoda a gente, etc, etc. Alguém que queria uma capela ali inventou istotudo. O Francisco não fala com ninguém, e se o faz, é só para contradizera Lúcia, etc., etc.”

Eu ouvia e ia dizendo o que me parecia saltar aos olhos: se alguém selembrasse de querer armar uma história destas, arranjava uma heroína,nunca três; e talvez pudesse despachar tudo numa só sessão, sem o

1 Nasceu a 21 de janeiro de 1881. Filha de João Evangelista Gonçalves Zarco daCâmara e de Eugénia de Melo Breyner. Foi educanda no Colégio das Religiosasda Visitação de Santa Maria, em Belém, Lisboa. Faleceu a 4 de julho de 1928.

2 Maria de Jesus residia em França.3 Maria Inocência Caldas Magalhães.

Doc. 33 1918-06-01

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]^_`bde^^gh^ie^_jkl`im^ioqd]d_ g^`grdk]_`edgk^g^gstudgg`il`gvwperguntava eu triunfante. “Ilusão, sugestão”, etc. Quem falava eramcristãos e praticantes, não havia da sua parte a menor má vontade. Maseles ainda não tinham ido falar com os pequenos. Partimos às 10 damanhã de carruagem. Chegámos perto da 1 hora. Lá está o altar tosco,as lâmpadas de lata, muitas flores; quem chega junta o seu ramo aomonte. O que resta da carrasqueira, um tronco raso ao chão, estáresguardado por pedras, e nos intervalos destas, ardem algumas velas.Tudo primitivo e duma simplicidade que dispõe bem. Pouca gente. Umamulher reza alto o rosário, dizendo as intenções dos mistérios com palavraslindas. Não se ouve senão rezar pelos nossos soldados, vivos e mortos,pelas famílias, pela conversão dos pecadores, pela nossa terra. Alguémme mostra o Francisco e, momentos depois, acabado o rosário, vou tercom ele. É um pequenito, tem um olhar lindo. Sento-me ao pé dele ecomeço a minha conversa: – “Viste Nossa Senhora?” – “Vi”. –“Comovinha vestida?” – Toda de branco e oiro.” – “E não trazia nada de cor?”– “Não”. – “E na cabeça?” – “Um manto.” – “E mais nada?” – “Sim,trazia uma coisa.” – “O quê?” – “Não sei, uma coisa.” – “E via-se ocabelo?” – “Não”. – “E os olhos de que cor eram?” – “Eram pretos.”Estas respostas eram dadas com um ar de uma naturalidade enorme,um pouco arrastadas. Todas as três crianças com quem faleiseparadamente, mudam de tom descrevendo o olhar de Nossa Senhora.Vê-se que foi o que mais as impressionou. A Lúcia diz dos olhos: –“Eram muito escuros.” – “E o fato?” – “Branco e oiro.” – “Com cintode cor?” – “Não, com estrelas de oiro; olhe, tinha uma no peito.” – “Ena cabeça?” – “Um manto e uma coisa, assim...” – “Mas o quê?” –“Não sei, era assim um açafatico” (um açafatezinho). Eu nem disse apalavra coroa que me veio logo à ideia; deixar a pequena explicar-secomo sabe, e confesso que achei de apetite a comparação. – “E via-seo cabelo?” – “Não.” –“Olha, Nossa Senhora estava a rir-se, alegre?” –“Não, estava séria.” “Zangada?” – “Não, séria.” – “Trazia as contas,não trazia?” – “Sim, umas contas brancas e quando falava abria as mãos,assim...”. A pequena tirou as contas da algibeira e explicou o que tinhavisto. A certa altura diz-me que Nossa Senhora tinha muita luz. – “Comoo sol?” – “Mais do que o sol.” Uma senhora que ali estava, diz-lhe: –“Porque tiveste medo ao princípio? Se eu te aparecesse, tu não fugias.”– “É que a senhora não me cegava.” Diz que Nossa Senhora pede aopovo que se emende, que reze muito o terço e faça uma capela a NossaSenhora do Rosário. A pequena repete muitas vezes: “O povo não seemenda, o povo não se emenda...”.

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xyz{ |}|~z�����{ �}�{� � yz{ � �~�{�� ��z�� � }����Tem estado deuma reserva que quase parece má vontade. Mas tem de ser assim,enquanto não houver grandes milagres a confirmar esta graça. Fala-sede uma rapariga tuberculosa em 3º grau, curada por Nossa Senhora doRosário de Fátima, mas o Padre Formigão que se ocupa em recolhertodos os depoimentos, não conseguiu ainda falar com os médicos que atrataram. Vi uma mulher que há 8 meses sofria de um tumor no peito. Omédico dizia que só poderia melhorar depois de ser operada em Lisboa.Faz a promessa de ir com 9 companheiras a Fátima se se curar. Empoucos dias o tumor que era aberto, fecha e o estado geral volta aoantigo. Lá estava cumprindo a promessa. Igualmente vi uma criancinhaque durante uns poucos de meses trouxe uma perninha encolhida, semque as receitas do médico, banhos, etc., dessem o menor resultado. Amãe faz a promessa de 2 velas e uma perninha de cera a Nossa Senhorada “Azinheira”, vai lavar ao rio e, quando volta, o pequenino tinha aperna igual à outra. Agora Nossa Senhora fará o resto, se foi Ela quenos visitou, e se nós não a recebemos mal demais.

... Recebemos as suas notícias pelo J. P. Ficámos todos contentíssimos.Veja se manda dizer pouco mais ou menos, quando pensa vir até cá,que é para irmos fazendo “pontaria” para essa alegria. Ontem esteve cáo Janiquinho. É um amor de simpatia. Assim que se lhe pega encosta acabecinha à nossa cara. Os olhos são enormes e escuros, mas não oacho nada Ribeira. Acho-o atrasadinho e não é alegre, mas lembro-mesempre do outro João que era assim, tal qual e se tornou um colosso desaúde e alegria.

Tudo por cá está bem, graças a Deus. Estou-lhe escrevendo à luz deuma vela, o mais tremeliques que é possivel.

Aceite saudades enormes de todos.

O maior beijo da irmã amicíssima

Ana Maria

Doc. 33 1918-06-01

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166 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

���� ��1918-06-18, Maceira

Depoimento de Maria do Carmo1 sobre a sua cura, de agosto a novembro de1917, na Cova da Iria, recolhido pelo Pároco de Maceira, concelho de Leiria.

Publ.: DCF, I - Doc. 38 (obs.: este documento faz parte do Processo Paroquialde Fátima).

Eu Manuel Antunes Marto2, Prior da freguesia de Nossa Senhorada Luz de Maceira, concelho de Leiria, diocese de Coimbra3, a pedidodo mui digno Prior da freguesia de Fátima, Manuel Marques Ferreira,chamei à minha presença Maria do Carmo, minha paroquiana, casadacom Joaquim dos Santos, que me merece inteira confiança e que declarouo seguinte: Ter andado doente cinco anos e sem esperança de melhorar,pois de dia para dia, sentia faltarem-lhe as forças, andava muito magra,tinha muita tosse, passando noites inteiras a tossir pelo que a julgaramtuberculosa e ela também estava convencida disso; convencida a pontode retirar as crianças, suas filhas4, de junto de si, para as não contagiar.E constando-lhe que na fregueaia da Fátima aparecera Nossa Senhoraa umas criancinhas, fez a promessa de lá ir no dia treze de quatro mezesseguidos a pé e rezando todo o caminho a fim de ver se Nossa Senhoraa melhorava. Logo que lá foi a primeira vez, com muita dificuldade,sentiu melhoras, pois o caminho custou-lhe menos quando voltou doque quando para lá foi.

1 Nasceu em Alcobaça. Casou com Joaquim dos Santos, a 13 de janeiro de 1897,ficando a residir no Arnal, freguesia de Maceira, concelho de Leiria. Faleceu a20 de janeiro de 1982, com 82 anos de idade.

2 Nasceu a 7 de março de 1884. Foi ordenado sacerdote a 18 de julho de 1909. Foicoadjutor e pároco de Maceira, onde faleceu, a 7 de outubro de 1918, vítima dapneumónica.

3A freguesia de Maceira pertenceu à diocese de Coimbra no período em que adiocese de Leiria esteve extinta. À data deste documento, já estava restaurada(17 de janeiro de 1918). O lapso do Pároco deve-se ao hábito criado.

4 Maria do Carmo teve cinco filhos: Júlia (n. 1897), Maria (n. 1902), José (n. 1904),Carlos (n. 1917) e Maria do Rosário (n. 1910).

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��������� ������ �������������� �� ¡���� � �� ��� ���¢� ��novembro do ano mil novecentos e dezassete, dia em que completou asua promessa, achou-se completamente boa, atribuíndo a sua cura a ummilagre de Nossa Senhora de Fatima. Por verdade fez este declaraçãoque assigna. Maria do Carmo.

Maceira, 18 de junho de 1918

A Declarante

O Prior Manuel Antunes Marto

Doc. 34 1918-06-18

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168 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

£¤¥¦ §¨1918-07-23

Depoimento do Dr. Gonçalo Xavier de Almeida Garrett publicado no jornal “AOrdem”1, de 23 de julho [data de redação: 19 de junho de 1918].

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 372

©ª«¬­®

A pedido do Ex.mo Sr. Dr. Gonçalo de Almeida Garret, publicamos oseguinte artigo sobre os acontecimentos de Fátima, acerca dos quaisaguardamos o juízo da autoridade eclesiástica:

As coisas de Deus manifestam-se em abundantes contradições eperseguições.

Assim aconteceu a Cristo durante a sua vida evangélica.Semelhantemente às aparições da Virgem da Conceição concedidas

a Bernadette. A quantos inquéritos, ameaças e questões foi sujeita ainocente pastora de Lourdes.

Em Fátima, as aparições de caráter sobrenatural manifestam-seprovidencialmente de maneira diversa, para obviar ao indiferentismo daépoca, à falta de crenças religiosas e à carência de moralidade.

1º Não é só um testemunho, mas sim de três inocentes pastorzinhosa certificar as aparições da Virgem do Rosário, com maior confirmaçãoda verdade.

Os fenómenos e os factos são preditos e anunciados, sendo fixadospelas crianças os dias e horas, com meses de antecedência.

Estes pastores têm sido sujeitos a contestações, cada um em separadoe todos juntos.

Apesar das pressões, ameaças e promessas, sempre a mesmasingeleza, cunho de verdade e harmonia nas respostas.

Há as declarações de Lúcia, a mais velha dos pastorinhos, de que aSenhora lhe dissera que a guerra estava terminada.

Portugal ia sofrendo guerra em África e França, fora da Pátria, eguerra religiosa no seio da família portuguesa. A qual delas se relacionamas palavras de Lúcia?

1 Diário católico fundado a 2 de fevereiro de 1916. Diretor: J. Fernando de Sousa.

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¯° ±²±³´µ¶·° ¸±¹·º»¼³± ¸¼½¼°¾³´¼¿ ·ÀÁ¾Â´À±¿ Ãĺ¼ Å Æ´³´¸·ºÂ· ·abençoada azinheira, em terra portuguesa, não se manifestaram, porcerto, em motivo da guerra de morticínio em longes terras estrangeiras,mas sim por causa da guerra religiosa em Portugal e também paraemendarmos e regenerarmos em costumes, em ideias e princípiosreligiosos.

Se continuam contradições e ataques contra Fátima, também semanifestam exuberantes provas de sobrenatural das aparições, já pelasorações incessantes dirigidas a Nossa Senhora de Fátima, já pelas muitasgraças e curas extraordinárias.

No dia do aniversário da primeira aparição, várias pessoas dirigiram--se a Fátima em piedosa romagem.

Umas iam depositar preces fervorosas pelo bem espiritual e pelasaúde dos seus entes queridos, junto à azinheira e sobre o modesto altarda Virgem do Rosário, adornado de luzes e flores naturais.

E outras seguiam em agradecimento de amor, pelas abundantes graçasobtidas e pelas curas consideradas miraculosas sobre as quais não haviapoder na medicina.

Uma mãe levava devotamente duas velas em reconhecimento da curade um filhinho que a acompanhava.

A Virgem do Rosário estima mais os corações do que o valor daoferenda.

Tinha esta criancinha uma perna encolhida. Foram infrutíferos osbanhos e demais remédios receitados pelo médico, não se manifestandomelhoria alguma. Um dia, perdida toda a esperança nos medicamentos,a desolada mãe prometeu ir a Fátima oferecer umas velas à Senhora daAzinheira, pela cura do seu filho.

A seguir foi ao rio lavar. Quando regressou a casa encontrou a criançacompletamente curada. Qual não foi a imensa alegria e grata comoçãoda mãe e de todos os seus.

Ainda no mesmo dia ali foi uma rapariga acompanhada de novedonzelas, em devota romagem, no cumprimento de um voto pela suacura extraordinária e sobrenatural, que a Senhora de Fátima lheconcedera.

Tinha ela, há 8 meses, um tumor no peito e que já supurava. O médicofoi tratando, durante algum tempo, a doente, sem resultado algum.Declarou alfim que tinha de ir a Lisboa, pois só uma operação a podiasalvar. Desanimada por completo dos recursos humanos, a doenteprometeu ir a Nossa Senhora da Azinheira, com nove donzelas, se fossecurada, rezando o rosário à Virgem. Poucos dias depois, fechou o tumor,

Doc. 35 1918-07-23

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ÇÈÉ ÊÈËÈÌÍÎÍÏÈÐÑÒÓ ÔÐÕÍÖ×Ò Í ÌÍËÍÌÐØÍ ×É ÙÑÐÏÍ ÊÍÚ×ÉÓ ÕÒÏÒ ÔÒÐ ÎÐÊÑÍem Fátima.

Estes e outros factos análogos, tão extraordinários, serão por certometiculosamente examinados e apreciados pela autoridade competente.

Cumpre-nos aguardar o seu julgamento.Mais duas palavras para concluir.Uma pessoa de toda a respeitabilidade, pertencente a uma das famílias

mais distintas de Lisboa, esteve em Fátima no dia do aniversário, de 13de maio. Relata em carta as duas curas mencionadas.

Castelo Branco, 19 de junho de 1918

Dr. Gonçalo X. Almeida Garrett

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ÛÜÝÞ ßà1918-08-06, Fátima

Relatório do Pe. Manuel Marques Ferreira, pároco de Fátima, sobre os factosocorridos na sua freguesia, nos dias 13 de maio a outubro de 1917. Contém osdepoimentos dos videntes Lúcia de Jesus, Jacinta Marto e Francisco Marto.

Publ.: DCF, I - Doc. 31

áâãäå æçæè.mo SenhorArcebispo de Mitilene de Lisboa

Em obediência ao que me foi ordenado por Vª Ex.cia Rev.ma emofício de três de novembro de mil novecentos e dezassete, referente aosfactos ocorridos neste freguesia de Fátima, desta Diocese de Leiria, nosdias treze de maio a outubro do referido ano de mil novecentos edezassete, relativos às singulares graças do Céu de que se dizemfavorecidas três crianças desta freguesia, cumpre-me expôr o que heiaveriguado das aludidas crianças e de algumas pessoas fidedignas.

Primeira Aparição a 13 de maio

As crianças que se dizem favorecidas do Céu pela Visão ou Apariçãode Nossa Senhora são: Lúcia de Jesus, de dez anos de idade, Franciscode nove anos, e Jacinta de sete anos de idade. A Lúcia de Jesus é filhade António dos Santos e Maria de Jesus1, e o Francisco e a Jacinta sãofilhos de Manuel Pedro Marto2 e Olímpia de Jesus, todos naturais emoradores no lugar de Aljustrel desta freguesia e são primos co-irmãos.

[Depoimento de Lúcia]

Logo que começou a correr a notícia de que Nossa Senhora haviaaparecido no dia treze de maio às referidas crianças, e que disso tiveconhecimento, o que foi cerca de quinze dias depois, mandei vir a minhacasa, e residência paroquial, a mãe da vidente Lúcia e que se fizesseacompanhar desta. Vem a mãe com a filha, mas toda lastimosa por julgar,

1 Pai de Lúcia. Nasceu a 3 de janeiro de 1868, em Aljustrel; casou a 19 de novembrode 1890 com Maria Rosa. Faleceu a 31 de julho de 1919.

2 Nasceu em Fátima, a 30 de julho de 1873. Casou com Olímpia de Jesus a 17 defevereiro de 1898 e faleceu, em Aljustrel, a 3 de fevereiro de 1957.

2 Ou Maria Rosa (mãe de Lúcia).

Doc. 36 1918-08-06

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172 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

éêë ìíîï ðñì òñéó ôõìöòê÷îøõîöéî ù úêíûî ðñì éìüéêýî ó ðñì ûîþêî éêòóïque será um grande mal tal mentira. Ameaça, e diz já ter ameaçado afilha com muitas coisas que lhe hão de acontecer se ela continuar a dizerque viu Nossa Senhora e mentir. Diz que só estas coisas lhe estavamreservadas para ela, etc., etc.

Procuro serenar a aflita mãe, dizendo-lhe que, se fôr verdade o quedizem, é uma grande glória para ela e sua família. Oh!!... se fôr verdade...mas se fôr mentira?!... exclama a duvidosa mãe. Aconselho-a a ter pelafilha os mesmos cuidados que até ali tem tido; que na ocasião, em que,porventura, a filha haja de ir ao local da Aparição a não mande nem aestorve, e que a traga à minha presença sempre, e só, após o dia daAparição, caso ela diga que continua a ter a graça de ver Nossa Senhora;o que tudo prometeu fazer, oferecendo-se até, a vir, na véspera ou ante--véspera, com a filha à minha presença para eu lhe indicar qualquercoisa que a filha houvesse de fazer ou dizer na ocasião da Aparição.Disso a dissuadi para evitar algum mau conceito que a impiedade ou osmal intencionados pudessem fazer, como ainda assim fizeram.

Posto isto, procedi ao interrogatório da filha – a dita vidente Lúcia –a qual disse que no dia treze do corrente mês de maio, andavapastoreando as ovelhas, com os primos Francisco e Jacinta, no sítiochamado Cova da Iria – fica a dois quilómetros a noroeste desta IgrejaParoquial de Fátima, junto à estrada que segue para a Batalha – porcerca de uma hora da tarde – hora solar – e que tendo acabado derezar as contas – o terço – (o que fazia muitas vezes), viu um relâmpagode que teve muito medo; começou logo a ajuntar as ovelhas e a mandaros primos ajuntá-las para se irem embora, – para casa –, dizendo quevinha lá trovoada, mas não via nuvens. De repente, viu outro relâmpagoe logo uma Senhora, de mediana estatura e extraordinária beleza, emcima de uma carrasqueira – azinheira pequena – e que lhe disse:

– Não tenhas medo que te não faço mal.E que ficando logo sem medo algum Lhe perguntou:– Que lugar é o de Vossemecê?E a Senhora lhe respondeu:– O meu lugar é o Céu.– O que vem Vossemecê cá fazer ao mundo?– Venho cá para te dizer que venhas aqui todos os meses até fazer

seis meses, e no fim dos seis meses te digo o que quero.– Vossemecê sabe-me dizer se a guerra ainda dura muito tempo ou

se acaba breve?– Não te posso dizer ainda, enquanto te não disser também o que

quero.

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– Tu vais.– E a minha prima?– Vai.– E o meu primo?– Esse ainda há de rezar as contas dele...– Dito isto que a Senhora se começou a elevar, no ar, seguindo para

o nascente até desaparecer.A visão

Disse a Lúcia que a Senhora, que ela e seus primos viram, tinha umpouco mais ou menos de um metro de altura e vinha vestida de branco.A saia era branca e dourada aos cordõezinhos ao comprido e a atravessare era curta, isto é não descia até aos pés. O casaco era branco nãodourado. Manto branco, que ia da cabeça até à orla da saia, douradoaos cordõezinhos de alto a baixo e a atravessar, nas orlas o ouro eramais junto. O casaco tinha dois ou três cordõezinhos dourados nospunhos. Não tinha cinto, fita, faixa à cintura. Tinha as mão postas, umpouco acima da cintura e delas pendia um terço branco. Todas as vezesque falava, separava as mãos, pouco mais ou menos, à distância dosombros. Tinha os olhos pretos, e era tão linda no rosto, como nuncatinha visto Senhora alguma. Quase a cegava a sua beleza, e nunca secansava de olhar para Ela.

Parecia-lhe que tinha meias brancas, não douradas, mas que nãodava a certeza porque para pouco mais olhava do que para o rosto. Atémesmo em uma ocasião na minha presença, estando também a Jacinta,ela volta-se para esta e pergunta-lhe se Ela trazia meias, porque nãotinha reparado.

Segunda Aparição a 13 de junho

Logo após o dia treze de junho comparece na minha presença eresidência paroquial, a menina Lúcia acompanhada de sua mãe. Procediao interrogatório da Lúcia, a qual me disse que no dia treze do correntemês de junho, por cerca da uma hora da tarde, se dirigiu com seusprimos Francisco e Jacinta para a Cova da Iria. Chegados lá, rezou oterço, com as pessoas que estavam presentes. Terminado o terço, iamas pessoas para rezar a Ladainha, e ela, que já tinha visto o relâmpago,lhes disse: não comecem que já não têm tempo.

Que vai mais para o pé da carrasqueira e vê chegar a Senhora, vindodo nascente. E lhe pergunta:

Doc. 36 1918-08-06

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174 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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E a Senhora respondeu:– Quero-te dizer que voltes cá nos dias treze e que aprendas a ler

para te dizer o que quero.– Então não me quer mais nada?– Não te quero mais nada.E logo se começou a elevar e desapareceu.

Terceira Aparição a 13 de julho

No dia catorze do mês de julho, compareceu na minha presença eresidência paroquial, a vidente Lúcia, vindo acompanhada de sua mãe.

Procedi ao interrogatório, e ela, – a vidente Lúcia – disse que no diatreze deste mês de julho, se dirigiu com os seus primos, Francisco eJacinta, à hora do costume, para a Cova da Iria, e que chegados lápediu o terço – isto é, presidiu à sua recitação, – rezando-o com o povo(calculado em duas mil pessoas) –. Terminado o terço esperou umbocadito, e logo viu o relâmpago e em seguida veio a Senhora. Levanta--se, estava ajoelhada, e diz ao povo que se chegue para trás algumacoisa; que ajoelhem os que puderem e quiserem, e tornando a ajoelharpergunta à Senhora:

– O que é que me quer hoje?E a Senhora respondeu:– Quero-te dizer que voltes cá no dia treze: Rezem o terço a Nossa

Senhora do Rosário que abrande a guerra que só Ela é que lhe podevaler.

– Tenho aqui por pedido se Vossemecê converte uma mulher doPedrógão e uma de Fátima, e se melhora um menino da Moita?

E que a Senhora lhe respondeu que os convertia e melhorava dentrode um ano.

– Tenho aqui por pedido se Vossemecê leva um homem da Atouguiapara o Céu o mais depressa melhor.

E Ela respondeu:– Levo mas... (aqui não sei que mais disse).– Faça um milagre para que todos acreditem!?E a Senhora respondeu:– Daqui a três meses faço então com que todos acreditem.– Não me quer mais nada?!– Não te quero mais nada.Dito isto, que se elevou como das outras vezes seguindo para o

nascente e desapareceu.

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Q�� !�Aparição a 19 de agosto

No dia treze de agosto por cerca das dez horas da manhã,compareceu em minha casa, residência paroquial, onde me encontravacom o M. R. Vigário da Vara de Torres Novas, Pe. António de OliveiraReis, o administrador do concelho, Artur de Oliveira Santos, trazendono carro que o transportava o R.do Pe. Manuel Carreira Poças, Prior dePorto de Mós. Notando eu a este padre a minha admiração por eleacompanhar a autoridade civil em assunto de tal natureza, me disse quenão havia novidade alguma, porque vinham de interrogar as crianças emsuas casas, e que o administrador, bem como ele, estava crente do quedizem as crianças; que lhes não restam dúvidas, mas que vêm a minhacasa para eu interrogar as crianças – que estão a chegar – sobre umsegredo (primeira vez que ouvi falar no segredo), que elas dizem que aSenhora lhes disse, mas que não lhes revelaram; e depois que o mesmoadministrador as leva ao local da Aparição, onde deseja também ir.Igual declaração me faz também o administrador, aparentando senão decrédulo, pelo menos de curioso. Cerca de meia hora depois apareceramas crianças e seus pais. O administrador pede-me para eu as interrogar,o que fiz na sua presença. Ao interrogar a menina Lúcia sobre quem lhetinha ensinado a dizer o que tem dito; responde que foi aquela Senhoraque viu na Cova da Iria. Ao dizer-lhe que vai para o inferno quem dizmentiras que causam tanto prejuízo como o que causa o que ela diz – sefôr mentira, por tanta gente vir enganada – responde, que, se quem dizmentiras vai para o inferno, ela que não vai para o inferno por causadisso, porque não diz mentiras, mas só diz o que viu e o que a Senhoralhe disse, e que se o povo vem é porque quer, que ainda não chamouninguém. Pergunto-lhe se a Senhora lhe tinha dito algum segredo.Responde que sim; mas, que me o não diz. Feitas várias interrogaçõessobre ele, responde: Olhe!... se quer... vou lá acima e pergunto à Senhorase Ela me dá licença para eu dizer o segredo e se Ela me der licença,então digo-lhe. A isto responde o administrador: são coisassobrenaturais... vamos-nos embora. Levanta-se, manda sair as criançasdo meu escritório, onde nos encontrávamos, e subir para o carro. Istona presença dos pais e dos Rev.dos sacerdotes acima referidos. Seguealgum tempo o caminho que conduz à Cova da Iria, e .... depois, volta àdesfilada a caminho de Vila Nova de Ourém, para onde as transporta eonde as retém até ao dia quinze em que veio entregá-las aos pais. Anotícia do rapto é levada com a rapidez do relâmpago ao local dasAparições onde cerca de quinze a dezoito mil pessoas esperavam comansiedade a sua chegada.

Doc. 36 1918-08-06

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176 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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um automóvel e alguns ciclistas exaltados, dando parte da indignaçãoda grande massa de povo que se achava na Cova da Iria, reclamando omeu linchamento como cúmplice no atentado do arrebatamento dascrianças. Apresento a minha inculpabilidade, e até indignação por talato. E graças à Virgem Santíssima não fui enxovalhado, a não ser poralgumas inconveniências proferidas por um paroquiano desta freguesia.No dia vinte e um compareceu na minha presença a menina Lúcia edisse que no dia treze em que foi levada pelo administrador para VilaNova de Ourém, e onde esteve, na casa do mesmo administrador, atéao dia quinze, não viu nada de extraordinário. No dia dezanove, quefôra domingo, andava a pastorear as ovelhas, no sítio do Valinho, com oprimo Francisco e um irmão deste chamado João, mais velho que oFrancisco, e vendo os ares semelhantes àqueles em que costumavamver a Senhora, pede ao primo João, oferecendo-lhe um vintém, para irchamar a Jacinta que estava em casa dos pais. E logo que esta chegoulhes apareceu a Senhora em cima de uma carrasqueira; que todos aviram, menos o primo João, irmão do Francisco e da Jacinta. E entãoque lhe perguntou:

– Então o que é que Vossemecê me quer?E a Senhora lhe respondeu:– Quero dizer-te que voltes lá à Cova da Iria: se não tivessem abalado

contigo para a Aldeia (Vila Nova de Ourém), o milagre seria maisconhecido. Havia de vir S. José com o Menino Jesus dar a paz aomundo. Havia de vir Nosso Senhor benzer o povo. Vinha Nossa Senhorado Rosário com um anjinho de cada lado. Vinha Nossa Senhora dasDores com um arco de flores à roda.

– Aquele dinheiro que Vossemecê tem, o que é que Vossemecê querfeito dele? (É o dinheiro das esmolas oferecidas).

Feita esta pergunta, a Senhora respondeu:– Aquele dinheiro... façam dois andorzinhos; um leva-o tu e mais três

meninas como tu e vão de branco, e outro leve-o o Francisco e maistrês meninos como ele, levem uma capa branca, levem-nos à Senhorado Rosário e apliquem-nos a Ela.

Dito isto, desapareceu, elevando-se pelo ar acima. Da primeira ousegunda vez que lhe apareceu perguntou-lhe quem era, – e a Senhorarespondeu que lho dizia no último dia. Disse também que da segundavez ou terceira vez que lhe apareceu, lhe ensinou uma oração que costumarezar, entre os mistérios do terço quando o reza, na Cova da Iria. – Aoração é: Ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno:

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dele precisarem.

Quinta aparição a 13 de setembro

No dia quinze do mês de setembro, compareceu na minha presençae residência paroquial a vidente Lúcia acompanhada de sua mãe. Procediao interrogatório. A qual disse que no dia treze do corrente mês desetembro, se dirigiu com seus primos, Francisco e Jacinta, ao sítiochamado Cova da Iria, e à hora do costume viu um relâmpago e logoviu chegar a Senhora que tinha visto das outras vezes; que lhe parecia amesma vestida de branco, mas que para pouco mais olhava do quepara o rosto, para tomar sentido no que Ela dizia. E lhe perguntou:

– O que é que Vossemecê me quer?E a Senhora respondeu:– Quero-te dizer que continues a rezar o terço sempre à Senhora do

Rosário, que abrande Ela a guerra; que a guerra está para acabar. Parao último dia há-de vir S. José com o Menino Jesus dar a paz ao mundoe Nosso Senhor dar a bênção ao povo. E que venhas cá para o diatreze de outubro.

Está aqui esta menina que é muda e mouca, se Vossemecê a melhora?!Lhe disse a Lúcia. E que a Senhora lhe respondeu, dizendo que daqui aum ano acharia algumas melhoras.

Tenho aqui muitos pedidos – uns para converter e outros para osmelhorar!...

E a Senhora lhe respondeu:– Melhoro uns, outros não, porque Nosso Senhor não quer crer

neles.– O povo muito gostava aqui duma capelinha!– Metade do dinheiro que ajuntaram até hoje façam os andores e

levem-nos à Senhora do Rosário, e outra metade seja para ajuda daCapelinha – lhe respondeu a Senhora.

Disse mais a Lúcia que lhe ofereceu duas cartas e um vidro – pequenofrasco – com água de cheiro, que lhe foram apresentadas por um homemda freguesia do Olival, e que quando lhas oferecia lhe disse:

– Deram-me isto... se Vossemecê as quer?!...E a Senhora respondeu:– Isso não é conveniente lá para o Céu.Dito isto, que se elevou indo para o lado do nascente.E então ela – a Lúcia – que se voltou para o povo e que diz: se A

querem ver voltem-se para acolá. – E aponta para onde Ela ia.

Doc. 36 1918-08-06

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178 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

SIJKLAparição a 13 de outubro

No dia dezasseis do corrente mês de outubro compareceu na minhapresença, e residência paroquial a vidente Lúcia acompanhada de suamãe. Procedi ao interrogatório da Lúcia, a qual disse que no dia trezedo mês corrente tendo-se dirigido, com seus primos, Francisco e Jacinta,para o local chamado Cova da Iria, uma vez ali viu à mesma hora dasoutras vezes um relâmpago – o que sempre se tem dado nos dias trezedesde maio, – que se voltou para o nascente, tendo dito ao povo que secalasse que já se tinha dado o relâmpago, e logo viu descer NossaSenhora pelo ar abaixo; e que disse outra vez ao povo: calem-se... quejá lá vem Nossa Senhora! Olhem!... Veem-nA... veem-nA... veem-nA?...E a Senhora veio e se pôs com os pés em cima das fitas de seda e floresde rosa, que estavam a cobrir os troncozinhos da carrasqueira.

E então que Lhe perguntou:– O que é que Vossemecê me quer?E a Senhora respondeu:– Quero-te dizer que não ofendam mais a Nosso Senhor que está

muito ofendido; que rezem o terço a Nossa Senhora. Façam aqui umaCapelinha à Senhora do Rosário (a Lúcia tem dúvida se foi assim comofica dito ou se foi: façam aqui uma Capelinha – Sou a Senhora doRosário). A guerra acaba ainda hoje, esperem cá pelos seus militaresmuito breve.

– Tenho muitos pedidos, se Vossemecê os despacha todos ou não?!– Uns despacharei, outros não.– Já me não quer mais nada?– Já te não quero mais nada – respondeu a Senhora.– E eu também Lhe não quero mais nada. Dito isto, a Senhora abalou

pelo mesmo caminho e na mesma direção das outras vezes. E então sevoltou para o povo e lhe disse:

– Olhem... lá vai Ela – lá vai Ela – lá vai Ela!... E que foi subindo atédesaparecer da vista. Uma vez perdida de vista, olhou para o sol – masnão por Ela mandar – e viu S. José, a meio corpo, vestido de branco,com o menino assentado no braço esquerdo. S. José estava à esquerdado sol e abençoava o povo com a mão direita. Parece-lhe que fez trêsou quatro cruzes sobre o povo. O Menino Jesus, viu-O a todo o corpo,vestido de encarnado. E viu, ao lado direito do sol, Nossa Senhora, atodo o corpo, vestida de encarnado com um manto azul pela cabeça,brochado ao pescoço e as mãos à cintura com os dedos entrelaçados.

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MNORTRUNVNWNOXRYZO[\]^Z_N`R] N aZV\W XW^\RbRUN`\T\U R`cWdO ZdOXRdXNO

– e logo viu aparecer Nosso Senhor, a meio corpo, vestido de branco,à direita do Sol; e à direita de Nosso Senhor viu Nossa Senhora, a todoo corpo, de pé, vestida de branco, com um manto azul pela cabeça, e asmãos sobre o peito de palmas para dentro, uma ao lado da outra emposição horizontal. O manto não era brochado como o da primeira visão.Nossa Senhora em nenhuma destas visões se apresentou com o Menino.Todas estas visões tinham resplendor amarelo, exceto a de S. José.

Na ocasião em que estava a ver estas representações o povo gritava:Olhem... Olhem... Olhem... tão bonito!!! Declarou mais a Lúcia queneste momento também disse ao povo que olhasse para lá – para o sol– que estava lá S. José – e – depois Nosso Senhor. Sendo interrogadasobre o que se há de fazer ao dinheiro, disse que é para uma Capela; esobre quem há de fazer a Capela e tomar a direção da obra, disse quenão sabia porque a Senhora lhe o não tinha dito. E sendo tambéminterrogada sobre quando Nossa Senhora lhe tornava a aparecer, ouesperava tornar a vê-la, disse que não esperava mais por Ela, porquelhe não tinha prometido senão para seis meses ou seis vezes, – e estas jávieram – e que agora só espera tornar a vê-la no Céu.

Depoimento da Jacinta

Por várias vezes interroguei a vidente Jacinta que sempre me confirmouque viu uma Senhora na Cova da Iria, nos dias treze de maio a outubrode mil novecentos e dezassete, menos no dia treze de agosto em que seachava em casa do administrador do concelho, mas que nesse mês Aviu no domingo seguinte – dia dezanove – no sítio chamado Valinho,onde foi chamada por seu irmão João, a pedido da Lúcia.

Disse que viu uma Senhora muito bonita, toda vestida de branco,com fato dourado aos cordõezinhos, com um véu ou manto pela cabeça,do tamanho de F. – indica uma rapariga de regular estatura e dos seuscatorze anos – e que trazia umas contas muito branquinhas penduradasnas mãos e seguras entre os dedos indicador e polegar de ambas asmãos, que tinha erguidas à cintura, e que separava uma da outra, poucomais ou menos à largura dos ombros, quando falava à Lúcia.

Quando Ela falava para a Lúcia, que ouvia uma voz muito piedosa,mas que não se lembra de ouvir dizer, senão que a gente – elas videntes– ia para o Céu. Pelas várias vezes que a interroguei nunca se contradisseno essencial, havendo todavia coisas acidentais, algumas contradições,verdadeiras ou aparentes. Em uma ocasião – dia 21 de agosto – dirigi-

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180 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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de Jesus Raposo, de Torres Novas, e outras da Quinta da Cardiga –uma das quais, dos seus quinze anos de idade, ia vestida de branco. Aochegar a casa dos pais chamei... Veio a Jacinta, que estava só, e que aover as inesperadas visitas, ficou embaraçada, como é próprio dumacriança do povo e de quem poucos dias antes tinha sido restituída aospais do rapto que lhe haviam feito. Depois de algumas palavras deanimação, disse-lhe eu:

– Olha, Jacinta, vê se foi alguma destas senhoras que viste na Covada Iria, ou se aqui está alguma parecida com A que lá viste.

Ela levanta os olhozitos, percorre-as todas com a vista, dos pés àcabeça, e diz:

– Não foi nenhuma destas... a outra é muito mais bonita.Faço-lhe notar a que vinha vestida de branco, dizendo-lhe:– Então não foi esta Senhora, vestida de branco, tão bonita que tu lá

viste em cima?!Esta Senhora, respondeu ela, é muito bonita, mas A que eu lá vi é

muito mais bonita.Dirigimo-nos a casa dos pais da Lúcia e ao encontrar esta, fiz-lhe a

mesma pergunta obtendo idêntica resposta. A respeito do segredotambém não consegui que me o revelasse; apenas disse que ele – segredo– não era mau para elas, videntes. Disse mais, que a Senhora lhe apareceumais três vezes: uma no dia da Ascensão do Senhor na Igreja durante amissa e que lhe ensinou a rezar as contas; outra vez, à noite, sobre oalçapão do sótão estando a família a dormir; e mais uma, debaixo (ousalvo erro em cima) duma mesa, sem nada lhe dizer, até que ela, Jacinta,disse para a mãe: Olhe... não vê a Senhora, que lá vi em cima, alidebaixo?!... Olhe!!! Como a própria mãe me declarou.

Depoimento do Francisco

Algumas vezes e em diversas ocasiões interroguei o Francisco esempre me disse que viu uma Senhora muito bonita na Cova da Iria e noValinho nos mesmos dias que suas companheiras tinham indicado e quevinha vestida de branco, mas que não A ouvia falar. A respeito do segredonada consegui que me revelasse. Dizendo-lhe eu que, não ouvindo ele aSenhora, não tinha segredo algum, respondeu que sim, tem, que lhedisse a Lúcia. Disse-lhe que, como foi a Lúcia que o disse, podia-medizer, porque não é segredo nem Nossa Senhora lhe disse que o nãodissesse, respondeu: não digo, que é pecado, que a Lúcia disse que o

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xyz {|}}~}}~ ~�� �z� |}}z xyz {|�z� Aqui recordo-me que a Lúcia emcerta ocasião me havia dito que Senhora só lhe deu licença ou mandouque o dissesse ao Francisco e à Jacinta. Não segui um interrogatório tãominucioso e tanto a tempo, com a Jacinta e Francisco, como era muitomeu desejo, e como fiz com a Lúcia, porque o pai demasiadamentecrente – se não alucinado – da primeira vez que mandei pedir para amãe vir com os filhos a minha casa, em vez de vir a mãe ou ele com osfilhos, vem ele só, e diz que, sim, mos manda, mas que é se eu acreditare não para abusar. Fiquei surpreendido ao ouvir tais palavras e outrasque muito me desanimaram: verdadeira antítese dos pais de Lúcia. Emvirtude do que fiquei esperando os acontecimentos e não mais convideios pais a que me os trouxessem a minha casa, interrogando-os só quandoa ocasião se me proporcionava, porque julguei sempre de meu devermostrar-me indiferente enquanto não houvesse provas evidentes ou aIgreja falasse. Fora realmente maravilhosa a manifestação de fé dosmilhares de pessoas, que acorreram ao local durante os seis meses deAparições – calculadas: – da primeira vez somente as três crianças; dasegunda Aparição, em cinquenta pessoas; da terceira Aparição, emquatro a cinco mil pessoas; da quarta Aparição em quinze a dezoito milpessoas; da quinta Aparição, em vinte e cinco a trinta mil pessoas; dasexta Aparição, em quarenta a cinquenta mil pessoas, de todas as idadesclasses e condições. Por verdade e como me dita a consciência salvoalgum involuntário erro o Juro in verbo sacerdotis e assino.

Paroquial de Fátima 6 de agosto de 1918.

O Pároco Manuel Marques Ferreira

Doc. 36 1918-08-06

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182 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1918-09-29, Figueira da Foz

Carta de Gonçalo Xavier de Almeida Garrett ao Dr. Manuel Nunes Formigão,sobre o fenómeno da manifestação de fumo ocorrido na Cova da Iria, durante asaparições.

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Figueira da Foz, Rua Bela29-9-18

Ilmo e Exmo Sr.

Julgo urgente uma resposta à prezada carta de V. Exª.Muita, muitíssima pena tenho de não podermos ter uma amável

conferência e plácida discussão.Nos tempos que vão correndo de incredulidade, é mais importante

um fenómeno da ordem física, do que da ordem moral, e principalmentepara os homens ilustrados e científicos e de saber.

Haja vista a enorme importância que se liga e dá ao escurecimentodo sol à morte de Cristo. E tanto que o domingo de Páscoa é variável esempre o 1º domingo depois da lua cheia de março.

É mais importante um fenómeno físico, importante mas inexplicável,do que um milagre, como vulgarmente se diz, que poderá ser produzidoou ocasionado pela ação do sistema nervoso.

Há casos de paralíticos andarem, por um choque elétrico, ou pelaação hipnótica de outra pessoa. O mesmo num homem cego podeacontecer. Etc., Etc.

Estes assuntos têm dado lugar a graves e imensas discussões sobre averacidade dos milagres.

Há as mesas falantes, etc.Sei que se têm dado milagres chamados estupendos, evidentes.Consultei o Dr. Ferreira da Silva, lente da Universidade do Porto.

Diz ele que o fenómeno da impressão do fumo, poderá ser consideradaem três categorias:

1º Produzida por uma evaporação2º Ocasionada por uma combustão incompleta.3º Causada por uma reação química, como a reação de dois

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sólidos: o cloreto de amoníaco.Os gases ou vapores produzidos em qualquer dos casos elevam

consigo elementos sólidos diminutíssimos, infinitesimais que produzem aimpressão de fumo, por serem opacos.

O fenómeno da manifestação do fumo tem de ser estudado duranteduas épocas.

1º Durante o período da aparição de 13 de maio a 13 de outubro de1917, em Fátima, pelo meio dia.

2º Antes e depois deste período no mesmo local, junto à azinheiraabençoada.

1º caso(a) Examinar e averiguar a manifestação do fumo nos dias 13 dos

seis meses de maio a outubro, pelo meio dia, junto à azinheira.(b) Examinar e averiguar a manifestação do fumo nos outros dias de

14 de maio a 12 de outubro, e se teve ou não teve lugar e a qualquerhora.

A hipótese (a) é a mais melindrosa a comprovar, sendo necessárioobter testemunhas oculares para todos os 6 dias, designados para cadadia. Houve também em 13 de maio?

Examinar ou comprovar o que se deu em 13 de agosto, em que nãocompareceram as crianças. A prova positiva de (a) é melindrosa e capitale direta com testemunhas oculares. A hipótese (b) é fácil de verificar ecomprovar, nomeando em Santarém ou outra terra uma comissão de 3ou 5 membros de pessoas ilustradas, sérias e respeitáveis as quais podemproceder a um inquérito entre os habitantes das redondezas de Fátima eda mesma terra.

2º Caso

(c) Examinar e averiguar qual a manifestação do fumo, antes de 13de maio de 1917, as quais não consta tivessem lugar em Fátima aqualquer hora do dia, junto à azinheira.

(d) Igualmente averiguar e saber qual fosse a manifestação do fumo,depois de 13 de outubro, apesar de não constar que houvessemanisfestação alguma.

As hipóteses (c) (d) de modo semelhante são facílimas de verificar ecomprovar, pela nomeação de uma Comissão, 3 ou 5 vogais de pessoasde Santarém ou outra terra, pessoas inteligentes, ilustradas e respeitáveis.

Doc. 37 1918-09-29

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184 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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Sistematizando os inquéritos (a), (b), (c), (d) pelo modo indicado é fácilaveriguar o que se tem dado em Fátima, sobre a manifestação do fumo,nos 6 dias das aparições, nos meses de maio a outubro. E também sepode chegar à conclusão rigorosa de que em nenhum outro dia se deualguma manifestação do fumo conhecida no mesmo local e sobretudo àmesma hora do dia. Se for provada por testemunhas oculares, fidedignasque nos dias 13 dos meses de maio a outubro, pela volta ou hora domeio dia, se deu a manifestação de fumo sempre; e se for comprovadopelas comissões nomeadas que não houve a manifestação nem vestígiode manifestação, no mesmo local, a qualquer hora, local de Fátima,junto à azinheira, fica demonstrado que as manifestações dadas everificadas em Fátima são sobrenaturais e miraculosas.

Comprovadas ficam as declarações das três crianças de que aVirgem, com a designação do Rosário, apareceu por seis vezes junto auma azinheira, no lugar de Fátima.

Rogo a V. Exª o favor de me acusar esta carta, e quando não possaser por outro modo, por falta de tempo, espero a fineza de um bilhetepostal que eu entendo.

Desejando a V. Exª a melhor saúde para melhor trabalhar em favordas aparições da Virgem do Rosário em Fátima.

De V. Exªatto ado agdo dedo

Gonçalo de Almeida Garret

P.S. Peço desculpa da extensão desta carta.

Esteve aqui a Srª D. Maria de Jesus Raposo. Diz que esteve emFátima no dia 13 agosto (em que não estavam as crianças) de 1917. Amanifestação do fumo foi muito maior, como uma espécie de globo queenvolveu a azinheira.

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1918-10-07

Carta de Luísa da Madre de Deus da Cunha e Menezes, Marquesa da RibeiraGrande1, para o Dr. Formigão, a descrever aquilo a que assistiu em Fátima no dia 13de outubro de 1917.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 383

ÀÁÂÁ ÃÁ ÄÅÂÅÆÇÄ ÈÉÈÊ

Exmo Snr Padre Formigão

Neste dia de Nossa Senhora do Rosário, em que, mais uma vez, semanifestou a proteção da Virgem Maria na esperança dulcíssima daPaz! Humildemente cumpro a promessa que fiz a V. Excia.

Sentindo faltar-me merecimento para bem descrever o que ouvi, aindamais, do que o que vi, rezo a oração de S. Bernardo para que MariaSantíssima me inspire na tocante narração. Há quase um ano, a treze deoutubro de 1917, que milhares de pessoas, se encontravam em Fátima,na piedosa aspiração de assistirem ao milagre que a Rainha do Céu,anunciara, em iguais dias, dos cinco meses anteriores.

Às 8 da manhã, já me encontrava no meu posto, junto ao local dasAparições.

Desde as 9 horas, que uma chuva ininterrupta nos encharcava, comose Nossa Senhora quisesse provar a paciência dos seus fiéis com essapequena provação.

Como uma primeira bênção de sua misericórdia infinita, nenhum mala registar, em tantas saúdes débeis, que a suportaram.

Perto do meio-dia, hora de Deus, chegam os Pastorzinhos, Lúcia,Jacinta e Francisco.

Como por encanto, cessa a chuva, enquanto os Pequenos rezam oTerço no que os acompanhamos devotamente, na tremura daaproximação da Hora Sagrada!

De repente, a voz de Lúcia:– Lá está Ela, na carrasqueira.Sensação eterna, sobrenatural a de saber a Mãe de Deus, junto de

nós!

1 Nasceu a 9 de novembro de 1843, em Lisboa. Casou a 11 de maio de 1867 comFrancisco de Sales Gonçalves Zarco da Câmara. Faleceu a 9 de junho de 1923.

Doc. 38 1918-10-07

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186 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ËÌ ÍÎÏÎÐ ÑÎ ÒÓÔÎÐÕÔÎÖ ÌÍ×ØÙÚÛÖÐ ÑÛ ÖÜÝÞÙÒÛÐ ÑÛ ÒÎÑßÍÙàÔÎ áÌÍâÎÍÎÖÛÐ

da miséria humana, perante a grandeza divina, a santidade dasSantidades!

Então distintamente ouvi esta frase da Lúcia: – Vossemecê não fazhoje o milagre que me prometeu?

E a seguir estas singelas palavras dessa criança predestinada, à queouvi a frase que destrói todas as dúvidas, esclarece toda a hesitaçãocom que os sábios pretendem confundir o sobrenatural, como umfenómeno da natureza, ilusão que perturbou a firmeza de tantos crentes!

Olhem para o Sol.E só depois, dessa exclamação de Lúcia, como uma ordem do Céu,

é que a Rainha dos Anjos, fez surgir esse prodigioso milagre, esse solglorioso que iluminou a sua Aparição, com uma luz, que nenhuma almacristã, poderá apagar!

Mais quatro frases ainda afirmo ter escutado: – Vossemecê não mandahoje mais nada de mim?

E, após a pergunta, como que repetindo sílabas e palavras, que, doCéu, lhe murmurava a Mãe de Cristo: – Capela ou Igreja aqui?

E, pela primeira vez, com fisionomia, radiante, e batendo as mãos.– É Nossa Senhora do Rosário.Voltando-se novamente para a Jacinta, e baixando a cabeça da direita

para a esquerda, como seguindo a mesma direção, que a VirgemImaculada, exclamou:

– Foi para ali.Findava a Aparição.O que nunca findará nesta alma de Filha de Maria, é a crença bendita

de que a Rainha do Santíssimo Rosário, esteve perto de nós, na suaclemência, para um povo outrora tão fervoroso, e hoje tão vacilante nasua Fé!

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1918-12-20, Fátima

Depoimento de Jacinto de Almeida Lopes, primeira testemunha do inquéritoparoquial, sobre as aparições de Fátima, nos dias 13 de julho e 13 de outubro de1917.

Publ.: DCF, I - Doc. 32 (Este documento faz parte do Processo Paroquial deFátima).

Depoimento da 1ª testemunha

éêëìíîï ðñAlmeida Lopes, casado, proprietario, natural e moradorno lugar da Amoreira, desta freguesia de Fátima, sendo interrogado sobreo que presenciara, relativamente aos factos ocorridos no local chamadoCova da Iria, deste freguesia, disse que no dia treze de julho de milnovecentos e dezassete, tendo-se dirigido com antecedência para o local,ali permaneceu junto à carrasqueira onde estava quando chegaram ascrianças. Chegaram, ornamentaram a carrasqueira, ajoelharam, rezaramo terço, levantaram-se e logo, com pouco tempo de demora, tornarama ajoelhar, e, todos de joelhos, começa a Lúcia, como que estando afalar com alguém voltada para a carrasqueira onde tinha fixada a vista:

– Então o que é que me quereis?A esta pergunta um bocadito em silêncio, tempo de uma breve

resposta. E durante este silêncio ouviu ele, como que vindo dacarrasqueira, uma voz muito sumida semelhante, diz, ao zumbir de umaabelha, mas sem distinguir palavra alguma.

– Em seguida diz a Lúcia: – Tenho aqui um pedido a fazer-Vos: Erase Vossemecê melhorava um aleijado de Aljustrel; se convertia umamulher do Pedrógão; se convertia uma mulher de Fátima e seus filhos;se melhorava um homem da Atouguia ou o levava para o Céu o maisdepressa melhor1.

Dito isto... há um curto silêncio, como quem espera resposta, e ouvea mesma voz, que não ouvia enquanto a Lúcia falava.

– Vossemecê, – continua a Lúcia – não poderá fazer com que estagente se converta?

1 “O homem da Atouguia” tem sido identificado como sendo Manuel da SilvaReis, solteiro, proprietário, da Atouguia, concelho de Vila Nova de Ourém,pessoa estimada, muito crente, que veio a falecer com 85 anos de idade, no dia18 de fevereiro de 1924.

Doc. 39 1918-12-20

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188 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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confirmando o que ouvira:– Sim, que se reze o terço!... que se reze o terço!... sim... tudo se

fará.E enquanto assim falava fazia acompanhar as palavras com acenos

de cabeça.– Então e Vossemecê não poderá fazer com que esta gente toda

acredite?Silêncio...Em seguida diz: – Não me quereis mais nada?Espera... e logo diz:– Eu também não.Dito isto, que se levanta instantaneamente e voltando-se para o

nascente disse:– Querem ver Nossa Senhora?!!E aponta na mesma direção.No dia treze de outubro, dirigiu-se como tanta gente ao local das

Aparições, na ansiedade de observar algum facto extraordinário, poistinha ouvido dizer que a Senhora dissera à Lúcia que no último dia faziamilagre. A chuva fustigava-o fortemente, mas pouco o incomodava porqueo seu objetivo estava na observação do extraordinário. Enquanto a horase aproxima e o povo se vai aglomerando, observa que umas avezinhasandam volitando sobre a carrasqueira, saltitando de um lado para ooutro.Vê, por cima do povo que rodeia a carrasqueira, por vezes, umasseguidas às outras, elevar-se da terra pequenas nuvens de fumo – ou lheparece fumo – semelhante ao fumo do turíbulo em ocasião de incensação,ou às fumaradas de cigarro. Julga a princípio, – que era alguém que aliestava a fumar ou a fazer fogueira para se aquecer, mas veio averiguarque ali não estava lume de espécie alguma. A hora aproxima-se, e eisque, como que por encanto, a chuva suspende, o sol rompe as densas enegras nuvens e mostra-se dardejante com seus luminosos raios, quebem depressa tomam as cores do amarelo, encarnado e verde, tornandoos objetos que estavam sob sua influência de iguais cores; e logo perdeo seu brilho e cores, – podendo ser fixado a olho nu sem ferir a vista –e toma um vertiginoso movimento de rotação, parecendo precipitar-sesobre a terra. E enquanto observa estas maravilhas, todo o povo seencontra em altas exclamações. Isto durou, o máximo, uns cinco minutos,depois voltou ao seu estado normal. Mais disse, que no dia de NossaSenhora da Purificação, isto é, no dia dois de fevereiro de mil novecentos e dezoito, por cerca das três horas da tarde, estando no mesmo

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não tem verificado em muitos outros dias em que lá foi. Mais disse, queestá intimamente convencido que as crianças não faltam à verdade doque afirmam, e que, em virtude do que observou está realmente crenteque Nossa Senhora é que esteve a falar com a Lúcia, e que os fenómenosque se deram nos dias mencionados são de ordem sobrenatural. E maisnão disse dando assim por findo o seu depoimento que sendo-lhe lido oratifica e sob juramento de que é verdadeiro o assina comigo.

Paroquial de Fátima, 20 de dezembro de 1918

A testemunha Jacinto de Almeida LopesO Pároco Manuel Marques Ferreira

Doc. 39 1918-12-20

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190 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1918-12-31, Fátima

Depoimento de Manuel Gonçalves Júnior, segunda testemunha do inquéritoparoquial sobre as aparições de Fátima, nos dias 13 de julho a outubro de 1917.

Publ.: DCF, I - Doc. 33 (Este documento faz parte do Processo Paroquial deFátima).

Depoimento da 2ª testemunha

Manuel Gonçalves Júnior, casado, proprietário, de trinta e quatroanos de idade, natural e morador no lugar do Montelo, desta freguesiade Fátima, sendo interrogado sobre o que sabia relativo aos factosocorridos na Cova da Iria, disse que no dia treze de julho de milnovecentos e dezassete se dirigiu àquele local, onde estava à horaindicada pelas crianças videntes para a Aparição, e que notou que aessa hora o calor, que era demasiado, começou a abrandar. Nestaocasião, chegaram as crianças, rezaram o terço com o povo, aplicadopela Lúcia, – não sabendo se foi de iniciativa sua ou se foi a pedido dealguma outra pessoa. Em seguida notou que a mesma Lúcia, estandotodos, povo e videntes, de joelhos, começou a falar para a carrasqueira,como quem está a falar com outra pessoa, fazendo perguntas e esperandorespostas; mas não percebeu o que dizia, pela distância a que seencontrava. Passado pouco tempo, levanta-se de repente, e de mãospostas aponta para o lado nascente dizendo:

– Querem ver Nossa Senhora?!...Nesta ocasião, também notou que a certa altura da carrasqueira se

formou uma espécie de névoa ou de nuvem, que se foi elevando seguindopara o nascente, chegando a impallidecer o brilho do sol, e desapareceu.

Declarou mais que no dia treze de agosto do mesmo ano, poucodepois da hora marcada para a Aparição, quando se comentava o raptodas crianças, notou que houve um forte e inexplicável estrondo, junto àcarrasqueira, que atemorizou todo o povo, começando a fugir e a gritarcomovidamente, – havendo até algumas síncopes –, e que junto do solse formou uma nuvem com as cores do Arco-Íris.

Declarou, outrossim, que também no dia treze de setembro do mesmoanno, notara que a Lúcia estava a falar junto à carrasqueira, como quemestá falando com outra pessoa, fazendo perguntas e esperando respostas,

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extraordinário, parecendo flores brancas e que as outras pessoas tambémnotaram tal fenómeno, dizendo serem estrelas.

– “Aqui aproveito a ocasião para dizer, que, neste mesmo dia treze,por cerca das três horas da tarde, veio a minha casa, residência paroquial,o Rev.mo Dr. António Maria de Figueiredo1 meritíssimo professor noSeminário Patriarcal de Santarém e declarou-me que viu estrelas numaregião inferior à região estelar, que veio a minha casa de propósito parame fazer tal declaração –”.

Mais disse que em treze de outubro do mesmo ano, à hora marcadapelas crianças para as Aparições, depois de ter cessado a chuva, viuelevar-se por várias vezes, saindo da carrasqueira, uma espécie de fumo,semelhante ao fumo do incenso na ocasião da incensação, ouvindo dizeràs pessoas que estavam a seu lado, que era fumo de cigarro ou defogueira, mas a ele só lhe parecia fumo igual ao da incensação, não lheconstando que naquela ocasião houvesse ali fumadores ou fogueira deespécie alguma.

De olhos sempre fixos na carrasqueira a fim de ver alguma coisa deextraordinário, sem, propositadamente, olhar para o sol, notou que, namesma ocasião em que o povo estava em altos gritos e exclamaçõespelo que via no sol, tanto as pessoas como as árvores, e tudo quanto asua vista atingia na direção da carrasqueira tomou diferentes cores. Emais não disse dando assim por findo o seu depoimento que depois delhe ser lido o ratifica e jura como sendo verdadeiro e comigo o assina.

Paroquial de Fátima, 31 de dezembro de 1918

A testemunha Manuel Gonçalves JúniorO Pároco Manuel Marques Ferreira.

1 Nasceu a 11 de julho de 1879, em Mata, concelho de Torres Novas. Doutorou--se em Filosofia e Teologia e bacharelou-se em Direito Canónico, em Roma. Foiordenado sacerdote, a 19 de dezembro de 1902. Foi professor no Seminário deSantarém e pároco em várias paróquias, na mesma cidade e em Lisboa. Foicónego da Sé de Lisboa. Faleceu a 5 de maio de 1963, em Torres Novas.

Doc. 40 1918-12-31

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192 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1919-03-02, Fátima

Depoimento de Teresa de Jesus1, irmã de Lúcia, terceira testemunha doinquérito paroquial, sobre a aparição do dia 13 de julho de 1917.

Publ.: DCF, I - Doc. 34 (Este documento faz parte do Processo Paroquial deFátima).

Depoimento da 3ª testemunha

Teresa de Jesus, casada, costureira, de vinte e quatro anos de idade1,natural de Aljustrel e moradora no lugar da Lomba desta freguesia deFátima, irmã da Lúcia – vidente – comparecendo perante mim e sendointerrogada sobre o que sabia relativamente ao ocorrido na Cova daIria e em casa de seus pais, sobre o que sua irmã Lúcia dizia referente àsAparições de Nossa Senhora, declarou que no dia treze de julho de milnovecentos e dezassete chegou à carrasqueira na mesma ocasião quesua irmã Lúcia e primos videntes, e viu que a irmã – e primos – sem queninguém mandasse, ajoelhou, pediu o terço, rezando-o com o povodepois de ter dito a este que ajoelhasse. Levantou-se, estando algumtempo de pé, tornou a ajoelhar e disse para a prima Jacinta que reparassese via o relâmpago, porque estava chegando a hora. Passados poucosminutos, notou que sua irmã sentiu um tão forte abalo que a fez exclamar:Ai!! Nossa Senhora..., e voltada para a carrasqueira esteve falando,fazendo perguntas e esperando respostas como quem está a falar comoutrem.

Declarou também que as perguntas foram: 1ª O que é que lhe queria.– 2ª Que havia ali um coxo para melhorar. – 3ª Que pedia para melhoraruma mulher do Pedrógão. – 4ª Que pedia para converter uma mulher efamília de Fátima. – 5ª Que pedia para fazer um milagre a fim de o povoacreditar. Feitas estas perguntas que a Lúcia se levantou repentinamentee, voltada para o nascente, apontou dizendo: Voltem-se para acolá, sequerem ver Nossa Senhora...

Declarou mais que a Lúcia depois de ter principiado o suposto diálogocom Nossa Senhora, foi advertida pela Jacinta, que estava a seu lado,

1 Teresa de Jesus nasceu a 22 de maio de 1893, portanto ia fazer 26 anos

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a falar?!Mais disse que a sua irmã Lúcia não foi ensinada pela mãe, nem

pelos irmãos a pedir – presidir – o terço e a rezar a oração como faziana Cova da Iria, tanto mais que em casa dos pais não era costune rezaremo terço em coro, mas só cada um de per si.

Mais não disse, dando assim por findo o seu depoimento que sendo--lhe lido o ratifica e jura por verdadeiro, e comigo o assina.

Paroquial de Fátima, 2 de março de 1919

A testemunha Teresa de JesusO Pároco Manuel Marques Ferreira

Doc. 41 1919-03-02

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194 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1919-03-02, Fátima

Depoimento de Joaquim Inácio Vicente1, quarta testemunha do inquéritoparoquial, sobre o dia 13 de agosto de 1917.

Publ.: DCF, I - Doc. 35 (obs.: este documento faz parte do Processo Paroquialde Fátima).

Depoimento da 4ª testemunha

Joaquim Inácio Vicente, casado, canteiro, natural e morador no lugarda Chainça, de Santa Catarina da Serra, deste diocese de Leiria, homemde toda a confiança, declarou-me que no dia treze de agosto, tendodeixado o trabalho, à hora da sesta, da Igreja matriz desta freguesiaonde se encontrava, foi à Cova da Iria e que pouco depois da horaindicada para as Aparições, quando o povo já estava desanimado eprestes a retirar-se, ouviu duas fortes detonações semelhantes aoestampido de bombas ou tiros vindos do lado da carrasqueira e nomesmo instante vê a grande massa de povo a fugir, fugindo ele tambempor julgar ser uma forte desordem que o povo se tinha envolvido, e semsaber como nem porquê, ao voltar para trás, pois era dos dianteiros porestar mais afastado da carrasqueira, vê o povo, como que arrastadopor uma corrente elétrica, a correr e a concentrar-se junto dacarrasqueira.

Esta hora foi para todos quantos lá se encontravam uma hora deterror. Uns perderam os sentidos, outros julgaram ser aquele o últimodia de sua vida e ser ali o seu dia de Juízo, e para alguns, depois, foi umamaravilha ao verem as admiráveis cores que sucessivamente iam tomandoas nuvens que embaciavam os raios solares, – cores de encarnado vivopassar a rosa e desta a azul – cor de anis como me foi declarado minutosdepois em minha casa por várias pessoas.

Paroquial de Fátima, 2 de março de 1919

Pe. Manuel Marques Ferreira

1 Nasceu a 21 de janeiro de 1891 e faleceu a 13 de agosto de 1989.

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1919-03-29, Torre

Carta de José Pereira Novo1 ao Pároco de Fátima, pedindo a construção deuma capela na Cova da Iria e referindo várias curas e promessas.

Publ.: DCF, I - Doc. 39 (Este documento faz parte do Processo Paroquial deFátima).

Torre 29 do 3 de 1919

Ex.mo SnrPrior da Fátima

Tem esta carta por fim em dizer-lhe algumas coisas sobre a aparição5

de Nossa Senhora nas Covas [sic] da Iria ... Eu tenho ido a esse sítiobastantes vezes; no meu pensar creio e acredito que a Virgem dos Céusque veio a esse sítio nos dias 13 de cada mês - em 1917 - especialmenteno dia 13 de outubro. Fui aí no dia 13 de Fevereiro de 1919 – essamulher que lá recebe as esmolas2 disse-me que o Snr. Prior me desejavade me falar – mas eu nunca pude conseguir falar-lhe – mas tive tençãode ir aí mandar fazer, ao menos, uma alpendurada por ver à chuva tantosdevotos da Santíssima Virgem – mas lembrei-me de quem recebe asesmolas que as empregue em um edifício que tão preciso aí é – daqui daTorre tem-se ido cumprir promessas de milagres operados desse sítio, àVirgem Santíssima. Uma mulher daqui que tinha uma menina quase amorrer prometeu uma promessa a Nossa Senhora de ir às Covas da Iriarezar o terço e dar uma esmola; assim a cumpriu.

Eu que tinha um neto quase cego fui às Covas da Iria com ele e rezeilá o terço. Pedi lá à Senhora que o melhorasse e que havia de lá voltar e

1 Nasceu a 6 de março de 1862, no lugar da Torre. Casou com Cristina de Jesus, a27 de janeiro de 1889. Deve-se-lhe a direção da construção da Via-Sacra doReguengo do Fetal à Cova da Iria e da Via-Sacra da Torre ao Vale de Ourém.Faleceu a 17 de fevereiro der 1944.

2 Maria da Capelinha (Maria Carreira ou Maria dos Santos)

Doc. 43 1919-03-29

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196 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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logo melhoras.Espero pois que o Snr prior se ponha em campo sobre este facto

pois o acho verdade - Vejo, quando lá vou, muita fé.O Snr. deve de lá mandar fazer um edifício.

Sem mais

José Pereira Novo da Torre.

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1919-04-18, Fátima

Termo de encerramento e correções do inquérito paroquial e aditamento aoinquérito paroquial sobre a morte do vidente Francisco Marto, a 4 de abril de1919.

Publ.: DCF, I - Doc. 36 e 37

uvwxyzramento e correções]

Contém o presente caderno dezassete folhas que vão por mimnumeradas e rubricadas com o sinal – Marques – constando a primeirafolha do ofício do Excelentíssimo Senhor Arcebispo de Mitilene de Lisboa,ordenando-me o inquérito das crianças videntes e outras testemunhasfidedignas e contendo as restantes folhas os depoimentos das três criançasLúcia, Jacinta e Francisco e mais de quatro testemunhas fidedignas. Aseguir há um apêndice que consta: do depoimento de Maria do Carmo,da freguesia de Maceira, diocese de Leiria, datado de 18 de junho de1918 e assinado pela depoente e seu Rev.do Pároco Manuel AntunesMarto; de uma carta de José Pereira Novo do lugar da Torre, freguesiado Reguengo do Fetal; de uma carta minha publicada no jornal “AOrdem” datada de 15 de agosto de 1917; de uma carta da ExcelentíssimaSnrª Dª Maria José de Lemos Queirós publicada no Jornal da Beiradatada de 30 de outubro de 1917; de um folheto impresso, porautorização do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Bispo Condede Coimbra datado de outubro de 1917, cuja autora é a ExcelentíssimaSra. Dª Maria Augusta Saraiva Vieira de Campo.

Doc. 44 1919-04-18

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198 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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depoimento de, – as rasuras que vão a folhas três – onde se lê – doisquilómetros, folhas oito onde se lê: Já me não quer mais nada?, folhasonze onde se lê desanimaram, folhas quinze onde se lê: Jura como, folhadezasseis onde se lê: nascente, folhas dez onde se lê: – à –

Paróquia de Fátima 18 de Abril de 1919O Pároco Manuel Marques Ferreira

[Aditamento]

A tempo

O Francisco – vidente – faleceu às dez horas da noite, do dia 4 deabril corrente, vitimado por uma prolongada ralação de 5 meses dapneumónica tendo recebido os Sacramentos com grande lucidez epiedade – E confirmou que tinha visto uma Senhora na Cova da Iria eValinho.

Paróquia de Fátima 18 de abril de 1919 O Pároco Manuel M. Ferreira

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1919-04-28, Fátima

Ofício do Pe. Manuel Marques Ferreira, pároco de Fátima, para D. JoãoEvangelista de Lima Vidal, Arcebispo de Mitilene, a remeter o processo paroquialsobre as aparições.

Publ.: DCF, I - Doc. 43

���mo e Rev.mo SenhorArcebispo de Mitilene

Em cumprimento do que me foi ordenado por Vª Ex.cia em ofício de3 de novembro de 1917, tenho a honra de enviar a Vª Ex.cia Rev.ma oinquérito das crianças que dizem ter visto Nossa Senhora e de algumastestemunhas, rogando a graça de me relevar a grande demora, nocumprimento deste meu dever, motivada pela espetativa de observaralguma coisa mais do que foi passado no tempo marcado para asAparições.

A Vª Ex.cia, Rev.mo Senhor, venho comunicar que a devoção e crençados fiéis tem continuado, tendo havido visitantes ao local todos osdomingos, senão todos os dias, mas principalmente nos dias treze,havendo peregrinações, procissões e muitos fiéis a cumprir votos. Nopassado dia treze foi calculado o número de fiéis visitantes em 1.500, dediferentes freguesias. Tenho-me abstido completamente de induzir osfiéis a tais visitas. Eu apenas fui ao local três vezes, a treze de setembroe outubro de 1918 e a treze do corrente mês.

Faço votos a Jesus e à Virgem Santíssima para que o Espírito Santoilumine a Igreja a fim de que Ela possa bem depressa vir confirmar a fée afervorar a devoção de tantos milhares de fiéis, rogando a Vª Ex.cia sedigne dizer se será conveniente ou não que eu ou outro eclesiásticocumpra os votos dos fiéis pregando no local das Aparições. A esta alturado ofício, aparece-me a pessoa encarregada de colher as esmolasofertadas, dizendo que tem 357.000 reis de ofertas, quarenta litros deazeite, e que hoje mesmo, foi dado princípio a um pequeno oratório nolocal. O povo deseja muito ali uma Capela.

Aguardando os necessários e acertados conselhos de Vª Ex.cia Rev.ma

faço votos para queDeus guarde a Vª Ex.cia Rev.ma

Paroquial de Fátima 28 de abril de 1919O Pároco Manuel Marques Ferreira

Doc. 45 1919-04-28

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200 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 461919-08-20, Torres Novas

Carta de Gilberto Fernandes dos Santos para o Dr. Manuel Nunes Formigão,sobre a Imagem de Nossa Senhora para a Capela das Aparições.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 404

�orres Novas, 20 de agosto de 1919

Exmº Rvmº Snr. Dr. Formigão

Que o bom Deus guarde V. Exª de perfeita saúde, eis o que maisestimo.

Sou a participar a V. Exª que conforme noticiei há dias, fui a Lisboapara comprar a Imagem de Nossa Senhora para colocar na pequenaCapela existente no lugar da Fátima. Sou pois, a dizer a V. Exª que nadaencontrei que servisse. Tive portanto de mandar fazer aos Snrs. Fânzeresem Braga. Fiz a encomenda conforme as condições que V. Exª diz emsua carta. Se acaso há mais alguma coisa que por acaso V. Exª seesquecesse de dizer, agradeço dizer-me para eu transmitir aos Snrs.Fânzeres. Mandei fazer com 1 metro de altura, V. Exª é de acordo quefique assim bem?

Sem mais, V. Exª desculpará este maçador, que está às ordens de V.Exª e Mto. At. Vr. e Mto. Obg.

Gilberto F. Santos

1 Nasceu a 31 de dezembro de 1892. Em 1920, ofereceu a primeira imagem deNossa Senhora de Fátima para a Capelinha das Aparições. Faleceu a 18 de julhode 1964.

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1919-09-15, Guarda

Carta de Fernando Pais de Figueiredo para o Dr. Manuel Nunes Formigão,sobre a publicação dos artigos sobre Fátima no jornal “A Guarda”. Sugere que sepublique em livro o relato dos acontecimentos e a parte documental.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 410

¢£¤¥¦§¨Veritas Gabinete do Director (Particular)

Meu Ex.mo Amigo

Recebi em devido tempo e fora daqui a sua carta, limitando-me amandar publicar os artigos que acho interessantes e reservando a respostapara o meu regresso, o que agora venho fazer.

Acho muito oportuna a publicação das suas cartas sobre osacontecimentos de Fátima, e tinha estranhado bastante a interrupçãoabrupta delas, mas está justificada essa falta.

Concordo com a ideia de publicar em volume o relato de todos osacontecimentos e a parte documental. O perigo de alguém aproveitar osdocumentos que fossem publicados para gananciar, não o vejo, porquenão sendo os livros de piedade, as casas editoras católicas não publicamum livro que dê lucros apreciáveis; mas acho preferível publicá-los emlivro pelas outras razões que indica e outras mais.

A Empresa Véritas não tem dúvida em publicar esse livro, preferindosempre ficar com a propriedade e pagar o que se combinar ao autor; oupublicá-lo por conta do autor, pagando este as despesas com apublicação. Preferindo a primeira hipótese, dirá quanto quer receber, eo número de páginas que calcula poderá ter o livro.

A publicação devia-se começar já para se fazer com todo o vagar,mesmo não convém deixar perder muito a atualidade.

A Empresa encarrega-se de fazer todos os clichés que sejam precisos.Aguardo as suas ordens e sou com estima

amº mtº dedºGuarda, 15-9-919

P. Fernando Pais de Figueiredo

1 Fundador do jornal “A Guarda”. Faleceu a 8 de dezembro de 1947.

Doc. 47 1919-09-15

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202 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1920-01-14, Vila Nova de Ourém

Carta do Dr. Luís António Vieira de Magalhães e Vasconcelos (Alvaiázere)para o Dr. Manuel Nunes Formigão, sobre a ida da Jacinta para um hospital deLisboa.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 422

ila Nova de Ourém14 - janeiro -1920

Ilmo e Rev.mo Senhor

Os pais da pequena Jacinta, com quem acabo de falar, resolveramdeixar ir a pequena para Lisboa a fim de se tratar, tomando eu aresponsabilidade de que nada lhe faltaria e em Lisboa velariam por elacom todo o cuidado.

Está pois a pobre pequena pronta para seguir.Ela está muito doente e fraquíssima e por isso não sei se conseguiremos

salvá-la.Os pais apenas se responsabilizam pelas despesas da viagem e irão

levá-la a Lisboa. Todas as despesas pois que a pequena fizer em Lisboa,ficarão a cargo da tal benemérita Senhora de que V. Exª. me falou.

Fico esperando pois instruções de V. Exª. para fazer seguir a pequena,sendo indispensável prevenir a Senhora a quem a pequena deve serentregue em Lisboa, e dizer-me o nome e a morada dessa Senhora paraeu informar os pais a fim de estes saberem onde e a quem a vão entregar.

Tudo precisa de ser bem ponderado e combinado para não ficarmosmal colocados e para que a pequena nada sofra.

Há muita urgência devido ao estado da pequena que não permitedemoras.

Com a maior consideração

Sou de VExª Respeitador e Mtº Atº Vdor

Luís (Alvaiázere)

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1920-01-15, Lisboa

Carta do Dr. Eurico Lisboa para o Dr. Manuel Nunes Formigão, a colocaralgumas questões sobre a Jacinta e sobre um recado deixado por ela.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 423

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Meu Exmo Amº

Permita-me V. Excia que como Amigo o trate pois como tal semanifestou nas atenções e amabilidades que me dispensou nos 3 diasque tive o prazer de estar com V. Excia.

Creio que serão longamente perduráveis as impressões tão agradáveisque desses dias me ficaram, e que não serão facilmente esquecidas,antes avivadas sempre que falarmos do motivo da nossa viagem e daforma como ela se realizou.

Tudo nos leva a crer na realidade das aparições, estando bem vivasem nós a serenidade, a sinceridade e firmeza das afirmações da pequenaLúcia, em cujo corpinho se não pode ocultar a alma de uma artista, falsae hipócrita. As suas afirmações impressionaram-nos deveras e deixou--nos crença absoluta.

Hoje criou-se no meu espírito uma dúvida que V. Excia farádesaparecer:

A Aparição revelou um segredo que a Lúcia só poderia transmitir aorapaz que faleceu. Desse segredo não tem também conhecimento aJacinta?

Esta não ouvia o que a Aparição dizia?Estou ansioso por que se faça um inquérito que satisfaça por completo

o nosso espírito de crentes.Satisfazendo o seu pedido, participo a V. Excia que foi muito feliz e

rápido o percurso de Santarém a Lisboa, onde chegámos cerca da 1 e½ da tarde.

1 Eurico Fernandes Lisboa. Médico oftalmologista em Lisboa. Nasceu a 4 demarço de 1879 e faleceu a 25 de novembro de 1955.

Doc. 49 1920-01-15

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204 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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clientes e estava fatigadíssimo e com dores de cabeça.Respeitosos cumprimentos de minha mulher. Um abraço do

De V. Excia

Atº dedº amº obg.

Eurico Lisboa

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Doc. 501920-02-19, Lisboa

Carta de Maria da Purificação Godinho1 para o Dr. Manuel Nunes Formigão, adar conta da estado grave em que se encontra a vidente Jacinta.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 438

ÕÖ×ØÙÚÖ ÛÜÝÙ Ö ÞÙßàáÛÛâãÖ ÞÙäåÙãÜßàÖ

J. M. J

Senhor Padre

Vou dar-lhe uma notícia pouco agradável: a Jacintazinha vai morrer.Ficou é verdade bem da operação, mas agora piorou e os médicos

estão admirados como ela tem durado tanto.Escrevi agora também à mãe para ela vir para a ver porque não

quero que ela morra sem lhe dizer adeus. A menina quer vir morrer aquia nossa casa; está-me sempre a pedir, mas eu não quero fazer nada semdizer a V. Revª e à mãe porque o Sr. Dr. disse-me que era uma granderesponsabilidade ela vir para aqui e grandes despesas; só no trem doHospital para aqui são dez mil réis para mais e não para menos, e umaboa enfermeira que agora não querem ganhar pouco e tudo o mais queé preciso para o estado em que ela está. Nossa Senhora há de nosajudar, e a Deus nada é impossível, ela ainda podia escapar. Eu tenhouma coisa para contar a V. Revª mas não posso contar senãopessoalmente. O que é diz respeito ao Snr. Padre e a mim.

Digne-se V. Revª abençoar sua serva

Maria da Purificação

19 de fevereiro de 1920

1 Nasceu a 24 de julho de 1877. Pertencia à Ordem das Clarissas do Desagravo.Em 1913 fundou, em Lisboa, o Orfanato da Senhora dos Milagres. Faleceu a 24de junho de 1960.

Doc. 50 1920-02-19

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206 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 511920-02-p.201

Recado deixado pela vidente Jacinta Marto por Maria da Purificação Godinhoe transcrito pelo Dr. Manuel Nunes Formigão.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 440

æçèèç éêëìçí êèîï ðíçñòëóôõêëîê öëóö÷ëôóç øçõ çè ðêøôóçè ê

crimes, que se cometem em Portugal. Por isso um terrível cataclismo deordem social ameaça o nosso país e principalmente a cidade de Lisboa.

Desencadear-se-á, segundo parece, uma guerra civil, de caráteranarquista ou comunista, acompanhada de saques, morticínios, incêndiose devastações de toda a espécie. A capital converter-se-á numaverdadeira imagem do inferno. Na ocasião em que a divina justiçaofendida infligir tão pavoroso castigo, todos aqueles que o puderemfazer, fujam dessa cidade. Este castigo agora predito convém que sejaanunciado pouco a pouco e com a devida discrição.

1 O recado da Jacinta para o Dr. Formigão terá sido transmitido pela Irmã Maria daPurificação Godinho, algum tempo depois da morte da vidente. Em carta de 19de Fevereiro de 1920, véspera do falecimento, ao Dr. Formigão, em que a IrmãMaria da Purificação escrevia “a Jacintazinha vai morrer”, acrescentava: “Eutenho uma coisa para contar a V. Revª mas não posso contar senão pessoalmente.O que é, diz respeito ao Snr. Padre e a mim”. Noutra carta para Lúcia, a mesmasenhora escrevia-lhe: “Tenciono ir se Deus quiser aí para maio” e “Quando o sr.Dr. Formigão aí for dá-lhe muitos cumprimentos meus”. À folha das “Despesasde D. Maria da Purificação na ida a Fátima” foi atribuída, pelo Dr. J. M. Alonso,a data de “1920-Mai-13”). Cerca dessa data, terá sido o encontro com o Dr.Formigão. Por isso, este terá redigido o documento agora publicado, só depoisdaquela data. O Dr. J. M. Alonso, em nota de leitura deste documento, diz quea ortografia antiga “hace subir este escrito al año 1920”. O Dr. A. M. Martins,atribui também este documento a 1920. A terminologia utilizada parece, porém,apontar para uma data mais tardia.

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207

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1920-02-22, Lisboa

Carta de Eurico Lisboa para o Dr. Manuel Nunes Formigão, sobre a morte daJacinta e dos preparativos para o seu funeral.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 442

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Meu Ex.mo Amº

Como V. Exª sabe tivemos o grande desgosto de ter falecido apequenita Jacinta.

Almas piedosas vestiram-na ontem de branco. Foi encerrada emcaixão de chumbo e, depois de várias hesitações foi há pouco depositadana Igreja dos Anjos tendo facilitado tudo o Rev.do Prior, meu velho amigoDr. Manuel Pereira dos Reis1.

Resolvemos proceder assim porque é nossa intenção enviá-la numfurgon para Chão de Maçãs de onde a transportarão para Fátima ouVila Nova de Ourém, como a família quiser. Parece que ela mostroudesejo de não descer à terra.

Como hoje se torna quase impossível tratar do transporte nosCaminhos de Ferro, amanhã de manhã irei informar-me da forma de ofazer e das despesas que isso acarreta, tendo eu vaga informação deque poderá custar cerca de 50$000.

O funeral, sem o caminho de ferro custa uns 165$000, porque só ocaixão de chumbo custa 70$000. Estamos abrindo subscrições paraisto tudo, o que foi iniciado pelo Snr. Cónego Baltasar2 que, por ele eFamília, dá 50$000. Podemos contar já com uns 100$000.

Muito bom seria que o meu bom Amigo aí abrisse subscrição com omesmo fim, porque me parece consolador para a família que o corpinhoseja conduzido para Fátima.

1 Nasceu a 24 de janeiro de 1879. Foi pároco da Igreja dos Anjos, em Lisboa. Em1920 confessou a Jacinta no Hospital de D. Estefânia, em Lisboa. Faleceu a 13de maio de 1960.

2 Cónego Tomás de Almeida Baltasar, Major Capelão, de Lisboa.

Doc. 52 1920-02-22

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208 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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que o transporte para Chão de Maçãs só se faça na 3ª feira, 24, à tardeou noite. Só saberemos isso ao certo amanhã pelo ½ dia.

Logo que isso se saiba ao certo enviarei telegrama a V. Excia dizendoem que comboio vai porque talvez possa entrar aí nesse comboio eacompanhá-la a Chão de Maçãs, que é a estação mais próxima deFátima.

Se V. Excia entender conveniente que a pequenita fique aqui enviar--me-á um telegrama logo que esta receba, para suspender tudo edepositá-la num jazigo do Cemitério dos Prazeres.

Com mtª elevada consideração sou

De V. Excia

Atº Vor Amº obrigado

Eurico Lisboa

Saudades do Amaro

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1920-04-09

Notas do Dr. Manuel Nunes Formigão sobre os videntes Francisco e JacintaMarto.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 469

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Francisco Marto adoeceu no dia 22 ou 23 de dezembro de 1918;adoeceram todos na casa exceto o pai; as vizinhas ajudaram a tratar osenfermos bem como o pai. O Francisco esteve de cama com a força dadoença uns quinze dias, levantando-se nos princípios de janeiro, muitofraco, cada vez mais. Dizia à mãe: ó mãe só posso rezar metade doterço, quando rezava o terço como de costume. Dizia: “Ó minha mãenão me atrevo a rezar o terço todo”. Respondia-lhe a mãe que se não opudesse rezar de rijo, rezasse só com o pensamento. Dizia muitas vezesque a oração que Nossa Senhora lhe tinha dito nunca lhe esquecia. “Óminha mãe, a oração que Nossa Senhora lhe ensinou nunca lhe esqueça,que eu nunca me esqueço”. “Mas, filho, às vezes esquece-me”. Dizia opequeno “Quando fôr pelo caminho reze-a: “Ó meu Jesus perdoai-nos,livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céuprincipalmente aquelas que mais dele precisarem”. Ele rezava-a semprequando o terço. Às vezes dizia: “Ó minha mãe, eu não sei oferecer oterço como muita gente sabe”. “Meu filho oferece-o a Nossa Senhora.Mas como tu entenderes”. Às vezes a mãe dizia-lhe e à pequena: “Vocêsmentem! Nossa Senhora não lhes apareceu”. “Você é que mente”. “Maseu nunca vi Nossa Senhora”. “Você não vê porque não quer, porque émuito ruim, muito mentirosa”.

O pequeno começou a sair, chegou a ir várias vezes à Cova da Iria.Nunca mais teve saúde. Diziam-lhe às vezes que ele melhorava. Eledizia que não. Dizia que a madrinha Teresa de Jesus disse-lhe um dia:“se melhorares hei de te pesar a trigo para oferecer a Nossa Senhora daOrtiga”. Ele respondeu: “Já não é a tempo”. Disse-lhe isso mais de umavez. (Quando pastava o gado a mãe mandava-o pelos montes damadrinha, e o pequeno dizia que a mãe não devia ensiná-lo a roubar, ese quisesse que ele fosse, avisasse a madrinha). No dia 3 de abril lá foiviaticado pelo pároco. “Então eu não hei de receber a Nosso Senhor?”

Doc. 53 1920-04-09

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210 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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pela manhã em jejum, administrado o Sagrado Viático. Ele pediu navéspera à mãe que o deixasse estar em jejum. “Está bem”, disse a mãe,“depois da meia-noite não tomarás mais nada”. Quis sentar-se na cama.A família não deixou. Ficou muito contente. Perguntou à mãe. “Nãotornarei a receber a Nosso Senhor, minha mãe?”. “Não sei, filho”. Pediudurante o resto do dia água e leite. À noite à mãe pareceu-lhe que estavapior e perguntou-lhe como se sentia. Ele disse que não estava pior e quenão lhe doía nada. Morreu no dia seguinte, 4, sexta­feira, pelas dezhoras. Faria 11 anos, se fosse vivo, no dia 11 de junho. Nascera às dezhoras da noite pouco mais ou menos1.

Meia hora antes de ele dar contas a Deus, a mãe disse-lhe. “ÓFrancisco estás pior?”. “Não, o que desejava era ver a madrinha”. Opai foi chamá--la. Ela chegou e ele, logo que ela assomou à porta, disse:“Ó madrinha dê-me a sua bênção e perdoa-me?” A madrinha abraçou-se a ele, não querendo crer que ele morresse ainda, dizia: “Ó Francisco,tu não morres ainda”. Dez minutos depois morreu. Quando morreu, deuum ar de riso e morreu. A Jacinta disse, “porque estão vocês a chorar,pois ele estava a rir”. “Então porque não choras?” Nunca chorou, nãoteve pena dele ou, se a tinha, não a mostrava. Nem pelo enterro chorou.E dizia “vocês é que hão de morrer. Ele não morreu. Morreu, mas foipara o Céu”. Mas reza por ele, quando a família lhe rezava por alma.

Jacinta Marto

Adoeceu no dia 22 de dezembro de 1918. Ainda no dia 20 tinha idocom a mãe à procissão de penitência de Boleiros, promovida por ManuelPaulo2, indo o Santíssimo Sacramento de Fátima para Boleiros.

Esteve uns oito dias de cama; levantou-se, apareceu-lhe um tumorno lado esquerdo, tornou à cama no mês de janeiro ou fevereiro.Rebentou o tumor. Dois ou três meses depois, foi para o hospital de VilaNova de Ourém, em junho e julho. Depois de o tumor rebentar foi a

1 Segundo o assento de batismo, o Francisco nasceu no dia 11 de junho de 1908,às três horas da madrugada.

2 Trata-se de Manuel António de Paula. Foi criado do General Sebastião Custódiode Sousa Teles, em Lisboa. Assistiu ao fenómeno solar de 13 de outubro de1917 e acompanhou, de Lisboa, o funeral da Jacinta. Faleceu a 15 de abril de1939.

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mJK LMm KNO OM LMNMP OMmQRSLM TU. Preto duas vezes, com diferençade 15 dias ou mais. Da segunda vez é que ele disse que fosse para ohospital. No fim de dois meses disse ele à mãe que a retirasse, que maisnão lhe podia fazer; só uma operação em Lisboa, mas que mesmo assimnaturalmente não melhorava. Foi durante a doença muitas vezes a cavalonum burrinho à Cova da Iria, a pedido dela, que insistia. No dia 13 dejaneiro foi lá pela última vez. Quando chegou à estrada, disse à mãe:“cale-se agora, não diga nada, que eu quero rezar dois terços, na Covada Iria e oferecê-los a Nossa Senhora porque não queria que lhe fizessemperguntas, que não lhe dissesse nada”. Pouco dormia durante a doença.Mas não dava incómodo durante a noite.

Rezava o terço. Às vezes dizia: “Ó minha mãe já não posso rezarsenão sentada. Então dizia a mãe: “se não puderes rezar não rezes”.Durante a doença, enquanto podia andar de pé, chamava as criançasdos vizinhos e ensinava-lhes a doutrina. Enquanto foi viva havia semprecrianças à porta. Ela tinha dois laços de fita de seda que lhe tinhamdado. Pediu à mãe, para os ir oferecer a Nossa Senhora à Cova da Iria.Pendurou-os e depois disse: nunca mais cá torno.

Uma vez que ela se confessou em Lisboa, antes de ir para o hospital,não percebeu bem o padre, e a mãe perguntou-lhe se tinha percebido apenitência e disse que sim e se se tinha confessado bem, e disse que sim,e acrescentou que não tinha pecados grandes, mas só ralhar aos cachoposquando faziam barulho ou rixavam, e faltas de paciência com o tratamentodo buraco. Tinha sempre muitas dores. Queixava-se quando lhe mexiamda cintura para cima. Mudava de roupa duas ou três vezes por dia porcausa do pus, e isso custava-lhe muito. Ia de vez em quando a pé (e sóuma vez a cavalo) à igreja paroquial para se confessar e comungar. EmLisboa confessou-se uma ou duas vezes e comungou três vezes, sendoduas na Igreja da Estrela. Fez a primeira comunhão há dois anos, umano depois da última aparição.

Doc. 53 1920-04-09

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212 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 541920-04-26, Braga

Carta de Teixeira Fânzeres1 para Gilberto Fernandes dos Santos, a informarque remeteu, pelo comboio, a imagem de Nossa Senhora de Fátima para a Capelinhadas Aparições. Pede informações acerca do rosário ou terço da Imagem.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 481

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Ex.mo Amº e Snr. GilbertoTorres Novas

Por este correio remeto guia do caminho de ferro para V. Sª mandarlevantar da estação de Torres Novas uma caixa com a imagem grandede Nossa Senhora de Fátima. Resolvi remetê-la pelo caminho de ferropor o meu pessoal só ir para Pé de Cão em princípio de Maio. Esperochegue bem e ao seu agrado. Tenho já a fotografia tirada em tamanhomaior; como pelas provas que junto mando, vi que são maiores e estava--se a encaixotar a imagem quando chegou a carta de V. Exª, tendoassim de tirar-se nova chapa, a qual será remetida amanhã para a casado gravador Snr. Marques Abreu, Avenida Rodrigues de Freitas nº 310­ Porto, para quem escrevo dizendo-lhe que envie a chapacompetentemente bem acondicionada a V. Exª dando-lhe seu nome,morada e terra. E com a urgência máxima por ver esse seu todo empenhoe também meu. Quanto à imagem pequena vai um destes dias comoencomenda postal. Como não me deram o rosário a tempo, não foitirada a fotografia com ele, mas essa é uma coisa que escapa. O rosáriodeve ser branco e com a corrente ou cordão amarelo, ou em metalbranco? É rosário, não é verdade, ou é um terço? Aguardo a respostapois para não causar demora encomendei as duas coisas. A gravuradeverá ir na medida indicada nos 12x7½.

Peço o maior cuidado ao desencaixotar a imagem, que vaiaparafusada na base e leva uma travessa também aparafusada. Comoas cores são claras e os bordados vão um pouco frescos, é preciso

1 Proprietário da Casa Fânzeres, em Braga, onde foi encomendada a primeiraimagem de Nossa Senhora de Fátima.

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isto com panos bem limpos. É pena se a sujam. Não esqueceu a caixaque aqui deixou, vai junta. Sempre ao seu dispôr e espero tudo cheguebem. Cumprimentos de meu filho, e meus também ao Snr. Prior.

Seu Atº C.ºVn. Mtº Obg.do

Teixeira Fânzeres

Doc. 54 1920-04-26

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214 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 551920-05-07, Santarém

Telegrama do Governador Civil de Santarém (Dr. José Dantas Baracho) a Arturde Oliveira Santos, administrador do concelho de Vila Nova de Ourém, a darinstruções para que se proíba a comemoração do dia 13 de Maio.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 498

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Administrador do Concelho de Vila Nova de Ourém

Sua Exª o Ministro Interior determina que se evite repetiçãomistificação caso Fátima que se prepara para este mês devendo intimardirigentes e principais responsáveis para não organizar cortejo ou qualquerpréstito religioso sob as penas da Lei que aplicará em caso desobediênciaremetendo Juízo desobedientes com autos notícia devidamentetestemunhados acompanhados intimações prévias ponto Mais determinaEx.mo Ministro que este assunto seja tratado comigo diretamente semintervenção outras pessoas.

Governador Civil

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1920-06-05, Vila Nova de Ourém

Ofício do Administrador de Vila Nova de Ourém, Artur de Oliveira Santos, paraa Federação do Livre Pensamento, a acusar a receção do ofício enviado por essaFederação.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 527

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Largo do Intendente, 45 - 1ºLisboa.

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Acuso a receção do ofício da Federação Portuguesa do LivrePensamento de 15 do mês findo, próximo passado, e agradeço asfelicitações com que se dignaram honrar-me embora imerecidas. A reaçãosofreu no dia 13 de maio, graças às providências do Governo dapresidência do grande patriota e republicano ilustre cidadão AntónioMaria Batista1, um grande golpe que lhe destruiu a projetada paradacom que pretendiam não só explorar mais uma vez com a ingenuidadedo povo inculto, como também preparar um fio de onde fariam os seusataques odientos à República. Não desarmaram ainda os promotoresda manifestação da Fátima (todos eles autênticos inimigos da República)pois que pretendem fazer com todo o aparato a trasladação de um cadáverde uma infeliz criança, falecida há tempos em Lisboa, a quem atribuemintermediadora da Virgem e ainda se servem da chamada vidente Lúciados Santos, criança de 13 anos, uma pobre doente, para melhorexplorarem o povo ignorante. Mas os seus negregados projetos ficaramde vez sem efeito enquanto no nosso País governos como o atual eAssociações como o Livre Pensamento cumprirem com a missão augustade combaterem a mentira e defenderem a Liberdade.

(a) Santos

1 Presidente do Ministério de 8 de março a 6 de junho de 1920.

Doc. 56 1920-06-05

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216 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 571920-06-23, Torres Novas

Carta de Gilberto Fernandes dos Santos para o Dr. Manuel Nunes Formigão,sobre a sua ida a Fátima no dia 13 de junho.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 539

T. Novas 23/6/920

Exmo Snr Dr. Formigão

Que a Omnipotência Divina e Nossa Mãe do Céu nos abençoe evos aguarde com uma bela saúde, eis o que sinceramente mais lhe desejaeste humilde criado de V. Exª. Eu e meus vamos bons graças ao BomDeus.

Cumpre-me participar-lhe que fui à Fátima em 13 do corrente. Comonão houvesse perseguição alguma, resolvi o seguinte: assistir à Missa esermão de festa de Santo António; em seguida resolvi levar a Imagemde Nossa Senhora de Fátima para o local das aparições para exposiçãono mesmo lugar. Eram 3 e meia horas oficiais quando cheguei com ela àporta da pequena ermida. Caso importante: pedi ao povo que tirassemos chapéus, pois que já estava benta; naquele mesmo momento tiro atampa e a coloco imediatamente sobre uma pequena mesa e esta sobreo pequeno muro em frente da capela. Como ia dizendo, naquele mesmomomento eis que o povo de joelhos em terra gritava, rezavam a voz alta,choravam suplicando perdão de mãos erguidas pois que estavampresenciando o fenómeno solar tal qual o de 13 de outubro de 1917; nomesmo momento, além de também presenciar o mesmo fenómeno vejoem minha frente a Venerada Imagem completamente focada dum douradotransparente, celestial de certo; o rosto da Imagem transforma-se porcompleto (efeito do focado). Eu estava sobre o muro de pé, consertandoo papel que forrava a caixa; ao ver tal milagre por duas vezes curvei emsua frente suplicando perdão, mas novamente tinha que me levantar paraarranjar os papéis e uma cobertura azul sobre a caixa, ficando assimnuma exposição linda pois que era tudo azul celeste e a Imagem branca.Em seguida acendo 4 velas e com uma outra as acendi. Esta tem a luznatural e acendendo as 4 velas dão estas luz encarnada, mas umencarnado lindo como fogo de artifício e a vela acendedora sempre

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flores e imediatamente se transforma em cor encarnada, igual às outras4. O povo exclama: olhem para as velas! Olha para as velas, em seguida,joelho em frente e medito o santo rosário e todos me acompanham àrecitação. Durante a reza apagaram-se algumas velas pelo vento,acendidas segunda vez, dão luz cor de rosa. Findo a reza do SantoRosário; o fenómeno solar acaba, a Imagem perdeu o focado e as mesmasvelas dão a luz natural. Bendito seja Deus.

Queira acreditar-me como verdadeiro, não admitindo o mais pequenoexagero de minha parte, pois que tudo isto foi visto por mim. Haviaquem dissesse que durante o caminhar da Imagem da estrada à Covada Iria, a Imagem foi acompanhada por 2 estrelinhas brancas, mas isso,se foi verdade não sei. Eu nada vi, pois que a levava às minhas costas.

Sem mais por agora

Disponha deste criado de V. Exª Mto Obgdo

GFSantos

Doc. 57 1920-06-23

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218 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 581920-07-18, Parede

Carta do Dr. Eurico Lisboa para o Dr. Manuel Nunes Formigão, sobre umfolheto e sobre a estadia de Lúcia em Lisboa.

Publ.: DCF, III-2 - Doc. 550

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Meu Ex.mº e presado Amº

Temos o mesmo defeito ou a mesma qualidade: não sabemos escrever,nem aproveitar bem o papel. Parecendo a princípio que nada temos quedizer, os pensamentos sucedem-se e ainda fica assunto.

Estimei muito a sua cartinha e cá fico esperando o primeiro exemplardo seu opúsculo sobre Fátima. Poderá mesmo mandar-me 10exemplares que eu tratarei de os vender.

Escrevo-lhe ainda debaixo da agradabilíssima impressão de terconvivido durante 24 horas com a pequena Lúcia, do que certamente játem notícia.

Sua Ex.ma Mana teve a gentileza de levar ao meu consultório a Lúcia,o que foi uma surpresa, apesar de o meu bom amigo me ter anunciadoque ela viria a Lisboa. Pedi então e foi concedido que ela viesse à Parede,tanto mais que só assim minha mulher lhe poderia falar, visto que só comdificuldade se pode deslocar, pois está já no 8º mês da gravidez.

Na 5ª feira fui buscá-la a Lisboa às 8 horas, sendo-me entregue naestação pelo meu chaufeur, um belo rapaz, de toda a minha confiança.Trouxe-a no comboio e aqui esteve connosco, indo de manhã e à tardebrincar com meus filhos, e na nossa presença, na praia, onde andaramdescalços, molhando os pés.

Às 2½ horas fomos com ela ao Sanatório, onde há uma lindíssimacapela, e aí rezou o Terço, na presença das Irmãs dominicanas, dacriadagem e doentes, ficando todos encantados com a forma como aLúcia rezou.

Fomos depois, acompanhados pelo Capelão, Superiora e mais Irmãsvisitar aquele belo estabelecimento indo sempre, ou quase sempre, aLúcia pelo braço da Superiora, uma excelente senhora que terminoupor oferecer à Lúcia uma bonita medalha de S. Domingos.

Na 6ª feira de manhã levei a Lúcia para Lisboa, onde no meuautomóvel a acompanhei a casa, falando aí com sua Ex.ma Irmã a quem

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tanto mais que sua Ex.ma Irmã mais uma vez me disse que essa concessãotinha sido absolutamente excecional. Pena me fica que esta visita se nãopossa repetir; contudo a todos frisei que sempre que a Lúcia aqui pudervir, terá sempre um quarto para se instalar por quantos dias quiser, oque a ela beneficiará corporalmente, recebendo nós salutares benefíciosespirituais.

Fica-me a esperança de que, quando o meu bom amigo aqui vierpassar um dia, como me prometeu, se fará acompanhar da Lúcia.Quando vem? Espero-o dentro de 15 dias, pois no princípio de agostosomos forçados a ir para Lisboa para recebermos o novo filho.

Guardei o possível segredo da presença da Lúcia em Lisboa, tendoa certeza de que não serão incomodados por inconfidência minha.

Quando aparece por aqui? Desejava que viesse à Parede numdomingo ou 5ª feira pois são os dias em que não vou a Lisboa.

Cumprimentos de minha mulher e beijos dos meus filhos. Com amaior consideração e estima

mtº dedº amº e ador obgdº

Eurico Lisboa

19-VII Acabo de saber pelo M.el Paula de Boleiros que lheescreveram da terra dizendo não só que a Lúcia estava aqui mas indicandomesmo a casa onde está hospedada.

É um segredo já muito divulgado.Saudades da sua afilhada que se sente muito melhor.

E. L.

A sua afilhada Aida está quase boa, podendo retirar para Santarémdentro de 8 dias.

Doc. 58 1920-07-18

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220 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 591920-08-24, Torres Novas

Carta de Gilberto Fernandes dos Santos para D. José Alves Correia da Silva,Bispo de Leiria, sobre assuntos relacionados com Fátima.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 570

ÅÆÇmo Rv.mo Snr D. José Alves Correia da SilvaMeritíssimo Bispo de Leiria

Cumprimentando V Ex.ª Rv.ma a quem beijo o sagrado anel, ousopedir ao bondoso coração de V. Ex.ª Rv.ma a Sua altíssima atenção parao assunto que me parece digno de algumas atenções da Vossa parte,como mui Glorioso Ministro da Santa Igreja e representante das Suaseternas Verdades na terra.

Permita-me V. E. Rv.ma que comece a minha exposição pelo seguinte:Pelos casos extraordinários que presenciei em Fátima em 13 de

setembro e 13 de outubro de 1917 e 13 de junho de 1920, nãoexagerando em nada que me foi dado presenciar sem qualquer efeito desugestão, nem mesmo por quaisquer exageros, não me resta dúvidaalguma que as 6 aparições da Santíssima Virgem foram um facto. E portal motivo, o motivo poderoso da verdade, me é dado afirmar e propagara fervorosa devoção da minha parte para com Nossa Senhora de Fátima.E, desejando eu ajudar a avivar a fé e a crença nos corações dos fiéissobre as referidas aparições, mandei fazer uma Imagem que ofereci paracolocar dentro duma pequena capela que fizeram nesse local.

A Imagem tem de altura 1 metro e foi feita segundo a descrição dafeliz vidente Lúcia. E, para mais propagar a fé no povo, mandei tambémimprimir alguns milhares de estampas que distribuí grátis ao povo em 13de maio, 13 de junho e 13 de julho do corrente ano. Novamente mandeifazer mais estampas com outra chapa que me parece ficarem melhores,juntando também uma pequena oração por Portugal, a qual oraçãomostrei a alguns sacerdotes daqui e me disseram que podia mandarimprimi-la por debaixo da fotogravura, mas esqueceram-se de me dizerque, segundo o direito canónico deve ser pedida a Autorização do“Imprimatur”, antes de impresso e não depois; desconhecendo eu estapraxe da lei eclesiástica, sou pois, muito humildemente, pedir a V. Ex.ªRv.ma me perdoe por tão grande falta, e podendo ser, espero que V. Ex.ªRv.ma autorizar-me-á o “Imprimatur” para as que mandar imprimir de

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ÈÉÊÉËÌÍAs referidas estampas com a oração já as comecei a distribuirem Fátima em troco de uma esmola à vontade dos fiéis as quais esmolasficam em posse de uma mulherzinha que, desde os princípios tem recebidotodas as ofertas ali levadas. Creio bem que a criatura tem tudo guardado,aguardando as Ordens de V. Ex Rvma.

Há também uma Senhora que deseja que eu mande imprimir unsfolhetos com a Meditação do Santo Rosário em verso para seremvendidos também em Fátima, revertendo o produto para a mesma causa.Lembro-me que se V. Ex.ª Rv.ma conceder também o “Imprimatur” ficarãodepois com todo o valor desejado. Por este mesmo correio envio asestampas e o referido manuscrito para o folheto para a altíssimaapreciação de V. Ex.ª Rv.ma pelo qual peço e muito humildemente aceitotoda a correção.

E se V. Exª Rv.ma se dignar fazer alguma oração própria para NossaSenhora do Rosário de Fátima, com o maior gosto da alma mandareiimprimir nas estampas futuras. Creia V. Ex.ª Rv.ma que tudo quantoseja para avivar o Santo caso de Fátima, e que esteja ao meu alcance,apesar de fracas forças, estou sempre pronto e para mim é sempremotivo de glória, pois que toda a minha intenção é só ajudar a avivar oreferido Santo Caso de Fátima.

Graças ao Bom Deus e Nossa Mãe Santíssima já se vai colhendoabundante fruto sobre a referida minha intenção da propagação da fé;pois que, desde que os fiéis encontram no local a linda Imagem, temacorrido sempre muitíssimos fiéis e se tem avivado muito mais a devoçãoao local. Como a pequena capela que fizeram está muito em desertotenho receio que os ímpios sejam capazes de fazer o que muitas vezesnos parece impossível, e assim resolvi trazê-la para casa do mui dignoPrior de Fátima, levando-a todos os dias 13 para o local das apariçõescolocando-a em exposição e veneração aos fiéis durante o dia e, à noite,regressando com Ela para casa do referido Prior (o trajeto não é feitoprocessionalmente). Não a coloquei na Igreja de Fátima porque esta seencontra em reedificação, encontrando-se atualmente grande partedestelhada, e assim nada obstaria que os ímpios fizessem das suas. Comoparece realmente um pouco reparado andar com a Imagem em“bolandas” todos os meses, sou por esta a pedir muito humildemente aV. Exª Rv.ma se digne informar-me o que devo fazer em 13 de setembropróximo. Era desejo meu colocá-la definitivamente talvez em setembroou outubro na sua Capelinha. Parece-me que Nossa Senhora nãoconsentirá mais que ali a profanem. Enfim, muito humildemente acatareias Venerandas Ordens de V. Exª Rvma.

Doc. 59 1920-08-24

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222 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÎÏÐ ÑÒÓ ÑÒV. Exª Rvma já está informado do caso fenomenal que alifoi dado em 13 de junho passado. Há também algumas curas obtidasdali por pedidos de fé. O Snr Rv.do D.r Formigão atualmente professorno Seminário em Santarém tem apontado quase todos os casos deFátima, é este Rv.do Dr. que de tudo melhor poderá informar V. ExªRvma.

Confiado na benevolência e caridade de V. Exª Rvma espero queperdoar-me-á esta tão minha longa maçada e estas rudes expressões,pois que sou um simples leigo que do fundo da alma deseja a continuaçãoda proteção divina na propagação da devoção da Santíssima Virgem aQuem peço humildemente a sua Alta Proteção para V. Exª Rma e suaDiocese.

Sem mais,Do servo inútil que aguarda as Venerandas Ordens de V. Ex.ª Rv.ma

Torres Novas 24-8-920

Gilberto Fernandes dos Santos

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Doc. 601920-09-12, Santarém

Carta do Dr. Manuel Nunes Formigão para D. José Alves Correia da Silva,Bispo de Leiria, a prometer informá-lo, em breve, sobre os acontecimentos deFátima.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 574

ÔÕÖ×ÕØÙÚ

12-IX-920

Ex.mo e Rev.mo Senhor

Soube pelo rev.do Pároco de Fátima que V. Ex.cia Rev.ma manifestarao desejo de que eu fosse falar-lhe a Leiria por motivo dosacontecimentos extraordinários que naquela freguesia se têm verificadonestes últimos três anos. Há mais tempo que eu desejava ter podidosatisfazer esse desejo, que para mim era uma ordem, mas só agora seoferece para isso a ocasião oportuna. Talvez na próxima quarta-feira meseja dado procurar V. Excia Revma a fim de me pôr à sua disposição. Apedido de S. Ex.cia Rev.ma o Senhor Arcebispo de Mitilene, que governavaentão interinamente o Patriarcado, tomei nos fins de 1917, embora semcaráter estritamente oficial, o encargo de ir apontando, tanto quantopossível, tudo o que se passasse digno de registo em Fátima. Porém aregência das minhas aulas no Seminário e no Liceu desta cidade asmúltiplas ocupações do meu ministério e sobretudo a distância e adificuldade de transportes quase que não me permitiram queacompanhasse de perto, como tanto desejava, os sucessos que se iamdando, e procedesse ao estudo profundo e consciencioso dessessucessos. Entretanto o pouco que consegui apurar é mais que bastantepara me convencer de que se trata de fenómenos dignos do exameatento e refletido das pessoas estudiosas e por ventura da atenção daautoridade eclesiástica. O certo é que até hoje ninguém conseguiu explicarsatisfatoriamente a origem e natureza dos acontecimentos de Fátima,como por exemplo as inúmeras singularidades astronómicas e atmosféricasque durante seis meses se verificaram no local das aparições, o grandiosofenómeno solar de 13 de outubro de 1917, presenciado por cerca de60.000 pessoas e pré-anunciado pelos videntes, as numerosasconversões, curas maravilhosas e outras graças espirituais e temporais

Doc. 60 1920-09-12

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224 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÛÜÝÞßàáâÛã ä ÞåæçèÛéêç âÛAparição e a concorrência assombrosa deperegrinos incomparavelmente superior à de Lourdes na época dasaparições, apesar da dificuldade do acesso. Pensei em redigir e enviar aV. Ex.cia, antes de ir aí pessoalmente, um relato circunstanciado de tudoquanto tenho podido observar e apontar mas o estado de fadiga mentalem que me achava, depois de concluídos os exames, obstaram a que ofizesse. Todavia levarei comigo os elementos de informação, aliásdeficientes, que tenho em meu poder, e à vista deles e das informaçõescolhidas doutras fontes, V. Excia Revma se dignará determinar o que mecumpre fazer para glória de Deus, incremento do culto de Nossa Senhorae salvação das almas.

Aproveitando o ensejo para felicitar V. Excia Rev.ma pela sua felizentrada na diocese, tenho a honra de me subscrever com a maiorconsideração e respeito de V. Excia Rev.ma

Mto Atº Vendor e obgr

P. Manuel Nunes Formigão

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Doc. 611920-10-06, Santarém

Carta do Dr. Manuel Nunes Formigão para Pe. Faustino José Jacinto Ferreira,pároco do Olival, sobre os terrenos da Cova da Iria.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 584

ëìíîïðmo Amigo

Santarém, 6-10-920

Um pouco por descuido e um pouco pelo desejo de previamente meinformar bem, não respondi mais cedo à estimada carta de V. Rev.ma.

Depois da nossa reunião em Ourém, fui à Fátima e, depois de pôr opároco ao facto dos nossos planos, dirigi-me a casa da família Gonçalves,de Montelo, que ficou de se entender com os proprietários dos terrenose de comunicar o resultado ao Dr. Alberto1. Entretanto o Sr. Vigário deTorres Novas, que é natural da Fátima e parente próximo dos Gonçalves,teve de ir àquela povoação, onde reuniu os referidos proprietários, quese mostraram dispostos, atento o fim de que se tratava, a cedergratuitamente ou por módicos preços a propriedade dos terrenos, comexceção dum irmão da Lúcia, que exige pela sua parte, aliás pequena,uns oito ou dez contos. O Dr. Alberto é de opinião que se constitua umasociedade de três pessoas de confiança, em cujo nome fiquem osterrenos, que urge adquirir quanto antes. Lembrava para fazer partedessa sociedade, além dele, a minha humilde pessoa e o Dr. EuricoLisboa ou o Dr. Vasconcelos. Pelo que me diz respeito, se fosse preciso,não me recusava a tomar esse encargo, mas acho que da comissão nãodeve fazer parte nenhum eclesiástico, para se evitarem as insinuaçõesmalévolas das pessoas mal intencionadas. Quanto à importâncianecessária para a compra dos terrenos, não me parece difícil adquirí--la. Há grandes dedicações e entusiasmos pela Fátima. Se o processoda Fátima estivesse concluso e a sentença fosse favorável, umasubscrição aberta na imprensa católica cobriria em poucos dias asdespesas. Mas como não o está, convém proceder com circunspeção.

1 Alberto Dinis da Fonseca. Notário e jornalista. Nasceu na Guarda a 3 de setembrode 1884 e faleceu a 30 de agosto de 1962.

Doc. 61 1920-10-06

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226 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ñòóóò ôõóôõ ö÷ øùôøúûü òó ùòýõó õ ûó þÿûùPøûó� ôø�ò ûó ýòüûôûó ôõ

algumas pessoas que, estou certo disso, contribuirão com avultadosdonativos para a compra dos terrenos, desde o momento em que o Sr.Bispo autorize alguém a falar-lhes da sua parte. São o Dr. Gonçalo deAlmeida Garrett – Castelo Branco, o Dr. Eurico Lisboa – Av. daLiberdade, Lisboa, D. Maria da Assunção Ribeiro de Avelar1, rua daArriaga, nº41 – Lisboa, D. Adelaide Braamcamp de Melo Breyner(Sobral) – Largo do Milagre, Santarém e D. Júlia Machado Vieira deCastro – Rua da Igreja de Cedofeita, nº 32 - Porto.

Folgo imenso de ver o caso da Fátima tão bem encaminhado e creiaV. Rev.ma que tive uma grande alegria com a leitura da sua carta. Terásoado finalmente a hora da Providência, hora que sempre esperei? NossaSenhora do Rosário no-lo obtenha. Fico aguardando as ordens de V.Rev.ma. Com a maior consideração e estima sou de V. Rev.ma

M. Atº venor e obgº

P. Manuel Nunes Formigão Jor.

1 Vivia em Lisboa. Recebeu Lúcia em sua casa algumas vezes.

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Doc. 621921-06-11, Vila Nova de Ourém

Ofício do Administrador do Concelho de Vila Nova de Ourém, António deSousa Leitão, ao regedor da freguesia de Fátima, Franscisco da Silva Reis, acomunicar as medidas que tomou, no sentido de impedir a peregrinação no dia 13.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 622

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Ad. do Concºde V. N. de OurémNº 588 V. N. de Ourém, 11 de junho de 1921

Ao Senhor Regedor da freguesia de FátimaAmoreira

Constando nesta administração que na freguesia a seu cargo nopróximo dia 13, se projeta uma manifestação religiosa jesuíta, no sítioda Cova da Iria, para o que pedem ao povo a sua comparência naquelelocal, onde pensam em fazer um sermão alusivo ao célebre milagre comconvites a corporações do mesmo credo de fora do concelho, venhorecomendar-lhe que em meu nome, não consinta tais manifestações quesó denotam fanatismo e em nada dignificam a república nas suas leisfundamentais. Hoje mesmo se vão pedir praças da guarda republicanapara assistirem às festas de Santo António, na sede dessa freguesia, ecom recomendação para se apresentarem a Vossa Senhoria para o fimde manterem a ordem e o respeito às Leis do Regime vigente. Emboraconfiando no republicanismo de Vossa Senhoria, não deixo contudo deo tornar responsável por qualquer ato que mostre a sua benevolênciaem casos de um fanatismo religioso e fora dos limites determinados pelasleis. As praças devem chegar à sede da Fátima às 10 horas, devendoVossa Senhoria ali aguardá-las.

Saúde e Fraternidade O administrador do concelho

António de Sousa Leitão

Doc. 62 1920-06-11

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228 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 631921-09-14

Notas de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, sobre a sua presençaem Fátima, no dia 13 de setembro.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 640

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Fui à Cova de Santa Iria a 14 de setembro de 1921 a primeira vez.Rezei o terço na capela. Nesse dia foi feita a escritura da compra pelosr. Prior de Santa Catarina, Pe. Neves.

Autorizei a que se celebrasse lá Missa nos dias 13.

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Doc. 641921-11-18, Leiria

Carta de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, para o Pe. AgostinhoMarques Ferreira1 , pároco de Fátima, em que determina um conjunto de regraspara serem cumpridas na Cova da Iria.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 669

�ARA SE CUMPRIR

Rev.mo Sr.

Chegou ao meu conhecimento que no dia 13 do corrente se lançaramfoguetes na Cova da Iria e até havia vinho para vender nesse mesmolocal!

Se permiti o culto naquele lugar, foi como manifestação de amor ereparação a Nossa Senhora, cujo auxílio precisamos de rogar, fazendopenitência pelas nossas próprias faltas, pelas do nosso querido Portugale todo o mundo.

Aquele lugar é de oração e penitência. Mais nada.Em vista do que, determino o seguinte:1º Não é permitido o uso de foguetes na Cova da Iria. No caso de

algum devoto ter feito a promessa de os lançar, autorizo V. Rev.cia ououtro sacerdote, no exercício das suas ordens a comutá-la, revertendoa esmola a favor do culto a Nossa Senhora.

2º Não é permitida a venda de vinho ou outras bebidas alcoólicasnaquele lugar. O abuso do vinho é infelizmente causa de muitasprofanações e muitas desordens. Não posso permitir que o culto a NossaSenhora seja ocasião de pecados.

Encarrego V. Rev.cia, como Pároco dessa freguesia, de zelar pelocumprimento exato destas determinações, e, no caso de não serobedecido, o que não espero, proíbo a celebração da Santa Missanaquele lugar, sob pena de suspensão ao Presbítero que ousar fazê-lo.

1 Nasceu a 13 de janeiro de 1882. Foi pároco de Fátima, de 2 de novembro de 1921a fins de outubro de 1944. Faleceu a 28 de fevereiro de 1948.

Doc. 64 1921-11-18

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230 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

V. Rev.cia lerá este ofício na igreja paroquial, de forma que dele opovo tome boa notícia para ser cumprida.

Deus guarde a V. Rev.cia

Leiria,18 de novembro de 1921

Rev.mo Sr.Pároco da Fátima

† JOSÉ, Bispo de Leiria

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Doc. 651922-01-05

Primeiro escrito da vidente Lúcia sobre as aparições, feito a pedido do seuconfessor, no Asilo de Vilar, Pe. Manuel Pereira Lopes1.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 685

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Maio 13-1917

Andava guardando as ovelhas na Cova de Iria na companhia do meuprimo Francisco e da Jacinta, brincando, fazendo um muro à volta dumamoita; e vimos um relâmpago; e disse eu para o Francisco, vamos emboraporque está a dar relâmpagos e pode vir trovoada; voltámos as ovelhaspara nos virmos embora; chegando ao meio da fazenda, deu outrorelâmpago e vimos uma Senhora em cima duma carrasqueira; ficámosmuito assustados por vermos aquele resplendor que a envolvia. Entãodisse-nos Ela: “não tenham medo porque eu não vos faço mal”.Perguntei-lhe eu: “De donde é vossemecê?” “Eu sou do céu”. “O que éque vossemecê me quer?”. “Quero que venhas aqui durante 6 meses eno fim te direi o que quero”. Perguntei-lhe pela Maria do José das Neves2

e Ela me disse: está no céu; perguntei-lhe pela Amélia3 e disse- -meque estava no purgatório. Se me disse mais alguma coisa neste mês nãome lembro. E nisto desapareceu subindo tão alta que chegou a ponto denão a vermos mais.

1 Nasceu a 23 de julho de 1880. Foi Vigário Geral da Diocese do Porto, e confessorde Lúcia, no Asilo do Vilar, no Porto. Faleceu a 18 de junho de 1969.

2 Maria das Neves ou Maria do Rosário. Era prima do Francisco e da Jacinta.Nasceu a 26 de fevereiro de 1897 e faleceu a 26 de fevereiro de 1917.

3 Amélia de Jesus, falecida a 28 de março de 1917.

Doc. 65 1922-01-05

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232 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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Estavámos à espera que a Senhora aparecesse junto da carrasqueira,e deu um relâmpago e a Senhora apareceu em cima da carrasqueira.

Perguntei-lhe o que me queria; a resposta: “Quero que continuem avir aqui todos os meses, e que aprendam a ler”. Pedi-lhe para curar umcoxo e algumas pessoas que me tinham pedido, umas doentes, outraspela conversão de alguns pecadores. Resposta: “Daqui a um ano serãocurados”. Com isto desapareceu subindo para o lado do nascente eindo tão alta que as nuvens e o azul do céu não nos deixou ver mais. Seeste mês aconteceu mais alguma coisa não me lembro.

Julho 13-1917

Pela hora do meio dia assim como todos os outros mesesaproximámo-nos da carrasqueira para vermos a Senhora. Deu umrelâmpago e apareceu a Senhora em cima da azinheira. Pergunta: “Oque é que vossemecê me quer hoje?”. Resposta: “Quero que continuema vir aqui o resto dos meses. Querem aprender uma oração?”.“Queremos sim”. É a seguinte: “Ó meu Jesus perdoai-nos, livrai-nos dofogo do inferno e levai as alminhas todas para o céu principalmenteaquelas que mais dele precisarem”.

Em seguida confiou-nos algumas palavrinhas, dizendo-nos : “Nãodigam isto a ninguém só o podem dizer ao Francisco”. “Quero-lhe pedirpor algumas pessoas que me pediram para eu lhe pedir por elas, umascegas outras aleijadas outras mudas”. “Daqui a um ano algumas serãocuradas”.

E nisto subiu ao céu como todos os outros meses.

Agosto 13-1917

Íamos a caminho para o sítio da carrasqueira e disseram-nos queprimeiro tínhamos de ir a casa do Senhor Prior ; fomos, pensando queele nos queria alguma coisa; chegando lá, subimos para a varandaesperando pelas ordens que nos davam; ninguém nos queria para nada.

Disseram-nos então: Subam para este carro para que cheguem maisdepressa lá ao sítio; primeiro, meu pai disse que nós íamos a pé; mas oSenhor Administrador mandou-nos subir de novo para o carro dizendoque indo no carro íamos livres do povo. Então por ordem do meu pai

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s+,- ./0/ 1 2/001 3 1s 43+s .0-41s5 34 637 83 -034 21991s21 ./0/ /Cova de Iria foram para Vila Nova de Ourém. Disse eu: “não é paraaqui para este lado”; mas o Senhor Administrador respondeu dizendoque nós íamos a Ourém a casa do Senhor Prior e depois vínhamos numautomóvel que ainda cá chegávamos a tempo; e assim que chegámos aOurém, fechou-nos dentro dum quarto prometendo-nos não sairmosdali enquanto não disséssemos o segredo que a Senhora nos tinhaconfiado; e assim se passaram três dias, ameaçando-nos com diversoscastigos e prometendo-nos algumas peças de oiro, mas nada conseguiramde nós. Então vieram-nos pôr em casa do Senhor Prior.

Chegando a nossa casa fomos logo pastar as ovelhas para um sítiochamado Valinho; andando na companhia do Francisco e do João; aJacinta tinha ficado em casa; então eu desconfiava que Nossa Senhoranos fizesse alguma visita e por inspiração de Nossa Senhora, pedi aoJoão que fosse a casa chamar a Jacinta e como ele não quisesse ir,prometi dar-lhe um vintém que tinha; então ele foi; chegando a Jacintadeu um relâmpago e apareceu a Senhora em cima duma carrasqueira.

“Então o que é que vossemecê me quer hoje?” “Quero que continuema ir o resto dos meses à Cova de Iria; se não tivessem ido embora, omilagre não era tão conhecido”. “A mulher que tem o dinheiro mandaperguntar o que é que quer que se faça àquele dinheiro”. “Quero quefaçam dois andores no dia da festa de Nossa Senhora do Rosário; umleva-o o Francisco com mais três rapazitos, outro levam-no as meninascom mais duas”. “Quero-lhe pedir por algumas pessoas que me pedirampara a Senhora as curar”; “daqui a um ano algumas serão curadas”. Enisto subiu como todos os outros meses, inclinada para o lado donascente.

Setembro 13-1917

Pela hora do meio-dia lá estávamos à espera que a Senhora viesse.Deu então um relâmpago e apareceu a Senhora. “O que é que vossemecême quer hoje?” Quero que continuem a vir aqui o resto dos meses e quecontinuem a rezar o terço todos os dias”. “Quero-lhe pedir para fazerum milagre para que todo o povo acredite” “No último mês farei umsinal no sol para que acreditem; e virá Santo José com o Menino Jesusdar a bênção ao mundo, Nossa Senhora do Rosário, depois NossaSenhora das Dores e Nosso Senhor”. “Quero-lhe pedir por algumaspessoas que me pediram para a Senhora as curar: umas coxas outrasmudas outras cegas e outras doenças”. “Daqui a um ano algumas serão

Doc. 65 1922-01-05

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234 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

c:;<=<>?@ BCDC=E>>CD<E> cGE><> HC>ICDK>HLGDC MCDN;G@ B:NE: O<;<o lado do nascente como todos os outros meses.

Outubro 13-1917

Como todos os outros meses dirigimo-nos ao pé da carrasqueirapara vermos a Senhora. Deu um relâmpago e apareceu a Senhora. “Oque é que vossemecê me quer hoje?” .“Quero-te dizer que não ofendammais a Deus Nosso Senhor porque já está muito ofendido e quecontinuem a rezar o terço todos os dias e quero que façam aqui umaCapelinha à Senhora do Rosário”. “Então como é que vossemecê sechama?” “Eu sou a Senhora do Rosário”. Agora eu compreendi que eladisse assim: “Quando Eu chegar ao céu a guerra acaba hoje”. Mas aminha prima Jacinta disse que ela tinha dito deste modo. “Se o povo seemendar, a guerra acaba hoje. Por isto não posso afirmar de qual foi omodo que ela pronunciou estas palavras. “Quero-lhe pedir por aquelaspessoas que me pediram para a Senhora as curar, umas coxas, outrascegas outras mudas, outras doentes”. “Umas curo outras não”.

E nisto subiu para o lado do nascente como todos os outros meses;indo a tal altura que o azul do céu e as nuvens não nos deixaram vermais. Tendo-se escondido, olhámos para o sol e vimos ao lado direitodo sol um homem da cinta para cima, com um menino ao colo fazendocruzes † com a mão direita; e na outra tinha um menino vestidinho debranco, tinham em volta um grande resplendor que nos não deixavaolhar à nossa vontade. Ao lado esquerdo, Nossa Senhora tal qual tinhadescido à azinheira.

Acabando de fazer as cruzes Santo José com o Menino e NossaSenhora desapareceram. Logo em seguida apareceu ao lado direito dosol Nosso Senhor vendo só da cinta para cima, tinha o vestido vermelho.Do outro lado Nossa Senhora das Dores com um manto roxo; e semprecobertos com o resplendor que parecia cegar-nos; com istodesapareceram e nunca mais vi nada até hoje.

O vestido de Nossa Senhora era destas cores: o vestido era todobranco; tinha duas estrelas da cinta para baixo, uma na direção da outra;ao pescoço um cordão com uma bola chegava até à cinta; as mãospostas, e delas caíam umas contas não sei se era Rosário se era Terçobranco com um crucifixo, também branco. O manto cobria-lhe a cabeçaaté ao fim do vestido. Tinha uma beirinha doirada; os pés não sei setinham meias se vinham descalços, porque eu não lhe diferenciava os

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dQdRTU QWX YRW ZX[TX dX \[] ^[Q_Q `aR dQbeXfX gbhij\RTk h[dR Q_fR\hXdela era uma luz tão brilhante e tão forte que me não deixava ver comoeu queria porque parecia cegar-me.

Parece-me que já disse quase tudo se me falta alguma coisa do queela disse para escrever não me lembro.

Peço desculpa de ir tão mal escrito mas não sei melhor. Ainda andoa estudar.

5-1-1922 Lúcia de Jesus.

Doc. 65 1922-01-05

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236 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 661922-03-06, Fátima

Carta do Pe. Agostinho Marques Ferreira, pároco de Fátima, ao Dr. ManuelNunes Formigão , a comunicar-lhe a dinamitação da Capelinha das Aparições,ocorrida na madrugada do dia 6 de março de 1922.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 709

lmn.mo Snr. Dr.

Anda em chamas a capelinha da Cova da Iria!!!Era de madrugada quando se ouviu o estampido da bomba.

Arrancaram o gradeamento que estava junto do altar e deitaram-nopara fora; arrancaram também o que servia de resguardo ao sítio ondeestá a raíz da azinheira!

Desculpe, é à pressa e nervosamente.

Fátima, 6-3-1922

Pe. Agostinho M. Ferreira

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Doc. 671922-03-09, Lisboa

Carta de Eurico Lisboa para D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, areferir-se ao atentado à Capelinha das Aparições, ocorrido na madrugada do dia 6de março de 1922, e à conveniência da publicação de uma entrevista, a protestarcontra o atentado.

Publ.: DCF, III-3 - Doc. 717

opq rtuuutrvv

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor.

É com profunda emoção que escrevo a V. Ex.cia Rev.ma depois de terconhecimento da ação criminosa exercida sobre a modesta capelinhade Fátima.

Falei ontem sobre isso com o Dr. Lino Neto, pedindo-lhe para queno Parlamento fosse hoje lançado um protesto contra o malvadoatentado, tendo-me ele hoje dito que tanto no Senado como na Câmarados Deputados foi isso tratado com o devido carinho. No meu pedidofrisei que a obra de Fátima é, não a obra da Igreja, mas a da devoçãodo povo, que submissamente espera a sanção da Igreja.

Lembrei-me e lembra-me também o Sr. Dr. Pe. Formigão a possívelconveniência de numa entrevista publicada no “Diário de Notícias”, lançarum veemente protesto contra o atentado, aproveitando assim o ensejopara propaganda da obra e mesmo para se iniciar um movimento desubscrição de auxílio ao que se projeta sob a superior direção de V.Ex.cia Rev.ma.

Nada farei porém sem autorização e indicação de V. Ex.cia Rev.ma,pedindo por isso as suas valiosoas instruções. Se V. Ex.cia Rev.ma comisso concordasse, poder-se-ia lembrar aos entusiastas e crentes que lheenviassem as verbas com que desejassem subscrever?

O atentado de agora mais amor me provocou à inspirada orientaçãoque V. Ex.cia Rev.ma der às obras que se vão iniciar, por reconhecer queassim feitas não serão facilmente destrutíveis, dada a sua amplitude,difusão e resguardo.

