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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A PROVA DA VERDADE NO JUÍZO PENAL Por: André Luiz Costa Orientador Prof. Jean Alves Pereira Almeida Rio de Janeiro 2014 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A PROVA DA VERDADE NO JUÍZO PENAL

Por: André Luiz Costa

Orientador

Prof. Jean Alves Pereira Almeida

Rio de Janeiro

2014

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A PROVA DA VERDADE NO JUÍZO PENAL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Penal e Processual Penal. Por: André Luiz Costa.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus mestres pelas preciosas lições doutrinárias, jurisprudenciais e de experiência profissional. Á Vez do Mestre Faculdade Integrada, instituição à qual tenho apreço, por ser o local onde cursei a graduação, as especializações e, certamente, outros estudos futuros.

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DEDICATÓRIA

À minha mãe por ter vencido todos os desafios para que eu pudesse estudar. À minha mulher pelo incentivo, palavras de ânimo e conselhos para o aperfeiçoamento acadêmico e profissional. Ao meu filho lindo, esperto e inteligente, que alegra e motiva os meus dias desde a sua chegada.

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RESUMO

A investigação de um crime requer cuidado, dedicação e

compromisso com a verdade, evitando falhas na colheita de provas em sede de

inquérito policial que podem levar a uma sentença de caráter injusto. É nesta

seara que a utilização de novas tecnologias capazes de auxiliar o deslinde de

um caso podem ser utilizadas. O presente trabalho justifica-se a partir da

observação de que é na fase da investigação de um delito, no inquérito policial,

que podem ocorrer erros capazes de levar a condenação de um inocente.

O trabalho se propõe a analisar casos reais onde houve falha na

produção da prova de reconhecimento pessoal, acarretando o cerceamento da

liberdade de alguns indivíduos. Objetiva, ainda, elencar técnicas modernas e

apuradas que de alguma forma possam auxiliar na análise da persecução

penal em fase de inquérito, assim como a necessidade de profissionais mais

bem treinados na busca da verdade.

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METODOLOGIA

O trabalho de pesquisa foi realizado por meio da revisão bibliográfica

de autores específicos na área apresentada, bem como se utilizou de dados

secundários em sites oficiais de legislações, jornais e revistas online, como

matérias publicadas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - BREVE EVOLUÇÃO DA OBTENÇÃO DA VERDADE 09

CAPÍTULO II - ERROS DE JULGAMENTO: CASOS EMBLEMÁTICOS 15

CAPÍTULO III – FALHAS NA PERSECUÇÃO PENAL 19

CAPÍTULO IV – ERROS NO RECONHECIMENTO DO INDICIADO 25

CAPÍTULO V – USO DA TECNOLOGIA NA BUSCA DA VERDADE 30

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CITADA 41

ÍNDICE 45

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INTRODUÇÃO

Por muitos séculos o problema da verdade vem sendo questionado,

mas nem mesmo os antigos filósofos conseguiram chegar a um consenso do

que ela representa. Dentro de um sistema de valores, a verdade pode ser vista

como um fato, ou melhor, como a narração de um fato ocorrido, que fará com

que o mesmo seja considerado como verdadeiro ou não.

Os dicionários da língua portuguesa, de forma geral, definem a

verdade como sendo “a conformidade com o real”. O problema é que esta

“conformidade” com um fato real pode ou não ser verdadeira.

Estando o fato na “conformidade” com a realidade, cabe a seguinte

indagação: se ninguém acreditar na afirmação de uma pessoa, ela pode ser

condenada injustamente?

Em razão dessa hipótese, tornou-se necessário desvendar qual o

impacto de um acontecimento narrado como verdadeiro ou não, o que significa

dizer que poderá, de uma ou de outra forma, trazer consequências danosas a

situações cotidianas.

Estudar-se-á a questão de forma pragmática, baseando-se no

aspecto prático, a partir da análise de casos.

Dessa forma, a verdade cuja existência e consistência prática

possam ser verificadas ganha atenção deste estudo.

Assim, a abordagem é feita apenas de uma faceta da verdade:

aquela que diz respeito aos fatos considerados penais e tem por escopo

observar o momento, na elucidação de um crime, em que a informação é

prestada, juntamente com fatos a ela relacionados.

Outro ponto de enfoque é a possibilidade da utilização de

ferramentas tecnológicas para apurar a elucidação de casos, como o

analisador de voz e o polígrafo. Ainda que haja uma lacuna legislativa sobre o

uso destes métodos para detecção da verdade, observam-se alguns

precedentes no Brasil, fazendo com que, aos poucos, o tema ganhe relevo na

evolução da dinâmica de identificação de um indiciado.

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CAPÍTULO I

BREVE EVOLUÇÃO DA OBTENÇÃO DA VERDADE

A relação entre o homem e a busca pela verdade sempre esteve

presente no meio social. É incerto dizer quando realmente surgiram os

primeiros métodos de obtenção da verdade de fatos ocorridos na sociedade. A

discussão sobre a verdade mostra que esse conceito sempre encontrou várias

teorias em conflito sem que os próprios filósofos tenham chegado a um

consenso. Sabe-se que o inquérito surgiu na Grécia antiga, como forma de

obtenção da verdade nos casos de relevância penal; ficando por longo tempo

esquecido, vindo a ressurgir na Idade Média (Foucault, 2002, p. 55).

