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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AUTORIA E DOMÍNIO DO FATO
Saulo Faria de Oliveira
ORIENTADOR: Prof. Jean Alves
Rio de Janeiro 2016
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em (Nome do Curso). Por: Nome do Aluno
AUTORIA E DOMÍNIO DO FATO
Rio de Janeiro 2016
3
DEDICATÓRIA
À Nik e a Júlia, fontes de inspiração permanente.
4
RESUMO
O conceito de autoria se estende por três pensamentos: conceito
extensivo de autor, conceito restritivo de autor e o domínio do fato. Porém,
ainda se discute sobre o conceito mais razoável e hábil no mundo jurídico-
penal brasileiro.
O presente trabalho, então, visa a mostrar a notável desarmonia existente entre o
conceito de autoria e domínio do fato. O entendimento e leitura que se realizam na
jurisprudência e na doutrina acerca do conceito de domínio do fato não têm sido o mais
preciso, sendo a demonstração desse fato como o objetivo principal desse estudo.
5
METODOLOGIA
Os métodos que levam ao problema proposto, como leitura de livros,
jornais, revistas, questionários.... e a resposta, após coleta de dados, pesquisa
bibliográfica, pesquisa de campo, observação do objeto de estudo, as
entrevistas, os questionários, etc. Contar passo a passo o processo de
produção da monografia. É importante incluir os créditos às instituições que
cederam o material ou que foram o objeto de observação e estudo.
6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................... 07
2. LINHAS HISTÓRICAS .............................................................................. 08
3. AUTORIA ................................................................................................... 13
4. DOMÍNIO DO FATO ................................................................................... 17
4.1. Autoria direta e domínio da ação .............................................. 20
4.2. Autoria mediata e domínio da vontade ..................................... 21
4.3. Coautoria e domínio funcional do fato ....................................... 24
5. ESTUDO COMPARADO DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO ................ 29
5.1. Caso Fujimori ................................................................................ 29
5.2. Caso Mensalão ............................................................................. 32
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 37
7. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 38
7
INTRODUÇÃO
A discussão entre os doutrinadores, em definir qual a teoria adotada na
legislação penal brasileira, foi e continua a ser intensa, mesmo depois da entrada em
vigor da nova Parte Geral do Código Penal, em 1984. Há dúvidas sobre como e qual
teoria aplicar; ou seja, aquela teoria que comunga com os dizeres e princípios
constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, individualização e limitação da
pena, intervenção mínima e culpabilidade.
Apesar dos diversos trabalhos sobre o tema, ainda resta a seguinte indagação:
Qual ou quais as teorias de autoria do crime adotadas na legislação penal brasileira em
vigor? O presente estudo, partindo do exame de cada teoria, tentará demonstrar qual a
acolhida, além de apresentar algumas conclusões decorrentes das teorias, sem a
pretensão de apresentar respostas definitivas, mas de despertar um salutar debate e
reflexão das discussões expostas.
Assim, o conceito de autoria para o Direito Penal pode ser concebido por três
pensamentos: conceito extensivo de autor, conceito restritivo de autor e o domínio do
fato. Para o conceito extensivo, todos os agentes que causam o delito são considerados
autores, independentemente de terem ou não praticado a ação descrita no tipo penal. Já
para o conceito restritivo, são autores os que praticam atos de execução previstos no
tipo penal, enquanto os partícipes concorrem para o resultado do crime sem praticar, no
todo ou em parte, a ação tipificada. Por último, veja-se a teoria do domínio do fato, que
considera autor a figura central do acontecer típico, seja na forma da ação executiva, da
vontade ou funcional do fato.
Na última parte deste trabalho, apresentam-se dois casos práticos de aplicação da
teoria do domínio do fato, um estudo comparado do julgamento do ex-presidente do
Peru, Alberto Fujimori, e do julgamento no Supremo Tribunal Federal da Ação Penal
470, mais conhecida como o caso “mensalão”.
8
2. LINHAS HISTÓRICAS
2.1. As Ordenações do Reino
A partir do século XV até meados do século XIX, a lei no Brasil era expressão
da vontade do rei. Ao lado da lei existiam as resoluções régias, que o soberano ditava
para atender aos pedidos do povo. Distinguiam-se das leis apenas formalmente, uma vez
que aquelas se sujeitavam à chancelaria Real.
As Ordenações do Reino constituem as ordens, normas, decisões e preceitos
jurídicos que fazem alusão aos códigos oficiais da época, quais sejam Ordenações
Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Sem dúvida, nossa codificação jurídica de hoje, em
especial aqui a penal, possui forte correlação histórica de base evolutiva com as
Ordenações do Reino Imperial Português.
Nas compilações dos Livros do Reino, a sanção e o rigor da lei tinham por
objeto a qualidade ou a condição da pessoa, pois se punia sem qualquer rigor técnico
nobre e plebeu, distintamente. Os delitos eram enumerados casuisticamente, sem técnica
apropriada, numa linguagem em que faltava o emprego de conceitos adequados do
ponto de vista jurídico.
Contundente é a crítica ao Livro V das Ordenações, um misto de despotismo e
beatice, uma legislação híbrida e feroz, inspirada em falsas ideias políticas e religiosas.
Na intenção de conter o mau pelo terror, a lei não media a pena pela gravidade da culpa
nem se utilizava de critérios para aferir a autoria de um delito. Percebia-se nitidamente
um tratamento diferenciado em relação à qualidade das pessoas: pena de hereges,
feiticeiros, moedeiros falsos, adulterinos, bigamia, leprosos, pederastas, dentre outros.1
2.2. Código Criminal do Império
Promulgado em 16 de dezembro de 1830, o Código Imperial Criminal não
definiu a culpa, fez referência apenas ao dolo. Todavia, ressalta-se que essa omissão do
Código, pouco importou para a época, pois a importância dos crimes culposos só surgiu
com o advento das máquinas, com os meios de transporte e da evolução da indústria,
1 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. 2ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 58.
9
momento em que situações de perigo passaram a se apresentar e a reclamar o que hoje
se chama cumprimento do dever objetivo de cuidado.2
O Código Criminal contemplava e discernia autores e cúmplices. Considerava
autores quem cometesse, constrangesse ou mandasse alguém cometer crimes; cúmplices
eram todos aqueles que diretamente concorressem para cometer crimes ou que
praticassem receptação de coisas obtidas por meios criminosos ou uma forma imperfeita
de favorecimento pessoal, de forma a dar asilo ou ceder casa para malfeitores, com
ciência de que cometem ou pretendem cometer crimes.3
Sendo assim, a cumplicidade era punida com pena de tentativa (redução de um
terço) e duas agravantes interessavam ao concurso de agentes: a paga ou promessa de
recompensa e o prévio ajuste. Ainda, existia a atenuante do agente que praticou o crime
sob ameaça.
2.3. O Código Penal de 1890
Aqui prevaleceu o sistema do Código Imperial em diferenciar os agentes entre
autores e cúmplices. Autoria é exercida por quem diretamente resolve e executa o crime,
por aquele que provoca e determina o outro a executar por meio de dádivas, promessas,
mandato, ameaça, constrangimento, abuso ou influência de subordinação hierárquica
(instigação), por aqueles que prestam auxílio antes e durante a execução (cúmplices
necessários) e por quem executa diretamente o crime por outro resolvido.
Considerava-se cúmplice os que, não tendo resolvido ou provocado o crime,
fornecem instruções para sua execução ou a ela prestem auxílio; aqueles que, antes ou
durante a execução, prometessem ao autor auxílio para fuga, ocultação ou suprimento
de instrumentos e provas do crime; e os receptadores e encobridores do crime.
Das circunstâncias agravantes destacam-se a paga ou promessa de recompensa e
o prévio ajuste. Como atenuantes citam-se a coação física vencível ou por ameaça e a
obediência hierárquica. Tal como o Código de 1830, a cumplicidade era aplicada as
penas de tentativa. (redução de um terço).
Cabe mencionar ainda que, neste momento, a doutrina penal brasileira
2 PIERANGELI, Op. Cit., p. 71. 3 BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes: Uma investigação sobre os problemas da autoria e da participação no direito Penal brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 3.
1
desconhecia a figura da autoria mediata.4
2.4. O Código Penal de 1940
Momentos que antecedem à promulgação do Código de 1940 são importantes
para a afirmação de conceitos balizadores do pensamento penal brasileiro: a regra de
comunicabilidade das circunstâncias, sob inspiração do Código Italiano de 1889; teoria
da equivalência dos antecedentes causais, pela qual inexiste distinção entre causa e
condição na produção de um evento, sendo todos os codelinquentes autores de um
delito; e já se compreendia o conceito de autoria mediata.
O Código Penal de 1940 adotou o conceito extensivo de autor, visão
indiferenciada de autor e partícipe, fundada na teoria da equivalência dos antecedentes,
pensamento doutrinário absolutamente dominante na época. Diziam os teóricos que
todos os partícipes são autores, pois todos cooperam na realização do crime com igual
equivalência causal. Ou seja, há a responsabilização de todos os que contribuíram para
que o fato ocorra ocorresse.
Destacado, a seguir, o item 22 da Exposição de Motivos do Código de 1940, que
mostra claramente o pensamento dominante dos legisladores pátrios da época.