Doc. 67 1922-03-09

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238 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

wx V. Ex.cia Rev.ma concordar com a entrevista, afigura-se-meconveniente que seja publicada com urgência para aproveitar aoportunidade e a indignação geral. E sendo assim, muito desejava queV. Ex.cia Rev.ma me respondesse com urgência, para talvez se fazer apublicação no domingo.

Pedindo perdão a V. Ex.cia Rev.ma por o vir importunar, peço paramim e para todos os meus a bênção de V. Ex.cia Rev.ma e com o maisprofundo respeito me subscrevo

De V. Ex.cia Rev.ma

Atto veneror e criado m.to obrig.º

Eurico Lisboa

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Doc. 681922-05-03, Leiria

Provisão de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, sobre osacontecimentos da Cova da Iria, freguesia de Fátima, em 1917, na qual nomeia umaComissão para organizar um processo canónico, em ordem a uma declaraçãoepiscopal definitiva.

Publ.: DCF, II - Doc. 1 (obs.: as notas 1-13, são do próprio documento; asoutras, a -l, são nossas)

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JOSÉ ALVES CORREIA DA SILVA, POR GRAÇA DE DEUSE DA SANTA SÉ, BISPO DA DIOCESE DE LEIRIA:

Aos que esta nossa Provisão virem: Saúde, Paz e Bênção emJesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador:

Entre todas as provas com que Nosso Senhor Jesus Cristodemonstrou a divindade da sua missão sobre a terra estão em primeirolugar os milagres. Imperou aos ventos e às tempestades1; dominou asondas do mar2; ressuscitou mortos3; curou leprosos4, deu vista a cegos5,ouvido aos surdos6, fala aos mudos7, andar aos paralíticos8, apelandofrequentemente para esses prodígios, a fim de justificar a sua doutrina9.

A Santa Igreja tem sido também favorecida com milagres. A suarápida expansão, apesar de tantos obstáculos, a sua estabilidade quandotudo muda no meio do mundo, a sua resistência às perseguições em quehá todos os requintes da ferocidade, os efeitos admiráveis produzidospela sua ação social, a constância dos mártires através dos mais atrozes

1 Marc IV, 39.2 Mat VIII, 23-27.3 Mat IX, 18-26.4 Luc XVII, 17-19.5 Jo IX; Marc. VII, 32-47.6 Mat XI, 5.7 Marc VII. 32-47.8 Mat IX, 1-7.9 Jo X, 37.

Doc. 68 1922-05-03

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240 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

�������������������������������������������������� ���������������seus apóstolos e pelos seus santos – são outras tantas provas da suaorigem e assistência divinas.

O milagre, de si raro, é um sinal sensível, excedendo, absoluta erelativamente, as forças da natureza visível ou invisível – não podendo,por consequência, ser atribuído senão a DEUS.

Por exemplo: a constância dos mártires em todos os séculos e idadesé superior às leis morais; a ressurreição de um morto derroga as leis daordem física, assim como as profecias sobre os futuros livres econtingentes não se explicam pelas leis intelectuais.

Para que um facto da ordem física, moral ou intelectual seja miraculoso– não basta ter a Deus por autor. Não são milagres, no sentido rigorosoda palavra, a criação do mundo, a criação das almas ou ainda os efeitossobrenaturais dos Sacramentos, porque todos estes factos – emboraproduzidos diretamente por Deus – são fenómenos naturais, nãoexcedendo a ordem natural.

Numa palavra, o milagre há de distinguir-se de tal maneira das forçasda natureza criadas que, ao presenciá-lo, possamos dizer como osEgípcios à vista dos milagres de Moisés – está aqui o dedo de Deus!10

** *

E poderá Deus ir contra as leis infinitamente sábias que impôs aosseres?

Há leis, fundadas sobre a própria essência das coisas – e, como tais,imutáveis, absolutas, as quais o próprio Deus não pode abrogar. Sãodesta espécie as leis matemáticas e geométricas: repugna um círculoquadrado, como repugna que a inteligência fique indiferente perante aevidência percebida.

Mas ao lado dessas leis necessárias e essenciais há a considerar asleis físicas cujo caráter é contingente, isto é, não repugna supôr a suanão existência, mudança ou modificação por imposição de ordemsuperior.

Todas as maravilhas da indústria humana consistem precisamente emmodificar as leis da natureza, dominá-las ou dirigir o seu curso.

10 10 Ex VIII, 19.

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��������������� ¡¢¡�£¤�¡�����¢ �¥�¦ §  £©§¡�ª¡¢¡¡ª¢���«¬�de energia elétrica que nos dá luz, calor, movimento... Sendo assim,porque não admitir que a intervenção de uma vontade infinitamentesuperior qual é a de Deus possa também produzir efeitos muitosuperiores?

Por outro lado, o milagre, que é uma manifestação do poder de Deus,concorre para o esplendor de sua glória e bondade, vindo testemunharalguma verdade ou preceito que o Senhor quer fazer acreditar ou praticarpela criatura.

É certo que o Senhor desdobra continuamente diante de nós asmaravilhas da sua Omnipotência e Sabedoria. – Vemos a Deus na luzdos astros que rolam sobre nossas cabeças, na terra que se revolvedebaixo dos nossos pés, nas ondas que se agitam no abismo dos mares,no raio que fende os espaços, no sol que nos alumia, na árvore gigantescada floresta e na humilde flor dos vales... Os Céus e a terra cantam aGlória de Deus, diz David11.

Mas essas maravilhas do mundo, por serem comuns, não noscomovem como os factos extraordinários chamados milagres.

E não se diga que o milagre transtorna a ordem da natureza e daciência – uma tal objeção não pode opôr-se, porquanto de um lado omilagre é muito raro, de outro lado acresce que as modificações,introduzidas no mundo material, não lhe alteraram a face nemimpossibilitaram as investigações científicas. – Não só os homens mastambém os elementos da natureza de outro lado têm introduzido nomundo material muito mais mudanças do que todos os milagres docristianismo – e contudo não destruiram as leis naturais.

* * *

Se é certo que o campo dos conhecimentos humanos é muito restrito,se é certo que estamos muito longe de conhecer todas as leis que aSabedoria infinita impôs às criaturas – também não é menos verdadeque conhecemos as forças gerais da natureza relativamente a certosefeitos mecânicos, químicos, orgânicos, vitais, sensitivos, intelectuais...Se há factos extraordinários cujo caráter sobrenatural pode ser de talmaneira obscuro que é difícil demonstrá-lo – há outros cujasobrenaturalidade é tão manifesta que razoavelmente não podem deixar

11 Sl XVIII, 2

Doc. 68 1922-05-03

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242 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

­® ¯­°±²±³´µ® ¶·°·¸®³­¯­®±³·µ°±¹¯º³®µ ²¯±µ ¶·°·» ¯µ ¶¼³¯µ ³½¾±­¯µ ­®lesões orgânicas, ou a ressurreição de um morto, etc...

** *

A Santa Igreja tem sido sempre de uma grande exigência na verificaçãodos milagres. – O sábio Pontífice Bento XIV escreveu um livro cheio deregras admiráveis introduzidas no novo Direito Canánico – para guiar oteólogo na discussão do caráter sobrenatural dos factos apontados comomiraculosos.

É conhecida a história de um senhor inglês, protestante, que, depassagem em Roma, foi apresentado ao ilustre Cardeal Lambertini, maistarde Papaa. O protestante apresentava dúvidas sobre os milagres. OCardeal mostra-lhe um processo de canonização. O senhor inglês leu eestudou atentamente este processo e, voltando a restituí-lo, declarou: –“se todos os milagres fossem verificados como estes, nada se poderiaobjetar”. “Pois bem”, respondeu o Cardeal, “a Santa Igreja não julgaessas provas suficientes...”

_______________

Todas estas generalidades vêm a propósito do muito que se tem ditoe até escrito sobre certos factos passados na Cova da Iria, freguesia daFátima, vigararia e concelho de Ourém.

Não é nem pode ser indiferente à ação pastoral que fomos chamadosa desempenhar nesta diocese de Leiria qualquer facto que se ligue como culto da nossa Santa Religião.

Mais ou menos todos os dias, mas especialmente no dia 13 de cadamês, há em Fátima grande concorrência de pessoas vindas de toda aparte, pessoas de todas as categorias sociais que vão aí orar e agradecerà Senhora do Rosário benefícios que, por seu intermédio, têm recebido.

Conta-se que no ano de 1917 houve ali uma série de fenómenospresenciados por milhares de pessoas de todas as classes da sociedadee anunciados com bastante antecedência por umas criancinhas rudes esimples a quem, diziam, a Senhora aparecera e fizera certasrecomendações.

Daí em diante não mais deixou de haver concorrência.

a Prospero Lambertini, Bento XIV (eleito a 17 de agosto de 1740 e coroado no dia22 do mesmo mês e ano). Faleceu a 3 de maio de 1758.

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¿ÀÁ ÂÃÄÁ ÅÃÆÀÇÈÀÁÉÊË ÁËÌÆÍÆÀÎÏÀÐÑÃËÅÆÌÀÁ ÒËÓÀAparição, faleceramduas antes da nossa entrada nesta Diocese.

Interrogámos várias vezes a única sobrevivente.A sua narração e as suas respostas são simples e sinceras – nelas

não descobrimos nada contra a fé e moral. Poderia exercer aquelacriança, hoje de 14 anosb, uma influência tal que explicasse a concorrênciado povo? Disporia ela de tal prestígio pessoal que ali arrastasse aquelasmassas humanas? Impôr-se-ia pelas suas qualidades precoces a pontode fazer convergir para junto dela tantos milhares de pessoas?

Não é provável – tratando-se de uma criança sem instrução de espéciealguma e de uma rudimentaríssima educação.

De mais a mais, a pequena saiu da terra, nunca mais lá apareceu – enão obstante o povo acorre ainda em maior número à Cova da Iria.

Explicará porventura este ajuntamento o aprazível e pitoresco dolocal? Não. É um sitio ermo, vulgar, sem arborização, sem água, longedo caminho de ferro, perdido nas dobras de uma serra, despido detodos os atrativos naturais.

Irá o povo por causa da Capela? As pessoas devotas tinham edificadoali uma pequena ermida, tão pequenina que nem se podia celebrar aSanta Missa dentro dela.

No mês de fevereiro deste anoc, uns infelizes cuja má ação a VirgemSantíssima perdoe, foram lá de noite e com bombas de dinamitedestruiram-na, lançando-lhe em seguida o fogo.

Aconselhamos a que não se reedificasse – não só na previsão denovos atentados, mas também porque queríamos experimentar osmotivos que levam ali tamanho ajuntamento de povo.

Pois bem. Longe de diminuir, a multidão é de cada vez mais numerosa.

** *

A autoridade eclesiástica tem-se mantido na expetativa. O Rev. Clerodesde o princípio absteve-se de tomar parte em qualquer manifestação:apenas ultimamente permitimos que houvesse lá uma missa rezada esermão nos dias de grande concorrência popular.

A Autoridade civil tem empregado todos os meios – inclusive asperseguições, prisões a ameaças de toda a ordem para acabar com omovimento religioso naquele lugar. Todos esses esforços têm sido

b Lúcia tinha quinze anos.c A dinamitação da capelinha ocorreu na madrugada do dia 6 de março de 1922.

Doc. 68 1922-05-03

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244 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÔÕÖ×ØÙÚÖÛ×ÜÝÞ ß ÕÔÕàØáâ ãÜäÛ×å æÖÔ×âæ× çØÛ æAutoridade eclesiásticaimpulsione a fé nas Aparições – muito pelo contrário. Em vista de quantoacabamos de expôr, parece-nos ser nossa obrigação estudar e mandarestudar este caso, e organizar o processo segundo as leis canónicas.

Para este efeito nomeamos a seguinte Comissão:Rev. João Quaresmad, Vigário Geral da DioceseRev. Faustino José Jacinto Ferreira, Prior do Olival e Vigário da

Vara de OurémRev. Dr. Manuel Marques dos Santose, Professor do SeminárioRev. Dr. Joaquim Coelho Pereiraf, Prior da BatalhaRev. Dr. Manuel Nunes Formigão Júnior, Professor do Seminário

Patriarcal com autorização de S. Em.cia.Rev. Joaquim Ferreira Gonçalves das Nevesg, Prior de Santa Catarina

da SerraRev. Agostinho Marques Ferreira, Pároco da FátimaEsta comissão agregará a si ou proporá a nomeação de peritos

(c.2088, §3; 2118, §1 e 2).Nomeamos o Rev. Dr. Manuel Marques dos Santos promotor da

Fé, o qual receberá, segundo as regras do Direito, o depoimento detestemunhas quanto possível oculares (c.2040).

Para auxiliar o R. Promotor da Fé nomeamos como notário, o R.Manuel Pereira da Silva, Professor do Seminário.

Ordenamos a todos os fiéis da nossa Diocese (c. 2023-2025) epedimos aos de Dioceses estranhas que deem conta de tudo quantosouberem quer a favor quer contra as aparições ou factos extraordináriosque lhes digam respeito, e testifiquem especialmente se nelas houve ouhá qualquer exploração, superstição, doutrinas ou coisas deprimentespara a nossa Santa Religião.

Qualquer dos membros da Comissão fica autorizado a receber osnomes dos que devem ou querem depôr, os quais serão chamados nadevida altura.

d João Francisco Quaresma. Nasceu a 3 de dezembro de 1873. Foi pároco da Sé deLeiria desde 1916 e vigário geral desde 1918. Faleceu a 5 de outubro de 1957.

e Nasceu no dia 2 de abril 1892. Foi diretor da “Voz da Fátima” e acompanhou,diversas vezes, a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima pelo mundo.

f Nasceu a 11 de agosto de 1872. De 6 de janeiro de 1899 a 7 de dezembro de 1929,foi pároco da Batalha, exercendo também as funções de consultor diocesano.

g Nasceu a 6 de junho de 1856. Foi pároco de Santa Catarina da Serra de 5 defevereiro de 1903 a 3 de janeiro de 1948, data da sua morte.

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è* *

A primeira lei da história, afirmava o grande Papa Leão XIII12, énunca dizer falsidades; a segunda é nunca recear dizer a verdade.

A Igreja tem sede de verdade, porque foi fundada por Aquele quedisse: “Eu sou a verdade”13.

Por isso, se os factos, passados na Fátima, que se apontam comosobrenaturais, são verdadeiros, agradeçamos a Nosso Senhor que sedignou mandar-nos visitar por Sua Santíssima Mãe para aumentar anossa fé e corrigir os nossos costumes; – se são falsos, conveniente éque se descubra a sua falsidade.

Nos tempos de dúvida e desorganização que atravessamos, é de talimportância julgarmo-nos e estar de posse da verdade que estaconsciência basta para resistir a todas as contrariedades e vencer todosos obstáculos.

A dúvida enerva e mata; a verdade alenta e vivifica.A verdade é a grande força que a Igreja tem possuído sempre e

ninguém lha tira.Podem armar contra ela perseguições e fazer correr rios de sangue;

podem arrancar-lhe os bens materiais e reduzi-la à mendicidade; –escarnecê-la e ludibriá-la. A Igreja, de posse da verdade, fica de pé nomeio do túmulo dos seus perseguidores.

** *

Continuemos a invocar a Virgem Mãe do Céu, sejamos exatos nocumprimento dos nossos deveres cristãos, sejamos católicos de palavrae de obras, espalhemos a Oração do S. Rosário e esperemos pelo Juízoda Santa Igreja, certos de que este será o eco do Juízo de Deus.

Esta nossa Provisão será lida em todas as igrejas e capelas da NossaDiocese para que dela todos tomem perfeito conhecimento.

Leiria, 3 de maio, dia da Invenção da Santa Cruz, de 1922.

† JOSÉ, Bispo de Leiria

12 Encíclica De Studiis historicis.13 Jo XIV, 6.

Doc. 68 1922-05-03

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246 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 691922-05-04, Leiria

Ata da 1ª sessão da Comissão Canónica Diocesana para a investigação dosacontecimentos de Fátima.

Publ.: DCF, II - Doc. 2

éê ëìííîï___________//___________

Em harmonia com a Provisão de S. Ex.ª Rev.ma Dom José AlvesCorreia da Silva, Bispo de Leiria, de 3 de maio de 1922 reuniu aComissão nela nomeada, no dia seguinte 4 de maio, tendo comparecidoo Rev. João Quaresma, Vigário Geral da Diocese de Leiria; Rev. FaustinoJosé Jacinto Ferreira, Prior do Olival, Vigário da Vara de Ourém eConsultor Diocesano; Rev. Doutor Manuel Marques dos Santos,Professor no Seminário e Consultor Diocesano; Rev. Dr. Joaquim CoelhoPereira, Prior da Batalha e Consultor Diocesano; Rev. Dr. Manuel NunesFormigão Júnior, Professor do Seminário de Santarém; Rev. JoaquimFerreira Gonçalves das Neves, Prior de Santa Catarina da Serra; Rev.Agostinho Marques Ferreira, Pároco de Fátima e o Secretário daComissão Rev. Manuel Pereira da Silva.

Depois da Missa do Espírito Santo celebrada por Sua Exª. Rev.ma naSé Catedral, a mencionada Comissão reuniu no Paço Episcopal tomandoposse e prestando o juramento canónico.

Acordou-se na publicação de um boletim mensal a que se daria onome de Voz da Fátima e que seria destinado a registar todas as notíciase informações relativas aos acontecimentos de Fátima.

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ðñòó ôõ1922-06-05, Castelo Branco

Depoimento de Gonçalo Xavier de Almeida Garrett “A Miraculosa Nuvem deFumo”, em que relata os fenómenos extraordinários, durante as aparições.

Publ: DCF, IV-1- Doc. 96

FÁTIMA

A MIRACULOSA NUVEM DE FUMO

COMP. E IMP. TIP.EMPRESA VÉRITAS

GUARDA

ö÷øùúûüýþÿúAü��÷�� �ü÷þ

Os fenómenos maravilhosos manifestados em Fátima são de duascategorias distintas. Uns foram preditos e anunciados com antecedência.Outros, parecendo de menos valia, por não haver algum anúncio prévioda sua realização, têm uma importância máxima, por serem concomitantescom os primeiros, confirmando a veracidade destes, por factos evidentes,manifestos à nossa vista.

Dos primeiros fenómenos apenas o essencial. Infelizmente, ossegundos embora vistos e observados à evidência, são poucoconhecidos. Sobre eles daremos alguns elementos e explicações queauxiliem um mais desenvolvido estudo.

A providência divina governa, dirige superiormente as coisas, nosseus desígnios, segundo as épocas e as circunstâncias.

Em Lourdes, a Virgem da Conceição apareceu, algumas vezes, auma humilde pastorinha, não marcando previamente dias, nem horas.Os milagres de Lourdes são manifestados em diversas pessoas, atuandomais ou menos no sistema do organismo humano. Depois sãoautenticados rigorosamente por comissões médicas especiais.

De modo diferente, os fenómenos admiráveis em Fátima, têm sido,na sua maior parte, independentes da ação nervosa de cada pessoa.

Doc. 70 1922-06-05

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248 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

S��� ������ ������ � ����� ���������No dia 13 de maio de 1917, pouco depois do meio dia, estavam três

inocentes pastorinhos, duas meninas e um rapazinho, junto a uma pequenaazinheira, no sítio da Cova da Iria. Muito admirados vieram singela eunicamente relatar terem visto no local uma Senhora com o rosário namão, e com tristeza no rosto, ordenando que todos, e eles também, alifossem rezar o rosário e fazer penitência. Falava e dirigia-se especialmentea Lúcia, que era a de mais idade.

Em plena confirmação da verdade de suas palavras e para que dessemcrédito a tão singular narrativa das três crianças rudes e ignorantes, fezas seguintes promessas, para que todos soubessem, acreditassem e alifossem.

1º. – Havia de aparecer, no mesmo sítio e à mesma hora, logo depoisdo meio dia, às três pastorinhas, nos dias 13 dos cinco meses seguintesaté outubro. 2º. – Mais anunciou que no último mês daria sinais evidentesda sua presença, a todas as pessoas quantas ali comparecessem.

Esta extraordinária e unânime promessa feita a três inocentespastorinhas, sem educação alguma, produziu rapidamente o assombroe curiosidade no país inteiro.

A concorrência a Fátima de pessoas de diversas categorias sociais,aumentou sucessivamente nos dias e horas previamente anunciadas esendo enorme, em mais de cem mil pessoas, em outubro, mês destinadoa Nossa Senhora do Rosário, dando-se os fenómenos solares admiráveis,por todos observados. A Imprensa ocupou-se detidamente do assunto.

As crianças compareceram sempre, com exceção do mês de agosto,sequestradas pela autoridade civil.

Numa das aparições, Lúcia mostrando desejo de saber qual a pessoacom quem falava, ouviu: “Sou a Senhora do Rosário”, venham todosrezar o rosário e fazer penitência.

Muitas pessoas de espírito reto, desejosas de conhecer toda averdade dos acontecimentos notaram a transformação operada nafisionomia das três videntes, especialmente de Lúcia. Na ocasião dasaparições esta dizia unicamente: Ela aí vem!

No mês de outubro, acrescentou: Olhem para o sol. – Em todas asaparições, a Senhora somente foi vista pelos pastores, tendo no mês deagosto toda a gente observado e admirado os extraordinários fenómenossolares que então se deram.

No início das aparições, elevava-se, junto à azinheira sagrada, naCova da Iria, uma ténue nuvem de fumo semelhante à do incenso nostemplos de Deus, como para anunciar, evidenciar com reverência apresença da Senhora do Rosário, no vastíssimo templo do Firmamentoceleste!!

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E��� �������� �� ����� �� ���� ��� � ��!����" #�! ������testemunhas, em todas as aparições. Mesmo no mês de agosto em quefoi vedada a presença dos pastorinhos, comprovando-se assim que aSenhora quis cumprir todas as promessas que havia feito. Verificou-seplenamente, quanto havia sido predito e anunciado. No período dascinco aparições, também outro fenómeno singularíssimo da nuvem defumo se manifestou, o qual não havia sido anunciado previamente.

E este facto é pouco conhecido ao qual talvez se tenha ligado medianaatenção. Todavia é importantíssimo, naturalmente inexplicável, e pode edeve servir de elemento de prova da veracidade das aparições na Covada Iria e convém ser aprofundado.

É um fenómeno físico, químico, independente da ação nervosa doorganismo humano, e comprova a presença da Senhora, segundo a suapromessa.

No dia 13 de outubro deu-se uma circunstância providencial e quese deve especialmente mencionar para melhor certificar o fenómeno.Subiu a nuvem de fumo por três vezes, partindo do local da azinheira. Adistância estavam quatro testemunhas fidedignas que viram e atestameste tríplice fenómeno singular.

Entre a grande multidão de pessoas que nesse dia concorreram aFátima, estiveram pessoas conhecidas e de plena confiança, situadasmesmo no local da Cova da Iria, as quais atestam e confirmam não seter feito lume algum nesse local que pudesse produzir a nuvem de fumo,o qual fora visto por aquelas quatro testemunhas, colocadas a distância.

Até nesse dia especial, apesar da grande afluência de gente de todosos pontos do país, se comprova o facto sobrenatural.

Não consta, em tempo algum, antes ou depois das aparições até aopresente, a manifestação da nuvem de fumo, no sítio da Cova da Iria, aqualquer hora. Deduz-se da conclusão lógica e rigorosa, que estefenómeno foi concomitante com as aparições em dias e horas designadasem 1917, e por conseguinte sobrenatural. Segundo a opinião deprofessores de ciências naturais das Universidades de Coimbra e Porto,que foram consultados, este fenómeno só podia ser produzidocasualmente por uma evaporação, ou combustão incompleta ou reaçãoquímica, mas não em dias e horas prefixas.

É pois, um elemento de toda e completa transcendência paracomprovar rigorosamente a verdade das aparições em Fátima. Éindependente da ação nervosa do organismo humano. Convém um estudominucioso e desenvolvido da prova testemunhal.

Para concluir, julgo conveniente dizer ainda algumas palavras sobreassuntos recentes.

Doc. 70 1922-06-05

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250 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

M$%&'()(*%+, -,*.%/ 0%)0,+ 123-%+(4,+*%+ 5*6/-%+7,318/1*,1devota capelinha erigida em Fátima, ficando completamente deteriorada.Havia pouco tempo que a Imagem da Senhora do Rosário tinha sidolevada para a igreja da freguesia. Uma outra bomba deitada na Cova daIria, junto à azinheira sagrada, começou de arder mas não explodiu!São dois factos miraculosos que devem causar remorso a tantaperversidade.

No descampado de Fátima, havia muita falta de água para quaisquertrabalhos até para os inúmeros romeiros beberem. Numa das últimasperegrinações, pessoas devotas notaram alguma humidade num localpróximo da Cova da Iria e lembraram-se de cavar, brotando uma belanascente de água, parecendo maravilha celeste. Foi logo ali feita umataça provisória.

Se não é milagre, é um facto evidente da proteção especial da Senhorado Rosário.

Ao patrocínio valiosíssimo da Virgem de Fátima em fervorosas preces,são atribuídas muitas graças especiais, havendo algumas pessoas tomadoágua da nova nascente. Mencionam-se também algumas curasmiraculosas, convindo em todos os casos a maior circunspeção e sempreo exame e apreciação de médicos inteligentes e conscienciosos.

Nos tempos que vão decorrendo tudo se pretende atribuir a umaação natural nervosa, e não sobrenatural.

Quanto fica dito é tudo sujeito à autoridade superior eclesiástica.

Castelo Branco 5 de junho 1922.

Doutor Gonçalo Xavier de Almeida Garrett,

Presidente da Comissão Promotora da Restauração da DioceseAlbicastrense e Comendador das Ordens de S. Gregório Magno e S.Silvestre.

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D9:; <=1922-06-13, Fátima

Primeiro e único número de “A Voz de Fátima”.

Publ.: DCF, IV-1 - Doc. 108

>?@BCFGHIJK>

Ao Principiar

Sai hoje o primeiro número deste modesto mensário, destinado arecolher e arquivar algumas informações sobre factos que dizem respeitoà vida piedosa do país.

Os chamados acontecimentos de Fátima tiveram o condão deprender e emocionar o país inteiro.

Até que ponto estes factos serão dignos de consideração?Terão eles tido realmente um caráter sobrenatural?Eis o que incumbe averiguar à comissão especialmente nomeada para

esse fim pelo digno Prelado desta Diocese.Entretanto e seja qual for o resultado do inquérito a que a mesma

comissão vai proceder, iremos aqui arquivando quaisquer notícias, oucomunicados que possam interessar não somente à vida da nossaDiocese, mas até ao país em geral.

Assim Deus nos ajude.

[...]

Uma carta do Senhor Bispo de Leiria

Rev.mo Sr.

Chega ao meu conhecimento e causa-me muita tristeza o facto de nodia 13 do corrente, se lançarem foguetes na Cova de Iria e até haviavinho para vender nesse mesmo local!

Se permiti o culto naquele lugar, foi como manifestação de amor ereparação a Nossa Senhora, cuja proteção precisamos de implorarfazendo penitência pelas nossas próprias faltas, pelas do nosso queridoPortugal e de todo o mundo.

Doc. 71 1922-06-13

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252 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

LNOPQP QORTU V WTUT XUTU P YTZPU WP[\]^[_\T`aT\b [TcT`Em vista disso determino o seguinte:1º – Não é permitido o uso de foguetes na Cova da Iria. No caso de

algum devoto ter feito a promessa de os lançar, autorizo V. Revª acomutá-la, revertendo a esmola a favor do culto a Nossa Senhora.

2º – Não é permitida a venda de vinho ou bebidas alcoólicas naquelelugar. O vinho é infelizmente pelos abusos que com ele se cometem,causa de muitos pecados e muitas desordens. Não posso permitir que oculto a Nossa Senhora seja assim profanado.

Encarrego V. Revª, como Pároco dessa freguesia, de zelar pelocumprimento exato destas determinações, e, no caso de não serobedecido, o que não espero, não pode ser celebrada a Santa Missanaquele lugar, sob pena de suspensão ao Presbítero que ousar fazê-la.

V. Revª lerá este oficio na igreja paroquial, de forma que todo opovo tome dele boa notícia para ser cumprido.

Deus Guarde a V. RevªLeiria, 18 de Novembro de 1921† José, Bispo de Leiria

Rev.mo Sr. Pároco de Fátima

A romaria de Maio

Foi realmente grandiosa, pelo número e pela compostura, a romariado dia 13 de maio, ao local onde se diz que Nossa Senhora apareceuaos pastorinhos de Fátima.

Trinta a quarenta mil pessoas, segundo os melhores cálculos, sejuntaram ali para prestar culto à Nossa Mãe Celeste e fizeram-no comdevoção e sinceridade.

Lembrem-se todos que a melhor forma de chegarmos à convicção,de que ali houve qualquer coisa de celestial, é o manterem-se sempre osfiéis com aquele respeito, ordem e sincera piedade, que é de desejar emtodos os atos do culto.

Nada de exibicionismos, nem de arraiais espetaculosos.Muita fé, muita simplicidade, muita oração fervorosa, e muita

penitência, é o que nos pode atrair as bênçãos de Deus e de NossaSenhora.

[...]

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defghTÊNCIA

Está já instalada a comissão canónica, nomeada pelo ExcelentíssimoPrelado, desta diocese, para averiguar dos chamados acontecimentosda Fátima.

Quaisquer informações sobre testemunhos, curas e alvitres quepossam guiar e orientar os trabalhos dessa comissão, devem serremetidas ou diretamente ao Senhor Bispo de Leiria ou a qualquer dosmembros dessa comissão, e em especial ao Dr. Manuel Nunes Formigão,Travessa da Lameira 13, Santarém, que provisoria e obsequiosamentefigura também como diretor da Voz de Fátima, até que outra coisa sejadefinitivamente resolvida.

O produto líquido da venda deste jornal, será entregue ao SenhorBispo de Leiria.

[...]

Doc. 71 1922-06-13

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254 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 721922-11-23, Lisboa

ijklmnjopl qj rostmlAntónio Marques, sobre os acontecimentos de Fátima,

enviado ao Promotor da Fé da Comissão Canónica.

Publ.: DCF, II - Doc. A

“... Sr. Promotor da Fé

Em maio de 1917 correu um boato que três crianças – pastores degado – estando recitando o terço em coro no sítio da Cova da Iria,freguesia de Fátima, lhes tinha aparecido uma senhora vestida de brancodizendo-lhes que não tivessem medo que era Nossa Senhora do Rosário;que viessem ali todos os meses no dia 13 rezar o terço que lhes apareceriasempre, e que no dia 13 de outubro lhes diria um segredo. Esta vozcorreu logo pelos lugarejos em redor mas ninguém podia acreditar,parecendo quase impossível que a Virgem baixasse dos céus à terra eviesse aparecer a três rudes crianças nas chãs ásperas a arenosas daSerra de Aire. É chegado o dia 13 de junho e eu desejoso por saber oque se passa encaminho-me para o local a fim de me certificar do quehá de verdade.

Eram 11 e 3/4 quando chego à dita Cova e encontro ali na expetativaumas 12 pessoas. Dirijo-me a alguém e pergunto: Então onde estãoessas crianças que veem aqui Nossa Senhora? E uma voz me responde:espere que ainda não é tarde. Passados momentos, eis aí vêm elas,acompanhadas dum pequeno grupo. Ajoelham-se junto da célebreazinheirinha e principiam a rezar o terço. Conto as pessoas e vejo queestão presentes umas 40. Terminada a ladainha, a Lúcia diz: “Lá vemEla”, e manda ajoelhar. Principia interrogando e respondendo a alguémque os meus olhos não veem nem os ouvidos ouvem. É a segundaaparição e mais uma vez ali afirma perante o reduzido número deespetadores – porque ainda se lhes não pode chamar crentes – que Elalhe está dizendo que vem ali todos os meses e que a 13 de outubro seráa última vez e então dirá um segredo.

1 Nasceu a 9 de outubro de 1896, na Chainça. Residia em Lisboa, onde faleceu, a24 de outubro de 1983.

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uvwxyz {|}{~ | |}�z� z��z{�� �| ~��z�| x|�| ��~ z zx|��z��z�com a vista alguém que se eleva e como extasiada vai indicando o rumoque ela leva até se perder no Infinito. Eu como descrente quero negarmesmo até tudo que estou vendo, mas contemplando a atmosfera, vejoque tudo se encontra turvado. Parece que duas correntes de ar opostasse vêm encontrar ali levantando uma nuvem de poeira. O tempo escurecee parece-me estar ouvindo um trovão subterrâneo. Sinto que atemperatura é quase sobrenatural e tenho medo de estar ali. Regresso acasa pensando em tal fenómeno e cogitando uma maneira de o interpretar.Minha mãe pergunta-me o que vi, ao que respondi que não sei, mastenho a certeza que, embora haja mistério, não vem a ser bom. Nãoquero crer e condeno em toda a parte tal aparição.

No dia 13 de julho há muito mais concorrência.Dão-se os mesmos fenómenos que no mês passado. A fama alastra

e agora o local é um dos grandes centros frequentados por pessoas detodas as classes.

Em 13 de agosto aumenta o povo e quem contempla a Cova, queforma uma bacia dos pequenos montes ou outeiros que a cercam, vê umespetáculo tocante.

De toda a parte chegam peregrinos entoando descantes sentindo--nos viver umas horas felizes. Já passa da hora e as crianças nãoaparecem; o povo espera impaciente quando corre uma voz por cimadaquela massa de povo que o sr. administrador de Ourém as tinha levado.Ouvem-se protestos e, quando vão começar a debandar, ouve-se umagritaria e uma onda de cabeças volve-se para o céu afirmando cada umo que está vendo. Eu então olho para o céu e vejo as nuvens mudandode cores e correndo em diversos sentidos.

O dia 13 de setembro amanheceu sem uma nuvem no horizonte. Umsol abrasador nos faz procurar a sombra. A Lúcia reza o terço à horaindicada. Segue-se a conversação com a dita Senhora e assim que diz:lá vai ela, o sol escurece a pontos de se ver a lua e as estrelas quecircundam o firmamento. O calor diminui e uma aragem nos vemmimosear a fronte. Então veem-se lá muito em cima, cortando os aresdo Oriente para o Ocidente, uns corpos muito pequeninos, brancoscomo a neve. Há quem afirme serem pombas mas vê-se perfeitamenteque não são aves. Na encosta do lado do nascente estava o reverendoPadre sr. Joaquim Ferreira Gonçalves das Neves, pároco de SantaCatarina da Serra, e eu como vejo que talvez esteja olhando sem vernada, dirijo--me a ele e pergunto-lhe o que vê, respondendo-me quenão vê nada. Indico-lhe uma direção e imediatamente disse que já está

Doc. 72 1922-11-23

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256 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

������ ������� � �������� ��� ��������� ������ ������ �� �������pedindo o terço. Parece-me ser este o primeiro ministro da Igreja querezou em comum naquele recinto bendito.

O dia 13 de outubro acorda como um dia de pesada invernia, emboraa chuva caia com lentidão. Durante toda a manhã chove sem cessar. Oscaminhos e estradas vão repletos de gente que vindas de longes terrasnão faziam conta que chovesse em virtude de haver muitos meses quenem uma pinga caía. Chegados ao local iam acendendo fogueiras atéque se aproximasse a hora.

Ao lugar da Chainça, que dista uma légua, foram ficar muitas pessoasentre elas dois senhores, um sr. Ferreira, de Leiria e outro de ao pé dasCaldas, que dizem ser padre e dr. No dia seguinte, como chovessemuito e não estando acostumados ao rigor do tempo, não podiam seguirviagem demais não tendo com que se resguardar da água.

Não havia quem emprestasse guarda-chuvas porque os que haviaeram poucos para as precisões. Eu então peguei num inutilizado e dando--lhe um conserto serviu para um e ao outro emprestei o meu, indo semele, chegando também todo a escorrer.

Chega-se o momento da aparição e passa-se o que todo o mundosabe. O sol gira em torno de si mesmo e todos que se encontravammolhados aparecem enxutos como fui eu um deles. Apareceu um sr. deLeiria a distribuir ilustrações com os retratos das três crianças e de NossaSenhora, encarregando-me dum maço apesar de me não conhecer.

Daí para o futuro encontra-se ali sempre um movimento de vai-vemde gente dominada pela fé: uns pedindo favores e outros agradecendograças concedidas. Vem a gripe pneunómica que assolou o país e aíacorrem os crentes formando procissões nas suas terras, indo atravésdas serras pedregulhentas e das charnecas desertas, altas horas da noite,debaixo dos maiores vendavais pedir a essa Virgem consoladora dosaflitos, proteção e misericórdia. A fé vai aumentando e de toda a partese ouvem afamar os milagres.

Eu, apesar de tudo continuava a descrer, seguindo a prudência daSanta Igreja.

Havia 12 anos que eu padecia do estômago; vomitava tudo que comia.Consulto os melhores médicos com a esperança de me curar por meioda medicina, mas debalde o faço... Estou desenganado mas restam-meainda os hospitais de Lisboa como único recurso. Dirijo-me ao hospitalde S. José, sou observado pelo sr. dr. Damas Mora, diretor do Bancodo mesmo hospital. Como o meu estado fosse pouco satisfatório, omesmo sr. mandou-me baixar ao hospital do Desterro onde me operoua 18 de dezembro de 1917, tendo como ajudantes (ainda que não me

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�� ¡�¢�£�¤¥¡¦ ¦�¦§ ¢�¦§¨��¤©ª¡«�¢�¬ros e Balbino do Rego. Devidoao muito frio constipei-me e, fosse por isso ou por outra causa, no diaseguinte estava ardendo em febre e com uma pneumonia.

É chamado o médico de serviço e, depois de me observar bem, dizque estou irremediavelmente perdido. Tenho os pulmões ambos atacados;a febre está sempre acima de 40 graus. Mandam-me aplicar ventosas,umas após outras, mas era preciso tomar remédios que combatessem afebre e isso é impossivel porque no estômago não pode entrar nada. Aoperação era das mais melindrosas e por conseguinte só podia esperara morte. Estava quase sempre variado mas, nos pequenos intervalosque tinha lucidez, pensava na minha situação e via que era crítica. Vejoque morro num hospital sem o conforto que os ministros duma religiãolevam às almas nas negras e atribuladas horas; sem ver à cabeceira domeu leito uma mãe, irmãos, irmãs, pessoas de família e amigos que meanimem e fortaleçam. Antes que baixe ao coval de um cemitério, queroainda escrever a minha mãe dizendo-lhe que morro, que peça e mandepedir por mim, que ali não tenho quem o faça.

Esse pedido foi feito pelo reverendo pároco de Santa Catarina parece--me que em dia de Natal à missa das Almas. Do mundo não possoesperar nada e então vem-me à imaginação tudo o que se passou nessaCova bendita, dessa Virgem que disse ser a Consoladora dos aflitos.

Bem sei que tenho de morrer mas é triste não ter a consolação de vernesse momento cruciante e transe doloroso, em volta de meu leito, quemore e dê conforto. Então animado com uma grande fé peço a NossaSenhora do Rosário da Fátima que, se possível fosse, eu ainda poderum dia ir à minha terra ver minha família, faria uma festa em sua honra emandaria pregar um sermão, indo ao local rezar um terço. No dia seguintejá não tinha febre e passados dois dias estava completamente curadodos pulmões. Aos médicos parecia um sonho, quando me julgavammorto aparecia-lhes curado. Foi a medicina? Não, porque não tomeiremédios. Então uma pneumonia e febre a 40 graus cura-se em trêsdias, e por acaso? Já escaparia alguém operado do estômago que fosseatacado por uma pneumonia? Que responda quem souber.

Poderão dizer que melhorava da mesma forma, mas como tenho acerteza que só escapei por meio dum grande milagre e da grande fécom que me apeguei com Nossa Senhora, hei de dizer isto sempre e emtoda a parte, custe o que custar. Essa promessa mandei encarregar o sr.prior de Santa Catarina de a cumprir assim como pregou o sermão emação de graças na dita festa na pequena ermida da Chainça em Setembrode 1919. A Cova da Iria é para mim um cantinho do Céu a quem devo

Doc. 72 1922-11-23

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258 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

­®¯°­±±±²³´µ¶·¸³V. o tempo que inutilmente lhe tomei. Sou um humildecatólico que vejo na religião que professo o único pedestal onde o mundose firma.

S. de V.m.to a.to ven.or e obgº.

Inácio António Marques

de 26 anos de idade, natural da Chainça, freguesia de Santa Catarina,filho de José António Novo (falecido) e de Josefa Marques, residenteem Lisboa, Rua dos Heróis de Kionga, 43.

Aos 23 de novembro de 1922.

Inácio António Marques empregado nos Correios

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¹º»¼ ½¾1923-03-a.181

Os acontecimentos de Fátima - opúsculo da autoria do Visconde de Montelo(Dr. Manuel Nunes Formigão).

Publ.: DCF, IV-2 - Doc. 256

¿ÀACONTECIMENTOS DE FÁTIMA

PELO VISCONDE DE MONTELO2

COMP. E IMP. NA TIP. DAEMPRESA VÉRITAS

GUARDA

Oficinas movidas a eletricidade

Pode imprimir-seLeiria, 15 de janeiro de 1923

† José, Bispo de Leiria

[foto]

A CAPELINHA COMEMORATIVA DAS APARIÇÕES

1 Embora este opúsculo tenha o seu imprimatur datado de 15 de janeiro de 1923,apenas foi distribuído no dia 13 de maio de 1923 (Cf. “Voz da Fátima”, Leiria,1 (7), 13 abril de 1923, p. 3, col. 3, e “Voz da Fátima”, Leiria, 1 (9), 13 jun. 1923,p. 4, col. 3). No entanto, por um documento de 18 de março de 1923 (DCF, IV-2,Doc. 258), sabemos que nesta data, o opúsculo estava já concluído

2 Pseudónimo usado pelo Dr. Manuel Nunes Formigão.

Doc. 73 1923-03-a.18

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260 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÁAS APARIÇÕES DE FÁTIMA

Na manhã do dia 13 de maio de 1917 um menino e duas meninasandavam apascentando, como era seu costume, um pequeno rebanhode ovelhas pertencentes a suas famílias, numa propriedade da serra deAire situada na freguesia de Fátima, concelho de Vila Nova de Ourém,diocese de Leiria.

A mais velha das três crianças, de nome Lúcia de Jesus, contava 10anos e era filha de António dos Santos, que faleceu no ano seguinte1, ede Maria Rosa dos Santos.

O menino e outra menina, que eram irmãos, chamavam-se Franciscoe Jacinta, tendo aquele 9 anos e esta 7 anos de idade. Foram seus paisManuel Pedro Marto e Olímpia de Jesus Marto. Eram primos da Lúcia.As habitações das duas famílias, que, não sendo ricas, possuíam contudoalguns bens de fortuna, ficavam próximas uma da outra, no lugar deAljustrel, cerca de um quilómetro da igreja paroquial de Fátima. Nenhumadas crianças sabia ler nem escrever. A sua instrução era rudimentar. Sóa Lúcia tinha feito a primeira comunhão.

Aproximava-se naquele dia memorável a hora do meio-diaastronómico. Segundo o seu costume, as três crianças, depois de seterem ocupado durante bastante tempo em divertimentos inocentes,puseram-se a rezar o terço do Rosário, devoção muito querida doshabitantes daquela freguesia. Mal tinham acabado de o recitar, quandoviram de repente brilhar no espaço, a pequena distância delas, a claridadefulgurante de um relâmpago e aparecer quase simultaneamente, sobre acopa de uma pequena azinheira, um vulto radioso e encantador de mulher,de extraordinária beleza.

Assustadas com um sucesso tão insólito e tão inesperado, pensaramem fugir, mas logo as tranquilizou completamente a atitude benévola daAparição, que numa voz dulcíssima prometeu que não lhes faria malalgum.

A Aparição parecia não ter mais de dezoito anos de idade. O vestidoera de uma alvura puríssima de neve, assim como o manto, orlado deouro, que lhe cobria a cabeça e a maior parte do corpo. O rosto, deuma nobreza de linhas irrepreensível e que tinha o que quer que fosse desobrenatural e divino, apresentava-se sereno e grave e como que toldado

1 O pai de Lúcia faleceu a 31 de julho de 1919.

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Âà ÄÅÆ ÇÃÈà ÉÊÅËÌÆ Âà ÍÌÎÉÍÃÏÆÐ ÑÆÉ ÅÒÊÉÓ ÔÄÕÍÆÉ Ö ÆÇÍÄÌÆ ÂÊ ×ÃÎÍÊÓpendia-lhe, rematado por uma cruz de ouro, um lindo rosário, cujascontas, brancas de arminho, pareciam pérolas. De todo o seu vulto,circundado de um esplendor mais brilhante que o do sol, irradiavamfeixes de luz, especialmente do rosto, de uma formosura impossível dedescrever e incomparavelmente superior a qualquer beleza humana.

Entre a Aparição e a Lúcia estabeleceu-se um diálogo, que duroucerca de dez minutos.

A Jacinta viu a Aparição e ouvia distintamente as palavras que elapronunciava, dirigindo-se à Lúcia, mas nunca lhe falou nem tão pouco aAparição lhe dirigiu a palavra. O Francisco só via a Aparição, nãoouvindo nunca o que ela dizia à Lúcia, apesar de se encontrar à mesmadistância e possuir excelente ouvido.

A Aparição convidou nesse dia os três pastorinhos a voltarem todosos meses no dia 13, durante seis meses consecutivos, àquele local,vulgarmente conhecido pelo nome de Cova da Iria e situado a poucomais de dois quilómetros da igreja paroquial de Fátima, ao lado daestrada distrital de Vila Nova de Ourém à Batalha. A princípio ninguémprestava crédito às afirmações das crianças, que eram apodadas dementirosas por toda a gente, mesmo pelas pessoas de família.

A 13 de junho umas cinquenta pessoas acompanharam os videntesao local das aparições, na esperança de presenciarem coisasextraordinárias. Nos meses seguintes o concurso de devotos e curiososaumentou consideravelmente, reunindo-se talvez cinco mil pessoas emjulho, dezoito mil em agosto e trinta mil em setembro junto da azinheirasagrada.

No momento em que se verificava a aparição, inúmeros sinaismisteriosos, de que muitas pessoas fidedignas dão testemunho, sesucediam uns após outros na atmosfera e no firmamento.

A Aparição recomendou insistentemente que todos fizessempenitência e rezassem o terço do Rosário. Comunicou às crianças umsegredo, que não podiam revelar a ninguém. Prometeu-lhes o Céu.

Pediu que naquele local se erigisse uma capela em sua honra edeclarou que no dia 13 de outubro havia de fazer um milagre para quetodo o povo acreditasse que ela realmente tinha ali aparecido.

Em 13 de agosto, momentos antes da hora da aparição, as criançasforam ardilosamente raptadas pelo administrador do concelho, que asreteve em sua casa durante dois dias, ameaçando-as de morte se não sedesdissessem ou se pelo menos não revelassem o segredo que a Apariçãolhes tinha confiado.

Doc. 73 1923-03-a.18

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262 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ØÙÚÚÙ ÛÜÚ Ý ÝÞÝßàáâã ãäãßßÙå æã çàÝ èéê æã Úëìàã äíÝÛÝçã çãÚValinhos, quando as crianças já não julgavam que ela se verificasse senãono mês seguinte.

No dia 13 de outubro, estando presentes cerca de setenta mil pessoasde todas as classes e condições sociais e de todos os pontos do país,terminado o dia e logo entre a Lúcia e a Aparição, que lhe declarou serela a Senhora do Rosário, a vidente recomendou aos circunstantes queolhassem para o sol. O firmamento estava completamente nublado.Chovia torrencialmente.

Como que por encanto rasgaram-se de repente as nuvens, e o sol nozénite apareceu em todo o seu esplendor e girou vertiginosamente sobresi mesmo como a mais bela roda de artifício que se possa imaginar,revestindo sucessivamente todas as cores do arco-íris e projetando feixesde luz de um efeito surpreendente.

Esse espetáculo sublime e incomparável, que se repetiu por três vezesdistintas, durou cerca de dez minutos. A multidão imensa, rendida perantea evidência de tamanho prodígio, prostrou-se de joelhos; o Credo, aAvé Maria e o ato de contrição irromperam de todas as bocas e aslágrimas, – lágrimas de alegria, de gratidão ou de arrependimento,brotaram de todos os olhos.

Toda a imprensa, inclusivamente a de grande circulação, se referiu,em termos respeitosos e com bastante desenvolvimento, aosassombrosos acontecimentos de Fátima. As apreciações desses factos,mesmo no campo católico, não foram unânimes. As afirmações dascrianças relativas ao fim próximo da grande guerra europeia contribuirampara essa divergência de opiniões.

Mas, apesar disso, de ano para ano, a devoção a Nossa Senhora doRosário de Fátima aumenta e propaga-se por toda a parte. O concursode peregrinos é cada vez maior e verifica-se especialmente no dia 13 decada mês, nos domingos, nos dias consagrados à Santíssima Virgem, e,mais do que nunca , no dia 13 de maio e no dia 13 de outubro de cadaano.

As graças e curas prodigiosas atribuídas à intercessão de NossaSenhora do Rosário de Fátima são inúmeras. Debalde os representantesda autoridade civil envidaram todos os esforços para pôr termo à correntecaudalosa e incessante das multidões atraídas pela voz humilde de trêsinocentes pastorinhos.

A intolerância e perseguição tiveram apenas, como sempre, o efeitode tornar ainda mais viva e mais intensa a fé e a piedade dos crentes. Aconcorrência de devotos, vindos de todos os pontos de Portugal, continua

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î ïðñ òîóîôðõöî÷ïøùöðñúïîûöî÷ï üðñôðøýðûöî÷ïþðñïðôðñîøýðû ðþîñðòðnão haver forças humanas capazes de lhe pôr embargo. A autoridadeeclesiástica, que iniciou o respetivo inquérito, ainda não ultimou os seustrabalhos, que são de sua natureza difíceis e demorados, nem proferiu oseu veredictum, que nos cumpre acatar, qualquer que ele venha a ser.

Enquanto aguardamos esse veredictum, procuremos viver como bonscristãos, cumprindo estritamente todos os nossos deveres, façamospenitência dos nossos pecados e rezemos com fervor o terço do Rosário,essa devoção tão querida de todos os portugueses, para que NossaSenhora do Rosário, se Ela efetivamente apareceu em Fátima, se dignedissipar todas as dúvidas e tornar esse facto superior a toda a contestaçãode boa fé.

IICURAS EXTRAORDINÁRIAS

– Maria do Carmo, de 47 anos de idade, do lugar do Arnal, freguesiade Maceira, concelho de Leiria, tuberculosa, achou-se curada no dia13 de outubro de 1917, no próprio local das aparições. A sua cura foium motivo de assombro para todos os habitantes de Maceira, quejulgavam a pobre senhora irremediavelmente perdida e com vida apenaspara alguns dias.

– Aurélia do Patrocínio Lourenço, de 4 anos, filha de JoaquimLourenço, canteiro da Batalha, adoeceu em fins de outubro de 1917,com uma febre infeciosa, que a teve às portas da morte. Algumas pessoasde família já não alimentavam esperanças de que a menina se salvasse.

Curou-se depois de várias promessas feitas pela mãe a Nossa Senhorade Fátima.

– Manuel Henriques Júnior, do Outeiro do Murtal, Ourém, estavacego de ambos os olhos, em virtude de uma pancada que aos 12 anosrecebeu na cara. Foram-lhe feitas em Lisboa várias operações pordistintos especialistas, mas sem resultado algum. Curou-se de um dosolhos depois de uma promessa da mãe, que desejava ardentemente queele visse o bastante para poder trabalhar.

– Joaquim Vieira , de 47 anos, de Assentiz, Torres Novas, sofria deantigas e graves enfermidades, estando desenganado dos médicos.Curou-se no dia 13 de outubro de 1917.

– Amélia de Jesus, de 61 anos, do Perulhal, Reguengo do Fetal,Batalha, estava de cama, gravemente enferma, havia bastante tempo,com violentíssimos ataques de reumatismo. Os remédios receitados pelomédico, que duas vezes a foi visitar, não lhe fizeram bem algum. Curou-

Doc. 73 1923-03-a.18

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recorreu a Nossa Senhora de Fátima. No Reguengo do Fetal, sede dafreguesia, chegou a correr o boato de que ela tinha falecido.

– José de Oliveira Rito, de 5 meses de idade, filho de Faustino deOliveira Rito e Maria José Rito, da Chainça, Santa Catarina da Serra,Leiria, estava paralítico da perna esquerda havia algumas semanas, tendosido inúteis todos os esforços para restituir a esse membro o movimentoperdido. Curou-se depois de várias promessas feitas pela mãe a NossaSenhora de Fátima.

– Maria Francesca Aloisi Fitipaldi, de 57 anos, natural de Nápoles,Itália, e residente há mais de dezanove anos em Leiria, sofria horrivelmentede diversas doenças que lhe tornavam quase insuportável a vida(dispneia, lesão do coração, úlcera no estômago, albumina, etc.). Nãopodia falar, nem deitar-se, nem sair de casa. No dia 12 de outubro de1917, à noite, viu de uma das janelas de sua casa as multidões que sedirigiam para a Fátima e ficou com imensa pena de não poder ir também.Cheia de fé, pediu a Nossa Senhora de Fátima que ao menos amelhorasse de maneira que pudesse descansar um pouco. Sentindo sono,foi-se deitar e dormiu toda a noite. No dia seguinte de manhã, quandoacordou, achou-se perfeitamente bem.

– Quitéria de Jesus, de 57 anos, da Chainça, Santa Catarina da Serra,tendo uma lesão grave num dos olhos produzida por uma violentapancada, curou-se quase instantaneamente aplicando sobre o olho umaporção de terra extraída do local das aparições.

– José das Neves, de 10 meses de idade, filho de António das Nevese Maria José das Neves, da Loureira, Santa Catarina da Serra, foi sempremuito doente. Emagrecia cada vez mais. Todos diziam que era impossívelcriar-se. Vomitava todo o alimento que ingeria.

Um dia a mãe fez a promessa de ir com ele a Fátima e rezar lá oRosário se Nossa Senhora se dignasse curá-lo.

No dia seguinte a criança começou a comer de tudo o que era próprioda sua idade, não tornando a ter vómitos.

– Manuel Vicente Marques, de Alcaidaria, Reguengo do Fetal,correndo o perigo de ter de cortar um braço ou de ficar defeituoso,invocou cheio de confiança Nossa Senhora de Fátima, a quem fez umapromessa, e curou-se completamente, ficando sem nenhum defeito.

– Noémia da Conceição Grego, de 18 anos, filha de Amílcar AugustoGrego e D. Maria Teresa Mautempo Grego, de Torres Novas, sofria deuma grave afeção pulmonar, resultante de uma pleurisia de que tinhamficado vestígios. Em virtude de sérios desgostos, por que passou e que

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a trataram sem obter nenhum resultado satisfatório. Alguns delesafirmavam que era um caso de meningite cerébro-espinal. Outros diziamfrancamente que não sabiam diagnosticar aquela estranha doença quese mostrava rebelde a todo o tratamento. A enferma era alimentada àforça, pois recusava toda a espécie de comida. Tinha contínuos acessosde fúria. Julgando que a queriam levar a Fátima, deixou-se conduzir,enganada, até Lisboa, para onde de modo nenhum consentia em partir.Aí foi confiada aos cuidados do Dr. Egas Moniz, no Hospital de SantaMarta. Debalde aquele distinto especialista a submeteu a diversostratamentos. Os resultados foram nulos.

Por último os drs. Júlio de Matos, Sobral Cid e Júlio Dinis fizeram--lhe uma conferência médica. A opinião concorde dos três clinicos, emextremo dolorosa para a família, foi que a enferma nunca se curaria ou,se a cura fosse possível, apenas se curaria passados muitos anos.Entretanto a mãe foi várias vezes a pé a Fátima com algumas meninasamigas da filha a fim de implorar a sua cura. Fazia toda a jornada sempredescalça, o que representava para ela um grande sacrifício, porque nãoestava habituada a andar descalça.

Com extraordinária surpresa dos médicos assistentes, a enfermarecuperou o uso da razão, quando menos se esperava, e pôde, desdelogo, saír do hospital e regressar a sua casa em Torres Novas,perfeitamente boa de saúde, não tendo desde então até hoje sentidonenhum incómodo.

– Francisco José Ferreira, de 50 anos, casado com Maria da LuzFerreira, do Alqueidão, Torres Novas, tinha as pernas chagadas numestado tão lastimoso que inspirava a quem as via um sentimento mistode dó e de horror.

Atribuia-se o seu padecimento, que era já muito antigo, a caneladasque tinha dado quando ainda era criança. Curou-se completamente,depois de duas novenas feitas pela mulher na igreja da povoação eacompanhadas por ele em espírito, com loções de água misturada comterra do local das aparições.

– Delfina de Jesus Presume, de 30 anos, solteira, filha de ManuelLopes Presume e Joaquina de Jesus Presume, do Alqueidão, de TorresNovas, sofria de uma doença desconhecida, gravíssima, horrorosa. Foitratada sem resultado satisfatório pelo Dr. Augusto Mendes, de TorresNovas e pelo Dr. Augusto Correia, de Tomar. Fez uma novena decomunhões, aplicando todos os dias água com terra de Fátima. No fimda novena achou-se curada.

Doc. 73 1923-03-a.18

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�*+,./0 12+3456 7/ 89 +,5:6 7/Alcaria, Porto de Mós, fogueteiro,sofria de uma grave doença gastrointestinal, que o levou às portas damorte. Curou-se depois de ter feito uma promessa a Nossa Senhora deFátima, a quem pediu fervorosamente que o salvasse para não deixar namiséria a mulher e os filhos.

– Laurentino Carreira Poças, de 16 anos, filho de Adriano CarreiraPoças e Joana Carreira Rebelo Poças, natural do Reguengo do Fetal,tuberculoso, curou-se depois que a mãe prometeu ir à Fátima e dar avolta de joelhos à capela com uma oferta à cabeça.

– Maria do Espírito Santo Mota, de 31 anos, do lugar dos Vargos,freguesia do Paço, concelho de Torres Novas, casada com José AntónioMota, estando muito doente com um ataque de bronco pneumonia,achou-se curada depois que o marido invocou Nossa Senhora do Rosárioe fez a promessa de ir com a família à Fátima e dar uma esmola emharmonia com as suas posses se a mulher se curasse.

– Maria da Conceição, de 21 anos, natural do lugar da Carreirancha,freguesia do Alqueidão da Serra, distrito de Leiria, filha de FranciscoCorreia e Maria dos Anjos, teve um forte ataque de gripe, depois umameningite cerebro-espinal, tuberculose e paralisia geral. Curou-se rezandoo terço e uma estação ao Santíssimo Sacramento, durante nove diasconsecutivos e utilizando todos os dias a terra do local das apariçõesdissolvida em água para uso interno e externo.

– António de Oliveira Dias, de 58 anos, do lugar dos Carrascos,freguesia do Paço, concelho de Torres Novas, sofria, havia doze anos,de uma faringite crónica, rebelde a todo o tratamento e consideradapelos médicos como incurável. Ficou curado depois de ter feito apromessa de ir à Fátima agradecer a sua cura a Nossa Senhora, se elase dignasse alcançar-lhe essa graça.

– D. Maria Manuel dos Santos, de 25 anos de idade, filha de CarlosAlberto dos Santos, já falecido, e de D. Amélia Júlia dos Santos,moradora na rua de D. Estefânia, nº 115, 3º, Lisboa, sofrendo de umacoxalgia tuberculosa dupla, curou-se depois da peregrinação que umasua irmã fez à Fátima a fim de pedir a cura a Nossa Senhora.

– António José, da Barreira, freguesia da Serra, Tomar, estavatuberculoso, tendo-lhe proibido o médico assistente que trabalhasse peloseu ofício que é fazer tachas, de onde veio o ser cognominado pelopovo “o tacheira”. Tendo recorrido à intercessão de Nossa Senhora deFátima, achou-se curado de um dia para o outro, como o constatou opróprio médico. O pároco, revº José Dias Rodrigues, em carta datadade 22 de novembro de 1921, diz textualmente: “sei que ele tem trabalhadopelo ofício e ainda há poucos dias o vi aparentando ter saúde.”

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Joaquim Pedro Crispim, proprietário, moradora no Casal da Agreireira,concelho de Torres Novas, sofria diariamente, havia alguns anos, deadormecimento ou quase paralisia dos braços a ponto de o marido terpor vezes de lhos amparar para que pudesse alimentar um filho quetinha, precisando outras vezes de os aquecer com panos e de os esfregarmuito para ganharem um pouco de ação. Cheia de confiança em NossaSenhora de Fátima, lavou os braços por três vezes com água e terra dolocal das aparições achando-se logo completamente boa.

– Manuel Gaspar, de 35 anos, natural de Ribeiros, Vila de Rei, casadocom Maria Umbelina, adoeceu gravemente em 15 de abril de 1922,passando os dias e as noites em altos gritos. O seu corpo era todo eleuma verdadeira chaga. Toda a gente o julgava perdido. Os médicos,ainda os mais afamados, não conseguiram curá-lo nem sequer descobrira causa de tão horrível enfermidade. A 13 de maio muitas pessoas dasua freguesia foram em peregrinação a Fátima e de lá trouxeram água eterra do lugar das aparições, dizendo que possuíam uma eficáciaprodigiosa e que já tinham feito muitas curas. O pobre enfermo ficoucheio de alegria e confiança, e, pondo de parte todos os medicamentos,mandou lavar as feridas com a água e empoá-las com a terra. Depois dealguns curativos desta natureza, experimentou notáveis melhoras e aocabo de alguns dias todas as feridas tinham cicatrizado, encontrando-seagora de perfeita saúde.

– Maria José, de 10 meses de idade, de Viseu, foi atacada deconstipação, seguida de rouquidão e bastante febre. A avó, D. MariaJosé de Lemos Queirós, recorreu a Nossa Senhora de Fátima,prometendo uma esmola para as obras do Santuário, se a criançamelhorasse. A rapidez extraordinária com que ela se curou, logo depoisda promessa, sem que a doença deixasse vestígios, foi considerada portoda a família como um sinal da intervenção benéfica da SantíssimaVirgem.

– “Em princípios de maio de 1919 tinha um sobrinho gravementedoente. Era de compleição bastante fraca e, tendo já treze meses, aindanão tinha dente nenhum. Grandes eram as minhas apreensões e o médiconão alimentava dúvidas acerca da gravidade do seu estado. Que fazernesta aflição? Invocar Maria Santíssima do íntimo da alma para queintercedesse por mim junto de seu Divino Filho e dispensasse a suamaternal proteção ao inocentinho.

Tinha conhecimento da proteção da Santíssima Virgem sob ainvocação de Nossa Senhora de Fátima pelo relato publicado no jornal“A Guarda”. Com este novo título a invoquei e, tendo colocado sob otravesseiro da criança uma porção de terra do lugar das aparições,

Doc. 73 1923-03-a.18

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e após esse o segundo no dia 13 de maio, aniversário da primeiraaparição. O seu estado geral melhorou e a dentição continuou a seguir oseu curso. Assim fui levada a reconhecer que mais uma vez MariaSantíssima por este facto, que considero miraculoso, manifestou a suaproteção a quem assim a invoca, para que desapareçam as dúvidas quese levantam sobre a realidade da sua aparição em Fátima.

Fiz promessa de, sendo ouvida a minha prece, tornar pública anarração que acabo de fazer, pois creio, enquanto a Igreja não disser ocontrário, que mais uma vez em Fátima a Santíssima Virgem veio à terraescolher sítio onde um novo santuário Lhe seja dedicado, para que seusfilhos saibam ser fervorosos no cumprimento dos seus deveres ecaminhem pela estrada da virtude que é a que conduz à única felicidadepossível neste vale de lágrimas e à verdadeira e eterna felicidade doCéu. – D. Maria do Carmo da Câmara (Belmonte)”.

IIIO PROJETO DOS SANTUÁRIOS

A piedade dos fiéis deseja ardentemente levantar no local dasaparições um monumento grandioso em honra da augusta Mãe de Deus.

O projeto acolhido com mais entusiasmo é o da construção de umtemplo no cimo do outeiro que domina a Cova da Iria, no sítio onde osvidentes dizem ter-se dado a primeira aparição, e de catorze capelasladeando uma avenida que conduza da estrada distrital até ao templo--monumento.

Este será dedicado à coroação de Nossa Senhora e as capelas aosoutros mistérios do Rosário.

Para estas obras era absolutamente indispensável encontrar água.Mas num raio de muitos quilómetros não aparece água na Fátima senãoem pequena quantidade e proveniente da chuva recolhida em lagoas ecisternas. Por isso uma comissão de habitantes daquela povoação tomoua iniciativa de mandar proceder a sondagens nos terrenos adjacentes àcapela comemorativa das aparições.

A primeira sondagem foi feita em 9 de novembro de 1921, depois daprimeira missa campal, à distância de quarenta metros da capela. Tendocomeçado os trabalhos de manhã, ao meio-dia já todos os operáriossaciavam a sede com a água que jorrou abundante da rocha viva.

Nos últimos meses do verão a água quase desapareceu, depois querecomeçaram os trabalhos destinados a tornar maior a capacidade dopoço, vendo-se apenas lacrimejar uma das paredes. Em princípios denovembro de 1922, concluídas as obras do poço, que tem agora muitos

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força, em seguida às primeiras chuvas do Outono, encheu totalmente ovasto reservatório, como tiveram ocasião de ver os numerosos fiéis queem 13 desse mês visitaram o lugar das aparições.

IVDATAS E FACTOS MEMORÁVEIS

Francisco Marto adoeceu no dia 23 de dezembro de 1918 com umataque de broncopneumonia e morreu no dia 5 de abril de 1919, depoisde se ter confessado e de ter recebido o Sagrado Viático com os maisedificantes sentimentos de piedade.

– Jacinta de Jesus Marto, irmã do Francisco, caiu de cama a 23 dedezembro de 1918, atacada igualmente pela mortífera epidemia queentão grassava por todo o mundo. Essa doença tão longa e tão cruel foium verdadeiro martírio para a pobre criança que expiava no seu corpoinocente os pecados alheios. Morreu em Lisboa, no Hospital de D.Estefânia, no dia 20 de fevereiro de 1920, tendo-se confessado ecomungado várias vezes durante a doença. Afirmou pouco antes demorrer que Nossa Senhora lhe tinha aparecido por duas vezes, diasantes, fazendo-lhe várias revelações, condenando os exageros do luxoe as modas indecentes e declarando que o pecado que levava maisgente à perdição eterna era o pecado da carne.

– Na época das aparições algumas pessoas de maus sentimentosque a propósito dos sucessos de Fátima ousaram blasfemar da VirgemSantíssima foram vítimas de desastres gravíssimos em que quase todasencontraram a morte. Meras coincidências? Casos não acasos? Só Deuso sabe.

– Durante a noite de 23 para 24 de outubro de 1917 algunscarbonários de Santarém arrebataram furtivamente os objetos que apiedade popular tinha colocado no lugar das aparições e no dia seguinteorganizaram um cortejo sacrílego em que exibiram esses objetos e quepercorreu as ruas principais daquela cidade com a complacência daautoridade administrativa e perante uma população inteira profundamenteindignada e horrorizada. Consta que o governador civil e o administradordo concelho não só permitiram mas até auxiliaram este ignóbil e hediondoarremedo de procissão religiosa.

– As manifestações religiosas mais importantes que até hoje serealizaram em Fátima depois das aparições foram a de 13 de maio de

2 Francisco faleceu no dia 4 de abril de 1919.

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1922, organizou-se uma grandiosa procissão que fez o percurso de maisde dois quilómetros, desde a igreja paroquial até ao sítio das aparições.Segundo os cálculos mais aproximados, feitos por oficiais do estadomaior, que estavam presentes, concorreram a Fátima nesse dia cerca desetenta mil pessoas. Todas as manifestações tiveram sempre um caráterpuramente religioso e efetuaram-se sempre com a maior ordem e respeito.

VO ATENTADO DE FÁTIMA

O selo das obras de Deus é a perseguição. Esse selo não falta à obrade Fátima.

Tão formidável, tão sistemática e tão persistente tem sido a oposiçãopromovida pelos emissários de Satanás, que muitas pessoas, insensíveisaos fenómenos e às curas extraordinárias, se renderam, finalmenteconvencidas, perante a força irrecusável desse argumento negativo.

Desde a prisão dos videntes, a 13 de agosto de 1917, até ao nefandoatentado bombista contra a capela comemorativa das aparições, sãoinúmeras as manifestações, aliás ineficazes e até contraproducentes, dasanha infernal contra a obra de Fátima. Seria longa e não caberia nosestreitos limites deste opúsculo a narração pormenorizada de todas essasmanifestações.

Limitar-nos-emos, pois, a dizer apenas duas palavras acerca do últimoatentado. Foi cometido no dia 6 de março de 1922, alta madrugada.

O receio das explosões da cólera popular levou os criminosos aexecutar o seu horrível desígnio com o favor das sombras da noite.Recaem fundadas suspeitas sobre alguns indivíduos de Lisboa, Santaréme Vila Nova de Ourém, indigitados como promotores, executores ecúmplices do nefando atentado e cujos nomes se citam. Os desgraçadosarrombaram a porta da capela e a golpes de alvião abriram quatroburacos nas paredes, a distâncias iguais, dois palmos acima do pavimento,introduzindo em cada um deles uma bomba de grande potência. Essasquatro bombas rebentaram, comunicando o fogo ao madeiramento doteto e fazendo-o abater. Uma quinta bomba foi colocada na cova, emque se encontra a raíz da azinheira sobre a qual, no dizer dos videntes,pousavam os pés da Aparição, mas não explodiu. As paredes da capela,embora bastante danificadas, ficaram de pé.

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VIO ESCÂNDALO DAS TABERNAS E VENDAS

AMBULANTES

O célebre escritor francês convertido Huysmans3, no admirável livro“Lourdes”, demonstra que a serpente maldita, não podendo vingar-sepor outra forma daquela que lhe esmagou a cabeça com o seu pé virginal,empenha-se com todo o ardor em estampar a nota do feio e do reles emtodas as obras de arte e em todas as manifestações destinadas a honrá--la.

Em Fátima, logo de princípio se manifestou claramente essa guerraindireta do demónio, a pior de todas, à obra da Virgem.

E os instrumentos dessa guerra – triste é dizê-lo – não são ímpios oudescrentes, o que não seria para estranhar, mas pessoas de sentimentoscristãos que aproveitam o ensejo para explorarem comercialmente asaparições. Assim, pouco a pouco, têm-se construído próximo do localalgumas tabernas, que põem uma nota triste e sobremodo desagradávelem todo aquele formoso cenário. Nada pode ser mais contrário àvontade de Nossa Senhora do que essa profusão de lugares que sãopara tantas criaturas humanas a ocasião de se entregarem à prática deum dos vícios mais hediondos e repugnantes. Quantas transgressões dalei de Deus se cometem cada dia nesses antros malditos, que são acausa da desgraça e da miséria de tantas famílias! Homens e mulheres,em grande número, colocados em filas ao longo dos atalhos que vão daestrada até junto da capela, ou dispersos por vários sítios próximos,vendem toda a espécie de comestíveis e bebidas, convertendo aquelaestância santificada pela presença da Rainha do Céu num autêntico arraial,ou pior do que isso, numa verdadeira feira.

Loreto e Lourdes, para não falar de outras terras igualmente visitadaspela augusta Mãe de Deus, são hoje centros de exploração mundial, emque assentaram arraiais, numerosos judeus e incrédulos que contribuemem larga escala para descristianizar a população daquelas cidades outroratão florescentes sob o ponto de vista religioso.

A autoridade eclesiástica tem diligenciado pôr cobro a semelhanteprofanação, mas com pouco resultado. O único meio eficaz de oconseguir seria resolverem todos os peregrinos abster-se de comprar oque quer que fosse aos vendedores ambulantes e nas tabernas construídas

3 Joris-Karl Huysmans, escritor francês (1848-1907).

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grande sacrifício, seria sem dúvida um dos atos mais meritórios e maisgratos a Nossa Senhora que os fiéis poderiam praticar em sua honra.

Praza a Deus que os peregrinos se compenetrem bem da importânciadessa obrigação para que dentro em breve semelhantes vendasdesapareçam por completo ou vão estabelecer-se a alguns quilómetrosdo local das aparições.

Só assim esse lugar conservará intacto o seu caráter sagrado, quetão intensamente concorre para aumentar a piedade e a devoção nasalmas dos crentes.

Num ofício ao reverendo pároco de Fátima o Senhor Bispo de Leiriaproíbe rigorosamente a venda de vinho e o lançamento de foguetespróximo do local das aparições, conferindo ao Pároco a faculdade decomutar em outras obras as promessas de deitar foguetes.

VIICOMISSÃO DE INQUÉRITO

Quase cinco anos depois da primeira aparição, a 3 de maio de 1922,Sua Excelência Reverendíssima o Senhor D. José Alves Correia da Silva,ilustre e venerando Bispo de Leiria, publicou uma notável provisão, emque nomeia uma comissão de eclesiásticos incumbida de proceder,segundo as leis canónicas, a um rigoroso inquérito aos acontecimentosmaravilhosos de Fátima.

Essa comissão é composta dos seguintes membros:Rev.º João Quaresma, Vigário Geral da DioceseRev.º Faustino José Jacinto Ferreira, Prior do Olival e Vigário da

Vara de OurémRev.º Dr. Manuel Marques dos Santos, Professor do SeminárioRev.º Dr. Joaquim Coelho Pereira, Prior da BatalhaRev.º Dr. Manuel Nunes Formigão Júnior, Professor do Seminário

Patriarcal, com autorização de Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarcade Lisboa.

Rev.º Joaquim Ferreira Gonçalves das Neves, Prior de Santa Catarinada Serra

Rev.º Agostinho Marques Ferreira, Pároco de Fátima.A comissão agregará a si ou proporá a nomeação de peritos. Sua

Excelência Reverendíssima ordena a todos os fiéis da sua diocese epede aos de dioceses estranhas que deem conta de tudo quanto souberemquer a favor quer contra as aparições ou factos extraordinários que lhes

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exploração, superstição, doutrinas ou coisas deprimentes para a nossaSanta Religião.

Qualquer dos membros da comissão fica autorizado a receber osnomes dos que devem ou querem depôr e as informações eesclarecimentos úteis de todas as pessoas que estejam em condições deos poderem fornecer.

VIIIPREPARAÇÃO PARA AS CURAS

“Na presença deste brilhante conjunto de milagres, acumulados, porassim dizer, uns sobre os outros, e cuja evidência se impõe à boa fé maisvulgar, alegremo-nos por sermos filhos da Santa Igreja Católica, queDeus não cessa de visitar, e à qual continua a dar o testemunho divinopor excelência, o testemunho do milagre.

Nos primeiros tempos, o milagre, era a grande prova da verdade dafé, e, posto que atualmente não seja tão necessário, não é menos útil ànossa inteligência; e a experiência demonstra o poder com que ele reanimae consola a nossa fé.

Observemos no entanto que, por mais numerosos e incessantes quesejam os milagres de Lourdes, não se deve esquecer que aí, como emtodos os santuários de Nossa Senhora, o milagre não é e não pode sersenão a exceção.

Quem diz milagre, diz intervenção extraordinária da Omnipotênciadivina nas coisas humanas. Seria pois ridículo imaginar que basta beberuns golos de água da gruta de Lourdes, ou fazer uma novena, ou mesmoir em romaria à gruta milagrosa, para ser infalivelmente livre dumaenfermidade.

A confiança na Imaculada Conceição nunca poderá ser assaz grande,assaz completa; mas é preciso que essa confiança seja sempre dominadapor um profundo amor da vontade de Deus e pela submissão maisabsoluta às vias ocultas pelas quais nos dirige a Divina Providência.Sempre, – atentai bem nisto! – sempre a Mãe de Misericórdia ouve edefere as nossas súplicas, mas Ela defere a seu modo, não ao nosso;atende-as divinamente, concedendo-nos o que é melhor, mais útil à nossasantificação. O sofrimento é muitas vezes a graça das graças e o maisreal de todos os bens. Se a Virgem Santíssima nem sempre julgaconveniente curar os males do nosso corpo, – não duvideis! – Ela nosobtém e nos confere as graças da resignação, da fé viva, mais úteis milvezes do que todas as curas.

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³amos, pois, à Virgem Imaculada de Lourdes com estes sentimentoselevados, únicos dignos de corações cristãos, e porque não fomosfavorecidos, como outros, pela graça dum milagre, não sejamosdemasiadamente simples supondo inútil essa novena, essa aplicação daágua da gruta, essa confiança no poder da Virgem, essa longa e penosaromaria, que não foi coroada duma cura ardentemente pedida eimpacientemente esperada.

O que é fora de dúvida é que nunca se implora em vão a SantíssimaMãe de Deus e que jamais poderá haver excesso em recorrer ao seucoração maternal”.

Até aqui Mons. de Ségur4.Como o milagre é uma intervenção extraordinária da Providência, e

Deus, fazendo-o e abrindo assim uma exceção às leis da natureza, temem vista um fim de ordem moral, convém que o enfermo, que pretendaobter algum em seu favor, se prepare para ele, a fim de ter maioresprobabilidades de ser atendido. Por isso importa recomendar que osdoentes que vão à Fátima ou que em suas casas imploram o auxílio deNossa Senhora de Fátima, além de receberem os santos sacramentosda confissão e da comunhão com as devidas disposições e de orarem efazerem orar pela sua intenção as pessoas piedosas das suas relações,obtenham dos médicos que os tratam atestados tão completos e tãominuciosos quanto possível, datados e reconhecidos por um notário,para os entregarem oportunamente à comissão de inquérito.

Depois de curados deverão fazer-se observar pelos mesmos médicose por outros que testifiquem a sua cura.

Doutra forma, essas curas, por mais extraordinárias que pareçam,não podem ser reconhecidas oficialmente como miraculosas, com prejuízoda glória de Nossa Senhora e do bem das almas.

IXCARÁTER DAS PEREGRINAÇÕES

As peregrinações do dia 13 de cada mês à Fátima têm um caráterinteiramente particular, não se assemelhando de modo algum às romariasque hoje se fazem a muitos santuários do nosso país e que em geralredundam em desprestígio da Igreja e em prejuízo das almas. A lembrançasempre viva das aparições e dos sucessos maravilhosos de que Fátima

4 Mons. Louis Gaston de Ségur (1820-1881).

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é ´µ¶´·¸¹ ¶ ¶´º¸»¼µ·¶ »¶´½·¶¾¶ ¾µ »¸¿·µÀ¶´½·¶Á ½µ ¶Áà »µ ·µ»Ä÷¶¹ ¸ ´µº¸·

religioso que insensivelmente se apodera de todos os que se aproximamdo centro das maiores manifestações periódicas de índole religiosa, queregistam os anais de Portugal, impedem a explosão das paixões humanase conservam à distância aqueles que por ventura sejam tentados a visitaro local das aparições sem sentimentos de piedade ou pelo menos derespeito.

Por isso os peregrinos durante a viagem entregam-se à oração, entoamcânticos em honra da Virgem ou guardam um relativo silêncio que nãoexclui a vivacidade natural e inocente da gente moça e a alegria sã dasconsciências sem mancha.

Às 10 horas da manhã há na igreja paroquial de Fátima missa,comunhão geral e bênção do Santíssimo, a que é de toda a conveniênciaque assistam os peregrinos. Os que desejarem comungar devemconfessar-se de véspera nas suas terras. O local das aparições fica apouco mais de dois quilómetros da igreja paroquial.

Quando a concorrência é mais numerosa e a autoridade civil não selembra de pôr embargos, organiza-se uma vistosa e tocante procissãoque sai daquele templo em direção à Cova da Iria. Ali celebra-se, aomeio-dia, sempre que o tempo o permite, uma missa rezada, em que seministra a sagrada comunhão, e que é seguida de sermão pregadogeralmente por um notável orador.

Como a igreja paroquial fica situada à beira da estrada que conduzao local das aparições, os peregrinos, mesmo os retardatários, costumamlouvavelmente suspender ali por instantes a sua jornada para fazer umabreve visita a Jesus Sacramentado.

XINFORMAÇÕES ÚTEIS

As pessoas que quiserem ir a Fátima utilizando a locomoção ferroviáriapodem tomar bilhete para as estações de Leiria, Torres Novas ou Chãode Maçãs, devendo partir na véspera do dia em que desejam fazer avisita ao local das aparições. Em todas as três estações de caminho deferro há carros de carreira, respetivamente para Leiria, Torres Novas eVila Nova de Ourém, mas apenas na de Leiria se encontram semprelugares disponíveis em grande número. Também só naquela cidadeexistem hóteis com todo o conforto moderno, como o Hotel Lis, o HotelCentral e o Hotel Marques, havendo ainda muitas casas particularesque recebem hóspedes. Uma comissão permanente, presidida pelo ex.mo

Doc. 73 1923-03-a.18

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276 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÅÆÇÈÉÊËÊÆÌ ÍÆÎÆ ÅÆÌÏÐÑ ÊË ÒÓÔÕË ÅÖÌËÊÆ× ÈÉØËÌÌÈÙËÚÑÈ

obsequiosamente de fornecer esclarecimentos e prestar auxílio aosperegrinos a fim de conseguirem alojamentos e transportes sem correremo risco de serem vítimas de odiosas especulações. Os rev.os Dr. ManuelMarques dos Santos, no Seminário, e Dr. Sebastião Brites, na Sé, darãoaos peregrinos as indicações que por estes lhes forem solicitadas. EmTorres Novas e em Vila Nova de Ourém também se podem obter, comrelativa facilidade, meios de transporte para Fátima. Lembram-nos, entreoutras, as alquilarias de Espada, em Vila Nova de Ourém, e dos irmãosIsidros, em Torres Novas.

Em 13 de maio e em 13 de outubro costuma haver carreiras decamions de Torres Novas e de Leiria.

De Torres Novas o preço de cada lugar tem sido, até hoje de dezescudos, ida e volta, sendo necessário reservar lugares com algumassemanas de antecedência. Os outros meios de transporte para essesdias têm igualmente de ser alugados muito tempo antes.

De Torres Novas para a Fátima um trem para quatro ou cinco pessoasnão custa menos de sessenta escudos. Em ocasiões de poucaconcorrência obtêm-se alojamentos em Torres Novas no Hotel Madeirae em Vila Nova de Ourém no Hotel Espada e na Hospedaria Central deMaria Joana e irmã.

Alguns peregrinos do norte do país têm alugado carros em Tomar,onde as alquilarias são numerosas e estão bem providas de material ede gado, para os irem esperar à estação de Chão de Maçãs à chegadado comboio da madrugada do dia 13 e os reconduzirem à mesma estaçãoa fim de tomarem o comboio da noite.

Em Fátima só com dificuldade e por favor se consegue hospedagemem casas particulares, de bons camponeses, que não podemproporcionar comodidades de espécie alguma aos seus hóspedes.

Distâncias em quilómetros: da estação à vila de Torres Novas setequilómetros, da vila à Fátima vinte e cinco através da serra e quarentapor Vila Nova de Ourém, da estação de Chão de Maçãs a Vila Novade Ourém doze, de Vila Nova de Ourém à Fátima catorze e de Leiria àFátima vinte5.

5 Não se reeditam, nesta seleção, os capítulos XI (Promessas aos devotos doRosário) e XII (Meditações do Rosário segundo o Beato Grignion de Montfort).

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ÛÜÝÞ ßà

1923-05-09, Santarém

Ofício do Governador Civil de Santarém, António Augusto de Castro, para oMinistro do Interior, a pedir orientações sobre a proibição da peregrinação aFátima, prevista para o dia 13.

Publ.: DCF, IV-2 - Doc. 275

áâãäåæçèêëâìíîïåðê

Santarém, 9 de maio de 1923Excº Snr. Ministro do Interior.

Lisboa.

Acaba de me ser entregue por um grupo de sinceros republicanos,desta cidade a inclusa representação que tenho a honra de enviar a V.Excª pela qual as comissões políticas do partido republicano portuguêsem Santarém pedem a minha intervenção no sentido de proibir umamanifestação de forças reacionárias que se pretende levar a efeito nopróximo dia 13 na povoação de Fátima, deste Distrito.

Afigura-se-me de gravidade o facto, não só pela intenção nele posta,como a representação acusa, mas ainda e principalmente, por vir causarprovável e grave alteração da ordem pública.

Por esse motivo venho rogar a V. Excª se digne com toda a urgênciaordenar sobre o caso o que o ponderado e douto critério de V. Excªtiver por conveniente, cumprindo-me ponderar ainda que o númeroreduzido de soldados da Guarda Nacional Republicana aquartelada nestacidade é atualmente muito reduzido e as tropas de infantaria só porordem de Sua Excª o Snr. Ministro da Guerra podem deslocar-se paraa Fátima que dista desta cidade mais de cinco quilómetros.

Aproximando-se o dia 13, rogo a V. Excª uma resposta urgente.

Saúde e Fraternidade O Governador Civil.

Doc. 74 1923-05-09

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278 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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1923-05-14, Vila Nova de Ourém

Telegrama do Administrador do Concelho de Vila Nova de Ourém, António deSá Pavilon, para o Governador Civil de Santarém, António Augusto de Castro, ainformar que a procissão de Fátima à Cova da Iria não se realizou.

Publ.: DCF, IV-2 - Doc. 283

÷øùúûüú V. Exª que em obediência à Lei não se realizou ontem aprocissão de Fátima à Cova da Iria a romaria que foi extraordinariamenteconcorrida correu sem novidade não havendo a mais pequena alteraçãoda ordem pública as forças sob o comando de um Tenente chegaram aliàs 9 horas e retiraram à tarde sem que tivessem ocasião de intervir.

Adm.or Concelho

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ýþÿD��1923-05-14, Lisboa

Intervenção do deputado António Lino Neto1 sobre a proibição do cultocatólico em alguns locais, incluindo Fátima.

Publ.: DCF, IV-2 - Doc. 285

R������� PORTUGUESADIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO Nº 82EM 15 DE MAIO DE 1923

Antes de se encerrar a sessão. – O sr. Lino Neto pedeprovidências contra perseguições que diz terem sido praticadascontra católicos, respondendo o Sr. Presidente do Ministério.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Lino Neto: – Sr. Presidente: acabam de dar-se no país trêsfactos que impressionaram a consciência católica, e sobre os quais peçoas informações adquiridas ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro doInterior.

O primeiro facto foi a proibição do culto na igreja de Santa Cruz deCoimbra, pelo respetivo administrador do concelho, quando esse cultoestava sendo exercido à hora legal; o segundo foi a proibição dumamanifestação religiosa, num descampado, no sítio denominado Cova daIria, em Fátima, no concelho de Vila Nova de Ourém, estando presentespara mais de 60:000 católicos em ordem e no espírito mais conciliadore harmónico que é possível imaginar-se; e o terceiro facto foram insultose afrontas ao Sr. Arcebispo de Évora, quando, no cumprimento da suamissão religiosa, visitava a freguesia da Igrejinha, no concelho deArraiolos, há dias, sendo insultado por um grupo de díscolos, e, em taiscondições, que não pôde exercer as suas funções tranquilamente e empaz.

Os católicos têm-se imposto sempre; eles são dignos de toda aconsideração pelo seu número, pelas suas qualidades e pelo seu espíritode ordem.

1 Professor e advogado nascido em Mação a 30 de janeiro de 1873. Foi leader dosdeputados católicos até 1926.Faleceu a 16 de novembro de 1961.

Doc. 76 1923-05-14

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Tais factos, portanto, são profundamente lamentáveis.Peço ao Sr. Presidente do Governo para nos dar informações a esse

respeito, e no caso de serem exatas as notícias, que têm sido dadas pelaimprensa, nos dizer que providências tomou, como é de lei e de justiça.É necessário que não nos esqueçamos e que as autoridadesadministrativas deste País se não esqueçam que os católicos, pelo simplesfacto de o serem, não deixam de ser cidadãos portugueses.

Tenho dito.O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (AntónioMaria da Silva): – O Sr. Lino Neto refere-se a três factos.

O primeiro referente à proibição do culto na igreja de Santa Cruz deCoimbra.

Pelo respetivo administrador foi dito que as pessoas que prestavamesse culto não respeitaram a lei da Separação, praticando o culto denoite.

O Estado Português não tem vantagens em estar a perseguir quemquer que seja, mas é necessário que todos prestem respeito à lei.

Apartes.Cumpram a lei da Separação essas pessoas que prestam o culto

referido, que o Estado lhes permitirá as suas devoções.Quanto ao caso da Fátima, o respetivo administrador observou que

se queria fazer uma procissão, que não estava nos termos da Lei daSeparação.

Trata-se pois de um outro caso de falta de respeito à lei.Apartes.O último caso a que S. Exª se referiu e do qual teve conhecimento,

como disse, pela notícia de um jornal, diz respeito a ofensas ao Arcebispode Évora, quando ia em visita a algumas igrejas.

Vou mandar saber a quem de direito pode informar, e não permitireique se atente contra os direitos de quem quer que seja, mas não querofazer juízos temerários porque não conheço o facto.

A todos recomendarei o respeito à lei, e V. Exª, Sr. Lino Neto, tambémda sua parte pode recomendar aos católicos o respeito às leis do país.

Tenho dito.O orador não reviu.

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�� ��1923-05-18, Lisboa

Diário das Sessões do Senado, com intervenções sobre o caso de Fátima.

Publ.: DCF, IV-2 - Doc. 289

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DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO Nº 39EM 18 DE MAIO DE 1923

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Ramos de Miranda: – Antes de se entrar no assunto paraque propriamente pedi a palavra, eu desejo associar-me à manifestaçãoque o Senado fez há pouco aos Congressistas do Ribatejo que hojeinauguram o seu congresso em Santarém.

O assunto de que me vou ocupar é importante e eu muito desejariaque o Governo estivesse representado, porque queria chamar a suaatenção para este caso que pode assumir um caráter um pouco gravepelas circunstâncias em que se vai manifestando.

Como não vejo agora nenhum membro do Governo nesta Câmara,eu pedia a V. Exª, Sr. Presidente, a fineza de transmitir ao Governo ocaso de que me vou ocupar, porque eu não quero perder a ocasião deo referir ao Senado.

O assunto é melindroso, e eu procurarei pesar bem as minhas palavras,porque eu não quero que delas possa surgir qualquer melindre mas quesimplesmente delas ressalte a necessidade de os assuntos serem tomadospor todos na sua devida consideração e de se não avolumar o caráterque muitas pessoas lhe queiram dar, e que pode ser prejudicial paratodos.

Eu quero-me referir a um “milagre” que já está em voga, realizadoanualmente num ponto do distrito que eu tenho a honra de representarnesta casa do Parlamento, no sítio de Fátima, no meio de uma planícieescalvada, próximo de Vila Nova de Ourém.

O Sr. Ministro da Instrução entra na sala.

Doc. 77 1923-05-18

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O������� – Eu torno a dizer que não tenho a intenção de agredirninguém, nem de molestar nas suas crenças, nem nas suas superstiçõesde quem quer que seja.

Eu simplesmente quero chamar a atenção do Governo para que esteassunto seja ponderado, e que se lhe dedique a atenção que ele realmentemerece.

E posso afirmar por conhecimento que tenho, visto pertencer à região,que inicialmente na Fátima havia um ou dois indivíduos que exerciam oofício de curandeiros, ofício que o Governo vai permitindo, mas para oqual deve olhar com atenção.

Esse exercício de curandeiro transformou-se em ação quasemilagrosa, por indicação ou antes por instigação de terceiras pessoas.

Foi-se avolumando esta superstição a ponto tal de se reunir em voltade um desses curandeiros uma romaria quase que impulsionada porsugestões alheias, e assim esse curandeiro, foi adquirindo, por assimdizer, um poder de ação medicamentosa, quase sobrenatural, sem noentanto possuir a consagração, nem os conhecimentos das faculdadescientíficas.

Depois o facto transformou-se em caráter religioso e esse curandeiro,penso que começou a dizer que a sua ação benéfica sobre os doentesque a ele acorriam provinha da presença de uma certa imagem, que elepossuía e que estava junto da sua habitação.

Mais tarde o curandeiro desaparece do lugar e a imagem toma forosde milagrosa e passa a ter a influência que o curandeiro até ali tinha.

Não sei o destino que teve o curandeiro, mas o que é facto é que umou dois anos depois, num belo dia previamente anunciado, faz-se umaromaria ao planalto de Fátima, provocada não se sabe por quem, einstigada não se sabe por quem, para prestar homenagem à mesmaimagem, para a qual já se tinha construído uma capela, e então começoutoda a gente correndo para a água de uma lagoa.

Atualmente a superstição já está de posse de muita gente que vemde muitos pontos para ver o milagre, porquanto até se diz que nesse diadança o sol.

A água da lagoa, por determinação do subdelegado foi classificadade água pútrida e mandada secar; mas para não perderem a suaqualidade milagrosa, abriram um poço com 15 metros de profundidade.

Nele aparece a água na época das chuvas que as recebe por estaraberto, e é com essa água que se fazem as curas milagrosas.

Ora chamo a atenção de quem para este assunto deve olhar.Aparte do Sr. Vicente Ramos.

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��� !��" – Eu ponho a máxima cautela no que digo. Estou notandoo que dizem.

Por consequência daí podem provir até infeções transmitidas porpessoas doentes que lá se tenham lavado.

É, portanto, um perigo para a saúde pública, além de uma sugestão aque é levada a gente dos arredores da serra.

Os instigadores desta crença podem provocar uma reação naturalpor parte dos espíritos esclarecidos ou que tenham conhecimentoscientíficos.

É preciso que se ponha cobro nessa brincadeira e se tenha mão nossugestionadores.

Há tempo, ouvi dizer que tinha sido nomeada uma comissão da partedos instigadores da romaria para saber se os factos eram ou nãoverdadeiros, tendo concluído que o eram. Essa comissão também terásuas culpas no caso de vir a dar-se qualquer conflito.

Limito por aqui as minhas considerações.O orador não reviu.

O Sr. Dias Andrade: – Ouvi com atenção as considerações do Sr.Ramos de Miranda e começo por registar com aprazimento, o cuidadoque S. Exª teve de se meter dentro de uma elevada correção referindo--se aos factos que se passam em Fátima. Nada sei da ação doscurandeiros da região.

Sei que, há alguns anos, e em certos dias ali vão muitos peregrinosprestar culto à Virgem.

Ainda no último domingo, 13 deste mês, essa romaria se realizou,juntando-se ali mais de 100:000 pessoas. O que ali se passou constituiuuma grandiosa manifestação de fé.

Com relação aos feitos sobrenaturais de Fátima, ainda a igreja senão pronunciou.

Foi iniciado o respetivo processo, que segue com o maior cuidado;concluído ele, Roma falará, e o seu juízo será acatado por todos oscatólicos.

A igreja procederá sobre a aparição de Fátima tal como se fez coma aparição de Lourdes.

Não tem razão o ilustre Senador nas suas apreensões e nos seusreceios para o futuro.

A propósito eu vou citar um caso passado em França quando alicomeçaram as peregrinações a Lourdes.

Um dia no Eliseu, na presença do marechal Mac-Mahon, Presidenteda República, houve alguém que estranhou que a essa peregrinação

Doc. 77 1923-05-18

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f#$$%& '()'#$&*+*'(,%$ f(,-(-#$. (# /0% (/0%+% &(,%12(+ ,%$3#)-%04“Tenho muito menos medo de cem pipas de água benta do que umabarrica de petróleo”.

Na verdade, não é na água benta que está o perigo para os Estadose para a ordem pública; esse perigo está noutra parte e para aí é que oilustre Senador devia chamar as atenções do Governo.

O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): – Pedi apalavra para dizer ao Sr. Ramos de Miranda que transmitirei as suasconsiderações sobre os factos passados em Fátima ao Sr. Presidentedo Ministério.

[...]

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285

5678 9:1923-06-01

Impresso “Alerta! Povo Liberal!”, distribuído por um grupo anticlerical, noqual se chama a atenção para o que se tem passado em Fátima.

Publ.: DCF, IV-2 - Doc. 307

A;<=TA!

Povo Liberal:

Para defesa da santa liberdade das consciências – garantida pelaprimitiva Lei da Separação da Igreja do Estado – das furiosas arremetidasdo jesuitismo implacável, – o maior inimigo de toda a felicidade humana!– organizou-se nesta vila o Grupo Anticlerical, à semelhança do que seestá fazendo em muitas terras do País!

Assim era necessário. Chamam-nos à luta. Apresentamo-noscorajosamente!

Trava-se novamente com entusiasmo, com ardor, a grande, aformidável batalha do progresso contra a Reação Ultramontana, daLiberdade contra a Tirania, da Verdade contra a Mentira!

A aurora redentora que o Povo português viu despontar em 5 deoutubro de 1910 está prestes a eclipsar-se, intercetada pela aluviãoimensa das batinas negras!... Mas na noite tenebrosa que pretendeenvolver a Razão; onde o sofrimento moral toma proporções de tragédianuma asfixia espantosa, vai novamente romper a Luz!... a luz consoladorados espíritos elevados... e como um espantalho sinistro a torva reaçãofugirá apavorada!...

Povo liberal! Escuta-nos! Esta luta é terrível! Muitos dos nossos irãoficar, talvez, esmagados, torturados no campo da luta, mas queimporta?!... Toda a guerra contra a reação é uma guerra santa porqueliberta as consciências das garras dos seus inimigos!... É o combate daJustiça, contra a Iniquidade, do Amor contra o Ódio, do Bem contra oMal!... À luta pois pelo Progresso que torna bela a vida; pela Liberdadeque redime os povos e pela ciência que nos guia a todos como um faroleterno para a Luz da Verdade!

Doc. 78 1923-06-01

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286 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

G>?@ B@CEFHI@ J K>L>MCN> B>PN>QS M@FU ?Q@NF@U@U JUVWNFE@U MJPortugal, ante os quais as nossas almas joelham religiosamente; –rompendo ousadamente os ares com a certeza matemática de quemsabe o caminho a percorrer para ir de um ponto a outro pontodeterminado; voando pelo azul imenso tão seguros da sua rota, comoqualquer de nós caminhando sobre a terra, mostraram-nos que a ciêncianão é uma palavra vã!

É mais real e positivo o poder do seu sextante prodigioso, fruto deimensas lucubrações científicas, que a cruz de Cristo pintada no seuaparelho, que nem sequer os livrou da queda por falta de gasolina empleno mar ao sabor das vagas...

Essa viagem extraordinária, cujas peripécias nos comoveram até àslágrimas, foi a mais retumbante vitória científica dos últimos tempos! Foiacima de tudo a afirmação potente da ciência!

Façamos portanto da ciência a nossa religião, e a religião científica éa Liberdade do Pensamento!

Ser Livre Pensador é amar a ciência imortal esperando ansiosamenteque ela nos revele a verdade dos grandes enigmas do Universo! E só elaos poderá revelar!...

Povo! Lutemos sempre!Da vitória do progresso, da ciência, da Liberdade, do Livre

Pensamento, resultará a felicidade humana, a alegria, o amor, afraternidade, o respeito pelas mulheres, a veneração pelas mães, aadoração pelas criancinhas, o carinho para os velhos, a proteção aosdoentes, aos infelizes, aos torturados...

Da vitória da reação, do clericalismo, do jesuitismo negro, torvo eferoz, resultará: a forca, os autos de fé com os seus destroços humanos,a perseguição, o exílio, o roubo, o incêndio, o desfloramento de mulheres,a matança das crianças, a tortura monstruosa de todos os espíritos livres!...

A história de tantos crimes praticados em nome de Deus horroriza--nos! A Inquisição trucidando, esfarrapando, queimando implacavelmentea carne de tantas vítimas, é ainda hoje, em pleno século XX um espetrosinistro a perseguir-nos!...

Ó mães santíssimas! Ó santas mães piedosas que tanto amais asmeigas criancinhas! Tende compaixão dos vossos lindos filhinhos, frutossagrados dos seus ventres benditos: Amai a Liberdade!...

Amai a Liberdade, ó mães extremosas, santas imaculadas do nossoaltar! Suplicamos por eles... pelos vossos filhos, que são a luz dos vossosolhos cândidos, a vida da vossa vida... pelas criancinhas... por todas ascrianças, mimosos botões de rosa que o retrocesso açoita furiosamente,– amai a Liberdade!...

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XYZ[ Z\[]^_`Z`^a bYc^d dZeghdd[YZdijjjE vós ó pais! Chefes de família que tanto estremeceis os vossos

entes queridos, arrancai-os às garras impiedosas dos reacionários quelhe torcem o cérebro e matam a razão!

Escutai-nos todos, homens, mulheres e crianças; escutai: a Liberdadeestorce-se em convulsões horríveis... vibra no espaço, repercutindo-sede serra em serra, um clamor angustioso pedindo socorro!...É aLiberdade que tomba aniquilada! É a Liberdade que morre nas garrascruentas do jesuitismo!

Corramos a salvá-la! Que nem um só de vós que adore a Liberdade,se detenha... porque defender a Liberdade é defender a vida... porquea vida de nada serve quando a Liberdade falte!...

Vamos ao combate, povo, vamos sem demora, que a Liberdademorre...

O que é essa ridícula manifestação da aparição da Fátima senão umpretexto para impunemente perante os nossos olhos espantados comtanto atrevimento, os padres, os jesuítas da casaca e chapéu fino, todaa corte de reacionários, fazerem uma parada das suas forças?!

O ataque à República, à Liberdade, é bem claro. Pois não dizemeles nos seus pasquins infames próprios da sentina, que nós os livrepensadores, é que somos os traidores, os inimigos da República?!...Que todo o ser que vive impenitente e morre recusando os sacramentosda igreja católica, vive como um bruto e morre como um cão?!...

Somos brutos, somos cães, porque, apesar dos nossos exemplos devirtudes cívicas, de bom comportamento social, não acreditamos nacomédia da Fátima, nem em outras comédias semelhantes!

Povo, tens sentimento religioso? És crente?! Pois bem, guarda a tuacrença, a tua fé, – que nós respeitamos, – mas não te deixes explorar!Não deixes violentar a tua consciência religiosa por esses negociantesda religião!

O Milagre da Fátima, povo, é uma ridícula mentira, é uma comédia,não é religião!

Vamos, liberais! Ergamo-nos todos desta apatia criminosa, e semdemora combatamos, não o sentimento religioso do povo português,povo tão bom, raça de heróis, mas combatamos a exploração que oclericalismo está fazendo ao povo, impingindo-lhe por bom preço,imagens da santa – de marca registada para evitar a concorrência deoutros vampiros! – ó descaramento! – e levando-o pela sugestão achafurdar e a beber loucamente, a água milagrosa, água porca, imunda,cheia de podridão, de pus e de micróbios pestíferos que as carneschagosas de doentes ali deixam depositadas nas lavagens!...

Doc. 78 1923-06-01

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288 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

kamos, todos como um só homem, ao combate à reação obrigando--a a recuar e assim com o nosso esforço, salvaremos a República e aTerra Portuguesa do seu aniquilamento fatal!

Viva a República!

Viva o Livre Pensamento!

1 de junho de 1923.

GRUPO ANTICLERICAL

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lmno pq1923-06-29, Lisboa

Testemunho do Dr. Henrique Weiss de Oliveira sobre os fenómenosatmosféricos a que assistiu, no dia 13 de maio de 1923, na Cova da Iria, enviado aoDr. Formigão.

Publ.: DCF, IV-2 - Doc. 317

rstuv wxyzy ty{vus ts |sxxy}wy v}s~ wy}ts v|v�vts ty ws{vx �{vrefeição dentro de um automóvel na estrada junto à Cova da Iria, domeio-dia e meia hora para a uma da tarde, e, quando de novo voltavapara junto da Capelinha, ouvia pelos grupos por onde ia passandoexclamações admirativas sobre um fenómeno maravilhoso que afirmavampassar-se no sol para o qual dirigiam os seus olhares. Duvidando assazda repetição dos fenómenos maravilhosos que a milhares de pessoasdeslumbrara, segundo relatos fidedignos, quando da última aparição deNossa Senhora em 1917, ia passar avante sem que mesmo me desse aotrabalho de olhar. Lembrei-me, contudo, de que, quando pela primeiravez fui a Fátima em treze de outubro do ano passado, e ao ouvir emvolta de mim semelhantes rumores admirativos, nada vira à rápidainspeção que então fiz, e talvez por estar animado daquele espírito dedúvida. Quis, pois, certificar-me desta vez para com plena consciênciapoder dar o meu testemunho a quem e quando me fosse pedido. E,tendo parado junto a um grupo e fixando o sol com o cuidado deresguardar os olhos da incidência direta dos raios solares, como nadavisse, logo dali me recomendaram insistisse que alguma coisa veria. Foipreciso uma demorada insistência para alcançar ver por fim o que atodos maravilhava, e causava espanto de por mim não ser visto. E vicom uma nitidez precisa e por duas vezes o que muito propriamente agente do povo, na sua linguagem imaginada, semelhava = pétalas de florde amendoeira. Caíam de uma grande altura (não as vendo já desprender--se do sol como as pessoas que me rodeavam as viam), e rápida esuavemente, ao mesmo tempo, quando chegavam próximo do solodesapareciam. Muito brancas e brilhantes, com um sol ardente e uma

1 Nasceu em Lisboa em 1878. Pertenceu à Maçonaria, exercendo ao mesmo tempoas funções de Governador Civil de Aveiro. Em Lourdes, converteu-se aocatolicismo, assim como sua mulher Maria da Encarnação Weiss de Oliveira.Faleceu, a 25 de agosto de 1940.

Doc. 79 1923-06-29

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290 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

��������� ������������� ������� ������������� ��������������, nempara mim mesmo, acabei por fim, e ao cabo de bastante tempo, porconcluir que não há fenómeno algum natural assim, nem conhecido, nemdescrito, inclinando-me, portanto, para o sobrenatural. Hoje creiofirmemente que assim foi, porque tive testemunhos que me permitemreconstituir o fenómeno como se me afigura se tenha dado segundoesses testemunhos. Primeiro podia-se fixar o sol demorada eimpunemente vendo-se nele fenómenos magníficos de beleza e cor; depoiscomeçou uma chuva abundante das pétalas atrás mencionadas; e quandocheguei já não era possível fixar o sol e estava-se no final do fenómeno,que foi bastante demorado, o que explica a minha dificuldade empresenciá-lo já. Pela santidade da minha fé e pela minha honra, juro seresta a expressão da verdade, e fazer livre e gostosamente a presentedeclaração, que já de viva voz fizera a quem de direito, e que graciosa eamavelmente me pede para sintetizar nestas curtas linhas.

Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1923, 29 de junho – Avenidada Liberdade 176, 5º d.to Lisboa

Henrique Weiss de Oliveira

ex-cirurgião dos Hospitais Civis de Lisboa

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Doc. 801923-09-28, Fátima

Interrogatórios oficiais realizados pela Comissão Canónica a Manuel PedroMarto e Olímpia de Jesus (pais dos videntes Francisco e Jacinta Marto), MariaRosa (mãe da vidente Lúcia), Maria dos Santos e marido, Manuel António dePaula e José Alves, acerca dos acontecimentos de Fátima.

Publ.: DCF, II - Doc. 4

���������TÓRIOS OFICIAISDE

Manuel Pedro Marto (pai de dois videntes)Olímpia de Jesus (mãe de dois videntes)Maria Rosa, viúva (mãe de Lúcia)Maria dos Santos e maridoManuel António de Paula eJosé Alves1

todos da freguesia de Fátima

Depoimento de Manuel Pedro Marto

Aos vinte e oito dias do mês de setembro de 1923, na freguesia deFátima, concelho de Vila Nova de Ourém, Diocese de Leiria, pordeterminação de Sua Excelência Reverendíssima o Senhor D. José AlvesCorreia da Silva, Bispo de Leiria, foram ouvidos os seguintesdepoimentos de testemunhas ajuramentadas sobre os acontecimentosextraordinários de Fátima.

1. Manuel Pedro Marto de cinquenta e um anos de idade, é casadocom Olímpia de Jesus e mora no lugar de Aljustrel. Sua mulher, que eraviúva, teve do segundo matrimónio sete filhos, dos quais morreram cinco,entre eles os videntes Francisco Marto e Jacinta Marto, estando vivosseis no tempo das aparições.

1 Nasceu em 1865. Residia na Moita. Lúcia e Jacinta ficaram várias vezes em suacasa. Faleceu a 13 de fevereiro de 1942.

Doc. 80 1923-09-28

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292 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

�� � ¡ ¢£¤¥¤ �¤ ¦¡ � �¤ ¦ § ¨�©¤ª¤¨¢�« ¤ �¤¥¡««¤¢¤¬ ¤£¡ ­® ¨� ¢¤quando chegou ao lugar, de regresso do mercado da Batalha e só entãosoube dos acontecimentos desse dia na Cova da Iria. Em casaencontravam-se um cunhado e um sobrinho e todos ou quase todos osfilhos, incluindo o Francisco e a Jacinta, que já tinham contado à Mãe oque se havia passado. Estavam a cear quando a mãe perguntounovamente à Jacinta o que tinha presenciado.

A pequena disse que Nossa Senhora lhes tinha aparecido, que antestinham visto um relâmpago, que recearam estivesse iminente umatrovoada ou chovesse, e já se preparavam para se irem embora, indoaté tocar o gado para esse fim. O Francisco interrogado igualmentemais uma vez pela Mãe, disse que também tinha visto a Senhora, que aprincípio a não vira e que a Senhora tinha dito que havia de aparecerseis meses a seguir. Em junho a Jacinta pediu à Mãe que não fosse àfeira dos treze nas Pedreiras, a uma légua de Porto de Mós, para poderir ver Nossa Senhora. A Mãe ao ouvir este pedido, disse-lhe: “Ah! tunão vais lá, Nossa Senhora não te aparece”. Ao que a pequena retorquiu:– “Aparece sim, Nossa Senhora disse que aparecia e por isso aparece.”A Mãe replicou: “Então não vais à festa de Santo António?” “Não,confirmou a pequena, Nossa Senhora é mais bonita que Santo António”.Quando chegaram da feira, onde foram apesar do pedido da filha, erajá noite e antes de chegarem a casa ouviram dizer que os pequenostinham ido ao local, e tinham dito que viram Nossa Senhora. Haviapessoas que se admiravam que as deixassem ir sozinhas. Em treze dejulho os pais foram também à Cova da Iria, indo as crianças adiante.Um indivíduo da freguesia, de nome Matias, barbeiro2, ao ver o pai dascrianças, chamou-o para junto da azinheira onde já estava a mulher. Ostrês videntes iam sempre juntos. A princípio conservaram-se de pé,depois ajoelharam, tendo a Lúcia mandado fechar os chapéus queestavam abertos por causa do sol. O povo estava na sua maior partepor trás dos videntes. E estes num dado momento levantaram-se e depoistornaram a ajoelhar-se. Ouviram uma voz vinda do local ao pé dacarrasqueira que disse: – “Que me quereis hoje?” Esperou um momentoe depois disse: “Então não me quereis hoje nada?” A Lúcia disse, o queo pai ouviu: “Eu o que queria – ai! Nossa Senhora!”, e pediu a cura e aconversão de diversas pessoas, não se recordando o pai o nome delas.

2 Manuel Rodrigues Matias. Era considerado um homem entendido na cura demaleitas. Era o encarregado do Posto do Registo Civil, que funcionava em suacasa, na Amoreira.

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¯ °±²³´ µ¶·¸³¹ ´²º¶¹²¶»¼¸½¾ ¿µ³À Á½¶ »¶Â ¼¸µ´¹ ¶Ãĸº´ÂÅ ·¸ºÁ½¶algumas são más”. Declarou ainda que a Senhora tinha dito que rezassemtodos o terço e que a guerra em breve ia acabar. Estavam então ascrianças de joelhos, a Lúcia levantou-se rapidamente, ficando o vestidoem balão, e disse apontando: “Olhem para acolá, se a querem ver” – eacrescentou logo: “Já não vão a tempo”. Ela estava voltada quase aopoente e voltou-se para o nascente a indicar a Senhora que se retirava.Fazia muita calma e logo depois o tempo tornou-se fresco. Logo queelas se levantaram, muitas pessoas fizeram perguntas, tiraram raminhosda carrasqueira e interrogaram as crianças. O pai pegou na Jacinta aocolo para atravessar mais facilmente por entre a multidão. Ela disse tervisto outra vez Nossa Senhora. Passados dias, a filha mais velha, Florinda,disse que a Jacinta tinha dito para a Lúcia: “Fala-lhe, Lúcia, que ela jáestá a falar”. Em treze de agosto, foi à fazenda buscar milho com a ideiade lá ir ao local à hora própria, sabendo, quando já estava na eira, pelaFlorinda3, que o administrador tinha chegado entretanto a sua casa. Aindanão eram dez horas. Voltou logo para casa e encontrou o administradore um padre4 que não conhecia. O administrador perguntou: “Então, senhorMarto, sabe porque cá venho hoje? Quero lá ir acima à Cova da Iria,ao Milagre, quero ir ver. Sou como S. Tomé, ver e crer”. Manuel Martodisse: “Faz bem, senhor administrador”. Este declarou que levava ascrianças no seu carro. Elas ainda andavam com o gado. Marto pediu asua mulher que as chamasse, porque eram horas. Não chegou a chamá--las, mas elas vieram com o gado. A Lúcia sabendo que o administradorestava em casa dos tios, dirigiu-se logo para lá, e ele, assim que a viu,disse-lhe que as levava de carro, ao que ela retorquiu que não iam decarro. A pequena voltou a casa e depois veio com o pai. Ouviu-se nessaocasião falar num segredo. Como a estrada não estava feita, o carroficou à espera numa encruzilhada. O administrador disse que então osesperava na Fátima para lhes fazer umas perguntas em casa do SenhorPrior.

Dirigiram-se os pais das três crianças a casa do Senhor Prior, nãoestando ainda lá o administrador, que chegou pouco depois. Ficaramtodos na varanda. Só a Lúcia foi chamada lá dentro para ser interrogadapelo senhor Prior em presença do administrador.

3 Florinda de Jesus, irmã de Francisco e Jacinta. Nasceu 3 de agosto de 1902 efaleceu a 20 de maio de 1920, vítima da pneumónica.

4 Pe. Manuel Carreira Poças.

Doc. 80 1923-09-28

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294 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÆÇÈÉÊË ÌÉ ÊÍÎÇÏÏÉÐÑÎÒÏÊÉÓ É ÑÌÔÊÍÊËÎÏÑÌÉÏ ÕÉÍÖÊÌÉ× ÑË ÕÏÊÑÍØÑË Ñdescer as escadas da varanda e a subir para a charrete em que tinhavindo, deu uma volta à igreja e fugiu para Vila Nova de Ourém. O pai daJacinta seguiu então para a Cova da Iria tendo ficado admirado da partidado administrador. Na Cova da Iria, depois de falar com várias pessoas,ouviu perfeitamente um estrondo seguido de poeira e nevoeiro. O povofugiu. Quase todas as pessoas tiraram os chapéus, gritaram por NossaSenhora e ficaram muito contentes, dizendo que tinham roubado ascrianças, é verdade, mas que Nossa Senhora se tinha manifestado. Viutambém uma espécie de globo luminoso girando nas nuvens. Pareciahaver uma névoa em volta da carrasqueira, depois do estrondo. O povoqueixava-se não só do administrador, como do senhor Prior, dizendoque ele também tinha culpa. O tio da Lúcia, António da Silva5, nesse diaà tarde, queria ir pedir satisfações ao senhor Prior, julgando-o culpado,mas não apareceu. O pai da Jacinta procurou o senhor Prior, supondoque ele sabia alguma coisa a respeito das crianças. Voltou depois com ocunhado para casa. O povo continuava a falar contra o senhor Prior,afirmando que ele é que tinha a culpa do roubo das crianças. Oadministrador trouxe os pequenos na quarta-feira, dia 15, depois daMissa, cerca das onze horas. No sábado, onze, tinham sido chamadosa Ourém os pais de Lúcia e de Jacinta, indo só os pais e a Lúcia. Primeirochamaram a Lúcia e os pais. Depois chamaram o pai da Jacinta. O pairespondeu que a não trouxera, porque ela, sendo tão pequena, nãopodia ir a pé, nem sabia ir de burra. Replicou o administrador: “Entãodesobedece?!”. “Não, porque aqui estou”, acentuou Manuel Marto.Mais tarde, quando as veio trazer a Fátima, disse-lhe que já nesse diatinha tido tenção de prender as crianças. Logo que chegou levou ascrianças a casa do senhor Prior. Declarou que acusavam o regedor e osenhor Prior do rapto das crianças, mas que só ele tinha a culpa, quepodiam perguntar às crianças, se as tinham tratado mal, e que já nãoqueria saber de nada, que elas podiam ir ao local, quantas vezesquisessem. O que é certo porém, é que pelo caminho, no regresso deOurém, já tinha dito às crianças que tornaria a prendê-las se fossemoutra vez à Cova da Iria.

Quando o administrador tomou a direção de Ourém, a Lúcia e aJacinta disseram-lhe que a Cova da Iria não era para aquele lado,retorquindo ele nestes termos: “levo-as a casa do senhor Prior de Ourém

5 Foi casado em primeiras núpcias, com Teresa de Jesus, irmã de António dosSantos, pai de Lúcia.

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ÙÚÛ ÜÝ ÙÚÛÞ ßàáÛÞÞâãÜÞ Û äÛåâßÝ æçèÛèÜÚáâèéæÛêë ÙÚÛ ÜßàäÜ ìíÛãÜèÜtempo”. Logo que chegaram, pediram-lhe que as levasse a casa dosenhor Prior, mas o administrador disse que primeiro haviam de comer,ao que elas se prestaram.

No dia dezanove de agosto, ao chegar a casa, depois de ter passadopelos Valinhos, propriedade particular de António Ferreira Rosa, para ira uma fazenda sua, ouviu dizer que Nossa Senhora tinha aparecido nessedia naquele sítio. Chegaram a mulher e a Jacinta e ele perguntou à filha oque havia, tendo ela dito que Nossa Senhora tinha aparecido; que quemia com o gado eram o João, a Lúcia e o Francisco, que o João chamou--a e que, logo que ela lá chegou apareceu Nossa Senhora, e que haviamde aparecer Nossa Senhora das Dores, (segundo lhe parece), NossaSenhora do Rosário, S. José e o Menino Jesus.

Em treze de setembro foi também à Cova da Iria. Estava um poucoafastado das crianças. Não viu nada, nem ouviu nada, mas ouviu dizerque algumas pessoas tinham visto coisas extraordinárias na atmosfera.Ouviu dizer às crianças que Nossa Senhora havia de dizer em outubro oque é que queria e havia de fazer um milagre para que todo o povoacreditasse. Desde treze de setembro as visitas a sua casa foramnumerosas. Em treze de outubro chovia. Aconselharam-no a que nãofosse porque lhe podiam fazer mal, embora o não fizessem às crianças,por serem crianças. Foi em companhia delas. Estava então muita genteno local convertido num lamaçal enorme. Ouviu a Jacinta gritar que nãoa apertassem. A Lúcia disse: “Já cá está!” O povo afirmava ver cores nosol e no céu. O sol não fazia nenhuma impressão à vista. Não ouviu voznenhuma. Ouviu dizer ou à Lúcia ou a outras pessoas que Nossa Senhoraqueria que não se ofendesse mais a Nosso Senhor, o qual estava muitoofendido e que a guerra ia acabar.

O Francisco um ano depois adoeceu com a pneumónica e pediu aSagrada Comunhão que recebeu por Viático. Morreu a sorrir-se.

A Jacinta morreu mais tarde, também em consequência dapneumónica6.

A testemunha não sabe escrever.A rogo da testemunhaJoaquim Pereira dos ReisDoutor Padre Manuel Nunes Formigão Júnior, relatorDoutor Padre Manuel Marques dos Santos, promotor da fé

6 Francisco faleceu a 4 de abril de 1919 e Jacinta a 20 de fevereiro de 1920.

Doc. 80 1923-09-28

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296 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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2. Olímpia de Jesus, de cinquenta e quatro anos, casada em segundasnúpcias com Manuel Pedro Marto, do qual teve sete filhos (tendo maisdois, ainda vivos e casados, do primeiro matrimónio7), sendo apenasdois atualmente vivos8; é natural e moradora em Aljustrel, freguesia deFátima. Estava de regresso àquele lugar no dia treze de maio de milnovecentos e dezassete, depois do sol posto, já de noite, do mercadoque há todos os domingos na Batalha. Ao chegar a casa a Jacinta, muitoalegre abraçou-se a ela, o que não costumava fazer e disse: “Ó minhamãe, vi hoje Nossa Senhora na Cova da Iria”. A mãe retorquiu: “Nãoacredito; és uma boa santa para veres Nossa Senhora”. A pequenamostrou-se um pouco triste e insistiu: “Acredite, minha mãe”. Tinha entãosete anos. Isto passou-se ainda na rua à porta de casa. Entraram e logoela disse: “Minha Mãe, vou rezar o terço com o Francisco, que foi o queNossa Senhora mandou que nós fizéssemos”. A mãe deixou-os ir rezar.Depois de terem rezado, a criança, voltando-se para a mãe, disse: “Minhamãe, tem que rezar o terço todos os dias”. “Não é esse o costume,observou a mãe, então vou agora rezar o terço?!”. “Reze, minha mãe,reze!”, tornou a filha com intimativa. Vendo que as crianças continuavama rezar todos os dias o terço, ou quando andavam com o gado ou emcasa, os pais resolveram-se a rezá-lo também todos os dias em comumcom toda a família. E se algum dia se deixava de fazer tal devoção, porqualquer motivo extraordinário, ficava triste e dizia com voz magoada:“Minha mãe, já rezei o terço e vossemecê ainda o não rezou”. A mãecom pouca fé na realidade das aparições, esperou o dia treze de junho.A uma pergunta dos pais nesse sentido, a pequena respondeu que NossaSenhora tinha dito, que fossem lá durante seis meses no dia treze que elalhes apareceria, e que rezassem o terço. Os videntes compreenderamque essa recitação devia ser feita todos os dias. Dizia Nossa Senhoraque rezassem o terço, que o espalhassem pelo mundo e que Deus estavamuito ofendido. O Francisco disse que via a Senhora a mexer os beiços,abrir as mãos e fechá-las, mas não ouvia as suas palavras. Disse a Jacintaque a Senhora só falava com a Lúcia. A Lúcia disse que via uma mulhermuito bonita, com um resplendor ao cabo da cabeça, que cegava. Noprincípio da aparição, quando a Lúcia dizia que via Nossa Senhora, o

7 António Ferreira Rosa e Manuel Ferreira Rosa.8 À data deste interrogatório, estavam vivos José dos Santos Marto e João dos

Santos Marto.

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pedra e a Lúcia disse à Senhora: – “Então vossemecê é Nossa Senhorado Céu e o Francisco não a vê?” – Já a Senhora lhe tinha dito que erado Céu. Nossa Senhora disse à Lúcia: “Diz-lhe que reze o terço e já meverá”. O pequeno contou que então meteu a mão no bolso do colete,onde tinha as contas da Missa e começou a rezar e quando tinha seis ousete Avé Marias rezadas, já via a Senhora e não pôde rezar mais. Naocasião em que já a via, notou que as ovelhas começaram a ir para umtrigal que havia na parte mais baixa da Cova da Iria e disse que as iavoltar. Estava para se pôr a caminho quando a Lúcia lhe disse: “ÓFrancisco, não vás, que Nossa Senhora diz que o gado não come otrigo”. Ele então observou: “Então as ovelhas já vão pelo trigo dentro enão o comem?!” E voltou para trás. A mãe perguntou-lhe: “Depois deNossa Senhora sair, as ovelhas comiam o trigo?” Respondeu ele: “Ah,se as deixassem comiam-no todo”. No dia 13 de junho, Olímpia deJesus e seu marido foram para uma feira, apesar de a Jacinta ter dito navéspera à noite: “Minha Mãe, não vá amanhã à feira, vá à Cova da Iria,vem lá Nossa Senhora”. E a Mãe não queria acreditar e disse à filha:“Tu queres ir para Santo António, não queres ir para a Cova da Iria!”Como que a dar a entender que era um pretexto para ir à festa. Elarespondeu: “O Santo António não é bonito”. “Porquê?”, interrogou amãe. “Porque Nossa Senhora é mais bonita”, concluiu a filha. “Eu vou àCova da Iria mais a Lúcia e o Francisco e se Nossa Senhora disser quevamos ao Santo António então vamos”. No dia treze à noite, quando amãe chegou, contaram-lhe que Nossa Senhora lhes tinha aparecido outravez, como em treze de maio, e que tinha dito à Lúcia que fossem látodos os meses e que fizessem penitência. Passaram-se os dias até trezede julho. Destas três vezes, a mãe não foi com as crianças. Deixava-asir, mas tinha receio de que o povo lhes fizesse mal, porque se julgavaque enganavam. Um dia chegou a fazer menção de querer bater no filhoe na filha para não andarem a enganar o povo. “Eu bato-lhes, dizia ela,porque vocês andam a enganar o povo e já lá vai muita gente”. Os filhosdisseram que não chamavam para lá ninguém, que quem quisesse irfosse, quem não quisesse não fosse, que eles iam, quem não quisesseacreditar sofreria castigo e que ela, mãe, também sofreria. Quando aJacinta começou a dizer que sabia um segredo comunicado por NossaSenhora, começou a ser chamada a várias partes, mesmo fora dafreguesia. Segundo afirmava a pequena, o Francisco não ouviu o segredoe fora a Lúcia que lhe dissera da parte de Nossa Senhora. O Francisco,pedindo-se-lhe para revelar o segredo, declarou que nem que o

Doc. 80 1923-09-28

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298 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

m������m�������������. Aconteceu por várias vezes serem interrogadose oferecerem-lhes riquezas para o dizerem e eles respondiam que nemque lhes oferecessem o mundo inteiro o poderiam dizer. Brincavamexatamente como antes. Não era costume até então rezarem o terço emfamília. Não notavam diferença nos pequenos para melhor depois dasaparições. O que faziam a mais era rezar o terço. Mostraram-se maisverdadeiros daí em diante, por exemplo, contando o que fazia o gado.Pediam licença para rezar o terço e rezavam-no todos os dias e à noiterezavam-no sempre, embora não raro tivessem rezado duas e três vezeso terço quando andavam com o gado. Pela manhã benziam-se e rezavamuma Avé Maria ou um Padre Nosso ao Anjo da Guarda e partiam como gado.

Em treze de julho foram lá e contaram que Nossa Senhora tinhaaparecido como nos meses anteriores. Em treze de agosto oAdministrador do Concelho chegou a casa de Manuel Marto de manhãcedo e a mulher não o conhecia. Ele pediu muito que preparassem ospequenos que andavam com o gado, para irem para a Cova da Iria.Olímpia de Jesus dizia que era muito cedo, que andavam com o gado eque não costumavam ir para lá senão ao meio-dia. O administradormostrava-se muito aflito, porque queria que os videntes regressassemmais cedo. Chegaram quase às horas do costume e ainda não queriamir. A mãe tinha-os mandado chamar. A Lúcia declarou que ainda eramuito cedo. O administrador disse à Lúcia que haviam de vir à Fátima acasa do senhor Prior para serem interrogados e que dali seguiriam nocarro para a Cova da Iria. E assim os enganou. As três crianças foramem companhia dos pais. As mães ficaram em casa. A mãe da Jacintasoube no caminho da Cova da Iria, para onde se dirigia, que oAdministrador tinha levado as crianças para Ourém. Voltou então paratrás e foi dar parte do sucedido à cunhada, mãe da Lúcia. “Ó Maria,disse ela, então não levaram os cachopos para a Aldeia!” Ela sorriu-see disse: “Então não andem a mentir!”. “Ai, o que lhes farão por lá!”exclamou a mãe da Jacinta. – “Não tenhas medo que não os comempor lá!”, disse a mãe de Lúcia. Em casa da cunhada quando ouviram opovo a gritar, disse: “O que irá por lá?” A mãe da Lúcia olhou para o sole disse: “O sol está diferente”. Veio o povo e contou que se tinham vistosinais no sol e no céu.

As crianças chegaram no dia quinze de agosto de manhã em que oadministrador as veio trazer. Ele disse às crianças, na presença da mãeda Jacinta: – “Agora podem ir à Cova da Iria quantas vezes quiserem”.Disse o administrador ao pai da Jacinta que “eles diziam ver e ouvir

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dezanove era um domingo. A Lúcia andou a guardar o gado emcompanhia dos primos, Francisco e João, ao pé dos Valinhos. Tinhamvindo pouco antes da Missa. A Jacinta ficou em casa para a mãe lhetratar da limpeza da cabeça, indo o irmão João com as ovelhas em vezdela. Passado um bocado, o João apareceu em casa em procura daJacinta, dizendo que a Lúcia o tinha mandado ir lá para a levar. A mãeperguntou: “Então para que querem lá a Jacinta? Ainda te parecempoucos os que lá andam para a brincadeira? O João explicou então: “ALúcia deu-me um vintém para a vir chamar e que não dissesse à minhamãe para o que era”. A mãe agarrou no João e disse: – “Ou tu me hás dedizer para que é ou também não te deixo ir a ti”. Então o pequenodeclarou que a Lúcia lhe dissera que já via os sinais no Céu, que NossaSenhora também aparecia nesse dia e que queria que a Jacinta tambémlá estivesse. A mãe disse ao João: “Vai chamar a Jacinta que está nacasa da madrinha e venham por aqui”. A mãe fez essa recomendaçãoporque queria ir com os filhos para ver o que diriam ou fariam. Mas elesforam por outro caminho. Como tardassem, foi à sua procura, a casada madrinha, onde perguntou pelo seu paradeiro. A madrinha respondeu:“O teu João esteve aí, disse uma espécie de segredo à Jacinta e abalarama correr por a serventia da estrada dos talhos acima, direitos aos Valinhos.Olímpia de Jesus, que desejava ir ter com eles, esperou um bocado epor fim pôs-se a caminho. Mas então já vinham de regresso a casa oFrancisco e a Jacinta, dizendo que Nossa Senhora tinha tornado aaparecer, mas que o João não a tinha visto. Quando o João veio à noite,a mãe perguntou se tinha visto alguma coisa. Ele respondeu que viu aLúcia, o Francisco e a Jacinta de joelhos, ao pé da azinheira, ouviu aLúcia falar e quando a Lúcia disse: – “Ela já lá vai, ó Jacinta” – ouviuuma rugida como de um foguete, mas não viu nada. E acrescentava queaté lhe doía os olhos de olhar para o ar. Contava então onze anos deidade.