Antes do Império Romano, no Direito Germânico não havia a

intervenção do poder público para obtenção da verdade. O que havia era a

presença de uma espécie de duelo entre famílias, grupos, clãs sem qualquer

intervenção de uma pessoa representando a sociedade. Assim, a obtenção da

verdade se dava entre dois personagens, aquele que acusava e o que se

defendia. Tudo isso representava a ritualização de um direito reclamado que se

expressava, via de regra, pela vingança e que se realizava em forma de um

ritual de guerra.

Todo esse sistema de obtenção da verdade se estende para a Idade

Média onde uma pessoa reivindicava para si determinado direito, outra pessoa

a contestava e ambas eram submetidas a um sistema de demonstrar a verdade

através da força. Para que isso ocorresse, diversos jogos eram propostos:

provas sociais, provas do tipo verbais, provas mágico-religiosas e ordálias.

Assim, o inquérito se caracterizava como uma forma de exercício do poder.

Dentre os sistemas de provas citados, as ordálias representavam

uma forma de persecução penal, que se tornou um critério na busca da

verdade funcionando como um jogo da vida (FOUCAULT, 2002, p. 36), onde,

em nome de Deus, com a função de obter a verdade a todo custo, eram

aplicadas várias formas de crueldade humana: prova do duelo, prova do fogo,

etc. Pouco importava se a pessoa era ou não culpada. A busca pela obtenção

da verdade confundia-se entre a fé religiosa e a força papal. Nessa fase, o

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inquérito se apresentava também como uma prática política, administrativa,

bem como uma forma de pesquisa da verdade dentro do sistema judiciário

(Foucault, 2002a, p. 12).

Já no século XII o inquérito se mostrou obscuro em todas as formas

de processamento, mesmo ganhando procedimentos mais racionais por conta

das transformações das estruturas políticas e das relações de poder; porém,

até a sentença, todo o procedimento se mantinha secreto e nem mesmo o

acusado sabia como era julgado. O acusado não tinha acesso aos

depoimentos, imputações, provas e nem a coisa alguma; sabia somente que

iria sofrer uma penalidade em nome de Deus.

1.1. O inquérito no Brasil

Em um salto na história com enfoque no Brasil Imperial, em 1832, foi

criado o primeiro Código de Processo Criminal do Império (SOUZA, 2006, p. 3).

Mesmo após a Independência frente à Coroa Portuguesa, havia resquícios de

um sistema medieval nas Ordenações Filipinas, reduzindo as penas, em

especial as de morte, para três tipos de infrações: insurreição de escravos,

latrocínio e homicídio agravado, como informa DOTTI (1998, p.52).

Anos mais tarde, ainda na fase monárquica, o inquérito representava

um processo de governo, uma modalidade de gestão; como dispunha o

Decreto n. 4.824 de 22 de novembro de 18711, em diversos artigos, entre os

quais:

Art. 38. Os Chefes, Delegados e Subdelegados de Policia, logo que por qualquer meio lhes chegue a noticia de se ter praticado algum crime commum, procederão em seus districtos ás diligencias necessarias para verificação da existencia do mesmo crime, descobrimento de todas as suas circumstancias e dos delinquentes.

Art. 42. O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circumstancias e dos seus autores e complices; e deve

1 BRASIL. Decreto n. 4.824 de 22 de novembro de 1871. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCiViL_03/decreto/Historicos/DIM/DIM4824.htm>. Acessado em: 10 jan. 2014.

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ser reduzido a instrumento escripto (...). (Artigos extraídos do texto original).

Após o fim da escravidão, em 1888, o Brasil ganhou novos traços

humanitários e o inquérito seguiu de uma forma um pouco mais ordenada de

diligências necessárias para obtenção de fatos, assim como tudo o que fosse

útil na resolução dos fatos criminosos.

Nos dias atuais é utilizado o processo racional, mais humanizado,

com o mesmo viés investigativo e preparatório, porém ainda representa uma

maneira estatal de expressar o poder. A partir do momento da realização de

um crime, surge para o Estado o poder-dever de buscar o autor do delito,

momento em que se dá início ao inquérito policial – procedimento

administrativo inquisitivo e preparado pela autoridade policial, via de regra, pelo

Delegado de Polícia, com a finalidade de oferecer o suporte informativo para

que se junte aos autos processuais e possa auxiliar nas decisões tomadas pelo

juiz.