Da coautoria 22. O projeto aboliu a distinção entre autores e cúmplices: todos os que tomam parte no crime são autores. Já não haverá mais diferença entre participação principal e participação acessória, entre auxílio necessário e auxílio secundário, ente a "societas criminis" e a "societas in crimine". Quem emprega qualquer atividade para a realização do evento criminoso é considerado responsável pela totalidade dele, no pressuposto de que também as outras forças concorrentes entraram no âmbito de sua consciência e vontade. Não há nesse critério de decisão do projeto senão um corolário da teoria da equivalência das causas, adotada no art. 11. O evento, por sua natureza, é indivisível, e todas as condições que cooperam para a sua produção se equivalem. Tudo quanto foi praticado para que o evento se produzisse é causa indivisível dele. Há, na participação criminosa, uma associação de causas conscientes, uma convergência de atividades que são, no seu incindível conjunto, a causa única do evento e, portanto, a cada uma das forças concorrentes deve ser atribuída, solidariamente, a responsabilidade pelo todo.
4 BATISTA, Nilo, Op. Cit., p. 10.
1
Ficou assim, repudiada a ilógica e insuficiente ficção segundo a qual, no sistema tradicional, o cúmplice “acede” à criminalidade do autor principal. Perde sua utilidade a famosa teoria do autor mediato, excogitada para não deixar impune o cúmplice, quando o autor principal é irresponsável. Por outro lado, os juízes não ficarão em perplexidade, como atualmente, para distinguir entre a auxiliar necessário e auxiliar dispensável.
A doutrina brasileira quedou-se inerte durante bastante tempo, porém passou a
questionar a causalidade como critério único e central de autoria, a versar sobre a teoria
da acessoriedade, a construir formas de participação e a admitir a autoria mediata. Logo,
certo é que, embora haja indefinições conceituais, a reforma penal de 1984 modificou a
orientação legislativa original.
Portanto, citam-se duas linhas de pensamento: uma diz respeito ao movimento
desencadeado pelos trabalhos de WELZEL sobre a teoria finalista da ação, que rompeu
com a dominação da causalidade; a outra consiste na reação que sofreu a lei da
causalidade. Com isso, o princípio causal reflete somente alguns aspectos da
determinação. A realidade é complexa demais para poder comprimir-se unicamente em
um marco de categorias e que, portanto, não podem esgotar a totalidade da
determinação causal. Logo, percebe-se a insuficiência da causalidade para
equacionamento geral dos problemas decorrentes do concurso de agentes do delito.5
Assim, analisam-se os artigos 13 e 29 do Código Penal vigente, que dizem:
art.13 - o resultado, de que dependa a existência do crime, somente é imputável a quem
lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido; art. 29 - quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.
De acordo com posição assumida pelo autor, a regra dos artigos precedentes se
aplica somente a crimes de resultado, ou seja, aqueles em que o tipo não se limita à
descrição de uma conduta, sem referência ao resultado da ação. A primeira parte do art.
13 afirma que para imputar um resultado a um indivíduo deve existir um nexo entre o
próprio resultado e a conduta do agente. De outra forma, diz que quando há um
resultado, impõe-se a relação causal.
A segunda parte do artigo se comenta sobre a adoção da teoria da equivalência
dos antecedentes. Nota-se uma forma bastante peculiar de causalidade, que deverá ser
usada nos estritos limites em que o princípio causal funciona. Assim, ela influencia o
1
concurso de agentes no seu papel exclusivo de resolver a imputação do fato nos crimes
de resultado.
Em relação ao art. 29, chama atenção ao fato de que quem concorre para o
crime, no dizer da norma legal, não é sinônimo perfeito de concausar, pois quem
concorre de qualquer modo pode significar autoria direta, mediata, coautoria ou
participação. Nivela-se, portanto, a responsabilização dos concorrentes do delito, sem
diferenciar autoria de participação.
Ressalta-se, por fim, que a teoria causal não traz qualquer contribuição aos
crimes de mera conduta, aos crimes de perigo abstrato, aos crimes omissivos e aos de
participação. Isso porque a causalidade não pode servir de base referencial ao concurso
de agentes nos crimes em que inexista resultado externo material.
De outra forma, há pensamentos que dizem ocorrer a adoção da teoria extensiva
de autoria, tal como adotado na antiga Parte Geral do Código de 1940, ao argumento de
o contido na expressão "na medida de sua culpabilidade" do art. 29 do CP não ser
necessário e suficiente para modificar o conceito, pois a medida da culpabilidade é
critério básico da individualização da pena, prevista entre os Direitos Fundamentais,
consagrados na Constituição Federal (art. 5.º, XLVI). Mais ainda, argumenta-se que a
aferição individualizada da culpabilidade é critério obrigatório a ser utilizado na fixação
da pena, previsto entre as circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal.
Dessa forma, entende-se não ser possível à expressão "medida da culpabilidade"
equiparar os partícipes aos executores do crime, feita pela teoria extensiva, mas sim
reforçar o princípio constitucional da individualização da pena para cada concorrente.
Por fim, essa corrente afirma que somente se pode imaginar a pertinência do
domínio real do fato por parte de quem nele atua diretamente. Exclusivamente nessa
situação é que haveria para o coautor ou o organizador a efetiva possibilidade de
prosseguir ou desistir da execução do crime.
5 BATISTA, Nilo, Op. Cit., p. 12.
1
3. AUTORIA
É de suma importância traçar o conceito de autoria definido pela doutrina, uma
vez que o Código Penal Brasileiro não o fez claramente. Assim, há diferentes conceitos:
conceito restritivo, extensivo e o domínio do fato, todos com objetivo de delimitar de
alguma forma a autoria delitiva.
Cabe reafirmar que longa é a discussão doutrinária a respeito de qual a teoria
adotada na legislação penal brasileira, sobretudo até a entrada em vigor a nova Parte
Geral do Código Penal, em 1984, cujos dispositivos relativos à matéria fez com que
aumentasse o debate.
3.1. Conceito restritivo de autor
Para os teóricos adeptos desse conceito, autor seria somente aquele que pratica a
conduta descrita no verbo do tipo penal. Todos os demais que, de certa maneira, prestam
auxílio, mas que não realizam a conduta descrita no verbo do tipo penal será
considerado partícipe. Logo, conclui-se, por dedução lógica, que o partícipe cumpre
papel acessório ao do autor, protagonista do delito.
A adoção da teoria restritiva de autor impõe algumas consequências. A primeira
é que aquele que se vale de um terceiro – autoria mediata - que agiu sem dolo para a
execução do delito não poderia ser considerado autor. A segunda consequência é que os
eventuais dispositivos legais que regulem os casos de simples participação devem ser
vistos como causas de extensão da punibilidade ou da tipicidade, pois as condutas
participativas são em princípio impuníveis, visto que não realizam o tipo do delito. A
terceira seria o puro objetivismo do conceito, fato que separa a vontade da ação, para
que os fatos culposos possam ter autor dentro da mesma perspectiva de uma “neutra”
produção típica do resultado. A última consequência será que, sob regimes legais,
apenem penas mais gravemente a conduta do autor, a fixação nesse critério pode levar a
injustiças: se a produção do fato típico expressa autoria, a não realização incorre em
ausência de autoria, o que muitas vezes seria incoerente.6
Para distinguir autoria de participação, destaca-se o critério da teoria objetiva,
6 BATISTA, Nilo, Op. Cit., p. 31.
1
subdividida em duas modalidades: uma formal e outra, material.
Segundo a teoria objetivo-formal, autor pratica a conduta descrita pelo tipo
penal, ou seja, autor é aquele que realiza, com a própria conduta, o modelo legal do
crime. Os demais são meros partícipes, vez que não realizam a conduta do tipo
(responsáveis apenas pela ação prévia ou preparatória). Já a teoria objetivo-material
preceitua a distinção de autor e partícipe pela maior contribuição dada pelo primeiro na
causação do resultado. Seu ponto de partida reside na possibilidade de se perceber
diferença de valor causal entre a atuação do autor e do partícipe. Ambos os critérios
possuem vulnerabilidades as quais se apontam claramente.
A primeira controvérsia na teoria objetivo-formal diz respeito à ação executiva.
A posição de que é autor quem executa e partícipe quem prepara funciona em alguns
casos satisfatoriamente (executor único, assessorados por partícipes), porém não
funciona em outros, a exemplo da coautoria.7
Da mesma forma, há limitação para o caso do organizador do crime, situação
observada no Brasil aos crimes que envolvem “coronéis” que, por exemplo, determinam
aos seus jagunços executar seu desafeto, fornecendo os meios, modo e tempo para o
cometimento do crime.
Outra fragilidade na aplicação do conceito objetivo-formal é verificada no caso
de autoria mediata, exemplo da situação em que um médico, desejoso de matar inimigo
capital internado no hospital, que ordena a uma enfermeira que nele aplique injeção, por
ele preparada, contendo veneno letal. A enfermeira, atendendo à determinação,
incorrendo em erro, o faz, causando a morte do paciente.
Então, o aspecto de fragilidade prática do conceito objetivo-material reside no
campo de concurso de agentes, especialmente na relação de causalidade com os crimes
não materiais.
3.2. Conceito extensivo de autor
Para o conceito extensivo de autor, com fundamento na doutrina causal da
equivalência das condições, inexiste distinção entre autor e partícipe. Quem contribui de
alguma forma para a realização do tipo penal é considerado, pelo conceito extensivo,
autor do delito.