Em treze de setembro, depois de as crianças partirem para a Covada Iria, foi chamar a cunhada para irem ambas em segredo, isto é, demaneira que ninguém as visse. Chegaram e deixaram-se ficar na encosta,não indo para o pé das crianças para não serem vistas. Quando o povogritou que via sinais, não perceberam o que ele dizia, mas pareceu-lhesver um fumozinho subir do meio do povo ao pé da azinheira. Logo quenotaram que as crianças se vinham embora e que o povo as seguia,disse a mãe da Jacinta: “Elas estão salvas, vamo-nos embora”, voltandopara suas casas. Parece-lhe ter ouvido à Lúcia que a Senhora lhe tinha

Doc. 80 1923-09-28

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r/012/34541 67/ 58r/34/99/ 5 :/r. Ela e outras pessoas interrogaram aJacinta e o Francisco. A pequena era mais interrogada. Uma vez forama casa deles umas senhoras muito ricas e ofereceram à Jacinta váriasjóias que traziam para ela lhes dizer o segredo. A Jacinta disse que porcoisa nenhuma o diria, nem que lhe dessem o mundo inteiro. Mesmodurante a última doença a mãe lhe dizia: “Eu desprezo-te e não querosaber de ti se não me disseres o segredo”. E a filha replicava que não opodia dizer. “Ao menos hás de me dizer se é bom ou mau”, insistia amãe. Ela respondia que era bom para quem quisesse acreditar. “Acreditarno quê?”, perguntava a mãe. “Em Deus”, concluía a filha. E acrescentavaque era mau para quem não quisesse acreditar.

Em treze de outubro a mãe foi de novo à Cova da Iria e ficou ao pédas crianças. A Jacinta, como a mãe ouviu, depois de dizerem que NossaSenhora já tinha aparecido, acotovelou a Lúcia e disse-lhe: “Fala-lheLúcia, que Nossa Senhora já lá está”. A Lúcia tomou a respiração porduas vezes, como pessoa a quem faltasse o ar. Em seguida disse: “Queé que me quereis hoje?”. Daí a poucos momentos, a Lúcia disse mais:“Queria que me melhorasse os doentes.” Depois declarou: “NossaSenhora disse que os não podia melhorar todos, que eram muito maus”.Passados alguns momentos levantou-se muito rapidamente e disse: “Sea quiserem ver voltem-se para o nascente”. Mas logo a seguir exclamou:“Já a não veem”. Já em casa a Jacinta disse à mãe: “Ó minha mãe, eu vi--a entrar no Céu”, e acrescentou que se lhe representara quando a viuentrar no Céu, que os pés se lhe entalavam. O Francisco e a Jacinta porocasião da pneumónica adoeceram e morreram em consequência dessadoença. O Francisco sabia que ia morrer e antes de morrer disse: “Óminha mãe, olhe que luz tão bonita ali está na nossa janela”. E depoisafirmou que já a não via. Deu um ar de riso e ficou-se, que nunca maisrespirou. Foi sempre firme em afirmar, mesmo durante a doença e próximoda morte, que era verdade tudo quanto tinha dito a respeito das aparições.Alguns dias antes da morte, disse que tinha pena de morrer sem receberNosso Senhor, porque nunca tinha comungado. Fez a primeira comunhãopor viático na véspera da morte. A Jacinta já tinha feito a primeiracomunhão, no ano seguinte ao das aparições e comungou depois váriasvezes. Morreu em Lisboa no dia 20 (vinte) de fevereiro de mil novecentose vinte.

A testemunha não sabe escrever.A rogo da testemunha Eduardo dos SantosDoutor Padre Manuel Nunes Formigão Júnior, relatorDoutor Padre Manuel Marques dos Santos, promotor da fé

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3. Maria Rosa, viúva de António dos Santos, de cinquenta e cincoanos de idade, natural da Perulheira e batizada no Reguengo do Fetal,atualmente moradora em Aljustrel, teve sete filhos, morrendo um ànascença. São todos mais velhos que a Lúcia. No ano anterior ao dasaparições, ouviu a filha Lúcia e outras dizerem que tinham visto noutrolugar uma pessoa embrulhada num lençol. Não fez caso de tais palavras.Em mil novecentos e dezassete, no dia treze de maio, a Lúcia não dissenada em casa do que se tinha passado na Cova da Iria. No dia seguinte,a mãe ouviu dizer a umas vizinhas que tinham perguntado à filha o que éque ela tinha visto. Julgou que se referiam ao ano anterior e ficou admiradade falarem em coisas tão antigas. Elas disseram que tinha sido na vésperae que o Francisco e a Jacinta tinham dito tudo em casa. A mãe de Lúciacontinuou a não ligar importância ao que se contava. As duas filhas,Maria dos Anjos e Carolina, interrogaram a Lúcia sobre osacontecimentos da véspera e foram para casa e disseram que realmentea irmã tinha visto alguma coisa. Por fim, a mãe perguntou-lhe também oque vira. Ela disse que via uma mulherzinha muito bonita; que o vestidoque trazia era todo branco, que à pergunta” – “de onde era” – apontarapara o Céu dizendo que era de lá, e que tendo-lhe perguntado se nãoiam para o Céu o Francisco, a Jacinta e ela Lúcia, a aparição respondeuque sim. A Mãe, ao ouvir estas palavras exclamou: “Que felizes quevocês são!”. Disse a Senhora que queria que fossem lá seis meses a fioe que por fim diria o que queria. A mãe abstinha-se de fazer muitasperguntas à pequena. Resolveu ir para a Cova da Iria, se visse que elavoltava lá, para a observar escondida sem que ela visse, julgando quenão iria mais ninguém. Mas logo se ajuntou gente no dia treze de junhopara a acompanhar e por isso não foi. Nesse dia, entre as pessoas quea acompanhavam estavam duas mulheres de Boleiros. Deixou ir a filha.Vestiu-a melhor porque ia dali para a festa de Santo António na igrejaparoquial. A mãe foi para a festa para ouvir a missa. No caminhoencontrou um grupo de cinco ou seis pessoas que iam de Fátima paraAljustrel. Julgando que queriam ir à festa, disse-lhes: “Os senhores estãoenganados, a festa é para ali”. “Nós não vimos para a festa”, retorquirameles, “vimos em cata de três crianças que dizem ter visto Nossa Senhora”.Admirou-se da resposta e perguntou-lhes de onde eram. Disseram queeram dos Carrascos. Não lhes confessou que era a mãe de uma dascrianças. Eles perguntaram onde estavam as crianças.

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RJKLMNOJPQSTJK UPJ JKVWXWYJYAljustrel e seguiu para a Missa. Iacada vez mais pensativa, julgando que fazia mal em não ir ao local dasaparições, porque podiam bater nas crianças por mentirem, mas nãoqueria passar pela vergonha a que se expunha se não houvesse nada. Ascrianças, logo que tudo acabou, foram ter à Fátima. Quando saíam damissa já lá estavam, vendo-se muita gente em roda delas. O povo afirmavaque as pessoas que tinham ido à Cova da Iria tinham vindo muitosatisfeitas, julgando que era verdade o que as crianças diziam. Diziatambém o povo que a Lúcia à volta pelo caminho tinha vindo pedindo oterço, do que a mãe se admirou por não saber onde ela tinha aprendidoa pedir o terço, visto que em casa todos rezavam o terço sóindividualmente. Quando mais tarde pude chegar ao pé dela, perguntou--lhe o que tinha visto. Respondeu que tinha visto a mesma mulherzinhado outro dia. Perguntou-lhe o que ela tinha dito. Disse que tinha dito quecontinuassem a ir lá e que aprendessem a ler. Esta proposta tornou-adescrente porque lhe parecia que Nossa Senhora não tinha vindo à terrapara lhe dizer que aprendesse a ler. Tornou-se tudo mais sabido echegando a notícia dos acontecimentos mais longe, concorrendo paraisso a festa onde se reunira tanta gente de fora. Veio com a filha paraAljustrel. Ela era boa e humilde. Vinha com a mesma alegria de antes.Depois desta aparição a pequena tinha-lhe mostrado três vinténs e meioem moedas de dez réis que lhe tinham dado. Uma vizinha disse: “Entãoa Lúcia faz bem em andar a espalhar estas coisas, porque já lhe deramcinco tostões em prata, como ela própria declarava”. A mãe perguntou--lhe se era verdade. A pequena disse que não tinha dito isso. Ao que amãe respondeu:“Pois ela uma mulher de mais de sessenta anos, afirmouque tu lhe tinhas dito isso e tu negas? Quem faz um cesto faz um cento”.E bateu-lhe, dando-lhe umas poucas de solhas. Ela chorou e dissesempre que tinham dado cinco tostões à Jacinta, mas a ela não. E aJacinta apareceu realmente com eles. Ficou então convencida de queera mentira tudo o que as crianças diziam. Foi ter com o senhor Priorpara lhe dizer que o que estavam para averiguar que estava já averiguado,pois era tudo mentira. E contou-lhe o que se tinha passado, concluindoque era tudo mentira. O Pároco disse que não batesse na filha, nemandasse a meter-lhe medo, que ele a apanharia em mentira, se realmenteela fosse mentirosa. O Pároco já a tinha interrogado uma vez. Em trezede julho as crianças voltaram à Cova da Iria. Encheu-se-lhe a casa depovo. Acompanharam-nas pessoas de todas as classes. A mãe da Lúcianão foi porque o senhor Prior a aconselhava a que não fosse. À voltaencheu-se-lhe também a casa de povo, que fazia à filha muitas perguntas.

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tendo de se fazer substituir. Dizia a pequena, que a Senhora lhe tinhadito um segredo que não podia dizer a ninguém e que ela tinha pedidopor alguns doentes e que lhe parece que a Senhora dizia que unsmelhoravam outros não. Neste mês o marido e a Lúcia foram chamadosa Ourém à presença do administrador.

Em treze de agosto a Lúcia saíu pela manhã com as ovelhas e quandoveio já estava a casa cheia de gente. Estava com tenção de ir à Cova daIria, como nos meses anteriores, mas o administrador levou-a paraOurém, tendo sido a notícia da prisão comunicada à mãe pela cunhadaque, indo para a Cova da Iria, ouviu dizer que o administrador tinhaabalado com as crianças. A mãe da Lúcia ficou magoada, mas não seapoquentou porque sabia que não comiam as crianças, pensando aomesmo tempo que se elas mentiam, mereciam algum castigo e que sediziam a verdade, Nossa Senhora as defenderia. Vieram depois, à tardemuitas pessoas que procuravam confortá-la, dizendo que iam agoramais crentes, porque foi o primeiro dia em que apareceram os sinais. Osirmãos de Jacinta foram de bicicleta observar o que se passava em Ouréme vieram dizer que tinham visto as crianças a brincar na varanda doadministrador, que os tratava bem. O administrador veio trazê-los àFátima no dia quinze num carro e foi pô-las na varanda do senhor Prior.A mãe da Lúcia, que estava lá, veio com a filha para casa. As criançasmostraram-se como dantes contentes e prontas para brincar, dizendoque lhes tinham feito muitas perguntas e que tinha ido um médico examiná--las. O administrador disse que o povo estava com uma doença por tervisto sinais, e o cunhado Marto disse-lhe que então estava muita gentedoente.

No dia dezanove, a Lúcia chegou a casa à noite, trazendo na mãoum raminho de azinheira e disse que Nossa Senhora lhe tinha aparecidoum pouco antes do sol posto, aí pelo meio da tarde, às quatro horas,tendo estado ao meio-dia com o gado em casa. A mãe pegou no ramoe notou que cheirava muito bem. O cheiro não se podia comparar comnenhum outro cheiro. Ela era descrente e ficou um pouco quebrada, umpouco mais convencida. Disse a filha que a Senhora tinha dito quecontinuassem a ir à Cova da Iria e que havia de fazer um milagre emoutubro na Cova da Iria, que os militares haviam de vir da guerra, quehavia de vir Nossa Senhora das Dores e outras coisas mais. Em treze desetembro veio muita gente. Passou-se tudo como das outras vezes. Emtreze de outubro a mãe foi ao local pela primeira vez, apesar darecomendação em contrário do senhor Prior. Foram vestir as pequenas

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vestidos, uns véus e umas grinaldas. A mãe da Lúcia foi com as crianças.Mas, como ia muito povo, perdeu-as de vista. Na Cova da Iria furou eficou mesmo ao pé delas. Como diziam que as matavam, que as faziamem postas, e como por outro lado ficava com tanta pena de tudo acabare não ver nada, resolveu ir. As crianças diziam a hora em que se dava aaparição e queriam ir para estar a essa hora. Da última vez demoraram--se um quarto de hora junto da azinheira antes de começar a aparição.Estavam todos três de pé. A mãe da Jacinta estava perto. O povo diziapor trás que não haveria nada, porque ia a passar a hora e não se estavadando nada de extraordinário. Todos três a um tempo deram um grito,um ai! A Lúcia disse: “Lá vem ela! Calem-se que já deu um relâmpago”.Tinha estado a chover toda a manhã. A azinheira estava enfeitada comfitas e rosas, quase não se via nada dela.

Depois a Lúcia disse: “Já cá está”. Falava alto. A mãe não via nada.Só notou o mesmo cheiro do raminho dos Valinhos, quando a filha disse:“Já cá está!” A Lúcia perguntou: “O que me quer hoje?” Calou-se porum pouco e em seguida parece que lhe pediu um milagre para que todoaquele povo acreditasse. Depois ficou outra vez calada. Daí a momentosdisse-lhe que tinha muitos pedidos de muitos doentes para lhe fazer. Elaestava de pé, de mãos postas, voltada para a azinheira. As outras estavamna mesma posição. A Jacinta ficava no meio. As outras duas criançasnão diziam nada. A Lúcia de vez em quando ia para levantar os olhos ebaixava-os logo, e perguntando-lhe o senhor Prior mais tarde porquefazia isso, disse que era porque cegava. Estavam as duas meninas vestidascom um vestido azul claro e um véu branco e tinham na cabeça umagrinalda de flores brancas artificiais de papel. Durou tudo pouco tempo.A Lúcia por fim disse: “Lá vai ela, lá vai ela!... Veem-na?... Olhem paraacolá!”, apontando com o braço na direção do nascente para ondeestava e esteve sempre voltada durante todo o tempo. Depois,naturalmente quando a perdeu de vista, voltou as costas para a azinheirae dirigindo-se ao povo que estava atrás disse: “Olhem que Nossa Senhoradisse que se emendassem de ofender a Deus, que já estava muitoofendido e que a guerra ia acabar”. E a cunhada Olímpia disse: “ÓLúcia, então tu não pediste a Nossa Senhora que fizesse um milagrepara todo o povo acreditar?” A isto a Lúcia respondeu: “Então aindaquerem maior milagre do que é a guerra acabar?”. Disse mais a Lúciaque Nossa Senhora tinha dito que fizessem ali uma capelinha, que elaera a Senhora do Rosário, que a guerra ia acabar logo que chegasse aoCéu. Tornou-se a virar e repetiu: “Já lá está!... Veem-na?... Já lá vai a

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cima, digo, para o céu, para o sol). Foi então que o povo começou aolhar para cima. A mãe da Lúcia olhou e viu o sol três vezes a desandare a descer, podendo olhar--se para ele. Todo o povo olhava e gritava.Dizia o povo: “Olhem, olhem!” A mãe da Lúcia chegou a recear que ascrianças fossem maltratadas. Um senhor doutor de Torres Novas9, pegouna filha ao colo e abalou com ela para a estrada. A mãe não sabia se erapara bem ou para mal. Veio para casa da cunhada, enchendo-se a casade gente e depois para sua casa.

Uma das coisas que tornava a mãe duvidosa era que às vezes aosserões de inverno lhe falava nas aparições de Nossa Senhora da Ortiga,Nossa Senhora do Fetal, etc. Pensava porém, que era bom que elaaparecesse agora porque isso contribuiria para fortificar a fé.

A testemunha não sabe escrever.A rogo da testemunha Luís RibeiroDoutor Padre Manuel Nunes Formigão Júnior, relatorDoutor Padre Manuel Marques dos Santos, promotor da fé

Depoimento de José Alves

4. José Alves, de cinquenta e oito anos de idade, casado com MariaRosa das Neves, é natural da freguesia de Santa Catarina da Serra eresidente há vinte e três anos, no lugar da Moita, freguesia de Fátima. ACova da Iria fica a cerca de um quilómetro da Moita. Em maio de milnovecentos de dezassete ouviu dizer a pessoas do lugar e de fora, eespecialmente a sua mulher, que era quem mais falava com essas pessoas– e aquilo era coisa mais relativa a mulheres que a homens – que NossaSenhora tinha aparecido a umas crianças nos lados dos Barreirões. Haviaali uma propriedade de suas sobrinhas, de que elas já tomaram conta, equando para lá se dirigia, olhava para as árvores a ver se descobriaalguma coisa, porque ouvia dizer que a aparição se dava em cima deuma azinheira. Nunca viu nada de extraordinário. Antes do dia treze demaio, não conhecia as crianças, mas conhecia as famílias. Depois detreze de maio começou a conhecê-las, porque as via na Cova da Iriamesmo fora do dia treze e em sua própria casa, onde iam algumas vezesficar de noite, depois que travaram conhecimento com suas sobrinhas

9 Dr. Carlos de Azevedo Mendes.

Doc. 80 1923-09-23

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convidarem. Notou que as crianças eram como as outras crianças,perfeitamente normais, com o juízo no seu lugar. Pareciam-lhe sérias.Alguma coisa lhes ouviu sobre as aparições, mas pouco, porque falavamsobre isso principalmente com a mulher e sobrinhas e mais do queninguém com sua mulher que lhe fazia perguntas. O que elas diziam erasempre a mesma coisa, pelo que lhe contava a mulher. Nunca se quiseramdesdizer. Teve-as por isso sempre como sinceras. A mulher disse um diaà Jacinta, na sua ausência, tendo-lhe contado depois: “Ó Jacinta diz-meo segredo que eu dou-te o meu cordão”. O Francisco não estavapresente; se estava era a Lúcia. O Francisco nunca ficou em sua casa efoi lá só uma vez ou duas. A Jacinta disse: “se você me dá aquele santinho,eu digo-lhe”. A mulher retorquiu-lhe: “Eu não te posso dar, que ele nãoé meu, é da minha sobrinha”. A sobrinha disse: “Ó Jacinta mas diz-me osegredo, que eu dou-te”. Ao que ela respondeu: “Nem que vossemecême desse o mundo inteiro”.Uma vez estando a mulher em sua casa afazer perguntas à Lúcia, a Jacinta meteu-se na conversa e disse: “NossaSenhora vinha dali (e apontou para o nascente) e foi para ali (e apontoupara a direção da Cova da Iria). A mulher perguntou ao Francisco naCova da Iria se tinha visto Nossa Senhora e ele disse que não. Eperguntou-lhe se lhe via os pés. E ele disse que não, que só via umresplendor muito lindo nos pés. Naturalmente referia-se ao princípio daprimeira aparição em que ainda a não via, antes de começar a rezar oterço.

Um dia, no princípio das aparições, a mulher ia à Cova da Iria eperguntou ao Francisco o que andava a fazer. Ele disse que andava afazer um serradinho e a Lúcia e a Jacinta chegavam-lhe a pedra. Nessaocasião a Lúcia disse: “Deu agora um relâmpago e nós temos água”, eas três crianças meteram pela encosta e quando chegaram à Cova é queNossa Senhora lhes apareceu em cima duma azinheira que foi estronchadapelo povo. A Senhora disse: “Não tenham medo, que eu sou lá de cima,do Céu”. E foi então que lhes disse que viessem lá todos os meses e querezassem o terço. Quase todos os meses José Alves foi lá no dia trezedepois de maio e não viu nada, só ouvia dizer aos outros que viamcoisas no céu. Não ouviu o estrondo em agosto. Ouvia dizer muitasvezes que aparecia um fumozinho. Nunca lhe apeteceu tirar o chapéu,mas agora nunca se atreve a passar por lá sem tirar o chapéu e semrezar algumas Avé Marias. Deu uma propriedade para a obra e deu-acom muito gosto e não está arrependido de a ter dado.

Um dia o senhor Prior esteve em sua casa e disse que aquilo ou era

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¬­®¯°±²®³­±´ ­² ¬­®¯° µ­°¶Achou-o bastante descrente. Ele disse aosenhor Prior: “coisa má não, porque se fosse não mandava rezar terços,nem fazer oração”. E o senhor Prior retorquiu: – “Está enganado”. Eacrescentou: “o diabo serviu-se até dos sacramentos”, o que não gostoude ouvir. Uma ocasião em que a Lúcia foi à Cova da Iria, dois guardasque pareciam ser oficiais marcharam de lá com ela adiante dos cavalose vieram trazê-la a Aljustrel a casa da mãe e no caminho disseram--lhe: “Nós apeamo-nos e a menina agora vai a cavalo”. Mas a pequenanão aceitou o convite. E acrescentou: “eu do que tenho medo é que oscavalos me pisem”. Então já que não quer ir a cavalo, vá lá para diante,que nós não a deixamos pisar”. E depois foram levá-la a casa da mãe eimpuseram-lhe o preceito de naquele dia de lá não sair. Mas apenasvoltaram as costas saiu, ainda com uma hora de sol e foi ficar a sua casa.Quando soube que tinha ido adiante dos cavalos ficou magoado e quandoele e os seus a viram voltar, ficaram muito contentes.

A testemunha não sabe escrever.A rogo da testemunha Anastácio FerreiraPe. Manuel Marques dos Santos, Promotor da féDoutor Padre Manuel Nunes Formigão Júnior, relator

Depoimento de Maria dos Santos

5. Maria dos Santos, de cinquenta anos de idade é casada comManuel Carreira e reside no lugar da Moita, freguesia de Fátima.

Soube pelo marido e por outras pessoas que a Lúcia dizia que lhetinha aparecido Nossa Senhora no dia treze de maio de mil novecentose dezassete, assim como a seus primos Francisco e Jacinta, pela horado meio dia solar.

No dia treze de junho antes do meio-dia, dirigiu-se ao local dasaparições onde não encontrou ninguém. Foi esperar ao caminho ascrianças, por ouvir dizer que elas vinham nesse dia. Não as conheciapor serem pequenas, mas conhecia as famílias. Antes da sua chegada,apareceram algumas mulheres de Boleiros, que tiveram que arrostarcom a troça das pessoas da sua terra. Juntaram-se todos, vindo com ascrianças algumas pessoas do termo de Torres Novas. Seguiram todosaté ao local. Ali perguntaram à Lúcia qual era a azinheira sobre a qualtinha aparecido a Senhora e ela indicou-a com a mão. Depois dirigiram--se para a sombra de uma azinheira grande que ficava próxima, ondeestiveram algum tempo à espera. Pouco depois, tendo-lhe perguntadose a Senhora tardava muito tempo, respondeu que não. Uma rapariga

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havia tempo. Quase ao mesmo tempo levantou-se e disse que lá vinhaNossa Senhora, pois já tinha feito o relâmpago. Correu para o pé daazinheira, ajoelhou-se e todos fizeram como ela. Momentos depoisperguntou à Aparição: “Vossemecê mandou-me aqui vir, faça favor deme dizer o que me quer”. Ouviu uma zunida que vinha da azinheira, nãocompreendendo uma só palavra da resposta. A Lúcia olhava para aazinheira, assim como as outras duas crianças, estando todos de mãospostas. A depoente não compreendeu bem o que ela depois disse àAparição mas as outras pessoas disseram-lhe que a pequena lhe tinhaperguntado se lhe queria mais alguma coisa. Em seguida disse: – “Olhem!Querem-na ver?... Lá vai ela, lá vai ela!” Ouviu-se então uma espéciede assobiar de foguete, quando ganha força para subir. Olhou e viu umanuvem de fumo elevando-se da azinheira e dirigindo-se e subindo parao nascente, apontando a pequena para ela. Viu-se também muito alta emuito longe. Por fim desapareceu da vista. A nuvem era um nevoeiromuito leve. Fazia sol e muito calor, estando o tempo bastante descoberto.

Antes da aparição, viu os grelos da azinheira viçosos e muito direitos.Depois da aparição os grelos estavam como que inclinados, numa rodinhaem cima, para o nascente como se os vestidos os tivessem tombadonessa direção. O povo começou a tirar raminhos da azinheira,recomendando a Lúcia que não tirassem de cima, mas de baixo, tirandoentão o povo folhas e raminhos da parte de baixo. Fizeram por fim umapequena devoção antes de se retirarem.

Este depoimento foi confirmado com juramento pelo marido, quechegou ao local das aparições pouco antes da chegada dos três videntes.Esse depoente porém, acrescentou mais nada, digo, não acrescentoumais nada de notável.

No domingo seguinte foi ela com as duas filhas mais velhas rezar oterço junto da azinheira. No outro domingo voltaram só as filhas e já sejuntaram mais algumas pessoas a rezar. Ao domingo e mesmo de semanacomeçava-se a rezar no local.

Foi lá também em treze de julho. Tinha pedido à Lúcia que deixasseestar o filho João ao pé deles, ao que ela acedeu. Levou uma pedra esentou-se. Estava muita gente, que começou a vir cedo. Quando a Lúciadisse que vinha a Senhora, o filho escorregou e caiu. Pediu-lhes querezassem por ele, ao que ela disse que a Senhora tinha dito que omelhorava ou que lhe daria meios de se governar e que rezasse sempreo terço a Nossa Senhora com a família. Estavam todos ajoelhados.Disse a Lúcia: “Já lá vem Nossa Senhora”. Ouviu-se a mesma zunida

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ÎÏÐÑÒÓ ÔÐÕÐÖÐ×ÓØ×ÙØÓÐÙÙÓÚÛÓÒ× ÔÓÜÏ×Ý× ÞßÐàÝÛÒÐáAntes da apariçãorezaram o terço. O marido disse que ela olhava para a Senhora e de vezem quando para o lado e que lhe perguntou porque fazia isso, ao que elarespondeu que era porque cegava a vista com o resplendor que tinha.Pediu a Lúcia pelas melhoras duma pessoa de Pedrógão, pela conversãoduma família de Fátima, e por um homem da Atouguia que lhe pediraque Nossa Senhora o levasse para o Céu quanto antes. Depois a depoenteouviu dizer que a pequena tinha afirmado que Nossa Senhora disseraque não tivesse pressa, porque bem sabia quando o havia de levar.

Afirmou também a Lúcia que a Senhora lhe tinha dito o segredo. Naocasião da aparição ouviu-se um ai, ficando a pequena assustada. Depoisdesse dia muitas pessoas a procuravam e lhe perguntavam o segredo.Um dia vieram umas senhoras e uma delas perguntou-lhe se o segredoera bom ou mau, e ela disse que para uns era bom, para outros era mau,e para ela e para os primos era bom.

Em agosto juntou-se muita gente. A depoente estava presente à esperadas crianças. À hora do meio-dia soube-se que o administrador levouas crianças presas para Vila Nova de Ourém. O povo ficou pesaroso eindignado. Houve um rumor ao pé da azinheira que causou tão grandesusto ao povo, que pareciam estar todos doidos, soltando grandes gritose julgando que morriam. O povo, pouco a pouco, foi-se retirando. Adepoente não viu nada de extraordinário. Levantou algumas esmolaspara as guardar a pedido de outras pessoas. Ninguém, nem os pais daLúcia a quem pertencia o terreno, nem os pais da Jacinta, nem o pároco,quiseram aceitar as esmolas, recomendando este, que as guardasse atéver no que dava tudo aquilo.

Quando as crianças voltaram à Cova da Iria, disse-lhes queperguntassem à Senhora o que havia de fazer ao dinheiro. Nos Valinhos,quando se deu ali a aparição, a dezanove do mesmo mês, a pequena fezrealmente à Senhora essa pergunta e a Senhora disse que fizessem doisandores e os levassem para a igreja de Nossa Senhora do Rosário.Muitas pessoas ficaram com pena de que o dinheiro não se aplicasseem alguma coisa a fazer no local e disseram à Lúcia que pedisseautorização para fazer uma ermida no local, autorização que a Senhoradeu em treze de setembro, com a condição de darem metade do dinheiroexistente para a Senhora do Rosário da Fátima. Reuniu-se a quantia detreze mil quinhentos e quarenta, em treze de setembro. E cumpriu-se oque a Senhora ordenou.

Em treze de setembro, a depoente voltou de novo ao local. NosValinhos perguntou a Lúcia à Senhora, a pedido da depoente, se Nossa

Doc. 80 1923-09-23

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âãäåæçè éêäåè èëèçãìêíæ è îèêï èðñòóî äè ôæõè íè öçêè÷ ã è âãäåæçè

respondeu que não era ela, mas sim um anjo, o vulto que a Carolina,filha mais nova da depoente, de doze anos, e uma pequena de seteanos, de Espite, viram a vinte e oito de julho junto da azinheira, depequena estatura, muito lindo, de cabelo loiro, vulto que depois a Carolinaviu em cima da azinheira.

Em treze de outubro quando a Lúcia disse: “Já lá vem Nossa Senhora,estando uma das filhas da depoente, chamada Maria, em cima de umapedra, a um metro da azinheira, do lado do nascente, para guardarem oarco para o povo o não estragar, a rapariga sentiu uma pancada na cara,viu uma luz muito bonita ao pé dela e deu um grito dizendo: “Ai! NossaSenhora!”. A depoente olhou e viu uma estrela, uma bola, nãointeiramente redonda, como um ovo, muito bonita, das cores do arcoceleste, mas muito mais vivas, tendo uma cauda de metro e meio decores brilhantes. Passou muito rapidamente e perto da azinheira, edesapareceu a um palmo da terra. Viu o sol que desceu muito.

Depois de treze de setembro disse à Lúcia que perguntasse à Senhoraquem ela era. A azinheira abanava muito quando ela disse que vinha aSenhora. Ouviu a Lúcia perguntar: “A Senhora deu licença para fazer acapelinha, agora diga com que título havemos de a adorar”. Quando elase levantou, depois da aparição, perguntou-lhe que título ela tinha dito ea pequena disse que era Nossa Senhora do Rosário. Nesse dia a Lúciadisse também: “Agora fechem os chapéus”, que já vem S. José ao sol eo Menino deitar a bênção, em bem Nossa Senhora chegando ao Céu”.Depois que ela disse isto o sol bailou. Daí em diante, a concorrênciatornou-se cada vez maior. Indivíduos mal intencionados vieram de longefazer um desacato. O povo queria que se fizesse uma capela. Ela pediuao senhor Prior que desse licença para se fazer uma capelinha a fim dese guardarem as esmolas que se recebessem em géneros e ele deu licença.

A depoente falou com um pedreiro e fez-se a capela. Mandou fazero poço o ano passado. A água apareceu há dois anos.

Este depoimento foi confirmado com juramento pelo marido, quenão acrescentou nada digno de nota. Nem a depoente nem o maridosabem escrever.

A rogo da testemunha António dos SantosDoutor Padre Manuel Nunes Formigão Júnior, relatorDoutor Padre Manuel Marques dos Santos, promotor da fé

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øùúûüýùþÿû Dù��þ�ù�António de Paula

6. Manuel António de Paula, de sessenta e um anos de idade, naturaldo lugar de Boleiros, freguesia de Fátima e morador em Lisboa, na ruade Santa Marta, número duzentos e dezoito, primeiro andar, passou osmeses de setembro e outubro de mil novecentos e dezassete na suaterra natal. Antes dessa época, soube por cartas de pessoas das suarelações e de confiança, de Boleiros e de outros lugares da freguesia,que se tinham verificado acontecimentos extraordinários no céu à horada aparição de Nossa Senhora a três crianças que só conheceu depoisno mês de setembro. Ficou muito admirado e tratou de indagar o quehavia de verdade, escrevendo a um amigo de Boleiros, António Borralho,filho de Jacinto Borralho, tendo ido por esse motivo a mãe dele falarcom os pais das crianças. O António respondeu que não era falso o queas crianças diziam, porque havia todos os indícios de que falavamverdade.

Em setembro apressou a sua vinda por estar ansioso de saber bem epresenciar o que se passava. Em treze de setembro foi à Cova da Iria,mas não viu senão muito povo, que muitos calculavam em cinquenta milpessoas. Esteve pouco mais ou menos à distância de sete metros dascrianças, que viu chegar no meio de uma grande multidão que asacompanhava e viu-as ajoelhadas junto da azinheira a rezar o terço. Acerta altura as pessoas que estavam próximo disseram que sedescobrissem, porque as crianças o tinham mandado por Nossa Senhoraestar presente. Onde ele estava todos se descobriram respeitosamente.Uns estavam de pé, outros de joelhos. Quase todos ajoelharam quandoelas deram a ordem. Houve pessoas que disseram ter visto uma estrela.Outros lastimaram-se de não ter visto nada. Em seguida foi a casa dascrianças e primeiro à da Jacinta. Ali encontrou muita gente. Umas senhorasestavam interrogando a Jacinta e pedindo-lhe que rezasse para queacabasse a guerra. Por isso foi para casa da Lúcia. Estavam ela e ospais. Falou com a mãe. Também estava a casa tão cheia de povo, quequase ninguém podia lá mover-se. Perguntou então à mãe o resultado.A mãe respondeu que a filha depois da primeira aparição foi para casaà noite e que lhe disse ter visto Nossa Senhora na Cova da Iria. Nãoquis acreditar porque a filha não era o que ela desejava que fosse, comméritos para ver Nossa Senhora. Quis bater-lhe. A Lúcia com medodela, começou a dizer por fora o que se passava e não queria contar à

Doc. 80 1923-09-23

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312 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

m�� m��� ��� � m � m�� � ������� ��������� ���� �� ��� �dizer por fora, que Nossa Senhora te aparece e a mim não me dizesnada?” A pequena respondeu: “Então a minha mãe queria-me bater!”Depois perguntou à filha que tamanho a Senhora tinha. Ela disse que acomparava com uma menina dali de quinze anos. Era de uma beleza talque nunca tinha visto igual. Um sacerdote de longe pediu licença ao paipara falar à filha, e ele disse que não consentia, porque não acreditavanas aparições e davam cabo da filha, que estava ao pé do pai muitosucumbida. Ouviu dizer que por fim sempre tinha conseguido falar-lhe.Depois o depoente dirigiu-se com o pai a casa de uma tia dele, de nomeTeresa, com quem queria falar, o qual o acompanhou para lhe indicaronde ela morava. A tia perguntou-lhe se tinha visto alguma coisa naCova da Iria. Respondeu que não tinha visto senão uma borboleta branca,ao que ela disse: “Isso há por aí muitas; depois senhor Manuel”acrescentou ela, “que será de nós?”. “Porquê?” perguntou o depoente.“Porque passaram por aqui pessoas fazendo os seus comentários,ameaçando e dizendo que os pequenos e as famílias precisavam de serprocessados, porque andavam a enganar o povo. O depoente disse-lhedesta maneira: “esteja descansada, porque se for obra de Deus ou deNossa Senhora, não há razão para se assustarem, porque nada havianem podia haver contra ela”. O pai estava um pouco exaltado e por issonão lhe falou em mais nada.

No dia treze do mês de outubro quando saiu de Boleiros com outraspessoas, começou a chover. A irmã estava com medo de não voltar,porque diziam que lançavam bombas, mas ele sossegou-a dizendo quese fosse Nossa Senhora que ali aparecia, não lhe sucederia mal algum,pois Nossa Senhora não o havia de consentir. A chuva era muita e ovento soprava com força de maneira que se molhou bastante apesar delevar chapéu de chuva. Por isso quando chegou ao pé da igreja paroquialfoi a casa de uma prima e enxugou-se. A certa altura da conversa queteve com ela, disse-lhe: “Naturalmente as crianças não vão lá com estachuva.” – “Vão, disse ela, nem que chova a potes”. Muitas pessoasestavam aflitas por causa dos animais que as tinham transportado, masnão consta que lhes sucedesse mal por causa da chuva. Tendo passadoa chuva, cerca da uma hora, dirigiu-se para o local e perto da estradaencontrou um sacerdote de Penacova, que lhe perguntou onde era olocal da aparição, indicando-lhe o depoente o ponto onde se via umanévoa, um fumozinho, bastante denso, que não estranhou por julgar queera incenso queimado em honra de Nossa Senhora, ficando depoisadmirado quando lhe disseram que não havia lá fumo nenhum, que não

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s� ����� �� ���! �"#� $� %"���$�$� ����"#�& ��#"# 's !(! s� �����acendido. De repente o sacerdote olha para o sol e diz que o sol emeclipse não era assim. O depoente olhou também e viu que o sol nãodava luz; sobre ele corria uma névoa branca, era uma lua sem brilho. Osol ficava à esquerda, estando o resto do céu encoberto. Tirando osolhos do sol, viu o povo de um encarnado muito vivo; e exclamou: “Ai,senhores, o povo como está todo encarnado!” E respondeu-lhe osacerdote: “serão lenços encarnados?” Ao que ele observou: “Comopode ser? Então tinham-se todos combinado para terem lençosencarnados sobre as costas?! “Depois o povo apareceu da cor do ouro.Os movimentos de rotação do sol não os viu. O povo nessa ocasiãogritava muito, ajoelhado e com as mãos levantadas, gritando por NossaSenhora, não se importando com a lama que era muita, invocandorepetidamente Nossa Senhora. A impressão do povo foi extraordinária.Depois das aparições tem ido várias vezes no dia treze à Cova da Iria econsta-lhe que tem havido vários fenómenos e milagres e que aconcorrência é cada vez maior.

A testemunha Manuel António de PaulaDoutor Padre Manuel Nunes Formigão Júnior, relatorDoutor Padre Manuel Marques dos Santos, promotor da fé.

Doc. 80 1923-09-23

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314 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

)*+, -.1923-10-08, Santarém

Ofício do Governador Civil de Santarém, António Augusto de Castro, para oAdministrador do Concelho de Vila Nova de Ourém, Artur de Oliveira Santos, aordenar que este proíba a peregrinação do dia 13, a Fátima.

Publ.: DCF, IV- 2 - Doc. 342

S/0VIÇO DA REPÚBLICA

Santarém, 8 de outubro de 1923

Ex.mo Snr. Administrador do Concelho deVila Nova de Ourém

Estando-se preparando para o próximo dia 13 do corrente umamanifestação de caráter reacionário, sob o pretexto de culto religiosono lugar da Fátima, venho pedir a V. Exª que, a bem da Lei e da ordempública que o caso ameaça naturalmente perturbar, se digne proibirqualquer procissão ou círio que do seu concelho se destina àquelalocalidade, devendo apenas permitir o culto religioso nos locais ourecintos a ele destinados.

Estou também informado de que no local da Fátima e fora do templose construiu um altar e um púlpito para neles se praticar o culto. Queirapois evitar que sejam utilizados em atos de culto que representam apenasum sofisma ao cumprimento da Lei.

Saúde e Fraternidade

O Governador Civil Augusto de Castro

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Doc. 821924-07-08, Porto

Interrogatório oficial de Lúcia de Jesus, realizado pelos Padres Drs. ManuelNunes Formigão e Manuel Marques dos Santos, membros da Comissão Canónica,acompanhados pelo Pe. Dr. Manuel Pereira Lopes, que serviu de notário, acercados factos ocorridos na Cova da Iria em 1917.

Publ.: DCF, II - Doc. 8

I1234456728495 5:9;97< =3 >?;97 =3 @3ABA :3925 3CE =3 FB<G5 =3 HJKL

In nomine Patris et Filli et Spiritus Sancti Amen. Aos oito dias do mêsde julho de mil novecentos e vinte e quatro, reuniram-se no Asilo deVilar os reverendos doutores Manuel Nunes Formigão Júnior, ManuelMarques dos Santos e Manuel Pereira Lopes, nomeados pelo SenhorBispo do Porto, a pedido do Senhor Bispo de Leiria, para procederem,na diocese do Porto, a um inquérito acerca dos acontecimentosextraordinários que, segundo é voz corrente, se deram em Fátima,concelho de Vila Nova de Ourém, diocese de Leiria, servindo o primeirode presidente, o segundo de promotor da Fé, e o terceiro de notário.Perante eles, no mesmo Asilo de Vilar, da cidade e diocese do Porto,compareceu Lúcia de Jesus, de dezassete anos de idade, filha legítimade António dos Santos, já falecido, e de Maria Rosa, natural da freguesiade Fátima e atualmente educanda no referido Asilo. Ajuramentada aosSantos Evangelhos, prometeu dizer toda e só a verdade. Às perguntasdo senhor presidente sobre nome, idade, filiação e naturalidade,respondeu: chamo-me Lúcia de Jesus, tenho dezassete anos, sou filhade António dos Santos, já falecido, e de Maria Rosa, e nasci no lugar deAljustrel, freguesia de Fátima, concelho de Vila Nova de Ourém.

– Quando fizeste a primeira Comunhão? Respondeu: Fiz a primeiraComunhão aos sete anos; o senhor Prior não me queria dar por eu sermuito pequena, mas por fim fez-me a vontade, a pedido do senhor PadrePena1.

Aconteceu-te alguma coisa importante na Cova da Iria? Respondeu:aconteceu-me o seguinte: No dia treze de maio de mil novecentos e

1 António Rodrigues Pena. Foi pároco de Fátima entre 1909 e 1914.

Doc. 82 1924-07-08

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316 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

dMNOPPMQMR OTdOUO MV O WVOXdOX Y WOdY TY PZQ[Y dO \YUO dO ]X[OR dOfreguesia de Fátima, na companhia dos meus primos Francisco Marto eJacinta Marto; depois de rezarmos o terço, como de costume,começámos a brincar, fazendo um muro à volta duma moita, quandovimos um relâmpago para o lado do nascente, e, receando que viessetrovoada, embora estivesse bom tempo, eu disse ao Francisco que eramelhor irmos para casa recolher o gado quando chegámos ao meio dafazenda, deu outro relâmpago, e, dois passos adiante, vimos em cimaduma carrasqueira, que teria um metro de altura aproximadamente, umaSenhora muito formosa, com aparências de nova, talvez de dezoito avinte e dois anos, envolta num clarão mais brilhante que o sol. Ficámosmuito assustados por vermos aquele resplendor que a envolvia, mas aSenhora a meia voz, mas bem inteligível, disse-nos: “Não tenham medo,porque eu não vos faço mal”. Eu perguntei-lhe: “donde é Vossemecê?”ao que ela respondeu: – “Eu sou do Céu” – “O que é que Vossemecême quer?” Ela respondeu: – “Quero que venhas aqui durante seis meses,e no fim te direi o que quero”. Perguntei-lhe pela Maria, do José dasNeves, e ela disse-me que estava no céu; perguntei-lhe pela Amélia, edisse-me que estava no purgatório. Se me disse mais alguma coisa nestemês, não me lembro. Nisto, desapareceu, subindo muito alto para olado do nascente”.

–“Como estava vestida a Senhora?”. Respondeu: “Estava vestida debranco, coberta desde a cabeça até à extremidade do vestido com ummanto galoado a ouro, preso com um cordão dourado, terminado poruma borla também dourada, nada tendo sobre a cabeça além do manto;as mangas do vestido chegavam até às mãos postas à altura do peito edonde pendiam umas contas brancas, terminadas por uma cruz tambémbranca; parece-me que não vinha descalça, mas não posso determinarbem porque pousava sobre folhas envoltas em luz e porque não repareibem nos pés; via-se um pouco das orelhas, mas não posso precisar setinha brincos ou não, parecendo-me contudo que tinha um fiozinho deouro”.

– “Qual era a tua idade e a dos teus primos nessa ocasião?”.Respondeu: – “Eu nesse tempo tinha dez anos, o Francisco nove e aJacinta seis2”.

– “Os teus primos também viram e falaram com essa Senhora?”.Disse: – “Os meus primos não fizeram perguntas, mas a Jacinta dizia tê--la ouvido e o Francisco via-a, mas não a ouvia”.

2 Jacinta tinha já sete anos.

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�^_`ab ce feghijklegjnk `jljopejqb`ceqekke`ekkelnjrtuvnkkew“Agora lembra-me isto: quando a Senhora me disse que ela era do Céu,eu perguntei-lhe se eu ia para o Céu, e ela disse que sim; se ia a Jacintae ela disse que sim; se ia o Francisco e ela disse que sim, mas que eledevia rezar o terço; também me lembro que, depois de desaparecer aSenhora, veio um homem dizer que as ovelhas tinham ido para oschícharos e que já lhes tinha atirado com pedras e que os chícharosestariam comidos; foi por lá ver para avisar o dono, e depois disse aodono, José Matias, que as ovelhas tinham ido para os chícharos, masque eles não estavam comidos”.

– “A Aparição durou muito tempo? Tiveste medo durante ela?Contaste a alguém o que viste?”. Disse: “A Aparição durou pouco tempoe durante ela não tive susto nenhum; ao irmos para casa, combinei comos meus primos não dizer nada a ninguém, e nos dias seguintes íamos,quando podíamos com as ovelhas para a Cova da Iria, ou passaríamoslá ao recolher o gado, rezando aí uma Avé Maria”.

– Estiveste lá no dia treze do mês seguinte? Respondeu: “No diatreze de junho era festa de Santo António e a minha mãe não tinha muitavontade de me deixar ir à Cova da Iria, porque queria que eu fosse àfesta de Santo António, mas algumas pessoas que tiveram conhecimentoda Aparição foram buscar-me e à Jacinta e acompanharam-nos até àcarrasqueira, aí pela volta do meio-dia. A Jacinta contou à mãe que naCova da Iria tinha visto uma coisa muito bonita e, por insistência dela,disse-lhe o que foi; eu, só passados oito dias, a uma pergunta da minhamãe, disse o que se tinha passado. Foi assim que se soube.

Quando chegámos junto da carrasqueira, rezámos; e, terminada aoração, vi um relâmpago, estando um dia de muito calor, e a seguirapareceu a Senhora em cima da carrasqueira, vestida da mesma moda.Perguntei-lhe: “O que me quer Vossemecê?” A resposta dela foi: –“Quero que continuem a vir aqui nos outros meses, que rezem o terçotodos os dias e que aprendam a ler”. Como me tinham recomendado,pedi à Senhora que curasse um entrevado, e ela respondeu que, se elese convertesse, ficaria curado dentro dum ano. Depois subiu para olado do nascente e desapareceu entre as nuvens e o azul do céu”.

– “As pessoas presentes também viram a Senhora?” Respondeu: “Opovo perguntou-me e eu disse o que vi, mas não sei se mais alguém viu;depois rezámos o terço, cantámos e fomos para a festa”.

– “Depois dessa Aparição foste visitada por pessoas que teinterrogassem sobre ela?”. Respondeu: “Fui visitada por muitas pessoas,e entre elas alguns sacerdotes, que me apertaram com perguntas e me

Doc. 82 1924-07-08

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318 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

xyz{yxy||}~����~������|������y��y|~�{y �y|�z~y �}��}|���~y� � yminha mãe chegou a bater-me com o cabo duma vassoura”.

– “Voltaste a Cova da Iria no mês de julho?”. Respondeu: “Voltei nodia treze de julho, como a Senhora recomendara; estava lá bastantegente, pela hora do meio dia. Rezámos o Terço ao pé da carrasqueira;depois de acabar, estando de pé, deu um relâmpago, e apareceu aSenhora em cima da azinheira. E eu perguntei-lhe: o que é que Vossemecême quer hoje? A Senhora respondeu: – “Quero que continuem a vir aquio resto dos meses e continuem a rezar o terço”. Depois a Senhora disse:“Querem aprender uma oração?”. “Queremos sim”, respondi. E aSenhora ensinou assim: – “Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogodo inferno e levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelasque mais precisarem”.

Em seguida, confiou a mim e à Jacinta algumas palavrinhas,recomendando-nos que não as disséssemos a ninguém, só as podendodizer ao Francisco. Como me tinham pedido, pedi à Senhora a cura dealgumas pessoas, umas cegas, outras aleijadas e outras mudas, e eladisse que dentro dum ano algumas seriam curadas. E nisto subiu ao Céucomo das outras vezes”.

– “No mês de agosto, passou-se tudo da mesma maneira?”.Respondeu: “No mês de agosto foi diferente. Antes do dia 13 de agosto,eu e meus primos fomos chamados à Administração; o meu tio nãolevou lá os filhos, mas eu fui com meu pai. O senhor Administradorinterrogou-me, quis insistentemente que eu lhe revelasse o segredo daSenhora, o que eu não fiz; depois de escrever mandou-me embora. Nodia treze iamos para o sítio da carrasqueira, quando nos disseram queprimeiro tínhamos de ir a casa do Senhor Prior. Lá fomos, subindo paraa varanda da casa. Depois de estarmos algum tempo à espera, apareceuo Senhor Administrador que nos mandou entrar para um carro, dizendoque assim íamos mais depressa para a Cova da Iria.

Meu pai disse que nós iamos a pé, mas o Senhor Administradorteimou que era melhor irmos no carro, porque íamos livres do povo.Então, por ordem de meu pai, subi para o carro com os meus primos. Ocarro deu uma volta e seguiu na direção de Vila Nova de Ourém. “Nãoé para este lado”, disse eu, mas o Senhor Administrador respondeu queíamos a Ourém a casa do Senhor Prior e que ainda viríamos a tempoporque vínhamos de automóvel. Quando chegámos a Ourém, fecharam--nos num quarto e disseram que não sairíamos dali enquanto nãodeclarássemos o segredo que a Senhora nos confiou. No dia seguinte3,uma senhora de idade interrogou-nos sobre o segredo; depois levaram-

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���� ���� � Administração, onde fomos de novo interrogados,oferecendo-nos peças de oiro para revelarmos o segredo. Voltámospara casa do Senhor Administrador, onde tínhamos ficado na noiteanterior e de tarde fomos outra vez interrogados sobre o segredo.Levaram-nos à cadeia, e ameaçaram-nos de lá ficar, se o nãodisséssemos. Tornámos para a Administração, e como não disséssemoso segredo, prometeram que nos iam fritar com azeite. O SenhorAdministrador mandou-nos retirar e disse a um homem que aprontasseuma caldeira com azeite quente. Chamou depois a Jacinta, dizendo queera a primeira a ser queimada. Ela foi prontamente, sem se despedir.Interrogaram-na e meteram-na num quarto. Chamaram a seguir oFrancisco; disseram-lhe que a Jacinta já estava queimada e que ele teriaa mesma sorte se não declarasse o segredo. Interrogaram-no emandaram-no para o mesmo quarto. Foi depois a minha vez; disseramque os meus primos já estavam queimados e que eu teria a mesma sorte,se não dissesse o segredo. Embora pensasse que era certo, não tivemedo. Mandaram-me para ao pé dos meus primos, e um homem disseque não tardaria a sermos queimados todos três. Levaram-nos paracasa do Administrador, e lá ficámos aquela noite no mesmo quarto. Nodia seguinte4, foi quase a mesma coisa: interrogatórios de manhã e àtarde, com muitas promessas e ameaças. No dia dezasseis5, fomos outravez à Administração pelas dez horas, mas nada conseguiram de nós,como das outras vezes. Então o Senhor Administrador mandou-nos subirpara um carro, e deixou-nos em casa do Senhor Prior, na varanda.Chegando a nossa casa, fomos logo com as ovelhas para um sítiochamado Valinho na companhia do Francisco e do João. A Jacinta tinhaficado em casa. Deu um relâmpago, e eu mandei chamar a Jacinta peloJoão, irmão dela. O João não queria ir, e eu prometi-lhe dois vinténspara ele ir. Quando chegou a Jacinta, disse-lhe que tinha dado umrelâmpago e que provavelmente a Senhora ia aparecer. Descemos porum atalho, e vimos a Senhora em cima duma azinheira. “O que é queVossemecê me quer?”, perguntei eu. Ela disse: – “Quero que continuema ir à Cova da Iria o resto dos meses até outubro e que rezem o Terço”.Perguntei mais: “O que se há de fazer ao dinheiro que estava na Covada Iria?” A Maria do Rosário, da Moita6, tinha tomado conta dele e

3 Dia 14 de agosto.4 Dia 15 de agosto.5 Lúcia acrescenta, por engano, um dia. O regresso a Fátima foi no dia 15 de

agosto, feriado, Assunção de Nossa Senhora.

Doc. 82 1924-07-08

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������������� ���� ����� ������� ������  �������� ¡���� ���ele, disse-me a mim que perguntasse à Senhora o que se havia de fazerdesse dinheiro. A Senhora respondeu: “Façam dois andores, no dia dafesta da Senhora do Rosário; um leve-o o Francisco com mais trêsrapazitos, o outro levem-no as duas com mais duas meninas”. Pedi-lhea cura de algumas pessoas, e Ela disse que dentro dum ano algumasseriam curadas. Pedi-lhe também um milagre para o povo acreditar eEla disse que no último mês fazia um sinal no sol, que todos haviam deacreditar; que com São José viria o Menino Jesus dar a bênção aomundo, e Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Dores; queNosso Senhor viria dar a paz ao mundo. Depois desapareceu como nosoutros meses para o lado do nascente.”

– “Viram todos a Senhora?” – Respondeu: – “Eu e a Jacinta vimos eouvimos; o Francisco como das outras vezes viu-a, mas não ouviu oque ela disse, e o João não viu nem ouviu nada”

– “Foi muita gente a tua casa perguntar pela Senhora?”. Respondeu:“foi muita gente, e até muitos sacerdotes, alguns dos quais me trataramde intrujona”.

– “Foste à Cova da Iria no mês de setembro?”. Respondeu: – “Fui lávárias vezes porque a cada passo algumas pessoas nos vinham pedirpara lá irmos rezar com elas o terço. No dia treze também lá fuiacompanhada por muito povo; já lá estavam os meus primos com muitagente. Pela hora do meio dia deu um relâmpago e a Senhora apareceucomo das outras vezes. Eu perguntei: “O que e que Vossemecê mequer?”. Ela respondeu: – “Quero que venham aqui no mês seguinte eque continuem a rezarem o Terço”. Por lembrança da Maria do Rosário6,perguntei se Ela queria que fizessem ali uma capelinha, e Ela disse quefizessem ali uma capelinha em honra de Nossa Senhora do Rosário.Pedi a conversão e a cura de algumas pessoas e Ela respondeu quedentro dum ano algumas seriam curadas e outras não.

– “E no mês de setembro não aconteceu mais nada?”. Respondeu: –”Pedi outra vez que fizesse um milagre para o povo acreditar, porquediziam que eu era uma intrujona que devia ser enforcada e queimada. ASenhora deu-me a mesma resposta da outra vez; retirou-se como decostume”.

– “Foste à Cova da Iria no dia treze de outubro?”. Respondeu: – “Opovo veio buscar-nos. Eu já estava em casa dos primos, quando umasenhora apareceu com um vestido azul e quis que eu o levasse; deu

6 Trata-se de Maria dos Santos ou Maria Carreira, da Moita.

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¢£¤¥¢¦¥§¨©¢ª«§©¬¨¤§­®¯°±²¢³¤§²¦´²£²§µ¥¬¨§¶·§·¯¸¶¢¥¯³§¥¤¬ ¬©¬§¬³na cabeça. Chovia muito. Quando chegámos à Cova da Iria não sepodia romper com o povo; a estrada estava cheia de carros e automóveis.À hora do meio-dia deu um relâmpago e a Senhora apareceu nacarrasqueira: “O que é que Vossemecê me quer?”, perguntei eu. Elarespondeu: “Quero-te dizer que não ofendam mais a Deus Nosso Senhor,que já esta muito ofendido; continuem a rezar o terço todos os dias;quero que façam aqui uma capelinha à Senhora do Rosário”. Entãocomo é que Vossemecê se chama? Ela respondeu: – “Eu sou a Senhorado Rosário”. Parece-me que disse ainda deste modo: “Convertam-se, aguerra acaba hoje, esperem pelos seus militares muito breve”. A minhaprima Jacinta disse-me em casa que a Senhora falou assim: “Convertam--se que a guerra acaba dentro dum ano”. Como estava a pensar nospedidos que queria fazer a Senhora, não deitei bem sentido. Fiz-lhe ospedidos e ela deu-me a resposta das outras vezes. Nisto subiu para olado do nascente, escondeu-se nas nuvens. Pouco antes de a Senhoraaparecer, parou a chuva; e quando ela desapareceu, olhamos para osol. Dum lado do sol vimos um vulto de homem, da cinta para cima,com o Menino Jesus nos braços, e do outro lado a Senhora que tinhaestado na azinheira. O Menino Jesus abençoava o povo. Veio-me aideia de que o homem seria S. José. Estava um resplendor tão grandeque não nos deixava ver à vontade. Desapareceram e depois apareceudo lado direito do sol Nosso Senhor, que só se via da cinta para cima,vestido de vermelho, e do outro lado Nossa Senhora, vestida de roxo,parecendo Nossa Senhora das Dores. Nosso Senhor fazia várias cruzes.Parece-me que ainda vi outra figura, que parecia ser Nossa Senhora doCarmo, porque tinha qualquer coisa pendurada na mão direitaDesapareceu tudo e nunca mais vi nada, até hoje”.

– “Os teus primos falaram alguma vez com a Senhora?”. Respondeu:“Nunca falaram; uma vez combinámos que a Jacinta lhe falasse, mas,chegando lá, a Jacinta não disse nada.”

– “O semblante da Senhora era risonho?”. Respondeu: “Era triste;quando falava, abria as mãos que estavam juntas e erguidas de encontroao peito”.

– “Os teus primos onde estão?”. Respondeu: “Já morreram. OFrancisco esteve doente, alguns meses, e dizia que queria ir para juntoda Senhora; a seu pedido, rezei com ele o terço, algumas vezes, durantea doença. A Jacinta morreu em Lisboa; fui vê-la ao hospital de VilaNova de Ourém e lá rezei também com ela”.

– “Tens a certeza de que viste realmente uma Senhora em cima da

Doc. 82 1924-07-08

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322 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¹º»»º¼½¾¿À»º ¿ Á¿½¾¿ ÂÃÄ Å¿ ¿Âƺº¼Å¿ÇÈÉÊ¿¼ËÄÂÁ¿¾Ì ÍÎenho a certezade que a vi e de que não me enganei; ainda que me matassem, ninguémme faria dizer o contrário.

– “E quem era essa Senhora?”. Respondeu: “Antes de ela dizer queera a Senhora do Rosário, não sabia quem era; agora estou convencidade que era Nossa Senhora”.

Tendo acabado de prestar estas declarações, foi-lhe lido pelo notárioo depoimento que ela achou em tudo conforme a verdade, exceto naresposta à pergunta acerca da sua primeira Comunhão, porquanto osenhor Prior é que se chamava Padre Pena e era ele que lhe recusava aComunhão por a achar muito nova, mas por fim cedeu às suas instânciaspor ver que sabia o Catecismo.

Assim o disse e confirmou com a mão nos Santos Evangelhos,assinando em seguida o seu nome na presença dos senhores presidente,promotor da Fé e notário, que, em testemunho da verdade, vão tambémassinar após a declarante. Era ut supra.

Lúcia de JesusDoutor Padre Manuel Nunes Formigão JúniorPe. Manuel Marques dos SantosCónego Manuel Pereira Lopes

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Doc. 831925-06-13, Leiria

Ofício de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, a dar um conjunto derecomendações aos peregrinos de Fátima.

Publ: DCF, IV-3 - Doc. 614

ÏÐÑÒÓÐÔÕÖ×ØÒ ÕÒ ÐÙÚMO SR. BISPO DE LEIRIA AOSPEREGRINOS

As peregrinações a Nossa Senhora do Rosário da Fátima devemconservar o seu caráter primitivo de piedade, penitência e caridade.

Vai-se à Fátima para orar, fazer mortificações e pedir à VirgemSantíssima a saúde espiritual e física de doentes de alma e corpo que aliacodem de cada vez em maior número a implorar Aquela que é a –Salvação dos enfermos.

Sempre, mas especialmente pelo caminho e na Cova da Iria, osperegrinos devem ajudar-se mutuamente, orar uns pelos outros econservarem-se com o máximo respeito e recolhimento durante os atosreligiosos.

Os doentes, sejam ricos ou pobres, têm sempre o primeiro lugar.Abre-se alas à sua passagem e ajudam-se sempre que seja preciso.

Os peregrinos devem obedecer às indicações dos – Servos de NossaSenhora do Rosário da Fátima – a fim de tudo correr em ordem.

A desordem desagrada a Deus. “Fazei tudo com honestidade e comordem”, recomenda S. Paulo (1 Cor XIV, 40).

Havendo ordem, embora sejam muitos, todos são servidos: o poucochega para todos. Não havendo ordem, o muito não chega a nada.

Vede como isto se verifica nas famílias e na sociedade.Por isso, Nosso Senhor, quando no deserto deu de comer a milhares

de pessoas, multiplicando os pães e os peixes, começou por marcar acada um o seu lugar. (Marc VI, 40).

É esta ordem aliada à piedade, penitência e caridade que desejo verobservada sempre pelos peregrinos.

Às suas orações e boas obras recomendo as necessidades da SantaIgreja, do nosso Portugal, e dos Servos de Nossa Senhora do Rosárioda Fátima, cujos trabalhos a prestar e dedicação, desde já agradeço.

Leiria, 13 de junho de 1925.† José, Bispo de Leiria

Doc. 83 1925-06-13

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324 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 841926-02-p.15, Pontevedra

Carta de Lúcia para Mons. Manuel Pereira Lopes, seu confessor, sobre adevoção dos cinco primeiros Sábados. Revela a aparição do Menino Jesus.

Publ.: DCF, IV-4 - Doc. 735

ÛÜÝ.mo Senhor Doutor

Venho com todo o respeito agradecer a amável cartinha que acaridade de V. Rv.cia fez o favor de me escrever.

Quando a recebi e vi que ainda não podia atender aos desejos deNossa Senhora, senti-me um pouco triste mas logo refleti que os desejosde Nossa Senhora eram que eu obedecesse às ordens de V. Rv.cia;fiquei tranquila e no dia seguinte quando recebi a Jesus Sacramentadoli-lhe a carta e disse: Ó meu Jesus eu com a vossa graça, a oração, amortificação e a confiança farei tudo quanto a obediência me permitir evós me inspirardes e o resto fazei-o vós.

Assim fiquei até ao dia 15 de fevereiro; esses dias foram dumacontínua mortificação interior; pensava se teria sido um sonho mas sabiaque não; pensava que tinha sido a realidade, mas como tendo eucorrespondido tão mal às graças recebidas até ali, Nosso Senhor sedignava aparecer-me outra vez? Chegava-se o dia de me ir confessar enão tinha licença de dizer nada; dizia-o à Madre Superiora mas duranteo dia as minhas ocupações não mo permitiam; à noite estava com doresde cabeça e eu, temendo faltar à caridade pensava: fica para amanhã,ofereço-vos este sacrifício minha querida Mãe; e assim se passaram unsatrás de outros todos, os dias até hoje.

No dia 15 andava eu muito ocupada com o meu ofício e quase nemdisso me lembrava e indo eu deitar um apanhador de lixo fora do quintalonde alguns meses atrasados tinha encontrado uma criança à qual tinhaperguntado se ela sabia a Avé-Maria e respondendo-me que sim, lhemandei que a dissesse para eu ouvir mas, como ela se não resolvia adizê-la só, disse-a eu com ela três vezes e ao fim das três Avé-Marias,pedi-lhe para que dissesse só mas, como ela se calou e não foi capaz dedizer só a Avé-Maria, perguntei-lhe se ela sabia qual era a Igreja deSanta Maria, respondeu-me que sim; disse-lhe que fosse lá todos osdias e que dissesse assim: ó minha Mãe do Céu dai-me o vosso MeninoJesus. Ensinei-lhe isto e vim-me embora; no dia 15-2-1926, voltando

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Þß àá âãäã å æÞ âãçèßäÞé ÞêâãêèëÞì ali uma criança que me parecia sera mesma e perguntei-lhe: então tens pedido o Menino Jesus à Mãe doCéu? A criança volta-se para mim e diz: e tu tens espalhado pelo mundoaquilo que a Mãe do Céu te pediu; e nisto transforma-se num Meninoresplandecente. Conhecendo então que era Jesus, disse: meu Jesus vósbem sabeis o que o meu confessor me disse na carta que vos li; dizia queera preciso que aquela visão se repetisse, que houvesse factos para quefosse acreditada, e a Madre Superiora só a espalhar este facto nadapodia.

É verdade que a Madre Superiora só nada pode mas com a minhagraça pode tudo, e basta que o teu confessor te dê licença e a tuasuperiora o diga para que seja acreditado, até sem se saber a quem foirevelado. Mas o meu confessor dizia na carta que esta devoção nãofazia falta no mundo, porque já havia muitas almas que vos recebiam,aos primeiros sábados em honra de Nossa Senhora e dos 15 mistériosdo Rosário. É verdade, minha filha, que muitas almas os começam maspoucas os acabam e as que os terminam é com o fim de receberem asgraças que aí estão prometidas; e me agradam mais as que fizerem os 5com fervor e com o fim de desagravar o Coração da tua Mãe do Céuque os que fizerem os 15, tíbios e indiferentes;

Meu Jesus, muitas almas têm dificuldade em se confessar ao sábado;se Vós permitísseis que a confissão de 8 dias fosse válida?

Sim, pode ser de muitos mais dias ainda, contanto que estejam emgraça no primeiro sábado quando me receberem e que nessa convicçãoanterior tenham feito a intenção de com ela desagravar o SagradoCoração de Maria.

Meu Jesus, e as que se esquecerem de formar essa intenção? Podem--na formar logo na outra confissão seguinte, aproveitando a primeiraocasião que tiverem de se confessar. Nisto desapareceu sem que atéhoje eu saiba mais nada dos desejos do Céu e quanto aos meus, sãoque nas almas se acenda a chama do amor divino e que elevadas nesteamor consolem muito o Sagrado Coração de Maria.

Eu tenho ao menos os desejos de consolar muito a minha queridaMãe do Céu, sofrendo muito por seu amor, mas por agora fico só comos desejos porque quando se me oferece alguma ocasião de sofrer umarepreensão, uma palavrinha que me venha ferir o amor próprio ou umapequena contrariedade no meu ofício, logo que posso me vou queixar aJesus Sacramentado e até algumas vezes à Madre Superiora, contandotudo quanto me aconteceu e esperando sempre que Jesus me diga queestá contente por eu me ter calado ou ter feito prontamente aquilo que

Doc. 84 1926-02-p.15

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326 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

íî ïðñíòóôòôðõ î öî ò÷øùíôñò me parece que Jesus está triste comigojá só me apetece chorar e não sei que mais hei de fazer para que estejacontente comigo.

Termino com todo o respeito pedindo a V. Rv.cia se digne responder--me, dizendo-me o que tenho a fazer para satisfazer os desejos do Céu.

Respeitosamente peço a V. Rv.cia que se digne abençoar-me e pedira Jesus por esta que é a mais humilde e obediente serva

De V. Rv.cia

Maria Lúcia de Jesus Santos

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Doc. 851926-03-26, Leiria

Ofício de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, sobre os peditóriosem Fátima.

Publ.: DCF, IV-4 - Doc. 753

úûüýþÿ

Peditórios – Os pobrezinhos

Começando a haver abusos por ocasião das peregrinações a Fátimaquanto a peditórios, determinamos, por agora o seguinte:

1º. São proibidos os peditórios, sob qualquer pretexto, dentro doterreno murado, pois aquele local é exclusivamente reservado para aoração.

2º. Acorrendo de muitos pontos, como nas romarias, mendigos nemsempre necessitados, são os pobrezinhos convidados a não fazerem osseus peditórios por ocasião das peregrinações.

3º. Os pobrezinhos dos concelhos vizinhos da Fátima que nãoesmolarem nas peregrinações, de maio e outubro, receberão uma esmolaextraordinária dirigindo o seu pedido ao R. Pároco da Fátima com umatestado do seu R. Pároco em que, sob juramento, este declare: – a)que o requerente é pobre miserável; b) que não esmolou na peregrinação.

4º. Os pobrezinhos das outras terras, que não esmolarem, dirigir--se-ão ao servita encarregado e este os ajudará.

5º. Recomendo aos peregrinos que, sendo o mais caridosos comtodos, não deem esmolas aos pedintes sem averiguarem da veracidadedos seus lamentos, para não serem explorados nem concorrerem para avagabundagem.

6º. Devem os peregrinos depositar as suas esmolas para ospobrezinhos nas mãos dos servitas que as entregarão como for de justiça.

Leiria, 26 de março de 1926

† José, Bispo de Leiria

Doc. 85 1926-03-26

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328 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 861926-05-13, Lisboa

Artigo do jornal “A Época”1, que publica uma entrevista com D. José AlvesCorreia da Silva, Bispo de Leiria, sobre as aparições de Fátima.

Publ.: DCF, IV-4 - Doc. 768

T���� DE SANTA MARIANOSSA SENHORA DE FÁTIMA

Conversando com o Venerando Prelado de LeiriaA devoção do povo português

Aspeto religioso das peregrinações a FátimaRomagem de meditação e penitênciaLourdes e Fátima – A chama da fé

Do cumprimento do dever sempre advém alguma grata compensação.Assim é que da missão especial que nos trouxe à Extremadura, com ofim de colher impressões sobre o projetado caminho de ferro de Tomarà Nazaré, podemos agora derivar uma crónica, cheia de oportunidade einteresse, a propósito das grandes peregrinações a Fátima e fornecer,aos leitores de A Época, alguns pormenores curiosíssimos sobre osmotivos de piedade e de fé que desde há alguns anos têm feito concentrarna charneca da Fátima muitas centenas de milhares de pessoas, que alivão, no só propósito de render à Virgem do Rosário as suas homenagensde louvor e reconhecimento.

De passagem por Leiria, deparou-se-nos o grato ensejo de irapresentar cumprimentos ao venerando prelado da diocese, sr. D. JoséAlves Correia da Silva, a quem nos prendem gratas e antigas relações.

A S. Exª. Rev.ma o sr. D. José Alves Correia da Silva, prelado dumaerudição tão vasta como profunda, devemos a melhor parte da nossaeducação religiosa. E da sua ação benemérita e verdadeiramenteapostólica e social, como antigo orientador e assistente do CírculoCatólico de Operários do Porto, pode com razão fazer-se a melhor emais honrosa nota biográfica do insigne e bondoso prelado que

1 Diário monárquico, fundado em 25 de março de 1919. Diretor: Fernando deSousa ( Nemo)

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a��a������ ����a a ����� ������a�O prestígio de que goza na suadiocese é deveras notável e excecional.

– O sr. D. José é um dos mais notáveis bispos portugueses – ouvimoscomentar a um grupo, em que se discutiam assuntos de arte religiosa. –Possuindo uma sólida cultura e uma rara erudição, nunca o nossovenerando Prelado deixou de emitir uma opinião segura e criteriosa,acerca de qualquer assunto, sobre o qual tenha sido consultado.

– Ainda há pouco – referia de lado o Rev. Padre Lacerda, estimadopároco da freguesia dos Milagres – foram feitas a S. Exª. Rev.ma algumasperguntas, das que vulgarmente se chamam de algibeira, porque raro éencontrar-se alguém habilitado a responder de pronto e com segurança.Pois o sr. Bispo de Leiria não hesitou um momento em dar a respostadesejada, apesar de se tratar dum assunto, em que se requeremconhecimentos especializados. O sr. Bispo de Leiria é um Prelado cultoe sabedor que dá honra ao venerando corpo do Episcopado Português,e da sua ação disciplinadora e apostólica muito tem a esperar a Igrejaem Portugal e particularmente a diocese de Leiria.

Como duma visita de cumprimentos, se deriva uma conversa cheiade interesse e oportunidade

Foi, pois, no cumprimento dum grato dever de cortesia ereconhecimento, que no edifício do atual Paço Episcopal fomos procurarS. Exª. Rev.ma o sr. Bispo de Leiria.

Fizemo-nos anunciar com um simples cartão de visita. E algunsmomentos passados, um reposteiro se abre, deixando aparecer a figuraveneranda do sr. D. José, a quem o debruado vermelho da batina e aCruz que lhe pendia do peito imprimiam um tom de Patriarcal majestade.

– Então por Leiria? – perguntou o Prelado com bondade.– É verdade sr. D. José. Vim como delegado do meu jornal, assistir

à reunião que se realizou no Edifício da Câmara, por motivo do novoCaminho de Ferro de Tomar à Nazaré. E uma vez nesta cidade, nãodevia retirar-me sem cumprir o dever de vir cumprimentar S. Ex.ª. Rv.ma.

– E gosta de Leiria?– Gosto muito. Admiro sobretudo o aspeto imponente do seu castelo.– Demora-se muito por cá?– Apenas o tempo indispensável para colher os elementos de estudo

necessários a uma série de crónicas que me proponho escrever, tomandopara assunto o novo Caminho de Ferro de Tomar à Nazaré. Para issotenciono percorrer toda a região servida por este Caminho de Ferro,indo daqui para Alcobaça, Nazaré, Batalha, Porto de Mós, Ourém,

Doc. 86 1926-05-13

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330 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

�omar e depois Fátima, onde tenciono estar no próximo dia 13, porocasião da peregrinação.

– É um itinerário interessante e do qual poderá colher ótimasimpressões.

– Certamente: mas interessar-me-ão sobretudo as impressões sobreFátima, tanto mais que na opinião dos defensores do projeto, o problemade Fátima é um dos mais poderosos fatores, que se devem ter agora emconta, ao advogar a construção desta linha. É neste ponto que, porassim dizer, começa o interesse e oportunidade desta crónica, em quepretendemos pôr principalmente em relevo o grandioso significado dasperegrinações que se têm realizado a Fátima.

As aparições de Fátima

O sr. Bispo de Leiria tem atualmente uma missão muito delicada acumprir. Dentro da sua diocese deram-se há poucos anos acontecimentosde caráter sobrenatural, que tiveram como consequência imediata umaintensa manifestação de fé religiosa. Dum ao outro extremo do país sedirigem a Fátima pessoas de todas as idades, sexos e condições, que alivão em piedosa romagem prestar à Virgem o fervoroso culto das suasdevoções e das suas homenagens, tornando-se pequeno o recinto paracomportar a multidão enorme de pessoas que, no dia 13 de maiosobretudo, ali se reunem, sujeitando-se a penosas viagens e privando--se de todo o conforto.

Competindo à autoridade eclesiástica tomar providências imediataspara se evitar o perigo duma superstição, o sr. D. José Alves Correia daSilva viu-se logo no começo da sua missão episcopal colocado ante oproblema de Fátima. Segundo as declarações inocentes e por isso mesmofidedignas duns pastorinhos, deram-se em Fátima os mesmos fenómenosde aparições sobrenaturais que há sessenta e seis anos sucederam emLourdes. A notícia destas aparições correu veloz por todo o país e logoprincipiaram a acudir ali muitas dezenas de milhares de pessoas, queanimadas dos melhores sentimentos de religiosidade e de fé, invocavama Virgem Senhora, com uma doce e salutar confiança na sua poderosa eeficaz intercessão como mãe carinhosa e refúgio seguro dos pecadores.

Analogamente ao que se dera em Lourdes, o vento da impiedadecomeçou a soprar sarcasmos e ironias blasfemas, que não conseguiram,apesar de tudo, conter a onda de fiéis que para ali se iam dirigindo,avolumando-se dia a dia, até ao ponto do venerando Prelado da diocese,procedendo com todas as reservas, que a delicadeza do assunto impunha,autorizar tais manifestações de culto público, tratando, simultaneamente,

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d� ��������� � ��������� processo canónico, que se está julgando, com aacuidade e prudência, de uso em casos semelhantes e que são garantiasegura para a decisão.

Que são as peregrinações a Fátima ou o que têm elas de comumcom as que de toda a parte se dirigem atualmente a Lourdes?

Na opinião autorizada do sr. Bispo de Leiria, as peregrinações aFátima têm mais grandiosidade e mais imponência que as peregrinaçõesa Lourdes.

Sendo os mesmos os motivos e os fins dessas peregrinações, quetodas nasceram de factos sobrenaturais, em que o Digitus Dei semanifestou dum modo incontestável, diferentes contudo são ascaracterísticas que numas e noutras se notam, como muito judiciosamentenos explicou o venerando antístite que tão generosamente nos recebera.

Fátima é um vastíssimo templo, onde os portugueses vão rezar,fazendo meditação e penitência

O motivo que nos levara até junto do sr. Bispo de Leiria fôra somente,como já dissemos, o cumprimento dum grato dever de cortesia. Longede nós o propósito de abusar da sua bondade a ponto de lhe solicitarmosa hora duma entrevista, para a qual nem sequer levávamos esboçadoqualquer plano.

A conversa foi, porém, derivando para o assunto de Fátima ejulgamos não cometer abuso de inconfidência, reproduzindo aqui, e apropósito dum assunto de tal magnitude, alguns dos pontos maisinteressantes da amena e instrutiva palestra, que com S. Exª. Rev.manós mantivemos.

Após ligeiras considerações sobre as vantagens que, da construçãodo novo Caminho de Ferro, poderão advir para o caso da Fátima, o sr.Bispo de Leiria que, se não fora o estorvo duma visita pastoral feita aPorto de Mós, teria ido assistir à reunião que no dia 2 se realizou noedifício da Câmara, elucida-nos:

– As peregrinações de Fátima são mais imponentes e significativasque as de Lourdes. Em Fátima juntam-se num só dia muito mais pessoasdo que habitualmente se juntam em Lourdes, apesar de todo o confortoe comodidades que a pequena cidade dos Pirenéus oferece aosperegrinos.

Nunca em Lourdes se viu tanta gente reunida, como se vê em Fátima,no dia 13 de maio, principalmente.

– Dizem que no ano passado deviam estar lá cerca de 400.000pessoas.

Doc. 86 1926-05-13

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332 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

�Tanto não sei dizer; o que posso afirmar-lhe com dados certos, éque Fátima tem sido visitada por muitas centenas de milhares de pessoas,vindas de todos os pontos do país, o que me levou a adotar providências,no sentido de regular as atos do culto e de assegurar aos peregrinosalgumas facilidades para a prática das suas devoções.

– Pelo visto, Fátima será uma nova Lourdes, a Lourdes portuguesa.– Consoante o significado que quisermos imprimir a essa antonomásia.

Bem vê que entre Fátima e Lourdes há uma diferença radical ecaracterística, que sempre terá de manter-se. É preciso levar-se emconta a dificuldade de transportes e a ausência absoluta de quaisquercomodidades, para se poder avaliar justamente do generoso espírito desacrifício, que anima os milhares de pessoas que vão a Fátima rezar efazer penitência.

“Em Lourdes há certamente grandes e edificantes manifestações defé; mas em Fátima há essas mesmas manifestações de fé, animadas,porém, dum maior espírito de sacríficio e duma mais profundaconcentração de pensamentos cristãos. Em Lourdes reza-se mas goza--se também do ambiente sobrenatural, que lá se respira e disfrutam-secomodidades e confortos, que em Fátima não existem nem poderãoexistir.

O caso de Fátima tem aspetos muito diferentes dos de Lourdes emais profundamente característicos. Em Fátima reza-se igualmente, masfazendo-se meditação e penitência. É só para isto que ali se reúnemtodos os meses e particularmente em maio e outubro tantas dezenas demilhares de pessoas, vindas de toda a parte, privadas de qualquerconforto, sujeitas a toda a espécie de sacrifícios e privações, animadostão somente dum só propósito de dar testemunho público da grandeza eintensidade da sua devoção para com a Virgem, em honra da qual entoamhinos de louvor e cuja intercessão invocam, no sentido de obterem graças.

Como vê, se Fátima tem alguns pontos de contacto ou semelhançascom Lourdes, tem também outros aspetos característicos, que lhe dãoum excecional relevo e imprimem às nossas peregrinações maiorgrandiosidade e um significado mais comovente.

– Pelo que respeita a comodidades, ouvi dizer que se pensava naconstrução de grandes hóteis...

– Pura fantasia. Primeiramente, nada há ainda de definitivo sobreesse assunto; e além disso, o terreno não é propício a construções dessanatureza, acrescendo ainda a circunstância de nem sequer haver lá água.A pouca água que lá existe foi já descoberta depois do fenómeno dasaparições e essa mesma está sendo canalizada para uma cisterna que eumandei construir por um espírito de previdência e com destino a reter a

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á� !"!#$% &!#'(!)$ )*+ *! ,!)-! "*á� !naquele sítio é de tal ordem,que os seus habitantes têm de ir buscá-la a uma distância de quinzequilómetros... Nestas condições, como pensar na construção de hóteis?

– E com a construção do novo caminho de ferro?– Pouco virão a melhorar as condições difíceis em que atualmente se

organizam as peregrinações a Fátima. A concorrência de fiéis é já enormee vai crescendo de ano para ano. Ora o novo caminho de ferro, nahipótese da sua construção ser uma realidade, não poderá satisfazer àsnecessidades do movimento, por ocasião das peregrinações, porque namelhor das hipóteses e supondo ainda que a companhia exploradoratenha avultado o número de carruagens, apenas poderá transportaralgumas dezenas de milhares de pessoas, que nada representam emrelação aos muitos milhares, que a Fátima se dirigem nesses dias deimponentíssima manifestação de fé religiosa.

– Mas nenhuns melhoramentos há ainda em projeto?– Certamente que houve necessidade de se estudar o problema, sob

todos os aspetos que ele oferece. Pela parte que diretamente me dizrespeito, como Prelado da diocese, mandei já vedar o recinto, onde sepraticam os atos religiosos; desse recinto tenciono fazer um vastíssimotemplo, onde possam realizar-se todos os atos do culto; tenho já entremãos o respetivo projeto, cujos delineamentos são grandiosos, comoconvém ao fim a que se destina.

– E quando principia a construção desse monumento?– Quando a oportunidade se oferecer. Há circunstâncias que é preciso

ter em conta, antes de se começar com um empreendimento destanatureza.

– E sobre outros melhoramentos, nada há ainda estudado oudefinitivamente assente?

– Pouco sei dizer a tal respeito. A mim só compete providenciar pelolado religioso que é a principal característica das peregrinações daFátima. Julgo contudo que pouco mais se adiantara, visto como nuncade Fátima se poderá fazer uma segunda Lourdes, com todas ascomodidades e confortos que se encontram na linda e miraculosa cidadedo Gave. As peregrinações a Fátima manter-se-ão sempre com o espíritode sacrifício e penitência, que são a sua principal e mais simpáticacaracterística. O resto é com Nossa Senhora, que saberá manter naalma portuguesa aquele entusiasmo e aquele deslumbramento, que asua devoção sempre inspirou, a ponto de ser escolhida como excelsaPadroeira da nossa Pátria e de ter sido a sublime inspiradora das nossasglórias.

Doc. 86 1926-05-13

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334 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

. . .O sr. Bispo de Leiria continuou ainda por algum tempo a deliciar-

-nos com a sua conversa, sempre carinhosa e atraente, versando ora oproblema de Fátima, sobre o qual aqui reproduzimos uma parteinteressantíssima das suas palavras, ora o assunto palpitante do novoCaminho de Ferro, por motivo do qual nos encontrávamos então emLeiria.

Tempo era de dar por finda a nossa visita. Feitos os últimoscumprimentos de despedida o venerando Antístite fez descer sobre nósa sua bênção, enquanto beijávamos, com protestos de muito respeito esubmissão, a esmeralda do seu anel. E só então refletimos que muitohaviamos abusado da sua extrema condescendência fazendo prolongardemasiado a visita de cumprimentos, que ao seu Paço nos levara.

* * *Do que fica exposto, algo se conclui de forma a encher-nos de alegria

e contentamento, na nossa emotividade de portugueses e de crentes. Agloriosa Mãe de Deus que tão pródiga se tem mostrado para com osportugueses, que lhe devemos a benéfica inspiração dos nossos heroísmose a mais larga concessão de graças, dignou-se fazer irradiar para juntode nós, para a Pátria de que é excelsa Padroeira, alguns raios daquelesol de fé intensa e sobrenatural que ilumina com deslumbramentos demilagre a linda cidade dos Pirinéus, a pequena terra de Bernadete.

E o povo português, sempre cioso das suas tradições e tendo o santoorgulho da sua fé, vai correspondendo dignamente ao convite que aVirgem do Rosário lhe dirigiu, por intermédio duns humildes e inocentespastorinhos, acudindo em massa ao local das aparições, com o fim únicode orar e fazer penitência.

Prestemos todos o novo concurso a fim de que ao Venerando Preladode Leiria não faltem nunca os elementos precisos para levar a efeito aconstrução desse monumento, cujo projeto está já delineado e que serácomo um complemento necessário e lógico das imponentíssimasmanifestações de fé que caracterizam e assinalam superiormente as nossasromagens a Fátima.

Dentro de poucos dias, no próximo dia 13, realizar-se-á a grandeperegrinação nacional. Em Fátima juntar-se-ão certamente centenas demilhares de pessoas.

Deus e a SS.ma Virgem estarão por certo com os peregrinos que afé leva àquela charneca triste da Cova da Iria.

Leiria, 10-5-926 ARMANDO VIEIRA.

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Doc. 871927-01-20, Leiria

Oração a Nossa Senhora de Fátima, com imprimatur de D. José Alves Correiada Silva, Bispo de Leiria.

Publ.: DCF, IV-4 - Doc. 878

O/012OA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

Virgem Imaculada, que pelo vosso santo Rosário extinguistes outrorano seio da Igreja a nefasta heresia dos Albigenses, por ele libertastes acristandade do perigo muçulmano e robustecestes a piedade dos fiéis;extingui também no povo português pela prática mais intensa da vossadevoção os germens de morte que fazem definhar a sua Fé, libertai-o detodos os perigos internos e externos que ameaçam a pureza de seuscostumes, fortalecei-o mais e mais, fazendo rejuvenescer nele o genuínoespírito de piedade que no passado o fez um povo cristianíssimo,fidelíssimo e evangelizador.

E já que por uma inefável prova de celestial predileção vos dignastesvisitar este povo que se ufana de ser vassalo vosso, mostrando-lhe dosmontes da Fátima quão caro é ao vosso Coração, não deixeis nunca,Mãe amorosíssima, de o acalentar com esse mesmo amor de predileção.Descansai sobre ele olhares de misericórdia, fazei-lhe sentir mais e maisvossa suavíssima proteção e os doces atrativos do vosso Coração queé coração de mãe.

Abençoai, ó Virgem Imaculada, a terra que vos dignastes visitar, atraía vós todos os portugueses, patenteai-lhes os tesoiros do vosso amor,revelai-lhes os arcanos de vosso Coração materno, fazei de cada coraçãoportuguês um órgão que vibre de amor por vós e de Portugal inteiro umSantuário de amor que corresponda com seu filial afeto ao vosso carinhomaternal e assim mereça agora e sempre ser chamado – a Terra deSanta Maria. – Assim seja.

Pode imprimir-se e concedemos 50 dias de indulgência aos fiéis, porcada vez que recitarem esta oração com um Padre Nosso e uma AvéMaria pelas necessidades da Santa Igreja.

Leiria, 20 de janeiro de 1927.

† JOSÉ, BISPO DE LEIRIA.

Doc. 87 1927-01-20

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336 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 881927-07-a.13, Leiria

Ofício de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, a criar uma capelaniano Santuário de Fátima.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 1

3 456TO NO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DOROSÁRIO DA FÁTIMA

Atendendo aos pedidos instantes que não só os devotos de toda aparte de Portugal como os operários que trabalham nas obras e a novapovoação da Cova da Iria têm feito ao Ex.mo Senhor Bispo de Leiria,Sua Excelência Reverendíssima criou uma Capelania permanente noSantuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

A escolha recaíu no Rev.do Manuel de Sousa1, ex-Pároco de Seiça.Todos os dias será celebrada a Santa Missa a horas certas orando-sepelas necessidades espirituais e temporais recomendadas a este Santuárioe pelos doentinhos.

O Rev. Capelão atenderá os peregrinos que o procurem.

1 Nasceu nos Marinheiros, Marrazes, a 1 de fevereiro de 1899. Foi ordenadosacerdote a 27 de junho de 1924, indo paroquiar a freguesia de Seiça, Ourém.Em 1927, foi nomeado capelão (reitor) do Santuário de Fátima, cargo que ocupouaté 1937. Faleceu a 13 de outubro de 1950.

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337

Doc. 891927-07-24

Carta de Lúcia à Mãe, sobre a devoção dos cinco primeiros sábados.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 2

7 8 7 24-7-1927

Minha querida Mãe

Como sei que, ao receber uma carta minha, recebe ao mesmo tempouma consolação resolvi escrever esta para a animar a oferecer a Deus osacrifício da minha ausência; em verdade compreendo o quanto senteesta separação, mas creia que se nós nos não separássemosvoluntariamente encarregar-se-ia Ele de o fazer; senão vejamos: o tioManuel que dizia não deixar sair de casa os filhos e como Deus lhoslevou; por isso eu queria que a Mãe com generosidade oferecesse àSantíssima Virgem esse ato de reparação pelas ofensas que Ela recebedos seus filhos ingratos; queria também que a Mãe me desse a consolaçãode abraçar uma devoção que sei é do agrado de Deus e que foi a nossaquerida Mãe do céu quem a pediu; logo que tive conhecimento dela,desejei abraçá-la e fazer com que todos os demais a abraçassem. Esperoportanto que a Mãe me responderá a dizer que a faz e vai procurar fazercom que todas essas pessoas que aí vão a abracem também, não poderánunca dar-me consolação maior do que esta. Consta só em fazer o quevai escrito neste santinho; a confissão pode ser noutro dia e os 15 minutosé o que me parece lhe vai fazer mais confusão, mas é muito fácil; quemnão pode pensar nos mistérios do Rosário? Na anunciação do Anjo ena humildade da nossa querida Mãe que, ao vêr-se tão exaltada, chama--se escrava; na paixão de Jesus que tanto sofreu por nosso amor e anossa Mãe Santíssima junto de Jesus no Calvário; quem não pode assimnestes santos pensamentos passar 15 minutos junto da Mãe mais ternadas Mães. Adeus, minha querida Mãe, console assim a Nossa Mãe doCéu e procure que muitos outros a consolem também, e assim dar-me--á também a mim uma inexplicável alegria.

Sou sua filha muito dedicada que lhe beija a mão

Maria Lúcia de Jesus

Doc. 89 1927-07-24

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338 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 901927-11-01, Tuy

Carta de Lúcia a sua madrinha, Maria Filomena Morais Miranda1, sobre adevoção dos cinco primeiros Sábados.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 58

9 : 9

Tuy 1-11-1927Minha querida Madrinha

Venho hoje agradecer a sua amável cartinha à qual já devia terrespondido há muito, mas espero que me perdoará o meu prolongadosilêncio. Gostei muito de saber que tinha feito a viagem a Lourdes semnovidades e que, aos pés da nossa querida Mãe do Céu, não esqueceuesta pobre alma; eu nas minhas fracas orações também não esquecereiainda a minha boa Madrinha. Não sei se já tem conhecimento da devoçãoreparadora dos sábados ao Imaculado Coração de Maria, mas comoainda é nova, lembrou-me de lha inculcar por ser uma coisa pedida pora nossa querida Mãe do Céu e por Jesus ter manifestado desejo queseja abraçada; pareceu-me por isso que a Madrinha estimará muito nãosó de ter conhecimento dela para dar a Jesus a consolação de a praticarmas também a de a fazer conhecer e abraçar por muitas outras pessoas.Consta no seguinte: durante 5 meses, ao primeiro sábado, receber JesusSacramentado rezar um terço fazer 15 minutos de companhia a NossaSenhora, meditando nos mistérios do Rosário e fazer uma confissão;esta pode ser antes alguns dias e se, nesta confissão anterior, nosesquecemos de formar uma intenção, podemos oferecer a confissãoseguinte, contanto que no primeiro sábado se receba a SagradaComunhão em estado de graça com o fim de reparar as ofensas que se

1 Nasceu a 21 de janeiro de 1879. Filha de António Joaquim de Campos Mirandae de Sofia Emília Morais de Miranda. Foi Servita de Fátima e manteve comLúcia, de quem foi madrinha do Crisma, uma relação muito próxima. Foi elaquem acompanhou Lúcia, de Leiria até ao Asilo do Vilar, no Porto, quando Lúciasaiu de Fátima (junho de 1921). Faleceu em Santo Tirso, a 12 de nov embro de1934.

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p;<=>;>? @<AB;C C DCABEFFG?C Virgem e que têm amargurado o seuImaculado Coração. Parece-me minha boa Madrinha que somos felizespor poder dar à nossa querida Mãe do Céu esta prova de amor quesabemos deseja que se lhe ofereça; quanto a mim, confesso que nuncame sinto tão feliz como quando chega o primeiro sábado, e não é verdadeque a nossa maior felicidade está em sermos todas de Jesus e Maria eamá-los a Eles só sem reserva? Vemos isto tão claro na vida dos Santos.Eles eram felizes porque amavam, e nós, minha boa Madrinha, havemosde procurar amar como eles, não só para gozar de Jesus, que é o menos,se o não gozarmos cá gozá-lo-emos lá, mas para darmos a Jesus eMaria a consolação de serem amados, e se o pudéssemos fazer demodo que Eles se vissem amados sem saber de quem, e que assim emtroca deste amor salvassem muitas almas? Então me parece que era detodo feliz; mas já que isto não podemos, ao menos amemo-los paraEles serem amados.

Adeus minha boa Madrinha, abraços nos Corações Santíssimos deJesus e Maria

Maria Lúcia de Jesus

Doc. 90 1927-11-01

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340 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 911927-12-04, Tuy

Carta de Lúcia para o Pe. José Aparício da Silva1 a agradecer uma carta deste.Refere-se à devoção dos cinco primeiros sábados e a algumas dificuldades

com que se tem deparado.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 67

JHIHJH

Tuy, 4-12-1927

Ex.mo e Rev.mo Senhor Padre Mestre

Venho respeitosamente agradecer a amável cartinha de V. Rev.cia.Não imagina quanto a estimei por tudo o que me dizia. Alguns dias antesde a receber tinha andado bastante preocupada com vários pensamentosa respeito do novo Instituto e como não tinha um meio fácil de oscomunicar a V. Rev.cia, escrevendo em carta fechada, pois que a Rev.da

Madre Provincial me tinha recomendado para com a Madre Mestramaior confiança e que não lhe encobrisse nada, resolvi então dizer tudoà Rev.da Madre Mestra e pedi para me fazer o favor de me chamar logoque pudesse. Deus porém não quis e permitiu que se chegasse a hora daRev.da Madre Mestra entrar de retiro sem eu lá ir; já estava na capelaquando me bate no ombro, chama-me fora a uma sala e diz-me: Ó filhanão tive tempo de a chamar; a Irmã não pode esperar para depois doretiro; já está o Padre para começar as práticas. Sim, Madre Mestra,peço fique descansada. Pensei então que Nosso Senhor não queria quelhe dissesse nada e para ficar descansada a este respeito expus a NossoSenhor o seguinte.

1 Pe. José Aparício de Silva. Nasceu a 14 de fevereiro de 1879. Filho de JoaquimAparício da Silva e de Ludovina da Silva. Foi ordenado sacerdote a 12 de junhode 1912. Foi confessor e diretor espiritual de Lúcia de setembro de 1927 adezembro de 1938, altura em que foi para o Brasil. Foi o grande apóstolo doImaculado Coração de Maria e da devoção dos cinco primeiros sábados, querem Portugal, quer no Brasil. Faleceu no Recife, Brasil, a 21 de maio de 1966.

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MKLNKLP QKR PSQKUP VLK WXYRUR PZ [\X ]S^X [KR YKPX_`X bXUPSalguma; os meios humanos que tinha vós tirastes-mos, portanto não leveisa mal que exija de vós o seguinte para conhecer se sois vós ou se é odemónio que me quer enganar.

Se me mandardes uma doença pela qual as minhas Superiores memandem embora e depois lá fora me restituirdes de novo a saúde ireientão entrar nesse Instituto; se me conservardes a saúde até fazer osvotos neste, fico sabendo que era o demónio que me queria enganar.Com respeito ao que V. Rev.cia me dizia desse Instituto, pareceu-meque apesar de tudo isso a obra pode ser de Deus pois que vemos nahistória da fundação da companhia a ordem que deu o Santo Padrepara que acabasse; vejo também na fundação do Instituto em que meencontro que houve os mesmos obstáculos e outros ainda maiores; tiveramaté depois de terem vivido bastante tempo em comunidade de voltar denovo à casa paterna. Portanto o que me falta a mais é só saber ao certoa vontade de Deus.

Agora que a Rev.da Madre Mestre foi a Portugal aproveitei a pedirpara escrever carta fechada e pedir a V. Rev.cia o favor de continuar aauxiliar-me com os seus conselhos, os quais seguirei sempre comoexpressão viva da vontade de Deus. Não imagina V. Rev.cia quantaconsolação senti ao saber que tinham já aí abraçado a devoçãoreparadora do Imaculado Coração de Maria; soube também pela Rev.da

Madre Superiora de Lisboa que toda a Comunidade, meninas e mesmofamílias a tinham já começado; com muito gosto soube que em Fátimamuitas pessoas a tinham já copiado dum santinho que mandei com elaescrito à Minha Mãe. Termino desejando a saúde e as bênções do Céupara V. Rev.cia e toda a Comunidade, recomendando-me às vossasorações.

Sou de V. Rev.cia a mais humilde serva

Lúcia de Jesus Santos

Doc. 91 1927-12-04

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342 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 921927-12-25, Tuy

Carta de Lúcia para sua Mãe a dar as boas-festas natalícias. Refere-se à devoçãoao Imaculado Coração de Maria.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 72

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Minha querida Mãe

Venho cheia duma santa alegria escrever esta cartinha para lhe daros sinceros cumprimentos de boas-festas pelo grande dia de Natal,aniversário do nascimento do nosso querido Jesus; espero que o nossoDivino Infante lhe conceda um novo ano cheio de graças e bênçãos doCéu assim como a toda a mais família; quanto a mim espero que a DivinaMisericórdia continue a conceder-me as graças de que tenho necessidadepara fazer sempre e em tudo a sua Santíssima vontade. É isto a únicacoisa que nos deve ocupar, fazer a vontade de Deus.

Como são felizes as almas que só fazem esta vontade santa; se essesgrandes da terra que chegam a arriscar a própria vida para adquirirdinheiro, julgando achar aí a sua felicidade, soubessem quanto é fácil serfeliz e provassem quanta doçura se goza neste cumprimento da vontadeDivina, estou certa que não havia um só que se não abraçasse com ela.

Vamos pois nós minha boa Mãe a abraçar-nos com tudo o que oMenino Jesus nos quiser pedir e estejamos certas que por mais cruzesque Ele nos quiser mandar e por mais que elas custem à natureza sãosempre para nosso bem. Lembro-me agora duma coisa. A Mãe diziaquando eu aí estava e que o pai ainda era vivo, num dia em que o Céulhe enviava a cruzinha. Dizia a Mãe: se eu soubesse que era certo o quedizia o Senhor Prior na Igreja que, quando se tinha alguma coisa quesofrer, era Deus que assim o permite em desconto dos nossos pecadose que quem sofresse com paciência lhe era descontado o purgatório.Dizia então a Mãe, se soubesse que isto é verdade, levava tudo compaciência mas eu sei lá se depois de tudo isto, não terei um purgatórioainda?

Agora, minha boa Mãe, melhor do que então, agora lhe posso dizersem medo de me enganar: é verdade tudo o que dizem os Padres eainda eles não disseram tudo; por isso minha boa mãe não deixe passar

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nfgf hijk klimioim fqkhhk rinskm okj fjkm. Recebi a sua cartinhae juntamente o dinheiro que me mandou e agradeço-o; nas minhasorações não esquecerei o que me foi recomendado. Peço para fazer econtinuar a fazer conhecer e praticar a devoção reparadora ao ImaculadoCoração de Maria. Sou sua filha que muito me recomendo nas suasorações.

Lúcia

A minha direção agora é a seguinte: Calle Martínez Padín - HermanasDoroteas - Tuy

Doc. 92 1927-12-25

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344 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 931928-01-27, Tuy

Carta de Lúcia para o Pe. José Aparício da Silva a agradecer uma carta deste;apedir desculpa por ter usado uma expressão incorreta na carta anterior e que, aconselho da Madre Superiora, queimou os papéis onde escreveu a devoção doscinco primeiros sábados.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 85

t u t 27-1-1928

Rev.mo Senhor Padre Mestre

Recebi ontem já quase noite a cartinha que V. Rv.cia fez o grandefavor de me escrever e agradeço-a imenso, principalmente por me fazerconhecer a falta que cometi sem o saber, nem querer, pois que escreviabsolutamente o contrário do que queria dizer e do que sentia, quandofalei a respeito da prudência. Eu ao pensar nos pedidos que fazia, comode consultar a Nosso Senhor etc., lembrou-me que parecia ter poucaconfiança na prudência de V. Rv.cia e foi então que resolvi escrever aquelebocadinho para dizer que não era assim, pois bem sabia que não haviaperigo algum; mas agora já que Deus permitiu que escrevesse o contráriodo que queria dizer, espero que também fará com que agora V. Rv.cia

conheça o engano do qual peço humildemente desculpa. E no tocanteaos pedidos que fiz peço a V. Rv.cia para não fazer caso, que eu deixei--me levar simplesmente do receio que se apoderou de mim, julgandoque me tinha enganado. O que me vale é V. Rv.cia conhecer já as minhasmisérias e ter virtude para as suportar com paciência; não imagina V.Rv.cia quanto agradeço a Nosso Senhor o ir assim manifestando o meunada; o que lhe peço é que comece por fazer com que todos me lancemno esquecimento e no desprezo.

De resto entrego tudo nas mãos de V. Rv.cia para fazer o que lheparecer melhor e mais da vontade de Deus e glória do ImaculadoCoração de Maria o qual desejo ardentemente ver conhecido, amado ereparado segundo a vontade de Deus.

Termino esta carta que teve por fim só pedir a V. Rv.cia humildementeperdão; de resto tudo continua na forma do costume.

Sou de V. Rv.cia a mais humilde e obediente serva que respeitosamentebeija a mão de V. Rv.cia.

Lúcia de Jesus Santos

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Deixe-me perguntar ainda uma coisa que não sei se fiz mal. É o seguinte:Nas revelações dos 5 sábados quando as comuniquei ao meu confessorque era então o Senhor D. Lino, mandou-me que escrevesse tudo o quea isto dizia respeito e guardasse esses papéis que podiam ser precisos;obedeci e escrevi; mas, entretanto, vim para o noviciado e até hojetenho-os conservado sem saber o que lhe havia de fazer; agora que jábastantes pessoas tem conhecimento da devoção que eles tratam, penseique os podia queimar porque posso morrer e não queria que de mimficasse memória e sucedendo encontrarem-mos depois da morte nãoserá já tão fácil ficar no esquecimento; não quis contudo fazer isto sópor minha cabeça e, numa ocasião em que falava com a Rv.da MadreProvincial, perguntei-lhe se podia queimar uns papéis que me tinhamandado escrever o meu confessor, quando estava em Pontevedra. AMadre Superiora ficou-se calada por um momento e depois perguntou-me se eu achava que se podiam queimar? Respondi que me parecia quesim. Mas a Rv.da Madre Superiora perguntou ainda: se a Irmã se nãoimportasse que eu os lesse entregava-mos e eu então via se se podiamqueimar. Tive receio que a Madre Superiora os não queimasse e fiqueicalada por um instante; depois respondi; não me importa que V. Rv.cia

os leia, eles tratam de algumas coisas que aconteceram em Pontevedra.A Rv.da Madre Superiora, conhecendo a pouca vontade que eu tinha deos entregar, disse: Olhe meta-os dentro dum sobrescrito e ponha porfora, coisas de consciência; assim já ninguém os lê. Fiquei sem dizerpalavra; então a Rv.ma Madre Superiora disse: a Irmã tem vontade de osqueimar não é verdade? É sim, Madre Superiora. Mas nunca maisninguém lhos pediu nem lhe falou neles? Não, Madre Superiora. Entãoacho que os pode queimar e se for preciso depois a Irmã torna a contartudo, não é verdade? Sim, Madre Superiora, mas parece-me que não épreciso. Então, queime-os. Agora, Senhor Padre Mestre, tenho receiode ter ido contra a vontade de Deus, mostrando demasiado desejo deos queimar antes que entregá-los.

Senhor Padre Mestre, pelo amor de Deus, perdoe-me tanta confiançae tão grande maçada que só Deus pode recompensar e nas minhasfracas orações nunca esquecerei quem tanto bem me tem feito. Beijacom toda a humildade e respeito a mão de V. Rv.cia

Lúcia

Doc. 93 1928-01-27

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346 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 941928-06-03, Roma

Artigo do jornal “L’Osservatore Romano” sobre a peregrinação do dia 13 demaio a Fátima [data de redação: 26 de maio de 1928].

�����: DCF, V-1 - Doc. 218 (em italiano)

DE PORTUGALO SANTUÁRIO MARIANO DE FÁTIMA

Uma peregrinação de 300 mil pessoas(As nossas informações).

LISBOA, 26.

Fátima é uma pequena aldeia perdida sob as faldas da Serra de Aire,no centro de Portugal.

Até há onze anos, era desconhecida de todos.Hoje, Fátima – disse-o há dias D. José Alves Correia da Silva, Bispo

de Leiria – é o lugar escolhido pela Virgem para manifestar o seu poder,a sua bondade e o seu amor.

As estradas que aí se dirigem são más, a viagem difícil, a localidadeprivada de albergues cómodos; porém, é nela que se congregam milharese milhares de pessoas, de todas as classes sociais, numa atitude derecolhimento, rezando devotamente.

Quem aí vai uma vez, sente vontade de voltar.E não foi o clero o organizador deste movimento tão grandioso,

porque nos primeiros anos, por ordem dos seus superiores, o cleroabstinha-se de intervir; nem as autoridades civis, nem as atrações quecostumam caracterizar as manifestações religiosas e cívicas aírealizadas…

Bendita a Virgem Santíssima Nossa Senhora, que transformou aquelelugar árido, desconhecido, num paraíso donde aspergem graças ebênçãos sobre os seus filhos…

A Lourdes portuguesa

Fátima é hoje o maior centro de peregrinação de toda a PenínsulaIbérica, a Lourdes Portuguesa.

Mais de três milhões de pessoas já a visitaram em piedosaperegrinação.

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����� �������� ������� ����� �������� ������ ������ ���������uma vez, ouvido falar de Fátima.

Há onze anos que, ano após ano, vemos vir enormes multidões, quese contam pelas centenas de milhar de pessoas.

A história de Fátima

Duas palavras de história.Quando, no ano de 1917, fervilhava a guerra, três jovens – duas

raparigas e um rapaz – contaram à família ter visto uma Senhora sobreos ramos de uma pequena árvore. Era, segundo afirmavam, a Senhorado Rosário, e que a mesma os tinha exortado a rezarem o terço e afazerem penitência.

A família não lhes deu qualquer crédito, mas a notícia correu de aldeiaem aldeia.

Nos meses que se seguiram, com a fé de alguns, mas com a dúvidada maioria, esses factos continuaram, os espectadores cresceram e o13 de outubro contou com a presença de 70 a 80.000 pessoas.

Estes são os factos.

***Depois disso, as graças extraordinárias, as curas e as conversões

por intercessão da Virgem Maria sob a invocação de Nossa Senhorado Rosário de Fátima, são agora inumeráveis.

Falemos agora da peregrinação destes dias.

A grande peregrinação

Durante vários dias, os peregrinos encaminham-se para Fátima.Porém, em 12 de maio, a turba aumenta e cresce cada vez mais. Uns

dirigem-se a pé, caminhando por muitas dezenas de quilómetros, outrosem pacientes burros ou mulas, outros a cavalo, em automóveis e camiões.As informações oficiais dizem-nos que chegaram a Fátima mais de 11.000automóveis.

À noite, o grande retângulo murado, onde decorrem as cerimóniasreligiosas e onde vão surgindo, a pouco e pouco, as capelas e outrosedifícios, estava apinhado de gente.

Às 10 horas, um sacerdote faz a meditação dos mistérios do Rosário.Terminada a Recitação do Rosário e a Ladainha, tem início a

“Procissão das Velas” e aquela multidão de 150.000 pessoas estende--se por um enorme rio de luz, desdobrando-se ao longo das paredes,

Doc. 94 1928-06-03

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348 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

�� ��� ¡�� ¢� £¤�¥¦ § �¨¥£� �¨ ©¤� �� ª¨«¨ � ��¬ ¢�ª�¥�¬¦ ¢¨­¨ ¬�quisesse iluminar o céu com o seu esplendor.

***Terminada a procissão, à meia-noite, todos se reúnem em volta do

altar onde será exposto o Santíssimo Sacramento.D. José Correia da Silva faz a meditação dos mistérios do Rosário e

aquelas 150.000 pessoas escutam as suas palavras calmas num religiosoe devoto silêncio.

Pelos altifalantes instalados no recinto, quer se reze quer se cante, ésempre um extraordinário uníssono que se eleva ao céu.

***É admirável a veneração daquela boa gente para com os Bispos.Neles, veneram também o Chefe máximo da Igreja, o Papa.A adoração noturna dura até às 3 horas da manhã.Começam então as Missas, cuja celebração prossegue até ao meio-

-dia nos seis altares ali erigidos. Celebraram a Santa Missa cerca de120 sacerdotes.

A Comunhão, que começou às primeiras horas da manhã, continuaaté ao meio-dia e são mais de 18.000 as pessoas que se abeiram daMesa Sagrada.

O lançamento da primeira pedra

Pelas 10 horas da manhã do dia 13, D. Manuel Mendes dos Santos,Arcebispo de Évora, acompanhado de D. José Correia da Silva, dirige--se ao local onde irá ser benzida e lançada a primeira pedra da futuraigreja.

Rodeiam-no, em respeitoso silêncio, muitos sacerdotes, escuteiros e“Servitas de Nossa Senhora de Fátima”, para além de fiéis de todas asidades, condições e sexos.

“Ali deve surgir o maior monumento moderno da devoção de Portugala Nossa Senhora”, disse D. Manuel Mendes dos Santos, Arcebispo deÉvora.

A procissão com a imagem de Nossa Senhora

Os momentos mais solenes são os da Missa, ao meio-dia, e da Bênçãodos Doentes. A Missa é celebrada por D. José Correia da Silva e aBênção é dada por D. Manuel Mendes dos Santos. Assistem 300.000pessoas.

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®¯°±²³´ ± µ¶±·¸¶³¸¹´ºº± »¸²¼´½± ³¸ ¾¿Àµ¶±Á ±²À¸º ³±Âµºº±Á Ãlevada em procissão até junto do altar onde vai ser celebrada a Missaperante os doentes, em número superior a 400, os lenços daquelas300.000 pessoas agitam-se no ar, quase em delírio, aclamando a Virgem.

Os aplausos, as aclamações, as lágrimas que correm pelos rostos detodos, dos Bispos aos humildes condutores dos automóveis, conferemàquele momento uma singular grandiosidade. Dir-se-ia um imenso bandode pombas brancas esvoaçando em direção ao céu.

E a mesma cena repete-se no final, quando a imagem da Virgemvolta a ser colocada no local onde se diz ter aparecido aos pastorinhos.

As invocações a Nossa Senhora durante a Bênção dos Doentes foramfeitas pelo Padre Dr. Marques dos Santos.

E Jesus passa, abençoando, confortando, vergando aquelas almas,entre as quais algumas até agora afastadas d’Ele, e tantas outras que,pelo contrário, desejam aproximar-se cada vez mais d’Ele.

Dada a Bênção também ao povo, D. Manuel Mendes dos Santosfaz, desde o púlpito, uma calorosa exortação aos seus irmãos para quecantem em Fátima e em toda a parte as glórias da Virgem Padroeira dePortugal.

“Foi – segundo disse – a maior manifestação religiosa jamais realizadae que talvez nunca volte a ver-se em Portugal”.

E depois do “Avé de Lourdes” e de tantas outras melodias do cultoMariano, todos juntos, como prova da sua fé, cantam o “QueremosDeus” e renovam a consagração a Nossa Senhora.

Duas horas depois, aquele lugar de mistério, onde cada pedra respiradevoção e atesta atos de penitência e sacrifício, volta a ser habitadopelo silêncio no meio da solidão.

E assim termina a maior Jornada Mariana de Portugal.

Peregrinos ilustres

Seria impossível fazer um elenco das personalidades que participaramnesta peregrinação. Entre os mais notáveis devemos sublinhar a presençada senhora e da menina Vicente de Freitas, esposa e filha de SuaExcelência o Chefe do Governo que, logo pela manhã, se aproximaram,elas também, da Sagrada Comunhão, e da senhora e da menina Carmona,esposa e filha de Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa.

Com a aprovação do Bispo de Leiria é impresso um pequeno jornalintitulado “Voz da Fátima”, com o fim de dar notícias relativas à Senhorade Fátima e de publicar as graças obtidas por Sua intercessão. Nopassado do dia 13 de maio foram distribuídos 60.000 exemplares dessejornal.

Doc. 94 1928-06-03

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350 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 951928-10-08, Santarém

Carta do Dr. Manuel Nunes Formigão para Aida da Purificação Santos1, sobrea profissão religiosa de Lúcia. Refere que D. José, Bispo de Leiria, não presidiu àfesta por causa de uma “panne” no automóvel em que seguia. Dá a conhecer aDevoção Reparadora ao Imaculado Coração de Maria, dizendo que D. Joséautorizou a sua propagação, particularmente, e que em breve a iria recomendar emdocumento público e oficial.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 365

ÄR.R.R.

8 de outubro 1928Muito boa Cecília

Acabo de chegar de Espanha. Assisti à profissão da Lúcia que serealizou no dia 3, dia de Santa Teresinha. O Sr. D. José não presidiu àfesta, que foi encantadora, por causa duma panne que teve o automóvelem que seguia para o rápido. A pequena é a mesma de sempre, como tua conheceste. É dotada de uma simplicidade e humildade admiráveis.Que profunda piedade, aliás tão natural e tão alegre! Que extraordinárioespírito de obediência! Que amor ao sacrifício e à mortificação! Fui aúnica pessoa a quem, na véspera, em que já tinha acabado o retiro, seconcedeu a permissão de lhe falar e estar com ela, a sós. Foram horasde inefável prazer espiritual! Nunca mais me esquecerão. Eu já tinhaconhecimento, há meses, por uma carta da mestra de noviças, de queela fora objeto duma nova revelação. Trata-se do seguinte. Nosso Senhorestá profundamente desgostoso com as ofensas que se fazem a suaSantíssima Mãe e já as não pode suportar por mais tempo. Devido aesses pecados, pecados de injúria e blasfémia, que tanto fazem sofrer oseu Coração de Filho amantíssimo, muitas almas têm caído no inferno eoutras estão em perigo de se perderem. Nosso Senhor promete salvá-

1 Madre Cecília. Foi batizada em 1917, tendo sido seu padrinho, o Dr. Formigão.Frequentou o colégio Luísa Andaluz. Foi a primeira Superiora Geral daCongregação fundada pelo Dr. Formigão, em 1926, Congregação das ReligiosasReparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima (atualmente, ReligiosasReparadoras de Nossa Senhora de Fátima). Faleceu a 24 de fevereiro de 1990,em Fátima.

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ÅÆÇÈÉ ÊËÌÍÎÍÇ ÏÐÌ ÈÌ ÑÒÓ ÔÓÇÕÎÖÇ×ÍÒ ÌÈÕÇ ÍÌØÒÙÚÒ ÖÒËÒ fim de repararo Imaculado Coração de nossa Santíssima Mãe: Devoção Reparadoraao Imaculado Coração de Maria.

Durante 5 meses, no primeiro sábado de cada mês, receber a SagradaComunhão, rezar um terço, fazer 15 minutos de companhia a NossaSenhora, meditando nos mistérios do Rosário, e fazer uma confissãocom o mesmo fim de reparar as ofensas feitas à Santíssima Virgem. ASantíssima Virgem promete assistir na hora da morte às almas que assimA tiverem procurado consolar com todas as graças necessárias para sesalvarem. O Senhor D. José, com quem fui falar a Braga, sobre esteassunto, autorizou-me a propagar, desde já, particularmente, a devoçãoreparadora, que Ele promulgará brevemente, recomendando-a eindulgenciando-a, em documento público e oficial. O Pe. Matéo veiointensificar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a Lúcia vem agoraintensificar a devoção ao Imaculado Coração de Maria, que é umcomplemento necessário daquela, reparando-se assim, com estas duasdevoções reparadoras, as ofensas que se fazem ao Filho e à Mãe, comoé absolutamente justo. Ontem à tarde corri o Porto de automóvel atornar conhecida esta devoção, que é acolhida com o maior entusiasmo.

Fui ontem e anteontem dizer a santa Missa e fazer uma prática à casada Anunciação ou casa das criadas de servir. A D. Margarida Reto, queteve conhecimento da minha ida lá, foi de propósito assistir à missaàquela casa para me falar. A convite dela, fui visitar a sua Obra, que édiferente da de Fátima, embora esteja sob a proteção de Nossa Senhorade Fátima. Tenciono ir aí celebrar a santa Missa na próxima quinta--feira, à hora do costume.

Não se admirem se comigo for o Senhor D. Manuel C. Masnaturalmente não irá. Orem com mais fervor pelas nossas intenções.

Dizem-me que S. D. L. está sofrendo muito por causa das negociaçõesque se andam fazendo e das resoluções que se estão tomando. Não seido que se trata. Por isso vou na quarta-feira e tento falar com o Sr. D.M. C.

Pe. Formigão

P. S. Já me esquecia de te dizer que falei com a senhora D. JulietaFonte, Rua do Breyner, nº 214 Porto. Quero que lhe escrevas umacarta comprida, o mais comprida que possa ser e o mais depressatambém que possa ser. É sobrinha da senhora D. Júlia. E como alma defogo, mais ainda do que a D. Maria Elisa Cruz Vieira, de Braga. Vaientrar para alma vítima. Quer dedicar toda a sua vida à obra. Desejo

Doc. 95 1928-10-08

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352 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÛÜÝÞßÞàâßÛ ãäåãä æàç Falei-lhe em roupas brancas, bordadas. Fala-lhesobre isso, de que percebes mais do que eu. Podes abrir-te com elacom toda confiança como se fosse a D. Júlia ou a tua Madrinha. Portoda a parte, sempre, sejam conhecidos honrados, benditos, amados,servidos e glorificados o Divino Coração de Jesus e o Imaculado Coraçãode Maria.

P. Formigão

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Doc. 961928-10-11, La Guardia

Carta do Pe. José Aparício da Silva, S.J., para D. José Alves Correia da Silva,Bispo de Leiria, a enviar uma cópia de um documento escrito por Lúcia sobre asaparições de 10 de dezembro de 1925, 15 de fevereiro de 1926 e 17 de dezembro de1927.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 370

èéêëìíé îë ïðñòðóðôíð îëõöALa Guardia (Pontevedra) Espanha

11 de outubro de 1928

Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor

Começando por saudar e cumprimentar afetuosa e humildemente aSua Excelência Rev.ma tomo a ousada liberdade de me dirigir a S. EX.REV. para expôr um assunto particular no qual está muito interessada aIrmã Lúcia de Jesus Santos, cuja direção espiritual tive durante os últimos14 meses que estive em TUY. Durante este último ano ainda alguma vezse me dirigiu a tirar as suas dúvidas e a pedir conselhos. Certamente oassunto já não é novidade para Sua EXC. REV., mas não importa, assimcumprirei a minha obrigação.

Talvez ainda Sua EXC. REV se lembre de ter falado em TUY comquem escreve estas linhas; no caso contrário o P. Magalhães poderáesclarecer a Sua EXC. REV.

Esperava poder falar pessoalmente a Sua EXC. REV. na prometidavisita para os primeiros dias do corrente. Infelizmente não se poderealizar.

Sirva isto só de informação, deixando à prudência de Sua EXC.REV. as medidas ou meios a tomar sobre o caso. Não farei mais quetrasladar para aqui o que a própria LÚCIA escreveu a meu pedido, cujacópia tenho à vista e conservo. Rogou-me que se ocultasse o seu nome.É o seguinte: narra-o em terceira pessoa por minha indicação:

“No dia 17-12-1927, foi junto do sacrário perguntar a Jesus comosatisfaria o pedido que lhe era feito, se a origem da devoção ao Imaculado

Doc. 96 1928-10-11

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354 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

÷øùúûüøýþÿúùCú þ��ú�ú þ��þùùúýú�ø �þ�ùþýø��þú�ú����CúVirgemlhe tinha confiado. Jesus com voz clara fez-lhe ouvir estas palavras: minhafilha, escreve o que te pedem e tudo o que te revelou a Santíssima Virgemna aparição em que falou desta devoção, escreve-o também; quanto aoresto do segredo, continua o silêncio”.

O que em 1917 foi confiado a este respeito é o seguinte: Ela pediupara os levar para o céu: a Santíssima Virgem respondeu: sim a Jacintae o Francisco levo-os em breve, mas tu ficas cá mais algum tempo;Jesus quer servir-se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele querestabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração; a quem aabraçar prometo a salvação e serão queridas de Deus estas almas, comoflores postas por mim a adornar o seu trono. Fico cá sozinha?, dissecom tristeza. Não, filha, Eu nunca te deixarei, o meu Imaculado Coraçãoserá o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus.

Dia 10-12-1925, apareceu-lhe a Santíssima Virgem e ao lado,suspenso em uma nuvem luminosa, um Menino.

A Santíssima Virgem pondo-lhe no ombro a mão e mostrando aomesmo tempo um coração que tinha na outra mão, cercado de espinhos.

Ao mesmo tempo, disse o Menino: tem pena do coração de tua SS.Mãe que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos osmomentos lhe cravam, sem haver quem faça um ato de reparação paraos tirar.

Em seguida, disse a Santíssima Virgem: “Olha; minha filha, o meucoração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos osmomentos me cravam com blasfémias e ingratidões; tu ao menos vê deme consolar e diz que todos aqueles que durante 5 meses no primeirosábado se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem umterço e me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 mistériosdo Rosário com o fim de me desagravar, EU prometo assistir-lhes nahora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessasalmas.

No dia 15-2-1926 apareceu-lhe de novo o Menino Jesus. Perguntouse já tinha espalhado a devoção à sua Santíssima Mãe?

Ela expôs-lhe as dificuldades que tinha o confessor e que a MadreSuperiora estava pronta a propagá-la, mas que o confessor tinha ditoque ela só nada podia.

Jesus respondeu: é verdade que a tua Superiora nada pode, mascom a minha graça pode tudo; apresentou a Jesus a dificuldade quetinham algumas almas em se confessar ao sábado e pediu para ser válidaa confissão de 8 dias; Jesus respondeu: sim, pode ser de muitos mais

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a�� a� ��� �a��� ��� ��a� � �� ��������� �����a� �� ��a�a � ���tenham a intenção de desagravar o Imaculado Coração de Maria.

Ela perguntou: Meu Jesus, as que se esquecerem de formar essaintenção? Jesus respondeu: podem formá-la na outra confissão seguinte,aproveitando a primeira ocasião que tiverem de se confessar”.

Até aqui a LÚCIA.Sem mais outro assunto peço licença para beijar o sagrado anel de

Sua Excelência Reverendíssima.

De Vossa Exc. Rev. ínfimo servo em Jesus Cristo.

Pe. José Aparício S. J.

Doc. 96 1928-10-11

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356 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 971928-10-20, Tuy

Carta de Lúcia para D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, a manifestara pena que teve por D. José não estar presente na sua profissão religiosa. Diztambém ter ficado muito contente com o facto de o Pe. José Aparício ter contactadoD. José, no sentido da aprovação da Devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 387

J � J 20-X-1928

Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo

Recebi a amável cartinha de V. Ex.cia Rv.ma. Agradeço-a muito e deuma maneira muito particular agradeço ter-se lembrado de mim no SantoSacrifício da Missa.

Não falo já do quanto me custou V. Excelência não ter vindo, foi umsacrifício que só o nosso bom Deus pode compreender, só Ele sabeentrelaçar assim os espinhos entre as pétalas das mais encantadorasflores; que Ele seja bendito e que se cumpra sempre e em tudo a suaSantíssima vontade. Agradeço muito a V. Ex.cia Rv.ma o ter cá vindo oSenhor Doutor Formigão; gostei muito de o ver e de lhe falar, assimcomo o Senhor Padre Augusto.

Fiquei surpreendida ontem ao ler numa carta que recebi do SenhorPadre Aparício que Nosso Senhor lhe inspirou a fazer o mesmo pedidoque eu enviei escrito, por meio do Senhor Doutor Formigão, pois queme tinha já há muito tempo concedido simplesmente licença para o fazer;espero pois que o bom Deus se dignará dar a V. Excelência umainspiração favorável para sua maior honra e glória, de resto estou nasmãos de Deus disposta para o que Ele quiser submetendo-me a tudo oque V. Excelência Rv.ma determinar.

Termino pedindo respeitosamente a V. Excelência Rv.ma se digneabençoar esta que nas suas fracas orações pedirá sempre muito por V.Ex.cia e por toda a Diocese.

Maria Lúcia de Jesusr. de S. D.

1 Pe. Augusto de Sousa Maia. Nasceu a 14 de abril de 1879. Foi professor doSeminário de Leiria, secretário de D. José, Bispo de Leiria, e foi nomeado cónegoem 1943. Faleceu a 10 de junho de 1959.

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Doc. 981928-11-04, Tuy

Carta de Lúcia para o Pe. José Aparício da Silva a agradecer o facto de este terenviado a D. José, Bispo de Leiria, o pedido para a aprovação da devoção aoImaculado Coração de Maria.

Publ.: DCF, V-1 - Doc.402

.� � � Tuy 4-11-1928Rv.mo Senhor Padre Mestre

Era meu dever ter já escrito a agradecer a carta, santinho e oraçõesde V. Rv.cia, mas espero que terá desculpado a minha falta de empenhoem cumprir este dever.

Senti grande alegria ao saber que tinha enviado ao Ex.mo e Rv.mo

Senhor Bispo a explicação e súplica para a propagação da devoção aoImaculado Coração da Nossa Santíssima Mãe do Céu; quanto a mimdevia já ter participado a V. Rv.cia o que fiz sobre este particular; peloRv.mo Senhor Doutor Formigão e com licença da Rv.ma Madre Provincialem pouquíssimas palavras fiz o mesmo pedido; Sua Ex.cia Rv.ma, julgandotalvez o Senhor Padre Barros1 ao facto do que se passava, numa cartaque escreveu a Sua Rv.cia, pedia para me dizer que estivesse em paz arespeito do assunto de que tratava o Senhor Padre Aparício; responderiadepois. Espero portanto que o nosso Bom Deus se dignará inspirar aSua Ex.cia Rv.ma, uma resposta favorável e que colherei entre tantosespinhos esta flor, vendo ainda na terra amado e consolado o MaternalCoração da Santíssima Virgem. Agora é este o meu desejo, porque éesta também a vontade do bom Deus; a maior alegria que sinto é ver oImaculado Coração da Nossa Terníssima Mãe conhecido, amado econsolado por meio desta devoção.

Com respeito ao dia dos meus santos votos, não digo nada porque oque então se passou não se pode dizer, é só para se sentir; demais onosso querido Jesus quis fazer-me graça de desfolhar aos pés do seuSacrário as rosas do sacrifício; que mais devo desejar? Recebeu-me

1 Foi confessor da Irmã Lúcia, depois de o Pe. José Aparício ter partido para oBrasil.

Doc. 98 1928-11-04

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358 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

p� !"p�"# $#% &'( !")�& *�$)!$)! ! #+ #,!-� �" "!&" ,!".+$/�" #0!&respeito.

Termino pedindo o auxílio das orações de V. Rv.cia para progredirsempre no caminho da perfeição segundo a vontade Divina. Nas minhasfracas orações nunca esquecerei a V. Rv.cia

Maria Lúcia das Doresr. de S. D.

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Doc. 991928-12-20, Tuy

Carta de Lúcia para o Pe. José Aparício da Silva a enviar os votos de boas--festas natalícias e a manifestar a sua alegria pelo facto de D. José ter respondidopositivamente ao seu pedido de propagação da devoção ao Imaculado Coraçãode Maria.

Publ.: DCF, V-1 - Doc. 424

1 2 1 Tuy 20-12-1928

Rv.mo. Senhor Padre Aparício

Como se aproxima o feliz dia de Natal aproveito já esta ocasiãopara apresentar a V. Rv.cia os meus respeitosos cumprimentos deboasfestas e os votos ardentes que faço junto do Presépio do NossoDivino Jesus para que se digne conceder a V. Rv.cia e a todo esseNoviciado um novo ano repleto de graças e bênçãos do Céu. Agradeçoas palavrinhas que se dignou escrever-me tão consoladoras, meu Deusque alívio; cada dia que se passava sem resposta era uma nova tribulação,fazendo-me imaginar que o Ex.mo e Rv.mo Senhor Bispo se ia opôr àpropagação da querida devoção, mas, graças ao nosso bom Deus e ànossa Terníssima Mãe do Céu, não foi assim;agora desejava ver quemtrabalhasse em a propagar mas entrego tudo ao Imaculado Coração deMaria já que eu não posso fazer mais que orar e sofrer; sei que os Rv.mos

Senhor Padre Rodrigues e Senhor Doutor Formigão desejam trabalharna propagação da devoção e pediram-me para lhes participar a respostado Ex.mo e Rv.mo Senhor Bispo, se ela fosse favorável, mas diversascoisas se me apresentam que me impedem de escrever a suas Rv.cias, esinto muito não o poder fazer, pois que suas Rv.cias dariam nesta devoçãomuita glória ao Imaculado Coração de Nossa Santíssima Mãe; mesmoao Senhor Doutor Formigão seria talvez fácil arranjar umas estampascom o Imaculado Coração de Maria pedindo a devoção com aaprovação do Ex.mo e Rv.mo Senhor Bispo, sem que se saiba a origem,pois que isto não queria de maneira alguma que se venha a saber; oSenhor Padre Barros recebeu grande consolação ao saber a respostade Sua Ex.cia Rv.ma, prometeu inculcá-la a todas as pessoas que lhefosse possível e perguntou se não se poderia propagar com mais

Doc. 99 1928-12-20

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360 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

e3456789:;< ; :=>4 =? @e=A48B:56e e@; e==e4De6Be=eE4F Agora quereriaexpôr tudo o que na minha alma se tem passado, o que seria para mimum grande alívio, mas o bom Deus pede-me este sacrifício e eu nãodevo recusar-lho, fica para quando a sua Divina misericórdia meconceder a graça de o poder fazer pessoalmente, se para isso o bomDeus me der também palavras pois que muitas vezes guardo silênciopor me não poder exprimir, mas que Jesus seja bendito na verdade; oque a mim mais me convém é o silêncio, que a sua Divina misericórdiame conceda na mesma abundância deste silêncio que só Ele sabe quantocusta o esquecimento das criaturas; é este o meu grande desejo.

Termino apresentando mais uma vez os meus sinceros cumprimentosde boas-festas e recomendando-me às orações de V. Rv.cia de quemsou serva dedicadíssima em Nosso Senhor.