RANGEL (2010, p.8) apresenta a diferença entre a verdade dos

autos e a verdade dos fatos diante da busca pela verdade:

Descobrir a verdade processual é colher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e maneira pela qual o fez. A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade do mundo dos homens. Até porque o conceito de verdade é relativo, porém, nos autos do processo, o juiz tem que ter o mínimo de dados necessários (meios de provas) para julgar admissível ou não a pretensão acusatória. Afirmar que a verdade, no processo penal, não existe é reconhecer que o juiz penal decide com base em uma mentira, em uma inverdade. Ao mesmo tempo, dizer que ele decide com base na verdade processual, como se ela fosse única, é uma grande mentira. (Z) A verdade processual deve ser vista sob um enfoque da ética, não do consenso, pois não pode haver consenso quando há vida e liberdade em jogo, pelo menos enquanto se estiver compromissado com o outro como ser igual a nós, por sua diferença. A verdade obtida, consensualmente, somente terá validade se for através da ética da alteridade. A verdade é processual. São os elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são levados em consideração pelo juiz em sua sentença. A valoração e a motivação recaem sobre tudo que se apurou nos autos do processo.

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O sistema inquisitivo há séculos vem se instituindo como forma de

obtenção da verdade, servindo como instrumento de gestão, atuando

paralelamente ao governo, balizando toda persecução penal na força e na

obrigatoriedade. Contudo, desde a sua implantação na Grécia, o inquérito

policial vem ao longo dos tempos sofrendo modéstias modificações no que

concerne sua forma de produção da verdade. No seu inteiro teor, o inquérito

sempre teve sua característica inquisitiva, mas os esforços para que se torne

um sistema verdadeiramente acusatório – onde as liberdades individuais sejam

respeitadas e o órgão que acusa não seja o mesmo órgão que julga – vem se

tornando presente a cada dia.

Não se pode falar com propriedade qual sistema que melhor se

adéqua a persecução penal no Brasil, se um sistema inquisitivo ou acusatório.

É possível que o Brasil ainda esteja em fase de transição, passando de uma

concepção inquisitiva para acusatória. Mas, seja qual for o sistema de busca da

verdade dos fatos, o princípio da dignidade da pessoa humana sempre deverá

ser resguardado, pois se trata de um dos pilares da Constituição Federal de

1988. Na visão de FEITOSA (2008, p.37):

A ideologia de que estamos no sistema acusatório é tão forte (e aqui empregamos ideologia no sentido de ocultação ou de falsa representação da realidade) que a maior parte dos membros do Ministério Público, dos advogados e dos juízes acredita que estamos num sistema acusatório e que o processo penal brasileiro é um processo “de partes”. Que processo “de partes” é esse em que o juiz pode “ignorar” (apenas formalmente leva em consideração na fundamentação da sentença) o que as partes alegaram e provaram e partir para a produção produziu, inclusive para condenar e até, em certas hipóteses, por fato não contido na denúncia?

Mesmo em sede de procedimento racional, podem ocorrer alguns

eventuais deslizes ocasionando verdadeiro martírio na vida de uma pessoa, a

exemplo de prisões injustas. Para BECCARIA (1997, p. 28) toda pena que não

seja de absoluta necessidade torna-se tirânica.

É no direito à vida, à integridade física e à liberdade que o homem

médio moderno deposita suas expectativas. As garantias jurídicas envolvem

todos esses direitos, desde a concepção do ser humano.

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Embora o Estado não atue à altura de um agente garantidor da

liberdade e segurança dos cidadãos, a confiança depositada por estes não

deve ser desconstruída sob a pena de ruptura do elo existente entre o Estado-

protetor e o cidadão.

Neste sentido, afirma ARAÚJO (2009, p. 8):

Os cidadãos não devem ser submetidos a constantes modificações do comportamento estatal, as quais não puderam considerar em seus planos originais. A confiança depositada nas instituições estatais deve ser respeitada. Caso contrário, as pessoas evitarão relacionar-se juridicamente com o Estado e buscarão vias alternativas, e não tão idôneas, para a preservação de seus interesses. No Brasil, por exemplo, as frequentes mudanças no conteúdo das normas jurídicas, inclusive as do próprio texto constitucional, causam espanto e são constantemente criticadas pela doutrina pelo desrespeito que causam na consciência dos particulares. Aliás, esse é um dos fatores que tem provocado uma desconfiança generalizada da população brasileira em relação à firmeza e à seriedade dos comportamentos estatais.

FEITOSA (p. 39) também adverte que:

A contradição, hoje, portanto, é entre o princípio acusatório de natureza constitucional e o princípio inquisitivo de natureza cultural. A solução se encontra na tomada de consciência da realidade forense e na decisão fundamental de se realizarem as normas constitucionais. E isso é crucial para a sociedade brasileira, pois uma nação que não vê sua Constituição respeitada não tem como acreditar na sua própria dignidade e num país melhor, mais desenvolvido e mais justo socialmente (grifos do autor).

É nessa evolução de valores que sobressai a dignidade da pessoa

humana, fazendo com que uma prisão injusta se irradie para todos de uma

mesma sociedade, uma vez que estão sob a mesma égide normativa. A

arbitrariedade a todos afeta porque a incerteza se instala.

Assim, o cidadão precisa confiar que o Estado não utilizará as leis

que deveriam protegê-lo para encarcerá-lo.