7 BATISTA, Nilo, Op. Cit., p. 63.
1
Também, conceito extensivo merece algumas observações. A primeira seria
estabelecer um ponto de aproximação entre autores e partícipes, referidos ambos à
causação do delito. A partir desse raciocínio, a consequência deveria ser a regulação
legal da participação vista como causa de limitação da punibilidade, o que gera uma
menor responsabilidade penal.8
No entanto, se autoria e participação não se distinguem objetivamente, porque
ambos são equivalentes do ponto de vista causal, resta aferir que existe uma
diferenciação no aspecto subjetivo.9 Essa é a razão do conceito extensivo de autor
seguir o critério subjetivo de distinção de autoria e participação.
Portanto, a teoria subjetiva delimita a distinção a partir da valoração do ânimo
do agente. Há vontade de ser autor (animus auctoris), quando o agente quer o fato
próprio, e uma vontade de ser partícipe (animus socii), quando o agente deseja o fato
alheio, secundário ou acessório.
De fato o critério subjetivo resolve bem o problema da autoria mediata.
Contudo, a definição também encontra limitações visíveis. Como enquadrar o ânimo do
agente que pratica um delito sob paga ou promessa de recompensa? Pois, o matador de
aluguel não deseja a vítima morta como sua vontade, mas sim a recompensa prometida.
WELZEL questiona, ainda, como ser possível alguém tornar próprio fato alheio pela
simples interferência de sua vontade.10 Tal indagação não encontrou resposta adequada,
o que torna vulnerável a adoção do critério subjetivo.
3.3. Domínio do fato
Diante das indefinições dos conceitos de autoria existentes, surge em 1939, pela
cátedra de WELZEL, a teoria do domínio final do fato.
Então, para ele, autor é quem possui o domínio final do fato: “Senhor do fato é
aquele que realiza em forma final, em razão de sua decisão volitiva. A conformação do
fato mediante a vontade de realização que dirige em forma planificada é o que
transforma o autor em senhor do fato.”11
Disso surgiu a teoria finalista da ação como critério determinante de autoria. A
8 BATISTA, Nilo, Op. Cit., p. 33. 9 JESCHECK, 1978, apud GRECCO, 2009, p. 434. 10 BATISTA, Nilo, Op. Cit., p. 69. 11 WELZEL, 1987, apud GRECCO, 2009, p. 434.
1
lógica intrínseca dos finalistas que importa ao direito é a natureza finalista do agir
humano. O homem somente age finalisticamente; logo, se o direito quer proibir ações,
só pode proibir ações finalistas, sendo o dolo, portanto, necessário ao tipo. Certos
finalistas chegaram a defender a tese de que ao direito cabia a proibição apenas de ações
finais, banindo o resultado do ilícito, o que implicava cominar pena do crime impossível
igual ao da pena de crime consumado.
Porém, a capacidade de rendimento e sustentação da teoria do domínio final do
fato se esgotou, sobretudo a partir das considerações teóricas do chamado
funcionalismo, o qual pode ser citado ROXIN como uma de suas maiores expressões.
Aos funcionalistas interessa a proteção dos bens jurídicos por meio de uma pena com
caráter preventivo, seja sobre o autor do delito (prevenção especial), seja sobre a
generalidade da população (prevenção geral).
É nesse contexto de discussões que, sob o ensinamento de ROXIN, surge a
teoria do domínio do fato tal como se conhece atualmente.
Logo, estabelecida tal diferença teórica, é de suma importância destacar que
domínio final do fato não se confunde com domínio do fato. Domínio final do fato é
terminologia usada somente pelos finalistas, na qual autor é quem possui domínio final
da ação delituosa; já a teoria do domínio do fato, sistematizada e desenvolvida por
ROXIN, vincula-se à ideia reitora de que autor é a figura central do acontecer típico,
manifestada sob três formas concretas: o domínio da ação, o domínio da vontade e o
domínio funcional do fato.
1
4. DOMÍNIO DO FATO
Diversos autores ensaiaram sobre o conceito do domínio do fato, porém todos os
estudos se formaram de maneira independente. Assim, os pontos de partida dogmáticos
que conduziram à evolução do conceito do domínio do fato são absolutamente
diferentes: a teoria da culpabilidade em HEGLER (1915); a da adequação em BRUNS
(1932); a justificação da teoria subjetiva de participação em WEBER (1935); a crítica a
esta em LOBE (1933); a ideia de dever em SCHMIDT (1936); o conceito causal em
HORN (1897); e, finalmente, a doutrina da ação em WELZEL (1939). A circunstância
de que todas essas teorias independentes entre si convirjam para o conceito do domínio
do fato e tenha efeitos semelhantes para o problema da autoria mostra que essa ideia não
representa um conceito de único autor, mas demostra que faltou apenas uma elaboração
e desenvolvimento mais amplo da teoria do domínio do fato.12
Em sua monografia de 1915 sobre Los elementos del delito, HEGLER empregou
a expressão “domínio do fato”, considerando esse domínio como elemento do sujeito do
delito, porém somente quanto aos requisitos materiais da culpabilidade jurídico-penal,
ou seja, imputabilidade, dolo e imprudência, assim como a ausência de causas de
exclusão de culpabilidade. HEGLER, já por volta de 1930, identifica a autoria mediata,
em que sua essência é a supremacia do sujeito mediato. É autor quem, com dolo ou
somente com imprudência, é senhor do fato.13
A teoria de BRUNS está associada a formas de participação, na qual a autoria,
seja no fato doloso ou no imprudente, pressupõe ao menos a possibilidade do domínio
do fato. Tal domínio só ocorre quando a ação é adequada para ocasionar o resultado. A
teoria do domínio do fato possível (adequação) foi insuficiente para delimitar as formas
de participação, vez que tanto indutor quanto cúmplice suportam igualmente condições
adequadas com vistas ao resultado. De qualquer modo, suas considerações, afirma
ROXIN, são uma contribuição notável para a história do conceito do domínio do fato.14
WEBER, por volta de 1935, se utiliza da ideia de domínio de fato para justificar
a teoria subjetiva de participação, afirmando que autor mediato é quem se serve de outra
12 ROXIN, Claus. Autoría y domínio del hecho en derecho penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 85. 13 ROXIN, Claus. Op. Cit., p. 81 – 82. 14 ROXIN, Claus. Op. Cit., p. 83.
1
pessoa que atua sem vontade de obter o resultado. No entanto, WEBER não desenvolve
o conceito do domínio do fato.15
Em seguida, SCHMIDT (1936), estuda o conceito extensivo de autoria mediante
a ideia do domínio do fato dizendo que somente existe conduta de autor quando a
disposição intencional do sujeito atuante se transmita como senhor do fato, uma posição
de dever especificamente militar. Ainda, LOBE acrescenta que no lugar do animus
auctoris haverá de ser necessário o animus domini na execução do fato.16
Em 1939, WELZEL inaugurou novo conceito, em que enfatiza a ideia do
domínio final do fato através da doutrina da ação. Na doutrina da ação há que se
distinguir a realização final do delito doloso e as causas “cegas” dos resultados dos tipos
imprudentes, bem como a autoria dolosa da imprudente. O autor imprudente é
simplesmente concausa do resultado produzido. Considerando que todas as causas são
equivalentes, não é possível distinguir autoria de participação nos delitos imprudentes.
Já na autoria final, isto é, nos delitos dolosos, evidencia-se um conceito final de autor.
Autor é somente aquele que possui o domínio final do fato. Então, para WELZEL,
senhor do fato (autor) é quem, consciente do fim, pratica o delito para obter o fim
desejado; indutor e cúmplice possui domínio sobre sua participação, mas não sobre o
fato em si. Ainda, coautoria na visão de WELZEL é a execução de atos parciais
distribuídos entre várias pessoas inter-relacionados finalmente, com o fim da ação
sustentado conjuntamente por todos. O domínio do fato corresponde ali a todos
conjuntamente. Assim, somente pode ser coautor aquele que cosustenta o resultado final
do fato.17
Todavia, WELZEL não considera o domínio final do fato como um critério
necessariamente singular de autoria. Entende que a autoria também depende – não
apenas do seu contexto de conteúdo finalístico, mas também do seu conteúdo social –
de outros elementos pessoais do autor (funcionário público, comerciante, soldado,
médico, procurador, dentre outros) e de elementos subjetivos de autoria, como o ânimo
de lucro ou a tendência lasciva.18
Dessa forma, as considerações acima mostram a história dogmática da teoria do
domínio do fato. O início de seu avanço se encontra em WELZEL, suas características
15 ROXIN, Claus. Op. Cit., p. 84. 16 ROXIN, Claus. Op. Cit., p. 84. 17 ROXIN, Claus. Op. Cit., p. 85. 18 ROXIN, Claus. Op. Cit., p. 88.
1
basilares remontam a HEGLER e seu conteúdo material pode ser deduzidos desde o
começo das teorias de participação. Todas as teorias tratadas na panorâmica histórica
são fundamentais para determinação dos elementos da ideia do domínio do fato, ainda
que de forma tácita. Mas sem dúvida, depois de anos de citações esparsas e pouco
lineares sobre o conceito, apenas em 1963, com o estudo monográfico de ROXIN, é que
se pode estudar a teoria de forma mais sistemática e dar o contorno que se observa nos
dias de hoje, inclusive aplicá-la ao caso concreto.