Maria Lúcia de Jesusr. de S. D.

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Doc. 1001929-01-20, Lisboa

Artigo publicado no jornal “Novidades”, assinado por “Lemnis”, sobre aoferta, por Pio XI, de uma pagela com novena de Nossa Senhora de Fátima, aosalunos do Pontífício Colégio Português, em Roma.

Publ.: DCF, V-2 - Doc. 467

GHITAS DE ITÁLIAFÁTIMA EM ROMA – UMA OFERTA DO PAPA

Fátima não é hoje íman que apenas atrai os corações de todos osportugueses e os prostra aos pés da Santíssima Virgem, agradecendoos benefícios da sua misericórdia e implorando perdão para os desvairosdo passado, com as bênçãos do seu generoso amor para um Portugalmaior.

Fátima não é unicamente para os portugueses, a cintilação de todasas estrelas, o perfume de todas as flores, que vem espargindo ondas deluz e fragrâncias para consolação e alívio dos seus males.

No estrangeiro já se fala nesse abençoado cantinho da nossa terra,tão singularmente favorecido por Nossa Senhora. Na Europa e nasAméricas, Fátima vai despertando a atenção, que passa facilmente aolouvor. Devemos confessar, porém, que não temos sabido apregoar estamaravilha da nossa pátria, tornando conhecidos, pela imprensa dasdiversas nacionalidades, os factos extraordinários que tanto nos honram.Diria mesmo que é bem superior ao mérito do nosso esforço e divulgaçãoda miraculosa Fátima.

É sempre característico o nosso egoísmo comodista e indolente,quando não chegar a fechar os olhos perante o que a Pátria nos oferecede belo e peregrino, para contemplar esquecidamente as glóriasestranhas!! Trata-se, é certo, duma obra divina, mas nem por issodispensa a colaboração dos elementos humanos.

1 Jornal diário, fundado em 1855, por Emídio Navarro. Foi suspenso em 1913,reaparecendo, como diário católico, em dezembro de 1923, sem indicação dediretor. Em 1939, esse cargo foi assumido por Fernando Pais de Figueiredo.Deixou de publicar-se após 25 de abril de 1974.

Doc. 100 1928-01-20

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362 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

KLMNOLPQNR S TSUVMWRPXVRYZZTal é persuasão de quantos estudamcabalmente os factos que aí se vêm verificando, e a confissão espontâneade cultos e sinceros espíritos, que não se envergonham de dobrar ojoelho e repetir o “Venceste Galileu!!”, perante a evidência do milagre.

Que resta para que esta crença possa ser abraçada seguramente portodos, e Fátima seja proclamada oficialmente a Lourdes Portuguesa? Aconfirmação autoritativa de quem a Providência constituiu depósitoinfalível2 da verdade, a aprovação do Vigário de Cristo na terra. Urge,pois, apressar o seu veredictum solene. Como conseguí-lo, porém?Tornando conhecida, ao longe e ao largo, Fátima, o que além de tudo épatriótico, e assim violentar o coração da Virgem do Rosário de Fátimaa confundir a soberba incredulidade dum jacobinismo relapso eimpenitente.

A prudência divina da Igreja não é perturbada pelo entusiasmo danossa crença, contentando-se apenas com documentos sérios e factosinegáveis.

É, todavia, doloroso o que notamos. Com toda a intensa vida dosobrenatural em Fátima, há 12 anos, ainda hoje estamos sem uma obrarigorosamente crítica e científica, que apresente devidamente as curasmiraculosas e as conversões. O que tem aparecido é muito pouco; é,diremos francamente, nada ou quase nada, para quem desejar fazer umestudo sério e completo através dos livros.

É absolutamente inadiável a publicação duma obra, já prometida,em que os acontecimentos sejam metodicamente estudados e em quese analisem criticamente os factos. Para isso não faltam ótimos elementos,requerendo-se apenas quem, embora com sacrifício de outras ocupações,os aproveite valiosamente.

Há dias, contando o que se tem passado em Portugal a um distintofilósofo e primoroso escritor francês, com mágoa o dizemos, ficámosembaraçados quando nos pediu uma história e documentos, pois desejavaestudar demoradamente. A propósito, diremos que recebeu com visívelagrado a novidade, sem temer que se eclipse o brilho de Lourdes, eafirmando que “hoje é tão preciso o sobrenatural, como nos primeirostempos da Igreja”.

É necessária a propaganda séria de Fátima, e neste sentido tem havidomuitas deficiências.

Temos ficado em quieta e pacífica admiração dos factos, sem osprocurar valorizar convenientemente, tal foi a nossa conclusão aopensarmos no que vimos de dizer.

2 No texto, infantil

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[\ ]^ _ `bc`_d_fg_ g^ hijkl_ ^l jcg_ _ `_bj^ m njko\ qi rl_f_stc ^uma cidade, onde dum modo particular ela se impõe.

Refiro-me à Itália, e sobretudo a Roma. A Cidade Eterna é, semdúvida, religiosa. Ali encontram-se filhos de todas as nacionalidades,que vão, junto do Pai Comum, beber a verdade católica, e formar-separa as exigências do Apostolado Moderno.

Sabemos que os alunos do Colégio Português em Roma, noentusiasmo do seu amor à Virgem do Rosário de Fátima, não se têm,felizmente poupado a fadigas e canseiras para tornar conhecidos osprodígios, cujo teatro é um canto da sua muito amada pátria. Hoje, emRoma, na Universidade Gregoriana, estudantes espanhóis, franceses,belgas, alemães, ingleses, italianos, etc., etc. interessam-se pela vida deFátima e pedem continuamente pormenorizadas informações.

O jornalzinho “Voz da Fátima” é distribuído solicitamente, e asdificuldades da língua são facilmente superadas. Os jornais italianos têmfeito várias referências a tão privilegiado Santuário de Maria, e hojeFátima não é completamente ignorada, na Itália, mesmo nas mais altasesferas, embora haja ainda muito a fazer. Consolador, porém, é o factoque passamos a expôr, e de que cada um poderá tirar as conclusõesque quiser, sem contudo desvirtuar o seu alto significado.

No dia 9 do corrente, foram os alunos do Colégio Português emRoma recebidos, em audiência particular pelo Santo Padre, que olhapor aquela casa de formação eclesiástica com um escolhido carinhopaternal e com singular afeto. Antes de dar o anel a beijar, Mons. Cacciaque o acompanhava, entregou-lhe uma estampazinha que concentroutodos os olhares. Foi com a máxima surpresa que os Rev.mos Mons.Reitor, Diretor Espiritual e os alunos do Colégio ouviram o Papa ler:“Madre Clementissima – (e em português) Salvai Portugal”. Depois,olhando para os alunos, diz paternal e bondosamente: “sono arrivateproprio adesso con francobolli dal Portogallo, e sono mandate dallaDivina Providenza per voi. Vi do due: una per voi, e l’altra permandare alle vostre famiglie anche pregare per il Papa”.

Traduzimos fielmente para quem não perceber o fá cil italiano. Depoisde ler em italiano e português, como indicamos, a invocação “Mãeclementíssima, salvai Portugal, disse: “Chegaram mesmo agora comselos de Portugal, e foram mandadas pela Divina Providência paravós. Dou-vos 2; uma para vós, e outra para mandar às vossasfamílias para também rezarem pelo Papa”.

Não é necessário dizer que se trata dumas estampas de NossaSenhora de Fátima, editadas pelo “Apostolado da Imprensa”, Porto,que além da invocação da primeira página a que aludimos, têm na segunda,

Doc. 100 1929-01-20

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uvwxvywz v {|zwuz z }~�v�z � Virgem do Rosário de Fátima com o“Imprimatur” do Venerando Prelado de Leiria, em 17 de maio de 1926.

Como e por quem foram enviadas tais estampas ao Santo Padre,ainda o ignoramos, mas não podemos deixar de ver aqui mais um episódiointeressante, para a história de Fátima. Que importância tem o facto?Para os incrédulos e indiferentes, que vivem bramindo e escabujando nasua miséria moral, – nenhuma, absolutamente nenhuma. Porém para oscatólicos, para os crentes, para os filhos submissos da Igreja, para quemnão acredita inútil o “Ego rogabo pro te ut non deficiat fides tua” doDivino Mestre a Pedro, não é esta uma banal e insignificante atitude doSanto Padre.

Não se trata evidentemente duma definição perentória, dumaafirmação solene da sobrenaturalidade de Fátima, e seria insensato talpretender. Contudo, ouvimos já a alguém, de grande autoridade peloseu saber e virtude, cujo nome calamos para obedecer às exigências dasua modéstia, chamar a tal facto “uma aprovação implícita”. Se parecerexagerada esta apreciação autorizada, ninguém recusará ver aqui umasimpatia do Vigário de Cristo, bem para assinalar. O papa conhece asmaravilhas de Fátima, o Papa pensa em Fátima, e isto já é muito para osque conhecem a vida providencial da Igreja, para os que sabem terassim começado as coisas mais gloriosas, que hoje são reconhecidascomo verdades inegáveis e factos indestrutíveis.

Os alunos do Colégio Português em Roma, guardarão, sem dúvida,avaramente, essa relíquia de Fátima, que “o Papa entregou a cada umpela própria mão”, e esperamos, em Deus e na Virgem, que um diaconstituirão uma página gloriosa de Fátima, início do triunfo dum processohistórico.

[...]Que a devoção à Virgem de Fátima progrida e se intensifique, que a

nação lusa se mostre devidamente grata aos céus, e Maria será semprea chave da nossa história, dessa história que iluminou o mundo com osseus refulgentíssimos rasgos de luz.

LEMNIS3

3 Este pseudónimo foi interpretado pelo Padre José Maria Félix como sendoinspirado na palavra amnós, cordeiro, e atribuiu a autoria do artigo ao Reitor doColégio Português, na época, Mons. Porfírio da Silva Mendes Cordeiro, daDiocese de Portalegre.

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Doc. 1011929-02-13, Roma

Carta de Joaquim Carreira para o Pe. Arnaldo de Magalhães a informar do quese tem passado em Roma, relacionado com Fátima, e a perguntar qual foi a reação,em Portugal, ao facto de o Santo Padre ter distribuído estampas de Nossa Senhorade Fátima pelos alunos do Pontífício Colégio Português, em Roma.

Publ.: DCF, V-2 - Doc. 502

����������TUGUÊSVia Banco S. Spirito, 12ROMA XII

Meu caro Sr. Pe. Magalhães

Acho que era bem tempo de responder à sua carta de 27 dedezembro (do ano passado!) – que me trouxe muita satisfação, como,aliás, todas as suas. Muito obrigado pelas boas notícias que me dava,assim como pelas expressões de amizade que a acompanhavam. Vejoque o meu amigo ainda me não pôs de parte, como já fizeram outros.Ainda bem que encontrei em V. Revª um coração devotado e gentil, queme sabe compreender. Bem haja. Por minha parte cá o vourecomendando a Nossa Senhora de Fátima, pedindo-lhe também queEla me deixe tornar a abraçá-lo, aí no nosso querido Seminário…

Ainda por aí não chegou a gripe? (Refiro-me ao seminário!). NoColégio já foram à cama uma meia dúzia deles. Eu, felizmente, tenhoescapado. O inverno é que tem sido tremendo. Ninguém se lembra emRoma de um frio assim, há mais de 50 anos.

1 Nasceu no Souto de Cima, Leiria a 8 de setembro de 1908, entrou no Semináriode Leiria, em outubro de 1920, e, em 1926, foi para o Colégio Português, emRoma. Depois de ordenado (1931), regressou a Portugal e, durante 10 anos foicapelão da Boavista (Leiria). Entretanto assumiu as funções de vice-reitor docolégio Português, em Roma, e, em 1946, de reitor. Faleceu, em Roma, a 7 dedezembro de 1981.

2 Nasceu no Rio de Janeiro, a 18 de dezembro de 1870. Entrou na Companhia deJesus, em 1885, tendo sido ordenado sacerdote em 1903. Foi diretor espiritualdo Seminário de Leiria, de 1925 a 1942. Faleceu, em Coimbra, a 11 de janeiro de1953.

Doc. 101 1929-02-13

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366 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

�em chegado a 10 negativos (e não sei se mais). Há dias, chegámosà Universidade e dentro do pátio estava 2 ½ abaixo de zero. Isto às oitohoras. E quem se levanta às 5h e ¼!

É que a vida nem sempre é um mar de rosas; – por enquanto vaisendo, mas é um mar de gelo!

Isto quanto ao tempo.Está nomeado um vice-reitor para o Colégio: um Padre da Madeira

(Dr. Teodósio) que eu não conheço. Não sei quando virá. Talvez depoisda Páscoa.

Nos dia 2 do corrente, fizemos uma academia em honra do Papa ede Nossa Senhora, cujo programa lhe envio. Assistiram: Algunsbrasileiros, 3 franciscanos (um dos quais veio para Roma o ano passado,e é lá dos meus lados. O Sr. Dr. Marques deve conhecê-lo – é o Sr. Pe.Jacinto da Costa, dos Matos, patrício do A. Manso); dois jesuítasbrasileiros; o Sr. Pe. Fonseca, o Sr. Pe. Fazenda e o Sr. Pe. J. M.Moreira. Presidiu o Sr. Bispo de Meliapor. Correu tudo menos mal.

Aí vai também um programa para o Sr. Dr. Marques. Gostei muitode falar com o Moreira. Fiquei a conhecê-lo bem. É um belo rapaz:franco, alegre e sobretudo um apóstolo de Fátima.

Como tal nunca vi! A propaganda de Fátima que ele fez pelo Brasiljá V. Revª a conhece, creio eu. No entanto, deixe-me dizer-lhe algumacoisa. Pela região onde ele estava foram já distribuídas mais de 2.000estampas de Nossa Senhora (daquelas que trazem a novena). Artigosem jornais e revistas escreveu uma porção deles. A propósito de umartigo que escreveu num dos jornais dali (O “Jornal Pequeno”), contou--nos o seguinte: – O artigo intitulava-se a “Lourdes Portuguesa”. Oraquando há um artigo excecional saem os garotos para a rua a anunciá-lopor toda a parte. Foi o que fizeram também com este. E toda a gentequeria saber do que se tratava. O caso é que, passado pouco tempo,estavam vendidos todos os jornais. Havia ali um célebre espiritualista –e dos mais avançados a quem um amigo levou o jornal para que elelesse também. “Ná! Não leio.”

– “Há-de ler; pois porque não?”. E na verdade para comprazer como amigo, leu… E, antes de terminar a leitura, volta-se para ele e diz:

– “Mas isto é bonito!...”.– “Pois sim, mas leia tudo”.E o espiritualista continuou a ler até ao fim. E diz-lhe o amigo que

advertira já na impressão que lhe causara a leitura daquele modestoartigo (em que descrevia brevemente a história das aparições e aperegrinação de maio do ano passado): “Então que lhe parece?”.

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� ���� lindo!...”.– “Agora desta vez sempre se converte ou ainda não? E o espiritualista

incrédulo já lhe não deu resposta. Pôs-se a chorar, e… converteu-se!...Bendita seja Nossa Senhora de Fátima! Voltando ao nosso Moreira,digo mais que ele aqui continua com a propaganda. Já tem os professoresna Gregoriana quase todos convertidos!

Uns pedem informações, outros santinhos. Uns lêem “As GrandesMaravilhas de Fátima” – os outros falam do assunto. Diz ele que tempena de não saber falar bem o italiano. Entre os professoresentusiasmados estão: Pe. Restrejo (colombiano, professor do 1º ano deDireito – a quem deu todos os meses a “Voz da Fátima”). O Pe. Boyer(professor do 2º ano de Teologia, que pediu um livro ao Venâncio paraler a história dos acontecimentos); o Pe. Van Laak e o Pe. Zapelena(professores do 1º ano de Teologia). O Pe. Mostaza (2º ano de Direito);e outros que o Moreira conhece. Anda um jesuíta tuberculoso a fazeruma novena a Nossa Senhora de Fátima, por conselho do mesmo. Peçoo favor de me responder a esta pergunta: que impressão causou aí acarta da Itália sob o título de “Fátima em Roma”? Note que não era dosleirienses. Não soubemos nada senão quando a lemos nas “Novidades”.

O Venâncio manda perguntar se aquelas gravuras que vêm no livro“As Grandes Maravilhas de Fátima”, a págs: 181, 187 e 193,representando três aspetos do fenómeno solar em 13 de outubro de1917, são fotografias autênticas, tiradas então ao sol. Peço o favor delhe dizer se sim ou não.

Uma outra pergunta (por enquanto sub secreto): Que se diria por aí(ou que lhe parece) se houvesse alguém que se atrevesse a publicar umopúsculo, aí de umas 50 páginas, contendo em largos traços a históriadas aparições e das peregrinações? Era destinado a fazer propagandade Fátima pelo estrangeiro, devendo por isso ser escrito em duas outrês línguas (francês, italiano e alemão).

Seria prudente uma empresa destas? Seria uma coisa boa? Procureinformar-se, como puder, e depois tenha a bondade de me comunicar.V. Revª sabe que nós andamos há tempos para arranjar uma estátua deNossa Senhora de Fátima para o Colégio. Quer saber mais um pouco?– Há quem no-la ofereça! É o Tedim. Disse ele que não nos manda jápara maio (como nós queríamos) uma que lá tem quase pronta, porquequer empregar todo o cuidado na que há de oferecer ao Colégio: que háde ser uma obra, a melhor que possa produzir a sua arte, ajudada coma graça de Deus! Peço o favor de não divulgar. A mim ninguém mepediu segredo, todavia…

Doc. 101 1929-02-13

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������ �� �������� ���� � ����� �� ��� ������ �� �� � ���� ¡��puder sobre Fátima e sobre o Seminário, já que mais ninguém é capazde o fazer… Eu precisava de alguns santinhos de Nossa Senhora deFátima; mas não tenho cum quibus…; por outro lado envergonho-mede os pedir diretamente ao Sr. Bispo ou ao Sr. Dr. Marques. É claroque não eram para mim: eram para distribuir por esse mundo além.Quererá V. Revª fazer-se meu intercessor?

Da questão romana que quer que lhe conte? Notícias abundantesdevem vir nas “Novidades”. Limito-me a algumas impressõesparticulares. Os italianos estão contentíssimos (pudera!). Eu nunca vitanto entusiasmo em Roma toda e em S. Pedro como no dia 12 p.p. Éclaro que nada disto se compara ao entusiasmo de Fátima, porque ositalianos são muito frios. Durante todo o cortejo pontifício (e eu pudeobservar tudo muito bem porque ia encorporado nele, a servir desecretário de sua Emia, o Sr. Cardeal Bisletti) os vivas e as palmas eramcontínuas. Até aqui parece que os italianos não gostavam nada do CardealGasparri; mas agora!?... Ao longo do cortejo todos perguntavam porele, todos apontavam para ele, e muitos lhe davam vivas!

Um dos vivas que, por umas poucas de vezes me feriu os ouvidos,foi este: “Viva il Papa della Conciliazione!”

No fim do Pontifical, o Papa deu, no centro da Basílica, a bênçãopapal com indulgência plenária a todos os presentes. Estavam muitosoficiais italianos de vários regimentos e da milícia fascista; e todosperguntavam pelo Gasparri. Bendito seja Deus! Foi um diacompletamente cheio.

Graças a Deus que já se vê a bandeira arvorada em Roma ao ladoda Italiana, não só nas casas particulares mas até nos edifícios do estado!

É a melhor obra de Mussolini. Soube no dia 12 em casa do cardealBisletti que o rei não queria assinar o tratado de conciliação; foi precisoser obrigado pelo filho, o príncipe Umberto, (que é muito piedoso) epor Mussolini. Basta ele ser maçónico. O príncipe Umberto há muitoque andava deserto que se chegasse a este acordo.

Como esta já vai de légua e meia, e, o que é pior, sem pés nemcabeça, vou terminar pedindo a fineza de desculpas para todas as faltasque encontrar ao longo destas 15 páginas. Ao menos é uma vez boa!

O Sr. Pe. Fonseca pede-me para lhe apresentar muitos cumprimentos.Ele vem ficar ao Colégio, mas durante o dia não está. Vem às 6as, ceiaconnosco e sai de manhã pelas 6 horas e meia, pouco mais ou menos.Como vê é muito pouco tempo. Paciência. A rapaziada aí teve festatodos os três dias de Carnaval, não é verdade? E que tal? Nós aqui nãotivemos divertimento nenhum.

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¢£¤¥ ¦ §¨©£ª¦ «£ ¦¬­£®£©¯¦­°±¨¯¥® £ ­£®¬£¨¯¥®¥® ²±°¬­¨°£©¯¥® ¦¥®Srs. Pes. do Seminário e de dizer ao Sr. Pe. Silva que recebemos ascartas do Sr. Bispo por causa do serviço militar. É claro que a gentedevia escrever ao Sr. Pe. Silva, mas já que deixámos passar tantotempo…

De Leiria quem vem a Roma este ano? Não sabe se o meu párocotenciona cá vir?

Cumprimentos do Almeida3.Do muito sincero amigo e servo em Jesus Cristo

Roma, 13 de fevereiro de 1929

Joaquim Carreira

3 José Fernandes de Almeida.

Doc. 101 1929-02-13

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Doc. 1021929-05-12, Lisboa

O jornal “Novidades”transcreve da revista “Reinado Social”, um artigo sobrea expansão de Fátima, da autoria do Pe. Manuel Pereira dos Reis.

Publ.: DCF, V-2 - Doc. 648

³´µ¶·¸¹º»¼´½·¾¿¹¼ÀÁÂ

É da magnífica revista “Reinado Social” o artigo que hojepublicamos, da pena brilhante do sr. dr. Pereira dos Reis.

FÁTIMA É NO DIA DE HOJE O MAIS LUZIDO ALTAR DAPADROEIRA DE PORTUGAL

Na oração magnífica que sobe da abençoada Cova da Iria até aotrono da Mãe de Deus – a Mãe dos portugueses – unamo-nos todos,

com a alma ajoelhada, e as mãos erguidas em gesto de um perdãoque nos salve, na promessa de uma ressurreição que nos reabilite

Sobre o primeiro milagre de há 12 anos – fá-los hoje – outrosmilagres se repetem: já se pode ver na poalha de ouro e de luz, queanda a pairar no céu de Fátima, o sinal de uma redenção que há-de

salvar Portugal a Maria e Maria a Portugal

FÁTIMA ainda não figura – graças a Deus! – nas eruditas páginasdos Baedekers internacionais, nem os loquazes e soberbos agentes daCook and Sons nos metem à força nas mãos, por essas estaçõesferroviárias de Portugal, convidativas cadernetas fotográficas luxuosasou papelinhos de cor, pequeninos e espertos, persuadindo-nos aexcursão aliciante.

Os mesmos amigos de Fátima, ainda os mais dedicados e entusiastas,não se atrevem a dizer que tal jornada seja outra mais do que umaverdadeira peregrinação – uma peregrinação de penitência bem dura,pela dificuldade dos meios de acesso e pela absoluta falta de cómodos,ainda os mais rudimentares.

É contudo, a grande vaga das multidões a caminho de Fátima nosdias 13 de cada mês, mormente em maio e outubro, engrossa de anopara ano.

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ÃÄÅÆÇÅÈÅÉÈÊËÌÄÆÌÍÅÎÏÐÑÍÌÒÌ ÓÈÊÌ ÔÑÕÈÅÌ ÕÌÔÖÊËÌ×ØÑÒÑÆÊËÌÒÑÈÌdaquele lugar sagrado; e, ao despedir-se, traz uma saudade que se lheprende a alma, como no coração do exilado se prende a nostalgia dapátria distante...

É possível que não volte, mas sentirá necessariamente o desejo devoltar.

A que atribuir tão estranho poder de atração?

* * *Nada, ou quase nada sabemos, ao certo, das aparições de Fátima.

A Santa Igreja vem longamente meditando, há doze anos, o ensinamentoque um dia nos fará ouvir. Enquanto se agita a nossa impaciência dehumanos, cuja vida se conta por dias, a Igreja, segura da sua imortalidadeque domina os séculos, guarda silêncio e não pronunciou ainda a palavraque há-de esclarecer o segredo da Cova da Iria.

Quando a pronunciará?Só Deus sabe.A nós basta saber o prestígio inegável de Fátima e o eterno prestígio

do divino quando se manifesta ante dos nossos pobres olhos humanos.

* * *Já foi assim quando o Senhor chamou Pedro, Tiago e João a

presenciar a visão triunfal do Tabor: – “Ó Senhor! como é bom estaraqui! Vamos levantar três tendas para Ti: para Moisés e para Elias quevemos a teu lado. Nós dispensamo-las: basta-nos a felicidade sem limitesde ver as claridades da Tua glória.

As multidões de Portugal, ouvindo o pregão das criancitas ignorantes,edificaram em Fátima as tendas modestas – santuários pobrezinhos quesão a casa do Senhor –, ajuntam-se cada vez mais numerosas na Covada Iria, e enlevadas na beatitude da visão de Cristo que passa, ainda atéagora não careceram de tendas onde repousar.

... E Cristo, compadecido das turbas que sofrem, “passa fazendo obem”, como percorreu outrora a terra da Judeia e da Galileia.

Mas, como em Caná, assim também na Cova da Iria é Maria, a Mãede Jesus, quem, intercedendo por nós, inspira as obras de misericórdiade seu Filho e nos ensina a merecê-las: – “Fazei o que Ele vos ordenar”.

Cristo “passa fazendo o bem”: – “Os cegos veem, os coxos andam,os leprosos são limpos, os surdos ouvem... e o Evangelho é pregadoaos pobrezinhos”.

* * *

Doc. 102 1929-05-12

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372 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÙÚÛÚ ÜÝÞßàáÚÛ âãàßÚäÛå âÝ ÞÚÛÚ âãàßÚäÛå ÞÛåÜåæáàÚÛ, as multidõescorrem a Fátima, como se o milagre fosse o objetivo principal dapassagem de Jesus entre os homens...

O nosso egoísmo faz-nos esquecer que os milagres do Senhorconstituíram simples incidentes e que o fim único da vida terrestre doHomem-Deus, foi trazer-nos a “mensagem do Pai”, “iluminar os queestavam imóveis nas trevas e nas sombras da morte”, fazer-nos um comEle próprio, tornar-nos noutros Cristos pela Redenção.

Esquecemos...Queremos ver prodígios...E em Fátima, por disposição da Providência de Deus que “bem

conhece o barro de que somos feitos”, Maria, a Medianeira de todas asgraças, acolhe as nossas pobres súplicas e, com a sua omnipotência deMãe junto do Filho, apresenta-os a Jesus. E Cristo “passa fazendo obem”: sara os nossos males, livra do sofrimento os Seus humildes irmãospecadores.

E para quê?Para que o Evangelho “seja anunciado aos pobrezinhos”.Fátima é a repetição da história evangélica da Judeia e da Galileia.

* * *Na charneca ainda estéril da Serra de Aire, Jesus passa, pregando

Ele próprio a sua doutrina e “confirmando-a com sinais” divinos. Quandoamanhã a ciência, após meticuloso estudo, vier terminantemente fazerconfissão da sua impotência para explicar por meios naturais os prodígiosda Cova da Iria, estaremos em presença do milagre – o fenómenosensível, extraordinário, que atrai todos os olhares, que se impõem atodas as inteligências, que se proclama com entusiasmo, que é narrado,descrito, demonstrado.

Estaremos em presença do facto apologético de Fátima,denunciando a intervenção direta de Deus, a Quem apraz revelar a suaomnipotência por uma forma tangível, indubitável.

E com que fim?Para confirmar a fé dos que creem e para acender a luz da crença

nas almas de boa vontade onde ela não brilha, dispensando-as de buscaralgures, à custa de mais longo e mais penoso esforço, as consoladoras efortes certezas da doutrina que salva.

Fátima surgiu providencialmente para que o Senhor possa ouvir ali,como ouviu outrora na Judeia, o brado angustiado dos coraçõesportugueses, onde a esperança renasce: – “Senhor, a quem iremos? Sótu tens palavras de vida eterna!...”.

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ç ç çMaria –, a linda Senhora dos pastorinhos de Fátima –, ouve e

abençoa o brado da nossa fé.A vasta multidão aglomerada na Cova da Iria, e vibrando unida no

mesmo amor a Jesus e à Virgem, é composta de almas, cada uma dasquais por Maria é conduzida a Jesus, à intimidade com Deus, à uniãocom Deus.

Por isso a atmosfera de Fátima é uma atmosfera de oração.Umagraça poderosa parece impregnar o ar que ali se respira. A prece, feitade adoração da bondade e da grandeza de Deus, de contrição dosnossos pecados, de ação de graças por benefícios recebidos, de súplicapelas nossas grandes necessidades, sai dos corações tão abundantecomo a água que jorra da fonte miraculosa.

Reza-se e deseja-se fazer sempre mais. Mesmo quando as forçasdo corpo esgotadas, não podem mais, a alma não está ainda saciada.

Maria quer ver as almas no convívio estreito com Jesus. Ad Jesumper Mariam.

* * *

Maria, concebida da mente do Eterno para dar aos homens o Verbode Deus, continua a completar em Fátima a sua missão de colaboradoraindispensável do Senhor na obra da Redenção humana, dando os homensa Jesus.

E Jesus-Hóstia, oculto sob as espécies sacramentais, olhaenternecidamente o mar humano que a seus pés se espraia por toda avastidão dos senhorios da Virgem, no mistério e na sombra das longasnoites de adoração.

Das multidões joelhadas ergue-se até à custódia de oiro, agora omurmúrio lento das orações, logo a rajada impetuosa e triunfal doscânticos saudando a Cristo Rei no Sacramento do seu amor infinito.

O clamor imenso das aclamações, sobe até às estrelas. Toda amontanha estremece e se abraza, e “arde na glória do Senhor”.

Fátima é a nova Tabor. A alma portuguesa, no deslumbramento dovulto fulgurante de Jesus que “passa fazendo o bem” e ali reina peloamor do Seu Coração, ouve a voz do Céu – “Este é o meu filho bemamado no qual pus as minhas complacências. A vós cumpre ouvi-lo”.

“ – Ó Senhor! como é bom estar aqui...!”.

Pe. Manuel Pereira dos Reis

Doc. 102 1929-05-12

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374 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

èéêë ìíî1929-08-07, Lubango

Carta de Ângela do Amaral Canduzeiro para o Pe. Manuel Pereira da Silva,sobre o aumento do culto de Nossa Senhora de Fátima em Angola.

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 842

ï Voz da Fátima (Março)Lubango, 7 de agosto de 1929

Ex.mo e ReverendissimoSnr Pe. Manuel P. Silva

Não imagina V. Exª o bem enorme que vem espalhando a leitura dojornalzinho “Voz da Fátima” de que sou muito devotada assinante, poisa sua leitura amena e despretenciosa, as curas maravilhosas eextraordinárias obtidas por intercessão da nossa Mãe Santíssima, operamnos nossos espíritos, ávidos das coisas divinas, as maiorestransformações, e a corrente caudalosa de crentes engrossa dia a dia!

A devoção pela Virgem Santíssima de Fátima, tem tomado verdadeirasproporções, não havendo já (sem receio de mentir) casa de famíliaalguma, onde a Virgem não seja venerada e invocada com fervor, nostranses angustiosos da vida. As graças obtidas pela sua intercessão sãonumerosas, sendo algumas verdadeiramente extraordinárias. Afastadoscomo estamos de centenas e centenas de quilómetros dessa estânciagloriosa e bendita, necessário se tornava para a piedade dos fiéis umaltar com a imagem da Santíssima Virgem, onde pudessem irpiedosamente a seus pés, implorar a proteção de que carecessem e emcomum com os seus irmãos em Fátima, render-lhe as homenagens a tãoExcelsa Padroeira!

Mandámos então vir uma Imagem e, curiosa coincidência inexplicável,chegou aqui, e pela primeira vez em terras africanas, pudemos contemplara Imagem gloriosa e Bendita, a cópia fiel da de Fátima, no dia 13 denovembro próximo passado!! A Santíssima Virgem quis também fazer asua primeira aparição em África, num dia 13, para provar aos seusfilhos africanos que era esse o dia escolhido para a sua Glória!Organizámos então uma comissão para realizar a primeira festa em honrade Nossa Senhora de Fátima em terras de África e para que tivesse

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ðñòóô õôòö÷ñøùòúðóû üýþÿúý mýöñ môòðýòôñ �ýþ ó ð�ú �ý �ñôòñû ý ñ ��ûcomemorando a primeira aparição em Fátima, fez-se a festa, que constoude missa cantada. O comovente e edificante sermão do reverendo Pe.Pereira, Diretor da Missão do Muninho que com eloquentíssimaspalavras, exaltando as glórias da Santíssima Virgem, fez derramarcopiosas lágrimas de emoção no atento e numeroso auditório. Após amissa foram distribuídos o Santo Crisma, a centenas de crianças e algunsadultos, não havendo memória até hoje, de se ter juntado tanta gente,nesta pequenina e encantadora Igreja desta linda terra africana!

Vieram dezenas de automóveis e camionetes das localidade maispróximas para assistirem a essa modesta e encantadora festa religiosa,que deixou as melhores impressões em todos aqueles que tiveram a ditade a ela assistirem. E que linda estava a Santíssima Virgem! no seu tronoprofusamente ornamentado das mais lindas flores, e com o seu meigo eterno olhar parecia envolver todos no mesmo amplexo de paz e amorque irradiava em torno de si, como a prometer que doravante teriamuma Protetora a quem recorressem. Desde maio que se celebra todosos dias 13 a missa em sua honra, e está sempre a Igreja cheia de devotosde Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Praza a Deus e para maiorglória da Santíssima Virgem, que as graças obtidas pela sua intervenção,sejam o elo que nos una ao trono de Deus, e o caminho que nos conduzà Bem-aventurança eterna!!

Junto remeto a V. Rev.ma a esmolinha de 300$00 para a NossaSenhora de Fátima por duas graças obtidas, e em cumprimento depromessa! 250$00 são de José M. Góis pela cura de seus filhos, dumamorte iminente e 50$00 duma Senhora a quem a Santíssima Virgem lhevaleu numa grande aflição!

Que a nossa querida Mãe do Céu continue derramando a luz sobreos que a invocam com fé e amor, as mais abundantes graças, e quetodos os corações se sintam abrazados do mais vivo ardor pelamisericórdia infinita de tão Augusta Mãe, são os desejos veementes dumasimples devota que com a maior consideração se subscreve

De V. Rv.ma

Mto. At.ta Verª e obr.ma

Ângela do Amaral Canduzeiro

Caixa Postal nº 22África OcidentalVia MossâmedesLubango

Doc. 103 1929-08-07

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376 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

D��� �1929-09-20, Santa Maria de Oya

Carta do Pe. José Aparício da Silva para D. José Alves Correia da Silva, Bispode Leiria, sobre Lúcia.

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 924

S� �A MARIA DE OYA20 de setembro de 1929

Il.mo e Reverendíssimo Senhor

Saudando e cumprimentando respeitosamente a V. Exc.ia Rev.ma,aproveito a ida do R. P. Arnaldo Magalhães para confiar umas coisas,que de outra maneira não confiaria ao papel nem aos correios por seremde íntima confidência.

Consta-me que a irmã Maria Lúcia está desejosa de falar com S.Excia Rev.ma e julgo que lhe faria um grande bem, se S. Excia Rev.ma pudessedar uma fugida até TUY.

Dois sacerdotes: um, religioso, deu-lhe há tempos a notícia dafundação do Novo Instituto que tem atualmente a sua sede no Porto –Quinta Amarela; e outro, secular, aconselhou-lhe imprudentemente oano passado que o seu lugar não era ali, mas noutro Instituto. Como elasó deseja fazer em tudo e sempre a vontade de Deus, tanto a notíciacomo o imprudente conselho trouxeram-lhe ao espírito não pequenaperturbação. Ora eu julgo, pelo menos nas circunstâncias atuais, queseria um grande erro, se ela se deixasse levar por estas imprudênciasque praticaram estes dois sacerdotes. Tenho-a dissuadido disso sempre,e ainda ultimamente no dia 16 do p.p. em que estive em TUY,aconselhando-lhe que se santifique no Instituto que abraçou e em quevive, que seja modelo de observância etc., porque é esta a Vontade deDeus, até sua divina Magestade manifestar claramente o que quer dela.

Parece-me ter ficado sempre sossegada.Está também desejando ansiosamente ver propagada a devoção dos

5 primeiros sábados em honra de Nossa Senhora.No dia 30 do corrente e dias seguintes espero estar em TUY de

passagem para outra casa, se a Santa Obediência não determinar outracoisa.

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I��� ������ � �������� ��������� � Vossa Exc. Rev. para estarprevenido na hipótese que fale com ela.

Beijo respeitosamente o sagrado anel de V. Exc. Revma.

De V. Exc. Rev. ínfimo s. atº e Obr.do

José Aparício, S. J

Doc. 104 1929-09-20

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378 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

�� ! "#$1929-09-25, Roma

Carta de João Pereira Venâncio1 para o Pe. Manuel Pereira da Silva a informarque já tinha tomado o subdiaconado e a referir a pena que tiveram, pelo facto deo escultor José Ferreira Thedim se ter atrasado na conclusão da Imagem de NossaSenhora de Fátima, destinada à Capela do Pontifício Colégio Português, em Roma.

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 937

C%&'()%*%+TOGHESEVIA BANCO S. SPIRITO, 12ROMA (XII)

Ex.mo e Rev.mo Senhor P. Silva

Estou-lhe a escrever já subdiácono. Tomei-o hoje, dia de S. Mateus,na Igreja dos Carmelitas – S. Teresa. Devia... ter-lhe pedido – eu só seipedir! – as suas fervorosas e valiosíssimas orações antes de o tomar,mas fui guardando – há de ser sempre a mesma coisa! – e depois...chegou-se o dia da entrada para exercícios sem eu poder fazer o quequeria e... devia!, porque não se tratava só de egoísmo – Santo egoísmo,não é assim, Snr. P. Silva? – mas dum dever que eu tinha de lhe participara minha próxima ordenação. Mas... – e cá vem o costumado refúgio – oSnr. P. Silva tudo e mais alguma coisa desculpará.

Os peregrinos já cá estão há 7 dias e ainda não falei com o Snr. Dr.Marques dos Santos; nem tão pouco o vi, nem a ele, nem ao snr. P.Miguel2, nem ao Snr. P. Margalhau3. Vamos a ver se amanhã, domingo,

1 Nasceu em Monte Redondo, Leiria, a 8 de fevereiro de 1904. Foi para o ColégioPortuguês, em Roma, em 1923, e foi ordenado a 21 de dezembro de 1929. Foisagrado Bispo a 8 de dezembro de 1954, tornando-se Bispo Auxiliar de Leiria,função que desempenhou até à morte de D. José Alves Correia da Silva, a 4 dedezembro de 1957. Nesse dia, foi nomeado vigário capitular até ser nomeadoBispo residencial, a 13 de setembro de 1958. A 13 de dezembro de 1958, tomouposse como Bispo da Diocese de Leiria. Faleceu a 2 de agosto de 1985.

2 Pe. Miguel Jorge. Nasceu nas Sesmarias, Marrazes, a 25 de março de 1864.Estudou no Seminário de Coimbra e foi ordenado a 3 de agosto de 1890. Faleceua 14 de março de 1951.

3 Pe. Joaquim Gonçalves Margalhau. Nasceu a 3 de maio de 1878, em Santana,Ferreira Nova, Figueira da Foz. Foi ordenado a 7 de março de 1903. Faleceu a 6de junho de 1952.

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22, -. /01-, -3, 405- 607-., - 879. Dr. Marques dos Santos, quenaturalmente virá cá, ao Colégio, assistir à nossa Academia em honrado Peregrino. Esta devia ser a coroação da festa da inauguração daCapela de Nossa Senhora de Fátima, deste Colégio, mas à última hora,mesmo à última hora – quer dizer já há umas 2 semanas ou 3! –,recebemos a inesperada notícia de que o Snr. Thedim, por motivo dedoença, – ainda mal, ou ainda bem, um certo sentido, não sei... – nãopôde terminar a estátua a tempo, como tanto desejava – e talvez nósmais ainda! Paciência. Fica para daqui a mais algum tempo.

E, Snr. P. Silva, cá estou eu subdiácono: por dever de estado –livremente aceite e escolhido, é verdade – todo pertença de Deus, deJesus e só Dele: alma e corpo! Para que não seja uma coisa só “oficial”,mas deveras, de alma e coração, peço-lhe muito as suas orações. Estoubem certo, certíssimo, que o senhor P. Silva me as não nega – comonunca tem negado – não só pela amizade que tão generosamente metem sempre dispensado e me continuará a dispensar – o coração não seengana – mau grado os meus subidos – ou descidos! – desmerecimentos,mas ainda porque quando se trata do aperfeiçoamento dum futuro –Deo volente – Sacerdote e de qualquer sacerdote, trata-se da salvaçãonão duma alma só, mas sabe Deus de quantas!...

Isto escreveria eu no dia da minha ordenação. Mas entretanto vieramos cumprimentos etc. etc. e lá se passaram estes dias sem que eu pudessecontinuar e terminar esta pequenina carta. O Snr. Dr. Marques dos Santoscá veio ao Colégio assistir à Academia que fizemos em honra dosperegrinos e... quis ter a amabilidade de me dar um abraço amigo. Faleitambém com o Snr. Pe. Miguel, só o Snr. Pe. Margalhau é que aindanão vi e provavelmente já não vejo, a não ser amanhã na estação, àpartida, se lá fôr, do que duvido. Daqui a um ano o verei... E... pronto,Snr. P. Silva. Não me esqueça nunca e faça-me lembrado de algumaboa alma que o Snr. P. Silva deve conhecer. Entretanto vou esperandopela sua cartinha, ou melhor Cartona (que assim são mais saborosas...).Pode bem ser que tome presbítero pelo Natal, mas ainda não sei decerto.Orações muitas orações, é só do que eu mais preciso, para não ir vaziode todo quando daqui fôr...

O Almeida e o Carreira recomendam-se muito e estão bons. Peço--lhe que me recomende muito ao Snr. P. Góis. O Snr. Pe. Miguel teceu--nos um grande elogio da sua pessoa e da sua obra – o que não foinovidade para nós, é claro. Disse- nos que é a freguesia dele onde hámaior número de comunhões nas primeiras Sextas-feiras. Diga-lhe, Snr.P. Silva, que se recorde também de mim... junto do sacrário.

Doc. 105 1929-09-25

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380 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

E :;<=> ?@:ABF G:H<:JK: ? LA? MN;O=> : P:Q>P@: B:KRP: ;?B BA?Borações este Seu Criado... humilde – (oxalá!...)

Colégio Português, 25-IX-929

J. P. Venâncio

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TUVW XYZ1929-09-29, Braga

Carta de D. José Alves Correia da Silva para o Pe. José Aparício da Silva, aacusar e a responder a uma carta deste, sobre a devoção dos cinco primeirossábados.

Publ.: DCF, V-3, Doc. 950

[\]. mo SnrPe. José ApparicioCalle San Telmo, 21 TuyGalicia Espanha

Braga, 29 de setembro de 1929Rev.mo Snr.

Por intermédio do Snr. Pe. A. de Magalhães recebi a carta de V.Rev.cia que li com toda a atenção.

Por agora não vou aí, porque não me parece necessário. Irei maistarde, se Deus quiser. Sobre a mudança, disse-lhe por carta o que entendi,reprovando-a por completo. Supunha mesmo que essa fantasia outentação já tinha passado.

A devoção dos primeiros sábados está bem, mas ainda não lhechegou a hora, o que não quer dizer que não se propague nas casas ecolégios religiosos.

Agradeço todo o interesse que V. Rev.cia tem tido por aquela boaAlma que Nosso Senhor santificará para Sua maior honra e glória.

Encomendando-me às boas orações de V. Rev.cia, subscrevo-me

De V. Rev.cia

Servo em JC † José

Doc. 106 1929-09-29

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382 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

^_`a bcd1929-10-11, Leiria

Novena de Nossa Senhora de Fátima integrada no “Ofício Menor e Novena aNossa Senhora de Fátima”, com pode imprimir-se de D. José Alves Correia daSilva, Bispo de Leiria, de 11 de outubro de 1929.

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 985

efghei A NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

Oração preparatória

Santíssima Virgem, que nos montes de Fátima Vos dignastes revelara três humildes pastorinhos os tesouros de graças contidos na práticado vosso Santo Rosário: incuti profundamente em nossa alma o apreçoem que devemos ter esta devoção para Vós tão querida, afim de que,meditando os mistérios da nossa Redenção que nela se comemoram,nos aproveitemos de seus preciosos frutos e alcancemos a graça... queVos pedimos nesta novena, se for para maior glória de Deus, honravossa e proveito de nossas almas. Assim seja – P. N., A. M., G. P.

V. Regina Sacratissimi Rosarii.R. Ora pro nobis.

I

Virgem Santíssima, inundada do mais puro gozo pela presença doVerbo Divino, incarnado em vosso seio puríssimo e alimentado a vossopeito virginal, fazei que imitando na terra a pureza que resplandece nomistério da vossa Anunciação, a caridade da vossa Visitação a SantaIsabel, o amor terno a JESUS recém nascido no presépio, a humildadee obediência com que Vos apresentastes no Templo de Jerusalém acumprir com as prescrições da lei, mereçamos também como Vós, porprémio da nossa solicitude constante em buscar a JESUS durante avida, encontrá-Lo alfim no templo da Glória, para nunca mais dEle nossepararmos. Assim seja. – 5 Avé-Marias.

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jj

Virgem Dolorosíssima, viva estátua de dor aos pés da cruz de VossoFilho, que depois de agonizar e suar sangue no Horto, de ser cruelmenteflagelado e coroado de espinhos, sobe convosco o monte Calvário paraaí morrer crucificado à vossa vista; ensinai-nos o segredo dessa paciênciadivina que Vos associou à Paixão de JESUS e Vos fez a corredentorado género humano, a fim de que aprendamos de Vós o caminho doCalvário, a resignação cristã no sofrimento e no amor à cruz de vossoFilho. Assim seja. – 5 Avé-Marias.

III

Virgem Gloriosíssima, mais do que ninguém participante dos triunfosda Ressureição e gloriosa Ascensão de JESUS Cristo, inundada pelaplenitude do Espírito Santo que sobre Vós visivelmente descansou noCenáculo, Vós que depois de uma vida de perfeitíssima santidade,transportada ao Céu em corpo e alma merecestes ser coroada com odiadema de excelsa Imperatriz da Glória, fazei que acompanhando-Vostambém nos mistérios da vossa vida gloriosa e triunfante, mereçamosser um dia incorporados às numerosas falanges dos vossos servos edevotos, para com eles Vos rendermos a vassalagem perene de nossoscorações. Assim seja. – 5 Avé-Marias.

V. Rogai por nós, Virgem do Rosário de Fátima.R. Para que sejamos dignos da promessas de Cristo.

Oremos

Eterno Pai, que pela vida, morte e ressurreição do vosso FilhoUnigénito nos proporcionastes o prémio da vida eterna; concedei-nosque honrando estes mesmos mistérios, ao comemorarmos oaparecimento em Fátima da Rainha do Santíssimo Rosário, imitemos osexemplos que eles contêm e alcancemos as graças que nos prometem.Pelo mesmo JESUS Cristo Nosso Senhor. Assim seja.

Doc. 107 1929-10-11

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384 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

klnopkA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

Virgem Imaculada, que pelo vosso santo Rosário extinguistes outrorano seio da Igreja a nefasta heresia dos Albigenses, por ele libertastes acristandade do perigo muçulmano e robustecestes a piedade dos fiéis,extingui também no povo português, pela prática mais intensa da vossadevoção, os gérmens de morte que fazem definhar a sua Fé, libertai-ode todos os perigos internos e externos que ameaçam a pureza de seuscostumes, fortalecei-o mais e mais, fazendo rejuvenescer nele o genuínoespírito de piedade que no passado o fez um povo cristianíssimo,fidelíssimo e evangelizador.

E já que por uma inefável prova de celestial predileção vos dignastesvisitar este povo que se ufana de ser vassalo vosso, mostrando-lhe dosmontes da Fátima quão caro é ao vosso Coração, não deixeis nunca,Mãe amorosíssima, de o acalentar com esse mesmo amor de predileção.Descansai sobre ele olhares de misericórdia, fazei-lhe sentir mais e maisvossa suavíssima proteção e os doces atrativos do vosso Coração queé coração de mãe. Abençoai, ó Virgem Imaculada, a terra que vosdignastes visitar, atraí a Vós todos os portugueses, patenteai-lhes ostesouros do vosso amor, revelai-lhes os arcanos do vosso Coraçãomaterno, fazei de cada coração português um órgão que vibre de amorpor Vós e de Portugal inteiro um Santuário de amor que correspondacom seu filial afeto ao vosso carinho maternal, e assim mereça agora esempre ser chamado – a Terra de Santa Maria – Assim seja.

Concedemos 50 dias de indulgência aos fiéis, por cada vez querecitarem esta oração com um Padre Nosso e uma Avé Maria pelasnecessidades da Santa Igreja.

Leiria, 20 de janeiro de 1927

† JOSÉ, BISPO DE LEIRIA

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qrst uvw1929-10-17, Orte (Itália)

Carta de Joaquim Carreira para o Pe. Arnaldo de Magalhães, a descrever afesta em honra de Nossa Senhora de Fátima que teve lugar em Orte, no dia 13 deoutubro.

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 1023

xyz.mo Sr. P. Magalhãesmeu bom e saudoso amigo:

Peço desculpa por tão tarde responder à sua prezada carta de 1 deagosto, p. p., que muito lhe agradeço. Isto, em férias, há mais tempo enão se faz quase nada. No princípio, ainda tivemos umas aulas de alemãoe de eloquência sagrada que nos dava o Sr. P. Fonseca, num excessodaquela bondade que lhe é tão característica. Com a peregrinação, láfomos a Roma passar uns doze dias de convivência (latissimo etimproprio sensu, já se vê!) com os nossos compatriotas.

Voltámos depois a Orte, onde nos encontramos ainda. Partiremospara Roma no próximo sábado (dia 19). É claro que vão sendo horasde recolher ao ninho; mas em todo o caso não se estaria por cá mal maisuns dias. O pior é que a vindima já está quase pronta!... Vá lá, quetemos tido sorte este ano, quanto às uvas.

As minha férias não foram más. Poupei as forças quanto pude: muitopoucas vezes joguei à bola; passeios violentos também os não dei, comoo ano passado: – o maior que dei a pé foi de 15 km (30 ida e volta);mas, apesar disso, não me restabeleci como o ano passado. Paciência.

O resto vai indo como Deus é servido. Uma vida de sacrifícios, Sr. P.Magalhães, e que só poderão conhecer aqueles que por cá tiverempassado. Peça a Nossa Senhora de Fátima que me conceda emabundância aquelas graças de que eu preciso para corresponder ao queo Sr. Bispo espera de mim. Não se esqueça de lhe recomendar emespecial o ponto que V. Rev.ma bem conhece.

Os nossos exercícios espirituais devem começar no dia 21 à noite.Entretanto devem vir chegando os novos, que pelo jeitos não serãomuitos. Que pena não poder vir nenhum de Leiria!...

Agora uma notícia interessante para a “Voz da Fátima” (se lá houverlugar para ela, já se vê).

Doc. 108 1929-10-17

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386 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

{|} ~����� ��. P. Magalhães que o dia 13 de outubro foi um dia defesta só para Portugal ou só para os portugueses; também nósparticipámos e fizemos participar os outros, quanto pudemos, das alegriasda nossa pátria. Cá fizemos, pois, uma festinha na nossa capela daSenhora das Graças, em Orte, comemorando assim o 12º aniversárioda última aparição de Nossa Senhora em Fátima. O Vigário Geral nãosó nos deu licença de fazer a festa, mas até nos aconselhou a arranjaruns programas e afixá-los na cidade para chamar o povo. A notícia dafesta lá se espalhou por toda a parte, apesar de só se ter feito umprograma, que foi afixado a uma das portas da Catedral.

Às 6 e 7 horas da manhã missas rezadas, e comunhão geral à missadas 7, que foi celebrada pelo Rev.mo Sr. P. Fonseca.

Além dos alunos, dos criados e das religiosas, que estão connosco,comungaram umas 15 pessoas de fora, – o que representa muito nestemeio de Orte, onde a instrução religiosa é quase nula. Foi com grandeprazer, que vimos aproximar-se nesse dia do confessionário e da mesaeucarística uma velhota, nossa vizinha, que não punha os pés na igrejahá uma porção de anos. Uma graça de Nossa Senhora de Fátima? –Assim o cremos. Durante a missa e à comunhão cantaram-se algunsversos em honra do Santíssimo Sacramento e de Nossa Senhora. Cá onosso bom “Pedro” teve a amabilidade de nos fazer uma tradução ouadaptação dos versos de Fátima para italiano, que cantámos durante amissa e à noite no fim do terço e da bênção. Aí lhe envio uma cópia, queo meu amigo fará circular.

Apesar de serem feitos um pouco à pressa, creio que nãoenvergonham o autor.

Às 9 horas houve missa cantada.O celebrante foi o Sr. Vice-Reitor. Serviu de diácono o Rev.do P.

Sebastião, do Porto; e de subdiácono o nosso caro Venâncio, que nessedia exerceu a ordem pela primeira vez.

Tanto a missa cantada, como a da comunidade pela manhã, foi a daSenhora do Rosário (tal qual como em Fátima), para o que obtivemoslicença da Congregação.

Às 4 horas da tarde, Vésperas solenes (de Nossa Senhora também).Depois prática pelo Sr. Pe. Fonseca que descreveu em breves traços asaparições de Fátima, explicando também as raízes da festa, e terminourecomendando aos ouvintes a recitação do terço, aduzindo várias razões,que temos, para o rezar com fervor todos os dias.

Passados três ou quatro dias, dizia-me uma mulherzinha, que eracapaz de me repetir toda aquela prática!... O que mostra que a tinhaouvido com atenção.

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������ �� ������� �������� � ����� � ������ � ������ ��� �Santíssimo, terminando a função com o canto dos versos de Fátima, emitaliano.

Distribuímos nesta ocasião cerca de cem estampas de Nossa Senhorade Fátima (daquelas que trazem a novena).

É pena que tudo aquilo fosse em português. Em todo o caso, não seperderá tudo, porque ao menos lá hão de ficar com a lembrança.

Uma festa, como vê, muitíssimo simples, mas que decorreu muitobem e que nos faz viver uns momentos daquele dia na abençoada Covada Iria.

E, para que nada faltasse até houve jantar de festa!Peço o favor de mandar dizer se há à venda e qual o preço daquelas

estampas de que eu lhe falava, há tempos.Junto envio 5$00, para que V. Rev.ma me mande uma ou duas dessas

tais, e o resto em selos de propaganda como o exemplar que aí lhemando.

E depois não se esqueça de nos contar muitas coisas da peregrinação,da Cova da Iria (isto é: das obras) e do nosso Seminário.

A nossa estátua da Senhora de Fátima já está em Roma, creio eu.Depois de a ver contarei as minhas impressões.

Por hoje basta. Desculpe a minha pressa, que por isso escrevi tãomal.

Cumprimentos respeitosos aos Srs. Padres do Seminário e aos amigos.Uma saudade deste seu humilde servo, que a bênção lhe pede.Orte, 17 de outubro de 1929.

Joaquim Carreira

Doc. 108 1929-10-07

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388 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

���� �� 1929-10-17, Lisboa

O jornal “Novidades” publica o discurso do Pe. Luís Gonzaga da Fonseca noPontifício Colégio Português, em Roma.

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 1025

¡¢£¤¥¦§ A ROMA

Discurso pelo Snr. Dr. LuísGonzaga da Fonseca,

diretor espiritual do Colégio.

Ex.mos e Rev.mos Senhores,Ex.mo Snr. Ministro,

Minhas SenhorasMeus Senhores:

Todos vós tendes presente o delicioso episódio dos Doze deInglaterra, como o descreve Camões no Canto VI dos Lusíadas.

“Dos onze a ilustríssima companhia” vão-se de rota batida do Portoa Londres, enquanto o Magriço, com “desejo de ver mais águas, que asdo Doiro e Tejo, várias gentes e leis e várias manhas”, vai só por terra,rodeando meia Europa.

Em Londres fervem os preparativos do torneio: no labutar febril osdias passam rápidos; está-se já na véspera, e tudo prestes. Só do Magriçonem a pessoa nem notícias. A dama, a quem a sorte o dera por campeão,esperançada primeiro, inquieta depois, despacha correios sobre correiosa esquadrinhar todas as estradas, manda recados sobre recados aoscompanheiros do herói; mas ninguém o viu, ninguém recebeu novas dele,ninguém sabe onde para.

Amanhece finalmente o dia aprazado, veste-se a cidade de gala; dorei aos campeões, dos nobres ao último vassalo vai geral alvoroço. Só adama, ansiada entre o desespero crescente e a esperança moribunda,aguarda suspirando a um balcão a resposta às últimas diligências quemandava fazer.

Nisto, soa a hora de entrar em liça: é o dobre de finados que lhemata a última esperança:

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©ª«¬­®¯°­±²³ °± ´±°­±µ ¶«® ·¸« ­±® ¹º±¬·«¬±³»« °±¼³ °±º ½³´³¾±¯®«nesta empresa”, e assim enlutada, toma o seu lugar “no sublime e públicoteatro”, onde se assentara “o rei inglês com toda a corte”.

E já os arautos iam a dar o sinal, para a justa, quando num dosângulos da praça um enorme reboliço atrai todas as atenções; era oMagriço que, armado de ponto em branco, irrompia a galope pela praçadentro, saudava garbosamente o rei e as damas e corria a abraçar eenfileirar-se ao lado dos companheiros, com os quais condividia osperigos do combate primeiro, logo as glórias do triunfo.

Meus Senhores:Eu não sou Magriço, nem a minha pena tem pretensões de se medir

com a sua espada. Mas verdade, verdade!, algo parecido nos sucedeunesta academia, com a agravante que o desenlace não é tão poéticocomo o do torneio inglês.

Tinha-se planeado para estes dias a inauguração da belíssima capelano andar nobre do Colégio. O altar-mor reservado para a Senhora doRosário de Fátima estava pronto a recebê-la, e, de um dia para outro,esperávamos a chegada da imagem que nos prometem primorosíssima.

Entretanto ferviam os preparativos da festa. À religiosa havia de juntar--se uma literária, em que o Colégio, juntamente com o preito filial àVirgem Mãe e ao Padre Santo, rendesse as devidas homenagens aosilustríssimos Prelados que nos honram com a sua presença e aos distintoscompatriotas que de tão longe vieram celebrar o jubileu de S. Santidade,trazendo-nos a nós no aspeto franco, no sorriso simpático, na falaconhecida o mais perfumado ramalhete de saudades, com que matar asque por cá se sentem da pátria distante.

Um pedido formulado primeiro pela briosa juventude do Colégio,ao qual o coração me inibia de responder com uma negativa, e depoisgentilmente repetido em forma de desejo por pessoa a cujos desejosdevo obediência, multava-me uma boa parte dos gastos da festa,cabendo-me em sorte – sorte aliás invejável – ser paladino da Virgemdo Rosário. E eu esperava ansioso que ela chegasse, para ver se à luzdo seu olhar e ao calor materno do seu sorriso se inspirava e acendia omeu entusiasmo.

Mas os dias passavam, passavam depois as horas e a celestePeregrina... andaria talvez por terras de Espanha, ou pela ribeira deFrança, ou pelas históricas paragens de Itália?! Mas, Senhora, que achaisvós por aí que vos prenda, se não são Terras de Santa Maria? Sedificilmente encontrais por lá a fé simples e sincera, a devoção profundae sentida, o amor acendrado e entusiasta dos vossos portugueses?

Doc. 109 1929-10-17

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390 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¿À ÁÂÃ ÄÅÀÆÀÆÇÈ ÉÊÈ ËÈÌÀÆ È ÃÅÆÍÆÀÃÈ ÎÀ ÈÍÈÆÀÏÀÆ Ð ÑÊÒÇÓÈ ÔÂÆÈÕÖÖÖBem vedes, Senhores, não apareceu!O nicho na capela continua deserto e a inauguração não se fez. Quase

diria que a capela se vestiu de luto; luto que pesa um bocadinho tambémsobre os nossos corações.

E aqui me tendes condenado a falar dum assunto que, antes de existir,se desvaneceu...

Felizmente não é a imagem material a que importa; não é ela que nóshomenageamos; não é ela que vos assiste a vós no vosso peregrinar deum mês, a nós na nossa romaria de anos? Convencido estou de que aVirgem do Rosário, essa não nos falta: aqui está, aqui nos assiste, aquinos fita, aqui nos sorri paraísos, aqui nos envolve em eflúvios de amor oseu coração materno!...

Eu vejo-a com os olhos da fé; e vós, se a tendes mais viva, se tendesa alma mais inocente, mais infantil, mais digna de ser recompensadacom graças privilegiadas, abri os olhos, aplicai os ouvidos, alerta ocoração!... Quem sabe se sentireis na realidade, como os inocentespastorinhos da Fátima?!...

Terra de Santa Maria! Abençoada terra portuguesa! Abençoada pelamão do Criador que a colocou ali “onde a terra se acaba e o mar começa”,como coroa de safiras e esmeraldas na cabeça da Europa. No seu céude um anil sem par acendeu as estrelas mais brilhantes; da sua gleba fezum jardim perfumado, onde floresce eterna e canta a primavera.

Colocou-a ali como caravela ancorada às portas do mar oceano,berço pequenino de um grande povo, para cujo arrojo aventureiro osmares seriam pequeno teatro, e as balizas do mundo acanhada meta,pois que “se mais mundo houvera lá chegara”.

Terra de Santa Maria! Abençoada terra portuguesa!Abençoada na alma nobre e boa, sóbria e generosa, arrojada e

prudente, alegre e sonhadora dos filhos que Deus lhe deu; capazes,como os melhores, de se assinalarem em todos os campos da humanaatividade: tão destros em manejar a espada como a lira, na ciência debem dizer como na arte de bem fazer, nas artes como nas letras, emsondar e explorar mares, ilhas, continentes, como em devassar as maisárduas regiões do espírito.

Terra de Santa Maria! Abençoada Terra portuguesa!Abençoada sobretudo porque o Salvador ao nascer lhe deu as suas

chagas por brasão, a crismou seu Apóstolo, a consagrou jardim, feudo,solar, terra de Santa Maria! E Maria com carinhos de Mãe, com desvelos

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×Ø ÙÚ×ÛÜØÝÛÚÞ ßÜà áØâØÛÜãÝ×Ú×Ø ×Ø ÛÚÝâäÚ ÚÜ åØæçØâÝâÜ ÙÜÛèçáÚéembalou-lhe o berço, amparou-lhe os primeiros passos, bem difíceis econtrastados, com que tomou posse da terra sua, – conduziu-o depoispela mão nas arrojadas empresas de dilatar a fé e o império através domar tenebroso, desde as balizas do mundo conhecido aos últimos confinsdo desconhecido.

Que palmo de terra há no continente e ilhas, que não esteja assinaladopor algum benefício da Mãe de Deus? E em correspondência, que monteonde não alveje um santuário de Maria, meta de fervorosas romagens?Que cidade, vila ou aldeia onde as melhores igrejas não sejam em suahonra? Talvez todas as igrejas na terra, talvez todos os altares na igreja,talvez todas as imagens no altar são de Maria; em cada encruzilhadauma imagem, em cada palavra um oratório, em cada casa um altarzinho,até em cada choça ao menos um registrozinho em papel, pegado commiolo de pão na porta desengonçada.

De facto Portugal era isto: cada palmo de terra uma memória, cadacoração uma lâmpada a arder em honra de Maria!

Terra de Santa Maria! Abençoada terra portuguesa!Não admira se naquele jardim, cuidado por mãos tão mimosas de

tal Mãe, se arreigou profunda a fé, floresceu a religião e a piedade, oamor ao Senhor dos Passos e a Jesus Sacramentado e ao Coração deJesus, a devoção inquebrantável ao Vigário de Jesus Cristo, o amor àSanta Igreja tão filial, que até os dias todos da vida quis receber da suamão santificados: baste a prová-lo a denominação dos dias da semana,que enquanto nas outras nações tem ressaibos de paganismo antigo, sóem Portugal é puramente cristã e eclesiástica. Não admira que lá desdeo princípio vicejasse e se espandisse incoercível o zelo apostólico; zelotalvez rude e manifestado em poderosas cutiladas aos agarenos ou emferas lançadas aos turcos na Índia, mas sempre ardente e poderoso,que durante dois séculos inundou de missionários a África, a Ásia, aOceânia e grande parte da América, bem mais de meio mundo: fazendoem poucos lustros tais prodígios de evangelização, que não creio tenhamsido igualados por nação nenhuma em muitos séculos.

Mas era tão pujante de seiva o amor da fé na terra de Santa Maria,que precisava de estender ao longe a copa dos seus ramos: ansioso deabrigar sob eles, se possível fora, a todo o mundo. Brotava tão copiosaa fonte da cristandade no coração português, que não bastava apequenina taça lusitana para conter as suas águas; transbordava emcatadupas, corria ao longe em rios caudalosos a regar e fecundar maisde meio mundo. Ardia tão poderosa a chama da caridade, que bastava

Doc. 109 1929-10-17

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392 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ê êëìíîêï ð êñìðòðï êñìêóôõöóìíðóõõìôïõ÷ðíîöøùïîõ ðöôêúêíêîóûêsentados nas terras do gentilismo e nos gelos da morte.

Terra de Santa Maria! Abençoada terra portuguesa!

Oh! Porque mudaram os tempos? Porque passou a primavera quedevia ser perpétua? porque veio o inverno carrancudo e gelado? Nortouo vento da indiferença e crestou todo aquele viço! No jardimdesfolharam-se as flores, definharam as plantas, caíram pecos os frutos;e a Terra de Santa Maria ameaçava tornar-se um pragal maninho ondepululasse todo o mal, uma charneca árida e ressequida para o bem.

Felizmente que Maria velava do céu sobre o paraíso, sobre a terrasua!

E Ela desceu do Céu a horas de meio-dia, como se o repicar dasAvé Marias fosse toque a rebate que a chamasse; desceu sobre aazinheira enfezada, na charneca maninha. A charneca era realmente osímbolo da terra ressequida; a azinheira a imagem da árvore frondosa,que, por falta de chuva do céu, por efeito da secura da terra se ia, dia adia, cada vez mais definhando.

A divina jardineira desceu; e ao encanto da sua voz, ao império doseu olhar, ao contacto milagroso da sua mão, na charneca árida brotouuma fonte de fé e de milagres, milagres do corpo e milagres da alma,onde Portugal (pródigo que volta à casa materna!) vem lavar os andrajos,curar as chagas, beber a fé antiga, e com ela rejuvenescer as forças,retemperar a saúde, recuperar todas as virtudes dos avós.

Mas a Virgem do Rosário, não contente com que os filhos venham aEla, vai Ela a buscá-los, de monte em monte, de vale em vale, em romariaapostólica, a todas as terras, a todos os casais, a cada família. Quem háhoje por lá que não conheça, que não tenha visto, que não tenha faladona oração simples e confiada com a Senhora do Rosário de Fátima? Eque da conversação não tenha saído ou prometido sair melhor? A Virgemdo Rosário é hoje a grande Missionária de Portugal. Graças a Ela, aterra de Santa Maria será sempre a abençoada terra portuguesa.

Havia porém uma nesgazinha de Portugal, separada por meia Europado solo pátrio, uma pedra preciosa desengastada lá dos nossos montese engastada aqui neste grande relicário da cristandade, nesta coroa domundo que é Roma: o Colégio Português onde filhos de Portugal, romeirosda fé e do saber, da piedade e das letras, da santidade e da ciência seformam para serem a luz do mundo e o sal da nossa terra, para brilharemcomo lâmpada sobre o candelabro, como farol sobre a torre, como

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üýþÿþc ����c ÿ ����ÿ��ÿ� ÿ�ÿ �c�ÿ�þcüc� ü��� c���cÿ� ��firmamento de Portugal.

Viu-os de longe a Virgem de Fátima, e lá vem Ela de romaria à CidadeEterna, lá vem seguindo os passos dos seus peregrinos, lá vem não paravoltar como vós, mas para ficar aqui nesta sua casa, ali na capela contíguae dali animar os trabalhos, aliviar os recreios, velar os sonos, aquilatar apiedade, santificar os triunfos destes seus portugueses, fazendo-os dignosde Portugal e da Igreja, do altar e de Deus.

Não é verdade que eles estão destinados a ser instrumento da MãeSantíssima nos milagres talvez físicos, decerto morais que amanhã há deoperar na nossa pátria? E por isso mesmo não é justo que presida à suaformação? Que Ela mesma, artista divina e divinamente primorosa, comsua mão afeiçoe e aperfeiçoe a seu talante, os seus instrumentos? Comaquela mão infinitamente delicada, com aquele coração imensamenteterno, com aquele desvelo, com aquela perícia, com aquela aplicação eentusiasmo com que colaborou à formação do Sacerdote divino, Jesus?

Realmente nem melhor artista, nem mais acabado modelo, nem maissublime ideal pode propôr-se à juventude, que ao sacerdócio se destina.Já que Maria, a “Virgo Sacerdos”, de Santo André Cretense, é o maissubido ideal da dignidade sacerdotal, o mais acabado modelo daperfeição sacerdotal, a mais desvelada artista e eficaz protetora daformação sacerdotal.

Sublime ideal da dignidade. Ela que com o seu “fiat” omnipotentetirou o Verbo do seio do Padre e o deu aos homens feito Carne, Ela queviu o sol divino em tudo obediente às suas ordens, Ela que unindo osacrifício da alma ao holocausto do Redentor com ele e nele se imolou;Corredentora do género humano, Ela que sublimada à direita do PontíficeEterno com ele no conspecto de Deus “semper vivit ad interpelandumpro nobis”, – não verifica Ela em si o ideal do Sacerdote que todos osdias chama do céu sobre o altar ao mesmo Filho de Deus, que o vê tãosujeito ou mais, se mais é possível, às suas ordens, que o pode tambémsustentar nos braços, embalar no Coração, oferecer a Deus, apresentarà adoração dos homens, que com ele renova o sacrifício da Cruz, quecom ele ora pelo povo medianeiro entre Deus e os homens? E se Mariaa Medianeira universal das graças de Deus, não é também o sacerdotemedianeiro e medianeiro universal? Afinal toda a vida sobrenatural daIgreja ao sacrário se refere e flui do Sacrário num fluxo e refluxo perenee divino: e o sacrário pode lá existir sem o sacerdote?

Nem é Maria menos acabado modelo da perfeição sacerdotal ouconsideremos o sacerdote na preparação, ou na receção, ou no exercíciodas ordens.

Doc. 109 1929-10-17

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394 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

N� � ��� ����� ���� �� � ��������� ���������� � �� ������� ���angélica, o recolhimento todo endeusado, a correspondência à graça eprogresso na virtude sem hesitações, sem intermitências, semdesfalecimento da Cheia de Graça.

Na receção: lembrai a fé que a tornou bemaventurada, a humildadeque do seio do Padre ao seu atraiu o Verbo, o pleno abandono, a vontadede Deus, a virgindade miraculosa, virtudes com que o Espírito Santofabricou e mobilou dignamente aquela morada do Filho de Deus.

No exercício: uma união com Deus contínua que a torna assento daSabedoria e sacrário do Espírito Santo, um zelo incansável que a fazrainha dos Apóstolos, um espírito de sacrifício que vai até ao Calvário ea coroa rainha dos Mártires, uma caridade divina e humana sob ambosos respeitos única, que a constitui rainha dos santos e anjos todos: ah!se o padre todos os dias se revisse neste espelho, se compusesse poreste modelo, copiasse este exemplar!

E se o ideal mais que sublime, é divino, se o modelo é capaz dedesalentar e desesperar os mais generosos, quem assistirá o seminaristana sua formação, quem lhe infundirá, dia a dia, novo alento, quem olevará pela mão nas ascensões árduas e difíceis aos vértices quaseinacessíveis dos Alpes da Santidade? Quem, senão a Rainha do Clero,“a padroeira nata da santidade, da saúde, do saber, como a invocaaquele anjo de inocência por Bento XV, canonizado com o título de“modelo dos seminaristas”?

Ela assitiu Jesus quando no remanso do pequenino seminário deNazaré, sob o olhar materno crescia em sabedoria, idade e graça, diantede Deus e dos homens: Ela, mais ainda e sobretudo, porque é este ofundamento ontológico de ser Maria a Mãe, a protetora, a formadora, aartista nata do sacerdócio. Ela forneceu a humanidade santíssima segundoa qual é, e sem a qual não podia o Verbo ser sacerdote. Ela foi o temploonde se celebrou a função mais grandiosa que nunca viram os séculos, aConsagração pelo Espírito Santo do Sumo Pontífice Jesus. Ela foi oprimeiro altar onde o neo-sacerdote divino principiou o seu holocausto,que com Ela ao lado se havia de consumar no Calvário.

Mas o sacerdócio católico não é senão a permanência através dosséculos do mesmíssimo sacerdócio de Jesus; os que nos formámos paraser ou somos sacerdotes, propriamente não sucedemos ao sacerdotedivino, senão que por Ele vamos sendo sublimados a participar adignidade e a exercer na terra o múnus do seu sacerdócio. Por isso éque Maria gerando-o a ele sacerdote eterno, fornecendo-lhe a vítima,assistindo, sendo o templo e altar da sua consagração e primeiro sacrifício,ficou sendo a mãe daqueles que misticamente se compreendiam, contraiu

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o !"#!$o # o% &%%!%$!" '& %(& # ()&*+o, -o".&*+o # )o'%&/"&*+osacerdotal. É a continuação e exercício da mesma maternidade divina.No seminário–casa de Nazaré, somos crianças, somos Jesus em via deformação: quer-se o conchego do coração materno, quer-se Maria avelar por seus filhos, a velar por Jesus: e ela aí vem, ela aí está que vela!

E ainda quisera acrescentar, Senhores, que para esta missão foi muitosignificativamente escolhida Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Nãodigo só, como até agora, porque sob este título é ela hoje o grandeapóstolo de Portugal, e estes jovens hão-de ser os seus arautos einstrumentos de evangelização; mas porque, Senhora do Rosário, nosmistérios que nos ensina a meditar consigo, compendia a vida dosacerdote, e essa meditação é uma lição, um conforto, um estímuloperene.

Nos mistérios gozosos tendes o gozo e paz tranquila do seminário,onde se nasce para a vocação sacerdotal, onde se combatem as primeiraslutas, onde no recolhimento, no trabalho, na obediência, sob a direçãodos doutores, se forma o futuro Cristo “in mensurum aetatisplenitudinis Christi”.

Nos dolorosos, os goivos e os martírios da Paixão; neles ensina aVirgem a seguir a Jesus do Horto ao Calvário, com a cruz às costas e alioferecê-lo até morrer com ele pela glória de Deus e salvação do mundo.É a vida do sacerdote ao altar onde se imola com Jesus, e fora deleonde se imola por Jesus.

Nos gloriosos, tendes a Igreja que animada pelo Espírito Santo, soba proteção de Maria, enceta a marcha triunfal de propagação atravésdo mundo, numa contínua e gloriosa ascensão e assunção ao céu. Éainda a vida do sacerdote, que animado pelo Espírito de Deus e zelodas almas trabalha por as reconduzir ao Senhor e as subir consigo aocéu.

Venha pois a Virgem do Rosário, venha da sua Fátima a Roma,estabeleça aqui morada permanente e consigo traga mais um penhor debênçãos do céu a este Colégio, a este cantinho de Portugal: seja elamais um laço que o prenda não só a Portugal, mas ao coração de todosos portugueses; nem só ao dos Ex.mos Prelados, que tendo aqui algunsdos seus filhos, aqui terão sempre algumas fibras do coração ou antes ocoração todo, porque a caridade de Cristo os faz todos para todos,mas ao coração de cada um dos portugueses que amam Portugal e arainha e Mãe da Terra de Santa Maria, a Virgem Santíssima do Rosáriode Fátima.

Doc. 109 1929-10-17

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396 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

A01234516 7589:;563 :8<5 =58<56 :45>9:;?289: <5 @:;=1BC>3 65DCdito sem ofensa de ninguém; mas é assim: em cada nação os semináriossão as primícias de seus filhos oferecidos ao Senhor: ora aqui tendes oescol dos Seminários, as primícias escolhidas dentre as primícias eofertadas ao Papa. Aqui, pois, onde tendes o melhorzinho de Portugal,deveis ter o coração.

O Colégio, como está no coração do Padre Santo, devia estar node todos os portugueses. Todos o deviam ajudar e promover. Todosdevem honrar-se de que portugueses frequentem e se distingam naUniversidade que o Papa chama sua, e pela qual vela desde a primeirapedra. Que aqui se formem aos pés de Pedro, como cordeiros prediletosda sua grei. O demais rebanho vai colhendo o pasto por esses pradosférteis da Igreja. Estes cordeiros preferidos recebem-no, por assim dizer,das próprias mãos de Pedro. Vistes no rebanho algum cordeiro preferidopelo pastor, que o quer sempre ao lado, para o qual colhe as ervas maissaborosas, as franças mais tenras, com o qual reparte até do seu minguadofarnel? E o cordeirinho sempre cerzido com o pastor, roça-se-lhe naspernas, dorme-lhe na orla do manto; se o perde de vista, inquieto,saudoso, tremendo por ele, chama com balidos lancinantes.

Tais são e tais devem ser estes seminaristas ao pé do Vigário deCristo.

Aqui se formam – absit invidia verbo! – ou têm obrigação de formar--se mais cristãos, mais católicos, mais apostólicos, porque mais romanos.Aqui bebem as águas mais límpidas, porque as aurem da rocha vaticanadonde brotam; aqui têm o pasto mais salutar, porque escolhido eministrado pelo pastor dos pastores; aqui a fé mais iluminada porqueimediatamente acesa no sol de Pedro; aqui a piedade mais funda porquetudo lhes fala de santidade; aqui o zelo mais ardente porque é a SedeApostólica.

Bem sei que noutras partes se poderiam formar mais desempenados,mais faladores, mais conhecedores por experiência do mundo. Mas, àparte que alguns desses mais num Padre podem não raro ser verdadeirosmenos, é certo que essa tal qual falta é bem compensada por umacréscimo de espírito romano, por mais funda e sentida piedade, porum saber mais sólido, por mais íntimo conhecimento do funcionamentoda Igreja no seu elemento divino, e também o que não é para desprezar,na sua engrenagem humana.

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ÉEFG HIIF JKL M OFIIM PHQHORMSIEMORMT JKL ULVWFOI ILVHOXGHFI Lótimas universidades pontifícias, manda aperfeiçoar em Roma osmelhores talentos; a França tem o seu Colégio regorgitando deseminaristas; os alemães não têm lugar no Germânico apesar derecentemente aumentado; a Irlanda tem o seu Colégio, a Inglaterra dois;a América dois e o Brasil vai levantar um próprio; a Checoslováquiaacaba de inaugurar um enorme; e a Rússia ainda trancada ao catolicismo,já tem o seu magnífico e foi o Papa mesmo que lho construiu.

Nós portugueses, graças à generosidade de ilustríssimos fundadores,a quem a Igreja de Portugal deverá eterna gratidão, nós temos aqui onosso Colégio, que nos honra à face da Igreja, que tem lugar de destaqueno coração do Pai comum dos fiéis, e que na mesma UniversidadeGregoriana, pelo comportamento, pela aplicação e pelos loiros colhidosestá bem conceituado.

Mais o estará ainda dentro em pouco, se puder convenientementedesenvolver-se e progredir; e podê-lo-á, se para ele convergirem todasas simpatias e com as simpatias os auxílios espirituais e materiais dequantos amam a pátria e o seu maior bem e todas as suas glórias.

Ex.mos e Rev.mos Senhores!Senhores!

Daqui a pouco, voltareis ao lar-pátria santificados, reconfortados,contentes; santificados pelo jubileu, reconfortados com a bênção doVigário de Jesus Cristo, contentes com a vossa peregrinação; – e lácontareis a todos das maravilhas de Roma neste ano jubilar, sobretudodas maravilhas que é Pedro vivo em Pio XI.

Não esqueçais de contar também destes seminaristas portugueses,que aqui vistes formando coroa ao Vigário de Jesus Cristo. Eles bemsabem que não são esquecidos da Pátria por quem e para quemtrabalham; mas sentirão conforto nas lides escolares e nos combates davirtude ao pensamento de que são positiva e frequentemente lembrados.

Não os esqueçais principalmente nas vossas peregrinações espirituaisou reais a Fátima. Orando por eles é por vós e pelos interesses vossose dos vossos, que orais. Essas orações subindo como perfumada nuvemde incenso ao Coração da Virgem, descerão em chuva de graças afertilizar este abençoado torrão.

E então que visão magnífica nos oferecerá o futuro!A Virgem do Rosário aqui no seu Colégio, canteiro escolhido do seu

jardim, numa auréola de luz que reflete o paraíso, vestida de neve, símbolo

Doc. 109 1929-10-17

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398 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

dY Z[\]^Y _Y`]\dabYef d] aega_ hYija_ ZY\Y Y b]\\Y Y _a\\i\, a chamar, aconfortar, a ensinar, de mãos erguidas a convidar à oração, com osdedos maternos a desfilar delicadamente pelas contas, rosários de graças,e à volta dela, revendo-se nela, por ela assistidos e ensinados estesalunos, esperanças da Pátria e da Igreja, a multiplicar-se, a crescer, arevestir-se de flores, a carregar-se de frutos da ciência e virtude, e depois,a um aceno da celeste jardineira, a desparzir-los, a mãos cheias, naterra pátria, para saciar a quantos pequeninos por lá choram pedindopão!

Visão de luz!Benditos de Deus e da Virgem quantos contribuirem para a realizar.

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klmn p101929-12-07, Pombal

Carta do Pe. Manuel Marques Ferreira para o Dr. José Galamba de Oliveira1 aresponder a questões relacionadas com os acontecimentos de Fátima, durante operíodo em que foi pároco de Fátima (1914-1919).

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 1138

qrs.mo. Senhor

A respeito do que me pergunta, sou a dizer que a autoridade nuncame escreveu – que eu me lembre.

A respeito de perseguições, só me lembro – 1º - Que em certa noitefoi roubado na Cova da Iria, um quadro, 2 lanternas e uns ramos deazinheira cortados em vários – fazendo-os passar por aquela onde NossaSenhora aparecia – isto foi levado para Santarém onde esteve emExposição, e onde andaram parodiando pelas ruas em procissão. Pareceque não foi alheio a isto Artur de Oliveira Santos. – 2º - Um comício,que foi resolvido em Vila Nova de Ourém, para se realizar em Fátima,às 11 horas, à saída da missa paroquial, de propaganda contra asAparições e a ida dos fiéis à Cova da Iria – tendo eu tido conhecimentodois ou três dias antes, preveni o povo – avisei e mandei avisar às missasda manhã que a missa do dia era na Ortiga, onde fui celebrar. Chegandoos comiceiros à hora da Missa não encontrando ninguém a não ser algum

1 Nasceu no dia 4 de fevereiro de 1903, no lugar de Aldeia Nova, freguesia doOlival, concelho de Ourém. Entrou no Seminário Patriarcal de Santarém, em1914. Após o curso de preparatórios, ingressou na Universidade Gregoriana deRoma, em 1919, concluindo o doutoramento em Filosofia em 1922 e o bacharelatoem Teologia e Direito Canónico. Por falta de saúde, interrompeu os estudos em1924, regressando a Portugal e concluiu os estudos teológicos em 1926, noSeminário Diocesano de Leiria. Foi ordenado presbítero por D. José AlvesCorreia da Silva, a 11 de julho de 1926. Fundou o semanário “A Voz do Domingo”,a 19 de março de 1933. Foi nomeado cónego da Sé de Leiria em 1943 e Monsenhorem 1983. Sempre ligado aos acontecimentos de Fátima, escreveu o livro “Jacinta”(1938), que teve oito edições em português, e “Fátima à prova” (1946). Foi umdos maiores estudiosos e divulgadores da história e do conteúdo da Mensagemde Fátima. Faleceu a 25 de setembro de 1984.

Doc. 110 1929-12-07

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400 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

tuvwxy wz {|}z~tyx�u{�wtyz� �{v{�z��{v{t� �yv}zx�{x�w �wvtut�mandaram vigiar, por guardas, a residência, e porque naquele dia nãovoltei a casa, não me encontraram nem eu os vi; – parece que a casaonde me recolhi aquela noite também foi, de noite, rondada às ordensou complacência de Francisco da Silva, que era o democrático da terra,creio que Regedor também. Não me lembro se nesta altura eraadministrador Artur de Oliveira Santos, creio que sim. – 3º - Recebiuma carta anónima, de pessoa amiga, avisando-me que foi resolvido nachafarica em Santarém (ou não me recordo, em Torres Novas)sequestrar-me de noite e aos videntes, pelo que avisei que não saía denoite, em virtude das ciladas, que me estavam armando, a não ser emcasos extremos quando chamado por pessoas de reconhecida confiançae aos pais dos videntes preveni-os de que se acautelassem e nãoentregassem seus filhos a pessoas desconhecidas ou que não fossemacompanhadas por mim, ou por minha indicação. 4º - Quanto ao raptodas crianças no dia 13 de agosto, vem descrito no meu relatório dasAparições referente ao mês de agosto, que me consta Sª. Ex.cia o SenhorBispo tem em seu poder.

Nada mais me consta de sensacional. As bombas e destruição dacapela não são do meu tempo.

Seu amigo mtº obgo.

Pe. Manuel Marques Ferreira

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���� �111929-12-12, Roma

Carta de João Pereira Venâncio para D. José Alves Correia da Silva, Bispo deLeiria, a acusar a receção da “Revue du Rosaire” e do “Jornal de Macau” que D.José lhe havia enviado. Conta como foi a chegada e a bênção da imagem de NossaSenhora de Fátima, por Pio XI. Informa ainda, que será ordenado presbítero no dia21 de dezembro.

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 1146

���mo Rev.mo Senhor Bispo

Agradeço muito reconhecido o número único da Revue du Rosaire eo Jornal de Macau que V. Exª. Rev.ma quis ter a bondade de me mandar.Aos restantes dei o destino que V. Exª. Rev.ma se dignou indicar. Ojornal de Macau – que tão bem mostra quanto do amor e devoçãoNossa Senhora de Fátima sabe grangear em toda a parte – foi lido nonosso refeitório. Os números da “Revue” dos leirienses já andam acircular. Está muito bem feito e francês toda a gente percebe.

Nossa Senhora de Fátima já está no Colégio. Chegou a Roma nodia 13 do mês passado e ao Colégio na véspera da Apresentação deNossa Senhora. É uma beleza! Todos quantos a viram não se fartavamde a admirar. É tão delicada, tão perfeita e tão cheia de vida que pareceestar a falar com quem a contempla! O Senhor Thedim disse que queriafazer obra tão perfeita, quanto o podiam fazer mãos humanas ajudadaspela graça. Parece que assim foi. Até o Santo Padre – quando a benzeu,o que se dignou fazer no dia 6 deste mês – se deteve a admirá-la. Comoninguém do Colégio pôde assistir, bem a nosso pesar, ainda não sabemoso que é que o Santo Padre terá dito; mas logo que Mons. Reitor tenhaensejo de falar com os Monsenhores que acompanhavam Sua Santidade,já o poderemos ficar a saber. Os empregados do Vaticano não sefartaram de a admirar e elogiar o artista, sobretudo quando lhesobservámos que era toda de madeira, o que, à primeira vista, ninguémsuspeitava, tão finamente ela é trabalhada. O manto, sobretudo, tãonaturalmente caído e tão fino que quase não excede a espessura dummanto natural; as mãos tão delicadas e de dedos tão bem torneados edistintos e o rosto que é todo celeste.

Não sofreu nada na viagem de Portugal para cá, nem nas que fezaqui, pois foi tratada com todo o carinho que merecia.

Doc. 111 1929-12-12

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402 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

� inauguração foi no dia 8, com Missa solene a que assistiu o Sr. Dr.Trindade Coelho1 e Ex.ma Esposa, que fez e ofereceu a toalha do altar.Nós comprámos os castiçais, 10, e flores, tudo por umas 700 liras, quetemos vindo juntando desde que resolvemos arranjar a Imagem de NossaSenhora de Fátima para o Colégio.

De tarde fizemos uma Academia, a que assistiu o Snr. Ministro eEx.ma esposa e quase toda a colónia portuguesa. Saiu-nos a festa maiscara do que ao princípio pensávamos e até, por isso, o Presidente daCongregação Mariana me disse que tinha escrito a V. Exª Rev.ma a pediruma esmola. – Agora esperamos que Nossa Senhora nos continue aajudar como até aqui e ainda mais.

Depois de amanhã irei, se Deus quiser, para os Exercícios Espirituais,preparação para a minha Ordenação de Presbítero no próximo dia 21.

Queria e devia tê-lo participado a V. Exª. Rev.ma, há mais tempo,mas só agora o soube com certeza. Tive de pedir dispensa dos estudose ainda estes dias há-de ser pedida outra, dos interstícios, mas esta émais fácil de obter.

A Primeira Missa cantá-la-ei, se Deus quiser, logo no dia 22, naIgreja de S. Teresa do Menino Jesus.

Peço humildemente a V. Exª. Rev.ma me abençoe dum modo especialno dia em que solenemente vou fazer, nas mãos do Prelado Ordenante,a promessa formal de obediência inteira a V. Ex. Rev.ma. Que NossoSenhor se digne dar-me tudo o que me falta para que venha a ser umsacerdote segundo o Seu Coração.

E peço licença de terminar, renovando os meus profundosagradecimentos, e pedindo a Bênção Episcopal para os três leirienses.

Colégio Português em Roma, 12 de dezembro, 1929

João Pereira Venâncio

1 Henrique Trindade Coelho. Nasceu em 1885. Foi Embaixador na Itália de 27 dejulho a agosto de 1929, passando depois a Embaixador junto da Santa Sé.Faleceu em 1934.

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403

���� �121929-12-13, Atouguia

Carta do Pe. Manuel Bento de Moreira1 para o Dr. José Galamba de Oliveira, aresponder a questões relacionadas com os acontecimentos de Fátima, durante operíodo em que foi pároco de Fátima (1919-1921).

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 1148

��������� �� � ¡ ¢£¤� Meu caro Sr. Dr.

Recebi a sua carta, e, a respeito das informações que me pede acercade perseguições na Fátima, só me lembro do que se deu no meu curtoestádio ali, isto é, em 13 de maio do ano em que este dia coincidiu coma Ascensão, veio uma força de muitas praças da guarda republicana deSantarém que logo apareceu de manhã cedo albergando-se muitos delesque vieram por Ourém, nos moinhos de Fátima, porque nessa ocasiãochovia e trovejava, procuraram a todo o transe desviar os peregrinos deir à Cova da Iria, mas os que iam a pé ludibriavam a vigilância da guarda,indo pelas propriedades e por carreiros e bem me lembro que estandona varanda da residência algumas famílias finas de longe, comendo osseus farnéis pela tarde, foram obrigadas de repente a meter nos seuscestos tudo o que restava das refeições por presenciar no largo da igrejaum começo de alteração da ordem provocado pela tropa que decarabinas nas mãos, empurraram os peregrinos dizendo “vá-se daquiembora”; a um sargento da guarda que a cavalo e de espada em punhopretendeu cortar o pescoço a um homem (creio que da Amoreira ouMontelo) que teve a feliz ideia de escudar o pescoço e cabeça com umvalente guarda chuva que o livrou certamente da morte; entre os soldadoshaviam os bons que eram religiosos como me contou uma senhora queesteve lá em casa e falou com alguns soldados.

1 Nasceu na Atouguia (Ourém), em 1881. Assina o registo paroquial de Ourém, de22 de fevereiro a 21 de março de 1909. Foi pároco de Fátim, entre junho de 1919e novembro de 1921. Faleceu, na Casa de Saúde de Torres Novas, a 30 deagosto de 1965.

Doc. 112 1929-12-13

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404 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¥¦§¨©ª«§¬ ­¬ ®«§¨¯° ­¬¨ ±«§¬²³¬¨ ²¯° ¬ ¨´§ µ´¶· ¬¨¨§¶ ±°¶° ° ±¬¨°das bombas que estoiraram o teto da capelinha; creio que isso se deuno tempo do Pe. Agostinho. Não lhe sei dizer mais nada.

Sempre ao seu dispôr o

Colega e muito amigo

P. Manuel Bento Moreira

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405

¸¹º» ¼131929-12-15, Tuy

Carta de Lúcia para o Pe. José Aparício da Silva sobre vários assuntosrelacionados com ela própria.

Publ: DCF, V-3 - Doc. 1154

½¾½ Tuy, 15-12-1929

Rv.mo Senhor Padre Aparício

Recebi em outubro um cartão, a direção e agora há pouco oscumprimentos de V. Rv.cia que muito estimei e agradeço. Quanto àresposta do Ex.mo e Rv.mo Senhor Bispo foi para mim um golpe bemcustoso, mas que se faça a Santíssima vontade de Nosso bom Deus quena infinita misericórdia achou meio de me animar, fazendo-me saber quecom a sua graça está acendendo insensivelmente nas almas o amor edesejo de reparar o Imaculado Coração da Nossa Santíssima Mãe; omensageiro veio também confirmar-me nisto mesmo pelo que dizia dasComunhões reparadoras nos 1º Sabados; até hoje ainda não recebicarta de sua Ex.ma Rv.ma a qual esperava para participar a V. Rv.cia algumacoisa de importância que me dissesse; já escrevi duas e contra o costumeainda não recebi resposta, na primeira dava simplesmente conta do meuestado; na segunda pedia para Sua Ex.cia impedir que os retratos secontinuassem a propagar e se pudesse ser, se queimassem os existentes.

Agora vou falar-vos do estado da minha alma que tem sido péssimo;só um Deus tão bom e tão cheio de misericórdia e amor e a intercessãode uma Mãe tão terna podem suportar tantas infidelidades e ingratidões.Isto fá-lo-ei conhecer por dois factos um pouco maiores que muitosoutros que me é impossível narrar.

Há já bastante tempo que ouvia falar do jornal de Fátima e acuriosidade de o conhecer era grande; ora o demónio, pois não podiaser outro, encarregou-se de me satisfazer; um dia, entro na rouparia evejo um jornal com o meu retrato por fora em cima da mesa; desdobro--o, Deus inspira-me que ofereça o sacrifício de não ler pela conversãodos pecadores, mas digo, afinal não tem mal que o leia; não li muito;Deus fez-me sentir bem depressa a minha falta, sinto que me faz estas

Doc. 113 1929-12-15

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406 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¿ÀÁÂÃÄÅÆÇÈ ÊÄËÀ ÀÇÅÌ Æ ¿ÁÍÎÀÇÇÆ ÏÃÀ ÐÑÒ Æ ÓÍÇÇÆ ÔÀÄÕÍÁÆ ËÀ ÄÖÍ ×ÕÀnegar nada durante a sua Novena!

Quantos pecadores teria salvado se me tivesse mortificado? E a maiorperfeição? Nosso Senhor como estará agora descontente? O jornal foiimediatamente para o fogão, mas o demónio tinha conseguido já tirar--me a paz mas ainda não estava contente. Aproxima-se de mim umaIrmã e diz-me: ai que horror fui-me confessar e no fim o Senhor Padrenão me faz esta pergunta? (não digo o que foi porque acho que nãodevo). Que horror: a Irmã não deve dizer isso a ninguém. A Irmãreconheceu que fez mal e pediu-me imediatamente desculpa e segredo;assim lho prometi, no entanto a revolta interior, a repugnância que jásentia aumentou a tal ponto que disse comigo mesma: nunca mais voltareia confessar-me; depois começo a pensar se Nosso Senhor gostará destemeu procedimento? Com que tristeza olhará Nosso Senhor hoje paramim? Quantas faltas e não sei se pecados cometi neste dia! É já noite,não há tempo para me ir confessar, amanhã não posso assim ir à SagradaComunhão, vou ficar sem Ela mas que será de mim sem Nosso Senhore logo na Novena da Imaculada Conceição; resolvo fazer o seguinte: demanhã, assim que terminar a missa da Comunidade, aproximo-me daMadre Superiora e peço para ir fora a confessar-me e fazer a SagradaComunhão; ao chegar à Igreja, aproximei-me do primeiro confessionárioque encontrei e confesso era tal a minha aflição que, ao chegar a casa,não soube dizer à Rv.ma Madre Superiora se me confessei a um sacerdoteespanhol, se português. Só sabia dizer que Nosso Senhor me tinha feitoa graça dele me compreender muito bem a mim e eu a ele e de metranquilizar.

Quero dizer-vos que a pergunta acima mencionada para um espíritobem disposto e que não fosse mesquinho como o meu não seria grandecoisa.

Aproveito desde já para apresentar a V. Rv.cia os meus respeitosos esinceros cumprimentos de boas-festas e as preces ardentes que fareijunto do Divino Infante para que conceda a V. Rv.cia e a toda essa casauma cópia abundante de graças e bênçãos do Céu.

Peço humildemente se digne abençoar a mais indigna serva de V.Rv.cia.

Maria Lúcia das Dores r. de S.D.

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ØÙÚÛ Ü141929-12-18, Torres Novas

Carta do Pe. José António da Silva1 para Dr. José Galamba de Oliveira, aresponder a algumas questões relacionadas com as aparições de Fátima.

Publ.: DCF, V-3 - Doc. 1161

ÝÞmo e Revmo. Snr.

Por ter estado doente, e depois com muito trabalho, não tenho podidoresponder à sua carta. Hoje vou resumir o que escrevi e depreendi dosque observaram:

Em 13-V-917 fala a Senhora da guerra, da penitência, recitação doterço, etc., e quer ali na Cova da Iria uma capela.

Em 13-VI-917 fala a Senhora às 3 crianças da instrução e quer queaprendam a ler etc. a boa instrução.

Em 13 -VII-917 fala das modas e vícios e dos remédios e barreirasque se lhes devem opôr.

Em 13-VIII-917 foram as crianças presas e houve a aparição em19-VIII-917 em Valinhos, e trata e fala a Senhora do perdão das injúrias,acarinhando as crianças.

Em 13-IX-917 fala a Senhora às 3 crianças da fé e oração e daidolatria das festas de hoje, e dos andores para Jesus, Maria e José naCova da Iria.

Em 13-X-917. Há os fenómenos do Sol, promessa da paz da grandeguerra, diz a Senhora, que é a Senhora do Rosário e ameaça, se nãohouver emenda, com a peste e houve depois a terrível pneumónica.

Das perseguições: A prisão das crianças levadas para Vila Nova deOurém em 13-VIII-917 e submetidas aos mais rigorosos interrogatórios,já juntas, já separadas, já com carícias e promessas, já com terríveisameaças, com armas para as espetar e com fogo, como aos meninos deBabilónia, chorando por vezes, mas falando sempre das aparições, semnunca se contraditarem, até que as mandaram entregar aos pais, semapurarem nada do que queriam sobre padres e Jesuítas.

1 Pároco de São Tiago, Torres Novas.

Doc. 114 1929-12-18

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408 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ßàáâ ãàVale

Depois, digo, não muitos dias depois, foram profusamente espalhadasfolhas soltas aqui em Torres Novas e noutras terras do país em que oJosé do Vale, orador da maçonaria, dizia mil impropérios contra asaparições, obra dos Jesuítas, que cobria de injúrias, convidando o povoliberal a comparecer no domingo próximo à saída da missa do lugar efreguesia de Fátima para ele, José do Vale, fazer um comício à multidãopara a desiludir. Efetivamente foram intimados toda a polícia de TorresNovas, de Vila Nova de Ourém, de Leiria etc. para nesse dia e a essahora os cabos da freguesia de Fátima, estarem à porta da Igreja deFátima. Era um exército para guardar as costas do José do Vale e doAdministrador de Vila Nova de Ourém! Mas oh espanto! além da polícia,cabos, José do Vale e latoeiro de Ourém, nem viva alma compareceuao convite da folha panfletária! O prior tinha mandado, de véspera, às11h da noite avisar os lugares, que a missa, no dia seguinte, era na capelada Ortiga (para onde foi o povo) e mandado fechar a Igreja paroquial.Logro e deceção.

Receção de Gala

Mas o mais bonito é o que se segue: José do Vale, polícia & Cªjulgam que o povo já está todo para a Cova da Iria. E ei-los lá! Mas ohespanto! Um ratão de bom gosto fez com que todos que tinham jumentosos fossem prender junto à estrada da Cova da Iria, os quais jumentos osrecebam com um zurrar ensurdecedor, sem mais viva alma, que os ouçae aplauda!

José do Vale fala à polícia e aos cabos, junto da carrasqueira. Nistochega o povo da missa da Ortiga a um outeiro próximo e faz uma apupadatremenda! E os burros a azurrar e o Zé do Vale desesperado, que nemum possesso, manda, a berrar, aos cabos prender o povo, os quaiscabos se juntam ao povo e com o povo apupam, e foge o homem nomeio duma algazarra ensurdecedora!!

As crianças mal falam, vem toda a gente; José do Vale com panfletos,e aparato, e o poder do mundo, não tem, não aparecem ouvintes, nemos próprios liberais-maçónicos, só burros e os forçados o escutam!

Santarém:

Satan muda de tática. Agora pelo ridículo. A maçonaria de Santarémanuncia grandes festas da Senhora de Fátima em Santarém e convida opovo a vir esperar os automóveis que tinham mandado à Cova da Iria

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äåæçèé è çèééèæêåëìéè íêåë îìïìèð êåë ëéè ñòîë óñææè ôëòõñéè öìòõèpousado os seus pés; enganaram-se pois a verdadeira lá ficou), os postes,lanternas e outros objetos que o povo tinha ofertado, para depois, ànoite, se fazer como se fez uma procissão aparatosa (parodiando) istocom capas ou opas de panos de apanhar azeitona, farragoilos, lanternas,panos dos mesmos farragoitos, varas do pálio = varas ou varejões devarejar azeitona, cânticos = a ladaínha à desgarrada, e pelo meio, daprocissão em fingido triunfo, os objetos trazidos da Cova de Iria. Aqui eacolá parava a procissão, aparecia um orador empoleirado, com grandeselogios afetados à Senhora de Fátima, com grandes gargalhadas daassistência (que não passava da canalha ordinária e mirones a maiorparte indignados). Até que no melhor da paródia uma mulher, indignada,duma janela lança sobre o magote avinhado a tigela da casa, deixando--os a escorrer em porcaria! Levanta-se em volta, digo, na frente dacasa da mulher toda aquela paródia blasfemando e gritando!... E a mulherfoi no dia seguinte chamada à administração para pagar multa, que elanão quis pagar, sem multarem primeiro os promotores dos insultos àssuas crenças e às do povo português. Fizeram depois uma exposiçãodos objetos que trouxeram da Cova de Iria, com quota de entrada. Sóa canalha lá foi. Santarém indignou-se! Quando foram oferecer o produtoda exposição à misericordia (uma bagatela) o seu digno Provedorindignou-se e que não aceitava o produto dum insulto e duma mixórdiaque indignou toda a gente séria de Santarém! E despediu-os. O diabopaga bem a quem o serve.

Lisboa. A imagem e em volta da imagem.

Em Lisboa, pela maçonaria principalmente, corre o boato que pelaAscensão de 1920, vindo, para Torres Novas, de Braga, uma imagemdas aparições, se faria de Torres Novas à Fátima uma romaria, comessa imagem, em que viriam milhares de automóveis de Lisboa e deoutras partes e com gente a cavalo, em carros, a pé, em centenas ecentenas de milhar, a reação se poria em campo, com milhares de padres,de jesuítas, com centenas de crianças vestidas de anjos etc., se fariauma parada nunca vista igual. Boatos, sem provas, tendenciosos damaçonaria para esmagar ou melhor para obter tropas do governo paraesmagar a reação e destruir de vez a crença nas aparições de NossaSenhora de Fátima. O diabo ainda que tudo isto fosse exagerado acertarano que dizia respeito à imagem; porque uns dias antes da Ascensãochegou a imagem de Braga a casa do Gilberto, que a ofereceu depois.

Doc. 114 1929-12-18

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410 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

÷øù úûü øýþÿûþúøF ��ûþ�øû ù�û�ý�ÿ�ý�ø�F��ý��û�ý úø�ø�ø� ÿûú�üùÿø�daqui a foram ver e admirar. Constando isto logo, o administrador deTorres Novas mandou o Gilberto comparecer na administração paralhe proibir de sair com a imagem, e a casa dele foi cercada de tropapara a imagem não poder saír. Mas saiu! porque o pai do Gilberto meteuno pátio, numa carreta, o caixotim com a imagem, cobriu-a com utensíliosde lavoura e outras coisas agrícolas, passou pelo meio da tropa, fingindoque ia para a sua fazenda, sem ninguém dar pela imagem na carreta. EmFátima meteu a imagem na igreja, na sacristia, onde é benta. Nisto chegaou já tinha chegado cavalaria, infantaria, guarda republicana, que vedamas passagens para a Cova de Iria. Ribombam os trovões e chove a bomchover. O povo reprezado pela tropa, com a chuva, enche a Igreja e ascasas particulares. Tentam alguns passar , há correrias, há espadeiradasaté dentro da igreja e dentro das casas particulares, sobre os que lá serefugiam. Abranda um pouco a chuva. Neste comenos o Gilberto distribuipela tropa e povo milhares de estampas com os dados das aparições.Nisto vem nova trovoada. Os militares todos molhados ouvem a voz docomando que grita: Embora! Meia volta à direita!! Marchar! E é vercomo os militares vão em marcha e com sofreguidão e interesse, vãolendo o relato das estampas! E, sem o dique das tropas, a multidão seprecipita, em massa, na Cova da Iria, onde um outro grosso de tropastinha feito correrias sobre os que tinham ido por caminhos transversais eatalhos – mas que a chuva e a lama já os tinham também obrigado aretirar!

O diabo fica derrotado, em toda a linha!Vem por lã e fica tosquiado!

Capela na Cova de Iria

Sobre a construção da capelinha – sobre as bombas que destruirama capelinha sobre as peripécias do automóvel, das bombas – sobre ainquinação da água do primeiro nascente. Tudo isso e outras perseguiçõessão coisas que o Dr. Carlos e a Voz da Fátima já têm relatado. Maistropas lá vieram mas não me consta que perseguissem o povo.

Por falta de tempo desculpe não passar isto a limpo nem corrigirquaisquer erros ortográficos.

Todo seu muito atº, v.or e m.to ob.go

S. C., Torres Novas 18 de dezembro de 1929.

P. José António da Silva.

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Doc. 1151930-01-01, Lisboa

Artigo do jornal “Novidades” sobre a inauguração de uma nova capela noColégio Português, em Roma.

Publ.: DCF, V-4 - Doc. 1182

C�TAS DA ITÁLIAFÁTIMA EM ROMA

A Festa da Padroeira, no Colégio Português

Quando, em setembro último, os Peregrinos Portugueses aqui vieram,a trazer ao Papa a mensagem de honra da Nação Fidelíssima, o ColégioPortuguês quis dedicar-lhes uma Festa de homenagem, que ficou decertocomo uma das recordações mais gratas dessa romagem, inolvidável àCidade Eterna. Foi uma tarde de encanto e de saudade – uma tardebem portuguesa – como dizia S. Exª Rev.ma o Senhor D. ManuelCerejeira, nas palavras paternais e amigas, que então dirigiu aos alunosdo Colégio. – Mas no meio da alegria franca, íntima e portuguesa, quenessa Festa reinou, pairava nos seus corações uma nuvem ténue demágoa e de tristeza. Adivinhavam-na e compartilhavam-na os romeirosde Portugal. Adivinhou-a e compartilhou-a, quem teve a felicidade desentir vibrar nessa bela tarde, em estos de Amor ao Papa e de Amor àVirgem, a grande alma católica Portuguesa!

É que os rapazes do Colégio Português, enquanto se preparavam,com entusiasmo, para a santa comunhão espiritual que é o abraço amigo,em terra estranha, de gente da mesma terra, – aguardavam ansiosamente,com a ansiedade com que a gente aguarda o abraço terno das nossasmães, a vinda de uma bela imagem de Nossa Senhora de Fátima, ofertagentilíssima do exímio escultor J. Ferreira Tedim. Destinavam-lhe o altarmais rico de uma linda Capela, concluída, há meses, no andar nobre doedifício.

Tudo estava a postos: o nicho para a receber; a saudação filial queem nome do Colégio lhe dirigiria o snr. Dr. Gonzaga da Fonseca; e,sobretudo, o altarzinho dos corações dos portugueses, que vivendoembora longe, se não esquecem nunca de que a Virgem é a Rainha dePortugal...

Doc. 115 1930-01-01

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412 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

U�� � ����� � � ������ ����� ��� �� � ������ � ����������que já não teriam a Senhora de Fátima na Festa da sua Capela nova.Foi por isso que a Capela do Colégio não se inaugurou em Setembro.Foi por isso que na homenagem aos Peregrinos, o luto da Capela pesavaum pouco sobre as almas dos portugueses que vivem em Roma, e dosPortugueses da Romagem Nacional.

* * *Mas a Virgem preparava-lhes uma surpresa, que era um mimo do

Seu terno coração de Mãe... A linda imagem da Senhora de Fátimachegava a Roma nas vésperas da Festa da Imaculada Conceição, aoferecer aos rapazes do Colégio o poema sublime desta simplescoincidência: – no mesmo dia em que, há 75 anos, Pio IX definia aomundo a Conceição Imaculada de Maria, – a Casa de Portugal emRoma – a nossa casa em Roma, como nos dizia Mgr. Cordeiro –consagrava à Senhora de Fátima o altar mais rico desse cantinhoportuguês, – símbolo místico da grande consagração: a consagraçãodas almas de todos os que lá trabalham, à Celeste Padroeira da nossaTerra!

E onde a fria perspicácia dos livres-de-pensar veria apenas a colisãobanal de duas linhas matematicamente estúpidas – a alma, cristã eportuguesa, dos rapazes do Colégio, viu um mimo carinhoso da Bondadematerna da Virgem!

E assim, no mesmo dia em que Roma toda acorria em festa à Praçade Espanha, a cobrir de flores o monumento à Imaculada, flores brancasde Amor, flores brancas de Pureza, – a colónia portuguesa em Roma,tributava à Senhora de Fátima – na Casa que o Papa nos deu – ahomenagem sentidíssima ao Portugal da Imaculada, ao Portugal da Féantiga, ao Portugal do Amor ao Papa.

Não quiseram faltar, na bela Festa do Colégio Português, o nossoilustre Ministro no Vaticano e sua Ex.ma Esposa.

Foi uma grande honra e um prazer gratíssimo, para os rapazes doColégio.

Porque assim, na Festa da sua Capela nova, eles não viam apenas agrande Instituição de que a Virgem é Mestra e Mãe! Eles viam, numavisão de Fé e de saudade que lhes enchia a alma, a representação fidalgado Governo da sua Pátria, e, através dela, o velho Portugal das Quinas,o grande Portugal das Quinas, com toda a sua História incomparável deamor ao Papa, de Amor à Virgem, de Amor a Cristo!

Não há diplomata português, sobre o qual pese tão gloriosamentetoda a nossa epopeia nacional, como sobre o Embaixador distinto na

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�� � �!"! #� $% Vigário de Cristo. Porque – reconheçamo-losinceramente – não há Nação no mundo que tenha amado o Papa comoPortugal.

Íamos quase a dizer: não há Nação no mundo que tenha amado aVirgem, que tenha amado a Cristo como Portugal!

Não é uma hipérbole da retórica; é a afirmação solene de toda anossa “grande e bela História” como dizia o Papa, em setembro último,aos Romeiros de Portugal.

Risquem o nome do Papa do pergaminho sagrado da nossa História:– arranquem o Rosário da Virgem das mãos calosas dos nossosmarinheiros; – apaguem as chagas de Cristo do pendão da nossa Glória;– e a nossa História não mais terá sentido, – e a epopeia das caravelasnão mais será grande, – e a glória das conquistas não será mais nossa!

O Portugal da História – a grande Pátria que cá fora ainda se respeitae ainda se admira, como Pioneiro glorioso da Civilização – é o Portugalda Fé, é o Portugal da Imaculada, é o Portugal do Amor ao Papa, é –podemos já dizê-lo – o Portugal da Senhora de Fátima.

É só esse Portugal que é grande.É só esse – o único verdadeiro – que o nosso Embaixador representa

no Vaticano, e representava, domingo último, na Festa do ColégioPortuguês.

Lá vimos, de manhã, na solene inauguração da Capela, e à noite, nabela sessão académica, em honra da Senhora de Fátima.

Lá estavam também, – além de numerosa representação do ColégioEspanhol, que honra com muito brilho, aqui em Roma, a grande Pátriade Suarez e de Lugo, – quase todos os religiosos portugueses, que têm,nestas festas íntimas, um “perfumado ramalhete de saudades, com quematar as que por cá se sentem”... Nos filhos da Nação irmã, o ColégioPortuguês tinha a Espanha Cristianíssima, de que a Virgem é tambémRainha e Padroeira. Nos religiosos que o sectarismo expulsou da Pátria,o Colégio Português via os obreiros maiores da nossa grandeza nacional,os paladinos devotados do Amor à Virgem.

Ficava assim mais bela e mais completa a consagração do nossoColégio em Roma, à celeste Padroeira da nossa Terra.

* * *Decorreu com muito brilho a sessão solene realizada, à noite, no

salão nobre do Colégio. Executado o hino de Nossa Senhora de Fátima,que a gente ouviu com a alma cheia de saudade, o Rev. A. Ribeiro,Presidente da Congregação Mariana do Colégio, que promovera esta

Doc. 115 1930-01-01

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414 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

a&a'()*a+ ,-./0/&*.0 0) 1-(2( mas entusiástico discurso deapresentação e boas vindas.

Deu-se, em seguida, início ao programa: – magnífico, primoroso. Amúsica foi encantadora. Foi portuguesa, portuguesíssima – sem todaviacaír no faduncho, insuportável sobretudo quando o vestem, como andaagora na moda, dos batuques infernais do jazz-band. – A ScholaCantorum do Colégio, sob a hábil regência do aluno Renato Abreu1,foi ouvida com muito agrado e aplaudida entusiasticamente. Salientaremosde todo o programa, todavia, alguns números que, executados emqualquer parte do mundo seriam um triunfo para os nomes já consagradosque os subscrevem: – os Romeiros que passam, terníssima canção dogrande artista que é Armando Leça; um belo trecho de Artur Ferreira; e– o último número do programa – a Canção de Aveiro de Viana daMota, uma das coisas mais lindas das Cenas Portuguesas do ilustrepianista. A parte literária, preparada sob a direção competente do sr.Dr. Gonzaga da Fonseca, foi também simplesmente primorosa. O alunoJ. Soares da Rocha2 apresentou um belo trabalho, largamentedocumentado, sobre a “Coroação da Virgem na Liturgia Católica”.Evocação sentida das apoteoses triunfais que têm sido todas as coroaçõesda Virgem, ficava bem naquela festa de homenagem à Senhora de Fátima,no grande dia da Imaculada.

Fátima foi, de resto, o tema belo de todos os outros números daparte literária do programa: – uma mimosa poesia de Manuel Nunes3, eum Diálogo encantador de Angelino Barreto4, que os alunos F. Silva5 eJ. Mendeiros6 recitaram com muita alma. Foi um dos números maisapreciados do programa.

E com uma breve mas sentidíssima alocução de Mgr. Reitor, terminavaa bela Festa da Capela nova do Colégio Português, – em que o olharmaterno da Senhora de Fátima será, para todos os que lá vivem, aafirmação perene de que, apesar de tudo, não morreu ainda, não morreránunca, o Portugal Fidelíssimo de Amor ao Papa, o Portugal glorioso daImaculada!

Giovani Pamphili

1 Renato Abreu Castelo Branco, da diocese de Angra.2 José Soares da Rocha, da diocese do Porto.3 Manuel Nunes, da diocese de Beja.4 Angelino de Sousa Barreto, da diocese do Funchal.5 Francisco Maria da Silva, da diocese de Évora.6 José Filipe Mendeiros, da diocese de Évora.

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Doc. 1161930-01-18, Lisboa

Artigo do jornal “Novidades” sobre a festa de inauguração da imagem deNossa Senhora de Fátima, na igreja de Santo Cristo dos Milagres, no Rio deJaneiro [data de redação: 4 de janeiro de 1930].

Publ.: DCF, V-4, Doc. 1220

34456A BORDO DO “NIASSA”

Contam-se histórias... – O culto de Nossa Senhora do Rosário deFátima no Rio de Janeiro e uma igreja muito portuguesa

(Do nosso enviado especial)A bordo, 4 de janeiro de 1930.

Acabei de ler agora algumas estâncias do canto sexto dos “Lusíadas”.Lá encontrei o remédio que os nautas empregavam para tornar doce opor vezes fastidioso tempo da viagem.

E nem só para tornar doce o tempo, mas também para espalhar osono!

Remédios contra o sono buscar querem,Histórias contam, casos mil referem!

Tinham muita razão.Esta continuada vida de bordo sem “algum conto de alegria” traz-

-nos uma soneira insuportável.A maior parte da gente acha melhores os tais contos que os

marinheiros de Quinhentos tinham como maravilhosos...Eu, para me distrair com coisas lindas, não preciso senão de recordar

alguns dos belos momentos que venho de passar no Brasil.Falarei hoje dum desses momentos.Enquanto o rememoro entretenho-me e dou aos leitores um bocadinho

do prazer que senti.Que eu cá sou muito inclinado a repartir pelos outros as maiores

consolações que sinto.A avareza, verse sobre o que versar, é uma coisa detestável.

Doc. 116 1930-01-18

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416 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

78 9:;9;<=:<= >?:@9<= A= B=:<= D89BD E=@?GH8= :D8D:IJ A= KL A=Dezembro – pouco antes do “Niassa” levantar ferro – até à Matriz doSenhor Santo Cristo dos Milagres.

Dou-me por muito afortunado em ter acedido ao convite. Fui láencontrar a primeira imagem de Nossa Senhora de Fátima exposta àveneração dos fiéis no Brasil.

Foi soleníssima a festa da inauguração, celebrada a 9 de junho doano findo.

A imagem é uma bela obra de arte, feita em Portugal. Antes de serenviada para o Rio de Janeiro, foi benzida pelo Senhor Bispo de Leiriae tocada na que se venera na Capela da Cova da Iria.

O bondoso vigário do Santo Cristo, sr. Benzerath, não se conteveao ver-me na sua Igreja, sem mandar chamar os meus bons amigos sr.António Cravo e dr. Fernando Cravo.

E enquanto eles não chegavam, foi-me referindo as benemerênciasdaqueles dois amigos e de suas famílias, que lá longe honram a sua terrae a fé que professam.

Eram eles, disse, quem mais o ajudava e auxiliava no desempenhoda missão paroquial em bairro tão difícil.

A fábrica da família Cravo era ali pertinho. Sem uma tão boavizinhança não lhe teria sido possível fazer o que vem fazendo.

E o bom do sr. Padre, alemão de nacionalidade, estendia os elogiosà Pátria e à terra em que nasceram e a que pertencem os seus valiososcooperadores.

Momentos depois, os irmãos Cravo e o sr. Padre Pedro falavam-meentusiasmados, da festa de 9 de junho.

A procissão das velas foi um encanto e um delírio!Não se coube na Igreja, durante todo o dia.E o culto de Nossa Senhora do Rosário de Fátima está a propagar-

-se extraordinariamente.Foi depois ereta, canonicamente, uma confraria e os associados são

já às centenas.Passámos depois a falar da origem da Igreja e do seu nome.Fica bem, na verdade, o culto de Nossa Senhora de Fátima numa

Igreja de tão belas tradições portuguesas.A devoção do Senhor Santo Cristo dos Milagres começou na Ilha

de S. Miguel, no Arquipélago dos Açores.Nos meados do século XVIII, diz a tradição, aparecera Nosso Senhor,

coroado de espinhos, à beata Teresa da Anunciada, humilde religiosado Convento dos Capuchinhos da mesma ilha.

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SMNOPQRTVWMTOPXYWTPZRNQMW M [OZXY \QMWXR]Y R ^MWOW _QPWXY` WYb Rinvocação de Santo Cristo dos Milagres, espalhou-se não só peloArquipélago como por grande parte do mundo católico.

No ano de 1850, alguns portugueses da Ilha Terceira, que iamfrequentemente ao Brasil fazer carregamentos diversos, impulsionadospelos mesmos sentimentos de gratidão dos seus conterrâneos,deliberaram erigir à beira-mar, uma pequena capela e aí colocaram umacópia da imagem do “Ecce Homo”, em tudo igual à da sua pátria distante.Esta capelinha foi custeada pelos pescadores e marujos a que seassociaram os moradores do lugar. E nesta capela tão simples, que asondas do mar vinham beijar, aos domingos e dias festivos se reuniam osdevotos do Senhor Santo Cristo, solicitando graças e favores para suasfamílias. Os negociantes também ali acorriam, pedindo para serem bemsucedidos nas suas empresas.

Bem hajam esses homens do mar que, fortes na sua crença, gratos àproteção divina, criaram nos seus corações bons e generosos o culto doSenhor Santo Cristo dos Milagres e assim introduziram esta devoçãono Brasil. De tal modo se generalizou, que a pequena capela já nãocomportava o elevado número de fiéis.

Em fins de dezembro de 1857 era constituída a irmandade do SenhorSanto Cristo dos Milagres, tendo o seu compromisso sido aproveitadopelo bispo de então, D. Pedro Maria de Lacerda, e confirmado pelacarta imperial de 15 de janeiro de 1858.

Em 29 de julho de 1873, com toda a pompa e solenidade, aIrmandade deu início à construção da nova capela, que é hoje a atualigreja de Santo Cristo, nos mesmos terrenos em que foi edificada aprimeira capelinha. A primeira pedra foi benzida pelo bispo-conde,capelão-mor, com assistência dos imperadores. A sua construçãoterminou no ano de 1879, tendo sido benzida em 13 de julho, dessemesmo ano, pelo padre José Herculano da Costa Brito.

Em 15 de agosto de 1901 foi a capela do Senhor Santo Cristo elevadaà categoria de igreja matriz, por decreto do sr. D. Joaquim Arcoverde,atual cardeal, então arcebispo Metropolitano de S. Sebastião do Rio deJaneiro, sendo para esse fim cedida pela Irmandade.

E aqui têm os leitores um resumo do que ouvi na manhã de 26 dedezembro, na Igreja do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Em todo oBrasil estamos quase que como em Portugal.

Todavia pareceu-me que dentro daquela igreja, fundada porportugueses, diante da imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima,a diferença era ainda muito menor. M. C.

Doc. 116 1930-01-08

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418 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 1171930-03-05, Leiria

Carta de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, para o Dr. Luís Fischer,a enviar o trabalho sobre as perseguições a Fátima e a responder a um conjunto deperguntas sobre as aparições.

Publ.: DCF, V-4 - Doc. 1332cdefegh i jdkgflm jd nopq

Rev.mo Senhor

Recebi a carta de V. Rev.cia de 22 de fevereiro. Muito obrigado.Em nome da Santíssima Virgem agradeço a V. Rv.cia todos os

trabalhos que tem tido e a propaganda que tem feito da glória da Mãedo Céu.

A história das perseguições a Fátima vão com esta carta. Vouresponder às perguntas que me faz.

1) A Lúcia, hoje religiosa é a única vidente viva, aludiu a um segredoque a Santíssima Virgem lhe declarou. Não me disse, nem eu insisti.

2) A água não tem relação com as Aparições. Como ali não haviaágua, era preciso fazer obras, mandei abrir um depósito para recolher aágua das chuvas. A 1m de profundidade apareceu a água que nunca

1 Nasceu em Munique, Alemanha, no dia 30 de maio de 1890. Sacerdote, foiprofessor de História da Igreja e de Patrologia na Universidade de Bamberg, naAlemanha. Tomou conhecimento dos acontecimentos de Fátima, através de umartigo de “L’Osservatore Romano” de 3 de junho de 1928. Esteve presente, emFátima, na peregrinação de 12 e 13 de maio de 1929. Desde aí escreveu artigose proferiu conferências sobre Fátima. Em 13 de outubro de mesmo ano fundou,em Munique, o grupo “13 de Munique” que se dispôs a fazer, todos os dias 13,uma peregrinação penitencial ao Santuáriode Maria Eich. Em 1931, fundou a“Fatima-Verlag”, editora responsável pela publicação de alguns dos seus livrose da revista “Bote von Fatima” (Mensageiro de Fátima). Em 1929, 1932 e 1935esteve em Fátima, onde procedeu a rigorosas investigações sobre o assunto e,em resultado delas, escreveu diversas obras sobre Fátima: “Fátima, a LourdesPortuguesa” (1929), “Fátima à luz da autoridade eclesiástica” (1931); “Jacinta, aflorinha de Fátima” (1934); “A mensagem de Nossa Senhora de Fátima” (1937).Em 1935, assistiu à trasladação dos restos mortais de Jacinta Marto, para ocemitério de Fátima. Visitou Fátima, pela última vez, no Verão de 1954, vindo afalecer, em Bamberg, no dia 3 de janeiro de 1957.

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rstu vswxyz{|yry}s~z�wsury}xs}�su�uu�}�tswr�}x� �sw���tsu }�y��água e como coincidiu com a celebração da primeira Missa que autorizeino local, daí a devoção do povo.

3) O lugar da primeira Aparição foi onde está a pequena Capelaerguida pelos fiéis e que guarda a imagem de Nossa Senhora de Fátima;

4) Ouvi falar de aparições à Jacinta, quando estava no hospital emLisboa onde morreu, mas nada sei de positivo;

5) Nunca falei com a Jacinta que tinha falecido quando vim paraBispo de Leiria;

6) A sentença canónica será talvez este ano, mas não está aindaresolvido.

Todas as informações que V. Rv.cia deseje e lhe possa dar, com todoo gosto as envio.

Encomende-me às orações de V. Rv.cia e peço à Santíssima Virgemo proteja.

De V. Rv.cia

servo em J. Cristo

† José, Bispo de Leiria

Doc. 117 1930-03-05

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420 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 1181930-03-23, Roma

Carta de Joaquim Carreira para D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria,acerca das suas impressões sobre a propaganda de Fátima que se faz na Itália.

Publ.: DCF, V-4 - Doc. 1372

����������������Via Banco S. Spirito, 12ROMA

Ex.mo e Rev.mo Sr. Bispo:

Sinto hoje um prazer especial ao escrever a V. Ex. Rev.ma, pois estoucerto que esta carta há de levar muita alegria e satisfação ao coração deV. Ex.cia.

Até que enfim, sempre conseguimos arranjar algumas fotografias,que poderão dar uma ideia bastante aproximada da beleza da nossaimagem da Senhora de Fátima. A fotografia, que o Sr. Dr. Valente deveter mandado a V. Ex.cia, assim como também mandou para o colégio,está muito bem tirada como fotografia; mas, infelizmente não dá ideia daimagem. Destas, mesmo, a que mais se aproxima é o nº 12, que foitirada no dia 7 de dezembro passado, já depois das Ave-Marias; é porisso que ficou tão escura. As outras também não estão mal, como vê.Tudo isto é obra do nosso querido Sr. P. Fonseca. Nossa Senhora deFátima vai sendo cada vez mais conhecida e amada cá por estas paragens.

Nem admira. Porque, aumentando os bons Apóstolos,necessariamente hão de aumentar também os convertidos. A remessada “Voz da Fátima” engrossou um bocado. Ficámos muito contentescom o “Secretário de Nossa Senhora”. Mas não bastava ainda; porque,nesta Babilónia de línguas, o português, posto que seja ainda bastanteconhecido, não pode passar por uma língua universal. Era esta a nossadificuldade, que por enquanto nos parecia insuperável. Em boa hora,porém, teve V. Ex.cia a abençoada lembrança de nos mandar algunsexemplares da “Revue du Rosaire”. Agora sim, que já podemos corrermeio mundo!...

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����� ������� � ����� ���.do P. Venâncio mandou vir de Françamais 28 exemplares da mesma revista. Da Alemanha mandámos vir 13(coincidência curiosa...) exemplares do livro do Dr. Fischer. Eram maisquarenta e tantos bons missionários, que entravam em campo. Comoera de esperar, o incêndio não tardou a manifestar-se.

V. Ex.cia não levará a mal, que eu me detenha um pouco a contaralgumas impressões sobre a propaganda de Fátima, que por aqui se faz.

Num Colégio de Salvatorianos austríacos, aqui em Roma, leu-se norefeitório o livro do Dr. Fischer, que causou a melhor impressão no meiode todos, começando já alguns deles a pedir-nos fotografias para ilustaros artigos, que querem escrever sobre os acontecimentos de Fátima.

Um dia, à saída da aula, aproximei-me de um holandês, já meuconhecido, e falei-lhe de Nossa Senhora de Fátima, passando-lhe paraa mão a “Révue du Rosaire”. E como ele não tinha grande dificuldadeem entender o português escrito, levei-lhe também, pouco depois, “AsGrandes Maravilhas de Fátima”. Ficou muito contente, e prometeuescrever alguns artigos sobre Nossa Senhora de Fátima numa revistasemanal, publicada na Holanda pelos padres da Congregação do VerboDivino, a que o mesmo pertence. Falou-me também numas estatuetasde Nossa Senhora de Fátima, que uma fábrica pertencente a essaCongregação tinha posto no mercado alemão.

Doutra vez, estava eu muito sossegado no quarto, quando me bate àporta o Rev.mo Sr. Vice-Reitor a pedir santinhos de Nossa Senhora deFátima e qualquer coisa escrita sobre as aparições. Era a Madre geralde umas freiras polacas, que mandava ao Colégio a pedir informaçõessobre os acontecimentos de Fátima. Levaram dois exemplares da“Revue” e quantos santinhos havia à mão, que, por sinal, já eram bempoucos. Depois disso, já cá vieram várias vezes a pedir mais revistas,que queriam mandar para a Polónia, dizendo que lá não se conheceNossa Senhora de Fátima. Por causa destes pedidos já se mandaramvir mais exemplares.

Um polaco muito meu amigo, pertencente a uma espécie deCongregação de sacerdotes, que se dedicam de um modo especial àboa imprensa, está preparando um artigo para publicar na Polónia emmaio, porque passa então o aniversário da primeira aparição. Estemesmo, falando-nos de Fátima, depois de ter lido a “Revue” e o livrodo Dr. Fischer, dizia-nos: “Mi piace molto questa benedeta Madonna diFatima!...”.