Filósofos como Rousseau, Beccaria, Comte, entre outros,

preconizavam ideias acerca dos direitos humanos e essa perspectiva veio

sendo incorporada a diversos fatos elencados no ordenamento jurídico

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moderno, visando resguardar o direito fundamental da dignidade da pessoa

humana.

Hoje é pacífico que tanto o Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848/1940)

quanto o Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.689/1941) encontram-se

defasados frente à Constituição Cidadã de 1988, uma vez que esta

redimensionou os direitos e garantias fundamentais, mas, ainda assim, o Brasil

continua com um modelo de inquérito medieval, na contramão de um Estado

Democrático de Direito.

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CAPÍTULO II

ERROS DE JULGAMENTO: CASOS EMBLEMÁTICOS

2.1. Caso Manoel da Motta Coqueiro

Um dos primeiros casos noticiados no Brasil ainda sob o resquício

das Ordenações Filipinas, porém já sob o manto do primeiro Código autônomo

da América Latina apresentado por Bernardo Pereira de Vasconcellos em 1827

e sancionado por D. Pedro II, é o de Manoel da Motta Coqueiro, datado de

1847, conhecido como ‘A Fera de Macabu’, pela acusação imposta de ser o

autor de uma chacina de oito colonos em uma de suas propriedades. Coqueiro

foi condenado à pena de morte.

Vítima de uma conspiração armada por seus adversários, ele é julgado duas vezes de forma parcial e condenado à morte. Logo a condenação é ratificada pelos tribunais superiores, e D. Pedro II nega-lhe a graça imperial. Pela primeira vez no Brasil um homem rico e com destacada posição social vai subir a forca. Pouco tempo depois do enforcamento descobre-se que o fazendeiro tinha sido a inocente vítima de um terrível erro judiciário. Abalado o Imperador, um humanista em formação decide que dali em diante ninguém mais será enforcado no Brasil. (MARCHI, 1998, capa).

MARCHI (1998, 256-257) descreve com maestria que pouco

importava as irregularidades processuais ocorridas na ocasião, tais como

escravos que depõem contra seus senhores, algo que para época era

considerado proibido, que as testemunhas tivessem feito suas declarações de

“ouvir dizer” e até mesmo falta de provas materiais, ou sequer uma confissão.

Nada impediu o enforcamento de Manoel da Motta Coqueiro. Ainda que fosse

uma conspiração da corte frente a um inimigo político.

O caso retrata algo que por séculos iria se perpetuar: a falha do

procedimento administrativo inquisitorial no Brasil.

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2.2. Caso Marcos Mariano da Silva

Considerado pelo Superior Tribunal de Justiça como um dos maiores

erros judiciários do Brasil, foi o caso de Marcos Mariano da Silva, confundido

com um homônimo, preso em 1976. Mesmo sendo inocente ficou recluso sem

ter contra si sequer ordem judicial de prisão.

Marcos Mariano sofreu graves sequelas, por conta das mazelas do

sistema carcerário: ficou cego em uma rebelião ocorrida no presídio, contraiu

tuberculose e desenvolveu um câncer.

Pelos danos causados, o Governo de Pernambuco foi condenado a

pagar o valor aproximado de R$ 2 milhões. Em sede de recurso especial

interposto pelo referido Estado, o Min. LUIZ FUX negou provimento,

fundamentando seu acórdão no princípio da dignidade da pessoa humana

(REsp 612.108/PR, Primeira Turma, DJ 03.11.2004):

Fixada a gravidade do fato, a indenização imaterial revela-se justa, tanto mais que o processo revela o mais grave atentado à dignidade humana, revelado através da via judicial. (...) É de se indagar, qual a aptidão de um cidadão para o exercício de sua dignidade se tanto quanto experimentou foi uma “morte em vida”, que se caracterizou pela supressão ilegítima de sua liberdade, de sua integridade moral e física e de sua inteireza humana? Anote-se, ademais, retratar a lide um dos mais expressivos atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana (..). Grifou-se.

Marcos ficou longos 19 anos preso, sofrendo por algo que ficou

demonstrado ter sido falta de compromisso com a verdade.

2.3. Caso Michel Silveira da Silva

O agente de saúde Michel Silveira da Silva foi preso em flagrante em

2011, trata-se de um caso com diversas irregularidades, como o fato de a

vítima reconhecê-lo na rua e apontá-lo como autor do crime de roubo, nove

dias depois do fato. Michel tinha várias provas documental e testemunhal a seu

favor, pois no dia do crime estava trabalhando, mas ficou preso por 72 dias.

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Michel teve a liberdade de volta em 12 de janeiro de 2012, após o

deferimento do seu Habeas Corpus (TJ/SP, 15ª Câmara de Direito Criminal,

HC: proc. 0303484-67.2011.8.26.0000).

2.4. Caso André Luiz de Oliveira

Outro caso ocorrido em 2012 foi o de André Luiz de Oliveira, na

cidade de Uberlândia, localizada no triângulo mineiro, episódio que evidenciou

mais uma parte do terrível erro que o próprio Estado pode causar na vida de

um cidadão de bem.