O domínio do fato é conceito aberto (conteúdo suscetível de se adaptar às
variadíssimas situações concretas da vida, momento em que alcança a sua medida
máxima de concretização), o qual postula qualidade de autor caber ao agente que
aparece como figura central do acontecimento criminoso, de tal modo que o fato
produzido constitui obra sua e não uma mera participação num fato alheio. Logo, não é
conceito em que é possível fórmulas fechadas, senão que depende das circunstâncias
práticas do acontecimento de fato. Somente na situação fática se estabelece os limites de
quem dominou o fato, ou seja, quem deteve o poder decisório nas mãos. O que possui o
manejo dos fatos e o leva à realização é autor; o que simplesmente colabora, cumpre
função secundária e acessória acerca do fato, sendo portanto mero partícipe.
Portanto, domínio do fato, na visão de ROXIN, pode manifestar-se concretamente sob três
modalidades especiais: domínio da ação, em que o agente por suas mãos executa o fato, caso do autor
direto ou imediato; domínio da vontade, próprio da autoria mediata, em que o homem de trás (o que
formula o propósito criminoso e decide a sua efetivação) domina a vontade do homem da frente (o
instrumento, ou executor do fato), por coação, indução em erro ou no âmbito de um aparelho organizado
de poder; e domínio funcional do fato, característico da coautoria, face ao significado funcional da
contribuição de cada coautor na divisão de trabalho ou repartição de tarefas na concretização da decisão
conjunta.
Para penetrar en la materia escogemos un prodecimiento que se apoya en la distinción tan común entre autoría única, autoíia mediata y coautoría. En primer lugar, indagamos qué influencia ejerce la medida de realización del tipo de propia mano sobre la autoría (dominio de la acción), después nos perguntamos si (y hasta qué punto) uno puede ser autor sin intervención propria en la ejecución del hecho, en virtude de su poder de voluntad (dominio de la voluntad), y por último, analizamos en qué medida um interviniente, cuando ni emprende la acción típica ni ejerce poder de voluntad sobre el actuar de otros, por su sola colaboración com éstos puede llegar a ser figura central del sucesso (domínio del hecho funcional).19
2
No primeiro grupo de delitos, a figura central é quem domina a realização do tipo. Esse domínio
pode manifestar-se como um domínio sobre a própria ação, que é o domínio próprio de quem realiza, em
sua própria pessoa, todos os elementos de um tipo, isto é, do autor imediato. Quem aperta o gatilho tem o
domínio da ação e nunca poderá ser mero partícipe, ao contrário do que muitas vezes decidira a
jurisprudência alemã, partindo de uma teoria subjetiva extrema.20
Já na segunda categoria encontra-se o domínio da vontade de um terceiro que, por alguma razão,
é reduzido a mero instrumento. As razões desse domínio, próprio do autor mediato, são, em primeiro
lugar, a coação exercida sobre o homem da frente; em segundo, o erro; e em terceiro, a possibilidade de
domínio por meio de um aparato organizado de poder. Aqueles que, servindo-se de uma organização
verticalmente estruturada e apartada da ordem jurídica, emitem uma ordem cujo cumprimento é entregue
a executores fungíveis, que funcionam como meras engrenagens de uma estrutura automática, não se
limitam a instigar, mas é verdadeiro autor mediato dos fatos realizados. Isso significa que pessoas em
posições de comando em governos totalitários ou em organizações criminosas ou terroristas são autores
mediatos, o que está em conformidade não apenas com os parâmetros de imputação da história como com
o inegável fato de que, em estruturas verticalizadas, a responsabilidade tende não a diminuir, mas sim a
aumentar em função da distância que se encontra um agente em relação ao acontecimento final.21
A terceira maneira de dominar um fato está numa atuação coordenada, em divisão de tarefas,
com pelo menos mais uma pessoa. Se duas ou mais pessoas, partindo de uma decisão conjunta de praticar
o fato, contribuem para a sua realização com um ato relevante na fase de execução (e não na fase
preparatória) de um delito, elas terão o domínio funcional do fato, que fará de cada qual coautor do fato
como um todo.22
No entanto, tem-se que o critério do domínio do fato não é proposto com pretensões de univer-
salidade. Há delitos cuja autoria se determina com base em outros critérios. O primeiro e mais importante
desses delitos é o grupo dos chamados delitos de dever ou de violação de dever. Neles, autor é quem viola
um dever especial, de caráter extrapenal, pouco importando o domínio que tenha sobre o fato. Entre os
delitos de dever, encontram-se, principalmente, os delitos próprios (delitos de funcionário público, por
exemplo), como é o caso de corrupção passiva mencionada no artigo 317 do Código Penal Brasileiro, e os
delitos omissivos impróprios (em razão da posição de garantidor).23
Outro grupo de delitos em que a autoria é regulada por critérios distintos do domínio do fato são
os delitos de mão própria, pois nesse autor é exclusivamente quem pratica em sua própria pessoa a ação
típica, sendo improvável a autoria mediata e a coautoria.
4.1. Autoria direta e domínio da ação
19 ROXIN, Claus. Op. Cit., p. 149. 20 GRECO, Luís. LEITE, Alaor, O que é e o que não é a teoria do domínio do fato", RT 933, 2013, p. 61-92. 21 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92. 22 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92. 23 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92.
2
É autor direto aquele que possui o domínio do fato, na forma de domínio sobre a
própria ação, pela pessoal e dolosa realização da conduta típica. Por execução pessoal
deve-se entender a execução típica de mão própria. E por realização dolosa se expressa
a consciência e vontade a respeito dos elementos objetivos do tipo.24
O domínio do fato na forma do domínio da ação é apenas o elemento geral do
autor, ao qual se deve agregar elementos especiais de autoria. Tais elementos especiais
se relacionam com o tipo subjetivo, como intenção, a tendência libidinosa nos crimes
contra os costumes e os chamados momentos de ânimo (motivações particulares).
Assim, ao autor direto de furto se exige o ânimo de assenhoramento do fato (intenção de
ter a coisa para si), além do domínio do fato fundado na pessoal, consciente e querida
(dolo) subtração de coisa alheia móvel.25
Portanto, quem dispara a arma possui o domínio da ação e nunca poderá ser
mero partícipe. Quem domina a ação permanece autor ainda que haja pedido ou
mandado por outra pessoa, ou inclusive erro de proibição inevitável determinado por
terceiro (artigo 21 do Código Penal). Nesse caso, exclui-se a culpa do agente, porém
não deixa de ser ele autor do fato típico.
4.2. Autoria mediata e domínio da vontade
Há autoria mediata quando, na realização de um delito, o autor se vale de um
terceiro que atua como instrumento, sob a forma especial de domínio da vontade. A
autoria mediata, então, se localiza numa zona limítrofe entre autoria e participação por
instigação, cuja exata demarcação apresenta falhas, pois em ambas as hipóteses um
terceiro é eleito como autor do delito.26
É sabido que a autoria mediata é forma de autoria, e não de participação. Ela se
baseia no domínio do fato de terceiro, enquanto na instigação (hipótese de participação)
encontra-se a corrupção do homem livre. Na autoria mediata observa-se a corrupção do
homem não-livre, e é através deste abuso que autor mediato controla, do princípio ao
fim, o curso dos acontecimentos. Nesse controle do decurso do fato pela via da vontade
alheia submetida é que está o fundamento material da autoria mediata.27
24 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 77. 25 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 77 – 78. 26 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 129. 27 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 130.
2
Eventualmente, pode ocorrer que o executor do fato também domine o fato
delituoso. Nessas situações, a delimitação entre autoria mediata e instigação dependerá
da ação do agente imediato exercida sobre o domínio da vontade do mandante.
A área de aplicação da autoria mediata está nos crimes de resultado. Nos crimes
de mera conduta, que admitem a autoria mediata, o domínio do fato serve de
fundamento conveniente para tal pretensão. Todavia, os crimes de mão própria,
omissivos e culposos não admitem autoria mediata. Sendo assim, há uma enorme
diversidade de critérios doutrinários de classificação da autoria mediata, podendo ser
dividida a matéria em quatro grupos de pensamento.28
O primeiro nega a existência da autoria mediata, tendo como representante
Nelson Hungria, que a considerava como mero “artifício”. Hungria considerava a
autoria mediata como critério distintivo de participação, não de autoria. O outro grupo
de pensamento, representado por Esther de Figueiredo Ferraz, nega a autoria mediata
designando-a como “pseudo concurso” ou “concurso aparente”, não se confundindo a
autoria mediata com a participação, por inexistir concurso de pessoas na autoria
mediata. O terceiro grupo, majoritário, admite a autoria mediata, porém limitado aos
casos em que o instrumento atua sem imputabilidade ou culpabilidade. Essa é a opinião
de Fragoso, Aníbal Bruno e Salgado Martins. Para eles, autoria mediata existe quando o
instrumento é um inimputável, agente que incorre em erro de tipo, coação ou obediência
hierárquica. A última corrente, da qual se filia Damásio E. de Jesus, aceita a autoria
mediata para os casos em que o instrumento age mesmo licitamente, seja para
reconhecer a figura, seja para afastá-la.29
Assim, negar a autoria mediata significaria descaracterizar a autoria e reenviar as
hipóteses para os quadros de uma mera e eventual participação. Todavia, isso pode
implicar lacunas inconvenientes de política criminal e conduzir a um tratamento
desequilibrado, uma vez que seria autor aquele a quem cabe a menor fatia de
responsabilidade jurídico-penal e mero participante aquele que no fundo foi o autêntico
centro pessoal do ilícito praticado, a quem, em princípio, caberia uma culpa mais
pesada.30
Sob outro ponto de vista, ROXIN entende que há três razões para existência do
domínio da vontade, próprio do autor mediato: coação, erro e aparato organizado de
28 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 133 29 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 134.