Um outro polaco, da Congregação da Ressurreição, está traduzindoum artigo que, sobre as Aparições de Fátima, acaba de ser publicado

Doc. 118 1930-03-23

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422 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

��  ¡¢£¤¥�¦¡�¤�§ ¨©¥¡§§�ª�¥«¥£��¬ ­ ® ¯°® ®±£²£�§ ³�¤ ²®�¯ ¡¯�´µ¡¤marianas de Itália – artigo, que será continuado no número seguinte.

Atualmente estamos preparando três artigos, que devem serpublicados numas revistas da “Obra Cardeal Ferrari”, editadas emBolonha.

Os leirienses acabámos de constituir uma sociedade (deresponsabilidade limitada) e vamos fazer uma edição de estampas deNossa Senhora de Fátima, em fotografia. A tiragem desta primeira edição,que é mais a título de experiência, será de 1500 exemplares, e serãovendidos a trinta ou trinta e cinco centésimos cada um; ou seja a 30 ou35 liras o cento. Baratinhos, como vê, comparando com os que aí vendea casa “Estrela dos Peregrinos”, que custam nada menos que 1$00 cadaum. O ganho, que houver, servirá para ajudar a pagar uma coleção deumas setenta fotografias, que pedimos ao Rev. Pizarro. Afinal, é umareprodução, em ponto maior, da coleção dele. Estas fotografias servirãopara ilustrar umas conferências de propaganda de Nossa Senhora deFátima, que o nosso dedicadíssimo Sr. P. Fonseca se propõe fazer nosalão do Instituto Bíblico durante as férias da Páscoa. Oxalá que essasconferências sejam muito concorridas, como, aliás, é de esperar,tratando-se de um assunto destes, e por demais, ilustrado com projeçõesluminosas.

Segundo nos consta, um lente da faculdade de Filosofia, tambémempregado na redação da “Civiltà Cattolica”, está pensando num artigosobre Fátima, que publicará no fim deste ano escolástico – lá para Agosto.E talvez que este mesmo professor por aí apareça neste verão; pois, seme não engano, irá também ao congresso do Apostolado da Oração.

Tomo agora a liberdade de narrar a V. Exª. uma das aventuras maiscuriosas da minha vida. É o seguinte:

No dia 8 do corrente, quando chegámos ao Pincio depois das aulasda tarde, encontrei ali sentado um Padre oriental cuja figura e hábito meimpressionaram profundamente. E, não sei porquê, senti-me tentado air ter com ele e falar-lhe em Nossa Senhora de Fátima. Comuniquei estepensamento aos colegas, e todos tomámos o caso a rir, dizendo queera uma ideia extravagante como tantas que vêm à cabeça de rapazesnovos. Mas tomando o ponto mais a sério, e não fazendo caso da únicadificuldade, que teria pela frente – a questão da língua, que ele falaria –aproximei-me, pedindo-lhe desculpa e perguntando-lhe em italiano seele falava italiano ou latim. Respondeu-me que não, em Francês. Claroestá que não tive outro remédio, senão ir arranhando o meu francês,conforme pude. Quem havia de ser este sacerdote? Um Arquimandrita

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¶· ¸¹º»¼½º¼¾º¹¿À½Á Â÷ ·»¼Ä ·ÅƹŽ ¼Ç½È½Àɽº¶¹ º½ ʹ¶¾Ë¾Ê½Ì͹ ¶¹código para a Igreja Oriental. De Roma voltará para a Suíça, onde vivehabitualmente, não podendo tornar a Constantinopla, visto ser umperseguido dos turcos, que o matarim, se o lá apanhassem. Era cismáticoe converteu-se há quase dois anos, entrando na Igreja Católica. Falei--lhe em Nossa Senhora de Fátima de que ele não conhecia nada, eprometi mandar-lhe a “Révue du Rosaire”, o que fiz, mandando-lhejuntamente o livro do Dr. Fischer e uma fotografia da imagem de Fátima.Ficou contentíssimo, e desfazia-se depois em agradecimentos, nãoduvidando que Deus é que me tinha mandado ir ter com ele, para lhefalar de Nossa Senhora de Fátima, de que ele não conhecia nem, sequer,o nome. Já veio ao Colégio visitar a nossa linda imagem, gostando muito.Dei-lhe também um exemplar de as “As Grandes Maravilhas de Fátima”que me pediu um rapazinho português das suas relações que se encontrana Suíça num sanatório de tuberculosos. Levou também o artigo, sobreas aparições de Fátima, ultimamente publicado na “Stella Matutina” aque atrás me referi, e disse que o ia mandar à família real da Grécia, quese encontra exilada em Florença, e cujos membros apesar de seremcismático ferrenhos são muito devotos de Nossa Senhora.

Prouvera a Deus, que, por intercessão de Nossa Senhora do Rosáriode Fátima, essa nobre família seguisse o exemplo deste arquimandrita,entrando também na Barca de S. Pedro – sujeitando-se ao único Pastordo rebanho de Cristo, ao Pontífice Romano...

Havia muito mais que dizer continuando na mesma ordem de ideias,mas como esta já vai tão longa, forçoso é pôr ponto no discurso.

Antes porém, de terminar, quero pedir a V. Exª mais alguma coisa. Éque nós precisamos muito de fotografias para ilustrar os artigos a queme tenho referido. Por isso, peço a V. Exª o favor de dar ordens, paraque nos sejam mandadas bastantes fotografias, e o mais breve possível,se entender que elas poderão concorrer alguma coisa para tornar NossaSenhora de Fátima mais conhecida e mais amada por esse mundo além.

Permito-me apontar algumas de preferência: As que veemreproduzidas na “Revue du Rosaire” a págs. 13, 15, 25, 32, 34, 35, 36,37; a gravura reproduzida na capa de “As Grandes Maravilhas de Fátima”;e outras neste género, que são as que impressionam mais estesestrangeiros sempre muito exigentes. Talvez não ficasse mal tambémuma ou outra dos monumentos históricos da região, especialmente daBatalha.

Por agora, precisava também de um exemplar de “As GrandesMaravilhas de Fátima” para um sacerdote de Módena, muito meu amigo,

Doc. 118 1930-03-23

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424 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÎÏÐ ÑÒÓÔÐÕÐ ÑÒÓÑÖ×ÖÒ, o mais que puder, a devoção à Senhora doRosário de Fátima na sua Diocese, para onde retira já este ano, depoisda Láurea de Teologia.

Finalmente queira V. Exª Rev.ma perdoar e não ter em conta as muitasincorreções, que, sem dúvida, há-de ter encontrado no português tãomal alinhavado, que acabo de escrever.

A festa de S. Pedro no dia 19 p.p., foi muitíssimo concorrida, edecorreu com um entusiasmo extraordinário. O S. Padre, à saída, iamuito comovido com toda aquela manifestação de simpatia e de amor,que se acentuava cada vez mais. Ao fundo da Basílica era um delírio, aponto de o Papa se levantar na Sede Gestatória para abençoar o povomais uma vez, e despedir-se com o gesto de uma pessoa que se afasta.

Como isto faz bem à nossa fé, Senhor Bispo!...E, para concluir, não me resta, senão prostrar-me aos pés de V. Exª

Rev.ma e implorar da bondade do seu coração uma bênção particular,não só para mim, mas para os três leirienses.

ROMA, 23 de março de 1930

Joaquim Carreira

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Doc. 1191930-04-01

Aprovação de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, à ediçãoportuguesa do livro do Dr. Luís Fischer “Fátima a Lourdes Portuguesa (Impressõesde Viagem)”, Lisboa, Tip. União Gráfica, 1930. Tradução da 2ª edição pelo Pe.Sebastião da Costa Brites.

Publ.: DCF, V-4 - Doc. 1387

ØÙÚÛÜAÇÃO DE S. EXCª REVMªO SENHOR BISPO DE LEIRIA

Ao aparecer a versão das impressões da viagem a Fátima do Snr.Dr. Luís Fischer, ilustre professor da Universidade de Bamberg, naBaviera, devo, como Bispo da Diocese de Leiria, – a mais pequeninade Portugal e, por isso mesmo, escolhida pela Santíssima Virgem paramanifestar a sua glória – referir-me à expansão do culto de Nossa Senhorada Fátima nos países germânicos.

O Snr. Doutor Fischer foi o instrumento de que a Providência divinase serviu para divulgar em nações tão diversas da nossa – pelos costumese língua – a caridade que a excelsa Padroeira da nossa terra teve paraconnosco.

A primeira edição do livrinho do Snr. Doutor Fischer de 10.000exemplares consumiu-se em 4 meses. A segunda de igual tiragemaparecerá no meado de abril!

Qual a razão de um tal sucesso?A meu ver é a devoção do ilustre autor para com Nossa Senhora e o

atrativo com que apresenta as suas impressões.O erudito Professor veio à Peninsula Hispânica, seguindo na esteira

dos antigos peregrinos bávaros, ao Célebre Santuário de Santiago deCompostela. De caminho foi revolvendo os tesouros que a Espanhaconserva nas suas ricas bibliotecas.

E porque tinha ouvido uma leve referência à Senhora de Fátima,perguntava?

– Onde é a Fátima?Ninguém lho soube dizer.À semelhança dos magos que partiram do Oriente guiados por uma

estrela e inquiriam: “onde está o Rei dos Judeus, que é nascido?” (Mat2, 2), assim o piedoso peregrino veio de terra em terra perguntando –onde era a Senhora da Fátima? – até que Santiago, o bom Apóstolo, oguiou e dirigiu à Cova da Iria.

Doc. 119 1930-04-01

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426 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÝÞß àááßáâßã ä åæàçèé êéæéåæßçàëìí èéîàßí èí àçí êàááàèíïO seu livro dá-nos conta da impressão profunda que lhe causou a fé

do povo português.Viu no culto à Santíssima Virgem de Fátima o meio de avivar a crença

e derreter o gelo das almas presas pelo protestantismo na sua Pátria.A atividade que o erudito Professor tem desenvolvido em conferências

com projeções luminosas, artigos de jornais, revistas e discussões, éadmirável.

Este entusiasmo transbordou da sua Alemanha e espalhou-se pelaHolanda, Áustria, Checoslováquia, Jugoslávia, Roménia, etc.

E como a Santíssima Virgem tem abençoado os seus trabalhos!...Basta dizer que já em diferentes centros da Alemanha, santas almas

passam as noites de 12 para 13 de cada mês em adoração diante doSantíssimo Sacramento terminando pela Sagrada Comunhão em uniãoespiritual com os atos de piedade que se realizam nas peregrinações daFátima!

Várias pessoas aprendem o português para poderem ler a “Voz daFátima”, o pequenino órgão do Santuário cuja tiragem tem atingido cemmil exemplares e que está encarregado de levar por todo o mundo oconhecimento das graças que a Santíssima Virgem tem concedido aonosso Portugal.

Como são inspiradas as quadras que o ilustre poeta e servita Snr. Dr.Afonso Lopes Vieira1 compôs para a inauguração da sua capelinha, emS. Pedro de Muel e peço licença para aqui transcrever:

Bendita seja nos Céus e na TerraSanta Maria, que, para nos salvar,falou em Fátima aos zagais da serrae a Quem ora, reza e canta o mar.

1 Escritor português nascido em Leiria a 26 de janeiro de 1878. Ainda em criançafoi viver com os pais para Lisboa, mas nunca perdeu o contacto com a regiãoonde nasceu. Durante o verão residia em S. Pedro de Muel. Deixou váriasobras: Poesia - Os versos, Onde a terra se acaba e o mar começa; Teatro -Auto da Sebenta e Rosas Bravas; Romance - A paixão de Pedro o Cru;Conferências e estudos: - Demanda do Graal e Nova Demanda do Graal. Em1929, escreveu a letra do cântico Avé de Fátima. Faleceu, em Lisboa, a 25 dejaneiro de 1946.

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ðñòóôõö ÷ñøö ùñúö òûüö ýþöÿöque arde nas almas, já livres do mal;bendita pela Pátria que Ela amae pelo amor que Lhe tem Portugal.

Ó Formosa, ó Piedosa, ó Mãe, ó Estrela,Senhora nossa, alta e divina flor;Seja por Ti cada alma pura e bela,Avé Maria, em teu Divino Amor!

Leiria, abril de 1930

† José, Bispo de Leiria

Doc. 119 1930-04-01

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428 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 1201930-04-13

Relatório da Comissão Canónica Diocesana sobre os acontecimentos de Fátima.

Publ.: DCF, II - Doc. 9 (neste documento usou-se uma numeração própria. Asfolhas1 a 3 estão em branco. Por isso o documento inicia-se na fl. 3v).

[��� Os videntes e os inquéritos oficiais

In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen.

Na manhã do dia 13 de maio de mil novecentos e dezassete, a cercade dois quilómetros e meio da igreja paroquial de Fátima, concelho deVila Nova de Ourém, distrito de Santarém, na direção do oeste, a margemda estrada distrital, num sítio vulgarmente chamado “Cova da Iria”, trêscrianças apascentavam um pequeno rebanho. Eram duas meninas e umrapaz. A mais velha das meninas, que tinha dez anos de idade, chamava--se Lúcia de Jesus e a mais nova, apenas com seis anos1, Jacinta Marto.O nome do rapaz, de nove anos, era Francisco Marto. Moravam emAljustrel, uma das quarenta aldeias da vasta freguesia de Fátima, e umadas mais próximas da igreja e do presbitério. O Francisco e a Jacintaeram irmãos e a Lúcia sua prima coirmã. Os pais desta foram Antóniodos Santos, que faleceu no ano seguinte2, e Maria Rosa dos Santos, eos daqueles Manuel Pedro Marto e Olímpia de Jesus Marto. As criançaspossuíam uma instrução religiosa muito rudimentar, tendo só a Lúciafeito a sua primeira Comunhão. Nenhuma delas sabia ler e escrever.Aproximava-se a hora do meio-dia solar. A devoção mais querida naquelaregião é a recitação do terço do Rosário. É rara a família, cujo chefe, ànoite, depois da lida dos campos, não reze o terço juntamente com osseus, antes da ceia que é a refeição principal. As três crianças, como eraseu costume, rezaram o terço em comum, e depois puseram-se a fazeruma casa em miniatura, servindo-se para isso das pedras soltas quehavia em grande abundância no local, como há quase por toda a partena serra de Aire. De repente, um relâmpago, de luz viva e brilhante,

1 Jacinta tinha já sete anos (nasceu a 11 de março de 1910, data oficial; cf. Doc. 1,nota 5).2 António dos Santos faleceu, dois anos depois, a 31 de julho de 1919.

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s����� � �s���As crianças suspenderam o seu entre-[4]tenimento eolharam admiradas para as alturas. O céu estava diáfano e sem nuvens,não soprava a mais leve brisa e o sol brilhava em pleno zénite. Nãoobstante, a Lúcia convidou os primos a retirarem-se sem demora paracasa, com o receio de que se desencadeasse alguma trovoada. Elesacederam sem relutância e todos três puseram-se a tocar o gado pelaencosta abaixo. Ao chegarem ao ponto, onde se encontra atualmente aprimeira fonte, veem fuzilar um novo relâmpago e, a poucos passos dedistância, de pé sobre uma pequena azinheira, no sítio onde mais tardefoi erigida a capela das aparições, um vulto de Senhora bastante nova,de incomparável formosura. Assustadas com a inesperada aparição, ascrianças tiveram vontade de fugir e preparavam-se para isso, masconteve-as um sinal da Senhora, que disse que não tivessem medo,porque não lhes fazia mal. A Aparição parecia não ter mais de dezoitoanos de idade. O vestido era duma alvura puríssima de neve, assimcomo o manto, orlado de ouro, que lhe cobria a cabeça e a maior partedo corpo. O rosto, duma nobreza de linhas irrepreensível e que tinha umnão sei quê de sobrenatural e divino, apresentava-se sereno e grave ecomo que toldado duma leve sombra de tristeza. Das mãos, juntas àaltura do peito, pendia-lhe, rematado por uma cruz, um lindo rosário,cujas contas, brancas de arminho, pareciam pérolas. De todo o seuvulto, circundado dum esplendor mais brilhante que o do sol, irradiavamfeixes de luz, especialmente do rosto, duma formosura impossível dedescrever e incomparavelmente superior a qualquer beleza humana. Entrea Aparição e a Lúcia travou-se um diá-[4v]logo que durou cerca de dezminutos. A Aparição convidou as crianças a voltarem lá todos os meses,no dia treze, até outubro seguinte, assegurando que no último dia lhesdiria quem era e o que queria. No dia quinze de outubro, o então párocode Fátima, rev.do Manuel Marques Ferreira, enviou a Sua ExcelênciaReverendíssima o Senhor D. João Evangelista de Lima Vidal, arcebispode Mitilene e governador do Patriarcado de Lisboa, durante o desterrode Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca, D. António Mendes Belo,um ofício em que lhe comunicava o que de extraordinário se estavapassando na área da sua freguesia e pedia instruções sobre a atitude atomar em face dos acontecimentos. Em resposta a esse ofício, recebeuo pároco outro, do Excelentíssimo Governador do Patriarcado, datadode três de novembro seguinte, em que lhe ordenava que procedesse aum inquérito consciencioso sobre os factos ocorridos, ouvindotestemunhas fidedignas e principalmente as crianças que se diziamfavorecidas com graças singulares do Céu. Ao mesmo tempo, o Vigário

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d� ���� d����� ���.do Joaquim Vieira da Rosa, era convidado peloSenhor D. João a proceder a um inquérito semelhante. Em vinte e oitode abril de mil novecentos e dezanove, o reverendo pároco enviou aoSenhor Governador do Patriarcado um ofício que acompanhava orelatório de dezoito folhas, e em que dava conta do grande concurso deperegrinos ao local das aparições e da continuação da crença e devoçãodos fiéis. No dia onze de novembro de mil novecentos e dezassete, já ovenerando Vigário da Vara de Porto de Mós se havia desempenhadodo encargo que lhe confiara o venerando Prelado, enviando osdepoimentos de várias testemunhas fidedignas, acompa-[5]nhados dumofício. Como consta do relatório paroquial, as aparições eram seis, todasno dia treze de cada mês, desde maio a outubro, exceto em agosto, emque se realizou alguns dias depois, segundo parece, no dia dezasseis3,por terem sido presos os videntes no dia treze, pela autoridadeadministrativa. Reproduz-se aqui, em resumo, o relato das aparições.

A Senhora diz que o seu lugar é o Céu, promete a felicidade eternaàs três crianças, comunica-lhes um segredo que a ninguém poderãorevelar, ensina-lhes uma pequena oração4, recomenda a Lúcia queaprendam a ler, manda que todos rezem o terço, para que a guerraacabe, anuncia o aparecimento de Nosso Senhor, de S. José com oMenino Jesus, de Nossa Senhora sob as invocações do Rosário, doCarmo e das Dores, recomenda de novo a recitação do terço, declaraque a guerra acabava brevemente e no último dia afirma que NossoSenhor está muito irritado com os pecados dos homens, suplica quenão O ofendam mais, insiste mais uma vez em que rezem o terço, declaraque ela é a Senhora do Rosário e ordena que se edifique ali uma capelaem sua honra. O depoimento da Jacinta confirma, dum modo geral, odepoimento da Lúcia, assim como o do Francisco, que contudo só via aSenhora, não ouvindo nada do que ela dizia a sua prima.

Sinceridade dos videntes e verdade das suasdeclarações

Consideram-se reproduzidos aqui o relatório do inquérito paroquialos documentos n° 7, 8, 9 e 10, isto é, a coleção da “Voz da Fátima”, e

3 Segundo declaração do pároco de Fátima, no interrogatório de 21 de agosto de1917 e no Processo Paroquial, concluído a 28 de abril de 1919, a aparição de foino dia 19 de agosto, domingo, nos Valinhos.

4 Jaculatória: Ó Meu Jesus perdoai-nos...

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o� ����o� ������ !" #o� $%o#o�&o'()%�" ������ " & � #o��(*�%���+,%Lourdes” von Hochschulprofessor Dr. Ludwig Fischer, e “As grandesmaravilhas de Fátima”, pelo Visconde de Montelo. Se se provar que ascrianças eram sinceras e que não [5v] se enganaram, há o dever moralde admitir o seu testemunho e de crer na realidade sobrenatural dasaparições. 1° Não se pode duvidar da sinceridade das crianças. Comopodiam desempenhar uma comédia três crianças simples e ignorantes,uma de dez anos de idade, outra de nove e outra de seis5? Como podiammanter as suas afirmações, apesar das ameaças que lhes faziam, dasperseguições de que foram alvo, e da prisão que sofreram? Nenhumadas crianças sabia ler na ocasião em que se deram os acontecimentos ea sua inteligência não era superior à das outras crianças da sua idade.Evidentemente não eram cabeças onde pudesse germinar o gigantescodesígnio de mistificar toda a gente.

De resto, que fim podiam ter em vista com uma mentira tãoinverosímil? Não pretenderam aproveitar-se das suas visões, nem mesmopara satisfazer a sua vaidade. Elas não falavam nesse assunto senãoquando eram interrogadas. E até um facto constatado por muitas pessoasque elas fugiam e se escondiam não raras vezes, quando eram procuradaspara serem submetidas a interrogatórios.

Se se prestavam a isso, e então faziam-no de boa vontade e com amaior candura e singeleza, era unicamente para obedecerem a seus pais.O desinteresse que manifestavam e que aliás era próprio de crianças dasua idade excluía absolutamente toda a suspeita de intenções gananciosas.Suas famílias, que são abastadas, não permitiriam tão pouco que elasrecebessem dádivas valiosas. A treze de setembro, depois da aparição,um cavalheiro espanhol, que estava presente, ofereceu a Lúcia umapequena medalha de metal branco de pouco valor que ela a princípionão queria aceitar, supondo que era uma moeda de prata. Portanto,nem o amor próprio, nem a ambição, podiam ter induzido as crianças aprocurar o papel que desempenharam, ainda quando, o que eraimpossível, semelhante [6] ideia tivesse germinado nos seus pobrescérebros, inquestionavelmente incultos e acanhados. Inúmeras pessoas,de todas as classes e condições sociais, interrogaram as crianças.Nenhuma, depois de as ouvir, ficou com a mais leve dúvida acerca dasua sinceridade. A indiferença com que falavam, o encanto natural dasua narrativa, a simplicidade com que respondiam e a ingenuidade das

5 Cf. nota 1.

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-./- 01231451- 678 98:;/<:1;4/0 :1 ;<901--;86/0 1 =8<8>10 8 1-9?0;@8mais cheio de prevenções. Nas suas feições reflete-se um encanto tantomais suave e penetrante, quanto é certo que nele só se descobre a efusãode almas cândidas. É impossível alimentar a seu respeito a mais ligeirasuspeita de impostura. O próprio administrador do concelho de VilaNova de Ourém, que as interrogou no dia 13 de agosto, e as conduziupresas para sua casa, onde as conservou durante dois dias, procurandopela ameaça e pelo terror obrigá-las a desdizerem-se, mostrou-se depoisdesse dia visivelmente impressionado e declarou que não mais tornariaa interferir em semelhante assunto. Era a sinceridade das crianças quese impunha a todos, categórica, decisiva, fulminante. As suas afirmaçõeseram feitas de tal maneira que afastava por completo todo o receio demá fé. As crianças juntam os seus rebanhos numa propriedadepertencente à família da Lúcia e situada à beira da grande estrada distrital.Enquanto o gado anda pastando, entretêm-se inocentemente a brincare, num dado momento, rezam em comum o terço do Rosário, comocostumavam fazer todos os dias. Nenhum acontecimento, pois, foi menospreparado, mais espontâneo, mais visivelmente inesperado para ascrianças que dele foram os protagonistas. Mas a cena celeste, em quede modo nenhum tinham pen-[6v]sado, antes de serem testemunhasdela, tinham em seguida consciência de a haverem contemplado; nadapode impedi-las de o dizer, e elas disseram-no e resolutamente, comuma segurança que não se entibiava jamais. 2° Mas se a sua boa fé écerta, se ninguém pode duvidar nem duvida de que elas julgaramverdadeiramente ver e ouvir o que afirmaram ter visto e ouvido, nãoforam vítimas duma ilusão, que teriam em seguida feito inocentementepartilhar? Não foram influenciadas por um temperamento nervoso, queproduzisse nelas, alucinações da vista e alucinações do ouvido? Eis aquestão que importa resolver: a) Para sofrer o império duma naturezanervosa, a primeira condição é evidentemente... ter uma natureza nervosa.É este o caso das crianças? Não se encontraram nelas sintomas denenhuma enfermidade. Mais: nunca estiveram doentes. Nenhum indíciopermite crer que os nervos tivessem parte preponderante no seutemperamento. Não apresentaram nunca um só dos sintomas que seobservam nos nevropatas; não os apresentaram antes dos acontecimentosda Cova da Iria, nem os apresentaram depois. Eram, pelo contrário,dum caráter pacífico e equilibrado. Não se mostravam concentradasnem pensativas. Despreocupadas e expansivas, gostavam de brincarcom as crianças da sua idade. Naturalmente alegres, a sua alegria erasimples, franca, infantil. A exaltação de que se deveria acusá-las, uma

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vAB CDA EA FGH IA GJDIGKL IAMNG G AOGHFGPQR MAHNSNRIGL TRMCDA U Galucinações religiosas que ela teria dado ocasião. Ora a sua piedadenão era superior à das crianças da sua idade. O Francisco e a Jacintanão tinham feito sequer a sua primeira comunhão. Nenhuma das criançassabia ler e por isso só com dificuldade e muito incompletamente puderamaprender a doutrina. A Lúcia, interrogada [7] depois das aparições acercado poder de Nossa Senhora, declarou com a maior ingenuidade que ojulgava superior ao de Deus. Eis o estado em que se encontrava, emmatéria de religião, o espírito dos videntes de Aljustrel, quando aSantíssima Virgem lhes apareceu. Seria, pois, um contrassenso admitirque a sua cultura religiosa as tivesse preparado de antemão para umaexcitação mística tão desordenada que lhes perturbasse os seus cérebrosjuvenis. Por outro lado, nunca mostraram nenhuma inclinação para omisticismo, sem excetuar o período da sua vida que se seguiuimediatamente às visões. Um ilustrado professor de instrução primária6,que, ainda antes do fim do mês de outubro, assistiu no local das apariçõesà recitação do terço presidida pela Lúcia, declarou ter ficado malimpressionado ao ver a distração da criança, que ele esperava que serecolhesse e concentrasse num alheamento quase estático de todas ascoisas do mundo no sítio em que tivera a ventura incomparável decontemplar a Rainha do Céu. Um cavalheiro de elevada categoria queno mesmo mês foi visitar a Cova da Iria, afirmou ter-lhe causadoestranheza ouvir a Lúcia responder às perguntas que lhe faziamrelativamente às aparições, dizendo tudo sem um certo sentimento depiedade e sem ter bem consciência da graça recebida. Não se notavanas crianças nada que as distinguisse das melhores crianças suascompanheiras, nem uma comoção extraordinária, nem um recolhimentoexcecional. Tinham as suas distrações e as suas leviandades, como asoutras. A sua devoção era sã e simples, sem atrair particularmente aatenção. Tais eram as almas ingénuas do zagalete e das duas pastorinhas.Ninguém de boa fé deixara, pois, de reconhecer que estavam poucopredispostas para as alucinações religiosas. O seu temperamento bemequilibrado preservava-as das alucinações [7v] em geral, e, se porventurativessem propensão para elas, as tendências das suas almas tê-las-iamimpedido de misturar a religião com os seus sonhos de doentes. Para ter

6 Tratar-se-á do Professor António Lalanda dos Santos. Há uma carta deste paraMaria Piedade Ordaz, datada de fins de outubro de 1917, descrevendo o queviu no dia 13 de outubro.

Doc. 120 1930-04-13

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aVWXYZa\]^_` VYbYc_a_e f `Ya_YgchY_f `iW^XcZf a Ya__^h_YhWVfaZ^ah^Zfas suas disposições físicas e as suas disposições morais. E então qualteria sido a origem delas? Donde lhes teriam vindo? Por isso, comete-seum grande erro, que é ao mesmo tempo uma grande injustiça, quandose assemelham a algumas alucinadas dos hospitais. As alucinações destase as visões daquelas têm carateres tão diferentes que evidentementenão se está em presença do mesmo fenómeno. Para obter as alucinadasdos hospitais é necessário escolher naturezas em que os nervos sejamparticularmente excitáveis. Cumpre notar, de passagem, que a infânciamal se presta as alucinações. Não é nessa época da vida que elas seproduzem facilmente. Escolhem-se as mulheres ou as raparigas maisnervosas dum hospital de doenças nervosas. São precisas verdadeirasdoentes, cérebros desarranjados, criaturas desequilibradas. E ainda nãoé tudo; desenvolvem-se cuidadosamente, por meio de atos repetidos,essas disposições doentias. É só então que essas infelizes chegam a teralucinações duma maneira muito sensível. O que há na verdade de comumentre essas pobres doentes, escolhidas entre mil e cuja doença receberade propósito uma espécie de cultura intensiva, e os pequenos videntesda serra de Aire, simples filhos da natureza, de nervos calmos, deimaginação regrada e tranquila como os seus nervos? Para sofreralucinações, é preciso estar predisposto duma certa maneira. Ora osvidentes da Fátima não tinham essa predisposição necessária, nem nofísico, nem no moral. Estude-se agora a alucinação nos carateresparticulares que ela apresenta e estude-se sob três pontos [8] de vistadistintos: antes das visões, no momento em que se verificam, e depoisdelas.

Antes das visões

A treze de maio, dia da primeira aparição, Lúcia e Jacinta, as duascrianças que dizem ter ouvido as palavras pronunciadas pela Aparição,contaram que o ente celeste que se lhes manifestara lhes tinha pedidoque voltassem durante seis meses, de mês a mês. As crianças mostravamassim que se julgavam destinadas a gozar das suas visões ainda cincovezes. Ora as alucinadas não fazem profecias sobre o que devem ver eouvir, sobretudo profecias que se realizam: nunca se constatou quetivessem anunciado quantas crises alucinatórias haviam de experimentar.A sua persuasão absoluta, se tivessem alguma sobre este ponto, e queveriam sempre o que veem e que não podem deixar de ver: nenhumadúvida tem entrada na sua alma, porque é o seu próprio organismo que

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jklmnn pqn rktuwrxykzAlém disso, para voltarem cada mês no dia trezeao mesmo local, como realmente sucedeu, foi preciso que as criançastivessem uma lembrança muito nítida, uma docilidade perfeita, umsentimento exato e claro do que tinham a fazer: coisas estas de que umalucinado não é capaz. Acresce que as crianças fizeram outras profecias,como por exemplo a relativa ao sinal de Deus e que se verificou no diapré-anunciado. Convém ainda notar que a alucinação, se produz emcertas condições, cujo conjunto é indispensável. Para os videntes deFátima, pelo contrário, sucedem nas circunstâncias mais variadas. Dir--se-á que é precisa aos jovens videntes a influência da multidão?Observemo-los a treze de maio, o primeiro dia: eles estão sós.Observemo-los a treze de junho, dia de Santo António: estão presentesapenas [8v] cerca de cinquenta pessoas. Julgar-se-á que tenhamnecessidade da solidão? Vejamo-las a treze de setembro e a treze deoutubro: a multidão aperta de todos os lados as pobres crianças aflitas aponto de chorarem; há vinte mil espetadores no primeiro dia e uns setentamil no segundo. Habitualmente a visão começa depois de as criançasterem rezado o terço de joelhos. Mas a dezasseis7 de agosto, no sítiodos Valinhos, a Senhora aparece-lhes improvisamente, sem que elas oesperassem e sem terem estado em oração. Não há condiçõesrequeridas para as suas visões e é o contrário do que sucede nos sonhosdos alucinados. Não é certamente assim que a alucinação procede. Elatem o que quer que seja de fatal; não se encontra nunca nas suasmanifestações essa independência absoluta a respeito das condiçõesque lhe dão a existência.

Durante as visões

Estudemos agora os acontecimentos da Fátima em si mesmos, namaneira como eles se verificaram. Nas histéricas alucinadas, a imaginaçãoconserva qualquer coisa de vago e de vaporoso. As formas que veemficam um pouco imprecisas, flutuantes e, pelo menos em certas partesindeterminadas. Consideremos agora as visões dos videntes de Aljustrel.Elas apresentam uma precisão absoluta, até nas mais insignificantesparticularidades. O vestido, o véu, o rosário, tudo deixa neles umaimpressão franca, clara, decisiva. Podem descrever tudo, descrevemtudo: o comprimento do vestido e do véu, a maneira como este está

7 Cf. nota 3.

Doc. 120 1930-04-13

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{|}|{~�| �|��� ~ {~���~� ~ {|� �~� {|��~� � �~ {~���~� ���| � |�����~�|com uma exatidão minuciosa. É esta a diferença capital entre os doisestados. Outra consideração acerca da alucinação em geral e as visõesde Fátima e que estas foram fecundas, ao [9] passo que aquela é estéril.O alucinado não descobre coisa alguma nos seus sonhos doentios; nãocria nada, nem nas formas que a sua imaginação lhe apresenta, nem nasideias que essas formas lhe sugerem; não inventa, recorda-sesimplesmente. As visões da Cova da Iria são completamente diferentes.As crianças anunciam com meses de antecedência um sinal misterioso,um milagre, prometido pela celeste aparição e destinado a fazer quetodo o povo acreditasse que era a Virgem do Rosário que aparecia,como uma promessa de bênçãos, em terras de Portugal. E no diamarcado, treze de outubro, setenta mil pessoas, de todas as idades,classes e condições sociais, vindas de todos os pontos do país, e até doestrangeiro, acumulam-se nas faldas da serra de Aire para presenciar osinal profetizado. E o espetáculo maravilhoso, o fenómeno estupendo, oprodígio inaudito que as crianças, que ninguém jamais tinha visto, fazcair de joelhos aquela multidão imensa, em que os incrédulos e os ímpios,de envolta com os crentes, choram, soluçam, rezam, todos rendidos,comovidos e estupefactos, perante a evidência empolgante e irrecusávelde tão assombroso milagre.

Depois das visões

Um alucinado mostra-se orgulhoso, irritável, insubordinado einsensível às afeições de família. Os videntes de Fátima não eram assim.Foram sempre crianças humildes, mansas e dóceis. Tendo a mãe daLúcia proibido a filha que tornasse a ir a Cova da Iria, esta dispôs-se aobedecer e, se voltou lá, foi porque a mãe, a pedido de várias pessoas,revogou a proibição que fizera. Modesta e simples, era para a pobrepequena um verdadeiro suplício ter de descrever os espetáculos celestesque presenciava, prestando-se a isso por obediência ou por delicadeza,fa-[9v ]zendo-o então com bondade e sem deixar transparecer nenhumsinal de enfado. Para com a mãe e para com as demais pessoas de suafamília foi sempre muito carinhosa, manifestando um vivo e constanteinteresse por tudo o que lhes dizia respeito e principalmente pelo seubem espiritual. As numerosas cartas que tem escrito para a mãe, desdeque saiu de casa para se educar, são modelos admiráveis de piedadefilial e de caridade para com os seus parentes mais próximos. Graças às

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���� �������� � �� ���� ������������ ��� ��� ���������  �� ����¡���gratuitamente numa casa de educação, dirigida por religiosas8. Foi semprealegre e jovial e ainda hoje, depois da profissão religiosa, a suasimplicidade, a sua boa disposição e a sua alegria interior, que se lheespelha no rosto, encantam todas as pessoas que dela se aproximam.As visões de que gozou não só não prejudicaram o seu estado moral,senão que contribuíram para a elevar, acima da vida comum, àsculminâncias da perfeição completa e especial no estado religioso.Importa ainda frisar que as visões tiveram por epílogo um facto materiale sensível que prova a sua realidade sobrenatural: o fenómeno solar.Nada de semelhante acontece nas alucinações. Por isso as visões nãoeram alucinações. É uma conclusão que se impõe como absolutamenteirrecusável. Acresce que as alucinações degradam o caráter e diminuema inteligência. Mas, depois das aparições, Lúcia de Jesus, assim comoos seus primos, mostraram-se superiores ao que eram, tanto em relaçãoao caráter, como em relação ao espírito. Finalmente, as aparições deFátima, afirmadas pelos videntes, como factos reais, têm por garantiada sua realidade e da sua realidade sobrenatural sucessos maravilhososque a alucinação é incapaz de produzir.

[10] A liturgia da Igreja no dia da primeira aparição

A primeira aparição realizou-se no dia treze de maio de mil novecentose dezassete, à hora do meio dia solar, quando os pastorinhos andavambrincando e não podiam prever o que se ia passar de extraordinário.Fátima estava, na ocasião das aparições, incorporada no Patriarcadode Lisboa. O calendário diocesano marca para esse dia, como festaprópria e privativa, a festa da dedicação da igreja de Santa Maria dosMártires. Na época da reconquista cristã da Península Ibérica, o fundadorda nacionalidade portuguesa, D. Afonso Henriques, tendo já conquistadoaos mouros quase todo o território situado ao norte da foz do Tejo, pôscerco à cidade de Lisboa e, com o auxílio que lhe prestou uma armadade cruzados que se dirigia à Terra Santa, apoderou-se dela depois dumaluta renhida, em que pereceram também muitos cristãos. O valorosoprimeiro rei da dinastia afonsina tinha implorado fervorosamente a

8 Maria Júlia Pereira, nascida a 26 de fevereiro de 1918. Filha de Teresa de Jesus,irmã de Lúcia, e de José Pereira. Foi para o Asilo de Vilar em março de 1929, masfaleceu a 7 de novembro de 1931.

Doc. 120 1930-04-13

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438 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¢£¤¥¦§¨¤ ©ª ª«¬«­¥ª ®¨¦ ©¦ ¯¦«­ ¢ª£ª ª ­«ª °¦£±²³ª ¦´¢£¦­ª ¦prometido que, se ela fosse coroada de êxito, mandaria edificar duasbasílicas em honra da Santíssima Virgem, uma na parte ocidental e outrana parte oriental da cidade conquistada. Concluída a empresa comfelicidade, deu-se pressa em cumprir o voto que fizera e ordenou que nabasílica ocidental fosse colocada a imagem da Virgem Santíssima, cujapresença, no campo da batalha, aonde fora levada por um dos chefesquando o êxito era ainda incerto, incutiu nos soldados cristãos umacoragem tão grande que lhes fez alcançar vitória. Como nesse tempoera costume chamar mártires aos soldados cristãos que morriam emcombate contra os infiéis e esta basílica tivesse sido construída no localonde os seus cadáveres estavam sepultados, come-[10v]çou a servulgarmente designada pelo nome de igreja de Santa Maria dos Mártires,título que se conservou até aos nossos dias com o consentimento dosPrelados diocesanos e com a aprovação do Santo Padre o Papa Urbanosexto, sendo a festa da sua dedicação celebrada em Roma no mesmodia em que é celebrada em Lisboa. Esta igreja é a primeira da capitalportuguesa em que, depois da reconquista, se celebrou o culto cristão.Por esse motivo, a pedido dos Bispos seus titulares e dos reis de Portugal,os Sumos Pontífices conferiram-lhe especiais privilégios. A partir do anomil oitocentos e cinquenta e um, por concessão de Sua Santidade oPapa Pio IX, de saudosa memória, esta festa, que possui ofício e missaespeciais, celebra-se com rito duplex de primeira classe e oitava naprópria igreja e com rito duplex de segunda classe sem oitava em todoo Patriarcado. As primeiras palavras do próprio, no ofício divino, são asque formam o versículo e o responsório de vésperas: “Saístes parasalvação do vosso povo, alegrai-vos, para salvação com Cristo, alegrai--vos”. A primeira antífona de laudes diz que apareceu no Céu um grandesinal: uma mulher que tinha o sol por manto, a lua por cabelo e na cabeçauma coroa de doze estrelas. O hino de vésperas proclama que a VirgemSantíssima se eleva entre os astros. O versículo e o responsório insistemno motivo da sua vinda. Finalmente a antífona do Benedictus diz: “Benditoseja o Senhor, que por meio da bem-aventurada Virgem Maria visitou onosso povo e a nossa cidade e nos libertou da mão de todos aquelesque nos odiavam e dirigiu os nossos pés para o caminho da paz”. Deresto, por todo o oficio, são contínuas as alusões à ação benéfica daRainha dos Anjos em prol do seu povo, de quem é a Padroeira, é aalegria, confiança e entusiasmo com que ele a aclama nas suas [11]apoteoses de Fé e piedade. É em extremo consoladora para todos oscatólicos portugueses a concorrência desta festa com o primeiro dia das

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µ¶µ·¸¹º»¼½ ¾ ¿»À»·Á ¶»·Ã¸Á¸¿Â Ä»· »Ã ÁÅ ¼¸ÆÇÈɵ· À¸ÆÀ¸¿ÊÆÀ¸µÃµ¸¼um indício da sua sobrenaturalidade.

O êxtase

A azinheira sobre a qual aparecia a misteriosa Senhora tinha poucomais dum metro de altura, e os três videntes, de pé ou ajoelhados juntodela, não podiam facilmente ser vistos e observados de frente pelaspessoas presentes. Todavia, num dos depoimentos sobre as aparições,encontram-se algumas palavras, que parecem denunciar o estado deêxtase na Lúcia, tanto mais que esse depoimento é duma pessoa rude,embora fidedigna, que decerto nunca tinha ouvido falar nesse fenómenosobrenatural. Trata-se do depoimento de Maria Rosa Pereira, de sessentae três anos de idade, casada com José Pereira Lopes, do Casal daFonte, freguesia de Assentiz, concelho de Torres Novas. O rev.doAntónio Lopes Laranjeiro9, antigo professor do Seminário Patriarcalem Santarém, e então capelão no lugar das Moreiras Grandes, da mesmafreguesia, declarou que conhecia perfeitamente a testemunha e que aconsiderava muito séria e absolutamente digna de crédito. Estedepoimento foi feito a treze de novembro de mil e novecentos e dezassetee refere-se à aparição do dia treze de outubro anterior. Diz a testemunhaque nesse dia se achava próximo das crianças quando se deu a aparição,vendo-as muito bem do lugar onde estava. O povo comprimia-se cadavez mais, de tal maneira que as crianças corriam perigo de ser esmagadasapesar do esforço que empregavam as pessoas que as rodeavam paraconter aquela onda humana. Todos queriam ver e ouvir de perto, o queera impossível. A Jacinta distraída e cheia de medo chorava [11v] porcausa dos empurrões que recebia. A Lúcia acariciava-a e pedia-lhe quenão chorasse, porque ninguém lhe faria mal. O Francisco também estavadistraído por causa do povo. De repente, a prima disse-lhe que olhassepara a azinheira. O rosto da menina fez-se mais lindo do que era,tornando-se corada e adelgaçando-se-lhe os lábios10. Maria Pereiraque se expressou nestes termos com a maior simplicidade e naturalidade,ignorando o que eles podiam significar de muito extraordinário, era pessoa

9 Nasceu na freguesia de Assentiz, concelho de Torres Novas, em 1880. Frequentouo Seminário de Santarém e faleceu a 26 de junho de 1922, em Moreiras Grandes.

10 A depoente utilizou a palavra “beiços”.

Doc. 112 1930-04-13

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ËÌ ÍÎÏËÐÑÒÎ ÓÔÕÐÖËÌ× ØÌÕ ÍÔÖÙÔÚÛ ÖÐÙÌÚÜÚÐÛ× ÝÎØØÔÐÏËÎ ÔÕÛ ÌËÔÍÛÑÒÎreligiosa elementar. Não podia, por isso, de modo nenhum, constatarcom precisão as características essenciais dum êxtase. Mais ainda. Écerto que ela nunca ouviu pronunciar essa palavra ou, se a ouviu algumavez, não compreendeu nem conhecia a sua significação teológica. O seudepoimento, feito com toda a ingenuidade da sua alma sinceraprofundamente crente, oferece portanto, um grande valor e permite supôrque, pelo menos na Lúcia, se verificou realmente, no último dia dasaparições, e porventura, nos outros dias também, o fenómenosobrenatural a que os teólogos místicos chamam êxtase. Acresce, comose depreende dos depoimentos dos videntes, que a Lúcia, algumas vezes,durante o tempo da aparição, parecia alheia a tudo quanto a rodeava,não tendo consciência do que se dizia e fazia ao pé dela e achando-secomo que fora de si.

As nascentes de água

Desde a época das aparições e sobretudo depois que os videntesafirmaram ter a Senhora manifestado a sua vontade de que se edificasseuma capela na Cova da Iria, a piedade dos fiéis desejou cada vez maisardentemente levantar no local sagrado um monumento grandioso emhonra da augusta Mãe de Deus. O projeto acolhido [12] com maisentusiasmo é o da construção dum templo no cimo do outeiro que dominaa Cova da Iria, no sítio onde os videntes dizem que viram o primeirorelâmpago precursor da aparição de treze de maio. Pouco tempo apósas aparições, uma comissão de habitantes das imediações da Cova daIria resolveu, por devoção e para memória dos acontecimentos, mandarlevantar a expensas suas, uma pequena capela ao pé do local ondeestava a azinheira, em cuja copa pousara os pés a misteriosa Senhoraaparecida11. Quando, mais tarde, a autoridade eclesiástica tomou contada capela e autorizou que nela se celebrasse o culto público, a devoçãoe o entusiasmo dos fiéis cresceram sem medida e para logo se aventaramplanos grandiosos e imponentes de construções maravilhosas como asde Lourdes. O Senhor Bispo de Leiria tomou a seu cargo a direçãosuprema de todos os traçados de planos e de todos os trabalhos quedeviam fazer da charneca árida e deserta uma esplendorosa cidade daVirgem. Para estas obras, assim como para os peregrinos que às centenas

11 A Capelinha das aparições foi construída entre 28 de abril e 15 de junho de1919.

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Þßàáâãäå äæçååáäà äèéêáàäë ìäåä çí äîáàäáí ïðß çí êåäîíìçåêäñäàäêòali, e para atender os pedidos de inúmeros fiéis que mais tarde de todaa parte solicitavam continuamente remessas de água por mera devoçãoou para a cura de enfermidades próprias ou alheias, era absolutamentenecessário que na Cova da Iria houvesse água e água com abundância.Mas num raio de muitos quilómetros não aparece água na Fátima senãoem pequena quantidade proveniente da chuva e recolhida em lagoas,poços e cisternas. Por isso uma comissão de habitantes daquelapovoação tomou a iniciativa de mandar proceder a sondagens nosterrenos adjacentes à capela comemorativa das aparições. A primeirasondagem foi feita em nove de novembro de mil novecentos e vinte eum, depois da primeira missa campal, a dis-[12v]tância de quarentametros da capela. Tendo começado os trabalhos de manhã, ao meio--dia já todos os operários saciavam a sede com a água que jorrouabundante da rocha viva. Nos últimos meses de verão a água quasedesapareceu, depois que recomeçaram os trabalhos destinados a tornarmaior a capacidade do poço, vendo-se apenas lacrimejar uma dasparedes. Em princípios de novembro de mil novecentos e vinte e dois,concluídas as obras do primeiro poço, que tem agora muitos metros deprofundidade, a água límpida da nascente, rebentando com força, emseguida às primeiras chuvas do outono, encheu totalmente o vastoreservatório, como tiveram ocasião de ver os numerosos fiéis que emtreze desse mês visitaram o lugar das aparições. Nos últimos anos, porordem da autoridade eclesiástica, foram abertos mais dois poços, umde cada lado do poço primitivo, os quais fornecem água abundante quechega para satisfazer a sede dos peregrinos e as exigências da suadevoção, para as obras que incessantemente se estão realizando nolocal das aparições, para as necessidades da população, já numerosa,da povoação da Cova da Iria e até para ser expedida em latas paramuitas terras de Portugal e do estrangeiro. Coisa singular! O segundopoço, mais largo e mais fundo que o primeiro, foi mandado fazer parareceber as águas que no inverno transbordavam, como era costume, dopoço primitivo. Logo que ficou concluído, a meia altura e no fundo,jorrou água em tanta quantidade que o encheu por completo dentro depoucas horas. Nos primeiros tempos após as aparições, muitas pessoasque não acreditavam na sobrenaturalidade dos acontecimentosmaravilhosos, e entre elas alguns sacerdotes, protestavam que sóacreditariam se, naquele terreno árido e estéril, aparecesse água, comoapareceu em [13] Lourdes, junto do rochedo de Massabielle. A realizaçãodaquilo que reputavam impossível abalou profundamente, como era

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442 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

óôõö÷ôøù úûûúû ü÷ýûõþÿû nú �ÿöüô ��ù�öýõÿû nÿû �öôýû ûú õÿ÷óô÷ô� �ôýûtarde grandes devotos de Nossa Senhora de Fátima e apóstolosardorosos do seu culto.

Atitude dos pais de Lúcia de Jesus

Maria Rosa dos Santos, mãe de Lúcia de Jesus, era, à data dasaparições, casada com António dos Santos ou António dos SantosAbóbora, de quem enviuvou um ano depois12. Tinha então quarenta eoito anos de idade. Além da Lúcia, possuía mais quatro filhas e um filhotodos mais velhos do que a vidente. Os pais da Lúcia eram de condiçãohumilde, mas não absolutamente pobres. Possuíam algumas terras, quecultivavam e cujos rendimento bastavam para os sustentar a si própriose a seus filhos. E, se não viviam com mais desafogo, era por causa dopai, que se descuidava muitas vezes do amanho das suas propriedades.O local da Cova da Iria, onde se verificaram as aparições, pertencia aum irmão da Lúcia, que havia regressado do Brasil pouco tempo antesda primeira aparição. Um dia, por ocasião duma das aparições, o paida Lúcia, contrariado com a ida de tão grande multidão àquele lugar,onde poderia causar prejuízos nas sementeiras e nos frutos, envidou,aliás sem resultado, os maiores esforços para impedir o concurso depovo. Um ano depois falecia vítima duma congestão cerebral, sem nuncater manifestado o mínimo entusiasmo pelos estranhos sucessos da Covada Iria e sem crer sequer na missão sobrenatural de sua filha. A mãe daLúcia é uma mulher de arreigados sentimentos religiosos e piedosa, comoo são as mulheres do campo, que vivem entregues aos trabalhosagrícolas, longe da igreja paroquial, de maneira [13v] que não podemfrequentar assiduamente os atos do culto e os sacramentos da confissãoe comunhão. Tipo da mulher cristã e da boa dona de casa, entregue àslides domésticas, procurou sempre inspirar aos filhos o santo temor deDeus e levá-los ao cumprimento de todos os seus deveres morais ereligiosos. Dotada dum bom senso fora do vulgar e duma prudência edum tato extraordinário, preocupavam-na altamente os sucessos queatraíam a todo o momento as atenções de milhares de pessoas para asua pobre habitação, até havia pouco tempo ignorada do mundo enotava-se desde logo que o seu espírito hesitava, numa ansiedadeinquieta, entre a esperança de que sua filha fosse realmente privilegiada

12 Cf. nota 2.

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c�� � ������ � Virgem e o receio de que ela fosse vítima dumaalucinação que lhe trouxesse desgostos e cobrisse de ridículo toda a suafamília. Foi pela família dos outros dois videntes, Francisco e Jacinta,seus sobrinhos, que ela soube que Nossa Senhora tinha aparecido àfilha da primeira vez, porque a Lúcia aconselhou os seus companheirosa não dizerem nada, com receio de que lhes ralhassem. Esta, só depoisde interrogada pela mãe, é que disse o que tinha visto. Era com a maiorbondade e delicadeza que Maria Rosa recebia todas as pessoas quedesejavam ver sua filha e falar com ela, mas ao mesmo tempo com aprudente reserva que as circunstâncias impunham. Reconhecia que erauma graça muito extraordinária o aparecimento da Santíssima Virgem àLúcia, mas por isso mesmo o seu espírito debatia-se numa grandeincerteza, tanto mais que a vidente possuía apenas – e ninguém melhor osabia do que ela – uma virtude e uma piedade vulgares. A consideraçãodo peso enorme das responsabilidades que a realidade das apariçõesda Rainha do [14] Céu acarretava sobre toda a sua família perturbava-lhe a alma e enchia-a de temor. Mas o que mais a preocupava era adúvida em que vivia acerca da origem e natureza dos sucessosmaravilhosos da Cova da Iria. A princípio não acreditava na sinceridadedas crianças. Perante a concorrência das multidões à Cova da Iria nosdias treze, o seu desejo era obstar a ida de sua filha a esse local em taisdias. Só a muito custo e guiando-se pelos conselhos de pessoas deautoridade, que a aconselhavam a dar liberdade à filha para fazer o quelhe aprouvesse, é que se resolvia a permitir a sua partida. Temendo quea filha andasse a enganar o povo com falsas declarações, embora não ativesse por mentirosa, exprobava-lhe severamente o seu procedimento,ameaçando-a várias vezes com pancadas, e uma ocasião, num dosprimeiros meses das aparições, chegou até a bater-lhe com um chinelo,tratando-a de impostora. Não raro a boa mulher manifestava o receiode que a Lúcia fosse vítima duma ilusão, embora encarasse com íntimojúbilo a hipótese duma felicidade tão grande como a escolha da filhapela Santíssima Virgem para sua confidente. Com o decorrer do tempoe à medida que os acontecimentos se iam desenrolando, convenceu-seda sinceridade dos videntes, mas, enquanto a autoridade eclesiásticanão permitiu o culto público no local das aparições, era inclinada a crerque se tratava duma grande ilusão natural ou diabólica. Nunca deu mostrade enfado quando lhe apareciam pessoas a visitá-la por motivo dasaparições, apesar do transtorno que não raro essas visitas causavam àlida da casa e ao amanho das suas propriedades, quando se realizavamnos dias úteis. O seu desinteresse foi sempre manifesto, assim como o

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suspirava pela paz e sossego do seu lar, anteriores às aparições e quenão voltariam mais, senão a troco da perda da filha que, resignada àvontade de Deus, mas com o coração dilacerado de dor, previa estariminente.

Atitude dos pais do Francisco e da Jacinta

Segundo o depoimento de Manuel Goncalves Júnior, do lugar deMontelo, da freguesia de Fátima, testemunha absolutamente fidedigna,“os pais do Francisco e da Jacinta, Manuel Pedro Marto e Olímpia deJesus Marto, são pessoas muito boas, profundamente religiosas erespeitadas e estimadas por todos. O pai tem fama de ser o homemmais sério do lugar (Aljustrel). É incapaz de enganar alguém. Muitolaboriosos, ocupam-se no amanho das suas propriedades, de cujosrendimentos vivem. Posto que não sejam ricos, no sentido rigoroso dapalavra, possuem abundantes meios de fortuna, ao contrário da famíliada Lúcia, que pode considerar-se apenas remediada e vivendo numadiscreta mediania. Perante os sucessos desenrolados na Cova da Iria,puseram-se incondicionalmente, desde a primeira hora, ao lado dos filhos,cuja inocência simples e ingénua bem conheciam e de cuja sinceridadenem por sombras podiam duvidar. A sua própria piedade, ao mesmotempo profunda e desacompanhada duma sólida cultura religiosa, induzia--os, na sua rude franqueza de pessoas honradas, que consideravam umdever de consciência julgar os outros por si, a acreditar plenamente nasdeclarações das crianças. Dir-se-ia, ao ouvir as suas observações e osseus comentários, que consideravam tão obrigatória a crença nasaparições como nos dogmas definidos da fé crista. Bons e humildes co-[15]mo eram, crentes sem fanatismo, defendiam com sereno e calmoentusiasmo os seus pontos de vista na matéria, mas não ofendiam, nemsequer ao de leve, com as suas palavras cheias de calor e de vida erepassadas da mais evidente sinceridade, as pessoas, geralmente vizinhos,com quem conversavam e discutiam ao serão, que negavam a realidadeou a sobrenaturalidade dos sucessos maravilhosos ou punham em dúvidaa manifesta boa fé dos videntes. E, se porventura um ou outro doscontraditores se exaltava ao sustentar a sua opinião, irredutível na suaintransigência, para logo aquelas duas boas almas, cheias de caridade eamigas da paz, se remetiam ao silêncio, pondo assim termo à discussão,antes que ela tomasse por um caminho que repugnava ao temperamentoe aos seus sentimentos cristãos. E é muito para notar que só o amor da

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enganar-se, enganavam-se talvez, muitas vezes, nos juízos que formavam,mas era por desvio inconsciente da inteligência e não por erro contumazda vontade. Nem o interesse, nem a vaidade, nem qualquer outra paixãoinconfessável, foi jamais o móbil das suas palavras ou das suas atitudes.As suas virtudes cristãs, atestadas por todos aqueles que os conheciamno seu viver íntimo, assim como a sua reconhecida despreocupação deobjetivos de ordem material excluíam por completo a possibilidade deque assim fosse. De resto não havia ninguém que não lhes fizesse essajustiça. A resignação admirável com que suportaram o grande golpe daperda dos dois filhos mais novos, que a Virgem Santíssima, como elescriam sem hesitação alguma, privilegiara com as suas divinas aparições,perda que para eles representava o malogro de todas as esperançashuma-[15v]nas que porventura tivessem alimentado, é mais umtestemunho da sua sinceridade e do seu desinteresse e um indício segurode que o espírito profundamente cristão que os animava fazia-lhespressentir e como que adivinhar a única solução a dar ao momentosoproblema de Fátima.

A morte do Francisco

Francisco Marto, primo de Lúcia de Jesus, a protagonista dasaparições de Fátima, adoeceu gravemente no dia vinte e três dedezembro de mil novecentos e dezoito, atacado da terrível epidemiabroncopneumónica, que então grassava em todo o mundo. Nessa data,todas as pessoas da sua família estavam de cama, feridas pelo mesmoflagelo, à exceção do pai. Este e algumas vizinhas caridosas tratavamdesveladamente dos enfermos, envidando todos os esforços para quenada lhes faltasse. Durante cerca de quinze dias a inocente criança ficouretida no leito “com a força da doença”, segundo a expressão da mãe,levantando-se nos princípios de janeiro num estado de grande fraquezaque, longe de diminuir, foi pelo contrário aumentando de dia para dia.Uma vez, durante as aparições, tendo a Lúcia perguntado à misteriosaSenhora que lhe falava, se ela e a Jacinta iriam para o Céu, e obtendoresposta afirmativa, fez idêntica pergunta acerca do Francisco,respondendo a Visão que também lhe caberia tamanha ventura, masque primeiro havia de rezar muitas vezes o terço. Desde esse momentoaté adoecer, o ditoso vidente nunca mais deixou passar um dia semoferecer essa singela homenagem à Rainha do Céu. Depois que selevantou da cama, não sentindo às vezes forças para rezar o terço inteiro,

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56768 9:6;9<=<>9< ?=@<AB<>@CDC568 :<78: ;<>@C=<985<EA boa mulherprocurava tranquilizá-lo, lembrando [16] que, se lhe custasse pronunciaras palavras da Oração Dominical e da Saudação Angélica, dissesseessas orações só com o pensamento, que Nossa Senhora lhe aceitaria oseu obséquio com o mesmo agrado. Recomendava frequentemente àmãe que não se esquecesse da oração que a Santíssima Virgem tinhaensinado aos três videntes, porque ele nunca se esquecia de a rezar. E,quando a pobre mulher se lamentava de que não raro a omitia por lapsode memória, o pequeno ponderava-lhe que a podia rezar mesmo peloscaminhos. Uma vez por outra queixava-se sentidamente de que nãosabia oferecer o terço como muita gente tinha a felicidade de saber, oque lhe causava bastante pena. Apesar de nunca mais ter tido saúde, dequando em quando, dava um pequeno passeio, chegando a ir até àCova da Iria. Quando alguém lhe asseverava que havia de melhorar, asua resposta era logo um “não”, proferido com um ar misterioso e numtom que impressionava extraordinariamente. Como um dia sua madrinhaTeresa de Jesus prometesse, na presença dele, pesá-lo a trigo, se NossaSenhora o melhorasse, declarou perentoriamente que era inútil fazer essapromessa, porque jamais alcançaria a graça da sua cura. Possuía umaconsciência em extremo delicada, sem embargo da sua pouca idade ede haver recebido uma formação religiosa muito deficiente e rudimentar.Uma vez em que o aconselhavam a levar as ovelhas, confiadas à suaguarda, pela orla das propriedades da madrinha, que decerto se nãoopunha a isso, não quis fazê-lo sem licença expressa dela por julgar quefosse um roubo. No dia dois de abril, a família, achando-o pior de saúde,mandou-o recolher à cama e chamou o pároco para o confessar. Nãotinha ainda feito a sua primeira comunhão e por isso receava que não lhefosse permitido [16v] receber Nosso Senhor. Grande, extraordináriaaté, foi pois, a sua alegria, quando o pároco lhe prometeu trazer no diaseguinte de manhã o Sagrado Viático. Na véspera pediu à mãe que odeixasse estar em jejum até essa hora, pedido a que ela acedeu semrelutância, assegurando-lhe que não lhe daria nada a tomar depois dameia-noite. Quando chegou o pároco com o Santíssimo Sacramento,quis sentar-se na cama para se confessar e comungar, o que não lhe foiconsentido. Ficou radiante de contentamento por ter recebido pelaprimeira vez no seu peito o Pão dos Anjos e, quando o pároco se retirou,perguntou à mãe se não tornaria a comungar, ao que ela retorquiu que onão sabia. Durante o resto do dia pediu de tempos a tempos água eleite. À noite pareceu agravar-se ainda mais o seu estado, mas,perguntando-lhe a mãe como se sentia, declarou que não estava pior e

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qFG HIJ KLG MJNO HOMOP QJ MRO SGTFRHUGV SGWUOXYGRZOV [RH[J MG O\ZRK 13,pelas dez horas da manhã, sem agonia, sem um gemido, sem um ai, comum ligeiro sorriso à flor dos lábios, a alma daquele anjo da terradesprendia-se suavemente dos frágeis liames do corpo e voava para oseio de Deus13. Contava dez anos, nove meses e quatro dias de idade,pois tinha nascido no dia onze de junho de mil novecentos e oito, às dezhoras da noite. As suas últimas palavras foram para a madrinha, a quempediu, alguns instantes antes de soltar o derradeiro suspiro, quando aviu assomar a porta, que o abençoasse e perdoasse os desgostos queporventura lhe tivesse dado. Os seus despojos mortais jazem sepultadosem campa rasa no humilde cemitério paroquial de Fátima.

A morte da Jacinta

É crença geral entre o povo que toda a família dos videntes [17]deFátima, assim como também estes, estão condenados a desaparecerdentro de pouco tempo, e acrescenta-se que isso lhes teria sido anunciadopela Aparição. Qualquer que seja o fundamento desta crença, o certo éque o pequeno Francisco, irmão da Jacinta, já faleceu, a Jacinta também,assim como uma irmã14, o pai da Lúcia da mesma forma, e a mãe estevehá pouco tempo à morte. Das três crianças, resta apenas a Lúcia, queera a que conversava com a Senhora, segundo ela afirma. A Jacinta, queera relativamente robusta, foi acometida pela pneumónica, donde lheresultou uma pleurisia purulenta, seguida doutras complicações. Tendovindo a Fátima um distinto especialista da capital, e tendo observado apequena, empenhou-se em que ela fosse para Lisboa, a fim de ver se,por meio duma operação, ainda era possível salvá-la. Buscou-se-lhealojamento em casa dalguma pessoa abastada, mas não se conseguiu.

Foi então hospedar-se na pobre morada duma modesta criatura,que a recebeu de bom grado, com grande contentamento da pequenaque, tirada do seu meio provinciano, toda ela era acanhamento e confusão.Para fazer a operação escolheu-se o hospital de D. Estefânia. Antes,porém, de recolher ao hospital, a criança disse que a Senhora lhe havia

13 Segundo o assento de óbito, Francisco faleceu no dia 4 de abril, às 22 horas.Tinha 10 anos.

14 Em 1930 tinham já falecido três irmãs de Jacinta: Teresa (nascida a 27 de fevereirode 1901 e falecida a 11 de outubro de 1902); Florinda (nascida a 3 de agosto de1902 e falecida a 7 de maio de 1920) e uma segunda Teresa (nascida a 5 deoutubro de 1904 e falecida a 3 de julho de 1921).

Doc. 120 1930-04-13

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que a operação era inútil. Apesar disso, e muito embora ela insistisse emafirmar que tudo era inútil, fez-se-lhe a operação, que correu bem,conquanto sem êxito feliz, como se viu. Quatro dias antes de morrer,como a pequena tivesse grandes dores e se queixasse, dizia-lhe a criaturaque a havia recolhido e a quem tratava por “madrinha”, que suportassecom paciência as suas dores, que isso seria muito agradável a Deus. Namanhã do dia seguinte disse-lhe a Jacinta: “Olhe, madrinha! Eu já nãome queixo! Nossa Senhora tornou-me a aparecer, dizendo que em breveme viria buscar e que me tirava [17v] já as dores!”. E de facto, desdeesse dia até que morreu, segundo consta, não tornou a queixar-se nemdeu mostras de sofrimento. Tendo sucedido a “madrinha” passar ousentar-se ao pé da cama, não longe do sítio em que “a Jacinta disse tervisto a Senhora”, a vidente exclamou: “Tire-se daí, madrinha, que aíesteve a Senhora!...”. E a mesma preocupação se lhe apresentava,quando alguma enfermeira passava pelo mesmo sítio. Como fossem aohospital algumas pessoas, imodestamente vestidas, ou visitá-la ou veroutros doentes, e algumas enfermeiras se apresentassem com certosexageros no traje, dizia, indicando essas pessoas e referindo-se adeterminados enfeites e decotes: “Para que serve aquilo!? Se soubessemo que é a eternidade!...”. Falando dalguns médicos que ela julgava seremincrédulos, lastimava-os, dizendo: “Coitados, mal sabem o que osespera!”. Afirmava a vidente que Nossa Senhora lhe havia comunicado:“que o pecado que leva mais gente à perdição, era o pecado da carne,que era preciso deixarem-se de luxos, que não deviam obstinar-se nopecado como até aqui, e que era preciso fazer muita penitência”. Eparece que a Senhora, ao dizer isto, se mostrava muito consternada,porque a pequena acrescentava: “Ai! Eu tenho muita pena de NossaSenhora! Tenho muita pena!”. Enquanto esteve em casa, antes de irpara o hospital, vivia em companhia doutra pequenita, a quemrecomendava muitas vezes “que fosse muito obediente, que não fossepreguiçosa e que nunca faltasse à verdade”. Pouco antes de morrer,perguntando-se-lhe se queria tornar a ver a mãe, respondeu: “que afamília dela durava pouco tempo e que em breve se encontrariam noCéu”. Disse mais que Nossa Senhora “devia ainda aparecer outra vez,mas não a ela, porque com certeza morria, segundo ela lhe disse”. Pediulicença para se confessar, muito embora se tivesse confessado ecomungado antes de entrar para o hospital. Foi confessá-la o rev.do

prior [18] dos Anjos, dr. Pereira dos Reis, mas não teve tempo de lhedar a Sagrada Comunhão. Entrou para o hospital no dia dois de Fevereiro

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x yz{{x| }z ~�� ��}�x� �x�z�� ~x ���x�x{, alguém aventou a ideia de atransportarem para a terra da sua naturalidade e assim se fez,promovendo-se uma subscrição para esse fim. Muitas pessoas que anão tinham querido receber em sua casa, depois que a pequena morreujá se mostravam solícitas em lhe prestar homenagem, até talvez com umbocadinho de exagero, o que provocou alguns reparos justos dum ilustresacerdote. Esteve o cadáver da pequena na casa de despacho da igrejados Anjos, aguardando a remoção para a estação e as necessáriasformalidades, saindo depois com grande acompanhamento. Alguém notoua coincidência de, quando saiu o enterro, se achar na igreja o Dr.Domingos Pinto Coelho15 e algumas pessoas de família, que por incidenteali haviam ido, e relacionou este facto com o célebre artigo escrito poresse ilustre advogado em outubro de mil novecentos e dezassete, o qual,apesar de ortodoxo, motivou reparos dalguma gente que ferve em poucaágua. A pequena deixou dois segredos para uma pessoa que se teminteressado por este assunto16. Em suma e em conclusão: Deus permitaque a luz da verdade resplandeça sobre este caso, não só pelo quepossa ter de miraculoso, como pelas consequências que daí possamresultar para a regeneração espiritual desta nossa querida Pátria.Entretanto, seja como for, vamos nós cumprindo a exortação que apequena atribuiu a Nossa Senhora e que é, afinal, a doutrina da Igreja:“Façamos penitência! Evitemos o luxo e o pecado da carne! Não nosobstinemos no pecado”, para que não nos suceda como a uns infelizes aquem a pequena se referiu, quando, dizendo-lhe a madrinha que erapreciso também orar por sua intenção, ela respondeu: “Pois sim,madrinha, mas esses já não têm remédio!”

[18v] O concurso de peregrinos

Um dos aspetos mais impressionantes do caso de Fátima é aconcorrência enorme de fiéis ao local das aparições, que assume

15 Advogado. Nasceu em Lisboa a 8 de outubro de 1855. Foi diretor da AssociaçãoCentral da Agricultura e do jornal “A Época”. Colaborador em vários jornais: “OPortugal”, “A Nação”, “A Ordem”, “Novidades”, “A Voz”. Foi autor de várioslivros em matéria jurídica. Fez parte da direção legitimista e da Lugar-Tenência deD. Miguel II. Foi eleito senador e vice-presidente do senado durante o governode Sidónio Pais. Faleceu a 14 de julho de 1944. Assinava os seus artigos com opseudónimo: A. de F.

16 O próprio Dr. Formigão.

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durante os meses da Primavera e do Estio. Há o que quer que sejanaquele local bendito que fascina e encanta os crentes, que atrai e prendeas almas, que empolga e arrebata os corações. Já na época dos sucessosmaravilhosos, as multidões se elevavam a dezenas de milhar de pessoas,excedendo em muito nas últimas aparições o número das multidões deLourdes no período correspondente da sua história Em Fátima, calcula--se em cerca de setenta mil o número das pessoas que assistiram aograndioso fenómeno solar. Principalmente depois que foi permitido oculto público na Cova da Iria17, o concurso de peregrinos intensificou-sede tal maneira, que nos últimos anos, no dia treze de maio e no dia trezede outubro, devia ter passado por Fátima cerca de meio milhão depessoas de ambos os sexos, de todas as idades e de todas as classes econdições sociais. A surpresa e a admiração que este facto despertasobe de ponto, se se considerar que a concorrência tem sido até hojeconstituída na sua quase totalidade por portugueses, que Portugal é umpaís apenas de seis milhões de habitantes, que a estação de caminho deferro mais próxima fica a cerca de vinte e cinco quilómetros de distânciae que o acesso ao local das aparições é difícil por causa do mau estadodas estradas e excessivamente dispendioso. Numa revista alemã, aKatholische Kirchenblat-Korrespondenz, no seu número de vinte etrês de novembro de mil novecentos e vinte e nove, Bety Arenz concluiassim um artigo reproduzido em outros jornais alemães: “Quem esteveuma vez, em treze de [19] outubro em Fátima, pode contar as horas queaí passou como as mais belas da sua vida. Só em treze de maio último,estiveram lá trezentos mil peregrinos. Cada vez este lugar se está tornandomais belo... Certamente tempo virá em breve em que a “LourdesPortuguesa” será semelhante em tudo ao “Lugar de Graça” dos franceses:“o número dos peregrinos é hoje em Fátima já superior ao deLourdes”.

Os inquéritos oficiais

Dada a importância que, desde o seu início, tiveram os acontecimentosde Fátima, cujo eco se repercutiu duma maneira assombrosa por todosos recantos do país e em breve passou além das próprias fronteiras, a

17 A 13 de outubro de 1921, é permitida, pela primeira vez, a celebração de missa,junto da Capelinha das Aparições.

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¨©ª«¬­®¨®¯ ¯°±¯²­³²ª­°¨ ®¯©´²¯ µ¬¯²²¨ ¯¶ ­·ª¯¬¸­¬ ·« ²¯© ®¯²¯·¬«±¨¬,promovendo inquéritos cujos resultados a habilitassem a pronunciar-secom segurança sobre a origem e a natureza desses acontecimentos. Naépoca das aparições, a Santa Sé já tinha restaurado a diocese de Leiria,suprimida nos fins do século passado durante a vigência do regimemonárquico, por acordo entre o Sumo Pontífice e o Real Padroeiro. Anomeação do primeiro Bispo da diocese restaurada devia demorar aindaalgum tempo. Entretanto o governo eclesiástico achava-se repartido entreo Patriarcado de Lisboa e o Bispado de Coimbra, dioceses às quaisestavam anexados os dois tratos de território de que ela se compunha.A região de Fátima fazia parte da circunscrição eclesiástica do sul, oPatriarcado de Lisboa. Presidia então aos destinos da primeira dioceseportuguesa em dignidade o excelentíssimo e reverendíssimo Senhor D.João Evangelista de Lima Vidal, Arcebispo de Mitilene e Vigário Geral,na ausência do Eminentíssimo Cardeal Patriarca, D. António MendesBelo18. Em ofício [19v] datado de três de novembro de mil novecentose dezassete, e junto ao processo, o venerando prelado ordenava aopároco de Fátima, reverendo Manuel Marques Ferreira, que procedessea um inquérito consciencioso sobre os factos ocorridos na paróquia aseu cargo, no dia treze do mês de outubro anterior, ouvindo testemunhasfidedignas e principalmente as crianças que se diziam favorecidas degraças singulares do Céu. No dia vinte e oito de abril de mil novecentose dezanove, o relatório do inquérito, acompanhado dum ofício, éfinalmente remetido ao venerando Prelado. Consta de dezassete folhase contém os depoimentos dos três videntes e de mais quatro pessoasque foram testemunhas presenciais dos acontecimentos. Por ofício datadodo mesmo dia, o Senhor Arcebispo incumbiu o rev.do Vigário de Portode Mós de proceder a um inquérito semelhante, de que ele dá contasem onze de novembro de mil novecentos e dezassete em documentoque consta de cinco folhas e contém os depoimentos de dezasseistestemunhas ajuramentadas aos Santos Evangelhos. No dia três de maio

18 D. António Mendes Belo nasceu em Gouveia a 18 de junho de 1842. Em 27 denovembro de 1883, foi nomeado Vigário Geral do Patriarcado de Lisboa e foisagrado Arcebispo de Mitilene no dia 27 de abril de 1884. No dia 20 de novembrode 1907, foi nomeado Patriarca de Lisboa. A 28 de dezembro de 1911, o governorepublicano expulsou-o do distrito de Lisboa, tendo ido viver para Santarém,sendo expulso, segunda vez, em agosto de 1917. Em dezembro, o governo deSidónio Pais revogou o decreto de expulsão. Governou o patriarcado até à suamorte, a 5 de agosto de 1929.

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D. José Alves Correia da Silva, venerando Bispo de Leiria, publicouuma provisão sobre os sucessos da Fátima. Nesse documento, depoisde fazer uma breve exposição dos factos e de recordar a doutrina daIgreja, nomeia a comissão canónica encarregada de estudar o caso deFátima e organizar o respetivo processo, segundo as leis canónicas.Esta comissão, depois de todos os seus membros terem prestado ojuramento do estilo, iniciou os seus trabalhos, de cujos resultadosapresenta agora o competente relatório, assim como os documentosnumerosíssimos onde se encontram os elementos em que baseou osestudos a que procedeu e as considerações que fez. Entre os documentosimporta destacar pela sua excecional importância o relató-[20]rio doinquérito oficial ordenado por Sua Excelência Reverendíssima o SenhorBispo de Leiria e realizado no Porto, em mil novecentos e vinte e quatro,com a devida autorização do venerando Prelado desta diocese, à videnteLúcia de Jesus, que era nesse tempo aluna do Asilo de Nossa Senhorade Vilar daquela cidade, dirigido pelas religiosas de Santa Doroteia,cujo Instituto ela abraçou dois anos mais tarde19.

As contrafações

A notícia das aparições de Fátima tinha-se espalhado ao longe e aolargo, por toda a vasta extensão da terra portuguesa, com a rapidezfulminante dum relâmpago. No dia treze de cada mês, nos últimos meses,próximo do meio-dia solar, hora marcada pelos videntes para o contactomístico entre a terra e o Céu, muitos milhares de pessoas comprimiam--se em volta da azinheira sagrada, sobre cuja copa a Visão celestepousava os seus pés virginais. A multidão, crente e piedosa, aguardavacom ansiedade, rezando em recolhimento e silêncio, que se renovasse ocolóquio misterioso de Lúcia com a Virgem e que mais uma vez seproduzissem os fenómenos extraordinários que tinham acompanhadoas aparições anteriores. Chegou o momento ardentemente suspirado eos videntes, que tinham acabado de recitar o terço do Rosário, ajoelhadosno chão agreste e pedregoso da charneca árida e escalvada, volveramos olhos para o alto, embevecidos na contemplação do Ente sobrenaturalque se dignava dirigir-lhes a palavra. Entretanto, as potências do infernoaliadas com as do mundo lançavam mão de todos os meios para

19 Lúcia, depois de ter estado no Asilo do Vilar, no Porto, desde 1921, entrou parao Instituto de Santa Doroteia, a 24 de outubro de 1925.

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a todo o custo as imponen-[20v]tes manifestações de Fé e piedade aque elas davam lugar. Um desses meios, aliás já utilizado sem êxito emLourdes, foi o lançamento pelo país inteiro duma larga rede de fictíciasvisões e aparições celestiais. E desde então até hoje jamais cessaram asmaquinações do espírito das trevas, procurando arrastar nas malhasdessa rede as massas populares, ignorantes e facilmente crédulas,servindo-se para a execução dos seus planos de auxiliares ambiciosos,interesseiros e sem escrúpulos. Barral, Alcanhões, Póvoa de Santarém,Estremoz, Póvoa de Varzim, Estarreja, Bitarães, Abelheira e Constânciasão outras tantas malhas dessa rede que, mercê da má-fé dalguns e daignorância e espírito supersticioso de muitos outros, têm forçado aautoridade eclesiástica a adotar medidas severas, mas justas enecessárias, para pôr cobro a explorações ignóbeis que redundavamem desprestígio e menosprezo da Religião. Essas manifestações pseudo--sobrenaturais, que provocaram grandes levantamentos de povo durantemuitos dias, caíram todas por si, desaparecendo como que por encanto,depois de tanta excitação e de tanto entusiasmo, por não terem a fecundá--las a seiva divina que alimenta Lourdes e que alimenta Fátima. A moedafalsa desaparece depressa da circulação.

A oposição do clero

Os acontecimentos extraordinários de Fátima, na época das apariçõese durante os primeiros anos que se lhes seguiram encontraram o cleroportuguês ocupando várias posições em face deles. A grande maioriados ministros da Igreja conservava-se numa expetativa de absolutaindiferença e de extrema frieza, considerando a raridade das apariçõessobrenaturais [21] e a dificuldade de provar a sua origem divina. Umnúmero bastante apreciável de sacerdotes guardava, juntamente com aprudente reserva que a Igreja aconselha perante factos desta naturezauma espetativa benévola, mas desacompanhada de qualquer intervençãono desenrolar dos sucessos. Ninguém poderia afirmar com sombra deverdade que o clero, mais interessado que nenhuma outra classe dasociedade no que se estava passando, concorresse em qualquer medida,por mais insignificante que fosse, com o seu trabalho, com o seu apoiomaterial ou moral ou sequer com o seu incitamento e aplauso, para asolução do caso de Fátima num sentido favorável aos interesses da Igreja.Alguns dos seus membros até, levando longe de mais a necessidade deacautelar o prestígio da Religião, atacaram desde logo o caso de Fátima

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incómodo de colher previamente, como exigem as regras mais comezinhasda crítica histórica, elementos de informação suficientes para fundamentarum juízo seguro e imparcial sobre a origem e a natureza dos sucessosmaravilhosos. O jornal católico “A Ordem”, de Lisboa, no seu númerode quinze de novembro de mil novecentos e dezassete, inseriu uma cartado reverendo José Freire, daquela cidade, em que o autor diz que sedeliciara com a leitura dum artigo, dias antes publicado, em que seprocurava reduzir às mais insignificantes proporções o fenómeno solarde treze de outubro com todas as suas circunstâncias. E logo a seguir, omesmo sacerdote acrescenta: ‘Muito bem! Principalmente aquelaspalavras de Cristo – ‘Se não virdes maravilhas, não credes’ – saíram--lhe muito felizes. Apoiado, sr. redator. O seu artigo merecia ser escritoem letras de ouro. Oxalá que estes católicos tomem juízo e estejam nosseus deveres até se ouvir no meio destas trevas aquela voz do Senhor:‘Faça-se [21v] a luz’. No mesmo jornal e no mesmo número, o reverendoabade José Castro, em carta dirigida à redação, publica o seguinte: “Enviosinceros parabéns pela sua atitude jornalística, a propósito do caso deFátima. Defende V. Ex.cia a boa doutrina. Aqueles que querem impôr àforça o ‘milagre’ são os seus piores inimigos, e não pode aproveitar-seo seu testemunho... Só factos posteriores podem autorizar osobrenatural”. O reverendo Manuel Marques Ferreira, pároco deFátima, em carta datada de quinze de agosto de mil novecentos edezassete, publicada no mesmo jornal, defende-se das acusações queinjustamente lhe são feitas de cumplicidade com o administrador doConcelho de Vila Nova de Ourém no rapto dos videntes realizado nodia treze desse mês. Afirma nela que a sua vida chegou a correr perigo,tão grande era a excitação dos ânimos, provocada pelo rapto e pelacalúnia que lhe foi assacada. Finalmente, expõe as razões da sua ausênciasistemática do local das aparições no dia treze de cada mês, a qual édevida à convicção em que se acha de que a sua presença não énecessária, se as aparições são realmente sobrenaturais, e ao desejo denão fornecer aos inimigos da Igreja um pretexto para que atribuam a féda multidão à presença ou aos conselhos do pároco de Fátima. É umfacto geralmente reconhecido que os videntes muitas vezes procuravamfugir ou esconder-se, quando sabiam que algum eclesiástico os procuravapara lhes falar, porque sabiam que eram por eles apertados com muitasperguntas capciosas e repreendidos e escarnecidos, como se fossemmentirosos e impostores. No inquérito a que foi submetida, quando eraeducanda do Asilo de Vilar, no Porto, Lúcia de Jesus declarou que,

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elas alguns sacerdotes, que a apertaram com perguntas e lhe ralharammuito, dizendo-lhe pessoas da sua família que ela mentia e [22] chegandoa própria mãe a bater-lhe com o cabo duma vassoura. Declarou também,noutra altura do interrogatório, que, depois do dia treze de agosto, algunssacerdotes que foram a casa dela para lhe falar a trataram de intrujona.Antes de ser permitido o culto público na Cova da Iria numa espécie decomício que até realizaram pessoas de sentimentos religiosos, crentesna verdade das aparições, mas pouco instruídas, um orador lamentousentidamente que o clero se alheasse do que ali se passava, censurandoos párocos da freguesia de Fátima e freguesias circunvizinhas econsiderando-os quase como inimigos dos interesses da Religião e daIgreja.

A perseguição particular: os atentados

Durante a noite de vinte e três para vinte e quatro de outubro de milnovecentos e dezassete, alguns carbonários de Santarém arrebataramfurtivamente os objetos que a piedade popular tinha colocado no lugardas aparições e no dia seguinte organizaram um cortejo sacrílego emque exibiram esses objetos e que percorreu as ruas principais daquelacidade com a complacência da autoridade administrativa e perante umapopulação inteira profundamente indignada e horrorizada. Consta que ogovernador civil e o administrador do concelho não só permitiram masaté auxiliaram este ignóbil e hediondo arremedo de procissão religiosa.O jornal “Diário de Notícias”, de vinte e quatro de outubro de milnovecentos e dezassete em correspondência de Santarém, publica oseguinte:

“O milagre da Fátima – Durante a noite de ontem, algumas pessoasque se fizeram transportar num automóvel a Fátima, foram ao local ondese deu o tão afamado fenómeno do dia treze do corrente mês, e de quetanto a imprensa se tem ocupado e, munidos dum ma-[22v]chado,cortaram a carvalheira, sob a qual as três crianças (pastoras) seapresentaram naquele dia. Trouxeram a árvore assim como uma mesa,sobre a qual alguns crentes haviam armado um modesto altar, onde foiencontrada a fotografia duma imagem religiosa (Nossa Senhora), umarco que a encimava, feito de rama de murteira, duas lanternas de folha,duas cruzes, sendo uma de madeira e outra de cana, envolta em papéisde seda. Todos estes objetos, assim como dois vasos com plantas, deramentrada nesta cidade às nove horas de hoje, encontrando-se em exposição

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partida do referido local, teve uma “pane”, não ganhando o “chauffeur”e seus companheiros para o susto, receosos de serem ali encontrados.O caso deve ter produzido grande sensação no espírito dos crentes ebons católicos da Fátima e suas cercanias. Constou que iam ser pagasas entradas para a visita aos ramos da árvore e imagens e que o apuroreverteria em benefício das Cantinas Escolares desta cidade, massabemos que a direção desta instituição de caridade recusa qualquerquantia que daí provenha. O jornal “O Século”, do dia vinte e seis deoutubro de mil novecentos e dezassete, em reportagem do seucorrespondente de Santarém refere-se nos seguintes termos à vil torpeza:“A noite passada muitos populares organizaram um cortejo à laia deprocissão, levando à frente uns tambores e a seguir os ramos da célebreárvore da aparição da Virgem em Fátima. Pelo mesmo cortejo eramconduzidos o arco de murta, as lanternas acesas, a cruz e mais objetosque os crentes tinham colocado no improvisado altar. O acompanhamentoentoava pitorescas ‘ladainhas’, e, num passo cadenciado, percorreu asprincipais ruas da cidade, dispersando na praça Sá da Bandeira, deonde tinha saído, indo muitos dos manifestantes depois juntar-se defronteduma janela, na rua Direita, de onde tinha sido lançado um balde deágua, que apanhou alguns manifestantes e um dos polícias que no cortejose tinham incorporado, e ali permaneceram algum tempo, em atitudehostil ao dono da casa, até que um cabo e um guarda da polícia cívicaapareceram, pedindo aos manifestantes para dispersarem o que depoisfizeram. A “Ordem”, de Lisboa, refere o seguinte no seu número devinte e sete de outubro de mil novecentos e dezassete, sob a epígrafe“Uma torpeza livre-pensadeira com o consentimento da... autoridade”.O “Diário de Notícias” publicou ontem a seguinte correspondência deSantarém: “Ao Sr. Ministro do interior – Às nove horas da noite deontem, um grupo de populares exibiu um cortejo pelas três principaisruas da cidade, conduzindo alguns deles, processionalmente, os objetoshá dias trazidos da Fátima, onde se deu o afamado fenómeno do diatreze do corrente mês. Um dos populares conduzia a carrasqueira, umoutro, acolitado por mais dois, figurando de eclesiásticos, conduziam,sob um chapéu de sol, uma cruz e, por fim, uns outros transportavam aestampa duma imagem religiosa, sendo encimada por um arco demurtinheira, ladeada por duas lanternas. Ao som do badalar dumacampainha e do rufar dum tambor, cerca de cem populares entoavamuma ladainha, sendo sobre os mesmos e um polícia civil lançado um[23] balde de água, quando passavam próximo da ourivesaria Lemos.

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resolveu não pagar a multa e fazer escândalo no tribunal.Toda a genteestranha ao cortejo, especialmente os católicos, comentamverberantemente a indiferença ou consentimento de tal desacato porparte da autoridade administrativa, que, durante a sua estada, aqui sótem revelado uma manifesta incompetência no desempenho da suamissão, não sabendo evitar factos vexatórios [23v] e impróprios dumacidade, como o que vimos relatando. O Sr. Dr. José António dos ReisJúnior poderá ser um bom advogado, um bom chefe duma secretaria eum bom cidadão, qualidades que não lhe contestamos, mas o certo éque Deus não o fadou para o cargo para que nunca deveria ter sidonomeado. Desde o desacato de há dois anos que teve o seu início àsaída da praça dos touros e que teve o final de ato no hotel Central, queesta cidade vem perdendo o conceito de longa data mantido peladisciplina hoje desusada. O facto de ontem que representa um vibrantedesacato à lei de separação da Igreja do Estado, e ao livre pensamentodos outros que não pensam como o sr. administrador do concelho, deveriater-se evitado, porque desde manhã que se tornou do domínio público.Desde que a citada lei proíbe procissões religiosas sem consentimentoda autoridade administrativa, esta tinha a estrita obrigação de proibir ofacto exibido. O semanário “O Mensageiro”, de Leiria, no seu númerode vinte de dezembro de mil novecentos e dezassete, insere o seguinte:“O caso da aparição da Virgem aos três pastores no sítio do Vale da Iriaestá causando sérios engulhos aos nossos livres-pensadores. Um ternodeles lembrou-se de vir até Vila Nova de Ourém ver se conseguia arranjaradeptos, e, de camaradagem com o administrador do concelho, o mestrefunileiro, apareceram no dia um, no fim de muito anunciados, no CentroRepublicano, para falar às turbas contra o milagre da Fátima. Tantoessa conferência como um comício, fizeram-nos anunciar em algunsjornais da capital e em panfletos distribuídos nesta vila e por todo oconcelho, no dia de mercado e já no domingo anterior. O que se sabe,porém, é que para o milagre, ou como lhe queiram chamar, não foipreciso convites e no local da aparição da Virgem, no dia treze deoutubro, reuniram-se para cima de cinquenta [24] mil pessoas, não tendosido precisa a intervenção da autoridade para manter a ordem, nemforça militar, não obstante a grande quantidade de automóveis, carrosde diversas qualidades, bicicletas, etc., etc., não havendo o mais pequenodesastre. Haja agora em vista o tão anunciado comício, no local daaparição da Virgem, que não chegou a efetuar-se porque só apareceramos célebres oradores, acompanhados do administrador do concelho e

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republicana desta vila e outras vindas de Tomar e de Torres Novas, queforam obrigados a ir ao local da Fátima, visto a consciência da seriedadee do papel que iam desempenhar os oradores! Então, srs. ministros doInterior e da Guerra, as tropas republicanas desviam-se dos seus serviçospara guardar as costas aos srs. republicanos? Foi um verdadeiro fiasco,já a conferência no Centro, e muito maior no lugar de Fátima, onde osoradores tiveram de desistir, visto que o povo do concelho, por desprezo,não concorreu ao local, não obstante tanto convite que lhe foi feito, poisque ali só apareceram oito pessoas para os ouvirem, à exceção de grandenúmero de mulheres que à sua chegada entoaram o Bendito, voltando-lhes logo as costas. Eis pois, o paralelo entre os dias treze de outubro edois de dezembro. Por isso lhes dizemos: outro ofício, e a quem vosconvidou, para a sensaboria que apanharam e o susto, quando no trajetode regresso a esta vila foram mimoseados com algumas pedradas, peloque o sargento comandante da força teve que fazer fogo.”

O segundo atentado foi cometido no dia seis de março de milnovecentos e vinte e dois, alta madrugada. O receio das explosões dacólera popular levou os criminosos a executar o seu horrível desígniocom o favor das sombras da noite. Recaem fundadas suspeitas sobrealguns indivíduos de Lisboa, Santarém e Vila Nova de Ourém, indigitados[24v] como promotores, executores e cúmplices do nefando atentado ecujos nomes se citam. Os desgraçados arrombaram a porta da capela ea golpes de alvião abriram quatro buracos nas paredes, a distânciasiguais, dois palmos acima do pavimento, introduzindo em cada um delesuma bomba de grande potência. Essas quatro bombas rebentaram,comunicando o fogo ao madeiramento do teto fazendo-o abater. Umaquinta bomba foi colocada na cova, em que se encontra a raíz da azinheirasobre a qual, no dizer dos videntes, pousavam os pés da Aparição, masnão explodiu. As paredes da capela, embora bastante danificadas, ficaramde pé. A Associação do Registo Civil e a Federação do livre Pensamentoeditaram um longo panfleto com a epígrafe: “Aos liberais portugueses” eas subepígrafes: “A reação campeia desenfreada! !! Contra a torpeespeculação feita com a comédia ridícula de Fátima protestamenergicamente a Associação do Registo Civil e a Federação Portuguesado Livre Pensamento”20.

20 O relator equivoca-se ao datar o panfleto depois do atentado de 6 de março de1922. O panfleto refere-se ao dia 13 de outubro de 1917 (cf. Doc. 27).

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O primeiro ato de perseguição oficial foi o rapto dos três videntesefetuado no dia treze de agosto de mil novecentos e dezassete peloadministrador de Vila Nova de Ourém pouco antes da hora marcadapara a quarta aparição. Chefe local do partido democrático, que navigência do novo regime foi o partido que assumiu uma feição maisacentuadamente anticlerical e antirreligiosa, inteligente, audaz, mas semcultura literária ou científica, o administrador que tinha a profissão defunileiro, procedia no exercício das suas funções como um verdadeirodéspota, seguro da impunidade, cometendo toda a casta dearbitrariedades contra a Igreja e contra o clero, como instrumento damaçonaria [25] que na sede do concelho possuía um triângulo. A notíciado rapto que se espalhou rapidamente e foi levada sem demora à Covada Iria, onde uma multidão de muitos milhares de pessoas aguardava achegada das crianças, causou a mais profunda impressão nas pessoasque dele tiveram conhecimento. A mãe da Lúcia, quando lhe disseramque a filha tinha sido presa, respondeu: “Se foi por Deus, Deus osguardará, se mentiram, não continuam!...”. E, enquanto muitas pessoaschoravam de pena ou de indignação, ela conservava a serenidade dumaalma verdadeiramente cristã. O administrador tinha um ardente desejo ealimentava a esperança de descobrir a interferência e manejos secretosda reação clerical no caso de Fátima, que tanto o preocupava. Por issosubmeteu as crianças, durante os dias em que as conservou em suacasa, a interrogatórios repetidos e capciosos, tentando debalde fazê-lascair em contradições e recorrendo, também sem resultado, a promessase ameaças, já para as obrigar a confessar que estavam desempenhandouma comédia ensaiada, já para lhes arrancar o segredo que, segundoelas diziam, a Aparição lhes comunicara e que a ninguém podiam revelar.Este abuso inqualificável da autoridade administrativa, que tão profundacomo justa indignação provocou em toda a gente de bem, constituiu umato providencial, que veio reforçar a convicção geral, nesse tempo játomada, de que as crianças não faltavam conscientemente à verdade.No dia treze de maio de mil novecentos e vinte, quinta-feira da Ascensão,devia realizar-se uma das mais esplendorosas manifestações de Fé epiedade em honra da gloriosa Senhora aparecida. A Maçonaria, sabendoo que se preparava, fez correr em Lisboa o boato de que a peregrinaçãoseria uma grande manifestação política. O seu intuito era conseguir queo governo proibisse a peregrinação, o que realmente sucedeu. O

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aRSTUTVWXaRYX RZ Torres Novas, tendo conhecimento de que devia serexposta à veneração pública uma imagem [25v] de Nossa Senhora deFátima oferecida por um devoto daquela vila, não permitiu que ela saissepara Fátima, mandando cercar por tropa a casa onde estava guardada.Um piedoso estratagema frustrou os planos da autoridade. Para a Fátimatinham sido enviados, por ordem do governo grossos destacamentos detropa de linha, infantaria, cavalaria, e uma força da guarda republicana apé e a cavalo, comandada por um tenente. As forças formaram doiscordões: um na Cova da Iria e o outro a dois quilómetros de distânciajunto da igreja paroquial de Fátima. No concelho de Vila Nova de Ouréme noutros concelhos não foi permitido alugar carros. Uma trovoada quese desencadeou formidável, acompanhada de chuva abundante, obrigoua tropa a retirar. Os peregrinos, que já antes se dirigiam por atalhosatravés dos campos para as imediações da Cova da Iria, vendo livres asestradas, acorreram em massa ao local das aparições. Em treze de maiode mil novecentos e vinte e dois tenta-se novamente proibir a grandeperegrinação nacional. Em Torres Novas e noutras terras foi largamentedistribuído um manifesto intitulado “A comédia de Fátima”. O governadorcivil de Santarém, democrático e livre-pensador, enviou ao administradorde Vila Nova de Ourém o seguinte telegrama que ele declarou serreprodução doutro recebido do ministério do interior: “Proíbaterminantemente essa grande parada de forcas reacionárias em Fátima”.O presidente do ministério engenheiro António Maria da Silva, disse aum redator do jornal “A Época”, que o entrevistou sobre esse assunto,que o governo não tinha proibido a peregrinação. O administrador doconcelho respondeu ao governador civil: “que não proibia de modo algumessa peregrinação em que tomavam parte cerca de cinquenta mil pessoas;que proibí-la era desprestigiar o próprio regime; que a sua resoluçãoinabalável tinha o apoio de todos os [26] democráticos e republicanosde várias cores do concelho, os quais consultara”. Houve ainda outratentativa de proibição, procedimento por vias legais contra doisprofessores de instrução primária por não terem dado aula num dia treze,casos isolados de difamação e zombarias e ataques à Religião e à Igrejanas colunas da imprensa sectária por motivo das manifestações de Fátima.

O Senhor D. José Alves Correia da Silva ea “Obra de Fátima”

O Senhor D. José Alves Correia da Silva foi nomeado Bispo deLeiria dois anos depois das aparições e dos sucessos maravilhosos.

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no episcopado o felicitou por estar sujeita à sua jurisdição a futura Lourdesportuguesa. O motivo dessas felicitações era para o venerando Antístitemais uma fonte de preocupações e responsabilidades. Por isso umasombra de tristeza toldou-lhe o espírito, ao ouvir essas palavras deparabéns, que lhe recordavam um dos espinhos mais agudos do seumúnus episcopal. Quando um membro do clero do Patriarcado, a quemo Excelentíssimo Senhor Arcebispo de Mitilene, na ausência doEminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca, tinha encarregado deacompanhar de perto e estudar os acontecimentos de Fátima, se dirigiua Leiria, um mês depois que Sua Excelência Reverendíssima tomou posseda sua Sé episcopal, para o cumprimentar e receber as suas instruçõessobre a orientação dos trabalhos relativos à propaganda de Fátima,pôde facilmente descobrir, entre as demonstrações cativantes de bondadee gentileza, uma frieza e uma indiferença difíceis de disfarçar por tudo oque interessava ao fim principal da vi-[26v]sita. Um mês depois, ovenerando e saudoso pároco do Olival e vigário da vara de Vila Novade Ourém, escrevia-lhe, após uma entrevista que tivera com oExcelentíssimo Prelado, dizendo que ele, posto ao corrente de tudoquanto se tinha passado na Cova da Iria, reconhecera claramente odedo da Providência suscitando tantas maravilhas e, longe de criarobstáculos à propaganda de Fátima, a permitia de bom grado,ressalvando porém, como não podia deixar de ser, os direitos domagistério eclesiástico quanto à apreciação da natureza dos sucessosreputados maravilhosos. Desde esse momento, a ação desenvolvida peloilustre e incansável Prelado tem sido verdadeiramente colossal. Que odiga a intensificação da propaganda pró Fátima que tem chegado aosrecantos mais afastados de Portugal e até aos confins do mundo. Que odiga a difusão do mensário “Voz da Fátima”, pregoeiro das glórias daVirgem, cuja tiragem se eleva a muitas dezenas de milhar de exemplarese cuja circulação não é igualada por nenhuma outra publicaçãocongénere. Que o diga a majestade e imponência das grandiosasmanifestações de Fé e piedade, realizadas no recinto das aparições.Que o diga o zelo admirável que dedica à Obra de Fátima, promovendoa construção dos santuários da Cova da Iria e dos seus anexos, tomandoparte nas grandiosas manifestações de Fé, esforçando-se por coibir todaa sorte de abusos, fomentando a fé e a piedade dos peregrinos,organizando a obra dos retiros, instituindo a Confraria de Nossa Senhorado Rosário e as Associações de servos e servas de Nossa Senhora doRosário, fundando um albergue para os peregrinos e proporcionando

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peregrinos pobres e doentes. E, facto culminante na vida do ínclito eapostólico Prelado, cerca de cinco anos depois da primeira aparição, aSanta Igreja levanta pela primeira vez a sua voz para falar dosacontecimen-[27]tos de Fátima pela boca do venerando Prelado deLeiria. A três de maio de mil novecentos e vinte e dois, o Senhor D. JoséAlves Correia da Silva publica uma provisão – o primeiro documentooficial sobre tão momentoso assunto–, não para se pronunciar acercada origem e natureza dos fenómenos extraordinários, mas para prepararos elementos em que se há-de basear a autoridade eclesiástica, a fim depoder proferir com pleno conhecimento de causa o seu veredicto. Nessaprovisão nomeia a comissão encarregada de estudar os factosconsiderados miraculosos e organizar o respetivo processo canónico. Éesta comissão que tem a honra de apresentar agora a Sua ExcelênciaReverendíssima o resultado dos trabalhos a que procedeu em obediênciaàs determinações dessa provisão.

O interrogatório oficial de Lúcia de Jesus

Em virtude da importância excecional que possui um assunto destanatureza, convém examinar detidamente o relatório do processo verbala que foi submetida a principal protagonista das aparições em tal épocae em tais circunstâncias da sua vida que o seu depoimento não podedeixar de oferecer as mais seguras garantias de credibilidade. Foi no diaseis de julho de mil novecentos e vinte e quatro que Sua ExcelênciaReverendíssima o Senhor D. José Alves Correia da Silva, venerandoBispo de Leiria, em ofício endereçado ao Senhor Bispo do Porto, D.António Barbosa Leão, requereu licença para que os reverendosDoutores Monsenhor Cónego Manuel Pereira Lopes, professor doSeminário do Porto, Manuel Marques dos Santos, professor doSeminário de Leiria e Manuel Nunes Formigão, professor do Semináriode Santarém, interrogassem a única vidente sobrevivente, reduzindo aauto as suas declarações para serem juntas ao processo eclesiásticoque estava correndo na diocese de Leiria acerca dos acontecimentossucedidos em Fátima em mil novecentos e dezassete. Lúcia de Jesus[27v] tinha então dezassete anos de idade, e estava internada no Asilode Vilar, da cidade do Porto, dirigido pelas religiosas do Instituto deSanta Doroteia. O interrogatório realizou-se a oito de julho do mesmoano, precisamente no dia seguinte ao último do primeiro Congresso

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������� ��������21, realizado em Braga. Ajuramentada aos SantosEvangelhos, Lúcia prometeu dizer toda a verdade e só a verdade. Aleitura desse processo verbal não pode deixar de impressionarprofundamente toda a pessoa que o ler de boa fé. De cada resposta davidente, de cada afirmação sua, ressalta, com uma evidência dominadora,a sinceridade das suas declarações, a verdade do seu depoimento.Exprime-se com uma serenidade, uma calma, uma simplicidade, umacento de firmeza e de convicção tão íntima, e ao mesmo tempo comuma humildade tão grande, como se se tratasse de coisas que não lhedissessem respeito, que o seu depoimento não deixa nada a desejar enão é de modo nenhum inferior sob qualquer ponto de vista, ao daBeata Bernadette Soubirous, a angélica vidente de Lourdes, no processocanónico que foi instaurado por ordem de monsenhor Bertrand-SévèreLaurence, Bispo de Tarbes. Nas declarações de Lúcia de Jesus, porocasião deste inquérito, há três pontos que convém focar. Um dos pontosé a prisão da vidente e dos seus covidentes no dia treze de agosto comos episódios que se desenrolaram durante os dias em que estiverampresos. O administrador do concelho, jacobino exaltado, que em nadase pode comparar com o comissário de policia de Lourdes, Jacomet,estava empenhadíssimo, por ódio à Religião e à Igreja, em pôr termo àsmanifestações de Fé e piedade de que era teatro a Cova da Iria, haviaquatro meses22. Por esse motivo, no dia em que devia realizar-se a quartaaparição, como já se disse mais atrás, apodera-se à falsa fé das pobrescrianças e leva-as numa charrette para sua casa em Vila Nova de Ourém,sede do concelho. [28] Ali fecha-as num quarto, interroga-as, servindo--se de toda a espécie de trucs policiais para as fazer cair em contradição,para as obrigar a desdizerem-se e para lhes arrancar o segredo quedizem ter-lhes sido confiado pela Aparição. É preciso não esquecer quenessa data a Lúcia tinha dez anos de idade, o Francisco nove e a Jacintaquase sete23, que todos três eram crianças ignorantes e tímidas e quenunca tinham saído da sua terra. Não há promessas nem ameaças deque a autoridade não lance mão para conseguir os seus fins. Logo quechegaram a Ourém, as crianças são fechadas num quarto e dizem-lhesque não sairiam dali, enquanto não declarassem o segredo que a Senhoralhes tinha confiado. No dia seguinte, depois de interrogadas por uma

21 O relator quereria referir-se ao 1º Congresso Eucarístico Nacional, realizado emBraga, de 2 a 6 de julho de 1924.

22 Três meses (maio, junho e julho).23 Cf. nota 1.

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interrogadas, havendo quem lhes ofereça peças de ouro para revelaremo segredo. À tarde foram outra vez interrogadas sobre o segredo.Levaram-nas à cadeia e ameaçaram-nas de lá as fazerem ficar, se o nãodissessem. Como elas o não quisessem dizer, ameaçaram que as iamfritar em azeite. Nessa altura, na presença das crianças, o administradordisse a um indivíduo que estava próximo que aprontasse uma caldeiracom azeite quente. Chamou depois a Jacinta, dizendo que era a primeiraa ser queimada. Ela foi prontamente, e a Lúcia, no seu depoimento,acrescenta ingenuamente que foi sem se despedir. Interrogaram-na emeteram-na num quarto. Chamaram em seguida o Francisco, disseram--lhe que a Jacinta já estava queimada e que ele teria a mesma sorte, senão declarasse o segredo. Interrogaram-no e mandaram-no para omesmo quarto. Foi depois a vez da Lúcia. Disseram-lhe que os primosjá estavam queimados e que ela teria a mesma sorte, se não dissesse osegredo. Embora pensasse que era certo, a vidente não teve medo,como ela própria declara. Mandaram-na para junto dos primos e umhomem disse que não tardariam a ser queimados todos três. Levaram--nos [28v] para casa do administrador e lá ficaram mais uma noite nomesmo quarto. No dia seguinte, sucedeu quase a mesma coisa:interrogatórios de manhã e de tarde, com muitas promessas e ameaças.No dia dezasseis24 foram outra vez à administração, pelas dez horas,mas nada conseguiram dos videntes, como das outras vezes, até quepor fim o administrador os foi levar à residência paroquial de Fátima.Quem é que não vê o que há de extraordinário, assombroso mesmo,nesta atitude das crianças? Não se apalpa, por assim dizer, em tudo oque se passa com elas em Vila Nova de Ourém, uma proteçãosobrenatural a protegê-las, a ampará-las, a confortá-las? Sem uma forçado Alto, era fácil fazê-las cair em contradição, arrancar-lhes o segredo,obrigá-las a desdizerem-se. Crianças tão novas, tão rudes, tãoignorantes, como poderiam vencer os laços que lhes armavam ainteligência e a impiedade e resistir a promessas tão sedutoras e sobretudoa processos de intimidação tão horrorosos, se não estivessem na possesegura da verdade e não tivessem Deus por si? Outro ponto é o que dizrespeito à predição do fenómeno solar do dia treze de outubro,presenciado por cerca de setenta mil pessoas, que a predição espalhadarapidamente por todo o país atraira naquele dia ao local das aparições.

24 Cf. nota 3.

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�  ¡¢£¤¤¡¥¤  ¡ £¦§¤¨§25, dia da quarta aparição, depois dos tristesepisódios de Ourém, a Lúcia pediu à Senhora um milagre para que opovo acreditasse, e Ela disse que no último mês faria um sinal no sol eque todos haviam de acreditar. Depois do que se passara na sede doconcelho e em face das dúvidas que tantas pessoas manifestavam acercada realidade e sobrenaturalidade das aparições, era natural que a Lúciase lembrasse de pedir à Senhora uma prova evidente de que ela não eramentirosa, como muitos pretendiam. Se não se lembrou, decerto alguéma aconselharia a fazer esse pedido. No dia treze de setembro, a Lúciainsistiu pelo cumprimento da promessa. Eis as palavras textuais queconstam do relatório a fls. 526: “Pedi outra vez [29] que fizesse um milagrepara o povo acreditar, porque diziam que eu era uma intrujona que deviaser enforcada e queimada. A Senhora deu-me a mesma resposta daoutra vez”. O terceiro ponto e em si mesmo de nula ou insignificanteimportância, mas serve admiravelmente para mostrar a delicadeza deconsciência e o escrúpulo que a Lúcia teve em todo o seu longodepoimento, para que não escapasse nenhuma inexatidão, por maispequena que fosse. No princípio do interrogatório, a fls. 127, depois dapergunta do estilo: “Quando fizeste a primeira Comunhão?”, está exaradaesta resposta: “Fiz a minha primeira Comunhão aos sete anos; o senhorPrior não ma queria dar por eu ser muito pequena, mas por fim fez-mea vontade, a pedido do senhor Padre Pena”. Ou porque a vidente nãose exprimiu com suficiente clareza, ou porque as palavras lhe atraiçoassemo pensamento ou enfim porque o notário não ouvisse ou nãocompreendesse bem a resposta, a última parte dela, acima sublinhada,era inexata. Quando, depois de ter acabado de fazer as suas declarações,lhe foi lido pelo notário o seu depoimento, ela achou tudo conforme averdade, exceto na resposta à pergunta acerca da sua primeiraComunhão, porquanto, como ela mesma diz, “o senhor Prior é que sechamava padre Pena e era ele que lhe recusava a comunhão por a acharmuito nova, mas por fim cedeu às suas instâncias por ver que sabia ocatecismo”. Feliz engano, que foi ocasião de se obter uma contraprovade peso considerável em favor da sinceridade perfeita e da minuciosaexatidão das declarações da vidente!

25 Cf. nota 3.26 Trata-se do interrogatório a Lúcia, no dia 8 de julho de 1924 (cf. Doc. 82).27 Cf. nota 26.

Doc. 120 1930-04-13

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Realizado no dia treze de outubro de mil novecentos e dezassete oestupendo sinal de Deus, que Lúcia de Jesus, a privilegiada da Virgem,anunciara dois meses antes para [29v] confirmação da veracidade dosseus depoimentos e a que assistiram com assombro e extrema comoçãomais de sessenta mil pessoas de todas as classes e condições sociais ede todos os pontos do país, a feliz vidente tinha concluído a sua missãode embaixatriz da Mãe de Deus, augusta Padroeira de Portugal. Àsemelhança do precursor S. João Batista, a partir desse momento, elatinha de se diminuir, de se apagar, de quase desaparecer aos olhos domundo, para que só a Virgem fosse glorificada e a sua obra assumisseas proporções da mais colossal maravilha do século vinte... Eraindispensável que momentaneamente caísse no olvido o instrumento frágile desproporcional de que a Divina Providência se dignou servir parainiciar essa obra. Como Bernadette Soubirous, a humilde pastorinhados Pirenéus, a feliz vidente de Fátima foi preparar-se para outra missãoque mais de perto lhe interessava, porque a ela estavam ligados os seusdestinos imortais, a tarefa grandiosa da sua santificação e salvação eterna.Terminada a sua educação num colégio do Norte, onde viveu muitosanos entregue à prática de todas as virtudes, obedeceu sem hesitar aochamamento divino, saíndo do seu país e entrando no Noviciado dumadas mais ilustres e beneméritas Congregações religiosas, a Congregaçãode Santa Doroteia. A atmosfera do Noviciado, toda impregnada deoração, de sacrifício e de amor, era sem dúvida o elemento que convinhaà sua vida espiritual, após a formação do Colégio. Ali, ocupada nosserviços mais grosseiros da casa, edificava a todos com a sua profundahumildade e a sua exata observância do regulamento e a Rainha do Céufavorecia-a com novos privilégios, como penhor da sua predileçãoespecial. Um ano depois, no dia três de outubro de mil novecentos evinte e oito, dia de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face,na casa de Noviciado de Tuy (Espanha), nessa estância de paz bendita,onde cada ano, tantas almas, cândidas e inocentes, contraem místicosesponsais com [30] Jesus, o divino rei dos reis, uma falange escolhidade virgens faz os derradeiros preparativos para o enlace misterioso hámuito tempo suspirado, o sublime e inefável himeneu com o celestialEsposo. Todos estão já a postos para a tocante solenidade que se vairealizar.

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entra na linda e devota capela, onde vítimas voluntárias de reparação eexpiação todos os dias elevam para o Céu o incenso das suas precesfervorosas, a mirra das suas virtudes acrisoladas e dos seus sacrifícios eo ouro dum amor precioso e sem liga, heróico e santo. Era sua ExcelênciaReverendíssima o Senhor D. José Alves Correia da Silva, primeiro Bispode Leiria, depois da restauração da diocese, que devia presidir àcerimónia, expressamente convidado para esse fim. Motivo de forçamaior inibiu-o de comparecer. O recinto sagrado regorgita de fiéis. Emlugares de destaque veem-se alguns convidados de elevada categoria.Aproxima-se o momento solene, ansiosamente esperado, dos místicosesponsais, das venturosas donzelas que vão consagrar-se para sempre,dum modo especial ao serviço daquele adorável Senhor, a quem servire reinar. Em atitude modesta e recolhida, e na mais perfeita e edificantecompostura, mas palpitantes de intenso e comovido júbilo, elas ali estão,em fila, nas longas bancadas da capela, de mãos postas e olhos postosno Céu, orando incessantemente e com fervor. Confundida com asdemais, há uma, que nada assinala a atenção dos circunstantes, mas quemerece uma referência sobremaneira particular. É Lúcia de Jesus, a felizvidente de Aljustrel, a principal protagonista das Aparições de NossaSenhora de Fátima, a Lourdes de Portugal. Tem vinte e um anos deidade. Esta tenra e mimosa flor dos campos, colhida entre as urzes eazinheiras da serra de Aire, e transplantada do pátrio solo para umanesga de terra estrangeira, onde o respeito dos direitos da Consciênciahumana não se reduz [30v] a uma palavra vã e a liberdade para o bemnão é uma ficção, lá se vê, no meio das flores, nascidas noutros climas esob outros céus, pronta a embalsamar perenemente com o seu deliciosoaroma a ara santa e o ambiente do augusto santuário. O ilustre oficiante28

revestido dos paramentos sacros, entoa o “Veni Creator”, invocandosobre as futuras esposas do Redentor, as luzes e graças do DivinoParáclito, o Amor incriado e consubstancial. A comunidade religiosa e amultidão dos fiéis cantam o admirável hino litúrgico, que o órgãoacompanha com a sua voz majestosa e plangente, convertendo-o numcântico de glória, num hino vibrante de ressurreição e de triunfo. Emseguida o ministro sagrado, pronunciando as orações do Ritual benze ocrucifixo destinado à futura professa, asperge-o com água lustral,servindo-se para isso do hissope, e depois procede da mesma forma à

28 Pe. Cândido Mendes.

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468 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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-lhe: “Minha filha, que é que pedes?”. Lúcia de Jesus, grave e austera nasua graciosa simplicidade, responde com uma voz firme e pausada: “PeloAmor de Deus e de Maria Santíssima, minha terna e cara Mãe, peço agraça de ser admitida neste santo Instituto, para nele me consagrar detodo ao serviço de Deus e à salvação do próximo, e de me ligar tambémcom os votos de Pobreza, Castidade e Obediência, que desejo fazersegundo o espírito e regras deste mesmo Instituto”. E o interessante ecomovente diálogo continua, cada vez mais vivo e animado, entre ovenerando sacerdote, que representa a Santa Igreja e fala e procede emnome dela, encarecendo a grandeza e importância do ato da profissãoreligiosa e os deveres e responsabilidades que lhe estão inerentes, e ahumilde e despretensiosa menina, que responde sem hesitar, firme einabalável na sua generosa resolução e cheia de confiança [31] filial nabondade omnipotente do Altíssimo. “Tens pensado bem nas obrigaçõesque andam anexas a estes votos?”. “Sim, seriamente o tenho pensado, eespero, com o auxílio de Deus e a intercessão de Maria Santíssima e daSanta Padroeira deste Instituto, poder cumpri-los e é por isso que peçoa graça de mos receber”. “Renunciaste com toda a liberdade e comtodo o coração ao século e a todas as pretensões mundanas?”. “Sim,Reverendíssimo Senhor”. “Então queres tomar a Jesus Cristo por teuEsposo?”. “Sim, com todo o meu coração”. Nesta altura o ministro doSenhor apresenta o crucifixo à noviça e, dando-lho a beijar, diz: “Recebe,minha filha, esta cruz na qual esta pregado Aquele que deve ser o teumodelo e o único objeto de todo o teu amor”. E acrescenta as palavrasseguintes que são como que a forma substancial dos místicosdesponsórios, que se estão realizando: “Seja o teu Amado como umfascículo de mirra e faça do teu coração a sua morada permanente, empenhor duma união eterna e dum eterno amor. Sit tibi fasciculus myrrhaedilectus tuus, et super cor tuum comoretur, in signum amoris etunionis sempiternae.” Segue-se a imposição do véu, durante a qual ooficiante diz: “Recebe o jugo do Senhor; o seu jugo é suave e o seu pesoé leve”. Proferidas estas palavras, dá-lhe a bênção e depois paramenta--se para rezar a santa Missa. Começa o incruento sacrifício dos nossosaltares. O silêncio é mais profundo, o recolhimento mais intenso, a oraçãode todos mais fervorosa. Pairam vagamente naquele ambiente sagradoharmonias celestiais. Dir-se-ia que os Anjos da guarda do Sacrário,onde repousa na Hóstia sacrossanta o Divino Rei de amor, unem dummodo sensível as suas alegrias e o seu gozo aos júbilos das almascongregadas naquela casa de Deus. É chegada a ocasião de ministrar o

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ëìí îïîí ðñòóïðí ðí ôõö÷ øùòú ûüýîþ ùÿPñò ðïòòíú í óñ�ñ��ùÿPñ îí�Pù�

-se, com o Santíssimo Sacramento nas mãos, para a eleita do Senhorque, com voz clara, mas comovida, pronuncia, em face do Céu e daterra a sua consagração – a fórmula dos votos de Pobreza, Castidade eObediência. Feitos estes votos, a irmã aspirante entrega à Superiora afórmula dos mesmos assinada por sua própria mão e depois recebe oPão dos Anjos. Terminada a Missa, o representante da Igreja faz umaexortação à Irmã aspirante. São palavras paternais dirigidas à ovelhinhaquerida da grei espiritual do venerando Prelado de Leiria, à Bernadetteda Lourdes da sua privilegiada Diocese. Intima-lhe, mais uma vez, odever rigoroso de cumprir as promessas sagradas e invioláveis que acabade fazer perante os santos altares. Recomenda-lhe com particularempenho a observância das constituições e regulamentos da gloriosa ebenemérita congregação a que tem a honra e a ventura de pertencer. E,concluindo, faz ardentes votos ao Céu para que, fiel às inspirações dagraça divina, se eleve nas asas da humildade e da confiança, aos páramosda perfeição espiritual, às culminâncias da santidade. O cântico do “TeDeum”, versículos e orações do estilo, pôs remate a esta solenidadesimultaneamente singela e grandiosa, a que os ritos e cerimónias da liturgiacristã imprimem um cunho de beleza e majestade incomparável. Lúciade Jesus, em religião Irmã Maria Lúcia das Dores, flor dos campos hojeconvertida em mimosa flor do claustro, será mais um pára-raios erguidosobre esta infeliz terra de Portugal, outrora pátria de heróis e de santos,a fim de desarmar a cólera divina, irritada com as culpas individuais ecom os desvarios coletivos, e atrair para este abismo insondável deiniquidade torrentes caudalosas e incessantemente renovadas de perdão,de graça e misericórdia.

[32] O culto de Nossa Senhora de Fátima nocontinente de Portugal, nas ilhas adjacentes e nas

possessões ultramarinas

Talvez nunca em todo o mundo uma devoção fosse acolhida comtanto alvoroço e entusiasmo pelos fiéis e propagada com tanta rapidezpor toda a parte como a devoção a Nossa Senhora de Fátima. Estescarateres, que a singularizam entre tantas outras devoções e formas deculto, mostram bem a sua origem providencial. Já na época das apariçõesé extraordinário e inexplicável tudo quanto se passa a este respeito. Nodia treze de outubro de mil novecentos e dezassete, por ocasião daúltima aparição, reúnem-se na Cova da Iria cerca de setenta mil pessoas,

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470 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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publicado nenhum convite, e a dificuldade do acesso ao local era enormepela distância e pela carestia de transportes. Seria longo e ocioso fazeraqui a exposição circunstanciada das diferentes fases do incremento dadevoção e culto de Nossa Senhora de Fátima em todas as províncias edioceses de Portugal continental, insular e colonial. A “Voz da Fátima”,não dizendo aliás tudo, é um vasto repertório dos elementos para ahistória do culto de Fátima. É rara a igreja nos domínios da Repúblicaque não tenha um altar ou ao menos uma imagem de Nossa Senhora deFátima. São bem poucas as famílias, onde a Virgem de Fátima não sejapiedosamente venerada e o seu patrocínio confiadamente invocado. Aténos meios mais refratários a todas as ideias e sentimentos religiosos esteculto admirável consegue penetrar e produzir abundantes frutos debênção. Nos Açores e na Madeira, em Cabo Verde, em S. Tomé ePríncipe, em Angola e em Moçambique, na India e na China, enfim emtodas as colónias portuguesas, a devoção de Fátima espalha-se e radica--se dia a dia cada vez mais. No decurso de cada [32v] ano e sobretudonos meses de maio e outubro os jornais vêm cheios de notícias relativasàs festividades e procissões que se realizam em honra de Nossa Senhorade Fátima tanto nas grandes cidades como nas mais humildes povoações.Os doentes recorrem com confiança à proteção da Virgem de Fátima.O terço é rezado em particular e publicamente como nos tempos áureosda devoção do Santíssimo Rosário. A água da fonte miraculosa é levadapelos romeiros ou expedida pelo correio para todos os recantos dopaís. O concurso de peregrinos ao Santuário das aparições intensifica--se de ano para ano e todos aqueles que vão a Fátima uma vez anseiampor lá voltar mais vezes, sendo aquela viagem a única que não cansa oespírito e que produz sempre sensações novas e inolvidáveis. Fátima, aLourdes portuguesa, é verdadeiramente um cantinho do Céu, que fascinatodas as almas e prende e cativa todos os corações.

O culto de Nossa Senhora de Fátima nos paísesestrangeiros

Se é verdadeiramente admirável e sobremaneira consoladora apropagação do culto de Nossa Senhora de Fátima em todo o país, nãomenos admirável e não menos consolador é o ato da rapidez espantosacom que esse culto se difundiu e criou raízes sólidas e profundas nasprincipais nações do mundo. É ainda sobretudo a “Voz da Fátima” que,em diferentes números, apresenta perante os olhos extasiados dos

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c������� �� ����� � �� ���������� ����� � �!�"�� #!$���$����

inexplicável. À frente deste assombroso movimento de propaganda estãoo Osservatore Romano, na Itália, La Croix, La Revue Sociale, LaRevue du Rosaire e Bulletin du Rosaire Perpétuel, cuja tiragem mensalse eleva a cento e setenta e cinco mil exemplares, em França, DieSchildwache, na Alemanha, De Illustratie, na Holanda, El SantísimoRosario, Sal Terrae e Santuarios [33] Católicos, em Espanha, e oJornal Pequeno e o Mensageiro do Rosário, no Brasil, entre muitosoutros jornais e revistas de todos os países e de todas as línguas. Emportuguês, espanhol, catalão, francês, inglês, italiano, alemão, polaco,checo, húngaro, em todas as línguas cultas, correm mundo folhetos detodos os tomos e formatos, anunciando as glórias incomparáveis daaugusta Rainha do Rosário no seu santuário predileto de Fátima. Até naChina e no Japão a imprensa se ocupa da Lourdes portuguesa,descrevendo as aparições e as curas maravilhosas, e numerososapóstolos da devoção à Virgem de Fátima promovem homenagenspúblicas e solenes em sua honra. Em mil novecentos e vinte e oito orev.do Fr. Louis Marie Baron, ilustre diretor da Revue du Rosaire, tendoacompanhado a Lourdes a grande peregrinação do Rosário, organizadapelos Padres Dominicanos, que conduziu aos pés de Maria Imaculadanada menos de doze mil devotos, falou por três vezes ao clero e aosfiéis, reunidos no venerando santuário de Massabielle, sobre as grandesmaravilhas de Fátima, sendo ouvido, como ele mesmo declara, cominteresse, edificação e proveito. Se o culto de Nossa Senhora de Fátimaestá perfeitamente consubstanciado com a alma portuguesa, não é menoscerto que, à medida que esta devoção se vai tornando conhecida nasdiversas partes do mundo, inúmeras almas de eleição de todas as naçõesse associam às homenagens que o nosso bom povo presta à gloriosaMãe de Deus no Santuário da sua predileção.

As conversões

Há um aspeto importantíssimo do caso assombroso de Fátima que,mercê da sua natureza íntima, que o coloca dentro das balizas sagradase invioláveis da consciência, não permite nem poderá jamais permitirque se faça incidir sobre ele a luz forte da investigação histórica. [33v] Éo que se refere às conversões de almas. Se o Santuário de Nossa Senhorade Lourdes é, por antonomásia, o santuário dos milagres físicos, dascuras das doenças de toda a espécie, de que enferma a pobrehumanidade, pode dizer-se com verdade que o Santuário de Nossa

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graças espirituais. Apesar do segredo que envolve estas ressurreiçõesmais belas e mais admiráveis do que a de Lázaro, quando saiu do sepulcroà voz portentosa do Senhor, que o chamava de novo à vida, não háquem não conheça o movimento consolador de confissões, incessante eintenso, que se realiza em Fátima, principalmente no dia treze de cadamês. A igreja da Penitenciaria, destinada às confissões, está nesses dias,completamente repleta de fiéis, que desejam ardentemente aproximar-se do santo tribunal da penitência. Na primavera e no verão, quando devéspera se realiza a procissão das velas, as confissões duram toda atarde e toda a noite e prolongam-se quase até ao fim da tarde do diaseguinte. Muitas vezes, além dos sacerdotes peregrinos e chefes deperegrinações, ajudam a ouvir as confissões brigadas de sacerdotesdiocesanos enviados por Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Bispode Leiria expressamente para esse fim. É um espetáculo que comoveprofundamente a alma daquela longa teoria de homens e rapazes, àscentenas e aos milhares, que, durante horas a seguir, ao frio, ao vento, àchuva, de pé, cansados e em jejum, não raro até ao pôr do sol, aguardamcom uma paciência e uma coragem verdadeiramente heróica a sua vezde se reconciliarem com Deus, sem que às vezes o consigam, devido àgrande afluência de fiéis. Segundo o testemunho de todos os sacerdotesque ali, naquele lugar bendito, exercem o mistério de confessor, as graçase as bênçãos com que o Senhor coroa o seu trabalho são superiores atudo quanto se possa imaginar. É por assim dizer, impossível que ali sefaça uma confissão sacrílega, uma [34] confissão mal feita, uma confissãosem as devidas disposições da parte do penitente e sem fruto para a suaalma. De todos os pontos de Portugal vem àquela verdadeira piscinaprobática um sem número de almas infelizes e atribuladas, que ali sepurificam e transfiguram, transformando-se de ímpias, incrédulas,indiferentes ou tíbias que eram, em profundamente crentes e fervorosas,quando não em apóstolos e santos. Basta percorrer alguns números da“Voz da Fátima” para se adquirir logo a certeza de que assim é. E quedizer das conversões sem conto que se operam por toda a parte, denorte a sul de Portugal, graças à propaganda do culto de Nossa Senhorade Fátima e aos milagres que a sua bondade misericordiosa opera acada momento? Fátima é, pois, incontestavelmente, uma fábricamaravilhosa de conversões em laboração incessante, caldeando a almaportuguesa na frágua do amor e da devoção à Virgem e preparando-apara altos e sublimes destinos. Bendita seja a augusta Rainha do Rosário,Mãe de misericórdia e refúgio dos pecadores, que veio do Céu à terra,

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Portugal a Deus!

O afervoramento da fé e da piedade

Quando em outubro de mil novecentos e dez caiu o antigo regime efoi implantada a forma de governo republicana em Portugal, a decadênciado espírito cristão, da piedade e da própria Fé tinha-se acentuado dummodo espantoso. No intuito de derrubar as instituições então vigentes,aluindo pelos alicerces o seu edifício multissecular, os chefes do movimentoantimonárquico dirigiram os seus ataques mais violentos contra a Religiãoe contra a Igreja Católica. Por outro lado, a Igreja vivia com o Estadoem regime de concordata e as rela-[34v]ções entre os dois poderes,eclesiástico e civil, eram tão íntimas que a sociedade religiosa e asociedade civil pareciam constituir um todo único. Mercê do espíritoliberal que saturava as instituições e os homens públicos, o Estadointerferia no governo e na administração da Igreja, abusando dosprivilégios que a Concordata lhe conferia ou arrogando-se direitos quenão lhe competiam. A política que influía em larga escala nas nomeaçõespara os cargos eclesiásticos, até para os graus mais elevados dahierarquia, convertia, por força das circunstâncias, os ministros sagradosem serventuários do Estado. Nos benefícios mais rendosos muitas vezeseram providos, não aqueles sacerdotes que se distinguiam pelo seutalento, virtudes e méritos, mas os que mais e melhores serviços tinhamprestado aos partidos políticos e aos seus chefes. Assim sufocada afecunda vitalidade da Igreja, que não tinha as condições necessáriaspara se expandir e produzir os seus frutos de bênção, um largo campoficava livre aos inimigos da Fé para exercerem a sua ação nefasta. Estes,aproveitando as circunstâncias políticas, que lhes eram favoráveis,iniciaram por meio da imprensa e dos comícios de propaganda, umaguerra desleal e acintosa contra a Igreja, para mais facilmente poderemderrubar o trono, uma vez derrubado o altar. As regiões do centro e suldo país, pela proximidade a que ficavam da capital, que era o principalfoco revolucionário, foram as que mais sofreram os efeitos dessapropaganda tenaz e formidável. Principalmente as grandes cidades eoutros aglomerados de população mais importantes descristianizaram-se e paganizaram-se quase completamente. Como a instrução religiosaera deficientíssima em geral e em muitas partes nula, os homens, perdendoa fé ao ouvir os sofismas contra a Religião e as calúnias contra o clero,e com a fé, [35] a nobreza de sentimentos e os bons costumes,

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aQaRTURaVaW a XVYZ[\R]^a TU_ _a]VaWYR`U_ Y Ta_ bVf`^]a_ VYg^h^U_a_iAimpiedade e a indiferença lavravam por toda a parte. A falta de fé viva,de piedade ardente e de espírito de sacrifício da parte dos poucos cristãosque ficavam fiéis fazia que nenhuma resistência séria e eficaz se opusesseà onda do mal, que tudo pretendia avassalar. O campo católico, bastantereduzido, carecia de organização apropriada para a defesa e para ocombate. Como a Igreja estava unida ao Estado, fiava-se deste a defesadaquela e entretanto os católicos cruzavam comodamente os braços oujuntavam-se em volta do trono supondo que, amparando-o, amparavameficazmente a Igreja. Veio finalmente a República. Desencadeou-seoficialmente contra a Igreja a mais terrível campanha que se podeimaginar. O pouco que ainda restava do edifício grandioso e secular dasinstituições religiosas e que o camartelo do liberalismo tinha poupado,desmantelou-se por completo. Mas, ao mesmo tempo que a fúriaiconoclasta dos novos detentores do poder quebrava as algemas daescravidão secular da Igreja, esta, pobre mas livre, começou a levantar--se do meio das suas ruínas. Sete anos depois, no recanto ignoradoduma serra, uma Visão de Paraíso anunciava que a guerra ia findar...Dentro de poucas semanas fechou-se o ciclo da perseguição religiosacom a revolução triunfante de Sidónio Pais, que teve o seu termo no dia8 de Dezembro, festa da gloriosa Padroeira de Portugal e desde entãoFátima tornou-se o foco mais intenso de Fé e piedade que jamais houveneste país. Cidades, vilas e aldeias, graças a esta devoção providencial,recristianizam-se e regeneram-se como que por encanto. Em todas asprovíncias da gloriosa terra de Santa Maria, a Fé aviva-se, a piedadecresce, o amor a Jesus [35v] Sacramentado, culto tão querido da almaportuguesa, intensifica-se, e a devoção à bendita Virgem de Fátimapropaga-se, subjugando até as almas mais frias e os corações mais durose mais refratários. Dir-se-ia que a Rainha do Céu quis ligar ao seu cultosob a invocação de Fátima um poder misterioso de sedução que a todosprende e arrasta invencivelmente. Basta ler a “Voz da Fátima” para sefazer uma ideia do bem imenso que, sob o ponto de vista espiritual deavigoramento da Fé e da intensificação da piedade tem produzido adoce e encantadora devoção de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.Ditoso país que na hora porventura mais dolorosa e mais trágica da suaexistência histórica foi objeto do amor misericordioso do Coração daMãe de Deus que o salvou do abismo em que estava prestes a cair!