André Luiz de Oliveira foi preso quando registrava a ocorrência de

um furto ocorrido no local onde trabalhava. Na delegacia, André foi avisado que

havia contra si um mandado de prisão por latrocínio na cidade de Visconde de

Rio Branco, município bem distante de Uberlândia.

O problema ocorreu pelo fato de que o verdadeiro criminoso era seu

homônimo. Apesar de ambos terem nomes idênticos, o erro poderia ser evitado

se fossem comparados os nomes das genitoras. A mãe do suposto acusado

era “Ilda Maria de Oliveira” e o nome da mãe do verdadeiro meliante “Gilda

Maria de Oliveira”. André Luiz de Oliveira permaneceu preso por duas semanas

até que sua própria família, juntando todos os documentos necessários,

conseguiu obter sua soltura, comprovando que ele não era o foragido da

justiça2.

2.5. Caso Vinícius Romão de Souza

O ator e vendedor Vinícius Romão de Souza, de 26 anos, foi preso

em suposto flagrante logo após ser acusado pela vítima de um assaltado a

mão armada no dia 10 de fevereiro de 2014, na Avenida Amaro Cavalcanti, no

Méier, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro.

2 LEMOS, Vinícius. Pessoas com nomes homônimos já foram alvo de erro judiciário. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Dxo3ON1oELU>. Acessado em: 03 mar. 2014.

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Romão ficou 16 dias na cadeia até que a vítima alegou que poderia

ter reconhecido Romão por engano, acrescentando que só não retornou para

desfazer o ocorrido por falta de dinheiro para a passagem3.

Os casos citados servem para ilustrar como erros procedimentais

afetaram a vida de inocentes, ceifando-os da liberdade, direito de primeira

geração consagrado no art. 5º da Constituição Federal:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).

No mesmo sentido, afirmam os artigos III e IX da Declaração

Universal dos Direitos Humanos4:

Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IX: Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Os casos citados fazem parte de uma dura realidade do sistema

penal brasileiro, apesar de serem considerados emblemáticos, são mais

comuns do que se imagina.

3 ATOR preso por engano no Rio deve ser solto nesta quarta-feira. G1, Rio de Janeiro, 26 fev. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/ator-preso-por-roubo-no-rio-deve-ser-solto-nesta-quarta-feira.html>. Acessado em: 03 mar. 2014. 4 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi aprovada em 1948 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento é a base da luta universal contra a opressão e a discriminação, defende a igualdade e a dignidade das pessoas e reconhece que os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser aplicados a cada cidadão do planeta. PORTAL BRASIL. Cidadania e Justiça. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2009/11/declaracao-universal-dos-direitos-humanos-garante-igualdade-social>. Acessado em: 02 jun. 2014.

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CAPÍTULO III

FALHAS NA PERSECUÇÃO PENAL

3.1 Atuação do órgão policial

Para que o Estado possa julgar o suposto indiciado é necessária a

presença de um lastro mínimo de informações quanto a autoria e a

materialidade do fato em questão. Esta é a razão de ser do inquérito policial,

pois sem que haja ao menos uma justa causa (art. 395, inc. III, do Código de

Processo Penal) para empreender a persecução penal, este seria considerado

inválido.

A fase inquisitorial é passível de incorreções, por ser o inquérito

policial uma peça informativa de preparação para uma eventual ação penal, e,

desta forma, não precisa observar os princípios constitucionais do contraditório

e da ampla defesa (art. 5º, LV) em seu bojo justamente por se tratar de

investigação dos fatos, onde ainda não há a figura do réu e sim a do indiciado.

Em regra o inquérito policial é composto por um conjunto de

acareações, identificações pessoais e diligências realizadas com finalidade de

atestar a autoria e a materialidade dos fatos. É considerado como um meio

eficaz e racional de obtenção da verdade, pois em regra os atos são realizados

o mais próximo possível do acontecimento dos fatos delituosos e podem

determinar não só a materialidade, mas, em muitos casos, a própria autoria.

Independentemente da forma que se dá a colheita do material

probatório, vez ou outra, observa-se imperfeições no desenvolvimento do

procedimento administrativo, ensejando contradições entre os fatos narrados

em sede de inquérito policial e os obtidos nos autos, em sede de ação penal.

Dispõe o artigo 6º do Código de Processo Penal um rol de

providências que devem ser tomadas pela autoridade policial, a partir do

conhecimento da prática da infração penal. De acordo com AVENA (2010, p.

176-177):

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I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o

estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais –

diligência relevante especialmente no caso de infrações penais que deixam

vestígios. A autoridade policial ou seus agentes devem comparecer

rapidamente ao local do fato para preservar o estado das coisas e proceder a

colheita de provas.

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após

liberados pelos peritos criminais – diligência necessária para descoberta da

verdade real que envolve a prática delituosa.

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento

do fato e suas circunstâncias – diligência essencial para adquirir todos os

elementos possam ser úteis para a elucidação da infração penal.

IV - ouvir o ofendido – apesar de imprescindível para obtenção de

informações sobre o crime ocorrido é passível de equívocos, em razão do

estado emocional da vítima após o evento.