2
poder.31
Na coação, como se lê no artigo 22 do Código Penal, o legislado exculpa o
homem da frente e responsabiliza o homem de trás ou quem emitiu a ordem. Esse é o
chamado princípio da responsabilidade, único parâmetro viável, na opinião de ROXIN,
nos casos de coação, uma vez que dominar alguém que sabe o que faz é algo
excepcional, admitido apenas com base nos parâmetros fixados pelo legislador.32
Já na autoria mediata contida no agente que foi induzido a erro há um
escalonamento, a saber: erro do tipo (artigo 20 do Código Penal) e erro de proibição
(artigo 21 do Código Penal). No erro de tipo, ou seja, ausência ou diminuição da
consciência sobre a conduta praticada, pode se excluir o crime do autor mediato (erro do
tipo essencial invencível) ou o dolo somente (erro do tipo essencial vencível); ou, ainda,
pode permanecer a existência do dolo (erro de tipo acidental sobre a pessoa ou o
objeto). Já o erro de proibição é a ausência ou redução da consciência sobre a ilicitude
da conduta praticada pelo autor mediato, que pode afastar sua culpabilidade, quando o
erro de proibição for insuperável, ou mitigá-la apenas, nos casos de erro de proibição
vencível. Todavia, existem muitos questionamentos e discussões quanto a esses casos de
erro.
Outra figura de autoria medita propagado por ROXIN é o domínio sobre a
vontade por meio de um aparato organizado de poder. Aquele servindo-se de uma
organização verticalmente estruturada e apartada, dissociadas da ordem jurídica, emite
uma ordem cujo cumprimento é executado por agentes fungíveis, que funcionem como
meras engrenagens de uma estrutura automatizada, que não se limita a instigar, pois é
verdadeiro autor mediato dos atos praticados. Isso significa que pessoas em posição de
comando em governos totalitários, em organizações criminosas ou em sociedades
terroristas são autores mediatos, o que está em plena conformidade não apenas com os
parâmetros de imputação existentes na história, mas também com o fato de que, em
estruturas verticalizadas de poder dissociadas do direito, a responsabilidade tende a não
diminuir e sim aumentar em função da distância que se encontra um agente em relação
ao acontecimento final. Esse é o critério material que indica que o domínio de aparato
organizado de poder (máfias, ditaduras e organizações terroristas) compensa a perda de
controle relativa ao distanciamento em relação ao fato concreto. Os requisitos dessa
30 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 135. 31 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92.
2
forma de autoria mediata são, portanto, a emissão de uma ordem a partir de uma posição
de dentro de uma organização estruturada, dissociada do direito e com fungibilidade de
executores, pouco importando quem cumprirá a ordem, sendo certo apenas que ela será
cumprida.33
Todavia, seria de relevante interesse destacar que, embora ROXIN insista nos
critérios adotados para autoria mediata nas organizações de poder organizado, sustenta-
se sua aplicação aos crimes de ordem econômica ocorrido em sociedades empresariais.
No entanto, a princípio, configura-se aqui apenas instigação, pois nesse caso não se age
com o aparato, mas contra o aparato. O fundamento da autoria mediata por domínio da
organização não repousa, assim, em um simples poder de mando, mas no
funcionamento à margem da lei e ordem estabelecida. Em organizações legalmente
estabelecidas, como as sociedades empresárias, não se espera que ordens ilegais
emitidas por superior hierárquico sejam cumpridas automaticamente sem que ocorra
erro ou coação. Isso não significa que o superior hierárquico não seja caracterizado
como autor; significa tão somente que essa autoria não se sustenta no domínio sobre o
fato de executor, devendo ser fundamentada, necessariamente, por outras razões.34
4.3. Coautoria e domínio funcional do fato
O crime muitas vezes não é obra de uma única pessoa, mas pode ser fruto da
concorrência de comportamentos de diferentes agentes. Por motivos diversos, a garantia
do sucesso da execução do delito, da impunidade do crime ou conjugação de interesses
comuns, podem dois ou mais indivíduos reunirem-se para a prática de determinado fato
delituoso, contribuindo cada um dos agentes com ato relevante para a realização do
delito. Configura-se, então, a chamada coautoria. Nessa situação percebe-se a
fragmentação operacional de uma atividade comum, ou seja, a divisão de tarefas com o
fim de levar a cabo a realização do tipo de forma mais eficiente. Para ROXIN, revela-se
aqui o domínio funcional do fato, que fará de cada qual coautor do fato como um todo.35
Desprovida a prática delituosa desse atributo, a figura cooperativa poderá situar-
se no âmbito da participação. Logo, o domínio funcional do fato não se subordina à
32 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92. 33 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92. 34 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92. 35 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 101.
2
execução pessoal da conduta típica ou de fragmento desta, muito menos deve ser
estudado na linha de uma divisão aritmética de um domínio total do fato, do qual tocaria
a cada coautor certa fração. Cada coautor tem a sorte do fato total em suas mãos, através
de sua função específica na execução, pois se recuasse em sua própria colaboração faria
fracassar o fato.36
Portanto, a coautoria se sujeita a duas exigências, a saber: comum resolução para
o fato e comum realização do fato, sob divisão do trabalho.37
A comum resolução para o fato é obtida por um acordo recíproco de vontades,
ou seja, uma coordenação consciente de vontades para a realização da obra comum.
Esse acordo de vontades pode ser tácito ou expresso, porém deve ser, em qualquer caso,
conhecido por todos os coautores (bilateral). Todavia, não basta isso. É necessário que o
autor realize o fato, e isso ocorre quando ele possui o domínio funcional do fato.
A forma mais evidente de coautoria está contida na execução compartilhada,
ilustrada quando dois indivíduos resolvem furtar uma residência, ambos dela entrando e
saindo com a devida subtração dos objetos. Igualmente, há coautoria na conhecida
execução fracionado, hipótese em que um aciona o modo e o outro realiza o núcleo da
conduta típica. Exemplifica-se com o caso do roubo de dois indivíduo, em que um
imobiliza, sob ameaça, a vítima e o outro procede à subtração dos pertences da vítima.
Portanto, em ambos os casos verifica-se o domínio funcional do fato.
Nos casos supracitados seria possível mesmo em falar domínio funcional da
própria ação, sem quaisquer dificuldades de identificação teórica. Porém, tem-se que o
domínio do fato pode estar nas mãos de que aparentemente se limita a simples atos de
indução ao delito, atos preparatórios ou favorecedores (cumplicidade no delito). E aqui
é que carece de uma análise pormenorizada, com intuito de verificar se o coautor
detinha o domínio funcional do fato. Para isso, estuda-se de seis casos: (1) organizador,
(2) aquele que subjuga a vítima, (3) aquele que presencia o delito, (4) o vigia, (5) o
motorista e (6) o fornecedor de meios de execução.38
4.3.1. O organizador
36 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 101. 37 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 102 - 104. 38 BATISTA, Nilo. Op. Cit., p. 106 - 114.
2
A figura do organizador possui previsão na legislação brasileira, art. 62, I, do
Código Penal, que diz agravar a pena ao agente que promove ou organiza a cooperação
no crime ou dirige a atividade dos demais agentes. O organizador seria, então, coautor,
ainda que não tenha qualquer envolvimento pessoal na execução do delito, pois assinala
os fins, planos e meios de execução do delito; recruta os coparticipes e entre eles
distribui tarefas ou papéis.
Portanto, sua coautoria é justificada pelo domínio funcional do fato, que subsiste
enquanto detiver esse domínio. Não provém da simples tarefa de organizar a engenharia
do fato delituoso. É a qualidade de liderança na empreitada criminosa, de chefia (poder)
sobre os demais que induz o domínio funcional do fato.
4.3.2. Aquele que subjuga a vítima
Essa figura retrata aquele que subjuga a vítima, a fim de que não oponha
resistência ao delito ou facilite sua execução. Pode ocorrer em duas situações: aquela
em que haja constrição física da vítima, como roubo ou estupro; e aquelas nas quais a
ação típica, matar ou lesionar, é realizada por outro agente.
Há coautoria, portanto, quando um agente segura uma vítima para que outro a
mate. Equiparam-se à situação de subjugar os casos em que o agente impede a fuga ou
reação da vítima. Em todos os casos há coautoria pela existência do domínio funcional
do fato.
4.3.3. Aquele que assiste à execução
Ao tratar da figura que assiste à execução do delito, deve-se desconsiderar os
caos nos quais caiba a consideração de outra qualidade (organizador, vigia), e verificar
se a simples assistência do fato pode fundamentar coautoria.
Pense naquele que, envolvido na comum resolução para o fato, presencia sua
execução. Todavia, esse assistente representa uma força de reserva a ser utilizada
eventualmente, se no decurso do projeto criminoso ocorrer uma possível tentativa de
fuga ou resistência da vítima, por exemplo. A esse que assiste à execução nomeia-se
coautor por ter o domínio funcional do fato, não pela simples proximidade física, mas
sim porque esse assessoramento permitiu que o crime ocorresse.