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O glorioso Pontífice, felizmente reinante, Sua Santidade o Papa PioXI, recebendo no dia 9 do mês de janeiro de mil novecentos e vinte enove, em audiência particular, os superiores e alunos do Colégio Portuguêsem Roma, dignou-se presentear cada um deles com duas lindas estampasde Nossa Senhora de Fátima – uma para eles e outra para suas famílias– com a recomendação de orarem pelo Papa. O grande e excelentediário católico de Lisboa “Novidades”, no seu número de vinte de janeirodo mesmo ano, inseria uma extensa carta de Itália, subordinada à epígrafe“Fátima em Roma” e tendo por subtítulo “Uma oferta do Papa”, em quese descrevia esse gesto do Supremo Hierarca da Igreja que, seja qualfôr o seu significado, tem, em relação aos acontecimentos maravilhososda Lourdes Portuguesa, o mérito de conter em respeito os [36]adversários leais e de impôr ao menos um silêncio deferente e obsequiosoaos poucos e cada vez mais raros contraditores no campo católico. Écerto que, com esse ato singelo, embora altamente significativo, o SumoPontífice não pretendeu emitir o seu juízo definitivo acerca da naturezadesses acontecimentos, mas também não sofre dúvida que ninguémpoderá recusar-se a ver nesse ato a manifestação da viva simpatia doAugusto Chefe Visível da Cristandade pela “Pérola de Portugal”, comoainda há pouco chamava a Fátima a revista espanhola “Sal Terrae”, umadas mais acreditadas no país vizinho. E tanto se impõe essa atitude doVigário de Cristo na terra, atitude de modo nenhum banal e insignificante,que um ilustre Prelado, de grande autoridade pela sua virtude e saber,não hesitou em classificar tal facto, que ficará arquivado em letras deouro nos anais de Fátima, como uma verdadeira “aprovação implícita”.No mês de dezembro do mesmo ano, a pedido dos superiores e alunosdo Colégio Português em Roma, Sua Santidade dignou-se benzer umalinda estátua de madeira de Nossa Senhora de Fátima, feita e oferecidapelo escultor português José Ferreira Tedim para o altar-mor da novacapela do Colégio Português em Roma. Sua Excelência Reverendíssimao Sr. D. Domingos, da Ordem de S. Domingos, venerando Bispo dePortalegre, era talvez o único Prelado português que se mostrava renitenteem autorizar o culto público de Nossa Senhora do Rosário de Fátimana sua diocese. Depois da visita que fez ad sacra limina no meado doano mil novecentos e vinte e nove, cessaram todos os seus escrúpulos enão só deu licença para se prestar culto nas igrejas e capelas públicasdo seu bispado a Nossa Senhora do Rosário sob a invocação de Fátima,

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476 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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solenemente algumas das suas imagens, inaugurando esse culto nalgunspontos do [36v] seu bispado. Segundo consta, o ilustre Bispo dePortalegre declarou que se reconhecera obrigado a adotar essa atitudeporque vira prestar culto público a Nossa Senhora de Fátima em plenacapital do catolicismo e entendia que não podia nem devia ser maispapista que o Papa. Houve quem julgasse ter sido esta mudança deatitude a consequência duma consulta feita pessoalmente ao Papa peloSenhor D. Domingos por ocasião da sua visita ad sacra limina.

A grande guerra

Lúcia de Jesus Santos, a principal protagonista das aparições deFátima afirmou no dia vinte e sete de setembro de mil novecentos edezassete que pouco depois do dia treze de outubro seguinte seriaconcedida a paz ao mundo. No dia 13 de outubro declarou que aAparição assegurara que a guerra acabava nesse mesmo dia. Tendo umsacerdote perguntado à vidente, pouco depois da aparição, se a Senhoradissera que o grande conflito europeu terminaria brevemente, e nãonaquele dia. ela contestou, insistindo em que a Visão havia afirmado quea guerra acabava nesse mesmo dia treze, porque empregara a palavrahoje. “Ela disse que a guerra acaba hoje, hoje” foram as palavras textuaisda vidente. Sendo factos históricos absolutamente incontestáveis que oarmistício, que pôs termo ao grande conflito armado, em que sedegladiavam as maiores potências do mundo, foi assinado em Rethondesàs onze horas da manhã do dia onze de novembro de mil novecentos edezoito e a paz foi firmada definitivamente pelo tratado de Versailles avinte de junho de mil novecentos e dezanove, como é que se podemconciliar esses atos com a declaração da vidente, de cuja sinceridadenão há motivo plausível para duvidar? Pode admitir-se que a realidadeinsofismável dos acontecimentos infligiu um desmentido [37] decisivo,categórico e, por assim dizer, brutal, à predição de Lúcia de Jesus? Estadificuldade, porventura aparentemente a mais grave que há a opôr contraa origem sobrenatural das aparições de Fátima pode, segundo parece,resolver-se de vários modos, qualquer deles razoavelmente satisfatóriospara inteligências sensatas e cultas, que conheçam a história eclesiásticae tenham o sentido das proporções. Vejamos, pois, quais são as diversassoluções que se podem apresentar. 1ª -À palavra “hoje”, que a Lúcia,diz ter sido pronunciada pela Visão, pode atribuir-se a significação lataque tem muitas vezes na Sagrada Escritura do Antigo Testamento. Assim

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tempo mais ou menos longo, às vezes até de milhares de anos, assimtambém a palavra “hoje” tem com frequência o mesmo valor que oadvérbio “brevemente”. Desde o momento em que se aceite estainterpretação, a ninguém é lícito negar que a profecia se tivesse verificadocom rigor, porque, durando a guerra havia três anos e cessando, comode facto cessou, em virtude do armistício, cerca dum ano depois do diatreze de outubro, era verdade dizer-se nesse dia que acabava“brevemente”. 2ª - O advérbio “hoje” pode significar o mesmo que aexpressão “nesta ocasião” ou “nesta altura”, mas só daí a um ano. É quenesse dia a guerra estava, por assim dizer, no seu auge. As notíciasprovenientes do campo de batalha, recebidas por meio de telegramaspublicados nos jornais, falavam ainda na véspera do dia treze deimportantes operações militares que se estavam desenrolando e quenão podiam ter o seu desfecho no dia seguinte com a suspensão definitivadas hostilidades. A guerra só poderia acabar no dia seguinte, medianteum prodígio estupendo, uma intervenção brusca, violenta, fulmi-[37v]nante, do poder divino, que paralisasse por completo a açãoconsciente e livre dos agentes humanos. Sobre a terra não havia nenhumaentidade que de tanto fosse capaz. Ora nada, absolutamente nada,tornava indispensável um prodígio desta ordem. Ninguém tinha o direitode o esperar, segundo o princípio teológico-filosófico, absolutamenteconsagrado, “miracula non sunt multiplicanda sine necessitate”.Tudo, pelo contrário, fazia prever que a guerra havia de continuar commais ou menos intensidade durante algum tempo, e até as pessoas maispropensas a crer na sobrenaturalidade das aparições entendiam que aprofecia da vidente não devia ser interpretada à letra, significando apenasque a guerra teria o seu termo num prazo mais ou menos curto. 3ª - Aprofecia pode referir-se principalmente à guerra religiosa desencadeadaem Portugal e só secundariamente à grande guerra europeia. Acircunstância das aparições se realizarem no nosso país e decertosobretudo para bem dos portugueses, parece autorizar estainterpretação. Havia oito anos que a Santa Igreja era cruelmente oprimidapelos poderes públicos. A guerra religiosa ateada pelo governo provisóriocom os decretos tirânicos que tinha promulgado, enchera de ruínas moraise sociais a infeliz nação portuguesa. A supressão da embaixada junto daSanta Sé, a interrupção das relações diplomáticas com a mais altapotência moral do mundo, o desterro dos bispos depois de expulsosdos seus paços, a usurpação dos bens eclesiásticos, a proibição dosatos do culto público, enfim a supressão de toda a liberdade religiosa

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Estado à Igreja e de que era teatro todo o território da República. Orafoi precisamente quando esta luta formidável e sem tréguas atingia o seuperíodo mais agudo que a Augusta Rai-[38]nha do Céu, a ImaculadaPadroeira da nossa terra, se dignou aparecer num recanto ignorado daserra de Aire, no centro geográfico do país, para aí estabelecer um focointenso inesgotável de vida espiritual. A decadência moral e religiosa dasociedade portuguesa, sobretudo depois da queda do antigo regime,por motivo da perseguição à Igreja, acentuou-se duma maneira pavorosa,especialmente nos grandes centros, produzindo uma larga sementeirade males de toda a ordem. Foi decerto para obviar a estes males e paraopôr um dique à onda assoladora da impiedade e da desmoralização,que alastrava sem peias, mercê da complacência das autoridades, que aVirgem Santíssima suscitou uma nova Lourdes na terra de Santa Maria.Mas, para que se visse dum modo bem patente a eficácia da suaintervenção, era preciso que a guerra religiosa cessasse, ou pelo menosabrandasse os seus furores. E com efeito assim sucedeu. Enquanto oshumildes videntes de Aljustrel contemplavam na charneca de Fátima ainefável Visão, durante seis meses consecutivos, desde maio a outubro,os dois meses consagrados dum modo especial pela Igreja e pela piedadedos fiéis ao culto da Rainha dos Anjos, uma plêiade de homens valorosose amigos da verdadeira liberdade procurava pôr termo à tirania queesmagava os portugueses e preparar o advento de dias melhores para apátria querida. A oito do mês de dezembro seguinte, dia da ImaculadaConceição, padroeira de Portugal, passado pouco mais dum mês depoisda última aparição, o Major Sidónio Pais vence definitivamente os seusinimigos e proclama o regime da República nova. Imediatamente sãoreatadas as relações entre a Igreja e o Estado para nunca mais até hojeserem interrompidas. Um decreto de Moura Pinto, ministro da justiçade Sidónio Pais, que foi Chefe do governo e depois Presidente daRepública, veio pôr termo às lutas religiosas e [38v] preparar a liberdadeda Igreja com a renúncia, por parte do Estado, a uma intromissãoopressora na sua organização interna. E desde esse momento, nãoobstante os inimigos da Religião terem mais tarde ascendido de novo àsculminâncias do poder, nunca mais foram renovadas contra a Igreja asmedidas draconianas promulgadas pelos governos anteriores a SidónioPais. 4ª - A Aparição queria que se rezasse o terço e se fizesse penitênciapara que Deus se dignasse pôr termo ao grande flagelo da guerra queassolava tantas nações, produzindo milhões de vítimas e semeando portoda a parte toda a sorte de ruínas morais e materiais. Anunciou que o

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¯°±²±³´µ ¶·¸¹±·µ ¸º¸»¸°¼¸½ µ¾½ ²±·¿µ°, teria acabado, no dia treze deoutubro, se os homens se arrependessem e emendassem dos seuspecados e aplacassem a justiça divina, orando e fazendo penitência. ALúcia enganou-se, considerando como absoluta a afirmação da Visão.A condição, implicitamente posta por esta, não se cumpriu e por isso aguerra não acabou. Já no Antigo Testamento Jonas se tinha enganadofazendo, por ordem de Deus, uma profecia, que ele julgava absoluta eque era apenas condicional. A cidade de Nínive seria destruída no diamarcado pelo profeta, se os seus habitantes não fizessem penitência.“Adhuc quadraginta dies et Ninive subvertetur.” A população dacidade acreditou na ameaça, e todos, desde o rei até ao último dos seussúbditos e até aos próprios animais, se vestiram de cilício e de cinza.Por esse motivo Nínive foi poupada com grande admiração e até comum certo despeito de Jonas, que, não conhecendo os desígniosmisericordiosos do Senhor, pretendia a todo o transe que a profecia secumprisse, para que ninguém duvidasse de que ele falara em nome e porordem de Deus. Coisa muito semelhante sucedeu a S. Leonardo dePorto Maurício, o grande apóstolo da Europa na Idade Média. Na suapregação, anunciava o fim do mundo para dois anos depois. Chegou a[39] ressuscitar um morto, que era levado para o cemitério, a fim deconfirmar a verdade da sua pregação. O morto assegurou que era certotudo quanto ele dizia. Mas os dois anos passaram, e o mundo não acabou,porque a Europa converteu-se com as pregações de S. Leonardo dePorto Maurício. De resto, a Virgem Santíssima podia ter permitido oengano da Lúcia de propósito para a manter num espírito de profundahumildade pela confusão que para ela advinha do facto de ter errado,pelo menos aparentemente, num ponto de capital importância. Nem acircunstância de ter caído num equívoco obsta a que os seus depoimentosmereçam todo o crédito. Esse equívoco tinha a sua razão de serprovidencial e de modo nenhum embaraçava, como de facto nãoembaraçou, o curso regular dos acontecimentos, que fizeram de Fátimaa Lourdes Portuguesa. 5ª - A Aparição anunciou que a guerra deviaacabar no dia 13 de outubro de mil novecentos e dezassete, se osdirigentes de todos os povos beligerantes tivessem sinceros e vivosdesejos duma paz justa e honrosa e a voz do Vigário de Cristo na terrafosse ouvida. O jornal francês “Le Matin”, no seu número de catorze deagosto de mil novecentos e vinte, falando dos segredos do governo,publica a carta de M. Briand a M. Ribot, ministro dos negóciosestrangeiros, em que ele formulava, a vinte de setembro de mil novecentose dezassete, as condições em que o antigo presidente do conselho teria

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480 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÀÁÂÃÄÀÅÆ À ÁÆÇÈÂÉÊÀËÌÆ ÍÎÂ ÏÐÂ ÑÂÅÃÀ À Alemanha. Nessa carta, M.Briand invoca a opinião do rei de Espanha, as cartas do imperador daÁustria, as propostas dum agente direto do imperador da Alemanha eaté uma determinada conversa confidencial do Eminentíssimo CardealGasparri, confirmando, segundo informações duma das melhoresagências de informações do mundo, o Vaticano, que o governo alemãoestava pronto a restituir à Fran-[39v]ça a Alsácia e a Lorena29. Sãoconhecidas as diligências que fizeram durante o ano de mil novecentos edezassete o Santo Padre Bento XV e o imperador da Áustria para sepôr termo à guerra o mais rapidamente possível. No interrogatório quefoi feito a Lúcia, aos dezoito anos da sua idade30, quando estava internadano Asilo de Vilar no Porto, a vidente diz textualmente o seguinte: “parece--me que a Senhora me disse ainda deste modo: “convertam-se, a guerraacaba hoje, esperem pelos seus militares muito breve. Minha primaJacinta disse-me em casa que a Senhora falara assim: “convertam-se,que a guerra acaba dentro dum ano. Como estava a pensar nos pedidosque queria fazer a Senhora, não deitei bem sentido”.

As obras na Cova da Iria

Desde que a radiosa Aparição disse a Lúcia no dia treze de outubrode mil novecentos e dezassete ser sua vontade que se edificasse naCova da Iria uma capela, a piedade dos fiéis desejou ardentementelevantar no local das aparições um grandioso monumento em honra daaugusta Mãe de Deus. O projeto acolhido com mais entusiasmo foi o daconstrução dum templo no cimo do outeiro que domina a Cova da Iria,no sítio onde os videntes diziam ter visto o primeiro relâmpago que lhesanunciou a aparição do dia 13 de maio. Poucos meses depois dasaparições, a população de Fátima construiu uma pequena capela,precisamente no ponto onde tinha estado a azinheira sagrada. Quando aautoridade eclesiástica autorizou o culto público a Nossa Senhora doRosário no local das aparições, embora reservando o seu juízo acercada natureza e origem dos factos reputados sobrenaturais que ali se tinhamverificado, edificou-se a pequena distân-[40]cia do padrão comemorativo

29 A Alsácia-Lorena foi cedida pela França à Alemanha pelo Tratado de Frankfurtde 1871. Foi reencorporada na França pelo Tratado de Versailles de 1919,situação que a Alemanha veio a reconhecer, mais tarde, pelo Tratado de Locarnode 1925.

30 Lúcia tinha apenas 17 anos. Nasceu a 22 (28) de março de 1907.

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ÒÓÔ ÓÕÓÖ×ØÙÚÔ ÛÜÝÖÓ ÞÓÕÚßÓà Üá ÕÛÜÞÛ áÓ×ÛÖ, chamada a capela dasmissas e em frente desta um grande pavilhão para os doentes, sustentadopor altas e grossas colunas de cimento armado. Pouco tempo depois,elevava-se por trás da sacristia da capela das missas, uma igreja, graciosae vasta, destinada às confissões dos homens e à celebração dos atos doculto nos dias em que o mau tempo impedisse que se realizassem ao arlivre. Entretanto, procedia-se à abertura de três grandes avenidas, aconstrução de mais dois poços e ao levantamento dos pórticos e dascolunatas laterais. Depois de feita a casa do capelão, onde, durantealguns anos, esteve instalado o Posto de verificações médicas, queultimamente mudou a sua sede para o Albergue, e ainda hoje é o quartelgeneral dos servitas, iniciou-se a construção do Albergue de NossaSenhora do Rosário31, edifício enorme, gigantesco, de que já estáconcluído um dos lanços. Finalmente, no dia treze de maio de milnovecentos e vinte e oito, Sua Excelência Reverendíssima o Senhor D.Manuel Mendes da Conceição Santos, venerando arcebispo de Évora,estando presente o ilustre prelado da Diocese de Leiria, o Excelentíssimoe Reverendíssimo Senhor D. José Alves Correia da Silva, perante umamultidão de cerca de meio milhão de fiéis de todos os pontos de Portugal,benzeu solenemente a primeira pedra da monumental Basílica32 doRosário, de proporções tão vastas que ficará sendo um dos maiorestemplos do mundo. Fora do recinto sagrado, onde há treze anos nãoexistia uma única habitação humana, num raio dalguns quilómetros, veem--se já centenas de edifícios, alguns deles de extraordinária grandeza,construídos por iniciativa particular. São hotéis, restaurantes,estabelecimentos comerciais de todos os géneros, casas de habitação eoutros edifícios [40v] que, pouco a pouco, vão ocupando, numa grandeextensão, o espaço livre em volta do local das aparições. É tãoassombroso o movimento de peregrinos, em todas as épocas do ano, esobretudo na Primavera e no Verão, que as câmaras municipais estãoprocedendo à construção de estradas largas, de direção única, das suasregiões para Fátima, e as Companhias Nacionais de Caminhos de Ferroestudam planos de novas vias férreas que vão levar e buscar os romeirosà nova cidade da Virgem. O próprio governo tem-se interessado imensonos últimos tempos pela urbanização do sítio de Nossa Senhora deFátima. Por sua iniciativa e sob o seu alto patrocínio constituiu-se uma

31 Mais tarde, Albergue de Nossa Senhora das Dores.32 O título de Basílica Menor, foi concedido a 12 de novembro de 1954, pelo Papa

Pio XII.

Doc. 120 1930-04-13

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482 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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categorizadas e distintos engenheiros e arquitetos, que acordou na adoçãodum anteprojeto de urbanização, que fará da vasta planície situada emfrente da entrada do recinto dos santuários uma das maiores e maisbelas cidades de Portugal. Sua Excelência o Senhor Presidente daRepública, general Óscar Carmona, assim como o senhor presidentedo ministério já o tinha feito anteriormente com outras personalidadesoficiais interessadas no assunto, visitou no dia doze de maio de milnovecentos e vinte e nove, acompanhado pelo venerando prelado deLeiria, o local das aparições, os santuários e o sítio destinado à futuracidade de Fátima, a Lourdes portuguesa.

O fenómeno da nuvem de fumo

Por ocasião de cada uma das aparições, elevava-se no espaço, juntoda azinheira sagrada, na Cova da Iria, uma ténue nuvem de fumosemelhante à que costuma produzir a combustão do incenso nos atoslitúr-[41]gicos realizados no interior dos templos. Este fenómeno,verdadeiramente extraordinário foi observado por grande número detestemunhas, mesmo no mês de agosto, em que a autoridadeadministrativa reteve os videntes, para que eles não pudessem ir ao localdas aparições. Um ilustre lente jubilado de astronomia na Universidadede Coimbra, recentemente falecido, o doutor Gonçalo Xavier de AlmeidaGarret, num interessante opúsculo que publicou com o título de “Fátima”e o subtítulo de “A miraculosa nuvem de fumo”, diz que este facto, aoqual talvez se tenha ligado mediana atenção, é todavia importantíssimo,naturalmente inexplicável, e pode e deve servir de elemento de prova darealidade das aparições na Cova da Iria. Na sua autorizada opinião, eraum fenómeno físico-químico, independente da ação nervosa doorganismo humano. No dia treze de outubro, durante a última aparição,a nuvem de fumo tornou-se visível a grande distância e da estrada distritaldistinguia-se com a mais perfeita nitidez. Parecia sair da azinheira, envolveros videntes e elevar-se a uma altura superior a seis metros, ocupandouma área de cerca de seis metros quadrados. Entre a grande multidãode pessoas que nesse dia concorreram a Fátima estiveram pessoasconhecidas e de toda a confiança, que atestam não se ter feito lumealgum nesse local que pudesse originar a nuvem de fumo. Não constaque, em tempo algum, antes ou depois das aparições até ao presente,houvesse a manifestação da nuvem de fumo, no sítio da Cova da Iria, aqualquer hora.

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determinados. Segundo a opinião de professores de ciências naturaisdas Universidades de Coimbra e Porto, que foram consultados, só podiaser produzido casualmente por uma evaporação ou combustãoincompleta, mas não em dias e horas prefixos. O dr. José [41v] Mariade Proença de Almeida Garrett diz o seguinte acerca deste fenómeno:“Devia ser uma e meia (treze e meia) quando se ergueu, no local precisoonde estavam as crianças, uma coluna de fumo, delgada, ténue e azulada,que subiu direita até dois metros talvez, acima das cabeças para nestaaltura se esvair. Durou este fenómeno, perfeitamente visível a olho nu,alguns segundos. Não tendo marcado o tempo da duração, não possoafirmar se foi mais ou menos de um minuto. Dissipou-se bruscamente ofumo e passado algum tempo voltou a repetir-se o fenómeno uma segundae uma terceira vez. Das três vezes e sobretudo da última, destacaram-senitidamente os postes esguios na atmosfera cinzenta. Dirigi para lá obinóculo. Nada consegui ver além das colunas de fumo, mas convencidofiquei de que eram produzidas por algum turíbulo, não agitado, em quese queimava incenso. Depois pessoas dignas de fé afirmaram-me queera de uso produzir-se o acontecimento no dia treze dos cinco mesesanteriores, e que nesses dias, como neste, nunca ali se queimara nadanem se fizera fogo. No inquérito paroquial, a primeira testemunha, Jacintode Almeida Lopes diz que, no dia treze de outubro de mil novecentos edezassete, “viu, por cima do povo, que rodeava a carrasqueira, diversasvezes, elevarem-se do solo pequenas nuvens de fumo ou que lhe pareciamde fumo – semelhante ao fumo dum turíbulo em ocasião de incensaçãoou ao fumo de cigarros. Julgou a princípio, porque se achava afastadoda carrasqueira, onde via o fumo, que era alguém que ali estava a fumarou a fazer uma fogueira para se aquecer, mas depois veio a averiguarque ali não havia lume de espécie alguma. Sobre o mesmo assunto depõea segunda testemunha, Manuel Gonçalves Júnior, dizendo que “em trezede outubro do referido ano, à hora designada pelas crianças para aaparição, depois de ter cessado a chuva, viu elevar-se por várias vezes,saíndo da carras-[42]queira, uma espécie de fumo semelhante ao fumode incenso em ocasião de incensação, ouvindo dizer às pessoas queestavam a seu lado que era fumo de cigarro ou de fogueira, mas a ele sólhe parecia o fumo igual ao da incensação, não lhe constando que naquelaocasião houvesse ali fumadores ou fogueira de qualquer espécie.

Doc. 120 1930-04-13

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484 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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No dia vinte e sete de setembro de mil novecentos e dezassete, eportanto com dezasseis dias de antecedência, a vidente Lúcia de Jesusdeclarou ao autor do folheto “Os Episódios Maravilhosos de Fátima”,na presença de várias pessoas, entre elas as senhoras D. AdelaideBraamcamp de Melo Breyner e D. Maria de Jesus do Rosário, deSantarém, na própria casa de habitação da vidente, em Aljustrel, que aSenhora que lhe aparecia tinha dito que no dia treze de outubro faria umsinal para que todo o povo acreditasse que ela realmente aparecia. Afolhas cinco do inquérito paroquial, no interrogatório sobre a terceiraaparição, que se verificou a treze de julho de mil novecentos e dezassete,a Lúcia depõe que, tendo dito a Senhora: “Faça um milagre para quetodos acreditem!”, esta respondeu: “Daqui a três meses faço então comque todos acreditem”.

Esta predição da vidente foi feita por ela a tão grande número depessoas que rapidamente voou dum extremo ao outro de Portugal,atraindo ao local das aparições no dia treze de outubro uma enormemultidão, computada em cerca de setenta mil pessoas, vindas de todosos pontos do país. É uma profecia tão conhecida e tornada tão pública,antes do dia treze daquele mês que ninguém de boa fé pode contestarque ela tivesse sido feita. E, com efeito, no dia [42v] prefixo, eprecisamente à hora em que a Lúcia anunciava que o sinal se daria,opera-se um prodígio assombroso – o fenómeno solar – que fez render,perante a evidência dos factos, dezenas de milhar de crentes, indiferentese incrédulos. Seria fácil organizar uma lista interminável de pessoas queforam testemunhas desse prodígio, assim como reproduzir um semnúmero de relatos acerca dele publicados nos jornais da época. Eiscomo o autor do folheto “Os Episódios Maravilhosos de Fátima”, quefoi uma das testemunhas oculares, descreve nesse folheto, a páginas 9,o que presenciou: “No dia treze de outubro, estando presentes cerca desetenta mil pessoas de todas as classes e condições sociais e de todosos pontos do país, terminado o diálogo entre a Lúcia e a Aparição, quelhe declarou ser a Senhora do Rosário, a vidente recomendou aoscircunstantes que olhassem para o sol. O firmamento estavacompletamente nublado. Chovia torrencialmente. Como que por encanto,rasgaram-se de repente as nuvens, e o sol no zénite apareceu em todo oseu esplendor e girou vertiginosamente sobre si mesmo, como a maisbela roda de fogo de artifício que se possa imaginar, revestindo

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terra, feixes de luz dum efeito surpreendente. Esse espetáculo sublime eincomparável, que se repetiu por três vezes distintas, durou quase dezminutos. A multidão imensa, rendida perante a evidência de tamanhoprodígio, prostrou-se de joelhos, o Credo, a Avé-Maria e o ato decontrição irromperam de todas as bocas e as lágrimas, lágrimas de alegria,de gratidão ou de arrependimento, marejaram todos os olhos. O dr.José Maria Proença de Almeida Garret, outra testemunha ocular,descreve assim o fenómeno, [43] pág. vinte e dois e pág. vinte e quatrodos “Episódios Maravilhosos de Fátima”: “O sol momentos antes tinharompido ovante a densa camada de nuvens que o tivera escondido,para brilhar clara e intensamente. Voltei-me para este íman que atraíatodos os olhares e pude vê-lo semelhante a um disco de bordo nítido earesta viva, luminosa e luzente, mas sem magoar. Não me pareceu bema comparação, que ainda em Fátima ouvi fazer, de um disco de pratafosca. Era uma cor mais clara, ativa e rica, e com cambiantes, tendocomo que o oriente de uma pérola. Em nada se assemelhava à lua emnoite transparente e pura, porque se via e sentia-se ser um astro vivo.Não era, como a lua, esférica, não tinha a mesma tonalidade nem osclaros-escuros. Parecia um rodela brunida cortada no nácar duma concha.Isto não é uma comparação banal de poesia barata. Os meus olhosviram assim. Também se não confundia com o sol encarado através denevoeiro (que aliás não havia aquele tempo), porque não era opaco,difuso e velado. Em Fátima tinha luz e calor e desenhava-se nítido e coma borda cortada em aresta, como uma tábula de jogo. A abóbada celesteestava enevoada de cirros leves, tendo frestas de azul aqui e acolá, maso sol algumas vezes se destacou em rasgões de céu limpo. As nuvensque corriam ligeiras de poente para oriente não empanavam a luz (quenão feria) do sol dando a impressão facilmente compreensível e explicávelde passar por detrás, mas por vezes esses flocos que vinham brancos,pareciam tomar, deslizando ante o sol, uma tonalidade rosa ou azul diáfana.Maravilhoso é que, durante longo tempo se pudesse fixar o astro labaredade luz e brasa de calor, sem uma dor nos olhos e sem deslumbramentona retina que cegasse. Este fenómeno com duas breves interrupções,em que o sol bravio arremessou os seus raios mais coruscantes erefulgentes, e que obrigaram a desviar o olhar, devia ter durado cercade [43v] dez minutos. Este disco nacarado tinha a vertigem domovimento. Não era a cintilação dum astro em plena vida. Girava sobresi mesmo numa velocidade arrebatada. De repente, ouve-se um clamor,como que um grito de angústia de todo aquele povo. O sol, conservando

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486 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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avança sobre a terra ameaçando esmagar-nos com o peso da sua ígneae ingente mó. São segundos de impressão terrífica. Durante o acidentesolar que detalhadamente tenho vindo a descrever, houve na atmosferacoloridos cambiantes. Não posso precisar bem a ocasião, porque já lávão dois meses passados e eu não tomei notas. Lembra-me que não foilogo no princípio e antes creio que foi para o fim. Estando a fixar o sol,notei que tudo escurecia à minha volta. Olhei o que estava perto e alongueia vista para o largo até ao extremo horizonte e vi tudo cor de ametista.Os objetos, o céu e a camada atmosférica tinham a mesma cor. Umacarvalheira arroxeada, que se erguia na minha frente, lançava sobre aterra uma sombra carregada. Receando ter sofrido uma reação da retina,hipótese pouco provável, porque, dado este caso, não devia ver ascoisas em roxo, voltei-me, cerrei as pálpebras e retive-as com as mãospara intercetar toda a luz. Ainda de costas abri os olhos e reconhecique, como antes, a paisagem e o ar continuavam da mesma cor roxa. Aimpressão que se tinha não era de eclipse. Vi um eclipse do sol, que emViseu onde estava, foi total. À medida que a lua marcha a esconder osol, a luz vai-se acinzentando até que tudo se torna baço e negro. A vistaalcança um pequeno círculo, para lá do qual os objetos se vão ornandocada vez mais confusos até que se perdem no negrume. Baixa atemperatura consideravelmente e dir-se-á que a vida da terra se extinguiu.Em Fátima, a atmosfera, embora roxa, permaneceu transparente até[44] aos confins do horizonte que se distingue e vê claramente, e eu nãotive a sensação de uma paragem na energia universal. Continuando aolhar o sol, reparei que o ambiente tinha aclarado. Logo depois ouvi umcampónio que cerca de mim estava a dizer com voz de pasmo: “estasenhora está amarela!”. De facto tudo agora mudara, perto e distante,tomando a cor de velhos damascos amarelos. As pessoas pareciamdoentias e com icterícia. Sorri-me de as achar francamente feias edesairosas. Ouviram-se risos. A minha mão tinha o mesmo tom amarelo.Dias depois fiz a experiência de fixar o sol uns breves instantes. Retiradaa vista, vi, após alguns momentos, manchas amarelas, e regulares naforma. Não se vê tudo de uma cor uniforme, como se no ar se tivessevolatilizado um topázio, mas nódoas ou malhas que com o movimentodo olhar se deslocam. Todos estes fenómenos que citei e descreviobservei-os eu sossegada e serenamente sem uma emoção ousobressalto. A outros cumpre explicá-los ou interpretá-los. Para terminar,devo fazer a afirrmação de nunca nem antes nem depois do dia treze deOutubro, vi iguais fenómenos solares ou atmosféricos”. O distinto

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j<=>?@ABC?Avelino de Almeida publicou no número seiscentos e dez,segunda série, de “A Ilustração Portuguesa”, um relato de que sereproduz o seguinte trecho, transcrito nos “Episódios Maravilhosos deFátima”, pág. vinte e sete: “E, quando já não imaginava que via coisamais impressionante do que essa rumorosa mas pacífica multidão animadapela mesma obsessiva ideia e movida pelo mesmo poderoso anseio,que vi eu ainda de verdadeiramente estranho na charneca de Fátima? Achuva, à hora pré-anunciada, deixar de cair; a densa massa de nuvensromper-se e o astro rei – disco de prata fosca – em pleno zénite aparecere começar dançando num bailado violento e convulso, [44v] que grandenúmero de pessoas imaginava ser uma dança serpentina, tão belas erutilantes cores revestiu sucessivamente a superfície solar. Milagre, comogritava o povo; fenómeno natural, como dizem sábios? Não curo agorade sabê-lo, mas apenas de te afirmar o que vi... O resto é com a Ciênciae com a Igreja”. Várias vezes este fenómeno se tem renovado, não sóno local das aparições, mas ainda noutros lugares mesmo distantes deFátima, e a diversas horas do dia, embora sem se verificarem as mesmascircunstâncias e sem ter a mesma retumbância que teve em treze deoutubro de mil novecentos e dezassete. O livro “As grandes maravilhasde Fátima” insere três fotografias do fenómeno solar tiradas num diatreze por um peregrino a alguns quilómetros da Cova da Iria, poucoantes do pôr do sol33. Interrogado por um redator do jornal “O Século”,de Lisboa acerca das perturbações solares observadas em Fátima, odistinto astrónomo Frederico Oom34 respondeu: “A ser um fenómenocósmico, os observatórios astronómicos e meteorológicos não deixariamde o registar. E eis precisamente o que falta: esse registo inevitável detodas as perturbações no sistema dos mundos, por mínimas que sejam.Estas palavras constatam que o fenómeno presenciado em Fátima poralgumas dezenas de milhar de pessoas não deixou vestígios nos aparelhosastronómicos e meteorológicos, como teria deixado se se tratasse deum fenómeno puramente natural. Em face do que fica dito, pode concluir--se que o fenómeno sucedido no dia treze de outubro de mil novecentose dezassete, quer seja de natureza astronómica, quer seja de naturezameteorológica, é de origem sobrenatural. É sobrenatural, porque não

33 As fotografias não são do fenómeno solar de 13 de outubro de 1917. Foramtiradas a 13 de maio de 1921, por Alfredo J. de Mendonça.

34 Nasceu a 9 de abril de 1864. Astrónomo Oficial de Engenharia. Em 1891 foinomeado para astrónomo do Observatório da Tapada da Ajuda. Em 1919 foinomeado diretor do Observatório. Faleceu a 30 de abril de 1930.

Doc. 120 1930-04-13

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488 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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meio-dia solar, quando o sol está em pleno zénite, e é por isso maisdifícil operar-se um fenómeno se-[45]melhante, é sobrenatural por causadas circunstâncias especiais e extraordinárias em que ele se verificou, naocasião e como fecho da sexta e última aparição, e sobrenatural enfim,e é isto o que mais impressiona e assombra em virtude da sua coincidênciacom as declarações da vidente Lúcia, que dias e meses antes o anuncioucomo prova da aparição da Virgem Santíssima e da verdade do que eladizia. Podia, porventura, admitir-se que a Rainha do Céu permitisse quefossem vítimas duma ilusão ou dum erro as setenta mil pessoas queacorreram a Fátima para serem testemunhas duma prova irrecusáveldas suas aparições, assim como Portugal e o mundo inteiro, quando écerto que ninguém, absolutamente ninguém, de boa fé, ousa negar queesse fenómeno apresenta carateres duma realidade sugestiva eempolgante?

Bibliografia de Fátima

Há cerca de treze anos que Fátima vem sendo teatro das cenasportentosas que enchem Portugal inteiro de assombro entusiasmo ealegria. Desde então, nas colunas dos jornais e nas páginas das revistas,Fátima e as suas maravilhas têm fornecido assunto para milhares deartigos, crónicas e locais, acompanhados de gravuras relativas aosacontecimentos, às suas consequências e às pessoas que neles intervieramou com eles estão relacionados. Seria impossível colecionar ou sequerenumerar todos os escritos desse género, publicados não só nos jornaisdo continente, como ainda nos das ilhas adjacentes e provínciasultramarinas. E o que é simplesmente notável é que, à medida que osanos passam, Fátima é invocada cada vez com mais interesse e commais carinho pela maior e melhor parte da imprensa de Portugal. No diatreze de outubro de mil novecentos e vinte [45v] e dois, saiu em Leiria,à luz da publicidade, com a aprovação do venerando Prelado diocesano,o primeiro número dum jornal mensal intitulado “Voz da Fátima”,destinado a tornar conhecidas as maravilhas da Lourdes portuguesa.Nesse primeiro número, inicia-se a publicação da Provisão de SuaExcelência Reverendíssima o Senhor Bispo de Leiria sobre o caso deFátima, em que o ilustre Prelado, como já se disse, nomeia a comissãoencarregada de proceder a um inquérito rigoroso e de organizar umprocesso canónico para a averiguação da origem e do caráter dosacontecimentos reputados sobrenaturais e ao mesmo tempo convidatodos aqueles que tiveram conhecimento pessoal desses acontecimentosa prestar as suas declarações e a fazer os seus depoimentos perante os

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mXmYZ[\]^ ZX_XZ`]^b[m`\\c[dA “Voz da Fátima”, que se tem publicadotodos os meses sem exceção até hoje, atingiu nos últimos anos umatiragem mensal que oscila entre cinquenta e os cem mil exemplares, sendogratuita a sua distribuição. Este jornal cujos exemplares são espalhadoscom profusão pelas cinco partes do mundo, onde quer que hajaportugueses, tem levado por toda a parte, juntamente com o nomebendito de Fátima, a admiração e o assombro pelas maravilhas que aVirgem Santíssima ali opera. Entre os opúsculos, folhetos e livrosredigidos em língua portuguesa sobre as coisas de Fátima, merecemespecial referência os seguintes: “A minha peregrinação a Fátima”,opúsculo de catorze páginas por D. Maria Augusta Saraiva Vieira deCampos, publicado em outubro de mil novecentos e dezassete, com aaprovação do Senhor Bispo-Conde de Coimbra; “Os episódiosmaravilhosos de Fátima”, folheto de setenta e duas páginas, peloVisconde de Montelo, publicado em agosto de mil novecentos e vinteum, com aprovação do Senhor Bispo da Guarda; “Cartas sobre Fátima”,livro de Gilberto Fernandes dos Santos, publicado em mil novecentos evinte e sete com a [46] aprovação do Senhor Cónego Manuel Anaquim,governador do Patriarcado; “Os acontecimentos de Fátima”, folheto dequarenta páginas, pelo Visconde de Montelo, publicado em Março demil novecentos e vinte e três, com a aprovação do Senhor Bispo deLeiria; “Fátima”, livro de oitenta e oito páginas e ilustrado com numerosasgravuras, por Leopoldo Nunes, publicado sem aprovação canónica emabril de mil novecentos e vinte e sete; “O manual do peregrino em Fátima”,livro publicado em mil novecentos e vinte e sete pelo rev.do dr. ManuelMarques dos Santos, professor no Seminário de Leiria, com aprovaçãodo Excelentíssimo Prelado Diocesano. Já saiu a segunda edição destelivro; “As Grandes Maravilhas de Fátima”, livro de quatrocentas e catorzepáginas, ilustrado com numerosas gravuras, pelo Visconde de Montelo,publicado em dezembro de mil novecentos e vinte e sete, com aprovaçãodo Senhor Bispo de Leiria; “O poema de Fátima”, livro em versopublicado em mil novecentos e vinte e oito; “Romagens de Fátima”,livro de noventa e seis páginas, ilustrado com gravuras, por D. MariaFeio, publicado em Lisboa em mil novecentos e vinte e nove, semaprovação canónica. Nos últimos anos a propaganda de Fátima nospaíses estrangeiros das diferentes partes do mundo e mormente nospaíses da Europa intensificou-se dum modo prodigioso. Não falandodos jornais diários e periódicos, entre as revistas que se têm ocupadodos acontecimentos de Fátima, algumas em longas séries de artigos,acompanhados de gravuras, merecem especial referência, “Sal Terrae”,

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490 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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du Rosaire” e “La vie sociale”, em França, “La revue des idées et desfaits”, na Bélgica; “De Illustratie”, na Holanda; “Stella matutina”, na Itália;“Die Schildwache”, na Alemanha; “Kalendarium Srca Isusova i Marijina”,[46v] na Jugoslávia e o “Mensageiro árabe do Coração de Jesus”. Entreos livros já se podem mencionar “Fátima, das Portugiesische Lourdes”livro de cento e trinta e duas páginas, ilustrado com gravuras, publicadopelo rev.do dr. Luís Fischer, professor na Universidade de Bamberg, emnovembro de mil novecentos e vinte e nove, com aprovação da autoridadeeclesiástica. Está prestes a sair a segunda edição deste livro, o que mostrao excelente acolhimento que ele teve na Alemanha. Da primeira ediçãofez-se uma tiragem de dez mil exemplares. “Die Erscheinungen vonFatima”, pelo rev.do dr. Luís Fischer, prestes a sair do prelo. “Les grandesmerveilles de Fatima”, tradução francesa prestes a sair do prelo do livro“As grandes maravilhas de Fátima” do Visconde de Montelo, publicadapelo rev.do G. Tournebise, diretor da “Revue sociale”, de Paris, comaprovação de Sua Eminência o Senhor Cardeal Arcebispo de Paris.

As manifestações de fé e piedade

Falar das manifestações de fé e piedade que há treze anos se realizamperiodicamente, sobretudo na Primavera e no Verão, na montanha maissanta de Portugal, é evocar as cenas mais belas, mais comoventes emais grandiosas que tem sido dado presenciar sobre a terra, segundotestemunhos insuspeitos, como o do dr. Luís Fischer, professor daUniversidade de Bamberg, na Baviera, que foi expressamente a Fátima,no dia treze de maio de mil novecentos e trinta35, para assistir às cerimóniasreligiosas desse dia. Não houve jamais nem há no mundo inteiro nenhumespetáculo que possa comparar-se com o que oferece a cidade daVirgem num dos dias de maior concurso de peregrinos. O dr. ArturBívar36, o eminente publicista e crítico tão inteligente como erudito donorte de Portugal, que percorreu os [47] principais santuários da Europa,

35 A data está errada. O dr. Luís Fischer esteve em Fátima no dia 13 de maio de1929.

36 Polígrafo português. Nasceu em Vila Viçosa, a 10 de julho de 1881. Entrou parao Colégio Português em Roma, em 1900, formando-se, depois, em Filosofia naUniversidade Gregoriana de Roma. Participou em várias revistas (“IlustraçãoCatólica”, “Lumen” e “Renascença”) e jornais (“Portugal”, “Liberdade”, “Diáriodo Minho”, “Novidades”). A sua obra mais notável é o Dicionário Geral eAnalógico da Língua Portuguesa. Faleceu, em Lisboa, a 15 de julho de 1946.

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�� ������ ����� ���������� � ����� � ����37, afirmava que nunca tinhaassistido a cenas tão empolgantes e que nunca tinha visto, nem mesmoem Lourdes, uma tão viva e uma piedade tão ardente como a dasmultidões que acorriam a Fátima. Seria um nunca acabar, pretenderfazer a descrição exata do que se passa de maravilhoso e tocante numdia treze de maio ou num dia treze de outubro, ou mesmo no dia trezedoutro mês. Desde a cena bíblica, soberba e indescritível, da últimaaparição, quando o milagre anunciado pelos videntes, verificando-se àhora prefixa, fez cair de joelhos a rezar e a chorar de comoção, umamultidão de setenta mil pessoas, até à portentosa manifestação de fé epiedade do dia treze de maio de mil novecentos e vinte e nove, em quecerca de meio milhão de peregrinos passou pela Cova da Iria, nesselongo período de doze anos, quantos prodígios da omnipotência doSenhor, quantos testemunhos da bondade da Virgem, quantas graçasderramadas sobre as almas, quantas bênçãos descidas sobre os corpos,quantos preitos de adoração a Jesus-Hóstia, quantas provas de devoçãoe confiança na augusta Mãe de Deus! Quem quiser fazer uma ideiaaproximada do que sejam essas inauditas maravilhas dos nossos temposleia a coleção da “Voz da Fátima” ou algum dos livros que se ocupamdos acontecimentos da Lourdes Portuguesa. O concurso de dezenas demilhares de peregrinos de ambos os sexos, de todas as idades, classese condições sociais e de todos os pontos de Portugal e até do estrangeiro,muitos deles percorrendo a pé dezenas de léguas, durante diasconsecutivos, para chegarem ao lugar das aparições e para regressaremdepois aos seus lares distantes, o cumprimento de promessas, levandotantas pessoas de todas as categorias, a pé e descalças ou de joelhosem terra, dando voltas à capela das aparições [47v] ou seguindo desdelonge até à capela, a deslumbrante procissão das velas com as suasvagas encapeladas em que se mistura o brando ciciar das preces com ocântico entusiástico do Avé de Fátima, a comoventíssima cerimónia daadoração noturna a Jesus-Hóstia exposto na Sagrada Custódia sobreum trono de luzes e de flores, a comunhão longa e intermináveladministrada por dezenas de sacerdotes a dezenas de milhar de pessoas,durante horas consecutivas, a missa e a bênção dos doentes com oSantíssimo Sacramento, as confissões aos milhares, as conversõesretumbantes, as curas miraculosas, e as procissões da Virgem são outrastantas estrofes desse poema de misericórdia e de amor que é o divinopoema de Fátima. Quando, durante a procissão das velas, um peregrino

37 Trata-se de 1922 e não 1923 (19 de maio de 1922 - DCF, IV-1, Doc. 44).

Doc. 120 1930-04-13

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492 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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contempla o mar de fogo que abrasa aquele vasto anfiteatro, julga-setransportado a um país de sonhos e de encanto e os seus olhosdeslumbrados marejam-se de lágrimas de comoção e dos seus lábiossaem exclamações irreprimíveis de assombro e de júbilo. Não menosviva e profunda mas mais suave e mais tocante ainda, é a impressão queele experimenta ao volver os olhos de repente para o trono de amor emque repousa o Rei Divino, oculto sob as espécies eucarísticas, e para amultidão imensa prostrada a seus pés, adorando, orando edesagravando, e ao ouvir as orações e os cânticos levados ao longe eao largo pela voz potente dos megafones. Nesses dias inolvidáveis veem-se, em grande número, eclesiásticos, titulares, magistrados, parlamentares,oficiais do exército, professores dos mais importantes estabelecimentosde ensino, escritores e poetas, médicos, advogados, jornalistas, grandesproprietários do Norte, da Extremadura, das duas Beiras e do Alentejo,e senhoras da primeira nobreza de Portugal, numa promiscuidadealtamente comovedora, irmanados pela mesma Fé [48] e pelos mesmossentimentos, lado a lado de homens e mulheres da mais humilde condiçãosocial, de pobres e rudes, mas dignos e honrados habitantes das aldeiase dos campos. Ninguém jamais vai a Fátima, sem trazer consigo arecordação imperecível dessas cenas duma beleza e majestade supremase a saudade inefável daqueles lugares benditos em que a alma se senteliberta dos liames do corpo, mais longe da terra, mais perto de Deus.

As três inovações de Nossa Senhora

Portugal é por ventura o único país do mundo civilizado onde, hácerca dum século, desde a implantação do regime constitucional, eivadode regalismo e liberalismo até à medula, a liberdade de associaçãoreligiosa tem sido tão precária e tão cheia de peias que torna praticamentequase impossível a existência de conventos e casas de congregaçõesreligiosas. Esta restrição e quase total esmagamento do direito que assisteàs almas chamadas por Deus a servi-lo na prática da perfeição especiale completa pela profissão religiosa e pela emissão dos votos de castidade,pobreza e obediência segundo a regra e as constituições dalgum Institutode votos solenes ou simples, aprovado pela Santa Sé, constitui umaviolação tão flagrante e tão revoltante do direito natural e daindependência da Igreja e da sua legislação canónica, quanto é certoque, a par de semelhante tirania, se proporcionam as maiores facilidadespara o estabelecimento de toda a casta de instituições que têm por

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aos bons costumes e se toleram complacentemente as licenças maisdesbragadas, os vícios mais abomináveis, a corrupção e a [48v]imoralidade mais infames. O mal, que já era grande à data da implantaçãoda República, agravou-se espantosamente durante os primeiros anosdo novo regime, em pleno período revolucionário de perseguição à Igrejae de dissolução de costumes, pela promulgação das chamadas leis defamília e, dum modo especial, pela autorização do divórcio e peloincremento verdadeiramente inaudito da prostituição legal e ilegal,sobretudo nos grandes centros de população. A vida dos institutosreligiosos, já difícil em face das disposições da legislação civil, mais difícilse tornava ainda por causa da manifesta hostilidade duma parte do povoportuguês, desorientado pelas campanhas caluniosas dos órgãos daimprensa liberal e jacobina contra as Ordens e Congregações religiosas,particularmente durante o período que precedeu e se seguiu imediatamenteà queda do antigo regime. Fechadas as casas religiosas, pela revoluçãode cinco de outubro de mil novecentos e dez, e dispersos os religiosos eas religiosas que se viram obrigados, na sua quase totalidade, a tomar ocaminho do exílio e a fixar a sua residência em países estrangeiros, avida religiosa da população portuguesa sofreu um abalo tremendo, tantomais que o clero secular, em quase todas as dioceses, senão em todas,era reduzido em número e não estava preparado para satisfazer asexigências cada vez mais crescentes de evangelização cristã e deformação piedosa. Por outro lado, as ruínas morais e religiosasacumuladas pela revolução, o flagelo tremendo da epidemiabroncopneumónica, que ceifou muitos milhares de existências na flor daidade, e a grande guerra europeia, que nos arrebatou o escol da mocidademasculina, provocaram, com as bênçãos de Deus, uma vasta floraçãode almas eleitas que se ofereciam em holocausto para reparação detantos males, detendo assim os golpes da justiça divina ofendida.Impunha-se mais do que nunca, a necessidade de restaurar, de reparare regenerar [49] tudo em Nosso Senhor Jesus Cristo, sob a proteçãoda Augusta Padroeira da Nação. Segundo as declarações da videnteLúcia de Jesus, profetizara com meses de antecedência uma trípliceaparição da Santíssima Virgem, no dia treze de outubro de mil novecentose dezassete, a Rainha do Céu manifestou-se nesse dia memorávelsucessivamente sob três invocações diferentes, a do Rosário, a das Dorese a do Carmo. Qual a razão desta tríplice aparição? Circunstânciasverdadeiramente providenciais, que seria longo enumerar aqui, levaramuma nobre e piedosa dama de Santarém, a Senhora D. Luísa Maria do

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ºadre Santa Marta de Mesquita e Melo (Andaluz)38 a fundar, sob o altopatrocínio de Suas Excelências Reverendíssimas os Senhores Arcebispode Évora e Bispo de Leiria uma obra de caráter apostólico e reparador,intitulada Obra Apostólica e Reparadora de Nossa Senhora doRosário, com três ramos distintos, tendo por celestial padroeira a VirgemSantíssima, respetivamente sob as inovações do Carmo, do Rosário edas Dores. O primeiro ramo, cuja sede é em Santarém, tem por fim oapostolado sob várias formas, principalmente pelo ensino e pela imprensa,e possui já dez casas em regular funcionamento, dispersas por quatrodioceses do país. O segundo ramo, com a sua sede em Lisboa, consagra--se à vida contemplativa, mitigada em harmonia com as prescrições maisrecentes da Santa Igreja, e propõe-se reparar dia e noite as ofensas quese fazem a Nosso Senhor, adorando e desagravando exposto emperpétuo lausperene, no seu sacramento de amor. A existência desteramo parece ter íntima relação com umas predições que a vidente JacintaMarto comunicou, na véspera da sua morte, dizendo terem sido feitaspor Nossa Senhora, que nessa ocasião lhe aparecera por duas vezes. Oterceiro [49v] ramo, que tem a sua sede em Portalegre, dedica-se àpreservação das pessoas do sexo feminino que se encontram em perigomoral e à regeneração das que já se extraviaram. O pessoal dos trêsramos da Obra, sem incluir o numeroso elemento auxiliar, orça por cempessoas, umas de coro e as outras de serviço. As casas estão espalhadaspor cinco dioceses. O bem que esta benemérita instituição tem feito éincalculável. Nossa Senhora de Fátima parece tê-la sob a sua proteçãoespecial, cumulando-a de graças e bênçãos de toda a ordem. Tem jáorganizada a casa de formação do seu pessoal, que principiará a funcionarainda no corrente ano de mil novecentos e trinta, sob o alto patrocíniode Sua Eminência Reverendíssima o Senhor D. Manuel GonçalvesCerejeira, ilustre e venerando Cardeal Patriarca de Lisboa

As curas extraordinárias

Se o augusto Santuário da Lourdes portuguesa tem sido, há trezeanos a esta parte, um manancial fecundo de graças e bênçãos espirituais,também não tem deixado de ser um manancial de saúde para os corpos,uma fonte inesgotável de curas verdadeiramente maravilhosas. Ainda naépoca das aparições, muitas pessoas doentes recorriam, cheias de

38 Luísa Maria Langstroth Figueira de Sousa Vadre Santa Marta de Mesquita eMelo.

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e essa confiança não era frustrada. Mas sobretudo depois das apariçõese especialmente desde o aparecimento da primeira nascente de água nopróprio local das aparições, por ocasião da celebração da primeira missacampal à medida que se propagava o culto de Nossa Senhora de Fátima,as curas extraordinárias atribuídas à sua intercessão multiplicavam-seassombrosamente, tornando Fátima tam-[50]bém sob esse ponto devista, uma segunda Lourdes não menos maravilhosa que a primeira. Essascuras operavam-se, umas vezes durante ou no fim de novenas feitas emhonra de Nossa Senhora, outras vezes por efeito da aplicação da terrado local das aparições amassada com água, outras vezes depois do usointerno ou externo de água das fontes da Cova da Iria. Muitos doentesde ambos os sexos e de todas as idades e condições, abandonados edeclarados incuráveis, cujos males tinham resistido aos tratamentos maisenérgicos e mais prolongados, recuperaram assim a saúde, ora em poucosdias ou em poucas horas, ora subitamente. Estas curas tiveram umarepercussão enorme em todo o país e o seu eco chegou aos paísesestrangeiros. Dos diversos pontos de Portugal e doutras nações chovemincessantemente os pedidos de água das fontes de Fátima, reputadamiraculosa. Um sem número de doentes, muitos deles em perigo devida, alguns até em estado comatoso, são transportados no meio domaior desconforto, devido à distância e à dificuldade do acesso, até aoplanalto sagrado de Fátima e, depois de passarem pelo posto dasverificações médicas, vão ocupar, em longas filas, as bancadas dorespetivo pavilhão, onde assistem aos atos religiosos, rezam, choram ecantam e por fim recebem a bênção do Santíssimo Sacramento e comela, por vezes, a cura instantânea e completa ou o alívio das suasenfermidades e sempre graças abundantes de conforto e resignação cristãpara suportarem o peso da sua cruz com glória para Deus e com proveitopara as suas almas. Estas curas maravilhosas, operadas mercê daintercessão de Nossa Senhora de Fátima, são permanentes. Qual é opoder que as produz? Um poder meramente natural? A ciência consul-[50v]tada a este respeito respondeu negativamente. As curas de Fátimaexcedem as forças criadas; portanto são obra de Deus. E como têm amais íntima relação com a Aparição, porque foi ela que inspirou aconfiança dos doentes, e são verdadeiramente sobrenaturais e divinas,também a Aparição é sobrenatural, também a Aparição é divina. Destasorte, os milagres de Fátima constituem por si só, uma prova evidente,empolgante e irrecusável da sobrenaturalidade das aparições. Em seguidavão enumeradas algumas das curas mais importantes atribuídas à

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496 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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que fazem parte do processo canónico e que são reconhecidas comohumanamente inexplicáveis por médicos conscienciosos e competentes39.1° caso: Cecília Augusta Gouveia Prestes, de Torres Novas. Tuberculosepulmonar e peritoneal com ascite. Atestado dos drs. Eugénio Ribeiro deAlmeida e Augusto de Azevedo Mendes. “Voz da Fátima”, n° 20, de13 de maio de 1924. 2º caso: José de Oliveira Carvalho, do Porto.Mal de Pot lombar. Atestado do dr. António do Couto Soares Júnior.“Voz da Fátima”, n° 32, de 13 de maio de 1925. 3 ° caso: José RodriguesVala, de Ribeira de Baixo (Porto de Mós). Pleurisia purulentatuberculosa. Atestado do dr. Adelino Pereira da Silva. “Voz da Fátima”,n° 33 de 13 de junho de 1925, e n° 43, de 13 de abril de 1926. 4° caso:Etelvina da Conceição Barroso, de Santarém. Úlcera gástrica. Atestadodo dr. António Baptista Leite de Faria. “Voz da Fátima”, n° 44, de 13de maio de 1926. 5 ° caso: Rosa Maria Ribeiro, de Ponte da Barca.Úlcera gástrica. Atestado dos drs. Bernardo Maria Coelho Vieira Ribeiroe Albino Domingues dos Santos .“Voz da Fátima”, n° 49, 13 de outubrode 1926, e n° 59, de 13 de agosto de 1927. 6º caso: Dr. Acácio daSilva Ribeiro, (médico), de Lisboa. Fraturas [51] ósseas. Atestado--relatório do próprio médico curado. “Voz da Fátima”, n° 61, de 13 deoutubro de 1927. 7° caso: Maria Emília Fernandes, de Vilar (Cadaval).Ciática esquerda com escoliose homóloga. Atestado do dr. Mário Pereirada Costa. “Voz da Fátima”, n° 73, de 13 de outubro de 1928. 8º caso:Aurora da Silva Tavares, do Porto. Otite média supurada crónica direita.Atestados dos drs. António Teixeira Lopes Júnior e António CaetanoFerreira de Castro.“Voz da Fátima”, n °75, de 13 de dezembro de 1928.9° caso: D. Maria Margarida Teixeira Lopes, de Lousada. Abcessosexteriores. Atestado do dr. Joaquim Hermano Teixeira de Carvalho.“Vozda Fátima”, n° 75, de 13 de dezembro de 1928, e n° 76, de 13 dejaneiro de 1929. 10° caso: Maria Augusta Dias, de Alter do Chão(Alentejo). Atrofia dos nervos óticos com um dos olhos completamentecego e com o outro mal percebendo a luz, considerada incurável pelosmais célebres especialistas de Lisboa. “Voz da Fátima”, n° 78, de 13 demarço de 1929. 11° caso: Amélia da Silva, de S. Martinho da Arada,Ovar. Úlcera gástrica e laringite crónica Atestado do dr. Benjamim TiagoValente de Brito (Feira). “Voz da Fátima”, n° 79, de 13 de abril de1929.12° caso: Maria Pereira Soares, de Guilhufe (Penafiel). Gastrite

39 DCF, II - p.277-372.

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åæçèéêëìíAtestado do dr. Guilherme Augusto Pereira Cunha. “Voz daFátima”, n° 79, de 13 de abril de 1929. 13° caso: D. Maria José dosSantos Nunes, de Lisboa. Lesão grave do sistema nervoso central denatureza bacilar. Atestado do dr. Fernando Wanzeler Pessoa. “Voz daFátima”, n° 80, de 13 de maio de 1929. 14° caso: Emília MartinsBatista, de Aldreu (Barcelos). Atestado do dr. José Gomes de MatosGraça. “Voz da Fátima” n° 80, de 13 de maio de 1929. 15° caso: ArnaldoDuarte da Silva, de Igreja Nova (Mafra). Meningite tuberculosa. [51v]Atestado do dr. João Torrado da Silva. “Voz da Fátima”, n° 82, de 13de julho de 1929. 16° caso: D. Emília de Jesus Marques, de Lousada.Paralisia completa do braço e perna esquerdos. Atestado do dr. JoaquimHermano Mendes de Carvalho. “Voz da Fátima”, n° 83, de 13 de agostode 1929. 17° caso: Albina de Matos, de Avanca. Ptose visceralgeneralizada. Atestação do dr. António de Abreu Freire. “Voz da Fátima”,n° 87 de 13 de dezembro de 1929.

Considerações finais

Em presença de tudo quanto fica exposto até esta altura, restaformular, recapitulando e resumindo, as considerações finais desterelatório, que não podem deixar de ser inteiramente favoráveis à realidadedas aparições e à origem sobrenatural e divina das mesmas aparições,assim como dos outros sucessos extraordinários que as acompanharame que se lhes seguiram. Os videntes, como consta da análisepsicofisiológica das suas pessoas e do exame atento e rigoroso dos seusdepoimentos, não se enganaram nem pretenderam enganar nasafirmações que fizeram, nas declarações que prestaram. Algumascontradições, mais aparentes que reais, admitem explicações plenamentesatisfatórias. O próprio caso da predição, relativa ao fim próximo dagrande guerra europeia, pode ter mais que uma solução plausível e quedeixe inteiramente tranquilo o espírito mais exigente. O princípio jurídiconemo malus nisi probetur tem aqui cabal aplicação. Nada prova quealguma das crianças faltasse conscientemente à verdade. Nada provatão pouco que alguma delas fosse vítima de qualquer ilusão ou alucinação.Ninguém pode duvidar da sua sinceridade. Ela impõe-se a todos osespíritos e a todas as consciências bem formadas, graças à sua inocência,a sua candura e a sua simpli-[52]cidade encantadora. As cenas de queforam testemunhas, descrevem-nas sem afetação e com uma tocanteingenuidade, como se fossem coisas que não lhes dissessem respeito. Acrença nas suas afirmações é conquistada pela força de convicção que

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îïðîñîðòóñôõîö÷ïóøùóïôúòóñóïïó ûüîúôýóïòþöAs ofertas mais generosasdeixam-nas absolutamente indiferentes. As ameaças terríveis que lhessão dirigidas, até pela própria autoridade administrativa e as rudesprovações a que são sujeitas, embora logrem intimidar o Francisco e aJacinta, a ponto de os fazer chorar, não os impedem de manterconstantemente as suas afirmativas e nem sequer são capazes de arrancaro segredo que a Aparição lhes comunicou e que elas guardam, religiosae inviolavelmente, com uma fidelidade e uma firmeza a toda a prova,impossíveis de explicar na sua tenra idade sem uma assistência especialdo Alto. E como admitir que os videntes se enganaram? Como supôrque não viram nem ouviram aquilo que julgaram ver e ouvir? Comoconsiderá-los vítimas duma alucinação? A sensatez das suas respostas,aliada a uma ingenuidade infantil, revela um espírito normal, umaimaginação serena e calma, um bom senso fora do vulgar. Não havianas crianças nenhuma afeção mórbida que as dispusesse para produzircriações imaginárias. A sua idade, o seu temperamento, a sua educaçãoe a sua piedade, que em nada se distinguia da piedade das outras criançassuas companheiras, excluem por completo qualquer exaltação dosentimento religioso proveniente dalguma desordem da inteligência e dossentidos ou dalguma deformação orgânica. Por outro lado, importa nãoesquecer que as visões dos pastorinhos foram fecundas, ao contráriodas visões dos nevropatas, que são de todo ponto estéreis, como efeitosdum espí-[52v]rito exaltado e duma imaginação desordenada. Além disso,a notícia das aparições de Fátima, como a das aparições de Lourdes,propagou-se com a rapidez de relâmpago e já por ocasião da sexta eúltima aparição, sem ter havido nenhum convite, nenhum anúncio,nenhuma organização prévia, se reuniu na Cova da Iria uma multidão deperegrinos verdadeiramente assombrosa, pela sua quantidade equalidade, se se atender às circunstâncias do tempo, da distância e doacesso. Dir-se-ia que um poderoso íman espiritual fazia convergir paraa cumeada da serra de Aire as almas e os corações dos portugueses. E,encerrado definitivamente o ciclo das aparições, o concurso de peregrinosintensificou-se sobremaneira e há treze anos que essa torrente incessantee caudalosa das multidões que acorrem à Lourdes portuguesa, constituium dos espetáculos mais belos e mais comoventes que é dado presenciarsobre a terra. As almas tíbias afervoram-se, as indiferentes regressam àspráticas religiosas e as pecadoras reconciliam-se com Deus. Todos oscorações aflitos e atribulados encontram naquele foco bendito de graçascelestes o conforto e a consolação, de que carecem para abraçar comresignação a sua cruz. A atitude, tanto dos pais da Lúcia, como dos pais

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ÿd ��������d �ÿ� ������ �d���� � ���d� �����ÿ����������ÿ� ����abona ainda a veracidade das crianças. Essa veracidade é proclamadapor muitas pessoas que as conheciam e as consideram incapazes dementir, como pode ver-se em vários documentos que fazem parte doprocesso canónico. A circunstância das aparições terem tido o seu inícioem maio e terem acabado em outubro, meses especialmente consagradospela Santa Igreja em todo o mundo católico ao culto da SantíssimaVirgem, e este último mês precisamente [53] sob invocação do SantíssimoRosário e num sábado, dia em que a Igreja também dedica a NossaSenhora, e a coincidência da primeira aparição, com a festa portuguesa,prescrita pelo calendário eclesiástico do Patriarcado, em honra de NossaSenhora dos Mártires, cujo ofício e missa parecem uma glorificaçãoantecipada das maravilhas de Fátima, são bem de molde a causarprofunda impressão em quem vê nos acontecimentos, como se devever, o plano admirável da Divina Providência a desenrolar-se comsuavidade e firmeza, como uma promessa consoladora de graças ebênçãos. O êxtase que se verificou na Lúcia, pelo menos no dia 13 desetembro, durante a penúltima aparição, constitui, como efeito de ordemsobrenatural, um argumento valioso da realidade da aparição. Ofenómeno da nuvem de fumo e o fenómeno solar são factos que não sepodem explicar naturalmente. Muito menos se pode explicar naturalmentea predição da Lúcia relativa ao fenómeno solar e verificada no dia e àhora que a vidente designou. As declarações prestadas pelos videntesnos inquéritos a que a autoridade eclesiástica procedeu e, dum modoparticular, o depoimento da Lúcia, que é, sem contestação, a principalvidente, no inquérito do Porto, aos dezoito anos de idade40, quandoestava prestes a abraçar como a beata Bernadette Soubirous, a vidareligiosa na Congregação de Santa Doroteia, onde já professou, nãopermitem alimentar dúvidas acerca da sinceridade das crianças. Morteedificante de Francisco Marto e a morte não menos edificante de suairmã Jacinta Marto, verdadeiramente extraordinária pelas circunstânciasque a revestiram, com a confirmação implícita, feita tanto por um comopela outra, de todas as declarações, que até então tinham produzido,relativas às aparições, são elementos de prova que não se devemdesprezar. As falsas apari-[53v]ções, a oposição do clero, asperseguições particulares e oficiais, em que se recorreu a toda a sortede expedientes para sufocar o grande movimento nascente de renovaçãomoral e religiosa que alastrava por todo o país, dum modo inesperado eassombroso, são, por assim dizer, a contraprova da verdade das

40 Cf. nota 30

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a�a������ � �a������ ������a���a� ��� a������������� ! a�a���������duma fonte de água abundante no próprio local das aparições, numaregião onde não há nascentes mas só poços com água das chuvas, é umfacto verdadeiramente providencial, se se atender sobretudo ànecessidade imperiosa e urgente que havia de água para os peregrinos,para os habitantes das imediações do local, para os animais utilizadosna condução dos peregrinos e para as obras grandiosas a realizar naCova da Iria e no sítio da futura cidade de Fátima. Forçado pela evidênciaempolgante da verdade, Sua Excelência Reverendíssima o Senhor D.José Alves Correia da Silva, venerando Bispo de Leiria, em mil novecentose vinte e dois, depois de ter autorizado na Cova da Iria o culto públicoa Nossa Senhora do Rosário, independentemente da realidade ou nãorealidade das aparições, nomeou uma comissão canónica para procedera um longo e minucioso inquérito sobre os acontecimentos de Fátima. Oconcurso de peregrinos, cujo número é incomparavelmente superior aodos peregrinos de Lourdes, no decurso de cada ano, apesar dasdistâncias, das dificuldades do acesso e da falta de consideráveiscontingentes de elementos estrangeiros, as conversões numerosas eincessantes operadas não só em Fátima mas em todo o país,principalmente no dia treze de cada mês, graças [54] a esta devoçãoprovidencial, o afervoramento da Fé e da piedade do povo portuguêsalimentado com a correlativa frequência dos sacramentos da Penitênciae da Eucaristia, a difusão estupenda e sumamente inexplicável do cultode Nossa Senhora de Fátima na nossa pátria e nos demais países domundo, a afluência de esmolas, tantas e tão avultadas, muitas delas, quepermitem a construção imediata dum dos maiores templos da cristandade,a fundação duma grande Obra de apostolado, reparação e regeneraçãoque tem espalhado e continua espalhando por toda a parte uma somaincalculável de benefícios de ordem temporal e de ordem espiritual e,finalmente, as grandes manifestações de Fé e piedade, de que é teatro aCova da Iria ou, para melhor dizer, Portugal inteiro, nos dias treze demaio e treze de outubro de cada ano e que não têm nada que se lhescompare no universo, são outros tantos argumentos de grande valor emprol do ato sobrenatural de Fátima. E como confirmação última, definitivae irrefragável, de que a Virgem Santíssima apareceu em Fátima parasalvação de tantas almas, aí está a atestá-lo a longa série de curasmiraculosas, muitas das quais constatadas como tais pelo veredito daCiência.

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1. Os videntes e os inquéritos oficiais2. A liturgia no dia da primeira aparição3. O êxtase de Lúcia de Jesus4. As nascentes de água5. A atitude dos pais de Lúcia de Jesus6. A atitude dos pais de Francisco e Jacinta Marto7. A morte de Francisco Marto8. A morte de Jacinta Marto9. O concurso de peregrinos10. Os inquéritos oficiais11. As contrafações12. A oposição do clero13. As perseguições particulares: os atentados14. As perseguições oficiais15. O Senhor Bispo de Leiria e a Obra de Fátima16. Interrogatório Oficial de Lúcia de Jesus17. A profissão religiosa de Lúcia de Jesus18. O culto de Nossa Senhora de Fátima em Portugal e colónias19. O culto de Nossa Senhora de Fátima no estrangeiro20. As conversões21. O afervoramento da Fé e da piedade22. Fátima e Sua Santidade o Papa Pio XI

[Fátima e o Papa]23. A grande guerra europeia de 191424. As obras na Cova da Iria25. O fenómeno da nuvem de fumo26. O fenómeno solar

[O fenómeno solar e a predição de Lúcia]27. Bibliografia de Fátima28. As manifestações de Fé e piedade29 As três inovações de Nossa Senhora30. As curas maravilhosas

[As curas extraordinárias]31. Considerações finais

Doc. 120 1930-04-13

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502 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

2334A grande guerra europeia

A Aparição queria que se rezasse o terço e se fizesse penitênciapara que Deus se dignasse pôr termo ao grande flagelo da guerra queassolava tantas nações, produzindo milhões de vítimas e semeando portoda a parte toda a sorte de ruínas morais e materiais. Anunciou que otremendo flagelo acabaria, ou melhor, teria acabado no dia 13 de outubro,se os homens se arrependessem e emendassem dos seus pecados eaplacassem a justiça divina, orando e fazendo penitência. A Lúciaenganou-se, considerando como absoluta a afirmação da Visão. Acondição, implicitamente posta por esta, não se cumpriu e por isso aguerra não acabou. Já no Antigo Testamento, Jonas se tinha enganado,fazendo por ordem de Deus, uma profecia, que ele julgava absoluta eque era apenas condicional. A cidade de Nínive seria destruída no diamarcado pelo profeta, se os seus habitantes não fizessem penitência.“Adhuc quadraginta dies et Ninive subvertetur!” A população dacidade acreditou na ameaça e todos, desde o rei até ao último dos seussúbditos e até aos próprios animais, se vestiram de cilício e de cinza.Por esse motivo Nínive foi poupada com grande admiração e até comum certo despeito de Jonas, que, não conhecendo os desígniosmisericordiosos do Senhor, pretendia a todo o transe que a profecia secumprisse, para que ninguém duvidasse de que ele falara em nome e porordem de Deus. Coisa muito semelhante sucedeu a S. Leonardo dePorto Maurício, o grande apóstolo da Europa na Idade Media. Na suapregação, anunciava o fim do mundo para dois anos depois. Chegou aressuscitar um morto, que era levado para o cemitério, a fim de confirmara verdade da sua pregação. O morto assegurou que era certo tudoquanto ele dizia. Mas os dois anos [55v] passaram, e o mundo nãoacabou, porque a Europa converteu-se com as pregações de S. Leonardode Porto Maurício. De resto, a Virgem Santíssima podia ter permitido oengano da Lúcia, de propósito, para a manter num espírito de profundahumildade pela confusão que para ela advinha do facto de ter errado,pelo menos aparentemente, num ponto de capital importância. Nem acircunstância de ter caído num equívoco obsta a que os seus depoimentosmereçam todo o crédito. Esse equívoco tinha a sua razão de serprovidencial e de modo nenhum embaraçava, como de facto nãoembaraçou, o curso regular dos acontecimentos, que fizeram de Fátimaa Lourdes Portuguesa. No interrogatório oficial que foi feito a Lúcia,

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567 89:6;<6 5=67 85 7>5 ;858941, quando estava internada no Asilo deVilar, no Porto, a vidente diz textualmente o seguinte: “parece-me que aSenhora disse ainda deste modo: convertam-se, a guerra acaba hoje,esperem pelos seus militares muito breve. A minha prima Jacinta disse--me em casa que a Senhora falara assim: convertam-se, que a guerraacaba dentro dum ano. Como estava a pensar nos pedidos que queriafazer a Senhora, não deitei bem sentido”.

41 Cf. nota 31.

Doc. 120 1930-04-13

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504 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Doc. 1211930-04-14

Ata de aprovação do Relatório da Comissão Canónica.

Publ.: DCF, II - Doc. 10

A?@ BCDED FD GHCIJ FD KIJ L?MDNDLB?@ D BCILBGO L? PDKILQCI? FD@BGcidade de Leiria, reuniu a Comissão nomeada pelo Ex.mo Rev.mo SenhorD. José Alves Correia da Silva, Bispo desta Diocese, na sua Provisãode três de maio de mil novecentos e vinte e dois para averiguar sobre osacontecimentos da Cova da Iria, freguesia de Fátima, no ano de milnovecentos e dezassete.

Nesse mesmo dia treze, o Rev.mo Senhor Dr. Manuel NunesFormigão, Cónego da Sé Patriarcal de Lisboa e Professor do Semináriode Santarém, e que desde princípio tem acompanhado o desenrolar dosacontecimentos, apresentou aos outros membros da Comissão oRelatório que vai junto, começando-se imediatamente a sua leitura ediscussão que foi continuada no dia seguinte. O Relatório foi aprovadopor unanimidade, excetuando o capítulo vinte e três (“A grande guerraeuropeia de mil nove centos e catorze”) que ficou redigido e substituídopelo apêndice junto.

Em seguida a comissão depôs nas mãos do Ex.mo Rev.mo SenhorBispo desta Diocese o referido Relatório, dando assim por terminadosos seus trabalhos sobre este assunto, do que se lavrou a presente ataque vai ser assinada por todos os membros da Comissão (à exceção dedois já falecidos1), isto é, pelo Rev.mos Snrs. Pe. João Quaresma, VigárioGeral da Diocese, Dr. Manuel Marques dos Santos, Vice-Reitor eProfessor do Seminário desta cidade de Leiria, Cónego Dr. ManuelNunes Formigão, Pe. Joaquim Ferreira Gonçalves das Neves, Prior deSanta Catarina da Serra, e Agostinho Marques Ferreira, Prior da freguesiada Fátima.

Seminário de Leiria, 14 de abril de 1930.

Pe. João QuaresmaPe. Manuel Marques dos SantosCónego Manuel Nunes Formigão JúniorPe. Joaquim Ferreira Gonçalves das NevesPe. Agostinho Marques Ferreira

1 Padres Faustino José Jacinto Ferreira (1924) e Joaquim Coelho Pereira (1929).

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RSTU VWW1930-05-16, La Guardia

Carta do Pe. Luís Gonzaga Cabral1para o Pe. José Bernardo Gonçalves2, sobrea sua ida a Fátima, no dia 13 de maio.

Publ: DCF, V-5 - Doc. 1509

XY Z\Y]^_Y` bc ^e fY_g ^e bhij

Meu saudoso P. Gonçalves P. C.

[...] E aqui tem V. Rev.ª num resumo muito pálido, o que foi neste último

quadriénio a minha segunda excursão para fora da Baía. A terceira realizou-se em fins de 1929, e ainda hoje dura. É a que

me permite estar escrevendo esta carta deste querido Colégio de LaGuardia, em vez de assiná-la como assinei as outras, do Colégio “AntónioVieira” da Baía.

[...]O Rev. P. Provincial que então estava na Baía, resolveu dar

cumprimento à prescrição médica, trazendo-me consigo à Europa, nofim de dezembro, para só regressar nos princípios de agosto. E esta é aterceira saída nestes quatro anos, que me resta contar-lhe agora antesde encerrar a minha extensa carta.

[...] As minhas ocupações têm sido aqui, além de preparar alguns volumes

para a imprensa, a excursão a Braga para dar os Exercícios aosOradores, a peregrinação a Fátima para pregar lá os sermões do dia 13

1 Nasceu na Foz do Douro a 1 de outubro de 1866.Entrou na Companhia de Jesuse foi ordenado sacerdote em 1898. Entre 1903 e 1908 foi director do Colégio deCampolide, em Lisboa. Em 1917, partiu para o Brasil. Pregou em Fátima naperegrinação aniversária de 13 de maio de 1930. Faleceu na Baía, Brasil, a 28 dejaneiro de 1939.

2 Nasceu em Moreiras Grandes, Torres Novas, em 2 de fevereiro de 1894. Entroupara a Companhia de Jesus, a 24 de janeiro de 1911, e foi ordenado a 26 de julhode 1925. Foi confessor da Ir. Lúcia. Em 1941, foi para Moçambique onde semanteve até 1958, altura em que regressou a Portugal. Faleceu, em Lisboa, a 22de agosto de 1966.

Doc. 122 1930-05-16

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506 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

kl mnop l n qrlsntup vwpxokonyn kp mz{ kl |nron np{ n}wyp{ kl{xlColégio de La Guardia.

Duas palavras sobre Fátima, antes de concluir.Nunca imaginei que iria encontrar o que vi. Nem creio mesmo que

haja palavra humana, escrita ou falada, que possa traduzir os sentimentosque se experimentam lá. Só visto! Só visto! Tinha lido pouco antes“Fátima, a Lourdes Portuguesa” do Dr. Fischer, professor naUniversidade de Bamberg. O livro é notável, o melhor penso eu, dequantos até aqui se publicaram sobre o assunto, e com a circunstânciade ser escrito por um estrangeiro, que se dirige aos seus compatriotasalemães, propondo-lhes Portugal como modelo. Mas, depois de lá ir,tive que confessar: a impressão em mim produzida por aquela leitura foinada, em comparação do que lá fui encontrar. Começa a diferença pelaaproximação que encerra o título: “Fátima, a Lourdes Portuguesa”! Estiveem Lourdes por várias vezes, estive em Roma no dia de um dos seusmaiores concursos. Pois declaro que, nem naquela nem nesta, pudefazer ideia do que depois vi em Fátima.

A começar pelas multidões, que têm que ver as de Fátima, com asfoules de Lourdes?! E com a circunstância que as peregrinações daCova da Iria se renovam todos os dias 13 de cada mês, e que em maioe outubro se repete todos os anos o mesmo espetáculo sem diminuiçãoou fadiga, senão com aumento progressivo?

Naquele dia tinha ali diante de mim passante de 250.000 pessoas,talvez 300.000.

Pois essas multidões não se reúnem numa nação de 50, 60, ou 100milhões de habitantes; mas num país que escassamente terá umapopulação de 7 milhões!

A Cova da Iria tem aliás uma topografia maravilhosamente adaptadaa estas inverosímeis assembleias. Forma um imenso anfiteatro, tãoregularmente traçado, que mais parece aberto geometricamente pelaengenharia, do que espontaneamente cavado pelas forças naturais. Osrebordos são em suave declive, a ponto de parecerem os degraus deum imenso anfiteatro. De ao pé do altar, onde eu estava, podia ver, semque uma prega ou ondulação o escondesse parcialmente, aquele marimenso de cabeças, como do alto da tribuna do César se poderiam ver,em Roma, as multidões do Coliseu, envoltas nas suas togas ou peplums.Mas no Coliseu cabiam, quando muito, 80.000 espetadores; aquicentenas de milhares!

O recinto, quando estiverem terminadas as obras, já hoje muitoadiantadas, será limitado, do lado da entrada pelo extenso Pórtico de

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~��������� ������ �� ~����� ��� �� ������ ��~� ��������� �� ������ �entrada, no limite oposto do recinto, a vastíssima basílica, o maior templode Portugal. À direita deste, vão-se arqueando pela periferia doanfiteatro, a igreja românica destinada às confissões dos homens, ograndioso albergue destinado aos doentes também do sexo masculino,a hospedaria dos peregrinos, e a casa dos Servitas. Do lado esquerdoconstruir-se-ão outros tantos edifícios iguais aos precedentes, parapenitentes, enfermos, peregrinos e Servitas do sexo feminino.

Em Leiria, tinha eu pregado nos dias precedentes duas conferências,uma a homens, outra a mulheres; tinha feito uma prática a seminaristas eum sermão na Catedral para o exercício do mês de Maria. À noite dodia 12, pelas 9 horas, saí de Leiria em automóvel com o Sr. Bispo, o seuSecretário e Frei David, O. F. M. Quando nos aproximámos da Covada Iria, fiquei assombrado com o número de automóveis, caminhões eoutros veículos que já bordavam o local, em linhas triplicadas, do ladode cima do rebordo circular.

Às 10 ½ começou a procissão das velas. O efeito não se parece emnada com o de Lourdes. Lá, o serpentear das luzes assemelha-se a umrio coleando por entre as várzeas; aqui, não é como um rio; é antescomo as correntes oceânicas, que são os rios do mar. Com efeito, amultidão imensa que se aperta na Cova da Iria dá-nos o efeito de ummar de luzes, pois raros são os que não compram a sua vela, por maispobrezinhos que sejam; e é dentro desse mar, que a parte móvel daprocissão se aperta mais ainda, deslizando em torcicolos no interior dagigantesca mó de fogo, desenhando através dela uma tira muito maisintensa que vai em zig-zags, tomando o caminho do majestoso pórtico.Os cânticos sucedem-se, predominando porém sempre o Avé, avé,avé Maria!

À meia-noite, exatamente no primeiro momento do dia 13, começouo terço. Era para ele que se destinavam os meus 6 sermões da noite.Eram pregados diante do microfone, e comunicados com assombrosanitidez àquela enorme multidão. Expus no primeiro sermãozinho o assuntogeral da pregação daquela noite: a Penitência. Cada um dos restantescinco sermões versou o respetivo mistério doloroso, pois o dia 13 demaio caíu em terça-feira. A cena era por tal forma impressionante, queali mesmo senti a necessidade de seguir um rumo bem diverso do quecostumo seguir no púlpito. A cada passo passava a pregação a serdialogada, e o imenso auditório era convidado a acompanhar-me nassúplicas, exclamações e jaculatórias.

Às duas horas estava terminado o meu trabalho da noite, e fui celebrar

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� ����� ������ � ��� ��� ������� �� �¡�¢����� �� £¤���� �¥����� ��sacerdotes a sua vez de celebrar. Desta vez éramos 212 os sacerdotesali presentes. Já de véspera tinha sido ininterrompida a assistência àsconfissões dos peregrinos, e raro seria o sacerdote, se algum houvenaqueles dois centos deles, que não passasse algum tempo a ouvirconfissões.

A missa da comunhão geral começou às cinco horas. Devo dizer aV. Rev.ª que para mim, o momento mais comovedor de Fátima foi o dadistribuição da Sagrada Eucaristia. Sobre o altar foram consagradaspor várias vezes duas píxides de dimensões, penso eu que nunca vistas,contendo cada uma 6.000 partículas. Estas não saíram de sobre o altar.As píxides portáteis traziam-nas os distribuidores da comunhão ao altar,enchiam-nas, e depois de esvaziadas, tornavam a ir enchê-las. Essaspíxides portáteis têm as tampas divididas ao meio por dobradiças quepermitem distribuir as hóstias, sem que haja perigo de serem levadaspelo vento.

As linhas duplas dos comungantes enfileiram-se em forma de estrelapara os vários pontos cardeais da Cova da Iria. Eu distribuí seminterrupção o pão eucarístico por espaço de 2 horas e um quarto. Naúltima hora foram meus acólitos, um com a vela resguardada em redoma,outro com o pratinho de prata doirada, um tenente-coronel, fardado degrande gala, com numerosas condecorações, que me disse mais tarde:Eu raras vezes uso estas honrarias. Mas, quando venho a Fátima, venhoassim. É um tributo prestado à Mãe Santíssima, uma profissão de fé eum exemplo que me julgo obrigado a dar. O outro acólito era um distintoadvogado. Mas o mais interessante é que o primeiro fora meu aluno noColégio de S. Fiel, Luís Torquato de Freitas Garcia; o segundo, meudiscípulo em Campolide, o Dr. António Tinoco Madeira.

Vários antigos alunos meus, que me supunham no Brasil e que,distanciados do púlpito não podiam ver-me, reconheceram-me pela voz,apesar dos altofónios. Quando depois conseguiram chegar até mim,abraçaram-me com comovidíssimo agradecimento. Houve até quemrompesse em soluços.

Mas voltemos às Comunhões. No meio daquelas filas intérminas decomungantes de todos os sexos, idades e condições sociais, onde, namais simpática promiscuidade, se encontravam, lado a lado, ajoelhadossobre a relva, ou na terra nua, o aristocrata e o camponês, a dama damelhor sociedade e a pobrezinha quase andrajosa, o estudante da escolasuperior e o operário, encontrei, à distância de uma horaaproximadamente, duas meninas vestidas de primeiras comungantes. A

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¦§¨§ ©ª§ «¬­®©¯°¬± ²¬ ³§´±§ªµ §¶±µ ¯§·©¬¶¬ ª¸ª¬¯°¸µ § «­±ª¬±­§comunhão. Como respondessem afirmativamente, ali mesmo, com Jesusna mão, lhes fiz um brevíssimo fervorinho de primeira comunhão,acentuando muito a felicidade de poderem ligar para toda a sua vida alembrança deste grande dia ao nome e à peregrinação a Fátima.

As lágrimas corriam-me abundantes, sem que um lenço viesse enxugá--las. Iam cair ao chão ou talvez misturar-se às muitas que choravam oscomungantes. Nunca experimentei comoção igual.

Às 9 da manhã, já se tinham dado em Fátima dezanove mil equinhentas comunhões. E ainda se deram comunhões até à tarde. Nãohá espetáculo igual no mundo todo!

Na cerimónia da tarde, com o Santíssimo exposto, depois da rezasolene do terço, entremeado de fervorosas invocações e cantoseucarísticos, entoados por aquelas centenas de milhares de vozes, foidada a bênção com a custódia individualmente a cada um dosnumerosíssimos doentes. O fervor das súplicas em favor dos pobresenfermos é coisa que não pode traduzir-se em palavras. O maior milagrede Fátima é a piedade fervorosa daquelas multidões, a sua fé robusta ea sua resignação serena mais de admirar nos mesmos enfermos. É portal forma impressionante este milagre, que os milagres das curas dir-se--ia que nos comovem! Duas pessoas foram curadas, enquantopresenciávamos aquelas incomparáveis manifestações: uma senhora deseus 45 anos, um rapaz dos seus 17. Este último passou mesmo rentede mim, subindo ágil os degraus do altar, para se ir atirar de joelhos aopé da estátua da Senhora de Fátima, debulhado em lágrimas.Acompanhava-o o servita que o assistia.

Terminada a bênção dos doentes, chegou-me a vez de fazer o sermãode conclusão. Não sei o que disse; sei que falou ali o coração do cristão,do português, do Padre; sei que falei chorando quase sem interrupção,e que, apesar disso, as lágrimas não embargavam a voz; sei que aquelamultidão imensa me acompanhava a uníssono nos hinos da gratidão aMaria, nas súplicas ardentes por Portugal e pela Igreja. Nunca em minhavida preguei mais sem normas de oratória, nem mais profundamentecomovido!

Mas ainda me era reservada nova comoção, no derradeiro ato daperegrinação: a despedida da Senhora de Fátima.

A Imagem da Senhora, que na primeira procissão das velas tinhamtrazido da sua Capelinha para o altar erguido no pavilhão dos enfermos,regressava à sua ermida. O trajeto foi longo e forçadamente lento. OsSrs. Bispos de Leiria e do Algarve lá iam ao pé do andor. Um bom

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¹º»¼½ ¾¿ ÀÁÂýº¿Ä ¿ÂýÁÅÁ ÆÂÆÂÿºº½Ç¼Æ¾ÁÇ¿ÂÃ¿È ¿Ç ¼½¼»ÉÁºÊÄÄÆÇÁÄredondilhas, a história das aparições de Fátima; aquela massaimponentíssima, coral de centenas de milhares de vozes, respondia como coro, Avé, avé, avé, Maria! E cada vez que o coro recomeçava,instantaneamente, como se aquela mó humana fosse movida por uma sómola oculta, erguia-se uma floresta de braços, mastros vivos de outrastantas bandeiras alvíssimas: os lenços de cada um.

Foi coisa que me fez cuidar que ninguém naquela imensa multidão,por muito pobre que seja, vem a Fátima sem trazer um lenço branco.Aquele mesmo lenço, que já tantas vezes, nestas horas do céu, enxugoulágrimas de felicidade, agita-se agora, em frémitos de gratidão e amor, eparece viver, no adejo vibrante de uma pomba, que se debatesse paraalcançar a liberdade entre as mãos de quem a segurasse presa. Ninguémresiste àquele espetáculo. Vi sacerdotes, engenheiros, médicos,advogados; vi novos e velhos, cavalheiros distintos e homenzinhos dopovo, por cujas faces deslizavam às quatro e quatro, lágrimassuavíssimas, que o sorriso dos lábios interpretava como lágrimas dealegria, e não de tristeza. Que povo o nosso! Que bom povo, o povoportuguês!

Meu querido P. Gonçalves, depois disto, não sei dizer mais, a nãoser que um povo assim não morre, e que dou graças a Deus por me tertrazido do Brasil a Portugal para presenciar uma cena destas.

Alegro-me por ter podido comunicar a V. Rev.ª, detido pelaenfermidade, na cama de um modesto quarto de enfermaria, umaparcelazinha da felicidade que eu gozei, naquelas horas incomparáveisda Cova da Iria.

Foi uma vantagem de só em fins de maio terminar esta carta começadaem abril.

Nos SS./SS. de V. Rev.ª muito me encomendo.De V. Rev.ª irmão muito amigo e servo inf. em Jesus Cristo

LUÍS GONZAGA CABRAL, S. J.

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ËÌÍÎ ÏÐÑ1930-05-22, Roma

Carta do Joaquim Carreira para D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria,acerca da conferência sobre Fátima do Pe. Luís Gonzaga da Fonseca, proferida noInstituto Bíblico, em Roma, e a comemoração do 13º aniversário da aparição deNossa Senhora, em Fátima.

Publ.: DCF, V-5 - Doc. 1537

ÒÓÔÕÖ×Ó ØÓÙTOGHESEVIA BANCO S. SPIRITO, 12 ROMA (XII)

Exmo e Revmo Sr. Bispo:

Bendito seja Deus, que já Nossa Senhora de Fátima pode contarmais dois dias de triunfo em terras de Itália!...

Refiro-me à conferência do Rev.mo Sr. P. Fonseca, do nosso queridoSr. P. Fonseca, que já se pode chamar um verdadeiro apóstolo daSenhora do Rosário de Fátima, realizado no dia 11 do corrente, e àfesta com que no colégio comemorámos o 13º aniversário da primeiraaparição de Nossa Senhora aos pastorinhos de Fátima.

Da conferência do Sr. P. Fonseca não se podiam esperar melhoresfrutos. Só ela valeu mais que toda a propaganda feita até então.

O salão do Instituto Bíblico estava literalmente cheio, ficando aindamuita gente de pé, estudantes sobretudo.

Assistiram dois Em.mos Cardeais: Scapinelli e Frühvirt. Este último,Dominicano e bem conhecido do Rev. Dr. Fischer, de quem nos faloucom muitos elogios. Assistiram os Srs. Ministros, junto do Quirinal ejunto da Santa Sé, com suas Ex.mas esposas e quase toda a colóniaportuguesa.

Estavam presentes vários professores do Instituto e da UniversidadeGregoriana. Para alguns destes e para a maior parte dos assistentes, aconferência do Sr. P. Fonseca foi uma verdadeira revelação. Tanto assim,que logo a seguir um sacerdote polaco, e professor no Instituto, foipedir ao Sr. P. Fonseca para lha deixar traduzir e publicar em línguapolaca. Não conseguiu, porém, o seu intento, porque o Sr. P. Fonsecatenciona repeti-la ainda noutras partes, e fazer um trabalho mais completo,em três conferências, que estão projetadas para os princípios do próximoano letivo. Então poderá ser tudo publicado, como esperamos.

Doc. 123 1930-05-22

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512 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÚÛÜ ÝÞßàáâÝßÛÜ ãÛ äåÜ ãæ çèàéÛ ßÞê ÞæÝæëßìíî î èä ïÛíðñßÛ ãîÜDoroteias aqui em Roma, para onde já foi convidado.

Um dos chefes dos “Retiros dos operários”, um leigo, veio, há dias,ao Colégio visitar a Senhora de Fátima e pedir alguma coisa escritasobre os acontecimentos de Fátima, porque tencionava escrever algumacoisa sobre esse assunto nas folhas de propaganda dessa associação,dirigida por um P. Jesuíta, e que conta já muitos milhares de operários.Deseja também que o Sr. P. Fonseca lá vá fazer-lhes alguma conferênciasobre Fátima, numa sala que comporta umas duas mil pessoas. Creioque lá irá nos fins de outubro ou princípios de novembro.

Mas voltemos ao nosso ponto. À conferência assistiram alunos devários colégios e nações: brasileiros, mexicanos, da América Central,americanos do norte, ingleses, franceses, alemães, austríacos, polacos,italianos, armenos, indianos, australianos, portugueses, espanhóis. Láestavam jesuítas, dominicanos, capuchinhos e de outras congregações.Também não faltaram as doroteias com algumas das alunas educadaspor elas.

Eu só queria que V. Exª. presenciasse o interesse e a avidez com quetodos ouviam o Sr. P. Fonseca, cujas palavras foram por várias vezessublinhadas com prolongadas salvas de palmas. Estavam todos suspensosdos seus lábios; não só pela novidade do assunto – o que já seria bastante– mas também pelo entusiasmo com que ele falava. “Bem se via, queera um orador da raça latina, que estava a falar!”, dizia-nos no outro diao nosso professor de grego. E um armeno, contando as suas impressõesao Almeida, dizia que tinha ido oito vezes ao Instituto assistir aconferências e sempre de lá viera com sono. Naquele dia, porém, nemas sombras do Morfeu por ele passaram!

O entusiasmo da assembleia – composta na sua maior parte deestudantes ou de professores (que também conhecem as fraquezas dosestudantes!) – foi enorme, quando o Sr. P. Fonseca se saiu com estaspalavras, um pouco antes de concluir: “os estudantes gostam de invocara Senhora de Fátima como protetora especial nos exames: algumas gotasde água de Fátima refrescam as ideias, e a imagem invocada ou trazidasobre o coração resolve todas as dificuldades! Aviso aos numerososcandidatos às Laureas Doutorais para o próximo junho!”

Até os professores lhe acharam uma graça enorme. No fim daconferência, um sacerdote francês, professor na faculdade de Filosofia,falando com alguns alunos do Colégio, dizia que já não precisávamosde estudar mais, uma vez que temos por nós a Senhora da Fátima.“Basta levar um frasquinho de água de Fátima para o exame, que não hádificuldade que ela não resolva!”. A um outro professor soube um

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òóôõö÷øù úûüòý þõÿe�ÿ ��ò ö�ø eõóþõ ��ò ø õù�öø eòeõ úõ ���õ úòNossa Senhora de Fátima, mas é preciso que o professor... bebatambém!

O caso é que já várias pessoas cá vieram pedir água de Fátima:umas para os doentes e outras... para os exames (como, por exemplo,as doroteias, que no dia 13 vieram ao colégio, dizendo que já não háquem sossegue as alunas, sem água de Nossa Senhora de Fátima!).

Outros, então, contentam-se com uma imagenzinha da Senhora, aquem fazem as suas novenas; e Deus sabe com quanto fervor!...

Depois da Conferência do Sr. P. Fonseca já vieram visitar a nossaimagem cerca de 300 pessoas, a maior parte no dia 13. Ficam todosencantados com a linda Senhora.

Tenho notado muito interesse até nos franceses.No dia 13 foi um dia de festa no Colégio – talvez a maior que nunca

se fez aqui. Todos os sacerdotes, quer os da casa, quer os que vieramde fora, celebraram a Missa do Rosário, tal qual como em Fáima. ÀMissa da Comunidade, que foi celebrada pelo Rev.mo Sr. P. Fonseca,houve comunhão geral, cantando-se, durante uma e outra, alguns versosa Nossa Senhora de Fátima e ao Santíssimo Sacramento.

Às 10h½ houve missa cantada, sendo celebrante o Sr. Vice-Reitor,que celebrava nesse dia o seu aniversário natalício. Assistiram também,entre outras pessoas, os Srs. Ministros. Durante o dia, como dizia, hápouco, vieram visitar a Senhora de Fátima cerca de 200 pessoas, aquem se oferecia uma estampa da imagem.

Um jesuíta (inglês, se não estou em erro) pediu-nos uma estampapara oferecer a uma família protestante muito sua amiga, e que procuraconverter por intercessão da Senhora de Fátima.

Um salvatoriano austríaco também pediu duas estampas e água deFátima para mandar aos pais, que estão ambos enfermos. Sensibilizou--me bastante este pedido, e prometi recomendar as suas melhoras àboa Mãe, que tantas graças tem dispensado. E se me é permitido, eupeço também a V. Exª Rev.ma se digne recomendar a mesma intenção àbondade de Nossa Senhora de Fátima.

Outras coisas interessantes, que havia a contar ainda, deixo-as aoRev. P. Venâncio para contar aí no próximo agosto.

Recebi, há dias, 50 exemplares da tradução do livro do Sr. Dr. Fischer,que já se anda a ler no refeitório (e eu já o li todo por minha conta).

Ontem recebi também a carta de V. Exª, que agradeço penhorado.Ofereci imediatamente um exemplar ao Mons. Reitor, ao Sr. Vice-Reitore ao Sr. P. Fonseca, conforme as indicações de V. Exª., a quem todosme encarregaram de agradecer em seus nomes.

Doc. 123 1930-05-22

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514 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

O����� ��� ����� �� �������� � �� � ������� ����Como V. Exª. já deve saber, fizémos uma edição de estampas em

heliogravura, com uma tiragem de 4.000 cópias. Umas com inscriçãoem português, outras em francês e outras em italiano. As fotografiasdemoraram um pouco mais. Estão entregues a uma fotógrafa que no-lasvai fazendo pouco a pouco: até agora só fez 200.

Esperemos que até ao fim do ano tenha feito um milhar delas.No mesmo correio seguem dois centos de estampas para V. Exª.Ontem esteve no Colégio o Rev.mo P. Matéo, que nos fez uma

praticazinha de cinco minutos. Demorou-se muito pouco tempo.Mostrou-nos uma medalha de Nossa Senhora de Fátima, que traz semprecom ele.

No próximo dia 5 de junho temos exame de grego bíblico.Antes de terminar, vejo-me obrigado a pedir desculpa a V. Exª de

ter sido tão maçador com esta carta.Em meu nome e no dos outros leirienses, agradeço mais uma vez

tudo quanto V. Exª tem feito por nós, e peço se digne abençoar-nos eaos nossos trabalhos escolares, para que sejam coroados de bom êxito.

Pedindo licença para beijar o sagrado Anel de V. Exª. Rev.ma, passoa subscrever-me

O mais indigno dos seus filhos.

Roma, Colégio Português, 22-V-930

Joaquim Carreira

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515

D��� ���1930-05-29 (a)

Conjunto de questões colocadas a Lúcia pelo Pe. José Bernardo Gonçalvessobre a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Publ.: DCF, V-5 - Doc. 1556

1 !" 12 junho de 1930

Por essa ocasião fiz à Irmã Lúcia as seguintes perguntas. Respondapor escrito e como souber, numa folha de papel de carta, ao seguinte:

1º - Quando, como e onde; isto é, dizer a data (se souber), e aocasião ou modo como sentiu essa manifestação da devoção dos 5sábados.

2º - Condições requeridas: ou o que é que se requer para cumprirtal devoção.

3º - Vantagens: que graças se prometem a quem a fizer pelo menosuma vez?...

4º - Porque hão de ser “5 sábados”, e não 9, ou 7 em honra dasDores de Nossa Senhora?...

5º - E quem não puder cumprir com todas as condições no sábado,não satisfará com os domingos? A gente do campo, por exemplo, nãopoderá muitas vezes por viver longe...

6º - Com relação à salvação da pobre Rússia, o que é que desejava,ou queria?

Doc. 124 1930-05-22

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516 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

#$%& '()1930-05-29, Tuy

Carta de Lúcia ao Pe. José Bernardo Gonçalves sobre a devoção ao ImaculadoCoração de Maria.

Publ.: DCF, V-5 - Doc. 1557

J* +* J

1930 Tuy 29/V/930

Rvr.mo Senhor

O que me parece ter-se passado entre Deus e a minha alma a respeitoda devoção reparadora do Imaculado Coração de Maria e daperseguição da Rússia.

Parece-me que o nosso bom Deus no fundo do meu coração instacomigo para que peça ao Santo Padre a aprovação da devoçãoreparadora que o próprio Deus e a Santíssima Virgem se dignaram pedirem 1925 para, de atenção a esta pequena devoção, dar a graça doperdão às almas que tiveram a desgraça de ofender o Imaculado Coraçãode Maria, prometendo a Santíssima Virgem às almas que do seguintemodo a procurarem reparar, assistir-lhes à hora da morte com todas asgraças necessárias para se salvarem.

A devoção consiste em, durante 5 meses seguidos, ao primeirosábado, receber a Sagrada Comunhão, rezar um Terço e fazer 15 minutosde companhia a Nossa Senhora, meditando nos mistérios do Rosário efazer uma confissão com o mesmo fim; esta poder-se-á fazer noutrodia. Se me não engano, o bom Deus promete terminar a perseguição naRússia, se o Santo Padre se dignar fazer, e mandar que o façamigualmente os Bispos do mundo Católico, um solene e público ato dereparação e consagração da Rússia aos Santíssimos Corações de Jesuse Maria, prometendo Sua Santidade, mediante o fim desta perseguição,aprovar e recomendar a prática da já indicada devoção reparadora.

Declaro recear muitíssimo enganar-me e o motivo deste receio é,por não ter visto pessoalmente Nosso Senhor, mas só sentido a suaDivina presença.

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Q,-./0 2 345,6.7.89- :,4 ;9./0 4< 93 =9>43 9;/0 2 [email protected] MadreSuperiora, não sei bem donde procede; parte será talvez do receio quetenho de que Sua Rv.cia irá desaprovar tudo isto ou dizer que é umailusão, uma sugestão do demónio e coisas assim deste género.

Beijo respeitosamente a mão de V. Rvcia

Mª.

Doc. 125 1930-05-22

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518 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ABCE FGH1930-06-01, Vaticano

Correspondência do jornal “L’Osservatore Romano” sobre a peregrinação aFátima, nos dias 12 e 13 de maio [data de redação: 24 de maio de 1930].

Publ.: DCF, V-5 - Doc. 1577 (em italiano)

I GRANDE PEREGRINAÇÃO AOSANTUÁRIO DE FÁTIMA

(As nossas informações).

LEIRIA, 24 – Tal como nos anos anteriores, também neste, no mêsdedicado a Nossa Senhora e por Ela escolhido para fazer a sua primeiraaparição em Fátima, uma multidão imensa acorreu em piedosaperegrinação, nos dias 12 e 13 de maio.

O grosso dos peregrinos chegou na tarde do dia 12.Todos os meios de transporte, desde os burros da Estremadura até

aos luxuosos automóveis vindos de todas as cidades de Portugal, eramali aglomerados em grandes manchas, fora dos muros.

E a multidão de peregrinos que ia chegando em maior número a pé,de algumas dezenas de quilómetros, crescia cada vez mais.

Ao cair da noite, um pouco depois do pôr do sol, a Cova da Iriaassemelhava-se a um grande campo de concentração de populaçõessalvas à pressa de um qualquer desastre. Porém, a paz espelhada nosrostos daquelas dezenas de milhar de peregrinos fez-nos mudar de opiniãoe acreditar que estávamos na antecâmara do Paraíso.

Oh, a paz de Fátima! Quer chova quer faça calor, quer a lama sujeas roupas quer o pó as cubra, nunca aqui se sente o mais pequenoarrependimento de ter vindo ou a amarga confissão de mal-estar.

Pelas 10 horas da noite do dia 12 começa a peregrinação oficial.As celebrações prosseguem até às 3 horas do dia seguinte.E quase não se distingue cada um dos peregrinos no meio daquela

multidão imensa.Dir-se-ia que Portugal inteiro e não apenas uma região estava ali.Um cortejo interminável, que se estendia ao longo das estradas em

construção, com milhares de velas acesas, cantava “Avé de Fátima”. Àsua chegada, os peregrinos encaminhavam-se para o espaço que

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cKLcMNPRSR T UVRSKWXYT PTZ PT[N\[Z]^ TNP[ KLKR P[cTLL[L R RPTLR_YTnoturna.

À meia-noite, o Padre Luís Gonzaga Cabral iniciava a “Hora deReparação Nacional”, durante a qual falou sobre os Mistérios Dolorosose a Recomendação de Penitência, feita por Nossa Senhora.

Até às 5, houve ainda outras horas de adoração, tendo-se seguido acelebração do Santo Sacrifício nos dez altares provisórios.

A recitação do Rosário, feita por mais de cem mil fiéis, é de umaprofunda emoção. Faz bem ver e sentir tanta gente em comunhão dealmas e afetos. E são tantos, tantos aqueles que, desta forma, se deixamcair nos braços de Deus!...

Bendito seja Deus que nos concedeu a graça de podermos verespetáculos tão belos e de desfrutar manifestações da mais profundapiedade eucarística e mariana!

Presidiram às celebrações os Bispos de Faro, D. Marcelino Franco,e de Leiria, D. José Alves Correia da Silva.

Às 5 horas da manhã, o Bispo de Leiria celebrou a Santa Missa.Ao “Communio”, vinte e cinco sacerdotes distribuíram-se pelo meio

do povo, levando Jesus às almas.O belíssimo canto “Santos Anjos e Arcanjos” irrompe então, pleno

de vida e amor, de todas as bocas e de todos os corações.E Jesus passa e desce ao coração dos seus filhos diletos, que ali

acorreram para beber na Fonte da Vida.Para a Missa dos Doentes, todo o vasto recinto delimitado pelo

Hospital, pela Fonte e pelo Pavilhão dos doentes, estava apinhado degente.

Durante a Missa e a procissão final, a nossa aviação militar tambémquis manifestar a sua homenagem a Nossa Senhora de Fátima.

Quatro ou cinco aparelhos surgiram no céu, sobrevoando aquelelocal sagrado, tendo de um deles sido lançados ramos de flores.

Doc. 126 1930-06-01

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520 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

`abd fgh1930-06-11, Tuy

Carta de Lúcia a sua mãe, a acusar a receção de uma carta da sua irmã Glória.Refere-se ao sofrimento como forma de agradar a Deus e aconselha a mãe aoferecer os sacrifícios pela conversão da Rússia.

Publ.: DCF, V-5 - Doc. 1590

i j iTuy, 11-6-1930

Minha querida mãe

Recebi ontem a cartinha que a Glória fez o grande favor de meescrever; desejava, há muito, as suas notícias, e agora sinto muito o seuestado de sofrimento, mas repitamos até ao fim: Faça-se a SantíssimaVontade do nosso bom Deus, esta vida é para sofrer. Depois teremosuma eternidade para gozar, então lá no Céu, tudo o que tivermos sofridonos parecerá nada e, se pudéssemos ter pena, seria de não termos sofridomais por amor de Nosso Senhor; agora dirá a mãe: a minha filha Lúcianão compreende o meu sofrimento, por isso, fala assim. Nada disso,compreendo e acompanho-a de cá em todas as suas dores, tanto físicascomo morais; o sacrifício de não poder abraçar todos os seus filhos fá--la sofrer tanto ou mais que o mal corporal, mas pede-nos este sacrifícioquem no-lo pode pedir, e quem também primeiro por nosso amor, seseparou de Sua Santíssima Mãe e de uma maneira muito mais dolorosa,que foi pela morte de Cruz; diante deste exemplar, abracemos a Cruzcom amor, procurando ajudá-lo a salvar o mundo e agora dum modoparticular ofereçamos os nossos sacrifícios pela conversão da pobreRússia. Agradeço muito à Glória ter-me escrito e em vistas de a Mãeestar em casa dela, não sei agora a sua direção; mando a carta com aantiga e depois, quando me escreverem dizem-me. Gostava também desaber como está a Carolina e em que terra, que depois, quando puder,vou também escrever-lhe.

Queria também que a Teresa me dissesse se o Manuelito1 já fez oexame de Admissão ao liceu para ver se se poderá arranjar a entrar na

1 Manuel Joaquim Pereira, sobrinho de Lúcia. Nasceu a 10 de outubro de 1919.Seguiu a vida sacerdotal, nos jesuítas. Foi missionário, em Moçambique. Faleceua 4 de fevereiro de 2009.

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klmnopApostólica. Quanto à Maria Amélia2, não sei se poderá vir; aComissão está firme em não receber meninas de fora do distrito doPorto e, em vistas disto, terá talvez ela que ficar com os pais; vamos aver o que Nossa Senhora faz. Mando aqui uns santinhos da minha MadreFundadora que foi Beatificada no dia 8 deste mês e que faz muitas graças.Recebi também a notícia da morte do Tio de Leiria3; peço todos os diaspelo seu eterno descanso. A Laura coitadinha como está? Quanto àminha saúde não lhe dê cuidado, estou bem graças a Deus. Abraço aGlória e todos os seus filhinhos, recomendo-me muito a todas as maisIrmãs e cunhados; a si abraço-a afetuosissimamente nos SantíssimosCorações de Jesus e Maria.

Sua filha, que pede a bênção

Maria Lúcia de Jesus r. de S. D

2 Maria Amélia de Jesus Pereira, sobrinha de Lúcia. Nasceu a 29 de julho de 1921.Foi religiosa de Santa Doroteia, onde professou. Mais tarde, entrou no Carmelode Coimbra, adotando o nome de Maria das Dores. Foi depois para o novoCarmelo de Braga, onde exerceu os ofícios de conselheira, mestra de noviças eprioresa. Faleceu a 20 de julho de 2006.

3 Manuel Ferreira Rosa, irmão de Maria Rosa (mãe de Lúcia), falecido a 19 defevereiro de 1930.

4 Laura, filha de Manuel Ferreira Rosa.

Doc. 127 1930-06-11

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522 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

qrst uvw1930-06-12, Tuy

Carta de Lúcia ao Pe. José Bernardo Gonçalves a responder a um conjunto dequestões sobre a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Publ.: DCF, V-5 - Doc. 1593

x y x 1930 12/6/930

Rv.mo Senhor

Depois de implorar a assistência dos Santíssimos Corações de Jesuse Maria vou quanto me fôr possível, responder às perguntas de V. Rv.cia

no tocante à devoção dos cinco sábados.1º – Quando?) A 10-12-1925Como?) Aparecendo-me Nosso Senhor e a Santíssima Virgem

mostrando-me o seu Imaculado Coração cercado de espinhos pedindoreparação.

Onde?) Pontevedra, Travessia de Isabel II, a primeira aparição nomeu quarto, a segunda junto do portão da quinta, onde andava a trabalhar.

2º – Condições requeridas?) Durante cinco meses, ao primeirosábado, receber a Sagrada Comunhão, rezar o Terço, fazer 15 minutosde companhia a Nossa Senhora, meditando nos mistérios do Rosário efazer uma confissão como o mesmo fim. Esta poder-se-á fazer em outrodia, contanto que ao receber a Sagrada Comunhão se esteja em graça.

3º – Vantagens ou promessa) Às almas que deste modo procuraremdesagravar (fala Nossa Senhora), prometo assistir-lhes à hora da mortecom todas as graças necessárias para a Salvação.

4º – Porque hão-de ser “5 Sábados” e não 9 ou 7 em honra dasdores de Nossa Senhora?) [caligrafia do Pe. Gonçalves:] a) Primeirorespondeu-me que não sabia; mas que Nossa Senhora pediu 5”.

Ficando na capela com Nosso Senhor, parte da noite do dia 29 para30 deste mês de maio de 1930, e falando a Nosso Senhor das duasperguntas 4ª e 5ª, senti-me de repente possuída mais intimamente daDivina Presença e, se me não engano, foi-me revelado o seguinte:

Minha filha, o motivo é simples, são cinco as espécies de ofensas eblasfémias, proferidas contra o Imaculado Coração de Maria.

1ª – As blasfémias contra a Imaculada Conceição.

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z{ | }~���� � ���Virgindade.3ª – Contra a Maternidade Divina, recusando ao mesmo tempo

recebê-la como Mãe dos homens.4ª – Os que procuram publicamente infundir nos corações das

crianças a indiferença, o desprezo e até o ódio para com esta ImaculadaMãe.

5ª – Os que a ultrajem diretamente nas suas Sagradas Imagens.Eis minha filha, o motivo pelo qual o Imaculado Coração de Maria

me levou a pedir esta pequena reparação e de atenção a ela, mover aminha misericórdia ao perdão, para com essas almas que tiveram adesgraça de a ofender. Quanto a ti, procura sem cessar com as tuasorações e sacrifícios mover-me à misericórdia para com essas pobresalmas.

5º – E quem não puder cumprir com todas as condições no Sábadonão satisfará com os Domingos?) Será igualmente aceite a prática destadevoção no Domingo seguinte ao primeiro Sábado, quando os meusSacerdotes, por justos motivos assim o considerarem às almas.

6º – Com relação à Rússia.) Se me não engano, o nosso bom Deuspromete terminar a perseguição na Rússia, se o Santo Padre se dignarfazer e mandar que a façam igualmente os Bispos do mundo católico,um solene e público ato de reparação e consagração da Rússia aosSantíssimos Corações de Jesus e Maria, prometendo Sua Santidade,mediante o fim desta perseguição, aprovar e recomendar a prática da jáindicada devoção reparadora.

[caligrafia do Pe. Gonçalves:] N. B. Entregou-me isto no quarto,quando doente com uma gripe – a 12 de Junho de 1930. –

J. G.

Doc. 128 1930-06-12

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524 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

���� ���1930-06-13, Tuy

Carta do Pe. José Bernardo Gonçalves para D. José Alves Correia da Silva,Bispo de Leiria, a enviar a transcrição (datilografada) do documento que recebeude Lúcia sobre a Devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Publ.: DCF, V-5 - Doc.1597

��Telmo, 21 – Tuy 13-VI-930

Il.mo e R.mo Senhor

A folha adjunta que envio a Vª Exª R.ma é transcrita à letra –, paranão perder o sabor –, dum papel que a “Irmã Maria das Dores” meentregou. O motivo foi este. Ela tem-se confessado e aberto comigoalgumas vezes, ainda que não muitas. Certamente por eu ter substituídoaqui em Tuy o Sr. P. Aparício, que era quem a dirigia antes.

Com o Sr. P. Barros, que é atualmente o Confessor ordinário daquelacasa, ainda que se dê bem, não sente contudo muita confiança com ele.Aliás isso sucede também com bastantes; talvez pelo feitio dele.

Ora bem: para sossego da Lúcia, pois me pediu que tornasse o assuntodessa folha à minha conta, escrevo hoje a V. Exª Rma.

Ela, 1º) sente certo acanhamento, e é natural, em falar destas coisas;2º) receia equivocar-se no referente à Rússia: “e o motivo deste receio,diz, é por não ter visto pessoalmente Nossa Senhora, mas só sentido asua Divina presença”; – 3º não falou também sobre o caso à Rev. Me.Provincial, “porque ela em geral prefere desaprovar tudo, dizendo queé ilusão, que é sugestão do demónio, etc.”. Por outro lado teme tambémnão ser bastante fiel e generosa com Nossa Senhora, acovardando-seperante as dificuldades e repugnâncias.

Tenho-a procurado tranquilizar bem.Para completo sossego e paz da sua alma, disse-lhe – depois de

bastante instado – que tomava o assunto à minha conta. Que faria chegartudo ao Santo Padre, por algum meio, deixando depois, nas mãos daDivina Providência, o resultado. Uma vez que da nossa parte fizermos oque pudermos, Nossa Senhora fará o resto.

Ao dizer-lhe, à Irmã Dores, que precisava de algum – “medianeiro” –,mostrou-me grande vontade de que fosse Vª. Exª R.ma, com quem tem

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������� ���������� ��� ������ ��� � ¡�� �� ¢£�¢�¤�� ���� ��¥��¦�reparadora, mas também gostaria imenso que se ocultasse, quantopossível, a “origem”.

Cumpro pois com o que prometi. Vª Exª Rv.ma fará agora o quemelhor entender. Pelo menos arquivar.

A dita Irmã tem estado estes dias de cama com um pouco de gripe,mas não é coisa de cuidado. Espera ver e falar a V. Exª R.ma brevemente,porque parece ter-lhe prometido uma visitinha por ocasião do Congressodo Apostolado de Oração.

Certamente Vª Exª R.ma não se recordará de quem escreve esta carta.Mas já aí esteve há 2 anos, acompanhando o Rev. P. Visitador, HenriqueCarvajal; e foi também um dos dois missionários de Albergaria dos Doze.

Beijando respeitosamente o sagrado anel de Vª Exª R.ma sou com amaior cons. c.m.d.

José Bernardo Gonçalves

“DEVOÇÃO REPARADORA AO IMACULADO CORAÇÃODE MARIA”

O que me parece ter-se passado entre Deus e a minha alma a respeitoda “devoção reparadora” ao Imaculado Coração de Maria e daperseguição na Rússia, é isto:

Parece-me que o nosso bom Deus no fundo do meu coração instacomigo para que peça ao Santo Padre a aprovação da “devoçãoreparadora” que o próprio Deus e a Santíssima Virgem se dignarampedir em 1925.

Se me não engano, o bom Deus promete terminar a perseguição naRússia se o Santo Padre se dignar fazer – e mandar que o façamigualmente os Bispos do mundo católico – um solene e público ato dereparação e consagração da Rússia aos Santíssimos Corações de Jesuse Maria, prometendo Sua Santidade, mediante o fim desta perseguição,aprovar e recomendar a prática da já indicada “devoção reparadora”.

– “Em que consiste?” – Em durante cinco meses seguidos, no primeirosábado, receber a Sagrada Comunhão, rezar o Terço, fazer 15 minutosde companhia a Nossa Senhora meditando nos mistérios do Rosário efazer uma confissão com o mesmo fim. Esta poderá fazer-se noutro dia,contanto que ao receber a Sagrada Comunhão se esteja em graça.

Doc. 129 1930-06-13

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526 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

§ ¨©ª«¬­ § ®«¯°±²³´µ ¯ ±¶°¯ ·±¸¹±²¯ º±»µ³´µ ¸¹±¼ º¯¼ ¯ ½¼¯³¯ ºµperdão às almas que tiverem a desgraça de ofender o Imaculado Coraçãode Maria, prometendo a Santíssima Virgem às almas que do seguintemodo a procurarem reparar assistir-lhes à hora da morte com todas asgraças necessárias para se salvarem. – “As almas que me procuraremassim desagravar, prometo assistir-lhes à hora da morte com todas asgraças necessárias para a salvação”.

– “Origem”: – Foi a 10-12-1925, em Pontevedra, aparecendo-meNosso Senhor e a Santíssima Virgem mostrando-me o seu ImaculadoCoração cercado de espinhos, pedindo reparação. A primeira apariçãofoi no meu quarto; a segunda junto do portão da quinta, onde andava atrabalhar.

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¾¿ÀÁ ÂÃÄ1930-06-27, Lisboa

Artigo do jornal “Novidades” sobre a conferência de Luís Gonzaga da Fonseca,no Instituto Bíblico, em Roma.

Publ.: DCF, V-5 - Doc. 1622

ÅÆÇTAS DA ITÁLIAFÁTIMA EM ROMA

A conferência do sr. dr. Gonzaga da Fonseca no “PontifícioInstituto Bíblico”

[I]É hoje a Itália uma das nações em que mais se fala de Fátima.Os rapazes do Colégio Português, não contentes com venerar a Mãe

Celeste no altar mais rico da sua linda Capela nova, constituíram-seseus paladinos, e vão Itália em fora, em revistas e em jornais, a cantar asglórias de Fátima, a cantar as glórias de Portugal.

Por sua iniciativa, o “Messagero del Cuore di Maria” e a revista deAlba – Maria nella Famiglia – publicaram vários artigos sobre Fátima.L’Osservatore Romano vem há anos informando os seus leitores doque se passa no planalto sagrado da Serra de Aire. E ainda há pouco, aRevista do P.e Garagnani – Stella Matutina – publicava três belíssimosartigos sobre a Lourdes portuguesa.

Para muito breve, falarão também largamente de Fátima – ao quenos consta – a grande revista das famílias – La Festa – e o Avvenired’Italia – importante quotidiano de Bolonha.

Foi assim que nasceu a ideia de uma conferência sobre Fátima, comprojeções. O conferencista... estava naturalmente indicado.

O sr. Dr. Gonzaga da Fonseca, – o professor distintíssimo que nascátedras do “Bíblico” e na direção do Verbum Domini tanto honra onome de Portugal, – o apóstolo escondido e humilde a quem a Santa Séconfiou, há dois anos, a Direcção Espiritual dos rapazes portugueses deRoma –, o sr. Dr. Gonzaga da Fonseca é um apóstolo entusiasta deFátima.

No Instituto Bíblico

Quando chegámos ao “Bíblico”, o vasto salão já regorgitava deassistentes. Nas primeiras filas, Cardeais, Prelados, diplomatas,

Doc. 129 1930-06-12

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528 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÈÉÊËÌÍÍÊÉÌÍÎ ÏÐ ÑÒÓÔÕÔÖÓ×Í ÊÍ ÏÌÔØÊÉÌÍÙ×ÉÚÌ×ÓÍ ÛÉÜØÝÓÉÞ Ì ÏÖ×ÈÓÔÌßßÓconversam animadamente sobre Portugal, com os nossos ilustresrepresentantes no Vaticano e no Quirinal. Está presente quase toda acolónia portuguesa: os Superiores do Colégio Português, os Snrs.Condes de Campo Belo, que se encontravam de passagem em Roma,o pessoal das Legações, Mons. Machado, estudantes, religiosas, etc.

Alguns nomes, do corpo docente das Universidades de Roma: P.e

Vidal, o conhecido continuador da obra monumental de Werny; P.e

Mostaya; Silva Tarouca, o ilustre historiador da “Vaticana”; René Arnou,do Instituto de Paris, que agora ensina Filosofia em Roma; P.e Lazzarini,Prefeito de Estudos da Gregoriana; muitos outros sacerdotes e estudantes,sobretudo muitos estudantes, do Brasil, da Itália, de Espanha, de todo omundo, – que serão depois, pelo mundo fora, apóstolos da Senhora deFátima, Missionários de Portugal.

Os nossos Ministros não ocultam a alegria que lhes vai na alma, aover as bancadas, as galerias, o próprio Museu Bíblico, a regorgitar decapas negras que se agitam, nervosas, na ânsia imensa de conhecer aspredileções do Coração da Virgem para com a “Sua Terra de SantaMaria!”

Que página sublime, na história da propaganda da nossa Terra!

* * *Às 5 horas, em ponto, o sr. Dr. Gonzaga da Fonseca sobe à mesa

dos oradores.Chegam ainda alguns convidados, que a custo conseguem atravessar

a multidão compacta das capas negras.Vai começar a conferência.É um momento soleníssimo, para o nosso coração de portugueses.No olhar humilde do ilustre Jesuíta, a gente lê a comoção profunda

que lhe vai na alma.Vai falar a um auditório seletíssimo – ao que Roma tem de mais fino

– vai falar ao mundo inteiro, porque o mundo inteiro se encontra alirepresentado, – das glórias da Senhora da Fátima, das glórias da NaçãoFidelíssima!

No incêndio da Grande Guerra

“Corria o ano 1917 e a Europa ardia sempre no incêndio da guerramundial. Debalde (ao menos assim parecia), debalde o grande Pontíficeda Paz, Bento XV, envidava todos os esforços humanos e sobrehumanos

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àáâá ã áàáäáâ. O incêndio alastrava, em pavorosas proporções, de terraem terra, de continente em continente, ameaçando arrastar no turbilhãodas suas labaredas as nações de todo o globo.

Havia um ano já que chegara a vez do pequeno Portugal que, dia adia, via desaparecer os seus filhos e os seus minguados recursos novértice pavoroso! ... Por toda a parte lágrimas, dores, desolação, morte.

Senão quando, em meio dos rumores sinistros da guerra, começou acircular do norte ao sul do país, uma notícia que soava como umapromessa de paz, um convite que sorria como um arco-íris em meio datempestade: A Fátima! Vamos a Fátima!

“Fátima? ...”

“Chi é costui?...”O erudito alemão – como prescrevem todos os tratados de

metodologia – correria logo a folhear ponderosos dicionários deGeografia e História, e – em última análise – a novíssima edição dosBaedekers mais bem informados:

– Fátima – célebre filha de Maomé – nascida em Meca ali por 610...– Fátima – epónimo donde derivava o seu nome a famosa dinastia

dos Fatimitas, no Século X...Fátima... Mais nada. E poisando os livros com um desdenhoso

encolher de ombros sentenciou: “A Fátima”?... deve ser o título de algumnovo romance.

E contudo, meus Senhores, hoje o nome de Fátima corre de bocaem boca Portugal inteiro, – passou fronteiras, cavalgou cordilheiras,atravessou continentes, sulcou oceanos, – e Fátima – mais ou menosestropiado conhece-se em todas as nações da Europa, e fora dela, nosAçores e na Madeira – em Angola e Moçambique – nas Índias e naChina, nos Estados Unidos e no Brasil. Fátima conhece-se, bendiz-secom devoção, celebra-se com entusiasmo.

Não é uma praça forte como Anvers, cuja conquista mostrasse apotência destruidora dos formidáveis 420; não é uma capital como Parisque desse que falar dos obuses da Grosse Bertha; não é um Verdun,padrão eterno de incríveis heroísmos; não é uma Jutlândia assinaladapor mortíferas batalhas navais... Não é nem sequer uma Versailles ouuma Locarno... onde se firmassem, laboriosamente, laboriosos tratadosde uma paz que não chega nunca. – Não é nada disso e é mais que tudoisso: – uma fortaleza, uma “testa de ponte”, um ponto estratégico, nagrande, na imane guerra que o céu leva travada com o inferno.

Doc. 130 1930-06-27

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530 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

å æçè éêèëè ìíêîï ðñòíñóæðôîõöï÷ ï ôíøïêèñèçïñîï òíñóæðôîèùíêèúna ingente ofensiva do Sobrenatural contra este mundo imerso, namatéria, na descrença, na imoralidade. Ide-lo ver!”

“Fátima é um pequenino lugarejo na diocese de Leiria, perdido numdos contrafortes da serra de Aire, a 100 quilómetros de Lisboa, quaseno centro de Portugal.

... ... ... ... ...A região é uma das mais celebradas nas histórias da península ibérica.Ali se travaram no século XII alguns dos mais gloriosos feitos de

armas que consagraram Portugal cavaleiro de Cristo na guerra contra ocrescente.

Ali se resolveu, no século XIV, uma das maiores crises da históriaportuguesa: foi naquele planalto que em duelo de heróis se decidiu sePortugal continuaria nação independente, ou seria apenas uma minúsculaprovíncia do império das Hispânias.

Foi das rochas daquela serra que o montante do Santo Condestável,– o herói nacional Português, – talhou o pedestal em que o pequeninoPortugal se havia de erguer para estreitar meio mundo num abraçosalvador, com os braços da civilização e da Fé!