V - ouvir o indiciado, devendo o respectivo termo ser assinado

por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura: a autoridade

policial deve ouvir o indiciado, observando, no que for aplicável, as regras do

interrogatório judicial (Título VII, Capítulo, III, do Código de Processo Penal).

VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a

acareações: tem por finalidade identificar vítimas, testemunhas, investigados e

terceiros, bem como proceder o reconhecimento de objetos empregados na

prática delituosa. É nessa diligência que se descreve a pessoa a ser

reconhecida, que se aponta o reconhecido no meio de outras pessoas que

guardem semelhança com o mesmo e ocorre a acareação entre pessoas que

prestaram depoimentos (com o objetivo de confrontar informações

divergentes).

VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo

de delito e a quaisquer outras perícias: exame essencial e obrigatório (art.

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158 do Código de Processo Penal) nas infrações que deixam vestígios (salvo

se o vestígio houver desaparecido, suprindo-se pela prova testemunhal, art.

167 do Código de Processo Penal).

VIII- ordenar a identificação do indiciado pelo processo

datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de

antecedentes: atualmente, por força da Lei 12.037/2009, a identificação

criminal poderá ser datiloscópica e também fotográfica. Já a folha de

antecedentes penais serve para registrar a vida pregressa do indiciado.

IX- averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista

individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado

de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros

elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e

caráter: a autoridade policial deve analisar todos os dados que sejam

importantes na valoração do crime sob investigação, bem como possam influir

na dosimetria da pena em caso de condenação.

Dentre as diligências brevemente apontadas, a identificação criminal

do indiciado merece maior atenção, pois é nesta seara que o presente trabalho

se debruça. Os incisos IV e VI do artigo 6º combinados com o artigo 226 e

seguintes do Código de Processo Penal disciplinam como deverá proceder a

autoridade policial para efetuar a oitiva do ofendido e o reconhecimento do

indiciado. Ocorre que, muitas vezes a fragilidade dessas provas põe em risco a

liberdade de pessoas inocentes porque as lembranças humanas são passíveis

de equívocos.

REZENDE e DOMINGUES (2012, p. 16) dissertam sobre a

fragilidade do reconhecimento pessoal, expondo que artigo 228 do Código de

Processo Penal é o mais importante e desrespeitado de todos os comandos

legais acerca desse meio de prova, uma vez que em quase todos os casos em

que há necessidade de mais de uma pessoa efetuar o reconhecimento do

acusado, os reconhecedores comunicam-se entre si antes do ato de

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reconhecimento, fato que não poderia ocorrer, por formar opiniões passíveis de

macular todo o rendimento da persecução penal.

Destacam os autores que o reconhecimento pessoal é um ato

complexo e psicobiológico mnemônico passível de falhas. ELIZABETH F.

LOFTUS citada por RESENDE e DOMINGUES (p. 16), assevera que as

informações errôneas podem interferir em lembranças quando comentadas

com outras pessoas, ou mesmo interrogadas de maneira invocativa. Ou seja, o

próprio processo de acareação dos fatos ocorridos pode ensejar erros nas

informações oferecidas pelas vítimas quando não colhidas de forma correta.

A falta de cuidado dos profissionais na fase de investigação é outro

ponto que merece atenção:

De fato, não há uma preocupação acentuada dos profissionais encarregados da investigação preliminar (inquérito policial, por exemplo), e da instrução processual acerca da psicologia do testemunho e do reconhecimento. De nada adianta uma boa aquisição e retenção da memória se houver falha justamente no terceiro momento, isto é na recuperação da lembrança. (p. 16). Grifou-se.

Neste sentido, a necessidade de profissionais bem capacitados para

obtenção da verdade mostra-se fundamental uma vez que informações

errôneas podem levar um inocente à prisão, como, aliás, vem sendo muito

comum na fase pré-processual.

3.2. Atuação do órgão judicante

As falhas não estão adstritas apenas à fase inquisitória: elas podem

ocorrer também na fase judicial, onde há o contraditório.

O problema ganha maior dimensão quando as falhas da fase

administrativa são levadas para a fase judicial, vindo a se perpetuar nos autos.

Para evitar que isto ocorra, juízes podem realizar novas diligências ou refazer

diligências já feitas na fase administrativa, no intuito de apurar a verdade dos

autos e evitar a condenação de inocentes.

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O artigo 156 do Código de Processo Penal dispõe que é facultado

ao juiz, mesmo antes de iniciada a ação penal, ordenar a produção antecipada

de provas; determinar no curso da instrução a realização de diligências para

dirimir dúvida sobre ponto que considere relevante. Não se está defendendo

que o magistrado atue na fase de inquérito perdendo sua imparcialidade, nem

tampouco incentivando o ativismo judicial; mas se existe a possibilidade de que

um inocente seja posto em liberdade diante de investigações promovidas por

magistrados frente aos erros cometidos na fase pré-processual, então, o bom

senso deve prevalecer, por estarmos diante de garantias constitucionais.