2
Ressalte-se que inúmeras vezes a execução é tarefa fungível, ao sabor das
circunstâncias concretas, e o executor se converte em assistente, e este em executor,
pois a vítima tentou fuga. Nessas condições, sem dúvida o assistente é coautor, inserido
no planejamento da execução comum do delito.
4.3.4. O vigia
Denomina-se como vigia o codelinquente que se coloca em posição de observar
a aproximação de terceiros que possa a vir a impedir o desenvolvimento da realização
do fato. De forma geral, a doutrina brasileira considera esse caso como simples
participação.
De fato, a posição de vigilância é de mero partícipe, porém em certas hipóteses,
tais como aquelas em que o fato típico consista em guardar ou ter em depósito alguma
coisa, verifica-se coautoria do vigia que vela para que o fato se realize. Logo, a
vigilância é uma característica da autoria. Cite-se como exemplo o art. 247 do Código
Penal, expressão do abandono intelectual.39
4.3.5. O motorista
Aqui interessa o estudo de casos em que o motorista não é autor direto de crime
culposo, que não admite coautoria, ou mesmo em crime doloso, a exemplo do transporte
irregular de substância explosiva (art. 253 do Código Penal). O foco de trabalho está
contido para os casos em que o motorista serve ao executor.
Assim, destacam-se duas situações diversas. A primeira delas é a execução
fracionada, que se mostra quando o motorista aguarda na porta do banco aqueles que
nele ingressam para o assalto, fugindo com o objeto do roubo; ou, de outra forma,
quando o motorista transporta a vítima de sequestro. Nesses dois exemplo o motorista
realiza parte da ação criminosa (subtração e sequestro), sendo sua colaboração
fundamental para o sucesso do empreendimento delituoso, ou seja, o motorista possui as
rédeas em suas mãos. Verifica-se, então, coautoria.
Outra situação é a aquela que se desconsidera a execução fracionada, porém
39 Art. 247 - Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância: I - frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida; II - frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de
2
subsiste o domínio funcional do fato. Pense no caso do motorista que guia veículo com
velocidade precisa, a fim de que o atirador possua a exata medida da mira para
cometimento de um atentado, assassinato do chefe de Estado. O homicídio será
praticado de dentro do veículo guiado pelo motorista, que embora não possua
intervenção direta nos atos executivos, presta auxílio determinante para o sucesso da
execução do delito. É evidente que, nesse caso, o motorista é coautor do fato.
4.3.6. Aquele que fornece meios de execução
Aquele que fornece meios de execução não é habitualmente considerado
coautor, mas partícipe. É hipótese daquele que fornece a arma ao autor do homicídio ou
lesões, a substância abortiva ao autor de aborto, a chave ao autor do furto.
Todavia, é preciso uma análise mais atenta para algumas situações específicas. O
agente, sem dúvida, que se limita a fornecer os meios de execução não possui, só por
isso, domínio funcional do fato. Mas, há casos em que essa solução não é tão clara.
Pense no exemplo de um indivíduo que fornece a um ladrão, perplexo diante do alto
muro, a escada ou a corda para escalada. Expressiva se torna a colaboração do
indivíduo, diferentemente se esse auxílio fosse prévio.
É de extrema importância para a teoria do domínio funcional do fato delimitação
da fase executiva do coautor da realização do fato típico. Verifica-se cooperação na fase
executiva quando, por exemplo, um dos ladrões mantém sob a mira com uma pistola o
morador, enquanto o outro rouba os objetos da casa; quando, nas lesões, um imobiliza a
vítima no chão, enquanto outro a golpeia. Encontra-se nessas situações uma intervenção
que sem dúvida se leva a cabo ao mesmo tempo em que a ação típica, o que demonstra a
coautoria.
representação de igual natureza; III - resida ou trabalhe em casa de prostituição; IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública. Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
2
5. ESTUDO COMPARADO DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO
Para melhor compreensão do conceito da teoria do domínio do fato, estudam-se dois julgamentos
em que foi suscitada a teoria: o primeiro foi o caso do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, no qual foi
aplicado coerentemente o conceito desenvolvido por ROXIN; e o segundo caso a ser mencionado é o
julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal, em que já não se notou tanta exatidão
técnica quanto à sua aplicabilidade conceitual.40
5.1. Caso Fujimori
Após o julgamento público do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, que atentou contra os
direitos humanos e a administração pública durante os anos que governou autoritariamente o Peru,
durante 16 meses de debates, nos quais mais de 80 testemunhas apareceram perante o Tribunal em um
total de 161 sessões, em 7 de abril de 2009 Fujimori foi considerado culpado de todas as acusações de
homicídio qualificado, assalto e sequestro, com pena de 25 anos de prisão.41
Ainda, Fujimori foi condenado por inúmeras acusações de corrupção e usurpação de autoridade
pública. Em 11 de dezembro de 2007, ele foi considerado culpado em audiência resumo por ter
orquestrado uma invasão ilegal à casa da esposa de Montesinos, provavelmente para proteger e remover
provas comprometedoras; recebeu uma pena de seis anos, que foi confirmada em grau de recurso.
Condenações foram proferidas contra Fujimori em outros dois julgamentos públicos, os quais Fujimori
admitiu as acusações, provavelmente para evitar longas audiências públicas que revelariam corrupção
maciça em seu governo. No primeiro deles, Fujimori foi acusado de transferir ilegalmente US$ 15
milhões em fundos públicos a Montesinos quando ele fugiu do Peru, em setembro de 2000.
Também, contra Fujimori houve acusação de escutas ilegais dos líderes da oposição, suborno aos
membros do Congresso e compra ilegal de um canal de televisão com fundos do Estado, na qual foi
condenado em todas.
40 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92. 41 BURT, Jo-Marie. Culpado: o julgamento do ex-presidente peruano Alberto Fujimori por violações dos direitos humanos. The International Journal of Transitional Justice, Vol. 3, 2009, p. 384 – 405.
3
No entanto, para determinar a culpabilidade de Fujimori nesses crimes, foi aplicado o conceito
de autoria mediata ou autoria intermediária. Segundo a lei peruana, autoria intermediária é atribuída
aquelas pessoas que foram determinadas a terem domínio sobre aparato de poder organizado, tendo assim
o poder de ordenar ou orientar cada membro daquele aparato para cometer crimes ou, nesse caso,
violações dos direitos humanos. Dessa forma, considerou-se no julgamento que o ex-presidente, como
comandante das Forças Armadas, teve controle direto sobre o Grupo Colina, uma unidade militar que
operou de dentro dos serviços de inteligência do Exército e que envolveu inúmeros assassinatos,
desaparecimentos forçados e tortura ilegais.
Portanto, a sentença traça cuidadosamente o contexto político e a estrutura institucional na qual
Fujimori chegou ao poder em 1990 e como ele redefiniu a estratégia nacional de combate à insurgência.
Prevaleceu o argumento do Ministério Público de que Fujimori dirigiu e supervisionou
pessoalmente a implementação dessa nova estratégia, que consistiu de uma estratégia pública formal que
reivindicava respeitar os direitos humanos e, em paralelo, uma estratégia secreta desenhada para eliminar
fisicamente suspeitos de subversão.
Sustentou a sentença do Tribunal que por meio de seu controle do Exército e dos serviços de
inteligência, Fujimori obteve controle direto — e também responsabilidade — pelos atos do Grupo
Colina. Ainda, o Tribunal também estabeleceu que quando aspectos das atividades do Grupo Colina
vieram a público, Fujimori e seus aliados estavam envolvidos em uma série de ações que buscavam
encobrir esses crimes, que nunca foram devidamente punidos e cujos autores acabaram sendo protegidos
pelas leis de anistia aprovadas pelo Congresso e promulgadas por Fujimori em 1995.
Todavia, houve alguns dilemas acerca do julgamento do ex-presidente Fujimori. O primeiro
desses dilemas foi a questão da retroatividade, ou seja, condenações sob normas que não estavam em
vigor no momento em que os crimes alegados foram cometidos e que presumivelmente violariam o
Estado de Direito. O segundo problema refere-se à politização, ao fato de o Tribunal agir de forma
independente das pressões políticas que pode viciar a imparcialidade de julgamentos a ele remetidos.
A questão da retroatividade foi dada solução de maneira simples, uma vez que, para processar
Fujimori, o Tribunal se baseou na constituição de 1979 e no Código Penal em vigor no momento em que
os crimes foram cometidos. O Tribunal delineou a genealogia do conceito de autoria mediata no Código
Criminal peruano, observando sua adoção formal em 1991 e citando os trabalhos de destacados peritos
peruanos na legislação penal sobre esse tópico.
A autoria mediata foi utilizada para condenar o principal líder do Sendero Luminoso, Abimael
Guzmán, alguns anos antes. Também foi utilizada para condenar o ex-chefe do SIN, General Julio Salazar
Monroe, no caso Cantuta, em abril de 2008. Além disso, enquanto argumentava-se que os casos de
Barrios Altos e de Cantuta constituíam crimes contra a humanidade, o veredicto não foi baseado nesse
conceito legal, que atualmente não é codificado na legislação penal peruana, mas em crimes de
assassinato qualificado, assalto e sequestro, todos devidamente codificados na lei peruana no momento
em que os crimes foram cometidos.