Grandiosos monumentos de Arte

E esses feitos ainda hoje o turista os pode ver eternizados emgrandiosos monumentos.

Passo em revista alguns, com o auxílio da lanterna mágica: apenasuma amostra para espicaçar a vossa curiosidade”.

E passam então ante os nossos olhos, em nítidas projeções luminosas,algumas das preciosidades mais finas do nosso opulentíssimo patrimónioartístico.

Nota-se na assistência uma impressão profunda de admiração e...de espanto.

É tão pouco conhecida a riqueza artística de Portugal, que muitagente cá por fora aprecia com a mesma gentileza daquele napoletanoque dizia um dia ao P.e Castro: “Oh! Portugal?... Conheço muito bem!...Uma cidadezinha ao pé de Madrid em que há muitas revoluções....”.

O sr. P.e Fonseca tudo vai explicando, com todo o amor do seugrande coração de português.

Mais uma vez, às glórias da Igreja, andavam associadas as glórias dePortugal!

O ilustre orador tem uma referência especial para o grande mosteiroda Batalha.

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û üýþÿ�þ�þ��þ �þVitória – Convento – levantado por D. João I empreito de gratidão à Virgem pela batalha de Aljubarrota ganha pelosportugueses neste mesmo lugar, na vigília da Assunção, em 1385. É umaverdadeira jóia de arte gótica, talvez a mais sugestiva de Portugal.

Vista geral de oeste.Fachada principal. Uma nota interessante: para entrar no templo não

se sobe; descem-se alguns degraus: – é necessária a humildade cristãpara bem se falar com Deus.

Nave central do templo. As colunas altíssimas formam um conjuntoimponentíssimo de majestade, a que dá mais relevo a semi-obscuridadeda luz policroma dos “vitrais”, e a simplicidade, ou melhor, a ausênciaquase completa de ornamentos, em flagrante contraste com a fachada.

O artista profundamente cristão, baniu quanto pudesse distrair aatenção da oração.

O grandioso monumento da Batalha foi confiado aos RR. PadresDominicanos. Principal cuidado do seu zelo foi propagar no povo dosarredores a devoção à Senhora do Rosário. Devoção aliás tãoportuguesa que, vai para meio século, quase não havia família emPortugal que o não rezasse todos os dias.

Era espetáculo belíssimo, entrando numa aldeia com uma hora danoite, ouvir em todas as casas através das frestas das portas, ou doscaixilhos quebrados das janelas, o coro da família reunida em torno dolar, rezando o terço ou a coroa seráfica.

Houve tempo – que belos tempos aqueles! – em que nos quartéis serezava o terço! – em que as campanhas de pescadores divididos emdois coros na praia, o rezavam antes de embarcarem para a pesca! –em que... Mas não aumentemos o nojo do presente com aumentar asaudade do passado!

Se bem que esta devoção hoje mesmo em muitíssimas regiões dePortugal continua no seu pleno vigor. Entre estas regiões abençoadas,prima a Diocese de Leiria, e nesta não ocupa o último lugar a paróquiade Fátima. Foi talvez esta devoção que atraíu sobre aquela minúsculaterra as preferências da Mãe de Deus, que dela fez um novo Horeb,uma segunda Lourdes, e de um dia para outro a tornou célebre no mundo.

Exponho singelamente os factos, como resultam dos processoseclesiásticos em curso, sem prevenir o juízo definitivo da autoridadecompetente”.

E o sr. P.e Fonseca entra então, desenvolvidamente, na história dasAparições.

A escassez do espaço reservado a um artigo de jornal, não nos permiteacompanhá-lo no seu magnífico trabalho, em que quase não sabemos

Doc. 130 1930-06-27

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532 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

q�� ��� ������� � ��� ��� ��� � ����� q�� ��� ������� �����mestres de tempos idos, se o espírito de amor à Virgem em que palpitao seu coração de apóstolo e de português.

Não resisto, porém à tentação de aqui reproduzir na próxima cartamais alguns trechos, que são verdadeiros primores.

G. Pamphili.

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D��� ���1930-07-03, Lisboa

Continuação do artigo do jornal “Novidades” sobre a conferência do Dr. LuísGonzaga da Fonseca, no Instituto Bíblico, em Roma.

Publ.: DCF, V-5 - Doc. 1631

CARTAS DE ITALIA

FÁTIMA EM ROMA

A Conferência do sr. Dr. Gonzaga da Fonsecano “Pontífico Instituto Bíblico”

II

Era o dia 13 de maio de 1917. Três pastorinhos de Fátima –Lúcia deJesus, – de uns dez anos de idade, – e dois primos, Francisco Marto, denove anos, e sua irmã Jacinta, de 7 – guardavam um pequenino rebanho,no lugar chamado Cova da Iria, a 3 quilómetros da povoação de Fátima.

São simples inocentes como os cordeiros que guardam, – comoaqueles de quem é o reino do Céu! Têm arraigada na alma a piedadeingénua, a fé convicta que beberam com o leite, e possuem a ciência deconversar com o céu, aprendida na escola do lar doméstico!

Divina escola, se a família é profundamente, patriarcalmente cristã!Divina escola, porque é lá o Espírito Santo que – mestre divino – fala eensina pela boca do pai e da mãe, e – divino repetidor – imprime nocoração dos filhos as doutrinas escutadas.

Os pastorinhos, pela volta do meio dia, interrompendo os seusinocentes brinquedos, rezavam, como de costume, o terço de N. Senhora.Peço, meus senhores, que repareis nestas circunstância – três criancinhasdeixadas a si mesmas, longe do olhar vigilante dos pais, – convidam-semutuamente a rezar o terço! Angélica piedade! Dizei se não sabiamconversar com o céu!

Ai se tivessem já frequentado uma escola neutra! Se tivessem recebidoum banho de verniz – do verniz da civilização moderna ... Teriam ovestidinho mais à moda; saberiam falar de cinematógrafo e de teatro;saberiam discutir o modo de imitar as proezas do último malandrocelebrado no alvo cinematográfico; e não saberiam olhar para o céu,muito menos conversar com Deus! Também dificilmente se sujeitariam a

Doc. 131 1930-07-03

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534 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

g������ !"#$!%$&"'$()�&***+�%�"&�! ,� & %$� �,-�$g������, ou deixarcorrer à solta... como o pródigo.

As aparições

Terminado o terço, não eram anjos que se ficassem em contemplação.Creio até que a recitação não correu serena e recolhida desde o princípioaté ao fim e deve ter sido interrompida com algum assobio do Franciscoa alguma ovelha que se tresmalhava, ou alguma pedrada a um pardalmais confiado que se aventurasse a aproximar-se muito. Uma ralhadelada Lúcia, e a oração tinha enfim chegado ao porto. Agora .... toca denovo aos seus brinquedos. Quais?, – Maduro conselho; pronta decisão.Fabricar um palácio em regra... com as pedras que no monte abundam.– Mãos à obra!

Senão que de repente um clarão como de relâmpago que fendesseos ares... lhes fere a vista.

Que seria? Olham assustados à volta de si: Terra e Céus... espelhavama paz de Deus.

Quem sabe se atrás da serra se está adensando alguma trovoada!...É melhor voltar para casa, ordena Lúcia. – E os primos, mais

assustados que ela... concordam plenamente.Correm a recolher as ovelhas, mas um novo relâmpago mais vivo,

mais deslumbrante que o primeiro, prega-os imóveis ao chão.Um calafrio misterioso lhes percorre os membros, entreolham-se

assustados com um olhar interrogativo, e logo, como obedecendo a umimpulso comum, volvem os olhos indagadores para o mesmo lado: Jesus!

A poucos passos sobre a copa verdejante de uma azinheira enfezada,uma donzela feita de luz mais deslumbrante que o sol.

Duplamente aterrados, – Francisco arma-se de uma pedra para sedefender, – a mais pequena suplica: fujamos, – mas a aparição serena--os com um olhar caricioso, e com uma voz dulcíssima que diz: Nãotenhais medo! Não vos faço mal.

Minutos de silêncio, em muda estática contemplação. A Visão aparentaa idade de 15 a 18 anos; veste de branco, mas de um branco feito deneve e de luz, qual na terra não o pode obter arte humana; a túnicafechada à volta do pescoço com um cordão de oiro, que cai sobre opeito e termina em duas borlas de fios de oiro; desce até aos pés queaparecem descalços roçando seriamente as franças da azinheira. Sobrea cabeça um manto de brancura deslumbrante, desce airosamente quaseaté aos pés como a túnica; manto e túnica são orlados de oiro. As mãoserguidas ao peito, em atitude de oração, sustentando um rosário de

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p./0123 4/256237 89/:;52<0 p0/ =:2 6/=> ?=9 p2/969 <9 p/282 4/=5;<2@O rosto de lineamentos puríssimos e infinitamente delicado, parece veladopor uma nuvem de tristeza...

Lúcia afoita-se a romper o silêncio:– Quem é vossemecê? Que quer?– “Eu... Venho do Céu! e queria que viesseis aqui a esta mesma

hora, no dia 13 de seis meses consecutivos. Em outubro dir-vos-ei quemsou e o que desejo de vós”.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ....E o diálogo continua divinamente belo, – predileção terníssima da

Mãe Celeste pela Terra querida de Portugal.A assistência segue o sr. Pe. Fonseca com uma atenção que se não

descreve!Na descrição do milagre de 13 de outubro – a rotação do Sol sobre

si mesmo – o orador excede-se a si próprio.

Aclamações vibrantes

O auditório já se não contém, e irrompe vezes sem número emaclamações vibrantes, como poucas vezes, como talvez nunca seaplaudisse no salão nobre do Instituto Bíblico.

Passam no alvo cinematográfico alguns quadros de Peregrinação emFátima. Surgem agora, inopinadamente, as figuras gentilíssimas doVenerando Prelado de Leiria – o apóstolo infatigável da Fátima e doSenhor Presidente da República, na sua visita ao Santuário bendito daPadroeira de Portugal. Uma ovação prolongada e entusiástica saúda oaugusto Prelado e o ilustre Chefe de Estado.

É um momento soleníssimo, que atinge a grandeza de uma apoteosequando surge a figura humilde da Vidente de Fátima.

Mais uma vez – repetirei ainda – às glórias da Igreja, às glórias daMãe Celeste, andavam unidas as glórias de Portugal!

Vêm agora as curas extraordinárias, obtidas por intercessão daSenhora da Fátima. Curas físicas, que a ciência não sabe explicar, curasmorais que atestam a bondade terníssima do materno Coração de Maria– incarnação sagrada da misericórdia infinita do Coração de Deus.

O maior milagre

Mas o grande, o palpável, o eloquentíssimo prodígio, o prodígio dosprodígios é este: por toda a parte, do norte ao sul de Portugal, é umaprimavera maravilhosa de fé, de piedade, de vida cristã.

Doc. 131 1930-07-03

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536 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

EA BC FG AHIJK FG LML1 (6 meses e meio depois da implantação donovo regime em Portugal), um homúnculo com pretensões a apagadordas estrelas do firmamento, na sessão magna da maçonaria, em presençade um representante das lojas francesas, falando da sacrílega lei daseparação das igrejas e do estado, de que ele mesmo, era o autor – eque Pio X marcou um dia com o ferrete de lei de expoliação e opressãoe perseguição!... – bolsava este desafio ao bom senso e ao Céu: “Comesta lei, dentro de duas gerações, Portugal terá eliminado completamenteo Catolicismo, que é a maior causa da desgraçada situação em que sedebate”.

O Céu aceitou o desafio blasfemo, e eis a resposta:Não passou ainda metade da primeira geração, apesar de todas as

perseguições e de todas as injustiças, o Catolicismo vive, o Catolicismoprospera, – antes, nós verificamos um reflorescimento universal, comohá dois séculos Portugal não tinha visto!

A Quem se deve isto?A Virgem Senhora do Rosário que, descendo do Céu à Sua Terra de

Santa Maria, na montanha bendita da Fátima, se foi depois – Missionáriade Deus – de terra em terra, batendo a todas as portas, convidando-sea todos os lares. E quase todas as portas se Lhe abriram, e em quasetodos os lares ocupa hoje o lugar de honra. E vós sabeis que onde entraa Mãe, entra Jesus, e “salus domui huic facta est”.

A Missionária do Rei Divino

Mas a Peregrina Apostólica não quer limitada a Sua ação aocontinente.

Atravessou as fronteiras e foi já à Madeira e aos Açores – as pérolasdo mare nostrum – onde foi levantada em Sua honra – na ilha de SantaMaria – a primeira capela depois da de Fátima, – a diversas regiões daÁfrica, à épica cidade de Diu na Índia, a Macau na China, aos EstadosUnidos da América, ao Brasil, espalhando por toda a parte suscitandoentusiasmos de amor, de piedade, de gratidão. No Brasil, – apraz-menotá-lo em particular, – há poucos meses, um cortejo imponentíssimode 10.000 fiéis levou a Senhora de Fátima em triunfo pelas estradas dacapital ao Seu novo altar e os rapazes amam invocá-La como protetoraespecial nos exames: algumas gotas de água refrescam as ideias, e aimagem invocada ou levada sobre o coração soluciona as dificuldades.

Recentemente veio também a Roma. Imagens, entre pequenas ougrandes, conheço ao menos 4 que são fervorosamente veneradas.

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SN SN OPQ RT UPVWQXYZ[ \[WPVW]^[W_[ \[W`[a X^] \[bcZZP^] [Z_d_X]everdadeira obra-prima de escultura – para a Capela da Senhora deFátima no Colégio Português.

Ali, depois de amanhã, aniversário da primeira aparição também vós,Senhores meus, podereis venerá-La, associando-vos assim ao triunfoque Lhe darão, em Portugal, 300.000 peregrinos de Fátima.

Encontrá-La-eis, estou bem certo disso, igualmente materna,igualmente liberal nas Suas bênçãos, nas Suas graças, nos seus milagres!”.

Glória da Nossa Terra

Estava terminada a conferência. Num gesto gentilíssimo deespontaneidade, o Sr. Ministro de Portugal no Vaticano – o antigo ebrilhante jornalista – sobe à tribuna dos oradores, e abraça, sentidamente,o humilde religioso, que se vinga do exílio a que a Pátria votou abenemérita Instituição a que pertence – não digo bem – a que a votaramos homens maus da nossa terra, – fazendo-se paladino das glórias daNação Fidelíssima! Há lágrimas em muitos olhos, lágrimas de Fé e deAmor, lágrimas de Saudade e de Esperança, como as que choram, nacolina sagrada, os romeiros da Senhora da Fátima...

E uma evocação de entusiasmo vibrante cobre de aplausosprolongados o magnífico trabalho que acabávamos de ouvir.

Na roupeta humilde do querido e ilustre jesuíta, eu via glorificado,numa linda apoteose de reparação, o meu grande Portugal da Fé – aTerra bendita que a Virgem escolheu para Trono das mil bondades doSeu terno Coração de Mãe!

G. Pamphili

Doc. 131 1930-07-03

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538 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

fhijk lm TuiBispo de BragançaArcebispo Bispo de Vila RealArcebispo Primaz de BragaBispo Coadjutor de LamegoBispo do PortoBispo Conde de CoimbraBispo Coadjutor de CoimbraBispo da GuardaBispo Auxiliar da GuardaBispo de ViseuBispo de PortalegreCardeal PatriarcaNúncio ApostolicoAuditor da NunciaturaArcebispo de ÉvoraBispo de BejaBispo do AlgarveBispo do FunchalBispo de AngraVigário Capitular de AngolaPrelado de MoçambiquePatriarca das IndiasArcebispo de BombaimBispo de MeliaporGovernador de Macau

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Doc. 1321930-10-a.13

Lista de pessoas e orgãos de comunicação social a quem foi enviada a cartapastoral.

Publ.: DCF, V-6, Doc. 1807

no nrstAraújo,41

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Doc. 1331930-10-13

Carta Pastoral de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, sobre o cultoa Nossa Senhora de Fátima.

Publ.: DCF, II - Doc. 11; DCF, V-6 - Doc. 1813 Obs.: As notas indicadas com algarismos (1-30) são do próprio documento.

As notas indicadas com letras (a-c) são nossas.

uv wxyz{ |}y~x u� ��}�}�CARTA PASTORALSOBRE O CULTO

DENOSSA SENHORA DA FÁTIMA

Composto e impresso nasOficinas da “UNIÃO GRÁFICA“

Travessa do Despacho 16 - 1ºLISBOA

D. José Alves Correia da Silva, pela Graça de Deuse da Santa Sé Apostólica, Bispo de Leiria.

Aos que esta nossa carta pastoral virem,saúde, paz e bênçãoem Jesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador

A Providência Divina, que rege e governa todas as criaturas, tempara com o homem, dotado de alma imortal, ternuras especiais.

Assim como um bom chefe de família não pode, porque nunca deve,abandonar a esposa nem os filhos, também Deus infinitamente bom, quenos criou por um ato livre de amor, não nos pode abandonar.

É o que a história e a experiência demonstram.Que carinhos teve o Senhor para com o povo escolhido, às vezes

tão ingrato e infiel!...Como o defendeu dos seus inimigos; como o conservou no culto da

verdadeira religião, apesar das suas tendências idólatras! Como, aténos castigos se mostra Pai carinhoso e amorável!...

Doc. 133 1930-10-13

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540 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

������ ������ � ���� ������� �� ��������� � ������� ����� ��Deus desce do Céu à terra, assume a natureza humana e morre na Cruzpara nos remir e salvar!...

E mesmo depois da sua Morte fica connosco, cumprindo a suapromessa1: Eis que estou convosco até à consumação dos séculos!

A esta obra de Redenção e Salvação o Senhor quis associar a suaSanta Mãe.

Relembremos a agonia no Calvário.Jesus, como um pai que passa a vida a trabalhar pelos filhos, tinha-

-nos dado tudo sem medida e sem reserva.Dera-nos a sua doutrina e com ela a luz e a vida. Dera-nos a graça

e com ela o perdão e a ressurreição. Tinha instituído os sacramentos –outros tantos meios de santificação. Mas o seu amor não está aindasatisfeito.

Agora que vai morrer, quer dispôr do que lhe resta; ditar o seutestamento.

Mas Ele tem apenas a sua boa Mãe...É essa que nos vai legar!Como é solene aquele momento!Todos os homens são seus herdeiros: os gentios representados pelos

soldados romanos; o povo judeu, pelos habitantes de Jerusalém que alitinham acorrido para presenciar a sua morte; os pecadores, pelos doisladrões também crucificados; e os justos, pelas Santas Mulheres queacompanharam Jesus até ao Gólgota.

João, o Santo Evangelista, é o encarregado de fixar pela escrita aspalavras do Senhor2.

Jesus perdoa ao ladrão arrependido, aos seus carrascos: Pai perdoai--lhes3. E depois exclama: eis a vossa Mãe4.

E Maria Santíssima, a Virgem pura, tesouro dos Céus e da terra, aescrava do Senhor5 – recebe-nos como seus filhos, gerados nas doresimensas do Calvário!

Prostrados diante de Nossa Senhora não podemos deixar de dizercomo a Santa Igreja, com os cristãos de todos os tempos: Salvé Rainha,

1 Mat XXVIII, 202 Jo XIX, 25.3 Luc XXIII, 34.4 Jo XIX, 27.5 Luc 1, 38.

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��� �� ���� �¡¢ dia, vida, doçura, esperança nossa, salvé! A vósbradamos, os degredados filhos de Eva, a vós suspiramos, gemendoe chorando neste vale de lágrimas! Salvé!

Cumprindo o legado de Jesus, ei-la com os Apóstolos esperando adescida do Divino Espírito Santo, orando com os primitivos cristãos,tomando parte nas suas aflições6.

E como tem sido Mãe tão carinhosa em todos os séculos!...Embora fôsse possível contar as areias do mar e as estrelas do Céu,

não era possível enumerar os dons que a Virgem Santíssima, a cheia degraça7 tem espalhado sobre as almas.

É ver a quantidade de instituições de caridade espalhadas pelo mundo,criadas sob a sua proteção; é contar os inúmeros templos erguidos emsua honra – votos de almas e nações agradecidas pelos seus benefícios...

E sem ir mais longe, não saindo da nossa querida Pátria, basta apontaras capelas, igrejas, monumentos, padrões de glória erguidos pela fé denossos pais, tantos e tantos em honra da querida Mãe do Céu, Senhorada terra portuguesa.

Mas é sobretudo nas horas calamitosas, quando os seus filhos ou asnações estão para soçobrar, vítimas das suas ingratidões e dos seuspecados, quando, como diz o profeta8 clamei e não me respondestes,falei e não me escutastes, que se ouve a voz de Maria, chamando oshomens à penitência como em La Sallete, Lourdes e ultimamente emFátima.

Outrora Jeremias, ameaçando os hebreus em nome de Jehovah9

exclamava: num momento pronuncio o decreto de extermínio sobreum povo e contra um reino para o perder e destruir até às raízes.Mas, se essa nação fizer penitência dos males pelos quais a ameacei,arrepender-me-ei, eu mesmo, do mal que tinha resolvido fazer-lhe.

Este cuidado e zelo do Pai do Céu e da nossa Mãe vindo até nósinspirar-nos, falar-nos, é o que há de mais natural.

Pois poderíamos acaso admitir que um bom pai não fale a seu filho?Que uma mãe não tenha um carinho para aquele a quem trouxe nasentranhas e amamentou?

Umas vezes é a linguagem muda, mas nem por isso menos persuasiva,dum gesto do nosso pai, a lágrima que brota espontânea dos olhos da

6 Act 1, 38.7 Luc 1, 28.8 Is LXV, 12.9 Jeremias XVIII, 7

Doc. 133 1930-10-13

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542 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

£¤¥¦¦¦§ ¨¤© ©¨ ª«¬¨©¨ ¥ ­©®¨¥¯°©¨ ±²³´¥®µ¥¨ ¶³¥ ®©¨ ·³¬ª£ ®© ­ª£¬®°©do dever; são os sorrisos que nos animam e as ameaças que nos aterram.

Ora se os nossos pais da terra nos mostram assim o seu cuidado edesvelo, não é superior o amor do Pai do Céu que tudo pode – Ele quevela pelas avezinhas do Céu10 e veste os lírios dos campos?11

Quem de nós não sentiu em si a ação da graça? Esses bonspensamentos e santas inspirações que iluminam a nossa inteligência...esses generosos movimentos e piedosos impulsos que incitam a nossavontade à prática do bem?

É Deus, o bom pai do Céu quem nos fala...Quantas vezes essas luzes divinas não nos detêm, quando, prestes a

resvalar numa ação criminosa, nos afastam duma ocasião que nosperderia?... Quantas vezes a tristeza e o remorso nos fazem envergonhardum ato da vida passada e no meio das aflições, das lágrimas, surge aesperança da regeneração, a visão luminosa do prémio que Deuspromete àqueles que combatem o bom combate12 e perseveram até aofim?...13

Tudo isto são inspirações que a bondade divina nos concedediretamente ou por intermédio da bendita Mãe do Céu.

Além destas graças que são concedidas a todos para nosso proveitoespiritual, há outras concedidas mais raramente a uma ou outra alma,não tanto para sua utilidade própria, mas para bem da religião, dospovos, das nações, duma comunidade...

Tais são os dons de milagres, de profecias, as visões sobrenaturais.Essas graças, concedidas quase sempre só aos santos, por si, não

santificam a pessoa que delas é favorecida, porque a santidade exigeum esforço próprio, uma cooperação continuada, mas aproveitam àcoletividade, às vezes ao mundo inteiro.

Foi o que Jesus quis significar quando pediu ao Pai o grande milagreda ressurreição de Lázaro como prova da sua divina missão14.

Mas se é próprio do homem errar, porque muito fraca é a suainteligência e limitadíssimos os seus conhecimentos, a Santa Igreja, nuncaimpondo as visões como de fé católica, exige provas severas para nosdeixar acreditar nelas, embora com fé meramente humana, para nossainstrução e edificação.

10 Mat VI, 2611 Mat VI, 28.12 2 Tim IV, 7.13 Mat XX, 22.14 Jo XI, 42.

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¸¹º¹»¼½ ¾¼¿ÀÁ Âù À ÄÀ¾¿À ÅÆÁ¹ÇÀ ¾Ã¾ÈÀ ¿¹» ÉÁ¹½½ÀÊ ¹½É¹ÈËÀÌ»¹¾¿¹nestes assuntos melindrosos, por maiores que sejam as impaciênciasdos homens.

Caminha através dos séculos numa lentidão majestosa, assistida peloDivino Espírito Santo, com a consciência da sua perpetuidade, ouvindoa todos, tudo apreciando, para resolver conforme as leis sapientíssimasque lhe deixou o seu Fundador.

Efetivamente Jesus neste ponto, como em tudo, ensinou-nos comodevíamos proceder, acautelando-nos dos falsos profetas15.

“Pelos seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvasde espinhos ou figos dos abrolhos? Não pode uma árvore boa darmaus frutos, nem uma árvore má dar bons frutos”16.

E aplica à sua divina Missão este mesmo critério, dizendo17: “se eunão faço as obras de meu Pai, não me acrediteis. Mas se eu as faço,quando não queirais crer em mim, crede nas minhas obras para queconheçais e acrediteis que o Pai está em mim e eu no Pai”.

Para distinguirmos de que lado está a verdade nas visões, profeciase outras manifestações sobrenaturais, temos de examinar as qualidadesdas pessoas por elas favorecidas, se as move qualquer interesse material,se a doutrina que apresentam está ou não conforme aos ensinamentosda Santa Madre Igreja, se o fim que move os videntes é bom esobrenatural...

As considerações que acabámos de fazer, vêm a propósito do casotão conhecido da Fátima.

A 13 de maio de 1917, três crianças da freguesia da Fátima, vigarariade Ourém, desta Diocese, apascentavam um pequeno rebanho num lugar,então ermo, chamado Cova da Iria.

A mais velha, Lúcia de Jesus, tinha 10 anos de idade, Francisco novee Jacinta seisa. Estes eram irmãos e a primeira prima deles.

Nenhum sabia ler nem escrever.Aproximava-se o meio dia e as crianças, conforme o costume da sua

terra, rezaram o terço do Rosário de Nossa Senhora.Terminada a oração, entretinham-se a fazer uma pequenina casa com

pedras soltas quando, de repente, um relâmpago, de luz viva e brilhante,

15 Mat VII, 15.16 Mat VII, 16, 18.17 Jo X, 37, 38.a Jacinta tinha já sete anos. A data oficial do nascimento de Jacinta é 11 de março

de 1910.

Doc. 133 1930-10-13

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544 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÍÎÏÐÑÎÑÒÍÓÔÕÑÖApesar de o céu estar diáfano e sem nuvens, as crianças,com receio de alguma trovoada, juntaram o gado e iam retirar-se. Aochegarem, porém, perto do ponto onde se encontram atualmente asbicas de água, fuzila novo relâmpago e, a poucos passos de distância,de pé sobre uma pequena azinheira no sítio onde está a pequenina epobre Capela das Aparições, veem, com espanto, o vulto duma Senhorade incomparável formosura, envolvida num vestido de alvura puríssima;um manto, orlado de ouro, cobre-lhe a cabeça e a maior parte do corpo.O rosto, duma beleza celeste, sobrenatural, apresentava-se sereno, gravee toldado duma leve sombra de tristeza. Das mãos, juntas à altura dopeito, pendia-lhe, rematado por uma cruz, um lindo rosário.

De todo o vulto, circundado dum esplendor mais brilhante que o sol,irradiavam feixes de luz.

As crianças aproximaram-se, travou-se um diálogo entre a Senhorae a mais velha, convidando-os a irem ali todos os dias 13 de cada mêsaté outubro.

Como consta do testemunho das crianças e de muitas pessoas, asaparições foram seis, todas no dia 13 de cada mês, exceto em agostoque se realizou alguns dias depois por a autoridade administrativa ter ascrianças presas em Ourém.

A Senhora disse-lhes que o seu lugar é o céu, confiou-lhes um segredoque a ninguém poderão revelar, ensinou-lhes uma pequena jaculatória,recomendou a recitação do Rosário, aconselhou a Lúcia a aprender aler, insistiu na necessidade de oração e penitência para a guerra acabar,afirmou que Nosso Senhor está muito irritado com os pecados doshomens e sobretudo com o pecado da carne, ordenou que se edifiqueali uma capela em sua honra e declara que é a Senhora do Rosário...

Como, pouco a pouco, aumentasse extraordinariamente a multidãoe, nesse tempo, estivesse a diocese de Leiria, canonicamente ereta nesseanob, governada por sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca deLisboa, D. António Mendes Belo, de santa memória, Sua Ex.cia Rev.ma oSenhor Arcebispo de Mitilene, hoje venerando Bispo de Vila Real eentão Vigário Geral do Patriarcado, mandou abrir um inquérito.

Tendo nós vindo para Bispo desta Diocese em 1920, não podendonem devendo ignorar o que se passou, publicámos a 6 de maio de 1922c

uma Provisão e nomeámos uma Comissão de Rev.os Sacerdotes paraouvir as testemunhas a favor ou contra na mais ampla liberdade eapresentar-nos o relatório dos seus trabalhos.

b 17 de janeiro de 1918.

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×ØÙÚ ÛÜÛÝÞØÚ ßÜÚÚà áØÛÙÚÚâØ ãä åØÞàÛ æçàÛàßØÚ è éÞÜÚÜêëà ßÜDeus, mas os restantes continuaram os seus trabalhos.

Ultimamente apresentaram-nos um largo relatório que examinámoscom todo o cuidado.

Aos Rev.os Sacerdotes que formaram parte dessa Comissão,queremos deixar exarado o nosso agradecimento, salientando dumamaneira especial o Rev.mo Cónego da Sé Patriarcal de Lisboa e ilustreProfessor do Seminário de Santarém, Dr. Manuel Nunes FormigãoJúnior, que nesta Comissão como em tudo quanto se relaciona com oculto de Deus e glória de Nossa Senhora, é verdadeiramente incansávele digno de imitação.

Tendo sido encarregado pela Santa Igreja do Bispado de Leiria ecompetindo-nos, como Bispo, reger os fiéis que nos foram confiados18

e seguindo o exemplo de venerandos Prelados em casos semelhantes,depois de termos estudado atentamente, durante 10 anos, osacontecimentos, vimos dar a nossa sentença, declarando desde já quesubmetemos humildemente à Santa Sé, o nosso juízo.

Caros Diocesanos:

Referindo-se ao pequeno número de sábios, de poderosos e nobresentre os cristãos da Igreja primitiva, acrescenta S. Paulo19: “as coisasloucas, segundo o mundo, escolheu-as Deus para confundir ossábios; e as coisas fracas segundo o mundo escolheu-as Deus paraconfundir os fortes: e Deus escolheu as coisas vis e desprezíveissegundo o mundo e aquelas que não são, para destruir as que sãopara que nenhum homem se glorie diante dele... porque, como estáescrito: o que se gloria, glorie-se no Senhor”.

A história demonstra com factos estas observações.Os Apóstolos, escolhidos pelo Senhor para pregarem a doutrina cristã

em todo o mundo, eram pescadores; S. Gregório 7º, o campeão daliberdade da Igreja, era oriundo duma pobre família de camponeses; S.Joana de Arc que libertou a França, a Beata Bernadette Soubirous – afeliz vidente de Lourdes – eram pobres pastoras.

c 3 de maio de 1922.18 Act XX, 28.19 1 Cor I, 26-31.

Doc. 133 1930-10-13

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546 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ìíîïðñíòóôõñöñ÷òøùô ú íôùíúûO lugar escolhido para as Aparições é pedregoso, sem atrativo de

espécie alguma.Portugal é rico de belas paisagens, terras verdejantes, panoramas

soberbos.A Cova da Iria, além de ser uma verdadeira cova, não tinha coisa

alguma que atraísse.As crianças videntes são humildes criaturas das nossas serras,

modestamente vestidas, sem instrução, não sabendo ler, apenas comuma rudimentar instrução religiosa.

Não são nervosas, mas afáveis e carinhosas no meio da sua rudez,amigas da família, obedientes aos pais, alegres...

Não se vislumbra nelas qualquer interesse ou vaidade. Não aceitamesmolas ou prendas que lhes querem dar. E, quando resolvemos chamara Nós a direção das obras e do movimento religioso, entregaram-noshonradamente, até na mesma espécie, os dinheiros e os objetos de valorque o povo, no seu ardor, deixava ficar no local das Aparições.

Os seus pais eram remediados de bens e hoje continuam a viver nasua mediania; viviam do seu trabalho, do seu trabalho continuam a viver.Nada se alterou na sua vida, passados 13 anos.

As crianças, ora interrogadas em conjunto, ora separadas, respondemcom a mesma precisão, sem contradições sensíveis, aos diferentesinterrogatórios quer oficiais, quer particulares, a que foram sujeitas.

São presas pelo representante da autoridade administrativa,ameaçadas de serem fritas e nem assim se desdizem.

Nada dizem que seja contra a fé ou costumes segundo a palavra doApóstolo: Ninguém que fale pelo Espírito de Deus diz anátema aJesus20.

Finalmente os dois irmãos mais pequenos, atingidos pela pneumónicaque ceifou tantas vidas no mundo inteiro, tiveram morte edificante e aLúcia, única sobrevivente, abraçou livre e voluntariamente, sem coaçãode espécie alguma, depois de obter o consentimento de sua mãe, a vidareligiosa.

São de considerar também as circunstâncias que acompanharam asvisões.

Sendo pequenas, rudes e humildes as crianças favorecidas, devemexistir provas para nós podermos ligar-lhes crédito.

A Senhora, segundo as videntes, aparecia-lhes numa azinheira

20 1 Cor XII, 3.

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üýþÿýp�� ��þÿ������ ���� � �ý����ýp�ý � ����ý ��þÿý�� �ý���pedregosas; e centenas, milhares de pessoas cuja veracidade nãopodemos pôr em dúvida, viram uma coluna de fumo que, à maneira deincenso, envolvia a árvore durante as Aparições. Este fenómeno,humanamente inexplicável, repetiu-se várias vezes.

Como faz lembrar a exclamação do livro dos Cantares21, aplicadapela Santa Igreja à Virgem Santíssima: “Quem é esta que sobe pelodeserto, como uma varinha de fumo composta de aromas de mirrae de incenso e de toda a casta de perfumes odoríferos?“

O fenómeno solar de 13 de outubro de 1917, descrito nos jornais daépoca, foi o mais maravilhoso e o que maior impressão causou aos quetiveram a felicidade de o presenciar.

As crianças fixaram com antecedência o dia e a hora em que se haviade dar. A notícia correu veloz por todo o Portugal e apesar de o diaestar desabrido, chover copiosamente, juntaram-se milhares e milharesde pessoas que, à hora da última Aparição, presenciaram todas asmanifestações do astro-rei, homenageando a Rainha do Céu e da terra,mais brilhante do que o sol no auge das suas luzes22.

Esse fenómeno, que nenhum observatório astronómico registou e,portanto, não foi natural, presenciaram-no pessoas de todas as categoriase classes socias, crentes e descrentes, jornalistas dos principais diáriosportugueses e até indivíduos a quilómetros de distância, o que destróitoda a explicação de ilusão colectiva.

Às aparições de Fátima não faltou também o argumento dasperseguições, que são um sinal das obras de Deus23.

Ninguém foi mais perseguido do que Jesus, e a Santa Igreja temsofrido contradições em todos os séculos.

Uma multidão inumerável de Santos sofreram o martírio no meio deespantosos tormentos.

S. Pedro de Alcântara dizia a Santa Teresa que um dos maiorescastigos neste mundo era o que ela tinha sofrido, isto é, a contradiçãodas pessoas de bem24.

Jeremias, o Santo Profeta, dizia25: Sou todos os dias objeto deescárneo; todos me insultam.

21 Cânticos III, 6.22 Cânticos VI, 9.23 2 Tim III, 12.

Doc. 133 1930-10-13

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548 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

O��������� �� ������ ����������� ���� � ��������! ����"���� ��serem lançados em azeite a ferver.

É de todos sabido que as autoridades fizeram todos os esforçospara proibir as peregrinações, dificultando as passagens, enquanto certospublicistas escarneciam e ludibriavam da fé ardente do bom povoportuguês.

A crença nas Aparições resistiu a todas as violências que, afinal, sóserviram para aumentar o fervor religioso e propagar as graças ebenefícios que Nossa Senhora espalha sobre os que a invocam.

E não se diga que Fátima foi uma invenção do Clero, pois se osgovernos, apesar da força e prestígio de que dispõem, não conseguiramvencer a crença em Nossa Senhora da Fátima, como é que o nossoClero humilde, espoliado pela revolução de todos os haveres que apiedade cristã entregou à Santa Igreja para o seu sustento, o clero tantasvezes perseguido e caluniado e demais nesta Diocese de Leiria, a maispequenina e pobre, teria poder para criar o movimento religioso da Fátimaque hoje se estende a todo o Portugal e se desenvolve consoladoramenteem tantos países estrangeiros?

Além disso, Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca D. AntónioMendes Belo, que Deus haja, proibiu o Rev. Clero de animar e tomarparte em quaisquer manifestações religiosas relativas à Fátima, sábiasprescrições que conservámos ainda algum tempo depois da nossa entradaneste Bispado.

Mas voltemos à sentença do divino Mestre acima citada:Se não quereis acreditar em mim, acreditai nas minhas obras26.O culto de Nossa Senhora da Fátima propagou-se rapidamente, como

acabámos de dizer, tanto nesta diocese como em todo o Portugal e hojeestende-se a todas as partes do mundo não só entre nações católicas,mas protestantes e até pagãs.

O olhar amoroso e triste da Virgem Santíssima – amando-nos comoMãe, embora triste pelas nossas faltas – vai-se espalhando por toda aterra, levantando os corações e avivando a fé.

As multidões aos milhares, de toda a parte, compostas de pessoasde todas as classes sociais, vindas de todos os recantos do país, sem

24 Vida de Santa Teresa escrita pela própria Santa, Cap. XXX.25 Jer XX, 7, 8.26 Jo X, 38.

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r#$%&'#(# #)*+$,# &%-.'&/ )#'0#01.0) &2r&2,34)/ # )#'$4'4(,(&(#)/com viagens dificílimas, acorrem em massa à Fátima.

Onde é que se têm reunido multidões como na Fátima, na melhorordem, com o mais profundo respeito?

E não é uma vez por outra. O movimento é contínuo, constante,aumenta de ano para ano.

A voz do povo responde à voz de Deus.Os doentinhos acodem ali com tantos sacrifícios, tantos trabalhos!...Quantas curas admiráveis não se têm dado por intermédio da Virgem

Santíssima?E quanta resignação não manisfestam os enfermos, embora não tenham

obtido a cura dos seus males físicos?E se são aos milhares os doentes do corpo que vão a Fátima, em

muito maior número são os aflitos moralmente. Nossa Senhora é a saúdedos enfermos e o refúgio dos pecadores. Quantos corações transviadosnão têm encontrado ali o perdão? Quantos indiferentes e afastados nãotêm encontrado ali a fé dos seus pais?

Ah! se os confessionários da Fátima não estivessem rigorosamentefechados pelo sigilo sacramental – sempre inviolável – que prodígios dagraça não nos contariam!

Bendita e louvada seja a Mãe de Misericórdia!

Deixai-nos ainda fazer outra consideração.Muitos de vós conheceram o lugar da Cova da Iria, ermo, árido,

sem vida. Tendes visto também as construções que ali se estão a fazer,que naturalmente exigem muito dinheiro.

Pois bem: até hoje não se abriu uma subscrição, não se pediu umaesmola, não se fez um apelo, em público ou particular, à caridade dosfiéis.

As esmolas são oferecidas espontaneamente, quase todas anónimas.Como é grande a força da fé!Como é prodigioso o poder da Virgem Santíssima que arrasta as

multidões para uma montanha escalvada e em poucos anos transformaum local sem vida num centro magnífico de piedade, no mais espantosomilagre da vida religiosa do nosso tempo!...

Doc. 133 1930-10-13

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550 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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Não queremos, nem precisamos de nos alongar mais.Em virtude das considerações expostas e outras que omitimos por

brevidade, invocando humildemente o Divino Espírito Santo e confiadosna proteção de Maria Santíssima, depois de ouvirmos os Rev.Consultores desta nossa Diocese:

Havemos por bem1º declarar como dignas de crédito as visões das crianças na

Cova da Iria, freguesia de Fátima, desta Diocese, nos dias 13 demaio a outubro de 1917;

2º permitir oficialmente o culto de Nossa Senhora de Fátima.Resta-nos, amados Filhos em Nosso Senhor, advertir-vos que, se paranós é um grande motivo de alegria e consolação a graça que a SantíssimaVirgem nos concedeu, maior é a obrigação de correspondermos à suabondade.

A experiência de anos demonstra que “os olhos de Deus estãoabertos e os ouvidos atentos às preces neste lugar”27, mas é precisoque pela pureza da nossa vida, prática dos Mandamentos da Lei deDeus, observância dos Preceitos da Igreja, respeito e submissão àsdireções da Sé Apostólica, nos mostremos integralmente católicos, poisnem todo o que diz: “Senhor Senhor, entrará no reino dos Céus, maso que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse entrará noreino dos Céus”28.

A Santa Igreja, referindo-se ao Mistério da Incarnação do Verbodivino, exclama:

Ó benefício digno duma eterna gratidão! Deus fez-se conhecera nós dum modo visível afim de que, vendo-O, sejamos abrasadosno amor das belezas invisíveis!29

Recomendamos duma maneira especial aos nossos Caros Diocesanoso amor a Nosso Senhor Sacramentado, a devoção à Santíssima Virgem,a S. José, às benditas almas do Purgatório, a recitação diária, ao menos,do Terço do Rosário, a fuga do pecado da carne, das modas imodestase leituras imorais, a prática da penitência em que Jesus tanto insistiu e aVirgem, Senhora Nossa, tanto lembrou, caridade para com todos osirmãos e principalmente para com os doentes e pobrezinhos...

27 2 Par VIII, 15.28 Mat VII, 16.29 Prefácio de Natal.

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S? @AABD EBF?GDHAI JHK?D @JLBM@GNA? P QHAA@ RTUGB@ @A J@L@VG@A KHProfeta: se dirigirdes bem os vossos passos, habitarei convosco nestelugar: na terra que dei aos vossos pais, há tantos séculos.

Esta nossa Carta Pastoral será enviada aos Rev. Párocos para alerem e explicarem aos fiéis, na forma do costume.

Leiria, 13 de outubro de 1930. † José, Bispo de Leiria

Doc. 133 1930-10-13

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552 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

WXYZ [\]1930-10-14

Artigo publicado em “A Voz”1, sobre a primeira grande peregrinação a Fátima,depois da aprovação oficial do culto de Nossa Senhora de Fátima.

Publ.: DCF, V-6 - Doc. 1826

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FOI EXTRAORDINARIAMENTE CONCORRIDAa primeira grande peregrinação, depois da aprovação

oficial do culto de Nossa Senhora de Fatima

Na Adoração Noturna e na alocução final usou da palavra o RevºDr. Gonzaga da Fonseca – Receberam a Sagrada Comunhão cerca

de 10.000 peregrinos – Uma cura sobrenatural?(Do nosso enviado especial)

FÁTIMA, 13 – Fez-se hoje a primeira peregrinação, depois de teremsido dadas, como dignas de crédito, as visões dos pastorinhos e concedidaa aprovação oficial ao culto de Nossa Senhora de Fatima, pelovenerando Prelado de Leiria.

Este facto notável da história religiosa do nosso povo constitui, porassim dizer, o tema dos pregadores, que desde ontem falam aos milharesde peregrinos que aqui se juntaram em honra e louvor da Padroeira dePortugal.

Não decresce, antes aumenta em intensidade e vibração, a fé viva esincera deste bom povo que através dos sacrifícios de uma viagem depenitência, aqui vem, tantas vezes, na roda do ano, rezar e cantar.

Não é fácil calcular o número dos peregrinos que constituíam amultidão imensa de crentes mas a impressão do repórter que, há algunsanos, tem assistido às grandiosas manifestações de Fátima é que já nadahaverá que afaste, diminua ou enfraqueça o espantoso movimento de

1 Jornal independente, fundado por Fernando de Sousa (Nemo), em 1927. Sucedeuao jornal “A Época”.

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fdedg hijk jlmnojlqds j oj sitiuvsk wvdxydwqzljxtjk gj {jvdfdyq ojgoj1917 até hoje.

A procissão das velas e a Adoração Noturna

Os atos da peregrinação principiaram ontem com o espetáculodeslumbrante da procissão das velas, em que tomaram parte muitasdezenas de milhares de peregrinos. Às 10 horas o caudaloso rio de luzpalpitante serpenteava vagarosamente pelos acidentes suaves do terreno,para vir formar depois o grande lago de fogo em frente da capela grandeem que se celebram as Missas. Abriu o cortejo, a peregrinação de Lisboa,com o seu estandarte e sob a direcção de rev. cónego Sequeira Mora.Seguiram-se as peregrinações de outras terras, com estandartes,irmandades e confrarias, cujo número certo, foi impossível fixar.

À meia noite, os sacerdotes iniciaram o cântico do credo, que amultidão acompanhou em coro. Principiou a Adoração Noturna, cujaprimeira hora foi dedicada à peregrinação Nacional. As meditações doTerço do Rosário foram feitas pelo ilustre sacerdote rev. dr. Gonzaga daFonseca, professor do Instituto Bíblico de Roma, que em linguagemcomunicativa e vernácula tirou edificantes ensinamentos da piedosaoração. À adoração noturna presidiu S. Exª Rev.ma o sr. Bispo de Leiria.

Das 2 às 3 da madrugada pertenceu a vigília à Peregrinação de Lisboa;das 3 às 4 a S. Mamede de Infesta e das 5 às 6, à peregrinação deAlhandra.

Às 5 horas foi rezada a primeira missa, em que o celebrante sr. dr.Marques dos Santos ministrou a comunhão aos servitas de ambos ossexos.

Seguiram-se as missas por cada uma das peregrinações: às 8 horas,da peregrinação de Lisboa; 8 e meia, da de Alhandra; às 9 de S. Mamedede Infesta; às 9 e meia, da de Alcobaça; às 10, da de Estremoz; às 10 emeia, da de Santo Isidoro, de Mafra.

Às 6 horas, foi celebrada a missa da Comunhão Geral, pelo rev. dr.Gonzaga da Fonseca, tendo recebido nesta ocasião o Pão Eucarísticocerca de 8.000 peregrinos. Este número subiu a 10.000 no decurso dasmissas seguintes.

A missa e a bênção dos doentes – A procissão de Nossa Senhora

Ao meio dia, a chamada Missa dos Doentes arrancou, como sempre,lágrimas de comoção.

Doc. 134 1930-10-14

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554 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

|}~����� �� ���}���} �� ���}�� ���� ~� ��� }��}���� �}�}�}~ �bênção do Santíssimo, dada pelo venerando Prelado de Leiria, quedepois deu a bênção geral.

Usou da palavra, na alocução final, o rev. dr. Gonzaga da Fonsecaque proferiu uma formosíssima oração acerca do grande acontecimentodo dia: o reconhecimento oficial do culto a Nossa Senhora, tendo comodignas de crédito as visões das três crianças da Cova da Iria.

O orador falou dos prodígios materiais para a saúde do corpo e paraa saúde da alma, santificados pela presença da Virgem.

Referiu-se com caloroso entusiasmo ao lugar abençoado em que amãe do Céu de dignou aparecer a três inocentes pastorinhos, e no qualse vê a eficiência da oração.

– Mas nem todos os doentes se saram – afirmou o orador – porqueo milagre é uma intervenção sobrenatural de Deus e, se o não fôsse, nãoexistiria o milagre.

Continuando: – Mas no entanto, quantas curas milagrosas! Quantas curas que os

médicos não sabem explicar! Mas se as curas físicas, os milagresmateriais são tão numerosos, quem poderá contar as curas espirituais?Aqui é o teatro das maiores glórias de Maria, como as não tem emqualquer outra parte do mundo!

Outra passagem:– E houve profetas que não hesitaram em afirmar que a religião em

Portugal desapareceria em três gerações. Não passou meia geração e afé revigorou-se e aumentou com tanta intensidade, que é hoje mais fortedo que nunca.

Terminando, numa exortação à Virgem:– Bendita seja a Mãe de Deus que assim honrou os seus filhos de

Portugal! Recebei, Senhora, neste dia solene, um tributo de gratidãopor tantos benefícios prestados! Fazei que Portugal, de norte a sul, denascente ao poente, seja uma família una, indestrutível, sagrada – comoa Família da Nazaré!

O sr. dr. Gonzaga da Fonseca ergueu no final, calorosos vivas, aNossa Senhora de Fátima, que foram entusiasticamente correspondidospela multidão imensa.

Antes da procissão, o sr. Bispo de Leiria, comemorando oreconhecimento oficial do culto a Nossa Senhora de Fátima, deu a bênçãoepiscopal, que o povo recebeu de joelhos.

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������ ������ � ��������� ������ � ��������� �� ���������� �� ��� �imagem da Virgem é levada aos ombros dos servitas para a Capelinhadas Aparições. O majestoso cortejo atravessou por entre o mar de lençosbrancos e coberta de flores, seguida pelos peregrinos que cantavam achorar...

Neste momento, três aviões, que despontaram do sul, vieram saudara Virgem, baixando tanto, que se viam distintamente os seus tripulantesacenando os lenços.

Uma cura milagrosa?

Quando a imagem da Virgem ia dar entrada na capela, deu-se umfacto que, apesar de ter passado despercebido da maior parte dospresentes, impressionou todas as pessoas que o observaram.

Registemo-lo em poucas palavras:Isabel Ribeiro de Freitas tinha vindo do Porto, pedir a intercessão de

Nossa Senhora de Fátima, na cura de uma paralisia provocada pordesastre que sofrera há dois anos. Andava dificilmente e tinha muitasdores. Munida do respetivo atestado, foi recebida com o maior carinhoe solicitude no Albergue dos doentes, donde saíu em maca para assistiràs cerimónias da peregrinação.

Comungou, recebeu a bênção especial e já resignada com a suasorte, esperava que tudo estivesse terminado, para regressar à terranatal.

Depois da imagem de a Virgem ter passado junto dela, no regresso àCapela das Aparições, a doente sentiu-se impelida para fora da maca.Obedeceu ao impulso e saltou para o chão: estava curada!

Falámos-lhe pouco depois. É uma pobre rapariga do campo, simplesnas maneiras de falar. Tem 21 anos, apenas, e é natural de Bonfim, noPorto, onde reside.

É ela que nos conta, trémula de comoção, a história da sua doença:– Foi há dois anos, no Bonfim. Eu estava a lavar a roupa à porta da

minha casa. De repente, a varanda da janela abateu e colheu-me. Fiqueicom um quadril deslocado e mal da espinha. Fui para o hospital, ondeestive quatro meses, mas os “srs. doutores” fizeram-me muitostratamentos, mas não me sararam. Saí do hospital, quase sem poderandar e sempre com muitas dores.

– E sente-se curada?Circunda o olhar tímido, mas brilhante de alegria, por todas as pessoas

que a rodeavam e exclamou:– Sim, senhor! Sinto-me outra, graças a Deus.

Doc. 134 1930-10-13

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556 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

  ¡ ¢£¤¥¢ ¦§¨ ©¢ª «¢¬¨¥­– Vou agradecer a Nossa Senhora o grande bem que me fez e rezar

pelos outros doentinhos e por todos, todos...E Isabel afastou-se, acompanhada por algumas senhoras servitas que

a acarinhavam, por entre lágrimas de comoção...

Outras notas

Apesar das instantes recomendações, alguns peregrinos maisimprudentes foram vítimas de roubos, geralmente, nos pontos em que amultidão era mais densa.

O administrador do concelho de Vila Nova de Ourém, sr. Adrianoda Conceição Carmo tomou precauções especiais e auxiliado pelosagentes de investigação do Porto, Joaquim Barbosa e Soares do Pinho,procedeu à captura de alguns indivíduos suspeitos. Depois de váriasinvestigações, verificou-se existir uma quadrilha de mulheres queroubavam carteiras, relógios e correntes. Logo que apareceram asprimeiras queixas, a polícia deitou mão às gatunas, algumas delas decadastro, que deram entrada numa casa improvisada em prisão e ondeficaram guardadas pela guarda republicana.

O serviço de policiamento, feito por cerca de 30 praças desta guarda,sob o comando do sr. tenente Francisco Vilela, foi digno de elogios,sobretudo no regulamento do trânsito dos numerosos veículos.

– Em Fátima principia hoje um retiro espiritual para médicos, quedeve durar até ao dia 17.

– No Albergue dos Doentes, prestaram desvelados serviços adoutora srª D. Emília Patacho e os srs. drs. Pereira Gens, AugustoMendes, Eurico Lisboa, Weiss de Oliveira, António Vaz de Macedo,Luz Preto, etc., auxiliados por muitos servitas de ambos os sexos.

G. de O.2

2 Guterre de Oliveira.

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557

®¯°± ²³´1930-10-15

Indulgências concedidas por Pio XI, ao Santuário de Fátima.

Publ.: DCF, V-6 - Doc. 1831

INDULGÊNCIAS CONCEDIDAS AO SANTUÁRIO DENOSSA SENHORA DE FÁTIMA

O Santo Padre Pio XI, por intermédio da S. Congregação daPenitenciaria, concedeu a um de outubro de 1930 aos peregrinos a NossaSenhora de Fátima as seguintes indulgências:

1. Indulgência de sete anos e sete quarentenas a todo o fiel cristão,contrito das suas faltas, todas as vezes que visitar o Santuário e ali orarsegundo as intenções do S. Pontífice.

2. Indulgência plenária sob as condições ordinárias – uma vez pormês – aos peregrinos em grupo ao mesmo Santuário se aí orarem pelasintenções do Sumo Pontífice.

Visto. Leiria, 15 de outubro de 1930

† José, Bispo de Leiria

Doc. 135 1930-10-15

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558 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

µ¶·¸ ¹º»1930-10-17

Artigo do jornal “A Guarda”1 sobre a carta pastoral de D. José, Bispo de Leiria.

Publ. DCF-V-6, Doc. 1845

¼½¾¿ÀALAVRAS

O Senhor Bispo de Leiria acaba de declarar autênticas as apariçõesde Nossa Senhora na Cova da Iria e tornar oficial o culto de NossaSenhora de Fátima. Há treze anos que na Cova da Iria, se produziramacontecimentos maravilhosos. Fátima tornou-se o centro de grandiosasperegrinações, impressionantes pela piedade e pelo número de pessoas,que as compunham.

O espírito jacobino riu do que chamava a crendice popular. Breve odesdém se demudou em fúria, e as maiores violências foram criadaspara impedir essa corrente de devotos, que tendo origem em todos osrecantos de Portugal, se adensava, como mar humano, nas ásperasplanícies de Fátima.

As mesmas autoridades encarceram as crianças a quem a Virgem sedignara aparecer.

Tudo foi baldado. A devoção cresceu, encheu o país todo, e asmaravilhas começaram a operar-se, nas almas, com conversõesretumbantes, nos corpos, com curas extraordinárias. A Igreja sempreprudente, proibiu o seu clero de se associar às manifestações populares.

Mas a devoção venceu as determinações episcopais.A Igreja recolheu testemunhos, reuniu factos, observou as

circunstâncias, e nomeou uma Comissão, com o encargo de fazer sobreeles um estudo demorado e consciencioso.

O resultado desse trabalho aparece agora, na Pastoral do SenhorBispo de Leiria, reconhecendo oficialmente, dignas de crédito, asaparições e declarando legítimo o culto de Nossa Senhora de Fátima.Esse documento marca um marco luminoso, na vida da Igreja emPortugal.

1 Jornal semanal fundado, em 1904, por Fernando Pais de Figueiredo.

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ÁÂÃÄÅÆ ÇÈÃÉÆ ÊÇÅ ÈË ÌÍÆÎÉË ÎÆÏ ÈËÏÏÆÏ ÃÉÆÎÄÐÑÇÏ ÈÆÒÄËÈÆÄÏÓ Asintervenções de Maria na nossa história, compõem os seus melhorescapítulos, iluminam as suas páginas mais gloriosas.

Milhões de almas sentem, nesta hora, um júbilo que é emoção, umaemoção que é triunfo. Triunfo de Maria, sobre as pretensões insulsas dejacobinismo demagógico, triunfo da verdade sobrenatural, que é o únicoclarão que, nas misérias da terra, brilha como força transfiguradora davida e como esperança de salvação. Saibamos todos, os que nos dizemoscristãos, seguir os ensinamentos de Fátima, vivendo mais ampla eafetuosamente, a vida da oração e penitência, as duas forças que elevamo homem e transfiguram os povos.

Doc. 136 1930-10-17

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560 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÔÕÖ× ØÙÚ1930-10-18, Leiria

Artigo do jornal “O Mensageiro”1, sobre a peregrinação do dia 13 de outubro.

Publ.: DCF, V-6, Doc. 1852

ÛÜÝÝÞÝßÛàÜáÞâßãäåæçÞUma cura extraordinária

Treze anos são decorridos depois que na Cova da Iria, local ermo edeserto nessa epoca, três crianças, humildes pastorinhos, declararamter-lhes aparecido Nossa Senhora. Essas aparições foram agorareconhecidas autênticas pela Igreja, que aprovou o culto a Nossa Senhorade Fátima.

Nestes treze anos, quantas centenas de milhar de crentes, quantosmilhões de pessoas de todas as categorias e classes sociais não têm idoao local bendito, santificado pela aparição da Mãe de Deus, orar, pedir,suplicar e agradecer benefícios para os seus corpos aflitos, para as suasalmas desoladas?

De Fátima regressaram ontem, como regressarão até ao consumardos séculos, os crentes satisfeitos, por terem prestado culto à Mãe deDeus e à Mãe dos homens. No local ermo e deserto levantam-se jáhoje edificações, que no recinto do Santuário demonstram a Fé e aCaridade dos crentes e na povoação denotam como o concurso depessoas à Cova da Iria tornou possível e necessário levantar umapovoação, que hoje é uma aldeia, amanhã será uma vila e num futuropróximo uma cidade.

A Fé tem este condão.

A Peregrinação do dia 13

Não obstante o mau tempo, o concurso de pessoas, vindas de todasas províncias de Portugal, foi extraordinário. Houve mais de 10.000comunhões durante a manhã do dia 13!

1 Semanário católico do distrito de Leiria, fundado a 7 de outubro de 1914, peloPadre José Ferreira de Lacerda, seu director até à sua morte, a 20 de setembroem 1971.

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è éêëê ìíîïêë í ðñëïòóí éíìòôòêì õòëòöòõí éñìí ðë. Administrador doconcelho de Ourém, que conseguiu regularizar o trânsito dos milharesde automóveis e camionetas, que acorreram a Fátima.

A Match, proprietária do Caminho de Ferro da Martingança a Portode Mós, estabeleceu um serviço combinado com a chegada doscomboios.

Uma cura extraordinária

A bênção dos doentes é um ato que sensibiliza os mais acostumadosa comoções violentas. As invocações, as lágrimas e as súplicas dosdoentes, fazem brotar iguais lágrimas, súplicas e invocações dosassistentes.

Na última peregrinação recuperou a saúde repentinamente umaparalítica.

Doc. 137 1930-10-18

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562 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

÷øùú ûüý1930-10-20, Lisboa

Artigo do jornal “Novidades” sobre o regresso dos peregrinos que participaramna peregrinação do dia 13 de outubro.

Publ.: DCF, V-6 - Doc. 1864

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Carta de Estremoz

Outubro, 15Peregrinação a Fátima

Regressou ontem a Estremoz, onde chegou às oito horas da noite, aperegrinação a Fátima, organizada e presidida pelo prior de Santo André.Todos os peregrinos, em número de 45, vêm encantados com as tocantesmanifestações de fé católica, que presenciaram na Cova da Iria, e comos monumentos da Batalha e Convento de Cristo, que visitaram.

No regresso esperava-os uma grande multidão de pessoas à portada Igreja de Santo André, sendo levantados vivas a Nossa Senhora deFátima e ao prior da freguesia.

Em seguida deu-se a bênção do Santíssimo, com a qual terminou aperegrinação que fôra indulgenciada pelo sr. Arcebispo de Évora.

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ANEXO

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564 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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[3] OS EPISÓDIOS MARAVILHOSOS DE FÁTIMA

peloVISCONDE DE MONTELLO

Casa EditoraEMPRESA VÉRITAS

1921

AS APARIÇÕES DE FÁTIMA

O INTERROGATÓRIO DOS VIDENTES

OS FENÓMENOS ASSOMBROSOS DE 13 DE OUTUBRO DE 1917

O DIA 13 DE OUTUBRO DE 1919

A MORTE DA VIDENTE JACINTA DE JESUS MARTO

A GRANDIOSA PEREGRINAÇÃO DE 13 DE MAIO 1920

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566 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

[� ��mo e Rev.mo Sr. Bispo da Guarda

Fernando Pais de Figueiredo, proprietário da “Empresa Véritas”,desejando publicar um folheto intitulado “Os episódios maravilhosos deFátima”

Pede a V. Ex.ª Rev.ma a necessáriaautorização se assim o julgar conveniente.

Guarda, 19 de maio de 1921

Cónego Fernando Pais de Figueiredo

Nomeamos censor o M. R. Dr. Manuel Mendes do Carmo, Cónegoda Nossa Sé.

Guarda, 19 de maio de 1921

†JOSÉ, Bispo da Guarda

Ex.mo e Rev.mo Sr.

No cumprimento da missão que V. Exª Rev.ma se dignou confiar--me, li o opúsculo intitulado “Os episódios maravilhosos de Fátima”.Apreciando, já em tempos de camaradagem universitária, a ciência sólidae a sólida piedade do seu autor, verifiquei que no citado opúsculo nadahá contra a Fé ou contra a Moral. Repassa-o um acentuado perfume deconfiança na Imaculada Virgem Maria, que só poderá fazer bem às almasque o lerem.

Não pretendendo o seu autor dizer a última palavra científica sobre avalidade ou caráter sobrenatural dos factos de Fátima, faz todavia umdepoimento consciencioso que ajudará a esclarecer a sua naturezaobjetiva.

Guarda, 9 de junho de 1921Dr. Mendes do Carmo

Imprima-seGuarda, 10 de junho de 1921.

† JOSÉ, Bispo da Guarda

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�� AS APARIÇÕES DE FÁTIMA

Na manhã do dia treze de maio de 1917, um menino e duas meninasandavam apascentando, como era seu costume, um pequeno rebanhode ovelhas pertencentes a suas famílias, numa propriedade da serra deMinde situada na freguesia de Fátima, concelho de Vila Nova de Ourém,diocese de Leiria.

A mais velha das três crianças, de nome Lúcia de Jesus, era filha deAntónio dos Santos, que faleceu no ano seguinte1, e de Maria Rosa dosSantos, e contava dez anos de idade. O menino e a outra menina, queeram irmãos, chamavam-se Francisco e Jacinta, tendo aquele nove anose esta sete anos de idade. Foram seus pais Manuel Pedro Marto eOlímpia de Jesus Marto. Eram primos da Lúcia. As habitações das duasfamílias, que, não sendo ricas, possuíam contudo alguns bens de fortuna,ficavam próximas uma da outra, no lugar de Aljustrel, cerca de umquilómetro da igreja paroquial de Fátima. Nenhuma das crianças sabialer nem escrever. A sua instrução religiosa era ainda muito rudimentar.Só a Lúcia tinha feito a primeira comunhão.

Aproximava-se naquele memorável dia a hora do meio-diaastronómico. Segundo o seu costume, as três crianças, depois de seterem ocupado durante bastante tempo em inocentes divertimentos,puseram-se a rezar o terço do Rosário, devoção muito querida doshabitantes daquela freguesia. Apenas tinham acabado de o recitar, quandoviram de repente brilhar no espaço, a pequena distância delas, a claridadefulgurante de um relâmpago e aparecer quase simultaneamente, sobre acopa de uma pequena azinheira, um vulto radioso e encantador de [8]mulher, de extraordinária beleza. Assustadas com um sucesso tão insólitoe tão inesperado, pensaram em fugir, mas logo as traquilizoucompletamente a atitude benévola da Aparição, que numa voz dulcíssimaprometeu que não lhes faria mal algum.

A Aparição parecia não ter mais de dezoito anos de idade. O vestidoera de uma alvura puríssima de neve, assim como o manto, orlado deouro, que lhe cobria a cabeça e a maior parte do corpo. O rosto, deuma nobreza de linhas irrepreensível e que tinha o que quer que fosse desobrenatural e divino, apresentava-se sereno e grave e como que toldado

1 António dos Santos faleceu a 31 de julho de 1919.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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568 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

d� ��� ���� ������ d� ��������� ��� ���� !�"��� # ������ d� $���� pendia-lhe, rematado por uma cruz de ouro, um lindo rosário, cujascontas, brancas de arminho, pareciam pérolas. De todo o seu vulto,circundado de um esplendor mais brilhante que o do sol, irradiavamfeixes de luz, especialmente do rosto, de uma formosura impossível dedescrever e incomparavelmente superior a qualquer beleza humana.

Entre a Aparição e a Lúcia estabeleceu-se um diálogo, que duroucerca de dez minutos.

A Jacinta viu a Aparição e ouvia distintamente as palavras que elapronunciava, dirigindo-se à Lúcia, mas nunca lhe falou nem a Apariçãolhe dirigiu a palavra. O Francisco só via a Aparição, não ouvindo nuncao que ela dizia à Lúcia, apesar de se encontrar à mesma distância epossuir um excelente ouvido.

A Aparição convidou nesse dia os três pastorinhos a voltarem todosos meses no dia treze, durante seis meses consecutivos, àquele local,vulgarmente conhecido pelo nome de Cova da Iria e situado a poucomais de dois quilómetros da igreja paroquial de Fátima, ao lado daestrada distrital de Vila Nova de Ourém à Batalha. A princípio ninguémprestava crédito às afirmações das crianças, que eram apodadas dementirosas por toda a gente, mesmo pelas pessoas de suas famílias. A13 de junho umas cinquenta pessoas acompanharam os videntes aolocal das aparições, na esperança de presenciarem o que quer que fossede extraordinário. Nos meses seguintes o concurso de curiosos e devotosaumentou consideravelmente, reu-[9]nindo-se talvez cinco mil pessoasem julho, dezoito mil em agosto e trinta mil em setembro junto da azinheirasagrada.

No momento em que se verificava a aparição, inúmeros sinaismisteriosos, de que muitas pessoas fidedignas dão testemunho, sesucediam uns após outros na atmosfera e no firmamento.

A Aparição recomendou insistentemente que todos fizessm penitênciae rezassem o terço do Rosário. Comunicou às crianças um segredo,que não podiam revelar a ninguém. Prometeu-lhes o Céu.

Pediu que naquele local se erigisse uma capela em sua honra e declarouque no dia treze de outubro havia de fazer um milagre para que todo opovo acreditasse que ela realmente tinha ali aparecido. Em treze deagosto, momentos antes da hora da aparição, as crianças foramardilosamente raptadas pelo administrador do concelho, que as reteveem sua casa durante dois dias, ameaçando-as de morte se não sedesdissessem ou se pelo menos não revelassem o segredo que a Apariçãolhes tinha confiado.

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%&''& ()' * *+*,-./0 1&2& 345*, 60 7-* 7&8*602&9 60 ':1-0 ;<*(*70dos Valinhos, quando as crianças já não pensavam que ela se verificassesenão no mês seguinte. No dia treze de outubro, estando presentes cercade setenta mil pessoas de todas as classes e condições sociais e detodos os pontos do país, terminado o diálogo entre a Lúcia e a Aparição,que lhe declarou ser a Senhora do Rosário, a vidente recomendou aoscircunstantes que olhassem para o sol. O firmamento estavacompletamente nublado. Chovia torrencialmente.

Como que por encanto rasgaram-se de repente as nuvens, e o sol nozénite apareceu em todo o seu esplendor e girou vertiginosamente sobresi mesmo como a mais bela roda de artifício que se possa imaginar,revestindo sucessivamente todas as cores do arco-íris e projetando feixesde luz de um efeito surpreendente.

Esse espetáculo sublime e incomparável, que se repetiu por três vezesdistintas, durou cerca de dez minutos. A multidão imensa, rendida perantea evidência de tamanho prodígio, prostrou-se de joelhos, o Credo, aAvé [10] Maria e o ato de contrição irromperam de todas as bocas e aslágrimas, lágrimas de alegria, de gratidão ou de arrependimento,marejaram de todos os olhos.

Toda a imprensa, inclusivamente a de grande circulação, se referiu,em termos respeitosos e com bastante desenvolvimento, aosassombrosos acontecimentos de Fátima. As apreciações desses factos,mesmo no campo católico, não foram unânimes. As afirmações dascrianças relativas ao próximo fim da grande guerra europeia contribuirampara essa divergência de opiniões. Mas, apesar disso, de ano para ano,a devoção a Nossa Senhora do Rosário de Fátima aumenta e propaga--se por toda a parte. O concurso de peregrinos é cada vez maior everifica-se especialmente no dia treze de cada mês, nos domingos, nosdias consagrados à Santíssima Virgem, e, mais do que nunca , no diatreze de maio e no dia treze de outubro de cada ano.

As graças e curas prodigiosas atribuídas à intercessão de NossaSenhora do Rosário de Fátima são inúmeras. Debalde os representantesda autoridade civil envidarem todos os esforços para pôr termo à correntecaudalosa e incessante das multidões atraídas pela voz humilde de trêsinocentes pastorinhos.

A intolerância e perseguição tiveram apenas, como sempre, o efeitode tornar ainda mais viva e intensa a fé e a piedade dos crentes. Aconcorrência de devotos, vindos de todos os pontos de Portugal, continuaa ser cada vez mais numerosa, mais fervente, mais perseverante, e parecenão haver forças humanas capazes de lhe pôr embargo. A autoridadeeclesiástica, que iniciou o respetivo inquérito, ainda não ultimou os seus

Os episódios maravilhosos de Fátima

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570 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

t=>?>@ABCD EFG CHB IG CF> J>tF=GK> ILMOPGLC G IGQB=>IBCD JGQ R=BMG=LF Bseu veredictum, que nos cumpre acatar, qualquer que ele venha a ser.

Enquanto aguardamos esse veredictum, procuremos viver como bonscristãos, cumprindo estritamente todos os nossos deveres, façamospenitência dos nossos pecados e rezemos com fervor o terço do Rosário,essa devoção tão querida de todos os portugueses, para que NossaSenhora do Rosário, se Ela efetivamente apareceu em Fátima, se dignedissipar todas as dúvidas e tornar esse facto superior a toda a contestaçãode boa fé.

[12] INTERROGATÓRIO DOS VIDENTES1

(27 DE SETEMBRO DE 1917)

No intuito de completar as impressões colhidas no dia treze docorrente mês de setembro e habilitar-me com os elementos indispensáveispara fundamentar, tanto quanto possível, um juízo seguro acerca dosacontecimentos que nos últimos cinco meses se têm desenrolado a trêsquilómetros ao sul da aldeia de Fátima, no local denominado Cova daIria, fui pela segunda vez na quinta-feira última, vinte e sete, àquelapitoresca aldeia, graciosamente alcandorada num dos contrafortes damajestosa serra de Minde. Eram três horas da tarde quando me apeeido trem que de Torres Novas me conduzira por Vila Nova de Ourém àhumilde povoação, cujo nome é hoje pronunciado como uma esperançafagueira de bênçãos e graças celestes por dezenas de milhares de lábios,de um extremo ao outro de Portugal. O rev.do Pároco a quem logoprocurei, não estava em casa: tinha saído para fora da freguesia e só ànoite devia voltar.

Pesaroso por não poder trocar algumas palavras com ele sobre oassunto que ali me levava, resolvi ir a casa das crianças que se dizemfavorecidas com aparições da Virgem Santíssima e ouvir da boca delasa narrativa pormenorizada dos estranhos sucessos cuja notícia tem atraídodia a dia à Fátima um sem número de pessoas de todas as classes econdições sociais.

À distância de dois quilómetros da igreja paroquial e do presbitério,num insignificante lugarejo chamado Aljustrel, pertencente à freguesia,ficam situadas as modestas habitações das famílias dos pastorinhos.

1 Reproduzo este interrogatório dos videntes, sem alteração de uma vírgula ,exatamente como o redigi, no dia 29 de setembro de1917

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ST UVWT XYZW\]WT ^WZT \_`WT aTbW`W^ WVTa\baTceZYZfZg^a W XWTW UWmais velha, onde a mãe me convidou a [13] entrar e sentar-me, convitea que acedi. A uma pergunta minha sobre o paradeiro da filha, que euprocurava, respondeu-me que ela andava a vindimar numa pequenapropriedade que lhe pertencia e que ficava dois quilómetros distante.

Alguém se prestou logo a ir chamá-la de ordem da mãe. Entretanto,as duas crianças mais novas, que tinham regressado do campo, sabendopelas vizinhas que eu lhes desejava falar, vieram ter comigo.

São dois irmãos, um menino e uma menina. Chegou primeiro a menina.Chama-se Jacinta de Jesus, tem sete anos de idade e é filha de ManuelPedro Marto e de Olímpia de Jesus. Bastante alta para a sua idade, umpouco delgada sem se poder dizer magra, de rosto bem proporcionado,tez morena, modestamente vestida, descendo-lhe a saia até à altura dosartelhos, o seu aspeto é o de uma criança saudável, acusando perfeitanormalidade no seu todo físico e moral. Surpreendida com a presençade pessoas estranhas, que me tinham acompanhado e que não esperavaencontrar, a princípio mostra um grande embaraço, respondendo, pormonossílabos, e num tom de voz quase impercetível, às perguntas queeu lhe dirijo. Momentos depois aparece o irmão, rapaz de nove anos deidade, que entra com um certo desembaraço no quarto, onde estávamos,conservando o barrete na cabeça, decerto por não se lembrar de quedevia descobrir-se. Um sinal que a irmã lhe fez nesse sentido não foipercebido por ele. Convidei-o a sentar-se numa cadeira ao meu lado,obedecendo imediatamente sem nenhuma relutância.

Principiei sem demora a interrogá-lo sobre o que tinha visto e ouvidodesde maio último na Cova da Iria no dia treze de cada mês durante otempo da aparição.

Entre mim e ele estabeleceu-se entre mim e ele o curto diálogo quesegue.

– Que é que tens visto na Cova da Iria nos últimos meses?– Tenho visto Nossa Senhora.– Onde é que ela aparece?[14] – Em cima duma carrasqueira..

– Aparece de repente ou tu vê-la vir de alguma parte?– Vejo-a vir do lado onde nasce o sol e colocar-se sobre a

carrasqueira.– Vem devagar ou depressa?– Vem sempre depressa.– Ouves o que ela diz à Lúcia?– Não ouço.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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572 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

� hijiklm ijnopi qmr sup i vmwxuyiz {ji |} lm ~�y�n�o i �ijiqyiz– Não, nunca lhe perguntei nada; fala só com a Lúcia.– Para quem olha ela, também para ti e para a Jacinta, ou só para a

Lúcia?– Olha para todos três; mas olha durante mais tempo para a Lúcia.– Já alguma vez chorou ou se sorriu?– Nem uma coisa nem outra; está sempre séria.– Como está vestida?– Tem um vestido comprido e por cima um manto que lhe cobre a

cabeça e desce até à extremidade do vestido.– Qual a cor do vestido e do manto?– É branca, tendo o vestido riscos dourados.– Qual é a titude da Senhora?– É a de quem está a rezar. Tem as mãos postas à altura do peito.– Traz alguma coisa nas mãos?–Traz entre a palma e as costas da mão direita umas contas que

estão pendentes sobre o vestido.– E nas orelhas o que tem?– As orelhas não se veem, porque estão cobertas com o manto.– De que cor são as contas?– São também brancas.– A Senhora é bonita?– É, sim.– Mais bonita do que aquela menina que tu ali vês?– Mais.– Mas há senhoras muito mais bonitas que aquela menina...[15] – É mais bonita que qualquer pessoa que eu visse.Concluído o interrogatório do Francisco, chamei de parte a Jacinta

que andava a brincar na rua com outras crianças, fi-la sentar numbanquinho ao pé de mim e submeti-a também a um interrogatório,logrando obter dela respostas completas e minuciosas, como as do irmão.

– Tens visto Nossa Senhora no dia 13 de cada mês desde maio paracá?

– Tenho visto.– Donde é que ela vem?– Vem do Céu, do lado do sol.– Como está vestida?– Tem um vestido branco, enfeitado a ouro, e na cabeça tem um

manto, também branco.– De que cor são os cabelos?

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� ��� �� ��� ���� �� �������� ��� ����� �������� ��� � ������– Traz brincos nas orelhas?– Não sei, porque também não se lhe veem as orelhas.– Qual é a posição das mãos?– As mãos estão postas à altura do peito, com os dedos voltados

para cima.– As contas estão na mão direita ou na mão esquerda? A esta pergunta a criança responde primeiro que estavam na mão

direita, mas em seguida, devido à insistência propositada e capciosa daminha parte, mostra-se perplexa e confusa, não sabendo precisar bemqual das suas mãos correspondia à mão com que a Aparição segurava oRosário.

– O que é que a Senhora recomendou à Lúcia com mais empenho?– Mandou que rezássemos o terço todos os dias.– E tu reza-lo?– Rezo-o todos os dias com o Francisco e a Lúcia.Meia hora depois de terminado o interrogatório de Jacinta de Jesus,

aparece Lúcia de Jesus. Vinha, como já disse de uma pequenapropriedade de sua família, situada a dois quilómetros de distância, ondetinha estado a vindimar. [16] Mais alta e mais nutrida que as outras duascrianças, de tez mais clara, robusta e saudável, apresenta-se diante demim com um desembaraço que contrasta singularmente com oacanhamento e a timidez excessiva da Jacinta. Singelamente vestida comoesta, a sua atitude não denota e o seu rosto não traduz nenhum sentimentode vaidade nem de confusão.

Sentando-se, a um aceno meu, numa cadeira, ao meu lado, presta--se da melhor vontade a ser interrogada sobre os acontecimentos deque ela é a principal protagonista, sem embargo de se sentir visivelmentefatigada e abatida, mercê das visitas incessantes que recebe e dosinquéritos repetidos e prolongados a que é submetida.

Filha de António dos Santos, de cinquenta anos de idade, e de MariaRosa, de quarenta e oito anos, tem um irmão e quatro irmãs, todos maisvelhos do que ela: Maria, de vinte e seis anos, já casada, Teresa, devinte e quatro, Manuel, de vinte e dois, Glória, de vinte, e Carolina, dequinze. Completou dez anos de idade em vinte e dois de março docorrente ano. Tinha oito anos quando fez a sua primeira comunhão. Amãe, tipo da mulher cristã, e da boa dona de casa, entregue às lidesdomésticas, procurou sempre inspirar aos filhos o santo temor de Deuse levá-los ao cumprimento de todos os seus deveres morais e religiosos.Altamente preocupada com os sucessos que atraem a todo o momentoas atenções de milhares de pessoas para a sua pobre habitação, até há

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574 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

����� ����� ���� ¡¢¡ ¢� ���¢�£ ���¡¤¥� ¢�¥¢� ¦��� §�� � ¥�� �¥�¨ ���hesita, numa ansiedade inquieta, entre a esperança de que sua filha sejarealmente privilegiada com a aparição da Virgem e o receio de que elaseja vítima de uma alucinação que lhe traga desgostos e cubra de ridículotoda a sua família. A uma pergunta minha acerca da piedade da suaLúcia, responde que não acha nela nada de extraordinário nesteparticular, vendo-a rezar da mesma forma e com o mesmo fervor queantes das aparições, exatamente como fazem as suas irmãs. Dou princípioao interrogatório da vidente.

– É verdade que Nossa Senhora te tem aparecido no local chamadoCova da Iria?

[17] – É verdade.– Quantas vezes já te apareceu?– Cinco vezes, sendo uma cada mês.– Em que dia do mês?– Sempre no dia treze, exceto no mês de agosto, em que fui presa e

levada para a vila (Vila Nova de Ourém) pelo senhor administrador.Nesse mês vi-a só alguns dias depois, a dezanove, no sítio dos Valinhos.

– Diz-se que a Senhora te apareceu também o ano passado. Que háde verdade a este respeito?

– O ano passado nunca me apareceu, nem antes de maio deste ano;nem eu disse isso a pessoa alguma, porque não era exato.

– Donde é que ela vem? Das bandas do nascente?– Não sei; não a vejo vir de parte alguma; aparece sobre a azinheira,

e quando se retira é que toma a direção do ponto do céu em que nasceo sol.

– Quanto tempo se demora? Muito ou pouco?– Pouco tempo.– O suficiente para se recitar um Padre Nosso e uma Avé Maria, ou

mais?– Mais, bastante mais, mas nem sempre o mesmo tempo; talvez não

chegasse para rezar o terço.– Da primeira vez que a viste não ficaste assustada?– Fiquei, e tanto assim que quis fugir com a Jacinta e o Francisco,

mas Ela disse-nos que não tivéssemos medo, porque não nos faria mal.– Como é que está vestida?– Tem um vestido branco, que desce quase até aos pés, e cobre-lhe

a cabeça um manto, da mesma cor, e do mesmo comprimento que ovestido.

– O vestido não tem enfeites?– Veem-se nele, na frente, dois cordões dourados, que descem do

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©ª«¬­®­ ª «ª ¯ª°±ª² ©­¯ °²³ ´­¯µ³¶ ·³²´¸² ¹­°¯³¹³¶ º ³µ·°¯³ ¹­ ²ª»­do corpo.

– Tem algum cinto ou alguma fita?– Não tem.– Usa brincos nas orelhas?– Usa umas argolas pequenas.– Qual das mãos segura as contas?[18] – A mão direita.– Eram um terço ou um rosário?– Não reparei bem.– Terminavam por uma cruz?– Terminavam por uma cruz branca, sendo as contas também brancas.

A cadeia era igualmente branca.– Perguntaste-lhe alguma vez quem era?– Perguntei, mas declarou que só o diria a treze de outubro.– Não lhe perguntaste de onde vinha?– Perguntei de onde era, e ela respondeu-me que era do Céu.– E quando foi que lhe fizeste essa pergunta?– Da segunda vez, a treze de junho.– Sorriu-se alguma vez ou mostrou-se triste?– Nunca se sorriu nem se mostrou triste, mas sempre séria.– Recomendou-te, e aos teus primos, que rezassem algumas orações?– Recomendou-nos que rezássemos o terço em honra de Nossa

Senhora do Rosário, a fim de se alcançar a paz para o mundo.– Mostrou desejos de que no dia treze de cada mês estivessem

presentes muitas pessoas durante a aparição na Cova da Iria?– Não disse sobre esse assunto.– É certo que te disse um segredo, proibindo que o revelasses a

quem quer que fosse?– É certo.– Diz respeito só a ti ou também aos teus companheiros?– A todos três.– Não o podes manifestar ao menos ao teu confessor?A esta pergunta guardou silêncio, parecendo um tanto enleada e julguei

não dever insistir, repetindo a pergunta.– Consta que, para te veres livre das importunações do sr.

administrador, no dia em que foste presa, lhe contaste, como se fosse osegredo uma coisa que o não era, enganando-o assim e gabando-tedepois de lhe teres feito essa partida: é verdade?

[19] – Não é; o senhor administrador quis realmente que eu lherevelasse o segredo, mas como não o podia dizer a ninguém, não lho

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576 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¼½¾¾¿À Á¿¾Áà ¼¿ Ä¿Ã ½Å¾½¾Ä½¼ÆÇȽÄÆÉÆǽÊÆÂÁÃÁ ËÈ¿ ÌͿνϿ¾¾¿Á ÐÆÅÄÁ¼¿ÑO que fiz foi contar tudo o que a Senhora me disse, exceto o segredo, etalvez por esse motivo o senhor administrador ficasse julgando que eulhe tinha revelado também o segredo.

– A Senhora mandou-te aprender a ler?– Mandou, sim, da segunda vez que apareceu.– Mas se a Ela disse que te levaria para o Céu no mês de outubro

próximo, para que te serviria aprenderes a ler?– Isso não é verdade: a Senhora nunca disse que me levaria para o

Céu em outubro, e eu nunca afirmei que ela me tivesse dito tal coisa.– O que declarou a Senhora que se devia fazer ao dinheiro que o

povo deposita ao pé da azinheira na Cova da Iria?– Disse que o devíamos colocar em dois andores, levando eu, a

Jacinta e mais duas meninas um deles, e o Francisco, com mais trêsrapazes, o outro, para a igreja da freguesia. Parte desse dinheiro seriadestinado ao culto e festa da Senhora do Rosário e a outra parte paraajuda de uma capela nova.

– Onde quer ela que seja edificada a capela? Na Cova da Iria?– Não sei: ela não o disse.– Estás muito contente por Nossa Senhora te ter aparecido?– Estou.– No dia treze de outubro Nossa Senhora virá só?– Vem também São José com o Menino, e pouco tempo depois,

será concedida a paz ao mundo.– Nossa Senhora fez mais alguma revelação?– Declarou que no dia treze fará um milagre para que todo a povo

acredite que ela realmente aparece.– Por que razão não raro baixas os olhos deixando de fitar a Senhora?– É que ela às vezes cega.– Ensinou-te alguma oração?[20] – Ensinou; e quer que a recitemos depois de cada mistério do

rosário.– Sabes de cor essa oração?– Sei.– Diz lá...– Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno e aliviai as

almas do Purgatório, principalmente as mais abandonadas. [DCF, I - Doc.7]

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ÒÓ ÔÕÖ×ØÕÖÒÓ ÙÒ ÙÚÛ ÜÝ ÙÕ ÒÞßÞàáÒ ÙÕÜâÜã

Numerosos e interessantes relatos do chamado “milagre deFátima” foram publicados pela imprensa periódica e em folhetosna segunda quizena de outubro de 1917 e nos dois meses que se lheseguiram. Apesar de ter tido a ventura de presenciar osacontecimentos assombrosos do dia 13 de outubro de 1917 e depoder por esse motivo narrá-los minuciosamente, prefiro reproduziraqui dois relatos desses acontecimentos redigidos por escritoresinsuspeitos, um deles inédito, devido à pena cintilante do espíritointeligente e cultíssimo do Sr. Dr. José Maria de Proença de AlmeidaGarrett, que se dignou fazê-lo a meu pedido dois meses depois, e ooutro da autoria do consagrado jornalista Sr. Avelino de Almeida epublicado no numero 610, 2ª serie, de “A Ilustração Portuguesa”.

O relato do Sr. Dr. Almeida Garrett é do teor seguinte:“Vou relatar de uma maneira breve e concisa, sem frases que velem

a verdade o que vi em Fátima no dia 13 de outubro de 1917.As horas a que me referirei são as que nessa época marcavam

oficialmente o tempo segundo a determinação do governo que unificaraa nossa hora com a dos países beligerantes. Faço isto para maior verdadepois me não era fácil designar com precisão o momento em que o solalcançou o zénite.

Cheguei ao meio-dia. A chuva que desde manhã caía miúda epersistente, tocada de um vento agreste, prosseguia, irritante, na ameaçade querer tudo liquifazer.

[21] O céu baço e pesado tinha uma cor pardacenta prenhe de água,prenúncio de chuva abundante e de longa duração.

Quedei-me na estrada, ao abrigo da capota do automóvel e um poucosobranceiro ao local que diziam ser o da aparição, não ousando meter--me ao lamaçal barrento e pegajoso do campo frescamente lavrado.Estaria a pouco mais de cem metros dos elevados postes que uma toscacruz encimava vendo distintamente em redor deles o largo círculo degente que, com os guarda-chuvas abertos, parecia um vasto sobradode broquéis.

Pouco depois da uma hora chegaram a este sítio as crianças a quema Virgem (garantiam elas) marcara lugar, dia e hora da aparição. Ouviam--se os cânticos entoados pelo povo que as cercava.

Numa determinada altura esta larga massa, confusa e compacta,fechou os guarda-chuvas e descobriu-se num gesto que devia ser dehumildade ou respeito mas que me deixou surpreso e admirado porque

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578 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ä åæçèäé êçëä åìêíîêçîïäïð åðñäé ëìòæäèä äñìóä åäôðõäöé ðêåæäóåäèäe ensopava. Disseram-me depois que esta gente, que acabou por ajoelharna lama, tinha obedecido à voz de uma criança.

Devia ser uma e meia (14 h e meia) quando se ergueu, no local precisoonde estavam as crianças, uma coluna de fumo, delgada, ténue e azuladaque subiu direita até dois metros, talvez, acima das cabeças para senesta altura se esvair. Durou este fenómeno, perfeitamente visível a olhonu, alguns segundos. Não tendo marcado o tempo de duração não possoafirmar se foi mais ou menos de um minuto. Dissipou-se bruscamente ofumo e passado algum tempo voltou a repetir-se o fenómeno uma segundae uma terceira vez. Das três vezes, e sobretudo da última, destacaram--se nitidamente os fustes esguios na atmosfera cinzenta.

Dirigi para lá o binóculo. Nada consegui ver além das colunas defumo mas convencido fiquei de que eram produzidas por algum turíbulo,não agitado, em que queimava incenso. Depois pessoas dignas de féafirmaram-me que era de uso produzir-se o acontecimento no dia 13dos cinco meses anteriores e que nesses dias, como neste, nunca ali sequeimara nada nem se fizera fogo.

[22] Continuando a olhar o lugar da aparição numa espetativa serenae fria e com uma curiosidade que ia amortecendo porque o tempodecorrera longo e vagaroso sem que nada ativasse a minha atenção,ouvi o bruhaha de milhares de vozes e vi aquela multidão, espraiadapelo largo campo que se estendia a meus pés, ou concentrada em vagascompactas em redor dos madeiros erguidos, ou sobre os baixos socalcosque retinham as terras, voltar as costas ao ponto que até então convergiraos desejos e ânsias e olhar o céu do lado oposto.

Eram quase duas horas.O sol momentos antes tinha rompido ovante a densa camada de

nuvens que o tivera escondido, para brilhar clara e intensamente. Voltei--me para este íman que atraía todos os olhares e pude vê-lo semelhantea um disco de bordo nítido e aresta viva luminosa e luzente, mas semmagoar.

Não me pareceu bem a comparação, que ainda em Fátima ouvi fazer,de um disco de prata fosca. Era uma cor mais clara, ativa e rica, e comcambiantes, tendo como que o oriente de uma pérola. Em nada seassemelhava à lua em noite transparente e pura, porque se via e sentia--se ser um astro vivo.

Não era como a lua, esférica, não tinha a mesma tonalidade nem osclaros-escuros. Parecia uma rodela brunida cortada no nácar de umaconcha. Isto não é uma comparação banal de poesia barata. Os meus

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÷øù÷úûüýþÿþúúüÿoTambém se não confundia com o sol encarado atravésdo nevoeiro (que aliás não havia àquele tempo) porque não era opaco,difuso e velado. Em Fátima tinha luz e calor e desenhava-se nítido e coma borda cortada em aresta como uma tábula de jogo.

A abóbada celeste estava enevoada de cirros leves, tendo frestas deazul aqui e acolá, mas o sol algumas vezes se destacou em rasgões decéu limpo. As nuvens que corriam ligeiras de poente para oriente nãoempanavam a luz (que não feria) do sol dando a impressão facilmentecompreensível e explicável de passar por detrás, mas por vezes essesflocos que vinham brancos, pareciam tomar, deslizando ante o sol, umatonalidade rosa ou azul diáfana.

[23] Maravilhoso é que, durante longo tempo, se pudesse fixar oastro labareda de luz e brasa de calor, sem uma dor nos olhos e sem umdeslumbramento na retina, que cegasse.

Este fenómeno com duas breves interrupções em que o sol bravioarremessou os seus raios mais coruscantes e refulgentes, e que obrigarama desviar o olhar, devia ter durado cerca de dez minutos.

Este disco nacarado tinha a vertigem do movimento. Não era acintilação de um astro em plena vida. Girava sobre si mesmo numavelocidade arrebatada.

De repente ouve-se um clamor, como que um grito de angústia detodo aquele povo. O sol, conservando a celeridade da sua rotação,destaca-se do firmamento e sanguínio avança sobre a terra ameaçandoesmagar-nos com o peso da sua ígnea e ingente mó. São segundos deimpressão terrífica.

Durante o acidente solar, que detalhadamente tenho vindo a descrever,houve na atmosfera coloridos cambiantes. Não posso precisar bem aocasião porque já lá vão dois meses passados e eu não tomei notas.Lembro-me que não foi logo no princípio e antes creio que foi para ofim.

Estando a fixar o sol notei que tudo escurecia à minha volta.Olhei o que estava perto e alonguei a vista para o largo até ao extremo

horizonte e vi tudo cor de ametista. Os objetos, o céu e a camadaatmosférica tinham a mesma cor. Uma carvalheira arroxeada que seerguia na minha frente lançava sobre a terra uma sombra carregada.

Receando ter sofrido uma afeção da retina, hipótese pouco provávelporque, dado este caso, não devia ver as coisas em roxo, voltei-me,cerrei as pálpebras e retive-as com as mãos para intercetar toda a luz.Ainda de costas abri os olhos e reconheci que, como antes, a paisageme o ar continuavam da mesma cor roxa.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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580 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

A impressão que se tinha não era de eclipse. Vi o eclipse que emViseu, onde estava, foi total. À medida que a lua marcha a esconder osol, a luz vai-se acinzentando até que tudo se torna baço e negro. A vistaalcan-[24]ça um pequeno circo para lá do qual os objetos se vãotornando cada vez mais confusos até que se perdem no negrume. Baixaa temperatura consideravelmente e dir-se-á que a vida da terra seextinguiu. Em Fátima, a atmosfera, embora roxa, permaneceutransparente até aos confins do horizonte, que se distingue e vêclaramente, e eu não tive a sensação de uma paragem na energia universal.

Continuando a olhar o sol, reparei que o ambiente tinha aclarado.Logo depois ouvi um campónio que cerca de mim estava a dizer comvoz de pasmo: “esta senhora está amarela”.

De facto tudo agora mudara, perto e distante, tomando a cor develhos damascos amarelos. As pessoas pareciam doentias e com icterícia.Sorri-me de as achar francamente feias e desairosas. Ouviram-se risos.A minha mão tinha o mesmo tom amarelo. Dias depois fiz a experiênciade fixar o sol uns breves instantes. Retirada a vista vi, após algunsmomentos, manchas amarelas, irregulares na forma.

Não se vê tudo de uma cor uniforme, como se no ar se tivessevolatilizado um topázio, mas nódoas ou malhas que com o movimentodo olhar se deslocam.

Todos estes fenómenos que citei e descrevi observei-os eu sossegadoe serenamente sem uma emoção ou sobressalto.

A outros cumpre explicá-los ou interpretá-los.Para terminar devo fazer a afirmação, que nunca, nem antes nem

depois do dia 13 de outubro, vi iguais fenómenos, solares ouatmosféricos.1 [DCF, III-1 - Doc. 345]

O MILAGRE DE FÁTIMA

(Carta a alguém que pede um testemunho insuspeito).

Quebrando um silêncio de mais de vinte anos e com a invocação doslongínquos e saudosos tempos em que convivemos numa fraternalcamaradagem, iluminada en-[25]tão pela fé comum e fortalecida por

1 Algumas pessoas da Granja concorreram com a quantia de cinquenta mil réis,que foi entregue ao Rev. Pároco de Fátima, para a construção de uma capela nolocal das aparições.

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i����i��� �����i��� �������� �� ���� ��� �� �i�� �i����� �minuciosamente, o que vi e ouvi na charneca de Fátima, quando a famade celestes aparições congregou naquele desolado ermo dezenas demilhares de pessoas mais sedentas, segundo creio, de sobrenatural doque impelidas por mera curiosidade ou receosas de um logro... Estão oscatólicos em desacordo sobre a importância e a significação do quepresenciaram.

Uns convenceram-se de que se tinham cumprido prometimentos doAlto; outros acham-se ainda longe de acreditar na incontroversa realidadede um milagre. Foste um crente na tua juventude e deixaste de sê-lo.Pessoas de família arrastaram-te a Fátima, no vagalhão colossal daquelepovo que ali se juntou a 13 de outubro.

O teu racionalismo sofreu um formidável embate e queres estabeleceruma opinião segura socorrendo-te de depoimentos insuspeitos como omeu, pois que estive lá apenas no desempenho de uma missão bemdifícil, tal a de relatar imparcialmente para um grande diário, O Século,os factos que diante de mim se desenrolassem e tudo quanto de curiosoe de elucidativo a eles se prendesse. Não ficará por satisfazer o teudesejo, mas decerto que os nossos olhos e os nossos ouvidos não viramnem ouviram coisas diversas, e que raros foram os que ficaram insensíveisà grandeza de semelhante espetáculo, único entre nós e de todo o pontodigno de meditação e de estudo...

O que ouvi e me levou a Fátima?Que a Virgem Maria, depois da festa da Ascensão, aparecera a três

crianças que apascentavam gado, duas mocinhas e um zagalete,recomendando-lhes que orassem e prometendo-lhes aparecer ali, sobreuma azinheira, no dia 13 de cada mês, até que em outubro lhes dariaqualquer sinal do poder de Deus e faria revelações. Espalhou-se a novapor muitas léguas em redondeza; voou, de terra em terra, até os confinsde Portugal, e a romagem dos crentes foi aumentando de mês para mês,a ponto de se juntarem na charneca de Fátima, em 13 de outubro, umascinquenta mil pessoas consoante os cálculos de indivíduosdesapaixonados.

[26] Nas precedentes reuniões de fiéis, não faltou quem tivessesuposto ver singularidades astronómicas e atmosféricas que se tomaramcomo indício da imediata intervenção divina.

Houve quem falasse de súbitos abaixamentos de temperatura, dacintilação de estrelas em pleno meio dia e de nuvens lindas e jámaisvistas em torno do sol. Houve quem repetisse e propalassecomovidamente que a Senhora recomendava penitência, que pretendia

Os episódios maravilhosos de Fátima

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582 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

a����������a�a���a�a����� ���a� �����!"����#�$�� �a�%&�'#a�%a por intermédio de uma prova sensível a todos, a infinita bondade e aomnipotência de Deus...

Foi assim que, no dia célebre e tão ansiado, afluíram de perto e delonge a Fátima, arrostando com todos os embaraços e todas as durezasdas viagens, milhares e milhares de pessoas, umas que palmilharam léguasao sol e à chuva, outras que se transportaram em variadíssimos veículos,desde os quase pré-históricos até os mais recentes e maravilhososmodelos de automóveis, e ainda muitíssimas que suportaram osincómodos das terceiras classes dos comboios, dentro dos quais, parapercorrer hoje relativamente pequenas distâncias, se perdem longas horase até dias e noites! Vi ranchos de homens e de mulheres, pacientemente,como enlevados num sonho, dirigirem-se, de véspera, para o sítio famoso,cantando hinos sacros e caminhando descalços ao ritmo deles e àrecitação cadenciada do terço do Rosário, sem que os importunasse,os demovesse, os desesperasse, a mudança quase repentina do tempo,quando as bátegas de água transformaram as estradas poeirentas emfundos lamaçais e às doçuras do outono sucederam, por um dia, osaspérrimos rigores do inverno... Vi a multidão, ora comprimida à voltada pequenina árvore do milagre e desbastando-a dos seus ramos paraos guardar como relíquias, ora espraiada pela vasta charneca que aestrada de Leiria atravessa e domina e que a mais pitoresca e heterogéneaconcorrência de carros e pessoas atravancou naquele dia memorável,aguardar na melhor ordem as manifestações sobrenaturais, sem temerque a invernia as prejudicasse, diminuindo-lhes o esplendor e aimponência... Vi que o desalento não invadiu as almas, [27] que aconfiança se conservou viva e ardente, a despeito das inesperadascontrariedades, que a compostura da multidão em que superabundavamos campónios foi perfeita e que as crianças, no seu entender privilegiadas,tiveram a acolhê-las as demonstrações do mais intenso carinho por partedaquele povo que ajoelhou, se descobriu e rezou a seu mandado aoaproximar--se a hora do “milagre”, a hora do “sinal sensível”, a horamística e suspirada do contacto entre o céu e a terra...

E, quando já não imaginava que via alguma coisa mais impressionantedo que essa rumorosa mas pacífica multidão animada pela mesmaobsessiva ideia e movida pelo mesmo poderoso anseio, que vi eu aindade verdadeiramente estranho na charneca de Fátima? A chuva, à horapré-anunciada, deixa de cair; a densa massa de nuvens romper-se e oastro-rei – disco de prata fosca – em pleno zénite aparecer e começardançando num bailado violento e convulso, que grande número depessoas imaginava ser uma dança serpentina, tão belas e rutilantes cores

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r()(*+,- *-.(**,)/0(1+( / *-2(r34.,( *56/r.Milagre, como gritava o povo; fenómeno natural, como dizem sábios?

Não curo agora sabê-lo, mas apenas de te afirmar o que vi... O resto écom a Ciência e com a Igreja [DCF, III-1 - Doc. 228].

UMA CURA EXTRAORDINÁRIA

(13 DE OUTUBRO DE 1917)

À guisa de complemento destas ligeiras notas sobre as aparições,seja-me lícito transcrever aqui uma carta endereçada a uma amigomeu e publicada no número de cinco de outubro de 1918 do jornal“A Guarda”, o semanário de maior assinatura nas duas Beiras.Expondo minuciosamente e com a mais escrupulosa exatidão ascircunstâncias de uma cura extraordinária ligada com a históriadas aparições, essa carta reveste uma dupla importância, mercê daqual tem neste lugar o seu natural cabimento.

É do teor seguinte:[28] A questão da origem e natureza dos acontecimentos

extraordinários de Fátima, como eu já insinuava na minha cartaprecedente, é uma questão completamente aberta.

A Igreja não se pronunciou ainda sobre eles. O campo está, pois,patente a todas as discussões. Qualquer pensador tem o direito deapreciar, como melhor lhe aprouver, esses acontecimentos, negando aprocedência sobrenatural, pondo-a em dúvida ou admitindo-a, que aninguém assiste o direito de o censurar.

O católico não possui menos liberdade de apreciação e de crítica noexame desta matéria do que o ateu. É por isso que todas as opiniõessinceras merecem deferência e respeito, mormente numa questão comoesta, que ninguém conseguiu até hoje resolver satisfatoriamente, é justoque todos, respeitem a conclusão de um estudioso, mesmo os que nãoa perfilham, qualquer que ela seja, na investigação a que consciosamenteproceder.

Os sucessos de Fátima constituem um fenómeno assombrosoincontestavelmente digno de estudo. Numa época em que a ciência atingiu,por assim dizer, o seu apogeu, seria deveras para lamentar que essefenómeno não se impusesse à atenção daqueles que, pelo seu critério epela sua competência, estão em condições de poder estudar com proveitoe apreciar devidamente a origem e a natureza desse fenómeno, múltiploe complexo. Eu sei que ilustres professores dos nossos mais altos institutos

Os episódios maravilhosos de Fátima

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584 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

c789:;<7c=> c=9:79?@B C8C7c@9C= @ >?@ 8>cD@E8c7C@ @:89FG= @= 8>:?C=dos fenómenos metereológicos sucedidos no dia treze de cada mês desdemaio a outubro e ao grandioso fenómeno solar presenciado por mais decinquenta mil pessoas, no dia treze de outubro próximo findo, num dosplanaltos da orla setentrional da serra de Minde.

Mas é absolutamente indispensável que, no interesse da verdade,seja ela qual for, todos contribuam com a sua quota parte para a soluçãodeste difícil problema, até hoje insolúvel, para a decifração deste singularenigma até hoje impenetrável. É o que intento fazer escrevendo-te estacarta e outorgando-te a liberdade de publicar o que te parecerconveniente.

Posto isto, era propósito meu principiar hoje a narra-[29]ção históricados factos ocorridos em Fátima, se não me perguntasses na tua últimacarta se já se tinham verificado algumas curas extraordinárias queabonassem de algum modo a origem sobrenatural desses factos. Parasatisfazer a tua legítima curiosidade passo a descrever uma das muitascuras de que tenho conhecimento, consumada e, segundo parece,definitivamente assegurada no dia treze de outubro, no chamado localdas aparições, aonde desde então, sem embargo das violências brutaise sacrílegas do fanatismo antirreligioso, sempre inimigo da verdadeiraliberdade de crença, concorrem ininterruptamente centenas e milharesde pessoas de todos os pontos do país, numa romagem piedosa einofensiva que edifica, comove e encanta.

Maria do Carmo, de quarenta e sete anos de idade, natural do lugardo Arnal, freguesia de Maceira, concelho de Leiria, casada com Joaquimdos Santos, havia cinco anos que sofria de uma enfermidade bastantegrave, que apresentava todos os sintomas caraterísticos da tuberculose.Na primeira fase da doença experimentava, de vez em quando, dores,aliás não muito fortes, na cabeça, no estômago e nos intestinos. Emprincípios de 1916 as dores agravaram-se de um modo extraordinário.Eram contínuas e difíceis de suportar. Sentia-as então nas costas e, aindacom mais intensidade, no peito. Ao mesmo tempo começou a padecerde falta de ar. As mãos, os pés e o ventre incharam-lhe imenso.Suspeitava-se que tivesse um tumor no útero. Definhava e emagrecia aolhos vistos. Três meses depois não parecia a mesma pessoa, pois denutrida que era tornara-se magra em extremo. Não podia pôr à cabeçanenhum objeto um pouco pesado pelas torturas que isso lhe ocasionava.Tinha com frequência vontade de vomitar, embora não vomitasse.

Quando tomava algum alimento e enquanto durava a digestão,aumentavam as dores de cabeça. As dores de estômago quase que nãolhe permitiam dormir.

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PHIH JKL MHNNHI MOLI, comia muito pouco.Sustentava-se exclusivamente ou quase exclusivamente de leite.Uma tosse funda e seca atormentava-lhe sem cessar o peito. A saliva

sabia-lhe muitas vezes a sangue. Todos os [30] vizinhos estavampersuadidos de que a infeliz se achava tuberculosa. Ela própria nãodeixava aproximar de si os filhos com medo do contágio. Um indivíduoque conhecia perfeitamente a gravidade do mal, estando um dia aconversar com alguns amigos e vendo-a passar próximo, disse-lhes numtom de voz que não deixava margem a dúvidas que ela estavairremediavelmente perdida, não devendo viver mais de quinze dias.Passava-se isto em meados de julho do ano próximo findo.

Debalde procurou lenitivo para os seus incómodos nos recursos damedicina.

Pobre como era e não havendo médico senão a alguns quilómetrosde distância, na Batalha, só ali foi uma vez com o marido consultar odistinto e hábil clínico dr. Padrão. Os remédios que esse facultativoreceitou não lhe produziram alívio algum.

Nestas circunstâncias não alimentava nenhumas ilusões acerca dagravidade do seu estado e aguardava resignadamente a morte. Por essaocasião corria de terra em terra, de um extremo ao outro do país, anova consoladora de que a Virgem Santíssima desde o mês de maioprecedente aparecia todos os meses no dia treze a umas humildescriancinhas que apascentavam gado num local vulgarmente denominado“Cova da Iria”, pertencente à freguesia de Fátima, concelho de VilaNova de Ourém, a sete léguas de distância de Maceira. Um clarão desuave esperança iluminou subitamente o seu espírito abatido eamargurado. Cheia de fé, invoca a Mãe de Deus e, para obter por suaintercessão a cura tão suspirada, faz a promessa de ir quatro vezes aFátima a pé descalça. Escolheu o dia treze de agosto para iniciar ocumprimento da sua promessa.

Mas o marido, aliás homem temente a Deus, considerando tal empresauma verdadeira temeridade, opôs-se à sua ida.

“Nós somos pobres – dizia ele à mulher – não dispomos de recursospara alugar um carro em que possas efetuar a jornada sem perigos ecom probabilidade de lá chegares viva. Tem paciência, mas não te deixoir”.

Na verdade o seu estado de fraqueza era tão grande [31] que secansava imenso quando caminhava, por pouco que fosse. A cerca deduzentos metros da casa de habitação possui um pequeno prédio rústico.Havia muito tempo que era raro lá ir e, quando o fazia, precisava de se

Os episódios maravilhosos de Fátima

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586 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

sQRSTU VW sQW RXWQUY ZQ [Q\Qs ] ^Q_UT ZY `TW_RbY dTUT ZQs`TRsTU. Asfilhas faziam toda a lida da casa, indicando e distribuíndo a mãe os diversosserviços, sem poder ajudá-las como desejava, por lhe minguarem asforças. Insistiu, porém, tanto com o marido que este, vendo a suainabalável confiança, acedeu às suas porfiadas instâncias e resolveu-sea acompanhá-la.

Veio finalmente o dia treze de agosto, tão ardentemente esperado. Àuma hora da madrugada desse dia a doente põe-se a caminho emcompanhia do marido, que continuava a considerar semelhante jornadacomo uma temeridade e uma loucura. Descansou várias vezes nopercurso.

Eram nove horas da manhã quando chegou ao local das aparições.Estava bastante extenuada, sentia muitas dores, toda ela, segundo a suaprópria expressão, era uma dor. Alguns instantes depois, com grandesurpresa, experimentou notáveis alívios.

Sentou-se à sombra de uma grande e copada azinheira, onde tomoualgum alimento, e ali se conservou até às três horas da tarde, pondo-seentão novamente em marcha. No regresso as dores eram menos intensase não se sentia tão fatigada como à ida.

De dia para dia as melhoras acentuavam-se cada vez mais. Entretantocomeçou a tomar alimentos sólidos, mas o seu principal alimentocontinuava a ser o leite. Em treze de setembro voltou pela segunda veza Fátima, não lhe causando a viagem tanto incómodo como em treze deagosto. De cada vez que lá ia rezava o terço do Rosário tanto na idacomo na volta, não conversando nem prestando atenção às conversasdas pessoas que a acompanhavam.

A partir desse dia melhorou ainda mais.Já trabalhava um pouco em casa e ia com menos dificuldade à

fazenda. A treze de outubro partiu de manhã cedo como das outrasvezes, mas antes de chegar a Fátima [32] surpreendeu-a a memorávelchuva torrencial que assinalou aquele dia de outono. Apesar de se termolhado toda, ensopando a chuva a roupa que vestia, sentiu-seperfeitamente bem no local das aparições. As dores desapareceram paranão mais voltar. A intumescência do ventre e dos membros superiores einferiores desapareceu igualmente como que por encanto. Tendoregressado a casa, desde esse dia até hoje come de tudo, a qualquerhora do dia ou da noite, e, por mais indigestos que sejam os alimentos,não experimenta o mais leve incómodo. Não tornou a sentir falta de ar.Trabalha muito e pode pôr à cabeça fardos pesados como antes dadoença. Nunca mais teve tosse. Está gorda, sente-se forte e goza de

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efgehejke lmnpeq tu pvm kwexe pe juyez{wu |uv pe juyu m }~kvzm m|vzde agradecer a sua cura à Virgem do Rosário.

Eis a narração mais exata possível, sem prejuízo de algum erroinsignificante de detalhe, da doença e da cura de Maria do Carmo,narração redigida em face do processo verbal a que procedi de motuproprio no dia doze de fevereiro, em Maceira, na presença de váriastestemunhas fidedignas e nomeadamente do marido, os quais todosconfirmaram a exatidão do seu depoimento. Não cito nomes detestemunhas, posto que a isso esteja autorizado, porque todos oshabitantes da freguesia estão intimamente convencidos de que a curadaquela enferma não se pode explicar de modo nenhum pela ação dasforças naturais. Poder-se-á considerar realmente essa cura comosobrenatural? Não me compete a mim dizê-lo: é à ciência e sobretudo àIgreja. Será facil estabelecer com segurança o seu caráter sobrenatural,depois de decorridos tantos meses e não tendo havido provavelmenteuma observação médica tão minuciosa como convinha? Ignoro-o, nemcom isso me preocupo. O meu intuito é simplesmente chamar a atençãodas pessoas sérias e cultas, quaisquer que sejam os seus princípiosreligiosos ou as suas opiniões acerca da índole dos acontecimentos deFátima, para estes e outros factos que se me antolham dignos de especialestudo, porque talvez possam contribuir para se determinar claramentea natureza desses acontecimentos. Serão eles o resultado de meras ilusõesde sentidos, especialmente [33] da fantasia? Serão uma mistificaçãohabilmente arquitetada pelo poder das trevas? Serão obra de Deus? Éo que importa averiguar, sem ideias preconcebidas e sem parti pris,como convém a um crítico consciencioso e imparcial. [DCF, III-2- Doc. 382]

O DIA 13 DE OUTUBRO DE 1919

(DOIS ANOS DEPOIS)

Tínhamos escrito já este ligeiro relato do que se passou em Fátimano dia 13 de outubro de 1919, e hesitávamos em dá-lo à publicidadequando o falecimento da pequena Jacinta, uma das pastorinhas deFátima veio de novo trazer à tela da discussão este problema queparecia um pouco esquecido.

Nossa Senhora apareceu, realmente, em Fátima?A esta pergunta não pode, como é natural, dar-se já uma resposta

concreta e positiva, quer num sentido quer noutro.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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��� �������� �� ��� ������� �������������� ��� ����� ���������da parte de um católico, aceitar ou rejeitar in limine, qualquerintervenção sobrenatural como aquele de que se trata.

O que nos resta pois a fazer é esperar pacientemente ou que aaparição se confirme ou que pelo contrário a sua impressão sedesvaneça por completo.

Entretanto devemos pedir e orar muito a Nosso Senhor paraque faça brilhar a luz da verdade e ao mesmo tempo devemos fazera penitência que a Senhora recomendou e que, muito embora aaparição não fosse uma realidade, nem por isso deixa de sernecessária e tantas vezes lembrada por Deus, desde os famosostempos de Nínive até à gruta de Massabielle.

E ao mesmo tempo que vamos orando convém recolherimparcialmente todos os factos ocorridos sem preocupações dequalquer espécie e unicamente no intuito de esclarecer e fundamentaruma opinião, seja ela qual for.

Por isso nos resolvemos a dar à publicidade este singelo relato,a que acrescentaremos algumas notas soltas muito edificantes sobrea morte da humilde e inocente Jacinta.

[35] A CAMINHO DE FÁTIMA

Raiou o dia treze de outubro de 1919.Na aldeia, aonde eu tinha chegado de véspera, o relógio da torre

marcava no seu mostrador, enegrecido pelo tempo, dez horas e meia damanhã (hora oficial).

Longas fiadas de nuvens pardacentas corriam brandamente no céu,parecendo anunciar uma daquelas medonhas trovoadas, acompanhadasde fortes aguaceiros, que são tão frequentes no princípio do outono.

Percorrendo com a velocidade de sessenta quilómetros à hora adistância que me separava de Vila Nova de Ourém, cheguei a estaimportante povoação do distrito de Santarém às onze horas em ponto.Na véspera os jornais de grande circulação, nas suas correspondênciasda província anunciavam para o dia seguinte desusada concorrência deperegrinos e curiosos à terra das aparições, à estância do mistério e doprodígio, à famosa e sedutora Fátima.

Efetivamente assim sucedia. Era o segundo aniversário da sexta eúltima aparição aos pequenos videntes de Aljustrel e do assombrosofenómeno solar que eles tinham predito com uma certeza matemática eque cerca de sessenta mil pessoas de todas as classes e condições sociaise de todos os pontos do país tiveram a ventura de presenciar.

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����� ���� �� ������� �� ����� � ��� ������� �¡ ¢£� ����acontecimento inaudito produziu em toda a imprensa portuguesa, quedele se ocupou largamente.

Na estrada de Vila Nova de Ourém à povoação de Fátima, que ficaa doze quilómetros de distância, o movimento, logo ao sair da vila, éextraordinário. Os habitantes assomam às janelas ou aparecem nasvarandas ou às portas de suas casas para contemplar o espetáculointeressante e comovente que se depara a seus olhos maravilhados. Veem--se numerosos grupos de pessoas, umas a pé, outras a cavalo. Veículosde todos os tamanhos e de todos os modelos pejam literalmente a estrada.Aqui são homens e mulheres do povo que caminham vagarosamente eem silêncio. Além é uma família de distinção que vai comodamenteinstalada num trem de luxo. Mais adiante um [36] ilustre oficial do exércitoguia uma charrete, que conduz algumas pessoas de sua família.

Depois passa um automóvel, que sobe rapidamente a encosta. Osgrupos de peregrinos a pé, as filas de carros, as tradicionais burricadas,as fiadas intermináveis das bicicletas, os carros de bois, os trens e osautomóveis isolados circulam cada vez em maior número, à medida queo veículo que me transporta, se aproxima vertiginosamente da cumeadada serra.

São onze horas e meia quando chego ao pé da igreja paroquial deFátima.

Bastantes peregrinos, fatigados do caminho, descansam à beira daestrada, perto da igreja. Faltam ainda três quilómetros para terminar aminha viagem, junto da modesta capela, ereta ao lado da azinheirasagrada. No resto do percurso, o movimento de peões, cavaleiros, trense automóveis é assombroso. Os peregrinos das povoações maispróximas, satisfeitas as exigências da sua piedade já vão regressandoaos seus lares para se entregarem aos trabalhos do campo, que seencontram então na sua atividade, especialmente a vindima e a apanhado figo.

Outros retiram, porque são de longe, tendo perdido a noite na viagem.Fizeram a sua visita, cumpriram as suas promessas e voltam para

suas casas, porque não foi a curiosidade, mas só o dever e a devoção oque os atraiu àquela estância privilegiada.

Achamo-nos neste instante no alto da serra. Àquela hora da manhã enaquela altitude elevada, a temperatura é ainda, como não podia deixarde ser em tal estação, extremamente baixa: sente-se frio. O side-car emque viajo tem dificuldade em abrir caminho por entre a mole imensa depovo, que enche a estrada. A buzina toca sem cessar e a marcha doveículo até então vertiginosa, afrouxa consideravelmente.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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590 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

É ¤¥¦§¨©ª ¥ «¬ª­¤®¬¥¯ ° ®¥±²¥«¦³´° © ¥ ´©®¥ªµ¬±©¤¦¥ ¶© ¦¥¶° °·³©ª°interminável vaga humana.

Dir-se-ia que ela tem a intuição viva e profunda de que o solo quepisa é sagrado e de que uma atmosfera de sobrenatural a envolve esatura. De todas as estradas, [37] caminhos e atalhos aflui gente. Maseis que a duzentos metros, do lado direito da estrada, se avista no fundodum vale, uma multidão imensa. Estamos pois, no célebre local,vulgarmente chamado Cova da Iria, onde se verificaram as apariçõesda Rainha do Céu. A linda capelinha ergue-se, já perto de nós, ao ladoda azinheira, em que passaram os pés da celeste visão, ostentando assuas paredes de uma alvura puríssima e erguendo para o alto, comouma súplica perene, o seu rústico, mas gracioso telhado de telhaencarnada.

Em torno dela estão ajoelhadas, em fervorosa prece, mais dequinhentas pessoas. Aqui e acolá, dum e doutro lado da estrada e portoda a vasta encosta, à sombra das carvalheiras, não se veem senãoveículos de todas as espécies e numerosos grupos de romeiros adescançar ou a comer os seus farnéis, num silêncio e gravidade inspiradospela devoção e pelo respeito do local.

CANTANDO E REZANDO!... BENDITO E LOUVADOSEJA!...

É quase meio-dia. Por entre nuvens, que sem cessar perpassam nofirmamento o sol aparece de quando em quando e dardeja sobre asnossas cabeças os seus raios vivíssimos. Um grupo de peregrinos vem--se aproximando processionalmente do local. São cerca de cem pessoas:homens, mulheres e crianças. Alguns homens vestem opas, conduzindoum deles à frente um pendão em que se vê um painel com a imagem daSantíssima Virgem. Enquanto caminham, rezam devotamente o terço dorosário, em voz alta. De espaço a espaço, nos intervalos dos mistérios,um coro de vozes argentinas entoa maviosos cânticos em honra de NossaSenhora. Pergunto donde vem aquela procissão e dizem-me que é dolugar das Covas, limite de Carreirancha, freguesia do Alqueidão da Serra.A procissão pára junto da capela. Alguns peregrinos entram nela e umdeles reza o terço alternadamente com os circunstantes. Parte da multidãoestá de joelhos, a outra parte de pé. A todo o momento chega gente.Ponho-me a percorrer o local. Um pouco afastado da multidão, umindivíduo, [38] de aspeto venerando, modestamente vestido, está sentadono chão, de mãos postas, desfiando as contas do seu rosário, sem prestaratenção ao que se passa em torno dele.

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¸¹º»¼º½¹º¾ ¿¼¹º¼¹½À Á¼ ¾¿½À ¿½¹º½Ã ¾ ¿¾Ã¾Ä¼¹º¼ ¿Å¹ºÆ¿¾ ǾÇÈʽ»ao Augustíssimo Sacramento da Eucaristia, o Bendito e louvado seja.

DUAS CURAS

Um homem do povo aproxima-se de mim e conta-me a simples mastocante história da sua cura. Chama-se Manuel Antunes Carvalho e tem45 anos de idade. Durante a sua narrativa a comoção embarga-lhe porvezes a voz e as lágrimas deslizam-lhe a fio pelas faces, grossas comopunhos. Antes da sua doença tinha vindo quatro vezes a Fátima. É aprimeira vez que ali volta depois da sua cura. Veio com a mulher e quatrofilhos cumprir a promessa que fizera para a obter.

Momentos depois passa diante de mim um homem novo, de maneirasdecididas, para o qual me chamam a atenção. Pergunto-lhe por quemotivo veio à Fátima. Responde com uma evasiva por suspeitar que euo interrogava para troçar dele. Vai a retirar-se sacudidadmente. Algumaspessoas conseguem convencê-lo de que me acho presente para colherinformações destinadas à publicidade. Então volta confiadamente sobreos seus passos e descreve-me a cura de um filho que poucos mesesantes julgara perdido sem remédio. Chama-se Veríssimo dos ReisAmbrósio e reside na freguesia da Vidigueira, concelho de Torres Vedras.Diz que estando um seu filho de nove anos em perigo de vida, só com apele e osso, havia já dois meses, a mãe e a avó materna prometeram ira Fátima agradecer a cura da criança, se Nossa Senhora houvesse porbem conceder-lhes essa graça. A criança curou-se completamente e aliestava agora, muito gorda e respirando saúde, ao colo da mãe, queentretanto se aproximara para me a mostrar.

[39] UM FOGUETEIRO AGRADECIDO!...

De repente, a cerca de cinquenta metros da capela, um foguetãosobe aos ares e estraleja a enorme altura, produzindo um estampidoformidável, semelhante ao tiro de um canhão, que se repercute por montese vales ao longe e ao largo, fazendo-se ouvir a muitas léguas de distância.A este foguetão sucedem-se mais vinte.

Em torno de mim, algumas pessoas ignorando o motivo daquela salva,manifestam o seu desagrado pela profanação do local das aparição comsemelhante cena, que tanto contrastava com o silêncio e recolhimentoda multidão. Estranham e lamentam que o clero se alheie por completodo que ali se passa, porque decerto sob a sua direção tais factos não sedariam.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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592 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ËÌÍÌÎÏÐ ÑÒÌ ÏÓ ÌÔÎÕÎÍÏÖ×ÌÓ ÐÏÖÎÕÌÓ×ÏØÙÌÓ ÔÌ ÕÚÛ ÑÒÌ ÍÜÐ ×ÏÖ×Ïfrequência se repetem ali, venham a transformar-se, com o decorrer dotempo, em vãos e ruidosos folguedos de arraial. Se a autoridadeeclesiástica, diziam essas pessoas, aliás respeitosamente e sem espíritode crítica, tivessem alguma ingerência no desenrolar dos acontecimentosde Fátima, não teria permitido essa descabida manifestação de regozijoque representava uma irreverência e um desacato, ou pelo menos teriaimpedido que ela se realizasse tão perto do venerando padrão dossucessos maravilhosos. Com um caderno e um lápis na mão dirijo-meao homem que deitara os foguetões e pergunto-lhe o nome. Ele perfila--se, muda de cor, formaliza-se todo e responde-me num tom sacudidoe breve: “Se o senhor é autoridade e vem para me prender por terdeitado os foguetões sem licença, não me importo de pagar a multa ouir para a cadeia. Cumpri a minha promessa e agora estou por tudo”.Tranquilizo-o sem demora, assegurando-lhe que o meu intuito ésimplesmente saber se tinha dado a salva de vinte e um tiros emcumprimento de alguma promessa. Então recobra ânimo, a sua fisionomiaalegra-se, e, cheio de entusiasmo, põe-se a narrar, numa linguagem singelamas eloquente, a sua tocante história.

Proprietário de uma fábrica de pólvora e fogo de artifí-[40]cio numaimportante freguesia do concelho do Porto de Mós, vivia com a suamulher e filhos entregue às ocupações da sua profissão e gozando deperfeita saúde. No princípio do mês de julho último começou a sofrerduma grave doença gastrointestinal. Os socorros da medicina de nadalhe valeram. De dia para dia o seu estado agravava-se cada vez mais.

Debalde os distintos facultativos Padrão, da Batalha, e Neves, deAlcobaça prodigalizaram à sua cabeceira recursos e desvelos do seusaber e da sua experiência. Perdidas todas as esperanças humanas dacura dos seus males, receando deixar, com a sua morte, os filhos namiséria, volta-se, cheio de confiança, para Aquela que é justamentechamada a Consoladora dos Aflitos e a Saúde dos Enfermos e invoca oseu patrocínio, prometendo, se obtivesse a cura, ir deitar em Fátima, nolugar das aparições, uma salva de vinte e um foguetes morteiros, cadaum do preço de um escudo, preparados de propósito para esse fim.Feita a promessa, principia a sentir melhoras e pouco tempo depoisacha-se completamente restabelecido. Veio à Fátima acompanhado damulher, da sogra, de um filho e um sobrinho, agradecer essa graça aNossa Senhora e cumprir a promessa.

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ÝÞßàáâ ãÞäÝåæææ çèÝÞâèéêâãèëåæææ

É meio-dia e três quartos.Uma mulher com uma fogaça à cabeça dirige-se de joelhos para a

capela. Rodeiam-na várias pessoas, que a muito custo lhe abrem caminhopor entre a multidão compacta que se comprimia em torno do padrãopopular comemorativo das aparições.

Pouco depois um homem bem trajado, com um filho ao colo e seguidopela mulher com as lágrimas nos olhos encaminha-se também para acapela.

Entretanto a procissão das Covas reorganiza-se e põe-se em marchapara a igreja paroquial. Junto da capela, uma mulher do povo reza oterço alternadamente com os circunstantes. De tempos a tempos ouvem--se estas súplicas comoventes que partem do fundo da alma: “Senhor[41] Deus, misericórdia! Senhor, escutai a minha oração e chegue atévós o meu clamor!”.

Um cavalheiro do lugar das Marruas (Torres Novas), que aparentater cinquenta anos, encontra-se a pequena distância do lugar onde euestou. Impressiona-me a sua atitude. Dir-se-ia a estátua do sofrimentoconfortado pela fé. Pessoas que o conhecem contam-me a sua dolorosahistória. Nos fins de janeiro do corrente ano um insulto apopléticoentorpeceu-lhe os membros inferiores e produziu-lhe na laringe uma graveparalisia, que lhe extinguiu por completo a voz. Caminha com dificuldadee apoiado a uma bengala. Veio à Fátima, esperando com fé viva a suacura. Aproximo-me, faço-lhe várias perguntas e dirijo-lhe algumaspalavras de conforto. A comoção apodera-se dele e o pobre anciãochora alto e convulsivamente como uma criança. A esposa que seencontra a seu lado chora também mas em silêncio, tentandocarinhosamente animá-lo. [DCF, III-2 - Doc. 474]

LÚCIA, A VIDENTE

É já uma hora. De boca em boca corre a notícia de que a pastorinhaLúcia, a privilegiada da Virgem, a principal protagonista das apariçõesvem a caminho da Cova da Iria e está já perto. Ouve-se um sussurroestranho e a multidão agita-se cada vez mais. Inúmeras pessoasprecipitam-se ao encontro da vidente. Ela avança com dificuldade edirige-se para a capela, onde reza o terço alternadamente com o povo.

De quando em quando, ao longe, na estrada, ouve-se a buzina dumautomóvel que chega. A multidão é enorme. Formam-se diversos grupos,

Os episódios maravilhosos de Fátima

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594 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ìíî ïîðñò ó ôîïõó îò öóð ñ÷ôñø ùíúôó ûñ üñýî÷ñ íòñ ïñýñïþÿñ óïñfervorosamente invocando cheia de confiança a Rainha da paz.

TEMOS HOMEM!

Nesta altura tomo conhecimento doutro caso extraordinários. Trata--se dum rapaz que veio à Fátima agradecer as suas melhoras a NossaSenhora. Chama-se Laurentino [42] Carreira Poças. É filho de AdrianoCarreira Poças e de Joana Carreira Rebela Poças e tem catorze anosde idade. Natural do Reguengo do Fetal, foi o ano passado para Leiria,onde tinha obtido colocação como caixeiro numa loja de fazendas. Decompleição débil, começou a sentir-se doente e o seu mal estar agravou--se tanto que o patrão resolveu mandá-lo para casa, afim de se tratarconvenientemente. Ao chegar ao fundo da escada da sua residênciadesmaiou e caiu desamparadamente no chão, tal era o seu estado defraqueza. O dr. Pereira que o tinha tratado durante a sua estada emLeiria, enviou por ele uma carta para um tio de nome Francisco CarreiraPoças, na qual dizia que o sobrinho estava tuberculoso. Sua mãe, logoque ele chegou, fez a promessa de ir à Fátima e dar a volta de joelhos àcapela com uma oferta à cabeça, se ele melhorasse.

O pobre rapaz sentia uma forte pontada no peito, do lado direito, atéà altura do pescoço. Estava proibido de fazer qualquer esforço. A suamagreza era extrema. Não podia brincar. O seu único desejo era estarsempre em descanso. Atualmente não sente mal algum. Veio em bicicletadesde o Reguengo do Fetal, que fica a duas léguas de distância trazendoum rapazito diante de si no guiador do veículo. Na véspera tinha feitotrês meses que havia chegado doente a casa. Há mês e meio o dr. Pereiratornou a vê-lo em Leiria, onde ele foi consultá-lo e disse que o achavamuito melhor, empregando estas palavras textuais que exprimiam aomesmo tempo surpresa e satisfação: “Temos homem!”.

SALVA DA PESTE!

Encontro de novo o pequeno grupo que pouco antes vira entrandopara a capela.

São marido, mulher e um filho. O marido chama-se José AntónioMota e tem 31 anos de idade. A mulher chama-se Maria do EspíritoSanto e tem a idade do marido. São naturais do lugar dos Vargos,freguesia do Paço, concelho de Torres Novas. A mulher esteve muitodoente com um ataque de broncopneumonia durante cer-[43]ca de um

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m��� �m ������� � ��m��� �� �� ������� �m����� ���� �m ���tão mal que receou perdê-la e por esse motivo voltou-se para a Fátima,invocou Nossa Senhora do Rosário e fez a promessa de ir com a famíliaàquela povoação e dar uma esmola em harmonia com as suas posses,se a mulher se curasse.