Portanto, se existe a possibilidade de ponderação entre o princípio da verdade

formal com o princípio da dignidade da pessoa humana, pecado seria não

investigar um bem jurídico de tamanha relevância que é a liberdade.

Em consonância com essa posição, o Ministro Marco Aurélio decidiu

que o material probatório obtido em fase de inquérito policial não é suficiente

para fundamentar a condenação:

Decido. Tem-se, nos autos, que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 157, parágrafo 2º, incisos, I e II, e parágrafo 3º, parte final, do Código Penal, combinados com o artigo 1º, inciso II, da Lei 8.072/90, tendo sido absolvido por insuficiência de provas, nos termos do artigo 389, inciso VI, do Código de Processo Penal, verbis: "Analisando o conjunto probatório, conclui-se que não há uma única prova, produzida em juízo, no sentido de que o acusado José Carlos tenha sido um dos autores do grave crime cometido. Embora o réu não tenha comprovado o álibi alegado, tal circunstância, por si só, desacompanhada de provas judicializadas da autoria, não permite que se chegue a um decreto condenatório. Assim, a prova produzida em juízo não é suficiente para demonstrar a participação de José Carlos no latrocínio em tela, e não se pode amparar o juízo de procedência da denúncia somente nas provas produzidas na fase policial. Em suma, havendo dúvidas quanto à efetiva participação do réu José Carlos no delito denunciado, impõe-se sua absolvição, com fulcro no art. 386, VI, do código de Processo Penal" (...). STF. Habeas Corpus n. 96.356, Rio Grande do Sul. Primeira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio. Impte. Jader da Silveira Marques e Outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça. 03 ago. 2010. Grifou-se.

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No mesmo sentido FERRAJOLI (2002, p. 437) aduz que:

Não se pode punir um cidadão só porque isso satisfaz a vontade ou o interesse da maioria. Nenhuma maioria, ainda que esmagadora, pode tornar legítima a condenação de um inocente ou sanar um erro cometido em prejuízo de um cidadão, único que seja. E nenhum consenso político - do parlamento, da imprensa, dos partidos ou da opinião pública - pode suprir a prova ausente em uma hipótese acusatória. Em um sistema penal garantista o consenso majoritário ou a investidura representativa do juiz não acrescenta nada à legitimidade da jurisdição, uma vez que nem a vontade ou o interesse geral e tampouco nenhum outro princípio de autoridade podem tornar verdadeiro aquilo que é falso ou vice-versa.

Desta forma, o juiz ao intuir nos autos provável falha na persecução

penal capaz de interferir no regular andamento do processo e consequente

implicação em prejuízo aos envolvidos, deve realizar as diligências que

considere necessárias para esclarecer as dúvidas suscitadas, bem como

corrigir os erros porventura cometidos e não levá-los adiante.

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CAPÍTULO IV

ERROS NO RECONHECIMENTO DO INDICIADO

Da análise dos casos citados no Capítulo II, observa-se que Michel

Silveira da Silva e Vinícius Romão foram detidos por suposto flagrante ao

serem reconhecidos pelas vítimas de forma equivocada. Estes enganos são

cientificamente esclarecidos por LEONARD MLODINOW (2013).

MLODINOW explica que o sistema sensorial do ser humano envia

ao cérebro cerca de 11 milhões de bits de informação por segundo, mas tem

consciência de apenas 5% das funções cognitivas, sendo basicamente 95%

inconsciente.

Destes 95% inconsciente, 1/3 é absorvido pela visão, função

cognitiva responsável por detectar cores, situações de movimentos, percepção

de profundidade, distância, identidade de objetos, etc. O referido cientista

afirma que todo esse processo se dá sem a plena consciência do cérebro.

O cérebro humano dedica maior atenção aos rostos humanos do

que a outros fenômenos visuais. E é justamente aí que o problema reside, pois,

como a visão capta diversas informações em fração de segundos, a todo

instante pode diminuir a qualidade de alguns dados. Estes para serem úteis

precisam ser consertados para que possam ser valorados, função que é feita

de forma inconsciente pelo próprio cérebro (p. 43-49).

É nesse momento que, como define MLODINOW, surgem as

microssacadas, movimentos oculares involuntários tão rápidos que somente

podem ser detectados com instrumentos especiais (p. 57). Da mesma forma

ocorre com a visão periférica, que também possui baixo valor, ou seja,

apresenta distorções e alterações (p. 43).

MÜNSTERBERG5 (1908) citado por MLODINOW (2013) acreditava

que nenhum ser humano é capaz de reter vasta quantidade de informação com

riqueza de detalhes e que os erros de memória são técnicas que a própria

mente humana cria para preencher as inevitáveis lacunas (p. 67).

5 MÜNSTERBERG, Hugo. On the witness stand: essays psychologi and crime, Nova York, Doubleday, 1908.

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Um episódio ocorrido em Carolina do Norte, nos EUA, em julho de

1984, demonstra como se dá a falha do cérebro no que tange a identificação.