Em relação à politização, outro grande desafio, foi o órgão judicante atuar de forma
independente, para que as regras das normas de lei e o devido processo possam ser totalmente
confirmados e não estar sujeito à qualquer influência política.
3
Ressalta-se que a opinião pública nacional e internacional perceberam
amplamente que o julgamento de Fujimori foi justo e imparcial e que, principalmente,
garantiu os direitos de devido processo do acusado. Fujimori recebeu ampla
oportunidade de se defender perante o Tribunal: seu advogado foi autorizado a
apresentar testemunhas, documentos, material audiovisual e outras evidências que
considerou pertinentes ao caso. O Tribunal concedeu à defesa tempo suficiente para
apresentar argumentos na defesa de seu cliente, bem como nos interrogatórios das
testemunhas de acusação. O próprio Fujimori foi autorizado a dirigir-se ao Tribunal no
início do processo, após cada testemunha prestar seu depoimento e ao final do
julgamento.
Por fim, foi garantida a equidade do processo judicial e limitação de possíveis
interferências políticas, tornando-o o mais transparente possível. Para esse fim, foi
aberto acesso direto dos procedimentos à imprensa e o julgamento foi amplamente
coberto pela mídia televisiva e eletrônica peruana, além de permitiu que sobreviventes e
familiares das vítimas dos casos de direitos humanos, bem como a família de Fujimori,
amigos e parceiros políticos, estivessem presentes ao julgamento na qualidade de
observadores. Ativistas dos direitos humanos, acadêmicos e observadores internacionais
também foram autorizados a acompanhar o processo.
O Tribunal peruano que sentenciou Fujimori parte da premissa de que em casos
semelhantes categorizados como crimes de Estado não se pode pretender de que
existem provas documentais diretas dos órgãos governamentais que informem do seu
planejamento e execução, porque obviamente isso resultaria incriminador e
contraproducente tendo em vista a impunidade almejada pelos agentes do Estado
envolvidos. No caso Fujimori, a Sala Penal Especial da Corte Suprema peruana adotou
a tese de ROXIN da autoria mediata pelo domínio da vontade em aparato organizado de
poder.
Para que isso fosse possível, todos pressupostos determinantes do domínio sobre
a organização - poder de mando que tem o homem detrás sobre a organização,
afastamento do direito ou constante antijuridicidade da organização, fungibilidade e
predisposição à comissão do ato ilícito - foram detalhadamente demonstrados
Para qualificar como autor mediato o homem detrás isto é, o dirigente, o chefe, o
comandante, é fundamental que este detenha um poder de mando. Nessas circunstancias
não é necessário que se recorra a meios coativos ou enganosos porque o poder de
3
mando das chefias faz que a ordem dada seja cumprida automaticamente pelos
subordinados. Segue-se daí que o poder de mando que se tem sobre e dentro da
organização, constitui o ponto central para afirmar a existência do domínio sobre a
organização42.
Segundo entendimento já ordenado aqui, um pressuposto fundamental para o
cumprimento da ordem necessita que a estrutura organizacional de corte hierárquico
vertical e funcional na sua unidade se encontre fora do ordenamento jurídico, em outras
palavras que a organização se encontre dissociadas do direito antes e depois de
cometido um crime determinado. O Tribunal peruano caracteriza essa dissociação da
ordem jurídica do ato delituoso.
Também, na fungibilidade, isto é, capacidade de substituição que tem os chefes
superiores sobre as pessoas interpostas que executam o último ato parcial para a
concretização do delito, o executor imediato responderá como autor.
O fundamento da predisposição ao cometimento do ato ilícito se encontra no
domínio que exerce o homem detrás sobre o executor por meio do aproveitamento da
sua disposição ao ato. Assim o domínio que exerce o dirigente, chefe ou líder (homem
detrás) se fundamenta no domínio sobre a organização mais do que na situação
psicológica ou mental do subordinado.
O autor de um delito numa organização criminosa está numa situação totalmente
diferente daquele autor que comete qualquer crime em particular. Logicamente que o
executor identificado com o ideário e com a projeção social da organização criminal
encontra-se muito mais disposto a praticar um ilícito que qualquer delinquente comum.
Segue-se daí que a probabilidade de sucesso de uma ordem dada pelos chefes será
maior, consequentemente esta predisposição contribuirá ao domínio do ato que exercem
os líderes.
Finalmente, percebe-se que a Corte Suprema peruana para vincular Fujimori aos fatos se valeu
da teoria Roxiniana da autoria mediata por organização, em especial a autoria mediata por domínio da
vontade em aparatos de poder organizados, de larga aplicação na jurisprudência de países que sofreram
com a experiência histórica de crimes de lesa humanidade cometidos pelo próprio Estado ou por seus
agentes em desfavor da sociedade civil.
5.2. Ação Penal 470
42 Corte Suprema do Peru, R. N. n° 19-01-2009 - A.V. Lima, p. 47- 48.
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A Ação Penal 470, também chamada de “mensalão”, foi processada e julgada
originariamente pelo Supremo Tribunal Federal, cuja relatoria pertenceu ao Ministro
Joaquim Barbosa com revisão do Ministro Ricardo Lewandowski, protocolada em
novembro de 2007 e acórdão publicado no ano de 2014. A Ação Penal 470 versou
basicamente sobre crimes contra a Administração Pública orquestrada por parlamentares
federais e agentes políticos.
Para obter resultado positivo na responsabilização dos acusados, o Supremo
invocou a teoria do domínio do fato, como pode ser anotado a seguir:
Em verdade, a teoria do domínio do fato constitui uma decorrência da teoria finalista de Hans Welzel. O propósito da conduta criminosa é de quem exerce o controle, de quem tem poder sobre o resultado. Desse modo, no crime com utilização da empresa, autor é o dirigente ou dirigentes que podem evitar que o resultado ocorra. Domina o fato quem detém o poder de desistir e mudar a rota da ação criminosa. Uma ordem do responsável seria o suficiente para não existir o comportamento típico. Nisso está a ação final. Assim, o que se há de verificar, no caso concreto, é quem detinha o poder de controle da organização para o efeito de decidir pela consumação do delito. Se a resposta for negativa haverá de concluir-se pela inexistência da autoria. Importante salientar que, nesse estreito âmbito da autoria nos crimes empresariais, é possível afirmar que se opera uma presunção relativa de autoria dos dirigentes. Disso resultam duas consequências: a) é viável ao acusado comprovar que inexistia o poder de decisão; b) os subordinados ou auxiliares que aderiram à cadeia causal não sofrem esse juízo que pressupõe uma presunção juris tantum de autoria. Tais considerações são feitas em função da suscitada – e rechaçada - nulidade da denúncia por não individualizar as condutas dos delitos imputados aos dirigentes à testa da empresa, especialmente do Banco Rural. Ora, se a vontade do homem de trás, sobre quem recai a presunção de autoria do crime, constitui a própria ação final da ação delituosa da empresa, o que se há de descrever na denúncia é como referida empresa desenvolveu suas ações. Basta isso. A autoria presumida do ato é de seus dirigentes. Isso, como se viu, não se aplica aos auxiliares cujo comportamento em nível de colaboração tem de ser esclarecido na peça inicial do acusador. Na hipótese sub judice, é de clareza meridiana o que a denúncia atribui ao Banco Rural, especificando todo o roteiro das atuações no sentido de desacatar as regras exigíveis no tráfico regular das operações bancárias, de modo a tipificar o crime de gestão fraudulenta. Presumidamente, aos detentores do controle das atividades do Banco Rural, conforme dispõe o ato institucional da pessoa jurídica, há de se imputar a decisão (ação final) do crime.43
43 AP 470 / MG, p. 1161-1162.
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Continua a concluir a sentença traçada pelo Supremo, fundamentada a condenação simplesmente
com a imputação do domínio do fato.
Reputo, porém, necessário limitar essa conclusão aos parlamentares beneficiários. Afinal, como destinatários finais do numerário e responsáveis pela negociação do recebimento dos valores, inclusive em contatos com os responsáveis pelos pagamentos (Delúbio Soares e Marcos Valério), tinham completo domínio dos fatos, sendo possível inferir que agiram com dolo, direto ou eventual, como exposto.44
Ainda, para absolver um dos réus da Ação, o Tribunal também o fundamenta
com a ausência do domínio do fato.