A Virgem Santíssima fez-lhe essa graça e ele veio em companhia damulher, de um filho e da sogra, cumprir a promessa. Tinha vindo à Fátima,faz hoje dois anos no dia do grande prodígio.

A alguns metros de distância, do lado da estrada, vê-se avançar dejoelhos em direção à capela, uma mulher do povo. É uma hora e meia:precisamente meio-dia astronómico. Devem estar presentes mais de duasmil pessoas. Ao pé de mim uma mulher, profundamente impressionadacom tudo quanto tinha observado, dizia com intimativa que, ainda quese visse obrigada a sair para fora do país, havia de fazer toda a diligênciapor voltar à Fátima.

VIRGEM SANTÍSSIMA, PERDOAI-ME!

Nesta altura um homem bem trajado, que acabava de chegar, rompepor entre a multidão, que se apinhava em torno da capela, contemplacom ar de troça e compaixão os peregrinos que oram ajoelhados e paraem frente da porta do santuário. Momentos depois, tomado dumacomoção íntima, cai de joelhos e profere, num soluço, esta súplica, queos circunstantes ouviram distintamente “Virgem Santíssima, perdoai-me!”,ficando muito tempo em recolhimento profundo.

Um oficial a cavalo avança com precaução por entre o povo a algumadistância da capela. Pergunto quem é e dizem-me que é o administradordo concelho. Observa com atenção tudo quanto sucede e passeiaconstantemente dum lado para o outro. Parece-me ter empenho emnão faltar aos deveres que a correção impõe a uma pessoa inteligente ebem educada, apesar das ideias avançadas que me dizem possuir.

[45] MORRERÁ A JACINTA?!...

Chega ao pé de mim Jacinta de Jesus Marto, uma das videntes deAljustrel, acompanhada pela mãe. Ambas trajam rigoroso luto por motivodo falecimento de Francisco Marto, irmão da Jacinta, que também tinhasido favorecido com a visão da Virgem e que até ao último suspirosustentou sempre a verdade das suas narrativas. A pequena está

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596 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

e���e������� �� ���� � �! "e �#� #�$�e%� ��� #�� ��� &e�"e ��esaiu do hospital de Vila Nova de Ourém, onde durante dois meses seesteve tratando sem resultado, anda sempre a arder em febre. O seuaspeto inspira compaixão.

Pobre criança! Ainda o ano passado cheia de vida e saúde, e já hojecomo uma flor murcha, pendendo à beira do sepulcro! A tuberculose,depois de um ataque de broncopneumonia e duma pleurisia purulenta,mina-lhe desapiedadamente o débil organismo. Só um tratamentoapropriado num bom sanatório é que poderia talvez salvá-la. Mas seuspais conquanto não sejam pobres, não podem fazer face às avultadasdespesas que esse tratamento exige.

Bernadette, a humilde zagala de Lourdes, ouviu da boca daImaculada, que se dignou aparecer-lhe nas rochas de Massabielle, apromessa de que a faria feliz, não neste mundo, mas no outro.

Teria a Virgem feito idêntica promessa à pastorinha da serra de Minde,a quem comunicou um segredo, que a vidente a ninguém pode revelar?

Assim os sofrimentos de Jacinta de Jesus, suportados com resignaçãocristã, serão para ela uma fonte de merecimentos que hão de tornarmais brilhante e preciosa a sua coroa de glória no Céu.

TERRA ABENÇOADA!

Juntamente com a peregrinação das Covas, que regressa da igrejaparoquial, vem uma rapariga que sofria de uma grave enfermidade ecuja cura, atribuída à intercessão de Nossa Senhora de Fátima, temsido o assunto das conversas de todos os romeiros nos últimos meses.

[46] Muitas pessoas a acompanham, ouvindo da sua boca a narraçãodos episódios da sua doença e da sua cura.

Está já perto da capela. Aproximo-me, rompendo a custo por entrea multidão que a envolve num círculo apertado.

Passo a interrogá-la. Chama-se Maria da Conceição, tem 21 anos éfilha de Francisco Correia e Maria dos Anjos Correia e natural emoradora no lugar da Carreirancha, freguesia do Alqueidão da Serra,distrito de Leiria. Tem dois irmãos e quatro irmãs, que vivem com ela nacasa paterna.

Mora num dos extremos do lugar, na parte mais alta. Há sete anossofreu dum forte ataque de gripe e, não se tendo tratado como devia, oestado geral da sua saúde ressentiu-se imenso. Alguns meses depois deter tido a gripe sobreveio-lhe uma meningite cerebroespinal, sendo tratadadurante esta grave doença pelo dr. Padrão, da Batalha. Os remédios

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q'( )*+,-, ./* 01( 23*4'56,+ ,07-6* ,08'+9 :(.)6, 4*3(; -6*0(.),; .,cabeça, no peito e nas pernas. Uma tosse funda e seca atormentava-lheconstantemente o peito. Há cerca de três anos e meio deitou sanguecom abundância pela boca durante quinze dias consecutivos. O sanguedeixou de correr depois de instantes súplicas a Nossa Senhora. Muitagente, vendo o seu estado de fraqueza e abatimento, dizia que ela estavacondenada a morrer em breve, vítima da tuberculose. Durante os últimossete meses esteve de cama, paralítica, mal se podendo mover. As doresque experimentava eram horríveis. Não descansava nem de dia nem denoite, porque a violência das dores não lhe permitia conciliar o sono.Porém, no meio dos seus atrozes sofrimentos, nunca perdera a confiançana proteção da Santíssima Virgem, de quem esperava inabalavelmentea sua cura.

No dia 23 de março do corrente ano, à tarde, disse à família queNossa Senhora lhe tinha aparecido e assegurado que dois dias depois,às 9 horas da manhã, se poderia levantar do seu leito de dor,recomendando-lhe que fosse à Fátima e prometendo-lhe que se haviade curar com o uso da terra do local das aparições. Contra a expetativada família, que se recusava a prestar crédito [47] ao que ela dizia,supondo-a vítima de uma alucinação, no dia 25, à hora marcada, a doentelevanta--se, com grande estupefação de todos, e, montando a cavalo,parte para a Fátima. Tendo regressado a casa, depois de satisfeitas assuas devoções e de dadas as devidas ações de graças, faz uma novena.Rezando o terço e uma estação cada dia e, aplicando a terra do localdas aparições dissolvida em água como remédio para uso externo einterno, sente-se curada no fim da novena. Atualmente caminha semdificuldade, não se cansa com o trabalho, nem sente dores. Todos osmeses desde então tem ido à Fátima, no dia 13, exceto no mês desetembro, agradecer a Nossa Senhora a sua cura. Manuel Pastilhas eMaria de Jesus, de Boiceiros, e outras pessoas, que a acompanham,afirmam tê-la visto em estado lamentável, paralítica e extremamentemagra.

OUTRA CURA

Em torno de mim comprime-se uma multidão enorme. Todos queremouvir a narração da cura de Maria da Conceição, mas é impossível. Acusto consigo romper o círculo de ferro que me aperta. Um homem dopovo dirige-se a mim e conta-me a traços largos a interessante históriada sua cura. Chama-se António de Oliveira Dias, tem 58 anos de idade

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598 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

< =<>?@< AB CDEF= @B>GF==F>HB>I J=<ED<>?F @B KFLBI HBAH<CMB @<TorresNovas. Sofria, havia doze anos, duma faringite crónica, rebelde a todoo tratamento. Os médicos eram de opinião que nunca se curariaradicalmente. Em treze de outubro de 1917 tinha vindo à Fátima epresenciado o estupendo fenómeno solar. Em novembro desse mesmoano fez a promessa de ir à Fátima agradecer a Nossa Senhora a suacura, se ela se dignasse alcançar-lhe essa graça, por que tanto suspirava.A partir dessa data, apesar de não fazer nenhum tratamento, foimelhorando pouco a pouco e, passado um ano, em novembro de 1918,achou-se completamente curado.

[48] SANGUE RUIM!

Um grupo interessante de quatro pessoas uma senhora e três meninas,– chama a atenção dos circunstantes. Vêm agradecer a Nossa Senhoraa cura, de que uma delas foi objeto. São mãe, duas filhas e uma afilhada.

Residem em Lisboa na R. de D. Estefânia, nº 115, 3º. A mãe chama--se D. Amélia Júlia dos Santos, viúva de Carlos Alberto dos Santos.Uma das filhas, a mais velha, é a protagonista deste comovente episódio.O seu nome é Maria Manuel dos Santos e tem 25 anos de idade. Estevequatro anos como aluna no Colégio de S. Pedro de Alcântara, tendoentrado em 1910 e saído em 1914. Pertence a uma família rudementeprovada pelo sofrimento.

Muitos parentes próximos têm morrido tuberculosos, entre eles umirmão com seis anos de idade. O pai morreu louco e um irmãoenlouqueceu há meses, encontrando-se atualmente no hospital dos irmãosde S. João de Deus, no Telhal.

Concluídos os estudos saiu do Colégio e foi para o Alentejo,estabelecendo-se como professora particular em Arraiolos, onde chegoua catorze de outubro de 1914. Poucos dias depois foi acometida dumataque de apendicite, tendo retirado para Lisboa por conselho do médicoa vinte e quatro do mesmo mês. Em novembro do ano seguinte sofreuum segundo ataque, e um terceiro em março. A vinte e oito de maioentrou para o hospital de D. Estefânia, afim de ser operada. A operaçãoteve lugar a onze de junho e foi feita pelos drs. Monjardim, Pinto Coelhoe Medeiros. No fim do mês, a vinte e oito, saiu do hospital, sendoconduzida num trem a sua casa. Esteve pouco mais dum mês em casa,voltando de novo para o hospital, a quinze de agosto porque o seuestado de saúde se agravara. Ali esteve até agosto de novembro, dia em

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NOP QRS RTPUVWV TPXV YPZO[WV \P]^ _[`UP`V[`R aRbPcRO WP YP[`SU ObVdor fortíssima, que tinha a sua localização na perna direita, estendendo--se desde o quadril até ao joelho. Por vezes a violência da dor atingia oparoxismo, tornando-se insuportável. Só conseguia sossegar à força deinjeções.

Havia épocas em que não dormia durante noites consecutivas. Aperna estava sempre encolhida e dobrada.

Eram-lhe aplicadas extensões de ligaduras e gessadas. A febre eraconstante, mas não muito alta.

Definhava e emagrecia de dia para dia. O apetite desapareceu. Foram--lhe receitados vários tónicos – glicerofosfato de cal, xarope iodotânicoe estriquinina, e injeções de diversas espécies – arrenhal, cocodilato edinamol.

A sua doença foi diagnosticada de coxalgia, proveniente de uma quedaque a enferma dera, quando ainda criança, de um quarto para um terceiroandar pela escada. Quando sucedeu esse desastre contava onze anos.Ficara apenas com a perna magoada e cheia de nódoas negras, quedepressa se desvaneceram sem deixarem vestígios de lesão interna.

Os médicos eram de parecer que a ação do clorofórmio e do éter,com que foi anestesiada por ocasião das operações tinha posto adescoberto a doença latente. [DCF, III-2, Doc. 480]

VIA DOLOROSA

Antes da segunda operação as dores não eram tão fortes, e a doentepodia andar, embora com muita dificuldade. Morava então na Rua dePassos Manuel, próximo do Largo de Santa Bárbara. Ficava a duzentospassos do hospital. Conservou-se em observação e tratamento duranteum ano, estando ora três meses no hospital, ora seis meses em casa.

Quando estava em casa, ia ao hospital fazer o tratamento, apoiando--se a uma sombrinha. Teve de internar-se no hospital umas cinco vezes,indo ora de trem, ora em maca. Depois de dois anos e meio detratamento, no dia um de novembro de 1916, por conselho dos médicos,saíu do hospital de D. Estefânia para o Sanatório do Outão, na esperançade que o ar do mar trouxesse algum lenitivo aos seus padecimentos. Foitransportada até ao Terreiro do Paço num automóvel da Cruz Vermelha.Passaram-na ao colo para o vapor que fez a travessia do Tejo. DoBarreiro foi levada nas mesmas condições para o comboio, em queseguiu para Setúbal. Ali aguardava-a um automóvel, que a conduziu aoSanatório.

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600 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

dfgh ij klilTÓRIO

Nessa estância esteve dez meses.Durante o primeiro mês não se levantou da cama. Depois, com o

auxílio de muletas, começou a andar a pé com a perna metida numaparelho de gesso. Ao cabo de sete meses, declarou-se-lhe uma coxalgiatambém na perna esquerda. Sentiu uma dor aguda na coxa, a pernaprincipiou a encolher, vendo-se a infeliz menina obrigada a recolher àcama. A perna direita continuava imobilizada no aparelho de gesso e àperna esquerda foi adaptada uma bota de gesso. Como o médico que atratava havia partido para França e o clínico que lhe sucedeu na direçãodo Sanatório era especialista de doenças pulmonares e não de doençasósseas, a enferma tinha vontade de regressar a Lisboa. Entretanto o seuestado de saúde piorou por motivo de uma infeção intestinal, que lhesobreveio.

Uma doente sua amiga, que para ela fora sempre uma desveladaenfermeira, compadecida do seu estado, escreveu à mãe uma carta, emque lhe dizia que fosse buscar a filha, porque ela estava a morrer.

A pobre senhora, com a alma alanceada de dor, partiu sem demorapara o Outão, afim de levar a filha para a capital, mas, como o médicose opusesse ao que, justamente, considerava uma temeridade, desistiu,por então, do seu intento, regressando sozinha a Lisboa. Passados cincodias por diligências suas, uma enfermeira do hospital de D. Estefâniaseguiu para o Sanatório, a fim de ver se conseguia trazer a enferma paracasa.

Por essa ocasião uma professora de Lisboa costumava ir três vezespor semana ensinar lavores às crianças do Sanatório.

Aproveitou-se um dos dias em que ela regressava à capital para quepudesse acompanhar a doente, que veio também acompanhada pelaenfermeira já referida e por um enfermeiro do Sanatório.

[51] DE HERODES PARA PILATOS!...

No pátio do Sanatório, um trem recebia a enferma, que foitransportada num tabuleiro aos ombros de dois criados. No trem vinhaao colo da professora e da enfermeira. Uma das pernas estava metidano aparelho e a outra na bota de gesso e entre talas. As dores eramhorríveis. A fraqueza era extrema. Qualquer movimento fazia-a desmaiar.Na estação de Setúbal os seus três companheiros de viagemtransportaram-na do trem para o comboio com mil precauções.

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no prsptusvw xvy zy{vp| rw oyzow }wo~|��poyr�w� |�vswv�|caritativamente a subir e a instalar-se. Durante o trajeto perdeu os sentidosrepetidas vezes.

A enfermeira não lhe sentindo o pulso afligia-se imenso com receiode que ela morresse durante a viagem. No Barreiro foi transportada embraços, desmaiada, do comboio para o vapor, e bem assim em Lisboa,do vapor para o automóvel da Cruz Vermelha, que a conduziu a casa, jáentão na rua de D. Estefânia. No cais a família aguardava a sua chegada.Quando desembarcou a sua palidez era cadavérica. As pessoas que aviam passar lamentavam, cheias de compaixão, a sua triste sorte. Umasdiziam que ela estava morta, outras que estava ferida, outras finalmente,que estava queimada. Na pequena maca do automóvel foi conduzidaaté à cama, num terceiro andar.

Era o dia dez de agosto. Por indicação de um farmacêutico dasrelações da família mandou-se chamar o dr. Miranda, especialista dedoenças ósseas. Só oito ou dez dias depois é que esse médico pôdevisitar a doente. Logo que a viu, aconselhou-a a ir ao hospital à consulta,a fim de se lhe pôr um novo aparelho. Ela assim fez. Foi eterizada paralhe poderem estender convenientemente as pernas. Como porém, oaparelho não ficasse bem e se quebrasse, não estando por isso a pernatão direita como era preciso, o médico mandou-a estar dez dias comuma extensão. Depois voltou para casa. Mais tarde, no dia seis de julhode 1918, foi ao consultório do dr. Miranda, na Avenida da Liberdade,para que ele lhe [52] pusesse, como efetivamente pôs, outro aparelho,grande, desde os joelhos até ao estômago. Foi em maca num automóvelda Cruz Vermelha, o qual esperou que fosse posto o aparelho,transportando-a depois para casa. Conservou esse aparelho durante osmeses de janeiro e fevereiro. Entretanto a enferma por intermédio dasempregadas do hospital ia fornecendo ao médico informações acercado seu estado. Pela Páscoa mandou-lhe pedir que lhe fosse aplicar outroaparelho, porque ainda sentia dores. O médico disse-lhe que havia deficar sempre com dores e aconselhou-a a que comprasse o cabedalpreciso, pois ele se prontificava a fazer um aparelho, que ela devia usardurante toda a vida. Como o aparelho de gesso se tivesse partido e elasentisse poucas dores quando ele estava em bom estado, pediu ao médicoque substituisse aquele aparelho por outro também de gesso. O médicoacedeu. A doente foi, por isso para o hospital, onde esteve catorze diascertos. Entrou a doze de março e saiu a vinte e oito do mesmo mês,sexta-feira santa. Foi e veio num automóvel da Cruz Vermelha, ficandotrês meses de cama com o mesmo aparelho.

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602 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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Por ocasião da última aparição de Fátima, a treze de outubro de1917, sua irmã Lúcia Maria Ana dos Santos, de vinte anos de idade,que estava a passar o verão no lugar dos Carrascos, freguesia do Paço,concelho de Torres Novas, em casa de sua prima Amélia Estêvão, foicom várias pessoas de família àquela povoação da serra de Minde eassistiu aos fenómenos maravilhosos que ali se verificaram, pedindo como maior fervor e na maior aflição à Santíssima Virgem que se dignassecurar a irmã. A cura da irmã era a sua grande preocupação de todos osdias, de todas as horas, de todos os instantes. Era o seu mais ardentedesejo, a graça que mais ambicionava, o favor do Céu que suplicavacom mais vivo empenho e com maior constância. Já no dia treze do mêsanterior tinha ido a Fátima e implorado ardentemente essa graça. Antesdesse dia, ainda em setembro, tinha pedido a um [53] primo seu, JúlioNeto de Almeida que não se esquecesse de recomendar a sua intençãoàs pastorinhas privilegiadas de Fátima. A treze de outubro ela própriapediu às videntes o auxílio de suas orações e prometeu que a irmã iria àFátima agradecer a sua cura se Nossa Senhora se dignasse favorecê-lacom essa graça. Entretanto continuava a orar a Nossa Senhora da Fátima,alimentando a esperança de ver a irmã curada, apesar das graves crisespor que ela passava e de todos perderem as últimas esperanças desalvação.

UMA CURA EXTRAORDINÁRIA! DIZ O MÉDICO...

A enferma, quando passados três meses, em junho, se tirou o últimoaparelho, como a enfermeira se oferecesse para a levar ao colo até aobanho, recusou o oferecimento, dizendo que podia ir por seu pé. Ummês depois já andava sem se encostar a coisa alguma, embora comdificuldade. Foi depois para Fanhões, nas proximidades de Loures,regressando a Lisboa passados dois meses. Ali andava apoiada a umabengala, vindo de lá a caminhar bem. Antes de sair para Fanhões, foi aohospital.

O médico, ao vê-la, ficou estupefacto. Não queria crer que fosse amesma pessoa. Interpelou-a, dizendo “Ó rapariga és tu?! Parece ummilagre!”. E logo, como que considerando, acrescentou: “Um milagre,não uma cura extraordinária, um caso raro.” Depois observou-aatentamente e disse que a achava boa.

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������ ������� ��� �������� �� �������� ��� ���� ��� �  �������diziam assombradas, que a sua cura parecia um milagre.

As pessoas de sentimentos religiosos, que tinham conhecido o seulastimoso estado não alimentavam dúvidas a respeito do carátersobrenatural da sua cura...

[DCF, III-2 - Doc. 492]PEDI E RECEBEREIS

Por ocasião das duas operações a enferma recebeu os sacramentos.A irmã todos os dias ou quase todos os dias, sobretudo depois dosacontecimentos de Fátima, re-[54]zava o terço do rosário e oferecia-opela sua cura. A doente, por carta que a irmã escreveu dos Carrascos àmãe, quando da sua ida a Fátima, soube da promessa que ela tinha feitoe associara-se às suas intenções, mas conformando-se resignadamentecom a vontade de Deus e pedindo a Nossa Senhora que fizesse o quefosse melhor para a sua alma.

COMO ERA BOM CONTINUAR AQUI!...

São três horas menos um quarto.Estão presentes mais de mil pessoas.O movimento de vaivém é extraordinário. Entretanto tomo

conhecimento doutra cura. Maria José, de 50 anos, natural do lugar daMaxieira, freguesia de Fátima, casada com António do Rosário, começoua sofrer gravemente dos olhos no mês de julho findo. Turvava-se-lhe avista, vendo muito pouco. Tinha dores e prurido nos olhos. Prometeu,se melhorasse, ir de joelhos até junto da capela desde o ponto queprimeiro a avistasse. Sente-se efetivamente melhor, quase de todo curada.Veio por isso cumprir hoje a promessa.

Olho em torno de mim. O espetáculo é soberbo. A multidão parecearrancar-se com dificuldade deste lugar sagrado, a que ficam presos oscorações. Desfruta-se aqui uma alegria suave e santa, uma consolaçãoque não parece deste mundo. Respira-se o sobrenatural a largos tragos.

... MAS É PRECISO PARTIR!...

São horas de regressar. O meu relógio marca quatro horas. Partopara a igreja paroquial, que anda em reparações. Muitos peregrinosvão ali visitar Jesus Sacramentado e ver as obras. Os operários, quandoultimamente procediam à demolição de uma parte das paredes do altar-

Os episódios maravilhosos de Fátima

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604 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

¡¢£¤, descobriram uma estátua de Nossa Senhora com o Menino Jesusao colo, de tamanho natural e em perfeito estado de conservação. Adescoberta desta imagem causou sensação a toda a região e entre osperegrinos, tanto mais que tudo parece indicar que se trata de umaimagem de Nossa Senhora do Rosário.

[55]DE REGRESSO A CASA!...

Pelas estradas que percorro e que vão cheias de romeiros, deregressam a suas casas, vê-se o mesmo espetáculo da manhã, mas talvezainda mais impressionante. Ao perto e ao longe, não se ouve senão arecitação cadenciada do terço do rosário, ou o canto da ladainha daSantíssima Virgem, ou de Hinos populares em sua honra.

E quando, à noite, a sete léguas de Fátima, me dirigia, depois dejantar, para a estação de Paialvo, a fim de tomar o rápido de Lisboa,ainda pelas estradas se ouvia o Avé de Lourdes, cantado pelos peregrinosque, a pé ou a cavalo, suspiravam por chegar o mais depressa possívelaos seus lares distantes, onde nos serões de inverno à lareira, irão recontaraos que tinham ficado, as estupendas maravilhas da misteriosa Fátima.E com o poeta repetirão, cantando cheios de fé e confiança na AugustaPadroeira de Portugal, as formosas e inspiradas estrofes, cujos sons osmontes e vales da serra de Aire parecem repercutir ao longe:

Hoje...Mas hoje ainda é estrelaSanta Maria!... Ainda é Mãe!Veio ao condado de Nunodizê-lo em terras de Ourém!

Quando em Roma em culto alçavaDom Nuno a trono de luz,veio a Fátima a sorrir-nosa doce mãe de Jesus!

Veio dizer-nos, na brumada nossa tarde sombria,que ora do Céu por nós velamFrei Nuno e Santa Maria.

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¥¦§¨A MORTE DA PEQUENA JACINTA

Como prometêramos vamos agora dar aos leitores umas ligeiras notassobre o falecimento da pequena Jacinta, uma das videntes de Fátima, eseguidamente diremos também alguma coisa sobre as nossas impressõesdo dia treze de maio de 1920 que a inesperada proibição da autoridadeveio pôr em destaque, produzindo efeito contraproducente.

É crença geral entre o povo que toda a família das crianças, assimcomo também estas, estão condenadas a desaparecer dentro de poucotempo, e acrescenta-se que isso lhes teria sido anunciado pela Senhora.Qualquer que seja o fundamento desta crença, o certo é que o pequenoFrancisco, irmão da Jacinta, já faleceu; a Jacinta também, o pai de Lúciada mesma forma, e a mãe esteve há pouco tempo à morte, assim comotambém está muito mal uma irmã da Jacinta1.

Das três crianças apenas resta a Lúcia que era a que conversavacom a Senhora, segundo ela afirma.

A Jacinta, que era relativamente robusta, teve, como dissémos, apneumónica, donde lhe resultou uma pleurisia purulenta, seguida de outrascomplicações.

Tendo vindo a Fátima um distinto especialista da capital, e tendoobservado a pequena, empenhou-se em que ela fosse para Lisboa, afim de ver se, por meio de uma operação, era possível, ainda, salvá-la.

Buscou-se-lhe alojamento em casa de alguma pessoa abastada, masnada se conseguiu.

Foi então hospedar-se na pobre morada de uma modesta criatura,que a recebeu de bom grado, com grande contentamento da pequena,que tirada do seu meio provinciano, toda ela era acanhamento e confusão.

Para fazer a operação escolheu-se o hospital de D. Estefânia.Antes, porém, de a criança recolher ao hospital, disse ela que a

Senhora lhe havia novamente aparecido, asse-[58]gurando-lhe quemorria, e por isso a pequena achava que a operação era inútil.

Apesar disso, e muito embora ela teimasse que tudo era inútil, fez--se-lhe a operação que correu bem, muito embora sem êxito feliz, comose viu.

Quatro dias antes de morrer, como a criança tivesse grandes dores ese queixasse, dizia-lhe a criatura que a havia recolhido e que ela tratavapor madrinha, que suportasse com paciência as suas dores que issoseria muito agradável a Deus.

Na manhã do dia seguinte disse-lhe a Jacinta:

1 Faleceu ao princípio do mês de maio findo.

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606 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

© Olhe madrinha! Eu já não me queixo! Nossa Senhora tornou--me a aparecer, dizendo que em breve me viria buscar – e me tiravajá as dores!

E de facto, desde esse dia até que morreu, segundo se diz, não tornoua queixar-se nem deu mostras de sofrimento.

Sucedendo a madrinha passar ou sentar-se ao pé da cama, nãolonge do sítio em que a Jacinta disse ter visto a Senhora – exclamou:

– Tire-se daí, madrinha, que aí esteve a Senhora!...E a mesma preocupação se lhe apresentava quando alguma enfermeira

passava pelo mesmo sítio.Como fossem ao hospital algumas pessoas, imodestamente vestidas,

ou vê-la a ela, ou ver outros doentes, e algumas enfermeirasapresentassem certos exageros no traje, – dizia indicando essas pessoase referindo-se a determinados certos enfeites e decotes:

– Para que serve aquilo! Se soubessem o que é a eternidade!...– Falando de alguns médicos que ela julgava serem incrédulos –

lastimava-os dizendo:– Coitados, mal sabem eles o que os espera!Afirmava a vidente que Nossa Senhora lhe havia comunicado: que o

pecado que leva mais gente à perdição — era o pecado da carne,que era preciso deixarem-se de luxos, que não deviam obstinar-se nopecado como até aqui; que era preciso fazer muita penitência.

E parece que a Senhora ao dizer isto se mostrava muito consternada,– porque a pequena acrescentava:

[59] – Ai! Eu tenho muita pena de Nossa Senhora! Tenho muitapena!

Enquanto esteve em casa, antes de ir para o hospital, vivia emcompanhia doutra pequenita, – a quem ela recomendava muitas vezes –que fosse muito obediente, que não fosse preguiçosa e que nuncafaltasse à verdade.

Pouco antes de morrer – perguntando-lhe se queria tornar a ver amãe, respondeu: que a família dela durava pouco tempo e que embreve se encontrariam no céu.

Disse mais que Nossa Senhora – devia ainda aparecer outra vez,mas não a ela, porque com certeza morria segundo ela lhe disse.

Pediu licença para se confessar, muito embora se tivesse confessadoe comungado antes de entrar para o hospital.

Foi confessá-la – o rev.mo prior dos Anjos, Dr. Pereira dos Reis, masnão teve tempo de lhe dar a comunhão.

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ª«¬­®¯ °±­± ® ²®³°´¬±µ «® ¶´± · ¶¸ ¹¸vereiro, e morreu no dia 20.Depois de falecer, alguém aventou a ideia de a transportarem para a

terra de sua naturalidade e assim se fez, arranjando-se uma subcriçãopara esse fim.

Muitas das pessoas que a não tinham querido receber em sua casa,depois que a pequena morreu, já todas se mostravam solícitas em lheprestar homenagem, até talvez com um bocadinho de exagero, – o queprovocou alguns reparos justos dum ilustre sacerdote.

Esteve o cadáver da pequena na casa do despacho da igreja dosAnjos, aguardando a remoção para a estação e as necessáriasformalidades, saíndo depois com grande acompanhamento.

Alguém notou a coincidência de quando saíu o enterro, se achar naigreja o Dr. Domingos Pinto Coelho e algumas pessoas de família, quepor incidente ali haviam ido, e relacionou este facto com o célebre artigoescrito por sua exª em outubro de 1917 que, apesar de ortodoxo, motivoureparos de alguma gente que ferve em pouca água.

A pequena deixou dois segredos, para uma pessoa que se teminteressado por este assunto.

Em suma e em conclusão:Deus permita que a luz da verdade resplandeça sobre [60] este caso,

não só pelo que ele possa ter de miraculoso – como pelas consequênciasque daí possam resultar para a regeneração espiritual desta nossa queridapátria.

E entretanto, seja como for, vamos nós cumprindo a exortação oque a pequena atribui a Nossa Senhora – e que é, afinal, a doutrina daIgreja:

Façamos penitência! Evitemos o luxo e o pecado da carne! Nãonos obstinemos no pecado – para que não suceda como a alguns aquem a pequena se referiu, quando dizendo-lhe a madrinha que erapreciso orar por eles, ela respondeu:

– Pois sim madrinha, mas esses já não têm remédio![DCF, III-2 - Doc. 528]

O DIA TREZE DE MAIO DE 1920

º»¼½¾¿¼º

Cheguei no dia treze de maio último, de madrugada, a Vila Nova deOurém, debaixo de uma carga de água torrencial, entre o fuzilar dosrelâmpagos e o ribombar dos trovões.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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608 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÀÁÂÃÄÅ ÆÅÇÈÅÈÉÊÂÆËÌÅÍ ÎÌÏÏÂÅÁÌÆ ËÌÅÐÌÆÁÅÂÆ ÐÉÏÏÌÏÂÆÐÅÆ ÆÌËÏÉ ocaso de Fátima, dizendo-se que era inútil a viagem porque havia ordensterminantes para não deixar passar ninguém de Vila Nova de Ourém.

Por esse por motivo, muitos que tinham combinado vir comigo nãovieram, mas eu teimei e vim, quando mais não fosse, para ver o quehavia de verdade.

Ao mesmo tempo que eu, chegaram duas senhoras, uma nova ainda,elegante e formosa com uns grandes olhos cor de miosótis, filha de umantigo ministro da monarquia, e a outra de aparência distinta, já de certaidade, e que me consta ser aparentada com uma das famílias maisconhecidas da Beira, e nomeadamente da Guarda.

Coitadas! Debaixo daquela chuvada toda, que até fazia lembrar oversículo genesíaco:

– Et apertae sunt cataractae aquarum et fontes abyssi magni.Não se queixavam, tamanha era a sua fé e entusiasmo, e apenas aspreocupava a ideia de que as não deixariam chegar ao local dasaparições!...

[61] A ARCA DE NOÉ

A muito custo lá conseguimos chegar a uma estalagenzita que ficamesmo em frente da igreja e que dá pelo nome de Hospedaria da MariaJoana, e aí descansámos um pouco, num canapé tremelicante, até rompero dia, pois a respeito de quartos era coisa que não havia.

Manhãzinha cedo, mal luziu o buraco, sentimos um grande tropel decavalos.

Corremos à janela!Era um esquadrão de cavalaria da guarda republicana, que marchava

a todo o galope para a Fátima.– Então sempre seria verdade?Inquirimos da criada da locanda o que havia... que se dizia por lá...– A mesma incerteza ... Boatos!... Boatos!Que havia infantaria... cavalaria... metralhadoras... não sei que mais...Uma ofensiva em regra!– Mas porquê, Santo Deus?!...Ninguém sabia explicar!... dizia a mulherzinha.– Uma coisa já conseguiram eles:De Ourém não vai ninguém à Fátima. Estavam todos os carros

alugados a 40$000 cada um. Pois foram todos dispensados com grandezanga do alquilador que é republicano esturrado, e que não percebeporque razão se pode proibir a um cidadão pacífico de ir em passeioonde muito bem lhe apeteça!

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609

ÑÒTomar não vem ninguém pelos mesmos motivos!Em muitos concelhos, segundo dizem os respetivos administradores

do concelho, proibiram a saída dos veículos!!...Estávamos nesta conversa quando nos apareceu um rapazito da J.

C. de Lisboa, dono de uma tipografia para os lados de Belém, e daí anada o Dr. Dinis da Fonseca que dormira na hospedaria, pois tinha alivindo na véspera defender um réu numa audiência geral.

Peço informações. Também não sabem. Que até à Fá-[61]tima,parece que deixarão ir, daí por diante não... que ralha o Pai do Céu!...

Tinha levantado a chuva!...Desço abaixo à rua e começo a ver passar carros, carroças,

automóveis, camions, gente a pé, gente a cavalo, uma verdadeiraromaria!...

– Ah! mas então para que diacho serviu a proibição? Começo eu apensar...

Eu pensava que não encontraria ninguém e afinal vejo constantementepassar homens, mulheres e crianças... num verdadeiro corropio!...

É uma interminável fita de povo!

O HERODES DE OURÉM

Char à bancs enormes, puxados por machos guizalhantes,carregados de gente a rir pela estrada fora, a rir como perdida, da figurado administrador que eu vejo agora especado no meio da rua... depalhinhas, muito embaçado... com um sorrizinho amarelo a desfranzir-lhe as comissuras dos lábios... carroças engrinaldadas de flores eautomóveis trepidantes com rouquejar forte de sereias ou estridentesarreda dos auto-boxes, camions pesados e resfolegantes, com seustejadilhos amplos repletos de farnéis, e cortinas a dar... a dar!.., calechese landaus aristocráticos, modestas carripanas, mulheres e homens a pé,encharcados, enlameados, com os guarda-chuvas em funeral, escorrendoágua, mas satisfeitos, felizes, com cara presenteira, tudo isso desfiloudiante de mim como uma longa fita cinematográfica!...

Donde vinha tanta gente? De muita parte, mas sobretudo de TorresNovas, dizem.

Afinal passava-se!... De Ourém pelo menos!Mas que andaria o administrador com o seu palhinhas, e cirandar

dum lado para o outro?!...Nova fita?!... Quem sabe!...

Os episódios maravilhosos de Fátima

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610 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ÓÔ ÕÔÖ×ØÙ ÚÖÛÔØ× ÜÖÝÞ ßÙ×Ù àáâØãÙäåÙÚ ÙãØÚÚÙæPergunto a que horas é na matriz:Às 11!Demais a mais, num dia tão caro, eu desejaria receber Nosso Senhor.Deixo ir toda a gente e espero pela missa...

[63] A CAMINHO DE FÁTIMA

Depois de ouvir missa e comungar, almoço e sigo caminho de Fátima,subindo a íngreme ladeira que durante uns poucos de quilómetros serpeiapelos cabeços de Ourém, até lá.

O panorama é surpreendente.A terra cheia de verdura e empapada em água brilha à luz dum sol

envergonhado, fazendo negaça entre nuvens, ainda ameaçadoras de novasborrascas.

Por toda a parte à beira da estrada, casinhas rústicas afestoadas detoucar, numa profusão, como nunca vi.

Na parede que circunda um trigal ondeante estrelado de papoulas emalmequeres um rancho de petizes teve a delicada ideia de encher comflores campezinas todos os interstícios livres das pedras!

Vamos subindo sempre...O Castelo de Ourém, o Castelo do Santo Condestável, ergue para o

Céu o seu perfil artístico, coroando o cume da montanha em que assenta.Aqui são cabeços de mato encantadoramente boleados, arregoados

de vales, cheios de verdura onde serpeiam regatos fugitivos que a chuvada manhã tornara barrentos e apressados.

Passa veloz, vindo de cima um automóvel que deixa ver dum lado edoutro carabinas em leque, ameaçadoras...

É o administrador do concelho... e a sua escolta!...Não a veio fazer boa, diz um rapaz que nos segue em bicicleta,

pedalando...Há hora e meia já que vimos subindo...Fátima não está longe!...Entram de novo a cair pingas de água...Daí a pouco tempo entrávamos efetivamente no pequeno largo junto

à Igreja.Por toda a parte carros, carroças e automóveis parados. Uma grande

multidão de gente, alguns milhares de pessoas enchiam o largo e atulhavama igreja.

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611

çè éêëè ìí êîïðíìí ñèðòíî ìê ëóñíóïíðëí ê ôíõíöíðëí ìí ÷øíðìírepublicana, impedem de passar adiante.

[64] POR AQUI NÃO SE PASSA!

Faltam ainda uns três quilómetros para chegar ao local das aparições.Indago dos circunstantes, se não tem passado ninguém.Até ao meio-dia passou toda a gente, mas depois veio o administrador

do concelho e deu ordem em contrário.Pergunto ao comandante da força se não pode passar-se.

Delicadamente ele informou:– Até aqui tenho deixado passar, mas o administrador do concelho,

manda agora o contrário; tenho de cumprir as ordens.Retrocedo e venho para o pé da enorme multidão que dentro da

igreja e no alpendre, em volta, comenta o caso tristemente semcompreender como é que há perigo de ordem pública na Cova da Iria,e não há três quilómetros de distância, sendo a gente a mesma!...

É uma perfeita estupidez!...Muita gente não podendo seguir pela estrada precipita-se ainda

através dos campos, furtivamente, saltando muros, e lá consegue chegaraté ao local da aparição, dando-se por muito feliz de poder ajoelhar naterra molhada e recitar devotamente o terço.

Será isto que põe em risco o regime?!...[DCF, III-2 - Doc. 532]

ORAÇÃO, COMUNHÃO E PENITÊNCIA!

Dentro da igreja o Dr. Cruz faz piedosas práticas intercaladas com arecitação do terço e com cânticos religiosos.

Há muita gente ainda, que se confessa.Uma senhora ceguinha vinda de ao pé de Aveiro, com grande

sacrifício, caminha amparada ao ombro duma parenta, debaixo de umachuva impertinente que entra de novo a cair.

Não se lastima, antes pelo contrário, bem diz confiadamente a Deus,e encaminha-se para a Igreja.

Um indivíduo de barbas, que me dizem ser médico e muito idoso,explica a um grupo que o rodeia a razão providencial da proibição.

[65] Segundo lhe diziam, havia quem pretendesse começar a levarali músicas, fungágás, foguetes, etc.

Ora a Senhora não quer nada disso.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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612 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

ùúûüýþýÿAÿ� �ý�þû�úû���úüýþ��û�ýA�ý ú�ü�ÿý�ÿýü �ýü û�� û�û�ûe venerada em espírito, sem nenhuma dessas exibições espetaculosas ebarulhentas de arraial.

Oração comunhão e penitência.Isto e só isto, é o que ela quer!Fazendo a proibição as autoridades satisfazem inconscientemente os

desejos da Senhora!

CHUVA E PEIXE ESPADA

A chuva caía agora a potes outra vez...E todos procuravam refugiar-se ou debaixo dos carros, ou debaixo

do alpendre que na Igreja o apertão era já enorme.Nisto vejo eu a guarda republicana de espadas desembaínhadas

descarregando pranchada a torto e a direito nalguns pacíficos camponesesque de guarda chuva aberto olhavam melancolicamente para aquilo tudo...e que surpreendidos da agressão inesperada, desatavam a correr semsaber por que eram agredidos .

Alguém se dirige aos guardas a indagar do que se trata... Queixam--se de que um homem do povo, querendo passar à força e, como oimpedissem disso, os ameaçava, e daí aquele alvoroto em que pagava ojusto pelo pecador, como sucede quase sempre.

Explicado o caso e restabelecida a tranquilidade, converso com algunscamponeses a quem prudentemente aconselho que se abstenham depassar, visto que é mais meritória a obediência a ordens mesmo injustasdesde que não ofendam a nossa consciência do que a resistênciatemerária.

Um dos guardas republicanos, diz-me então num assomo desinceridade:

– Se o senhor soubesse o que me custa estar aqui!Cumpro ordens e cumpro-as à risca: mas creia que cá por dentro,

tudo isto me revolta!Eu sou religioso, senhor, e não compreendo que uti-[66] lidade haja

em estar a proibir essa pobre gente de ir rezar lá baixo!... Isto até dávontade de chorar!...

– Tenho uma irmã que foi à Senhora de Fátima, que lhe salvou avida!

E de facto, pela cara tisnada do pobre guarda que ali estava cumprindoordens, bem contra a sua vontade, deslizava vagarosamente uma gota

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613

d �� �� ��� � ������� ��� ���� d ��� � �� ������ � �borbotões do seu capuz de oleado porque a chuva continuava a caírteimosamente...

O FRUTO PROIBIDO

Volto, e ia dirigir-me a casa do prior cuja varanda à antiga portuguesafora também assaltada pelos que procuravam abrigar-se da chuva,quando vejo a minha companheira da manhã, franzina, delicada com osseus olhos azuis e cismadores, feita num pinto, chapinhando na lama,mas sempre alegre e despreocupada, como se estivesse confortavelmenteassentada nalgum tea elegante, bem abrigada e enroupada e não debaixodaquele dilúvio.

E mostra-me uma estampinha em gravura, da Senhora de Fátima...– Está ali! diz ela, e aponta-me a sacristia da Igreja!...E depois, baixinho, como que em segredo, rindo muito, com uma

pontazinha de malícia a iluminar-lhe os grandes olhos azuis como ofirmamento, acrescenta:

– E agora vou lá baixo!... Ensinem-me um atalho por onde se podeir!... Atravessa-se o campo!... Mas hei de ir!...

E lá abalou debaixo da chuva, encharcada até aos ossos, chapinhandona lama, mas sempre risonha, sempre feliz contente por ir lá baixo epregar assim uma pirraçasinha aos Herodes da governança!...

– Oh! as mulheres quando elas querem!...

[67] A FÉ DO CARVOEIRO!

Entrei na sacristia a ver o que é que estava ali.Era uma imagem da Senhora de Fátima lindíssima na verdade, que

um devoto mandara de propósito fazer.E porque a intolerância das autoridades a não deixava colocar no

nichozinho da Cova da Iria, por isso a pusera ali para que os fiéis,desfilando perante ela, a vissem e admirassem!...

E era de ver a devoção com que muita daquela pobre gente lherezava!

Eu não sei em verdade se no culto da gente humilde e ignorante,entrará um pouco de paganismo ou de superstição, que é inata ao coraçãodo homem, desde a queda no paraíso terreal, mas como é admirável deingenuidade e de simplicidade a forma como, por exemplo, esta gentereza o seu terço!

Era o célebre Pasteur que dizia de si próprio ter a fé de um bretão,mas que, se vivesse mais tempo viria a ter a fé duma bretã, ou comonós dizemos cá, a fé do carvoeiro!...

Os episódios maravilhosos de Fátima

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614 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

E �� ��� !� "�#�� $�%��&'( ' (')�&*'+*,',� ,'�,�"�-.�� /�/�+'&�� não são os mesmos que enchem as salas de Madame Brouillard e outrasbruxas mais ou menos célebres, que se deixam embair com duas cantigasdos Bernheim de pacotilha, que as nossas Universidades engendramcada ano e se prostram reverentes perante as colunas do Templo,cobertos de aventais e de triângulos com penduricalhos ridículos aopescoço, que deixam perder de vista as fitinhas azuis das filhas deMaria?!...

[69] É ESTÚPIDO!...

Mas a chuva continuava impertinente...O cocheiro advertia que a estrada não estava boa e era preciso voltar

mais cedo...Por isso, feitas as nossas devoções e as nossas despedidas até à

primeira!... voltámos caminho de Ourém para depois regressarmos acasa...

.................................................................................................................................................Na estação, antes de tomarmos o comboio, encontrámos inúmeras

pessoas de diversos pontos do país que regressavam às suas terras,como nós!...

Lá estava a ceguinha de Aveiro acompanhada por uma senhora doPorto, que apesar de terem estado ambas com os vestidos completamentemolhados e serem ambas doentes, nada tinham sofrido e conservavama mesma boa disposição. Lá estava um conhecido ourives de Lisboa, láestavam muitas outras pessoas da capital.

Não tornei a ver a minha companheira dos olhos azuis, queprovavelmente lá ficou a caminhar por montes e vales, até chegar aondequeria chegar!...

E um honrado comerciante, republicano ao que parece, cobria deenérgicas invetivas o administrador do concelho, porque tolhia oprogresso da terra e impedia o comércio de fazer o seu negócio!...

– É estúpido!... concluiu ele...– Imaginem vocês!... que esta proibição só aos alquiladores de Tomar,

Ourém e Torres Novas, deu mais de vinte contos de prejuízo!...

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[012 345367894

Mas perguntará o leitor: “Nossa Senhora apareceu realmente emFátima?”

Abstemo-nos adrede de formular o nosso juízo em assunto tãodelicado e melindroso.

Continuamos a manter-nos, como até aqui, em benévola expetativa.Os factos – uma parte deles apenas, e sem dúvida a menos importante,

– aí ficam narrados em toda a sua singeleza e com a mais escrupulosaimparcialidade.

Cada qual, seja crente ou descrente, tem o direito de pensar o quelhe aprouver acerca da origem e natureza desses sucessos tãoextraordinários. Entretanto ninguém de bom senso deixará por certo deachar justa a exclamação proferida por um ilustre advogado, que foitestemunha presencial das medidas arbitrárias e violentas adotadas pelaautoridade administrativa para impedir o acesso ao local das aparições:“Palavra de honra! Não acreditava, mas agora, desde que o governoproibe que se vá lá, começo a crer que Nossa Senhora apareceurealmente em Fátima!

[DCF, III-2 - Doc. 537]

[71] Nota. – Pede-se a todas as pessoas que tenham conhecimentode factos interessantes relativos às aparições de Fátima ou de curasextraordinárias atribuídas à intercessão e Nossa Senhora do Rosárioo favor de comunicarem todos os esclarecimentos possíveis em cartafechada ao Visconde de Montelo – “Empresa Véritas” – Guarda.

Os episódios maravilhosos de Fátima

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616 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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617

Índice Analítico

Índice analítico

Abelheira (Arouca) 453ABÓBORA, António dos Santos - ver

também SANTOS, António dos(pai de Lúcia) 48, 83, 442

ABREU, Adélio Fernando 2, 3, 25ABREU, Marques 212Ação Católica Portuguesa 8Acontecimentos de Fátima (Os) 17, 489Açores 23, 416, 470, 529, 536Administrador de Vila Nova de Ourém -

ver também LEITÃO, António deSousa 227

Administrador de Vila Nova de Ourém -ver também PAVILLON, Antóniode Sá 278

Administrador de Vila Nova de Ourém -ver também SANTOS, Artrur deOliveira 16, 17, 37, 42, 50, 55, 57,65, 90, 138, 175, 214, 215, 233, 261,293, 294, 295, 298, 303, 314, 318, 319,408, 432, 454, 457, 459, 460, 463, 464,556, 561, 568, 574, 575, 576, 611

África 168, 374, 375Água de cheiro (perfume) 47, 177Albergaria dos Doze (Pombal) 525Albergue de Nossa Senhora do Rosário

481Albergue dos doentes 555Albina (filha de António Ferreira Rosa)

33Alcanena 153Alcanhões (Santarém) 89, 100, 453Alcobaça 158, 166, 329, 553, 592Aldeia (Vila Nova de Ourém) 36, 176,

298Aldeia Central (Viseu) 130

Aldreu (Barcelos) 497Alemanha 23, 418, 421, 426, 471, 480,

490Alentejo 598ALEXANDRE, Joaquim Duarte 71Algarve 538Alhandra (Vila Franca de Xira) 553Alhos Vedros (Moita) 112Aljustrel (Fátima) 29, 33, 51, 61, 62, 64,

65, 74, 99, 103, 117, 171, 187, 192,291, 296, 301, 302, 307, 315, 428,433, 435, 444, 478, 570

ALMEIDA, António Pereira de 70ALMEIDA, Avelino de 15, 16, 72, 77,

113, 115, 487, 577ALMEIDA, Eugénio Ribeiro de 496ALMEIDA, Faustino Jacinto de 153ALMEIDA, Joaquim Martins da Cunha

e 126ALMEIDA, José Fernandes de 369,

512ALMEIDA, Miguel Porto-Carrero de

Souto Maior Vieir 156Almonda (O) 40ALONSO, Joaquín María 8Alqueidão da Serra (Porto de Mós) 12,

105, 107, 108, 109, 110, 131, 590,596

Alsácia 480Alter do Chão 112, 496ALVES, António dos Santos 48ALVES, José 291, 305ALVES, Manuel José 138Alvorge (Ansião) 80AMADO, António Vieira 108, 109AMADO, José Vieira 108

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618 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

AMADO, Maria 110Amélia de Jesus 231, 263, 316América 397, 512Amoreira (Fátima) 63, 187, 292ANAQUIM, Manuel 489ANDALUZ, Luísa 494Andores, andorzinhos 36, 47, 57, 120,

122, 176, 233ANDRADE, Dias 18, 283Angola 23, 374, 470, 529Angra do Heroísmo (Açores) 414Anjo, anjos 120, 122, 176ANJOS, Maria dos (irmã de Lúcia)

54, 301, 573ANJOS, Maria dos (mulher de Fran-

cisco Correia) 266ANJOS, Maria dos (mulher de Manuel

Henriques, filho) 65ANTÓNIO, Francisco 118António José 266ANTUNES, D. António 538Aparição, aparições 29, 31, 32, 34, 36,

38, 39, 43, 47, 49, 50, 55, 62, 63, 64,72, 73, 81, 84, 87, 89, 90, 99, 101,105, 113, 118, 119, 147, 150, 155,156, 157, 160, 171, 172, 175, 181,185, 199, 203, 211, 221, 224, 231,243, 249, 260, 261, 262, 301, 306,317, 330, 418, 419, 429, 431, 459,480, 495, 498, 567, 573

Aprender a ler 31, 57, 66, 82, 85, 174,232, 302, 317, 576

ARATA, Mons. Antonino 538Arcebispo de Bombaim - ver também

LIMA, D. Joaquim 538Arcebispo de Évora - ver também

SANTOS, D. Manuel 348, 481, 538,562

Arcebispo de Mitilene - ver tambémVIDAL, D. João Evangelista de

Lima 11, 88, 105, 131, 197, 199, 223,429, 451, 461

Arco de flores 120, 176ARCOVERDE, Joaquim 417ARENZ, Bety 450Arnal (Leiria) 166, 584ARNOU, René 528Arraiolos 598Asilo de Vilar (Porto) 18, 231, 315, 338,

452, 454, 462, 480, 503Assentiz (Torres Novas) 439Associação do Registo Civil 111, 112,

142, 145, 458ASSUNÇÃO, D. Rafael Maria 538ATAÍDE, Maria do Amparo de Lemos

Queirós Pinto 126Atouguia (Ourém) 174, 187, 309, 403Auditor da Nunciatura - ver também

ARATA, Mons. Antonino 538Áustria 426, 480Aveiro 88, 611, 614AVELAR, Maria da Assunção Ribeiro

de 226Avelãs (Aveiro) 71Avenire d’Italia 527Azinheira 33, 73, 74, 81, 99, 116, 129,

160, 169, 172, 183, 184, 232, 249,250, 261, 270, 292, 299, 304, 305,307, 308, 310, 311, 318, 319, 440,567, 576, 581

Baía (Brasil) 505Bairro (Ourém) 91Bajouca (Leiria) 71BALTAZAR, Tomás de Almeida 207BARACHO, José Dantas 214Barão de Alvaiázere (3º) - ver também

ALMEIDA, Miguel Porto Carrerode Souto Maior Vieira da Silva eVasconcelos de 156

BARBOSA, Joaquim 556

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619

BARON, Luis Marie 471Barral (Ponte da Barca) 453Barreiro 601BARRETO, Angelino de Sousa 414Barroca, Cernache (Coimbra) 136BARROS, Alexandre Faria de 357, 359,

524BARROSO, Etelvina da Conceição 496Basílica de Nossa Senhora do Rosário

30Basílica de Nossa Senhora do Rosário

de Fátima 29, 30BASTOS, António 113Batalha 65, 157, 172, 261, 263, 292, 296,

329, 423, 530, 531, 562, 568, 592,596

Batalha de Aljubarrota 531BATISTA, António Maria 215BATISTA, Emília Martins 497Baviera (Alemanha) 425Beira Alta 127Beja 414Belém (Lisboa) 163Bélgica 490BELO, D. António Mendes 88, 429, 451,

548Bento XIV 242Bento XV 480, 528BISLETI, Cardeal Gaetano 368Bispo Auxiliar da Guarda - ver também

MATOS, D. José de 538Bispo Coadjutor de Coimbra - ver

também ANTUNES, D. António538

Bispo Coadjutor de Lamego - vertambém SOUSA, D. Agostinho deJesus e 538

Bispo da Guarda - ver tambémMATOSO, D. José Alves 538, 566

Bispo de Angra - ver tambémGUIMARÃES, D. GuilhermeAugusto 538

Bispo de Braga - ver também MATOS,D. Manuel Vieir 538

Bispo de Bragança - ver também MAR-TINS JÚNIOR, D. António Bento538

Bispo de Coimbra - ver também SILVA,D. Manuel Luís da 136, 538

Bispo de Leiria - ver também SILVA, D.José Alves 9, 19, 24, 51, 220, 223,228, 237, 245, 246, 253, 315, 327,328, 329, 331, 334, 335, 336, 346,350, 353, 356, 368, 376, 385, 418,419, 420, 425, 440, 452, 460, 462,467, 472, 488, 500, 501, 511, 524,539, 551, 553, 554

Bispo de Leiria - ver tambémVENÂNCIO D. João Pereira 8

Bispo de Meliapor - ver tambémTEIXEIRA, D. António 366, 538

Bispo de Portalegre - ver tambémFRUTUOSO, D. Domingos Maria475

Bispo de Tarbes - ver tambémLAURENCE, Bertrand-Sévère 463

Bispo de Tuy - ver também GARCIA YGARCIA, D. Antonio 538

Bispo de Vila Real - ver também VIDAL,D. João Evangelista de Lima 538

Bispo de Viseu - ver também PINTO,D. José da Cruz 538

Bispo do Algarve - ver tambémFRANCO, D. Marcelino AntónioMaria 538

Bispo do Funchal - ver tambémRIBEIRO, D. António Carreira 538

Bispo do Porto - ver também LEÃO, D.António Barbosa 462

Bispo do Porto - ver tambémMEIRELES, D. António Augusto315, 538

Bitarães (Paredes) 453

Índice analítico

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620 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

BÍVAR, Artur 490BOAL, Manuel da Cunha 110Boavista (Leiria) 365Boleiros (Fátima) 210, 219, 3001, 307,

311, 312Bolonha (Itália) 422, 527Bonfim (Porto) 555Borla 56, 316, 534BORRALHO, António 311BORRALHO, Jacinto 311Bote von Fatima (revista) 418Boyer, Pe. 367Braços (Nossa Senhora) 81, 84Braga 16, 29, 71, 200, 351, 381, 409, 463Brasil 23, 340, 397, 417, 442, 505, 508,

510, 528, 529, 536BREYNER, Adelaide Braamcamp de

Melo 226, 484BREYNER, Eugénia de Melo 163BRITES, Sebastião da Costa 425BRITO, Benjamim Tiago Valente de 496BRITO, José Herculano da Costa 417Brotéria 538Bulletin du Rosaire Perpétuel 471

Cabeça (Nossa Senhora) 49, 53, 56, 68,85, 164, 296, 316, 429, 436, 567, 574

Cabelos (Nossa Senhora) 53, 164, 573Cabo Verde 470CABRAL, Luís Gonzaga 23, 505, 510Cadeia do terço 56, 67, 69, 575Caldas da Rainha 92, 93CÂMARA, Ana Maria da 163, 165CÂMARA, Emília 163CÂMARA, Emílio Infante da 158, 160CÂMARA, João Evangelista Gonçal-

ves Zarco da 163CÂMARA, José Infante da 158CAMOESAS, João 284Campolide (Lisboa) 508

CAMPOS, Maria Augusta Saraiva Vieirade 136, 197, 489

CAMPOS, Maria Luísa Tavares Airesde 160

CANDUZEIRO, Ângela do Amaral374, 375

Capela (das aparições) 11, 16, 57, 66,78, 79, 85, 97, 119, 129, 161,163, 177, 178, 179, 186, 195, 200,212, 216, 221, 228, 236, 237, 243,261, 270, 289, 304, 310, 320, 321,410, 416, 419, 440, 509, 544, 555,576, 590, 593

Capela (Nossa Senhora) 164Capela da Senhora de Fátima (Colégio

Português - R 537Capela do Colégio Português

22, 378, 411, 412Capelania do Santuário de Fátima 336Caranguejeira (Leiria) 590Cardeal Lambertini 242Cardeal Patriarca - ver também BELO,

D. António Mendes 88, 429, 451,548

Cardeal Patriarca - ver tambémCEREJEIRA, D. ManuelGonçalves 494, 538

CARDINALE, Mons. Beda 538Carlos (filho de Maria do Carmo) 166Carmelo de Braga 521Carmelo de Coimbra 29CARMO, Adriano da Conceição 556CARMO, Mendes do 566CARMONA, Óscar 482Carolina (filha de Maria dos Santos)

310Carrascos (Torres Novas) 301, 598, 603Carrasqueira 30, 31, 33, 36, 44, 47, 48,

52, 57, 62, 63, 78, 79, 83, 89, 91, 102,103, 123, 125, 132, 172, 173, 176,

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621Índice analítico

178, 185, 187, 188, 190, 191, 192,194, 232, 233, 234, 294, 317, 318,321, 483, 571

CARREIRA, Joana da Costa 107CARREIRA, João 32, 119, 308CARREIRA, Joaquim 22, 365, 369, 385,

387, 420, 424, 511, 514CARREIRA, Joaquina 108CARREIRA, Manuel 32, 119CARREIRA, Maria - ver também

SANTOS, Maria dos 119CARREIRA, Maria - ver também

SANTOS, Maria dos 32, 320Carreirancha (Porto de Mós) 596Carta Pastoral 24, 538, 539, 551CARVAJAL, Henrique 525CARVALHO, Ana (mulher de João Vieira

Gomes) 109CARVALHO, Ana de (mulher de

Domingos Correia) 110CARVALHO, Francisca 110CARVALHO, Francisca de 108CARVALHO, João 109CARVALHO, Joaquim Hermano Teixeira

de 496, 497CARVALHO, José de Oliveira 496CARVALHO, Manuel 109CARVALHO, Manuel Antunes 591CARVALHO, Manuel Pereira 117CARVALHO, Manuel Ribeiro de 106CARVALHO, Manuel Ribeiro de (filho)

106Casa Fânzeres (Braga) 200Casa Velha (Fátima) 33, 116, 117, 118Casaco (Nossa Senhora) 30, 31, 173Casal da Agreireira (Torres Novas) 267Casal da Fonte (Torres Novas) 439Casal Menino (Ourém) 29Castelo Branco 226, 250CASTELO BRANCO, Renato Abreu

414

Castelo de Ourém 610CASTRO, Aníbal de 163CASTRO, António Augusto de

277, 278, 314CASTRO, António Caetano Ferreira de

496CASTRO, D. Teotónio de 538CASTRO, José 454CASTRO, Júlia Machado Vieira de 226CASTRO, Zília Osório de 2Cavalgaduras 139Cemitério dos Prazeres (Lisboa) 208CENTENO, Maria da Nazaré Almeida

158Centro Católico Português 7CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves

411, 494Cernache (Coimbra) 136Céu 30, 33, 53, 56, 57, 58, 68, 72,

82, 90, 91, 98, 104, 119, 120,121, 122, 128, 162, 171, 172, 174,177, 179, 186, 187, 209, 210, 261,297, 300, 301, 306, 309, 316, 317,318, 341, 429, 430, 448, 451, 472,520, 536, 568, 572, 575, 576, 596,602

Céu (firmamento) 63, 74, 75, 91, 92, 127,133, 147, 149, 159, 232, 262, 295,298, 299, 317, 429

Chainça (Leiria) 194, 256, 257Chão de Maçãs (Tomar) 61, 72, 138,

141, 163, 207, 208, 276Charneca (Vilar dos Prazeres - Ourém)

126CHAVES, José Joubert 113Checoslováquia 23, 397, 426Chícharos 87, 117, 122, 317China 23, 470, 471, 529, 536CID, Sobral 265Civilttà Catolica 422

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622 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

COELHO, Domingos Pinto 449, 607COELHO, Henrique Trindade 402COELHO, Luís António 112COELHO, Pinto 598Coimbra 14, 40, 71, 136, 137, 138, 141,

147, 166, 365Colégio “António Vieira” (Brasil) 505Colégio das Doroteias (Roma) 512Colégio das Religiosas da Visitação de

Santa Maria 163Colégio de La Guardia (Espanha) 505Colegio de Santa Maria de Oya

(Pontevedra) 353Colégio de São Pedro de Alcântara

(Lisboa) 598Comissão Canónica 246, 291, 315, 428,

452, 462, 544Companhia de Jesus 365, 505Condeixa 71Condes de Campo Belo 528Confraria de Nossa Senhora do Rosário

461Consoladora dos Aflitos 592Constância 453CONSTÂNCIO, Leonor de Avelar e

Silva 14, 89, 100, 103Constantinopla 423Contas (do terço) 30, 56, 80, 164, 173,

179, 261, 297, 316, 429, 436, 568,572, 575

Convento de Cristo (Tomar) 562Convento dos Capuchinhos 416Coração de Maria 535Cordões dourados (Nossa Senhora)

31, 33, 56, 69, 173, 316, 574Corpo Expedicionário Português 76, 80CORREIA, Augusto 265CORREIA, Domingos 110CORREIA, Francisco 266, 596CORREIA, José Carreira 110

CORREIA, José de Almeida 137CORREIA, Maria Albina Cochofel da

Silva 160CORREIA, Maria dos Anjos 596CORREIA, Maria Gomes 109CORREIA, Serafim Alves 112Correio da Beira 126Correio de Coimbra 538Cortes (Leiria) 48COSTA, Jacinto da 366COSTA, Mário Pereira da 496COURINHA, Maria Prazeres Lucas 40COUTINHO, Vitor 3Cova da Iria (Fátima) 20, 24, 25, 33, 36,

48, 51, 52, 55, 57, 61, 62, 64, 66, 72,78, 88, 89, 90, 92, 99, 106, 126, 131,136, 146, 153, 174, 175, 176, 177,178, 179, 195, 198, 209, 211, 217,225, 227, 229, 231, 233, 243, 248,249, 252, 275, 278, 289, 292, 294,295, 296, 297, 298, 301, 302, 303,304, 305, 311, 312, 313, 315, 317,318, 320, 371, 372, 373, 387, 399,407, 408, 409, 410, 416, 425, 428,432, 433, 436, 440, 441, 442, 443,444, 450, 455, 459, 461, 480, 482,487, 491, 495, 498, 500, 501, 504,506, 507, 510, 546, 549, 570, 571,574, 575, 585, 590, 593, 611, 613

Cova de Santa Iria 228CRAVO, António 416CRAVO, Fernando 416Crianças 12, 14, 23, 58, 61, 62, 64, 89, 91,

92, 96, 97, 98, 99, 109, 110, 114, 115,128, 129, 132, 133, 134, 143, 147,149, 154, 157, 168, 171, 175, 181,197, 199, 248, 254, 255, 256, 261,262, 292, 294, 295, 297, 300, 301,303, 304, 306, 309, 311, 312, 407,429, 431, 432, 433, 436, 439, 447,

Page 625: Documentação Crítica de Fátima Seleção de documentos ... · ABREU, Adélio Fernando – Contextualização da Mundividência Subjacente aos Acontecimentos de Fátima. In PINHO,

623Índice analítico

499, 543, 544, 546, 547, 550, 567,568, 577, 581, 582

CRISPIM, Joaquim Pedro 267CRISTINO, Luciano Coelho 2, 8Croix (La) 471Cruz (do terço) 56, 67, 69, 429, 540, 544,

575CRUZ, Francisco Rodrigues da 611CUNHA, Cónego Dr. Manuel Alves da

538CUNHA, Guilherme Augusto Pereira

497CUNHA, Maria da 65CURADO, João Cortez da Silva 276Curas 121, 169, 170, 222, 223, 242, 250,

253, 262, 266, 273, 274, 292, 318,320, 362, 471, 494, 501, 509, 535,549, 561, 583, 587, 591

Defesa (A) 538DÉROULÈDE, Paul 75Deus 38, 55, 60, 71, 76, 90, 91, 92, 93, 94,

95, 114, 120, 129, 134, 161, 168, 199,221, 224, 240, 241, 248, 251, 252,269, 270, 272, 273, 296, 304, 312,323, 334, 337, 340, 341, 342, 344,345, 354, 356, 357, 359, 364, 371,372, 379, 385, 390, 393, 398, 405,423, 433, 435, 442, 444, 447, 448,449, 457, 459, 466, 468, 478, 511,513, 516, 520, 521, 525, 533, 539,540, 542, 545, 546, 547, 548, 549,550, 581, 587

DEUS, João de 111Devoção dos cinco primeiros sábados

19, 21, 324, 337, 338, 340, 343, 344,345, 350, 356, 357, 359, 381, 515,516, 522, 524

Diário das Sessões do Senado 281

Diário de Lisboa 538Diário de Notícias 237, 455, 456, 538DIAS, António de Oliveira 266, 597DIAS, D. José do Patrocínio 538DIAS, Maria Augusta 496Dinamitação 236DINIS, Júlio 265Diocese Albicastrense 250Diocese de Leiria 166, 171, 197, 222,

224, 315, 425, 544, 548Disco de prata fosca 115, 150, 154, 159,

582Diu (Índia) 536Domingo (O) 538DORES, Maria Lúcia das - ver também

Lúcia 358, 406, 469Doroteia Joana (mulher de Adriano de

Matos) 108Douro (rio) 388

Eclipse 75, 91, 92, 93, 151, 486, 580Ela (Nossa Senhora) 48, 50, 66, 68, 82,

97, 100, 173, 174, 175, 176, 179, 185,199, 231, 254, 261, 263, 273, 317,320, 390, 392, 394, 576

Eliseu 283Empresa Véritas 201, 259, 615Episódios Maravilhosos de Fátima (Os)

10, 17, 484, 487, 489, 566Época (A) 20, 328, 449, 460Esmolas 77, 97, 161, 176, 195, 199, 221,

309, 310, 327, 500, 546, 549Espanha 29, 381, 389, 471, 528ESPÍRITO SANTO, Maria do 594Espite (Ourém) 29, 88, 127, 310Estados Unidos 23, 529, 536Estarreja 453ESTÊVÃO, Amélia 602Estremoz 112, 453, 553, 562

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624 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Estrumeiras (terreno) 84, 116Estudos (revista) 538Europa 23, 388, 392Évora 414, 538FÂNZERES, Teixeira 212, 213FARIA, António Batista Leite de 496Faro 72, 538Fátima 13, 19, 2 1, 23, 25, 41, 70, 72,

73, 74, 77, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94,95, 96, 97, 103, 106, 108, 111, 113,114, 115, 126, 127, 132, 133, 134,135, 143, 145, 147, 148, 149, 150,152, 154, 157, 163, 169, 183, 208,215, 220, 221, 222, 223, 225, 226,227, 236, 239, 242, 245, 247, 248,251, 263, 264, 265, 266, 267, 268,269, 270, 274, 275, 276, 277, 278,279, 281, 282, 283, 284, 285, 287,293, 314, 323, 330, 331, 332, 333,347, 367, 386, 390, 395, 397, 410,418, 420, 428, 434, 445, 453, 456,458, 471, 487, 488, 498, 529, 548,549, 565, 570, 578, 579, 580, 581,582, 583, 584, 588, 592, 593, 594,595, 603, 605, 609, 615

Fatima-Ver lag (editora) 418FEIO, Maria 489Feira 496Fenómeno solar 12, 13, 14, 15, 16, 24,

248, 547, 577Fermentelos (Aveiro) 71FERNANDES, António Teixeira 2FERNANDES, Maria Emília 496FERREIRA, Agostinho Marques 229,

232, 233, 236, 244, 246, 272, 404,504

FERREIRA, Anastácio 307FERREIRA, Artur 414FERREIRA, Faustino José Jacinto 13,

88, 156, 225, 246, 272, 504

FERREIRA, Francisco José 265FERREIRA, Manuel Marques 11, 29,

31, 32, 36, 37, 39, 47, 78, 92, 126,166, 171, 181, 189, 191, 193, 194,198, 199, 399, 400, 429, 451, 454

FERREIRA, Maria da Luz 265Ferreira Nova (Figueira da Foz) 378FERRER, Francisco 143Festa (La) (revista) 527Figueira da Foz 182, 378FIGUEIREDO, António Maria de 191FIGUEIREDO, Fernando Pais de

201, 361, 566FISCHER, Luís 22, 23, 418, 421, 423,

425, 431, 490, 506, 511, 513FITIPALDI, Maria Francesca Aloisi 264Florença (Itália) 423Folha do Domingo 538FONSECA, Alberto Dinis da 225, 609FONSECA, José Tomás da 142FONSECA, Luís Gonzaga da 22, 23,

368, 385, 386, 388, 411, 414, 420,422, 511, 512, 513, 527, 528, 530,531, 533, 535, 553, 554

FONTE, Julieta 351FORMIGÃO, Manuel Nunes 10, 11, 12,

14, 16, 17, 18, 21, 23, 51, 61, 99, 126,146, 165, 182, 185, 200, 201, 202,203, 205, 206, 207, 209, 216, 218,222, 223, 224, 225, 226, 236, 237,244, 246, 253, 272, 289, 295, 300,307, 310, 313, 315, 322, 350, 352,356, 359, 449, 462, 504, 545

FORTES, Agostinho 142Foz do Douro (Porto) 505França 80, 99, 168, 283, 389, 397, 421,

471, 480, 490, 545Francisca Joana (mulher de Manuel

João Sénior) 108Francisco 11, 17, 18, 29, 33, 36, 42, 43,

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625Índice analítico

48, 49, 54, 56, 62, 64, 65, 68,72, 75, 80, 96, 98, 99, 103, 116, 119,122, 123, 124, 125, 127, 163,164, 171, 173, 174, 176, 180,181, 185, 197,198, 209, 231, 232, 233,260, 291, 292, 295, 296, 299, 300,307, 316, 317, 321, 428, 430, 433,439, 443, 444, 463, 498, 499, 534,543, 567, 572, 573, 574, 576

FRANCO, D. Marcelino António Maria519, 538

FRAZÃO, Manuel 266Freguesia de Fátima 17, 37, 61, 89, 92,

166, 190, 223, 227, 291, 311, 315,444, 585, 603

FREIRE, António de Abreu 497FREIRE, José 454FREITAS, Isabel Ribeiro de 555Freixianda (Ourém) 13, 153Frühvirt, Cardeal 511FRUTUOSO, D. Domingos Maria

475, 538Funchal 112, 414

Gado 49, 64, 86, 92, 114, 117, 118, 122,124, 209, 254, 292, 293, 295, 296,297, 298, 299, 303, 316, 317, 432,544, 581, 585

Galiza 381Garagnani, Pe. 527GARCIA, Luís Torquato de Freitas 508GARCIA Y GARCIA, D. Antonio 538GARRETT, Gonçalo Xavier de Almeida

14, 15, 146, 148, 149, 168, 170, 182,184, 226, 247, 250, 482

GARRETT, José Maria Proença deAlmeida 15, 148, 149, 152, 483, 485,577

GARRETT, Maria Joaquina ProençaAlmeida 149

GASPAR, Manuel 108, 267Gasparri, Cardeal 368, 480GENS, José Pereira 556Globo prateado 128GODINHO, Maria da Purificação

205, 206GÓIS, José M. 375GÓIS, Manuel do Carmo 379GOMES, João Vieira 109GOMES, Manuel Vieira 109GONÇALVES (família) 225GONÇALVES, José Bernardo 505, 510,

515, 516, 522, 524, 525GONÇALVES JÚNIOR, Manuel 62, 190,

191, 444, 483Governador Civil de Aveiro 289Governador Civil de Santarém 17, 214,

269, 277, 278, 314, 460Governador de Macau 538GRAÇA, J. J. da Silva 113GRAÇA, José Gomes de Matos 497Grandes Maravilhas de Fátima (As)

367, 421, 423, 431, 487Granja (Vila Nova de Gaia) 152Grécia 423GREGO, Amílcar Augusto 264GREGO, Maria Teresa Mautempo 264GREGO, Noémia da Conceição 264Gruta de Massabielle 588Guarda 201, 225, 259, 538, 566, 615Guarda (A) 16, 24, 201, 267, 538, 558,

583Guarda Nacional Republicana 277Guerra 3, 7, 12, 13, 14, 24, 30, 32, 45,

50, 66, 72, 76, 78, 82, 85, 92, 96, 100,101, 104, 121, 122, 129, 131, 153,161, 162, 169, 172, 174, 177, 178,234, 293, 303, 304, 430, 476, 477,479, 493, 503, 504, 528, 544

Guilhufe (Penafiel) 496

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626 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

GUIMARÃES, D. Guilherme Augusto538

GUIMARÃES, Joaquim Ferreira deAraújo 158

HENRIQUES, D. Afonso 437HENRIQUES JÚNIOR, Manuel 263HENRIQUES, Manuel (filho) 65HENRIQUES, Manuel (pai) 65Holanda 23, 421, 426, 471, 490Hospedaria Central de Maria Joana 276Hospitais Civis de Lisboa 290Hospital de D. Estefânia (Lisboa) 205,

207, 266, 269, 419, 447, 598, 599,600, 605

Hospital de S. João de Deus (Lisboa)598

Hospital de S. José (Lisboa) 256Hospital de Santa Marta 265Hotel Central 275Hotel Espada 276Hotel Lis 275Hotel Madeira 276Hotel Marques 275

Igreja (instituição) 4, 14, 25, 95, 97, 98,115, 155, 165, 199, 242, 245, 256,268, 273, 283, 285, 335, 453, 487,583, 587

Igreja da Estrela (Lisboa) 211Igreja de Fátima 221Igreja de Santa Cruz de Coimbra

279, 280Igreja de Santa Teresa do Menino

Jesus (Roma) 402Igreja de Santo André (Estremoz) 562Igreja de Santo Cristo dos Milagres

(Rio de Janeiro) 415

Igreja dos Anjos (Lisboa) 207, 449, 606,607

Igreja dos Carmelitas (Roma) 378Igreja Nova (Mafra) 497Igreja paroquial de Fátima 57, 84, 97,

161, 172, 181, 189, 194, 199, 211,221, 250, 275, 428, 567, 570

Ilustração Portuguesa 16, 113, 487, 577Ilustratie (De) 471, 490Imaculada Conceição 273, 406, 478, 522Imaculada Padroeira 478Imaculada Virgem Maria 566Imaculado Coração de Maria 19, 338,

340, 341, 343, 344, 350, 351, 352,353, 355, 356, 357, 359, 405, 515,516, 522, 523, 524, 526

Imagem de Nossa Senhora de Fátima16, 200, 212, 216, 217, 220, 348, 367,374, 378, 401, 402, 409, 415, 419,420, 460

Imagem de Nossa Senhora do Rosário250

Índia 23, 391, 470, 536Inferno 58, 176, 206, 209, 232, 576Inglaterra 397Instituto Bíblico (Roma) 22, 511, 527,

533, 553Instituto de Santa Doroteia 19, 29, 462Irlanda 397Irmã Dores - ver também Lúcia 524Irmãos Isidros 276Itália 23, 264, 389, 402, 420, 490, 528

Jacinta 12, 13, 17, 18, 29, 32, 33,42, 43, 48, 49, 53, 54, 56, 62, 64,65, 72, 75, 76, 80, 83, 85, 96, 98, 99,100, 101, 103, 116, 119, 123, 124,125, 127, 153, 171, 173, 174, 181,185, 186, 197, 202, 203, 205, 207,231, 233, 234, 260, 261, 291, 292,

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627

293, 294, 299, 300, 302, 307, 309,311, 316, 318, 319, 321, 419, 428,430, 433, 439, 443, 444, 447, 498,499, 503, 533, 543, 565, 567, 568,572, 573, 574, 587, 595, 605

JESUS, Carolina de (irmã de Lúcia)54, 117, 301, 520, 573

JESUS, Cristina de (mulher de JoséPereira Novo) 195

JESUS, Deolinda de (filha de José dasNeves) 102

JESUS, Florinda de (irmã de Franciscoe Jacinta) 80, 293

JESUS, Glória de (irmã de Lúcia)54, 520, 573

JESUS, Jacinta de - ver também Jacinta54, 571, 573

JESUS, Jacinta de (mulher de FranciscoAntónio) 118

JESUS, Jacinta de - ver também Jacinta52

JESUS, Joaquina de (mulher de JoséMaria Gomes Menitra) 107

JESUS, Josefina de (mulher de Manueldos Santos Rosa) 122

JESUS, Justina de (mulher de ManuelPereira) 116

JESUS, Leocádia de (mulher de Manuelde Oliveira) 63

JESUS, Maria de 597JESUS, Maria de (filha de Manuel

Pereira) 116JESUS, Maria de (irmã de Ana Maria da

Câmara) 163JESUS, Maria de (mãe de Manuel

Pereira Carvalho) 117JESUS, Maria de (mulher de João

Carvalho) 109JESUS, Maria de (mulher de José

Matias) 116

JESUS, Maria de (mulher de ManuelRibeiro de Carva 106

JESUS, Maria de - ver também MariaRosa (mãe de Lúcia) 171

JESUS, Quitéria de 264JESUS, Teresa de (irmã de António dos

Santos, pai 294JESUS, Teresa de (irmã de Lúcia)

54, 192, 193, 520, 573JESUS, Teresa de (madrinha de António

dos Santos) 65, 312JESUS, Teresa de (madrinha de Fran-

cisco) 209JESUS, Teresa de (mulher de António

da Silva) 80JESUS, Vitória de (mulher de Manuel

Ribeiro de Carvalho) 106João I, D. 531JOÃO SÉNIOR, Manuel 108Joaquina Amélia (irmã do pároco de

Fátima) 127JORGE, Miguel 378, 379Jornais Missionários 538Jornal da Beira 197Jornal de Macau 401Jornal Pequeno 366José (filho de Maria do Carmo) 166Jugoslávia 23, 426, 490Júlia 352Júlia (filha de Maria do Carmo) 166Juventude (A) 538Juventudes Católicas Portuguesas 7

Kalendarium Srca Isusova i Marijina490

Katholissche Kirchenblat-Korres-pondenz 450

Índice analítico

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628 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

La Guardia (Pontevedra) 353La Salette 61, 65, 82, 86LACERDA, José Ferreira de 12, 80, 99,

329LACERDA, Pedro Maria de 417Lamarosa (Torres Novas) 46LANDAL, Jaime 163Lapas (Torres Novas) 91LARANJEIRO, António Lopes 439Laura (prima de Lúcia) 521LAURENCE, Bertrand-Sévère 463LAURENCE, D. Bertrand-Severe 463Lazzarini, Pe. 528LE BON, Gustave 159LEÃO, D. António Barbosa 462Leão XIII 4, 5, 245LEÇA, Armando 414Legionário (O) 538Leiria 74, 99, 115, 137, 157, 166, 223,

239, 245, 252, 256, 263, 264, 266,275, 276, 323, 327, 328, 335, 369,378, 385, 482, 507, 557, 582, 594,596

LEITÃO, António de Sousa 227Lemnis 361LEMOS, Henrique de Queirós Pinto

Ataíde e 126Liceu de Santarém 223LIMA, D. Joaquim Rodrigues de 538Lisboa 16, 72, 88, 126, 158, 169, 191,

202, 206, 211, 218, 219, 226, 256,258, 263, 269, 270, 290, 321, 341,409, 419, 458, 496, 497, 539, 545,553, 600, 602, 604, 608, 609

LISBOA, Eurico 203, 204, 207, 208, 218,219, 225, 226, 237, 238, 556

Londres 388LOPES, Jacinto de Almeida 63, 187, 189,

483LOPES, José Pereira 439

LOPES JÚNIOR, António Teixeira 496LOPES, Manuel Pereira 231, 315, 322,

324, 462, 538LOPES, Maria Margarida Teixeira 496Lorena 480Loreto 271Lourdes 20, 61, 82, 86, 148, 163, 168,

224, 247, 271, 273, 283, 289, 330,331, 332, 338, 450, 467, 541, 545,596

Lourdes Portuguesa 21, 332, 346, 362,366, 450, 461, 470, 471, 475, 479,482, 488, 491, 494, 498, 502, 527

Loureira (Leiria) 264LOURENÇO, Aurélia do Patrocínio 263LOURENÇO, Joaquim 263Loures 602Lousada 496, 497Lubango (Angola) 23, 374, 375Lúcia 10, 11, 12, 13, 19, 23, 29, 31, 32, 33,

36, 42, 43, 47, 48, 53, 54, 62, 64, 65,72, 75, 76, 78, 80, 83, 96, 97, 98, 99,100, 103, 116, 121, 122, 124, 125,127, 153, 155, 161, 168, 171, 173,174, 176, 177, 180, 181, 185, 197,218, 219, 220, 231, 235, 248, 254,255, 260, 262, 293, 294, 295, 297,299, 306, 311, 337, 338, 343, 344,345, 350, 353, 356, 376, 405, 418,429, 431, 433, 440, 442, 447, 459,465, 479, 484, 499, 502, 505, 515,516, 520, 522, 534, 543, 544, 546,569, 571, 573, 574, 593

Lúcia de Jesus - ver também Lúcia 3,54, 315, 322, 437, 442, 445, 452, 454,462, 466, 467, 468, 493, 501, 533,567, 573

MAC-MAHON, Emília César de 158

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629

Macau 536MACEDO, António Vaz de 556Maceira (Leiria) 29, 166, 167, 197, 263,

584, 585, 587Machado, Mons. 528MACHADO, Paulo Gonçalves 71Madeira (ilha) 23, 470, 529, 536MADEIRA, António Tinoco 508Mãe (Nossa Senhora) 405Mãe Amorosíssima 335Mãe Celeste 252Mãe de Cristo 186Mãe de Deus 185, 268, 271, 334, 370,

391, 438, 471, 474, 480Mãe de Jesus 371Mãe de Misericórdia 273Mãe do Céu 216, 324, 325, 337, 338,

339, 359, 375, 541, 554Mãe Santíssima 70, 221, 337, 374, 393,

508Mafra 553MAGALHÃES, Arnaldo de 353, 365,

376, 378, 381, 385, 386MAGALHÃES, Maria Inocência Caldas

163MAGALHÃES, Maria José da Câmara

Faria Serpa 156, 160MAIA, Augusto de Sousa 356MAIA, Maria da Conceição 267MANSO, A. 366Manto (Nossa Senhora) 30, 31, 53, 56,

123,164, 173, 179, 234, 316, 572, 574Mãos (Nossa Senhora) 31, 53, 316, 321,

534, 573MARGALHAU, Joaquim Gonçalves

378, 379Maria (filha de José das Neves) 316Maria (filha de Maria do Carmo) 166Maria (Nossa Senhora) 393Maria - ver também Lúcia 517

Maria da Capelinha (CARREIRA, Mariaou SANTOS, Maria dos) 119

Maria da Conceição 596, 597Maria da Rosa (mulher de Joaquim Fran-

cisco Mira Júnior) 106Maria das Dores - ver também Lúcia 29Maria do Carmo (miraculada) 166, 167Maria do Carmo (mulher de Joaquim

dos Santos) 166, 197, 263, 584, 587Maria do Rosário (filha de Maria do

Carmo) 166Maria do Rosário (mulher de Manuel

Carvalho) 109Maria do Rosário (mulher de Manuel

das Neves) 117Maria dos Prazeres (mulher de Jacinto

de Almeida 63Maria dos Prazeres (mulher de Manuel

Gonçalves da 65Maria José 267, 603Maria Lúcia de Jesus - ver também

Lúcia 337, 339, 356, 360, 521Maria nela Famiglia (revista) 527Maria Rosa (mãe de Lúcia) 33, 51, 54,

83, 291, 301, 315, 337, 342, 443, 520,521, 573

Maria Santíssima 185, 267, 540, 550Maria Umbelina 267Maria Violante 158Maria Vitória (mulher de José das

Neves) 102, 117Maria Vitória (mulher de Manuel Ribeiro

de Carvalho) 106Marinha Grande 71MARQUES, Emília de Jesus 497MARQUES, Inácio António 254, 258MARQUES, Josefa 258MARQUES, Manuel Vicente 264Marrazes (Leiria) 378Marruas (Torres Novas) 593

Índice analítico

Page 632: Documentação Crítica de Fátima Seleção de documentos ... · ABREU, Adélio Fernando – Contextualização da Mundividência Subjacente aos Acontecimentos de Fátima. In PINHO,

630 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Martingança (Alcobaça) 561MARTINS JÚNIOR, D. António Bento

538MARTO, Francisco - ver também Fran-

cisco 3, 269, 428, 445, 499, 501,533, 595

MARTO, Jacinta - ver também Jacinta3, 69, 418, 428, 494, 499, 501, 565,595

MARTO, João dos Santos (irmão deFrancisco e Jacin 12, 80, 83, 116,124, 125, 176, 179, 233, 295, 296,299, 319

MARTO, José dos Santos (irmão deFrancisco e Jacinta) 80, 296

MARTO, Manuel Antunes 166, 167,197

MARTO, Manuel das Neves 117MARTO, Manuel dos Santos 48MARTO, Manuel Pedro (pai de Fran-

cisco e Jacinta) 29, 33, 80, 171,260, 291, 293, 294, 296, 298, 303,428, 444, 567, 571

MARTO, Olímpia de Jesus - ver tambémOlímpia de Jesus (mãe de Fran-cisco e Jacinta) 260, 428, 444, 567

MARTO, Teresa de Jesus (irmã de Fran-cisco e Jacinta) 80

Massabielle 596Mata (Torres Novas) 191Mata Mourisca (Pombal) 70, 71MATÉO, Benito 351, 514MATIAS, José 116, 118, 317MATIAS, Manuel Rodrigues 292Matin (Le) 479MATOS, Adriano de 108MATOS, Albina de 497MATOS, António de 108MATOS, D. José 538MATOS, D. Manuel Vieira de 538

MATOS, Júlio de 265MATOS, Maria do Céu 158MATOSO, D. José Alves 538, 566Maxieira (Fátima) 603Medeiros, Dr. 598Meia Via (Torres Novas) 15, 34Meias brancas (Nossa Senhora)

30, 31, 53, 123, 173MEIRELES, D. Augusto de Castro 538MELO, Gualdim António de Queirós e

158MELO, Higino Oto de Queirós e 158MENDEIROS, José Filipe 414MENDES, Augusto de Azevedo 265,

496, 556MENDES, Cândido 467MENDES, Carlos de Azevedo 12, 40,

46Mendiga (Porto de Mós) 99MENESES, Laura da Piedade Ramos

105MENESES, Luísa da Madre de Deus da

Cunha e 185MENESES, Maria do Carmo da Cruz 48Menino Jesus 12, 36, 50, 58, 78, 79, 81,

87, 9 4, 100, 102, 108, 120, 121, 122,123, 176, 177, 178, 179, 233, 295,310, 320, 321, 324, 325, 354, 430,576, 604

MENITRA, António Maria 107MENITRA, João Gomes 105, 107, 109,

110MENITRA, José Maria Gomes 107Mensageiro (O) 37, 80, 99, 457, 560Mensageiro árabe do Coração de Jesus

490Messagero del Cuore di Maria 527Milagre, milagres 11, 12, 1 3, 16, 32, 36,

50, 66, 72, 75, 7 6, 91, 92, 111, 113,115, 125, 129, 133, 134, 137, 138,

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631

140, 143, 144, 158, 161, 174, 176,182, 186, 192, 216, 227, 233, 241,250, 256, 257, 261, 273, 274, 281,282, 295, 304, 313, 320, 370, 372,393, 455, 465, 472, 484, 495, 535,542, 549, 576, 577, 581, 582, 602

Milagres (Leiria) 80, 99, 329Militares 78, 85, 100, 121, 122, 303, 321Ministro do Interior - ver também

SILVA, António Maria 214, 277,279, 280, 281, 456

MIRA, António dos Ramos 105, 106MIRA, António Francisco 105MIRA, Anzebino Francisco 106MIRA JÚNIOR, Joaquim Francisco 106Miraculosa nuvem de fumo (A)

247, 482MIRANDA, António Joaquim de Cam-

pos 338Miranda, Dr. 601MIRANDA, Maria Filomena Morais de

29, 338MIRANDA, Ramos de

18, 281, 283, 284MIRANDA, Sofia Emília Morais de 338Missão abreviada (livro) 64, 67, 86Missão do Muninho (Angola) 375Moçambique 23, 470, 505, 529Moita (Fátima) 32, 119, 174, 305, 320Moita do Martinho (Batalha) 65MONFORT, Beato Grignion de 276MONIZ, Egas 265Monjardim, Dr. 598Monte Real (Leiria) 70, 71, 80Monte Redondo (Leiria) 14, 70, 378Montelo (Fátima) 61, 63, 190, 225, 444MORA, Damas 256MOREIRA, J. M. 366, 367MOREIRA, Manuel Bento 403, 404Moreiras Grandes (Torres Novas)

439, 505Mostaya, Pe. 528MOTA, Emília 158MOTA, José António 266, 594MOTA, Maria do Espírito Santo 266MOTA, Pedro Sande Mexia Aires de

Campo Vieira da 160Mundo (O) 111Munique (Alemanha) 418Mussolini 368

Nação (A) 449NADAL, Emília 2Nápoles (Itália) 264Nazaré 329Nazaré (Israel) 394Nemo - ver também SOUSA, Fernando

de 328NETO, Ana Teresa dos Santos Silva 2NETO, António Lino 18, 237, 279, 280NETO, Júlio 602NEVES, António das 264Neves, Dr. 592NEVES, Francisco Brás das 13, 153NEVES, Joaquim Ferreira Gonçalves das

228, 244, 246, 255, 272, 504NEVES, José das 102, 117, 231, 264NEVES, Maria das (Maria do Rosário)

231NEVES, Maria José das 264NEVES, Maria Rosa das 305Nínive 588NOGUEIRA, Emanuel Fernandes 136Nossa Senhora 18, 35, 36, 37, 48, 55, 58,

62, 67, 70, 71, 78, 82, 84, 85, 86, 87,90, 91, 92, 94, 95, 100, 101, 102, 108,109, 110, 123, 124, 125, 128, 153,154, 155, 156, 163, 164, 165, 171,172, 177, 178, 179, 180, 185, 209,

Índice analítico

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632 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

211, 221, 224, 229, 233, 234, 251,252, 254, 256, 257, 264, 266, 268,269, 271, 272, 273, 274, 289, 292,293, 294, 295, 296, 297, 298, 302,303, 304, 307, 308, 309, 310, 311,312, 313, 333, 366, 376, 386, 406,409, 433, 443, 448, 449, 455, 494,495, 499, 511, 515, 533, 540, 545,548, 549, 556, 571, 572, 574, 591,592, 597, 598, 602, 603, 604, 606,615

Nossa Senhora da Azinheira 165, 169Nossa Senhora da Fátima 548Nossa Senhora da Ortiga 209, 305Nossa Senhora da Purificação 188Nossa Senhora das Dores 50, 101, 120,

176, 233, 234, 295, 303, 320, 321,430, 493

Nossa Senhora das Misericórdias(Ourém) 126

Nossa Senhora de Fátima 3, 9, 10, 21,22, 23, 24, 169, 220, 263, 264, 266,267, 274, 365, 367, 374, 375, 382,385, 387, 401, 411, 413, 416, 421,422, 470, 472, 475, 481, 494, 495,500, 513, 539, 548, 550, 552, 554,562, 602

Nossa Senhora de Lourdes 81, 84, 156Nossa Senhora de Monserrate 82, 86Nossa Senhora do Carmo 430, 493Nossa Senhora do Fetal 305Nossa Senhora do Rosário 32,

36, 49, 50, 57, 66, 70, 85, 120, 122,129, 164, 174, 176, 186, 226, 233,248, 263, 266, 295, 310, 320, 480,493, 575, 604

Nossa Senhora do Rosário de Fátima165, 221, 257, 262, 323, 375, 395,415, 416, 417, 474, 569

Nossa Senhora dos Mártires 499

Nosso Senhor 11, 36, 47, 78, 79, 101,102, 103, 104, 120, 121, 123, 176,177, 179, 233, 234, 239, 245, 295,300, 320, 321, 323, 324, 340, 344,350, 360, 381, 402, 406, 430, 516,522, 526, 539, 544, 550, 588, 610

Nosso Senhor Jesus Cristo 290Notícias de Beja 538Novidades 22, 361, 368, 388, 411, 415,

449, 475, 527, 533, 538, 562NOVO, José António 258NOVO, José Pereira 195, 197Novo Mensageiro do Coração de Jesus

5Núncio Apostolico - ver também

CARDINALE, Mons. Beda 538NUNES, Leopoldo 489NUNES, Manuel 414NUNES, Maria José dos Santos 497Nuvem de fumo 15, 148, 249, 308, 482,

483, 501Nuvem, nuvens 63, 70, 91, 92, 114, 115,

118, 127, 128, 133, 143, 147, 151,159, 188, 190, 194, 255, 544

Obra Apostólica e Reparadora deNossa Senhora do Rosário deFátima 494

Observatório da Tapada da Ajuda 487Oceânia 391Olímpia de Jesus (mãe de Francisco e

Jacinta) 29, 33, 52, 80, 122, 171,291, 296, 297, 298, 299, 304, 571

Olival (Ourém) 88, 177, 399, 461OLIVEIRA, Guterre de 556OLIVEIRA, Henrique Weiss de

289, 556OLIVEIRA, José Galamba de 18, 399,

403, 407OLIVEIRA, Luciana de 108

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633

OLIVEIRA, Manuel de 63OLIVEIRA, Maria da Encarnação Weiss

de 289OOM, Frederico 487Oração "Ó meu Jesus" 45, 58, 176, 193,

209, 220, 232, 318, 430, 543, 544,576

ORDAZ, Maria Piedade 433Ordem (A) 37, 135, 168, 197, 449, 454,

456, 538Ordem das Clarissas do Desagravo 205Orelhas (Nossa Senhora) 31, 53, 56, 316,

572, 573, 575Orfanato da Senhora dos Milagres

(Lisboa) 205Orte (Itália) 22, 385, 387Ortiga (Ourém) 399, 408Osservatore Romano (L') 21, 471, 518Ourém 29, 50, 73, 88, 155, 156, 225, 233,

244, 255, 263, 294, 318, 329, 403,465, 544, 561, 608, 610, 614

Ouriense (O) 37Outeiro do Murtal (Ourém) 263Ovar 496

Paço (Torres Novas) 40, 266, 594, 598,602

Padrão, Dr. 585, 592, 596Paialvo (Tomar) 604PAIS, Sidónio Bernardino Cardoso da

Silva 449, 478Pala (Marinha Grande) 71PAMPHILI, Giovani 414, 532, 537Parede (Cascais) 218PARREIRA, Maria de Jesus 108Partido Republicano Português 277PASTILHAS, Manuel 597Pastorinhos 13, 74, 75, 76, 89, 127, 128,

129, 137, 138, 139, 160, 168, 185,248, 249, 252, 262, 533, 568

PATACHO, Emília 556Patriarca das Indias - ver também

CASTRO, D. Teotónio de 538PAULA, Manuel António de

210, 219, 291, 311, 313Pavilhão dos doentes 481PAVILON, António de Sá 278Pé de Cão (Torres Novas) 212Pecadores 66, 120, 122, 164, 232, 330,

549Pedreiras (Porto de Mós) 292PEDRO, Domingos 110PEDRO, José Vieira 110Pedro, Pe. 416Pedrógão (Torres Novas) 32, 153, 174,

187, 192PENA, António Rodrigues 315, 322Penacova 312Penitência 71, 251, 541, 544, 550PENTEADO, Pedro 2Peregrinos 21, 77, 99, 262, 334, 378, 411,

422, 449, 460, 470, 500, 501, 569,589, 590, 603

PEREIRA, D. Nuno Álvares 604Pereira, Dr. 594PEREIRA, Joaquim Coelho 244, 246,

272, 504PEREIRA, Manuel 116PEREIRA, Manuel Joaquim 520PEREIRA, Manuel Justino - ver também

PEREIRA, Manuel 116PEREIRA, Maria Amélia de Jesus 521PEREIRA, Maria Rosa 439PEREIRA, Pe. 375Perulhal (Leiria) 263Perulheira (Batalha) 51, 301Pés (Nossa Senhora) 30, 33, 49, 85, 123,

127PESSOA, Fernando Wanzeler 497PINHO, Arnaldo de 3

Índice analítico

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634 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

PINHO, Soares de 556PINTO, António Ferreira 538PINTO, D. José da Cruz Moreira 538PINTO, Moura 478Pio IX 412Pio X 536Pio XI 21, 22, 361, 397, 401, 501, 537,

557PIRES, Júlio Martins 112PIZARRO, Gaspar 422Placa de prata fosca 75POÇAS, Adriano Carreira 266, 594POÇAS, Francisco Carreira 594POÇAS, Joana Carreira Rebelo 266, 594POÇAS, Laurentino Carreira 266, 594POÇAS, Manuel Carreira 175, 293Polónia 421Pombal 70Pombalinho (Ourém) 304Ponte da Barca 496Pontevedra (Espanha) 18, 29, 345Pontifício Colégio Português 21, 22,

24, 361, 363, 364, 365, 367, 378, 380,388, 412, 413, 423, 475, 490, 514,527, 528, 537

Portalegre 494Porto 18, 226, 454, 496, 555, 556Porto de Mós 12, 62, 99, 105, 266, 292,

329, 331, 561, 592Portugal 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 17, 22, 23,

25, 92, 95, 96, 114, 140, 148, 220,229, 275, 323, 386, 391, 392, 393,395, 396, 401, 436, 438, 441, 450,461, 466, 469, 470, 472, 473, 475,477, 478, 481, 482, 484, 488, 490,491, 492, 500, 501, 505, 546, 547,548, 552, 554, 558, 560, 569, 570,581, 604

Portugal (jornal) 449Povo 11, 14, 16, 31, 32, 36, 47, 50, 62, 63,

66, 67, 69, 73, 78, 89, 90, 91, 93, 94,95, 96, 100, 101, 102, 103, 105, 106,107, 112, 115, 120, 121, 123, 124,138, 139, 143, 149, 153, 155, 161, 164,175, 176, 177, 178, 188, 190, 192,194, 216, 217, 227, 232, 234, 243, 255,261, 285, 287, 292, 294, 295, 299, 302,304, 305, 308, 309, 311, 312, 313, 317,320, 321, 465, 483, 577, 582, 583,593, 595, 612

Póvoa de Santarém (Santarém) 453Póvoa de Varzim 453Prelado de Moçambique - ver também

ASSUNÇÃO, D. Rafael da 538Presidente da República 535Presidente do Ministério 279, 280PRESTES, Cecília Augusta Gouveia 496PRESUME, Delfina de Jesus 265PRESUME, Joaquina de Jesus 265PRESUME, Manuel Lopes 265PRETO, António da Luz 556Promotor da Fé 244, 254Provisão 239, 245, 504, 544

QUARESMA, João 244, 246, 272, 504QUEIRÓS, Maria José de Lemos 126,

197, 267Quinta Amarela (Porto) 376Quinta da Cardiga (Golegã) 180Quinta da Comenda (Santarém) 100Quinta da Cruz (Viseu) 126Quinta da Formigueira (Braga) 29

Rainha do Céu 61, 129, 185, 433, 443,474, 478, 488, 493, 547, 590

Rainha do Rosário 471Rainha do Santíssimo Rosário 186, 383Rainha dos Anjos 38, 186

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635

RAMOS, Maria 105RAMOS, Vicente 282RAPOSO, Maria de Jesus de Oriol Pena

146, 184RAPOSO, Maria de Jesus Oriolo Pena

180Recife (Brasil) 340Refúgio dos pecadores 472Reguengo do Fetal (Batalha) 99, 105,

106, 107, 195, 197, 263, 264, 266,301, 594

Reinado Social 370REIS, António de Oliveira 175, 225REIS, António dos 41REIS, Francisco da Silva 227REIS, Joaquim Pereira dos 295REIS JÚNIOR, José António dos 457REIS, Manuel da Silva 187REIS, Manuel Pereira dos 24, 207, 370,

373, 448, 606Reixida (Leiria) 48Relâmpago 30, 31, 32, 47, 48, 83,

87, 96, 118, 172, 173, 174, 175, 177,178, 231, 232, 233, 234, 260, 292,304, 306, 308, 316, 317, 318, 319,320, 321, 428, 429, 440, 452, 480,498, 534, 543, 544

Religiosas Reparadoras de NossaSenhora de Fátima 350

República 111, 227Restrejo, Pe. 367RETO, Margarida 351Revue des idées et des faits (La) 490Revue du Rosaire 22, 401, 420, 421, 423,

471, 490Revue Sociale (La) 471REZOLA, Maria Inácia 2Ribatejo 281Ribeira Branca (Torres Novas) 153Ribeira de Baixo (Porto de Mós) 496

RIBEIRO, Acácio da Silva 496RIBEIRO, António Carreira 65RIBEIRO, Bernardo Maria Coelho Vieira

496RIBEIRO, D. António Manuel Pereira

538RIBEIRO, Ermelinda Gomes 138, 139RIBEIRO, Francisco 65RIBEIRO, Rosa de Jesus 65RIBEIRO, Rosa Maria 496RINO, Capitolina Guimarães 158RINO, José Pereira da Silva 158Rio de Janeiro 365, 415, 416RITO, Faustino de Oliveira 264RITO, José de Oliveira 264RITO, Maria José 264ROCHA, José Soares da 414Roda de fogo 70, 103, 106, 107, 108,

109, 110, 146RODRIGUES, José Dias 266Roma 22, 23, 191, 283, 361, 363, 364,

365, 367, 368, 369, 378, 385, 387,388, 392, 395, 401, 412, 413, 423,424, 438, 475, 490, 511, 514, 536,553

Roménia 23, 426ROSA, António Ferreira 33, 52, 295, 296ROSA, António Vieira da 107ROSA, Domingos Vieira da 107ROSA, Ezequiel Vieira da 110ROSA, Francisco Vieira da 107ROSA, João Gomes 108ROSA, Joaquim Vieira da 12, 105, 106,

107, 108, 109, 110, 131, 430ROSA, José Ferreira da 33, 52, 80, 122ROSA, Manuel Ferreira 52, 122, 125,

296, 521ROSA, Maria da Silva Vieira da 108Rosário 54, 56, 66, 74, 98, 114, 140, 164,

169, 184, 212, 217, 234, 248, 260,

Índice analítico

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636 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

261, 276, 325, 335, 337, 338, 347,348, 351, 382, 384, 398, 413, 428,429, 430, 435, 452, 513, 522, 534,543, 544, 550, 567, 568, 570, 573,575, 576, 582, 586, 590, 603

Rosário (revista) 538ROSÁRIO, António do 603ROSÁRIO, Maria de Jesus do 484RUAH, Hassan Bento 72RUAH, Judah Bento 72RUAH, Sol Benshaia 72Rússia 19, 148, 397, 516, 520, 523, 524,

525

Sabacheira (Tomar) 29Sagrado Coração de Maria 19, 325Saia (Nossa Senhora) 30, 31, 33, 79, 83,

124, 173Sal Terrae 471, 475, 489Salvação dos enfermos 323SAMPAIO, Matilde Forjaz de 138Sanatório do Outão (Sintra) 599, 600Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

107, 110Santa Catarina da Serra (Leiria) 194, 244,

255, 257, 264, 305, 504Santa Comba Dão 126Santa Cruz (Coimbra) 71Santa Maria de Oya (Espanha) 376Santa Maria dos Mártires 437, 438Santana (Figueira da Foz) 378Santarém 51, 61, 100, 1 83, 203, 219, 223,

226, 253, 269, 270, 277, 281, 399,403, 408, 428, 439, 458, 484, 496,588

Santísimo Rosário (El) 471Santíssima Mãe 245, 350, 520Santíssima Mãe de Deus 274Santíssima Mãe do Céu 357

Santíssima Virgem 195, 220, 222, 267,268, 334, 339, 354, 374, 375, 418,419, 425, 426, 433, 438, 443, 493,499, 516, 522, 526, 550, 569, 590,597, 602, 604

Santíssima Virgem de Fátima 426Santíssimo Rosario (El) 490Santíssimo Sacramento 205, 210, 266,

386, 426, 446, 469, 491, 495, 513Santo André Cretense 393Santo António 49, 62, 68, 82, 216, 227,

292, 297, 317, 435Santo Condestável 530Santo Cristo dos Milagres 417Santo José 233, 234Santo Padre 19, 363, 364, 365, 401, 523Santo Rosário 221Santo Tirso 338SANTOS, Albino Domingues dos 496SANTOS, Amélia Júlia dos 266, 598SANTOS, António dos 29, 310SANTOS, António dos (pai de Lúcia)

54, 65, 171, 260, 294, 301, 315, 428,442, 567, 573

SANTOS, António Lalanda dos 433SANTOS, Artur de Oliveira 37, 175, 214,

215, 232, 314, 399SANTOS, Carlos Alberto dos 266, 598SANTOS, D. Manuel Mendes da

Conceição 348, 351, 481, 538SANTOS, Eduardo dos 300SANTOS, Gilberto Fernandes dos 16,

200, 212, 216, 217, 220, 222, 409,410, 489

SANTOS, Joaquim dos 110, 166, 584SANTOS, Lúcia de Jesus - ver também

Lúcia 341, 344, 353, 476SANTOS, Lúcia dos - ver também Lúcia

215SANTOS, Lúcia Maria Ana dos 602

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637

SANTOS, Manuel dos (irmão de Lúcia)54, 573

SANTOS, Manuel Marques dos 244,246, 272, 276, 295, 300, 307, 310,313, 315, 322, 349, 366, 368, 378,379, 399, 462, 489, 504, 553

SANTOS, Maria dos - ver tambémCARREIRA, Maria 32, 291, 307,320

SANTOS, Maria Lúcia de Jesus - vertambém Lúcia 326

SANTOS, Maria Manuel dos 266, 598SANTOS, Maria Rosa dos - ver também

Maria Rosa (mãe de Lúcia) 260,428, 442, 567

SANTOS, Romano dos 107Santuário de Fátima 119, 156, 158, 557Santuário de Massabielle 471Santuário de Nossa Senhora de Fátima

471Santuário de Nossa Senhora de Lourdes

471Santuário de Santiago de Compostela

425Santuarios Catolicos (Los) 471, 490São Bartolomeu 129São Bernardo 139, 185São Domingos 98São Francisco Xavier 146São José 11, 12, 36, 47, 50, 58, 70, 78, 79,

81, 87, 94, 100, 102, 103, 120, 121,122, 123, 161, 176, 177, 178, 179,295, 310, 320, 321, 430, 550, 576

SÃO JOSÉ, Maria de 110São Leonardo de Porto Maurício

479, 502São Mamede (Batalha) 51, 65São Mamede de Infesta 553São Martinho da Arada (Ovar) 496SÃO NICOLAU, Henrique de Queirós

Pinto de Ataíde de 126

São Paulo 323São Pedro 396São Pedro de Muel 426São Salvador (Viseu) 126São Sebastião do Rio de Janeiro 417São Simão de Litém (Pombal) 29São Tomé e Príncipe 293, 470Sapatos (Nossa Senhora) 33Saúde dos Enfermos 592Scapineli, Cardeal 511Schildwache (Die) 471, 490Sé Catedral da Guarda 70Sé de Leiria 399Século (O) 15, 34, 72, 94, 113, 456, 487,

538, 581Segredo 49, 57, 68, 69, 101, 121, 123,

161, 175, 180, 233, 254, 261, 293,297, 300, 306, 309, 318, 319, 354,430, 459, 464, 544, 568, 575, 576,596

Seiça (Ourém) 153, 336Seminário de Coimbra 378Seminário de Leiria 365, 387, 462, 504Seminário de Santarém 113, 191, 222,

223, 439, 504, 545Senado 237, 281Senhor dos Passos 391Senhor Santo Cristo dos Milagres 416Senhora (Nossa Senhora) 12, 31, 32,

43, 44, 48, 53, 54, 57, 58, 63, 64, 66,67, 68, 72, 75, 78, 80, 81, 82, 83, 84,86, 87, 90, 91, 92, 93, 96, 97, 98, 100,101, 103, 104, 114, 118, 119, 120,121, 122, 123, 124, 125, 127, 128,138, 147, 155, 168, 172, 173, 174,175, 176, 177, 178, 179, 180, 198,231, 232, 233, 234, 248, 249, 254,255, 292, 293, 296, 297, 299, 307,312, 316, 317, 318, 320, 321, 322,389, 430, 435, 440, 447, 465, 476,480, 503, 544, 546, 550, 572, 574,576, 581, 606, 611

Índice analítico

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638 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Senhora da Azinheira 169Senhora da Carrasqueira 93Senhora da Paz 44Senhora das Dores 102, 103Senhora de Fátima 169, 349, 375, 408,

409, 412, 425, 467, 509, 512, 513,528, 536, 537, 612, 613

Senhora de Lourdes 161Senhora do Carmo 102, 103Senhora do Céu 81Senhora do Rosário 11, 17, 36, 47,

57, 78, 81, 84, 85, 92, 94, 96, 97,120, 122, 161, 169, 176, 177, 178,234, 248, 250, 262, 304, 321, 322,347, 386, 407, 430, 531, 544, 569,570, 576

Senhora do Rosário de Fátima 309,389, 392, 424, 511

Sernache do Bonjardim 158Serra de Aire 34, 51, 89, 254, 260, 266,

428, 434, 436, 467, 498, 527, 530Serra de Minde 567, 570, 584, 596, 602SERRA, João Maria Lúcio 132, 135SERRA, Maria Elisa da Cunha 132Servitas de Nossa Senhora de Fátima

40, 338, 507, 556Servos de Nossa Senhora do Rosário

de Fátima 323Sesmarias (Marrazes) 378Setúbal 599, 600SILVA, Adelino Pereira da 496SILVA, Amélia da 496SILVA, António da 80, 294SILVA, António Joaquim Ferreira da

182SILVA, António Maria da 280, 460SILVA, Arnaldo Duarte da 497SILVA, D. José Alves Correia da 3, 9,

20, 21, 23, 24, 29, 51, 220, 223, 228,229, 237, 245, 246, 272, 323, 327,

328, 330, 335, 336, 346, 348, 350,351, 353, 356, 357, 359, 376, 378,381, 382, 399, 401, 418, 419, 420,425, 452, 460, 462, 467, 481, 500,504, 511, 524, 539, 551, 557

SILVA, D. Manuel Luís Coelho da136, 538

SILVA, Francisco da 400SILVA, Francisco Maria da 414SILVA, João Torrado da 497SILVA, Joaquim Aparício da 340SILVA, José António da 407, 410SILVA, José Aparício da 18, 19, 340,

344, 353, 355, 356, 357, 359, 376,377, 381, 405, 524

SILVA, Laura de Avelar e 100SILVA, Ludovina da 340SILVA, Luís de Andrade e 13, 141, 154,

155SILVA, Manuel Gonçalves da 65SILVA, Manuel Pereira da 14, 70, 71,

244, 246, 369, 374, 378, 379SILVA, Maria Cândida de Avelar e 100SILVA, Maria da 110SILVA, Maria da (mulher de Domingos

Vieira da Rosa 107SILVA, Maria da (mulher do José

Carreira Correia) 110SILVA, Maria de Avelar e 100SILVA, Maria Luísa Schwalbach Ribeiro

da 158SOARES, Ana 107SOARES JÚNIOR, António do Couto

496SOARES, Maria Pereira 496Sol 14, 15, 63, 67, 70, 72, 73, 75, 76, 77,

79, 81, 84, 85, 87, 90, 91, 92, 93, 94,95, 100, 101, 102, 103, 106, 107, 108,109, 110, 114, 121, 123, 130, 133,140, 143, 146, 147, 149, 150, 151,

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639Índice analítico

152, 154, 155, 160, 161, 162, 164,186, 188, 189, 190, 191, 248, 255,256, 262, 282, 289, 295, 298, 305,310, 313, 321, 485, 544, 547, 569,578, 579, 580, 581

Soldados 50, 82, 85, 100, 101, 129, 162,164, 438

SOUBIROUS, Bernadette 163, 168, 463,466, 499, 545, 596

Soudos (Torres Novas) 40, 45SOUSA, D. Agostinho de Jesus e 538SOUSA, Fernando de 328SOUSA, Manuel de 336Souto de Cima (Leiria) 365Stella Matutina 422, 423, 490, 527Suíça 423

TAROUCA, Silva 528TAVARES, Aurora da Silva 496TEDIM, José Ferreira 367, 378, 411, 475TEIXEIRA, D. António Maria 538Tejo (rio) 388, 599Teodósio, Pe. 366Terço 11, 31, 32, 43, 44, 47, 48, 49, 50, 54,

56, 63, 67, 70, 73, 78, 82, 85, 87, 92,93, 96, 98, 99, 114, 118, 122, 139,155, 164, 172, 173, 174, 178, 187,188, 190, 192, 193, 195, 209, 212,228, 234, 254, 255, 256, 257, 261,266, 293, 296, 298, 302, 309, 311,316, 317, 318, 319, 320, 321, 428,430, 432, 433, 470, 478, 516, 522, 533, 550, 567, 568, 570, 573, 574,582, 603, 611

Teresa (filha de José Matias) 116Tipografia França Amado 136Tomar 51, 265, 266, 329, 330, 609, 614Torre (Batalha) 195, 197Torres Novas 12, 15, 34, 40, 51,

74, 75, 91, 93, 94, 126, 127, 129, 132,146, 157, 191, 212, 220, 222, 263,264, 265, 266, 267, 275, 276, 305,307, 400, 403, 407, 408, 409, 410,439, 458, 460, 496, 505, 570, 594,598, 602, 614

Tortosendo (Covilhã) 163TOURNEBISE, G. 490Trabalho e União 112Traje (Nossa Senhora) 31, 59, 121Treixedo (Santa Comba Dão) 126Trovoada 83, 96, 118, 316Tuy (Espanha) 18, 29, 353, 376, 381,

405, 466

União Católica 7União Nacional 538Universidade de Bamberg (Alemanha)

418, 425, 490, 506Universidade de Coimbra 6, 137, 154,

156, 249, 483Universidade do Porto 182, 249, 483Universidade Gregoriana 21, 22, 363,

397, 399, 490

VALA, José Rodrigues 496Valadares (Monção) 138Vale da Iria 457Vale de Figueira (Santarém) 158Vale de Josafá 127Vale de Ourém (Batalha) 195VALE, José do 408Valente, Dr. 420Valinho (Fátima) 176, 179, 198, 233Valinhos (Fátima) 36, 49, 5 5, 92, 101,

120, 122, 124, 125, 262, 295, 299,304, 407, 430, 435, 569, 574

Van Laak , Pe. 367

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640 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

Vargos (Torres Novas) 266, 594VASCONCELOS, Celestino José

Miguéis de 111VASCONCELOS, Clotilde do Rego

Brandão da Fonseca Magalhãesda Câmara e 156

VASCONCELOS, João Maria Amado deMelo Ramalho da Cunha e 76, 95

VASCONCELOS, Luís António Vieira deMagalhães e 13, 156, 162, 202, 225

VASCONCELOS, Maria Celeste daCâmara e 156, 160

Vaticano 21, 480, 528VENÂNCIO, D. João Pereira 8VENÂNCIO, João Pereira 22, 378, 380,

386, 401, 402, 421Verdade (A) 112Vestido (Nossa Senhora) 53, 56, 59, 66,

69, 78, 80, 81, 83, 84, 87, 117, 121,234, 260, 301, 316, 429, 435, 544,567, 572, 574

VICENTE, Joaquim Inácio 194VIDAL, D. João Evangelista de Lima

11, 12, 88, 131, 199, 429, 430, 451,538

Vidal, Pe. 528Videntes 11, 12, 37, 40, 99, 158, 223,

261, 270, 434, 444, 478, 497, 501,546, 565, 588, 605

Vie Social (La) 490VIEIRA, Afonso Lopes 426VIEIRA, Anastácio 65VIEIRA, Armando 334VIEIRA, Augusto José 111Vieira de Leiria (Leiria) 80VIEIRA, Joaquim 263VIEIRA, Maria Elisa Cruz 351Vigário Capitular de Angola - ver

também CUNHA, Cónego Dr.Manuel Alves 538

Vigário de Ourém - ver tambémFERREIRA, Faustino José Jacinto12, 13, 88, 105, 272, 461

Vigário de Porto de Mós - ver tambémROSA, Joaquim Vieira da 12, 13,105, 131, 429, 430, 451

Vigário de Torres Novas - ver tambémREIS, António 41, 42, 45, 175, 225

Vigario Geral da Diocese de Leiria - vertambém QUARESMA, João 272

Vila de Rei 267Vila Nova de Ourém 13, 17, 38, 51, 55,

61, 72, 90, 112, 125, 137, 138, 140,141, 154, 155, 156, 162, 175, 176,187, 207, 227, 233, 261, 270, 275,276, 279, 281, 294, 309, 315, 318,321, 399, 407, 408, 428, 454, 457,458, 460, 463, 464, 568, 570, 574,585, 588, 589, 596, 607, 608

Vila Real 88Vila Viçosa 490Vilar (Cadaval) 496Vilar dos Prazeres (Ourém) 126VILELA, Francisco 556Virgem 63, 72, 74, 75, 76, 90, 91, 99, 144,

149, 160, 161, 169, 254, 256, 257,274, 275, 283, 330, 332, 349, 364,373, 374, 395, 398, 440, 456, 457,466, 491, 531, 532, 554, 555, 574,577, 593, 595

Virgem da Conceição 168, 247Virgem de Fátima 250, 364, 393, 470Virgem de La Salette 156Virgem do Rosário 168, 169, 328, 334,

389, 390, 392, 395, 436, 587Virgem do Rosário de Fátima 363, 383Virgem dos Céus 195Virgem Imaculada 186, 335Virgem Imaculada de Lourdes 274Virgem Mãe 38, 143, 389

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641Índice analítico

Virgem Mãe do Céu 245Virgem Maria 72, 114, 438, 581Virgem Nossa Senhora 162Virgem Santíssima 176, 199, 243, 269,

273, 323, 382, 438, 445, 478, 479,488, 489, 500, 502, 547, 548, 570,585, 595

Virgem Santíssima de Fátima 374Virgem Santíssima do Rosário de Fátima

395Virgem Senhora 330Virgem Senhora do Rosário 536Virgínía de Jesus (prima de Lúcia) 80Visconde de Montelo 10, 259, 431, 489,

615Visconde de Rio-Torto - ver também

ALMEIDA, Joaquim Martins daCunha e 126

Viscondessa da Pesqueira 538Viseu 126, 130, 137, 151, 267, 580VITÓRIA, José Anastácio 116Voz (A) 449, 538, 552Voz da Fátima 20, 23, 246, 374, 385, 405,

420, 430, 461, 472, 474, 488, 489,496

Voz de Fátima (A) 20, 251, 253Voz de Santo António (A) 5Voz do Pastor (A) 538Vulto 12, 101, 116, 117, 119, 310

Zapelena, Pe. 367Zénite 75, 115, 146, 149, 429, 488, 577,

582Zibreira (Torres Novas) 153

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642 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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643

Índice cronológico e tipológico

L:;:<=>?

N - Número do documento

T - Tipo do documento

- C- Carta

- L - Livro ou opúsculo

- M - Memória

- N - Nota ou apontamento

- O - Documento de carácter oficial

- P - Publicação periódica

- T - Testemunho

Rem/Aut/Tít - Rementente/Autor/Título

Dest/Publ/Ass - Destinatário/Publicação/Assunto

Índice cronológico e tipológico

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644 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

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@ I 1917-05-c27 Manuel M. Ferreira Lúcia 29

2 P 1917-05-p14 Manuel M. Ferreira Lúcia 31

3 I 191707-14 Manuel M. Ferreira Lúca 32

4 P 1917-07-23 Uma embaixada celestial Século (O) 34

5 I 1917-08-21 Manuel M. Ferreira Lúcia 36

6 C 1917-08-25 Manuel M. Ferreira Ouriense (O) 37

7 C 1917-09-08 Carlos A. Mendes Maria P. L. Courinha 40

8 I 1917-09-15 Manuel M. Ferreira Lúcia 47

9 T 1917-09-p17 António S. Alves 48

10 I 1917-09-27 Dr. Fomigão Videntes e a Mª Rosa 51

11 I 1917-10-p.11 Dr. Formigão Redação literária 61

12 C 1917-10-13 Manuel P. Silva António P. Almeida 70

13 P 1917-10-15 Como o sol bailou... Século (O) 72

14 I 1917-10-16 Manuel M. Ferreira Lúcia 78

15 I 1917-10-19 José F. Lacerda Videntes 80

16 O 1917-10-19 D. João E. L. Vidal Faustino J. J. Ferreira 88

17 T 1917-10-p.19 Leonor A. S. Constâncio 89

18 I 1917-10-p.19 Dr. Formigão Redação literária 99

19 T 1917-10-25 Vários 105

20 P 1917-10-26 Livre Pensamento Mundo (O) 111

21 P 1917-10-29 O milagre de Fátima Ilustração Portuguesa 113

22 I 1917-11-02 Dr. Formigão Videntes 116

23 P 1917-11-10 Fátima Correio da Beira 126

24 O 1917-11-11 Joaquim V. Rosa D. João E. L. Vidal 131

25 T 1917-11-13 João M. L. Serra 132

26 T 1917-11-p23 Mª Augusta Campos 136

27 P 1917-12-02 Aos liberais Portugueses Folha Panfletária 142

28 C 1917-12-03 Gonçalo X. Alm. Garrett Dr. Formigão 146

29 T 1917-12-18 José Maria P. A. Garrett 149

N T Data Rem/Aut/Tit Dest/Pub/Ass Pág.

Índice cronológico e tipológico

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646 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

BC T 1917-12-27 Francisco Brás Neves 153

31 T 1917-12-30 Luís de Andrade e Silva 154

32 T 1917-12-30 Luís A.V. M. Vasconcelos 156

33 C 1918-06-01 Ana Maria da Câmara Maria de Jesus 163

34 T 1918-16-18 Maria do Carmo 166

35 T 1918-07-23 Gonçalo X. A. G arrett 168

36 O 1918-08-06 Manuel M. Ferreira 171

37 C 1908-09-29 Gonçalo X. A. Garrett Dr. Formigão 182

38 C 1918-10-07 Luísa M. D. C. Meneses Dr. Formigão 185

39 T 1918-12-20 Jacinto A. Lopes 187

40 T 1918-12-31 M. Gonçalves Júnior 190

41 T 1919-03-02 Teresa de Jesus 192

42 T 1919-03-02 Joaquim I. Vicente 194

43 C 1919-03-29 José Pereira Novo Manuel M. Ferreira 195

44 O 1919-04-18 Manuel M. Ferreira 197

45 O 1919-04-28 Manuel M. Ferreira Arc. Mitilene 199

46 C 1919-08-20 Gilberto F. Santos Dr. Formigão 200

47 C 1919-09-15 Fernando P. Figueiredo Dr. Formigão 201

48 C 1920-01-14 Luís A.V. M.Vasconcelos Dr. Formigão 202

49 C 1920-01-15 Eurico Lisboa Dr. Formigão 203

50 C 1920-02-19 M. Purificação Godinho Dr. Formigão 205

51 T 1920-02-p20 M. Purificação Godinho 206

52 C 1920-02-22 Eurico Lisboa Dr. Formigão 207

53 N 192004-09 Dr. Formigão 209

54 C 1920-04-26 Teixeira Fânzeres Gilberto F. Santos 210

55 O 1920-05-07 Governador Civil Administrador VNO 211

56 O 1920-06-05 Administrador VNO Feder. Port. L. P. 212

57 C 1920-06-23 Gilberto F. Santos Dr. Formigão 216

58 C 1920-07-18 Eurico Lisboa Dr. Formigão 218

59 C 1920-08-24 Gilberto F. Santos D. José 220

N T Data Rem/Aut/Tit Dest/Pub/Ass Pág.

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DF C 1920-09-12 Dr. Formigão D. José 223

61 C 1920-10-06 Dr. Formigão Faustino J. J. Ferreira 225

62 O 1921-06-11 Adminstrador VNO Regedor Freg. Fátima 227

63 N 1921-09-14 D. José 228

64 C 1921-11-18 D. José Agostinho M. Ferreira 229

65 N 1922-01-05 Lúcia 231

66 C 1922-03-06 Agostinho M Ferreira Dr. Formigão 236

67 C 1922-03-09 Eurico Lisboa D. José 237

68 O 1922-05-03 D. José Provisão 239

69 O 1922-05-04 Comissão Canónica Ata - 1ª reunião 246

70 T 1922-06-05 Gonçalo X. A. Garrett 247

71 P 1922-06-13 A Voz de Fátima 248

72 T 1922-11-23 Inácio A. Marques 254

73 L 1922-03-a18 Acontecimentos Fátima 259

74 O 1923-05-09 Governador Civil Ministério do Interior 277

75 O 1923-05-14 Adminstrador VNO Governador Civil 278

76 O 1923-0514 António Lino Neto Câmara Deputados 279

77 O 1923-05-18 Vários Senado 281

78 P 1923-06-01 Alerta! Povo liberal! Folha planfetária 285

79 T 1923-06-29 Henrique W. Oliveira 289

80 I 1923-09-23 Comissão Canónica Vários 291

81 O 1923-10-08 Governador Civil Administrador VNO 314

82 I 1924-07-08 Comissão Canónica Lúcia 315

83 O 1925-06-13 D. José 323

84 C 1926-02p15 Lúcia Manuel P. Lopes 324

85 O 1926-03-26 D. José 327

86 P 1926-05-13 Terra de Santa Maria Época (A) 329

87 P 1927-01-20 Pagela de NSF 335

88 O 1927-07-a13 D. José Capelania SNF 336

89 C 1927-07-24 Lúcia Mãe 337

N T Data Rem/Aut/Tit Dest/Pub/Ass Pág.

Índice cronológico e tipológico

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648 DCF - Seleção de documentos (1917-1930)

GH C 1927-11-01 Lúcia Maria F. M. Miranda 338

91 C 1927-12-04 Lúcia J. Aparício Silva 340

92 C 1927-12-25 Lúcia Mãe 342

93 C 1928-01-27 Lúcia J. Aparício Silva 344

94 P 1928-06-03 De Portugal Osservatore Romano (L’) 346

95 C 1928-10-08 Dr. Formigão Aida P. Santos 350

96 C 1928-10-11 J. Aparício Silva D. José 353

97 C 1928-10-20 Lúcia D. José 356

98 C 1928-11-04 Lúcia J. Aparício Silva 357

99 C 1928-12-20 Lúcia J. Aparício Silva 359

100 P 1929-01-20 Cartas de Itália Novidades 361

101 C 1929-02-13 Joaquim Carreira Arnaldo Magalhães 365

102 P 1929-05-12 O prestígio de Fátima Novidades 370

103 C 1929-08-07 Ângela Canduzeiro Manuel P. Silva 374

104 C 1929-09-20 J. Aparício Silva D. José 376

105 C 1929-09-25 João P. Venâncio Manuel P. Silva 378

106 C 1929-09-29 D. José J. Aparício da Silva 381

107 P 1929-10-11 Novena a NSF 382

108 C 1929-10-17 Joaquim Carreira Arnaldo Magalhães 385

109 P 1929-10-17 De Fátima a Roma Novidades 388

110 C 1929-12-07 Manuel M. Ferreira J. Galamba de Oliveira 399

111 C 1929-12-12 João P. Venâncio D. José 401

112 C 1929-12-13 Manuel B. Moreira J. Galamba de Oliveira 403

113 C 1929-12-15 Lúcia J. Aparício da Silva 405

114 C 1929-12-18 José A. Silva J. Galamba de Oliveira 407

115 P 1930-01-01 Fátima em Roma Novidades 411

116 P 1930-01-18 Um mês a bordo... Novidades 416

117 C 1930-03-05 D. José Luís Fischer 418

118 C 1930-03-23 Joaquim Carreira D. José 420

119 O 1930-04-01 D. José 425

N T Data Rem/Aut/Tit Dest/Pub/Ass Pág.

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IJK O 1930-04-13 Comissão Canónica Relatório Oficial 428

121 O 1930-04-14 Comissão Canónica Ata da reunião 504

122 C 1930-05-16 Luís Gonzaga Cabral J. Bernardo Gonçalves 505

123 C 1930-05-22 Joaquim Carreira D. José 511

124 I 1930-05-a29 José B. Gonçalves Lúcia 515

125 C 1930-05-29 Lúcia J. Bernando Gonçalves 516

126 P 1930-06-01 A grande peregrinação... Osservatore Romano (L’) 518

127 C 1930-06-01 Lúcia Mãe 520

128 C 1930-06-12 Lúcia J. Bernardo Gonçalves 522

129 C 1930-06-13 J. Bernardo Gonçalves D. José 524

130 P 1930-06-27 Fátima em Roma Novidades 527

131 P 1930-07-03 Fátima em Roma Novidades 533

132 O 1930-10-a13 Lista de entidades 538

133 O 1930-10-13 D. José Carta Pastoral 539

134 P 1930-10-13 1917-1930 Voz (A) 552

135 O 1930-10-15 Pio XI Indulgências 557

136 P 1930-10-17 Duas palavras Guarda (A) 558

137 P 1930-10-18 Nª Sª de Fátima Mensageiro (O) 560

138 P 1930-10-20 Novidades Províncias Novidades 562

N T Data Rem/Aut/Tit Dest/Pub/Ass Pág.

Índice cronológico e tipológico

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Índice Geral

MNOPQRSTUQ 3

Documentos 29

Anexo 563

Índice analítico 617

Índice cronológico e tipológico 643

Índice Geral 651