Diferentemente, conforme constatado pela Procuradoria-Geral da República, é a condição de ANTÔNIO LAMAS que, à míngua de outros elementos probatórios, agiu sem pleno domínio dos fatos. Isto é, sem conhecimento e vontade de realizar a conduta incriminada, mormente porque, aparentemente, seu agir – retirada em espécie -, não se reveste de ilicitude. Pelo que se dessume da prova, ANTÔNIO LAMAS serviu como mero instrumento para a execução do saque, faltando-lhe o elemento subjetivo do tipo.45
Em seguida, notamos a citação de trecho do acórdão, na qual se faz referência à
teoria do domínio do fato com força probatória positiva ou negativa, ou seja, o domínio
do fato, segundo o Supremo, é mecanismo de condenação quando da ausência ou
dificuldade de provar ser o agente culpado. Segue o relato:
Incapaz, portanto, de comprovar as acusações lançadas contra JOSÉ DIRCEU, o Ministério Público recorre, num derradeiro esforço de convencimento desta Suprema Corte, à denominada “teoria do domínio do fato”. Trata-se de uma tese, embora já antiga, ainda controvertida na doutrina. Não obstante a discussão que se trava em torno dela, muitas vezes é empregada pelo Parquet como uma espécie de panaceia geral, ou seja, de um remédio para todos os males, à míngua do medicamento processual apropriado. No caso de processos criminais em que a produção da prova acusatória se mostre difícil ou até mesmo impossível, essa teoria permite buscar suporte em um raciocínio não raro especulativo com o qual se pretende superar a exigência da produção de evidências concretas para a condenação de alguém.46
44 AP 470 / MG, p. 1302. 45 AP 470 / MG, p. 4412. 46 AP 470 / MG, p. 4950.
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No entanto, houve momentos em que a teoria do domínio do fato foi melhor
compreendida, embora esse entendimento não tenha sido o predominante, como se pode
observar abaixo:
O próprio Claus Roxin, autor que criou a citada teoria em 1963, ao proferir aula inaugural na Universidade de Lucerna, na Suíça, em 21 de junho de 2006, manifestou preocupação com o alcance indevido que alguns juristas e certas cortes de justiça, em especial o Supremo Tribunal Federal alemão, estariam dando a ela, especialmente ao estendê-la a delitos econômicos, sem observar que os pressupostos essenciais para sua aplicação - dentre os quais a fungibilidade dos membros da organização delituosa - “existem apenas no injusto do sistema estatal, no ‘Estado criminoso dentro do Estado’, assim como a Máfia e formas semelhantes de manifestação da criminalidade organizada.”47
Assim, percebe-se que o erro mais comum e menos observado é fundamentar o status de alguém
como autor atribuindo-lhe o domínio do fato.48 A ideia de autor como figura central do acontecer típico,
bem como a ideia de domínio do fato, não são conceitos classificatórios, isto é, que postulam um conjunto
de elementos sob os quais se podem fazer subsunção de diversas formas de comportamento ocorridas na
realidade, mas sim conceitos que ROXIN chama como abertos.
Portanto, a ideia de domínio do fato não é uma definição de autor, mas um critério reitor que
deve ser concretizado não pelo juiz no caso concreto, e sim pela doutrina diante de grupos de casos. Logo,
não se trata de uma descrição da autoria, mas de um critério formal, um ponto de apoio metodológico. Na
prática forense, não se presta a afirmação de que um agente seja autor simplesmente por ter ele o domínio
do fato. Tal afirmativa é vazia de conteúdo, pois na medida em que o fundamental é determinar quais
circunstâncias concretas fazem do sujeito o senhor do fato. Essas circunstância são enumeradas pelos
grupos de casos que se desencadeia o domínio do fato: o cometimento de mão própria da ação delituosa,
em que o agente é sempre autor (efetuar o disparo, socar a vítima), tendo como resultado o domínio do
fato, sob a forma de domínio da ação; o uso de um instrumento em erro, sob coação ou por aparato de
poder organizado, e dessas circunstâncias é que se deriva o domínio da vontade e, com ela, o domínio do
fato; e, finalmente, a existência de um plano comum, com divisão de tarefas, e de uma contribuição
relevante, do que surge o domínio do fato, sob forma de domínio funcional do fato. Os termos domínio da
ação, da vontade ou funcional aparecem, assim, somente ao final da argumentação, não sendo, portanto, o
fundamento, mas sim o resultado.49
Outra consideração que merece destaque diz respeito ao fato de que ocupar uma posição de
destaque ou mesmo de comando em um grupo em que uma pessoa plenamente responsável pratica uma
dessas condutas não faz ninguém, por si só, autor dessas condutas. Ter uma posição de comando não
47 AP 470 / MG, p. 4953. 48 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61-92.
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significa, necessariamente, concorrer, causar o fato. A teoria do domínio do fato está mais próxima do
conceito restritivo do que o extensivo de autoria, conceito esse último que se baseia o artigo 29, caput, do
nosso Código, que diz responder pelo crime todo aquele que para ele concorre. Para o domínio do fato
somente será possível falar em autoria quando se atende aos pressupostos exigidos, como exemplo, se,
nos casos de domínio da organização (forma de autoria mediata), o chefe de um grupo emite uma ordem
dentro de uma estrutura verticalizada de poder, dissociada do direito, e que tenha fungibilidade do
executor; e se, nos casos de coautoria, a decisão era comum e contribuição do agente for relevante. Se o
artigo 29 do CP não for suficiente para responsabilizar um agente que supostamente praticou um fato
típico, não será a teoria do domínio do fato que o será, pois ela delimita e restringe a autoria, uma vez
observados seus pressupostos.50
Destaca-se a existência, no ordenamento jurídico brasileiro, do delito omissivo impróprio
contido no art. 13, § 2º do CP, que a omissão de um resultado criminosos é penalmente relevante quando
o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. Alguns agentes que se encontram na posição de
garantidor, por exemplo, podem incorrer nesse quesito. É o caso de um dirigente de empresa responsável
pelo abastecimento de água potável que se omite quando se despeja dejetos na rede. Podendo agir para
evitar o dano, levanta-se a hipótese da responsabilidade por omissão, porém há de se observar o dolo.
Finalmente, cabe mencionar que se exige também a existência de dolo para os delitos de
domínio, inexistindo, portanto, qualquer responsabilidade fundada na mera posição de comando, figura
existente apenas para o direito penal internacional, conhecida como command responsability
(Responsabilidade dos Chefes Militares e Outros Superiores Hierárquicos), de acordo com artigo 28 do
Estatuto do Tribunal Penal Internacional,51 que não se confunde em nada com a teoria do domínio do fato.
Todavia, tal figura é bastante discutível e encontra pouca guarida no nosso ordenamento jurídico por
incompatibilidade com o princípio da culpabilidade.
49 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61- 92. 50 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61 - 92. 51 Art. 28: Além de outras fontes de responsabilidade criminal previstas no presente Estatuto, por crimes da competência do Tribunal: a) O chefe militar, ou a pessoa que atue efetivamente como chefe militar, será criminalmente responsável por crimes da competência do Tribunal que tenham sido cometidos por forças sob o seu comando e controle efetivos ou sob a sua autoridade e controle efetivos, conforme o caso, pelo fato de não exercer um controle apropriado sobre essas forças quando: i) Esse chefe militar ou essa pessoa tinha conhecimento ou, em virtude das circunstâncias do momento, deveria ter tido conhecimento de que essas forças estavam a cometer ou preparavam-se para cometer esses crimes; e ii) Esse chefe militar ou essa pessoa não tenha adotado todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática, ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes, para efeitos de inquérito e procedimento criminal. b) Nas relações entre superiores hierárquicos e subordinados, não referidos na alínea a), o superior hierárquico será criminalmente responsável pelos crimes da competência do Tribunal que tiverem sido cometidos por subordinados sob a sua autoridade e controle efetivos, pelo fato de não ter exercido um controle apropriado sobre esses subordinados, quando: a) O superior hierárquico teve conhecimento ou deliberadamente não levou em consideração a informação que indicava claramente que os subordinados estavam a cometer ou se preparavam para cometer esses crimes; b) Esses crimes estavam relacionados com atividades sob a sua responsabilidade e controle efetivos; e c) O superior hierárquico não adotou todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes, para efeitos de inquérito e procedimento criminal.
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Talvez, o que se tenha querido imputar aos agentes arrolados no caso do mensalão foi uma
dessas duas figuras acima mencionada, ou seja, fundamentação da responsabilidade por delito omissivo
impróprio ou command responsability. Mas, certamente não foi aplicada a teoria do domínio do fato.52
6. CONCLUSÃO
Desde logo, encerramos o presente estudo com a reafirmação de que domínio do
fato possui como função dogmática distinguir autor de partícipe e não oferecer um
argumento de punição que não ocorreria de outra forma; é critério geral de orientação
para determinar o conceito de autor como figura central do acontecer típico. Não sendo
assim critério universal, a teoria não se aplica a todos os delitos, como por exemplo, aos
chamados delitos de dever e aos delitos de mão própria, os quais possuem
características específicas.
Também, não se confunde domínio do fato com o domínio final do fato, pois
como já visto, essa terminologia cabe aos finalistas, que dogmaticamente já se
encontram superados. Para a teoria Roxiniana, autor é a figura central do acontecer
típico, enquanto para os finalistas autor é quem assenhora o fato típico final.
Da mesma maneira, não há que se confundir também domínio do fato com
domínio por organização ou domínio funcional do fato. Essas são categorias, espécies
que decorem da autoria mediata e coautoria, respectivamente. A ideia reitora do
domínio do fato é uma expressão de critério geral de orientação que se desdobra nas
diversas espécies de autorias já citadas.
Logo, quando se faz uma leitura picotada, ou mesmo distorcida, do conceito do
domínio do fato o resultado social não é satisfatório, pois desequilíbrios na penalização
dos crimes hão de persistir.
Assim, torna-se imprescindível o preciso conhecimento da teoria do domínio do
fato a fim de que a sua aplicação seja consistente, já que sua interpretação e
entendimento corretos é que balizarão a boa prática dos tribunais.
52 GRECO, Luís. Op. Cit., p. 61 - 92.
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7. REFERÊNCIAS
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ROXIN, Claus. Autoría y domínio del hecho en derecho penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000. WESSELS, Johannes. Direito penal: parte geral. Trad. de Juarez Tavares. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 1976.