MLODINOW (p. 64-66) relata o caso de Jennifer Thompson, vítima de estupro

aos 22 anos, que examinou o rosto do agressor antes de fugir. No hospital

Jennifer colheu amostras de seu cabelo e fluídos vaginais, em seguida, a

levaram para delegacia, local onde relatou sua análise do rosto do estuprador

para o desenhista dos retratos-falados da polícia local.

No dia seguinte, Ronald Cotton, foi preso como suspeito do estupro.

Três dias após o ocorrido Jennifer estudou seis fotos e reconheceu uma delas,

a foto de Cotton. Alguns dias depois, Jennifer fez o reconhecimento pessoal,

escolhendo Cotton, dentre 5 homens. No Tribunal a mulher apontou novamente

Cotton como seu agressor, condenado a prisão perpétua.

Cotton sempre afirmou sua inocência. Na prisão, trabalhando na

cozinha, Cotton conheceu Bobby Poole, muito parecido fisicamente com ele e

descobriu que o mesmo estava preso também por estupro. Poole havia se

gabado para outro prisioneiro de ter estuprado Jennifer e, por essa razão,

Cotton foi novamente julgado. Novamente arguida, diante de Cotton e Poole,

Jennifer apontou para Cotton e reafirmou que ele era o estuprador.

Cotton saiu do julgamento com outra sentença de prisão perpétua.

Sete anos se passaram, a tecnologia do exame de DNA foi avançada e Cotton

convenceu seu advogado a exigir que o fragmento de espermatozoide fosse

examinado e o resultado provou que Bobby Poole foi o estuprador de Jennifer

Thompson e não Ronald Cotton.

MLODINOV (p. 67) avalia o caso:

Mas é difícil imaginar uma testemunha mais confiável que Jennifer Tompson. Era uma moça inteligente. Ficou relativamente calma durante o ataque. Estudou o rosto do agressor. Concentrou-se para se lembrar dele. Não conhecia e nem tinha qualquer prevenção contra Cotton. Mas apontou o homem errado. Isso é perturbador, pois, se Jennifer Tompson se enganou em sua identificação, talvez nenhuma testemunha seja confiável para apontar com precisão um agressor desconhecido (...). Cerca de 75 mil exames de reconhecimento acontecem todos os anos na polícia dos Estados Unidos, e as estatísticas a respeito mostram que em 20 a 25% das vezes as testemunhas fazem uma escolha que a polícia sabe ser incorreta. E sabe disso porque as testemunhas escolhem um

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dos “inocentes conhecidos”, ou “figurantes”, que a polícia insere para completar a fila. Em geral são detetives da própria polícia ou detentos escolhidos na cadeia local. Essas falsas identificações não põem ninguém em perigo, mas considere as implicações: a polícia sabe que de 1/5 a 1/4 das vezes, a testemunha identifica um indivíduo que comprovadamente não cometeu o crime; mas quando uma testemunha aponta a pessoa que é um suspeito, a polícia – e os tribunais – acreditam que aquela identificação é confiável. (...) Na verdade, estudos experimentais nos quais pessoas são expostas a falsos crimes sugerem que, quando o verdadeiro culpado não está presente, mais da metade das testemunhas faz exatamente o que Jennifer Thompson. Escolhem alguém de qualquer forma, selecionando a pessoa que mais se aproxima da lembrança que tem do criminoso. Como resultado dessas questões, identificações falsas de testemunhas parecem ser a principal causa de condenações indevidas. Uma organização chamada Innocence Project, por exemplo, descobriu que, das centenas de pessoas isentadas de culpa com base em testes de DNA, depois da condenação, 75% haviam sido presas com base em identificações imprecisas de testemunhas. Grifou-se.

MÜNSTERBERG (1908) citado por MLODINOW (2013) aponta em

seu estudo que:

(i) as pessoas têm uma boa lembrança dos aspectos principais dos eventos, porém uma má lembrança dos detalhes; (ii) quando pressionadas pelos detalhes não lembrados, mesmo pessoas bem intencionadas, fazendo sinceros esforços para serem precisas, sem querer, preenchem os detalhes inventando coisas; (iii) as pessoas acreditam nas lembranças que inventam.

Uma pessoa em estado de estresse e sob pressão pode ser

induzida a erro, pois, mesmo que não queira, o cérebro recorda de fato

anteriormente lembrado e produz alterações tornando-o duplamente diferente.

No caso Romão, a vítima do assalto o apontou como assaltante

momentos depois, ao vê-lo passar em rua próxima. Ainda que não tivesse a

intenção de prejudicá-lo, agiu dessa forma porque suas associações de

lembranças são de baixa qualidade em relação aos detalhes do evento.

WEIL (1986, p. 107-109) ensina que o corpo humano emite atitudes

corporais em todas as situações, mas todos nós percebemos muito abaixo do

que queremos por estarem diluídas as mensagens. O autor afirma que as

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mensagens disputam entre si pela atenção do interlocutor e que a simples

presença de um observador intencional já modifica a linguagem do observado.

WEIL (p. 143) explica que somente registramos conscientemente o

que desejamos, aquilo que nos interessa. Neste sentido, o corpo de uma

pessoa inocente – como no caso de Michel Silveira da Silva, preso em

flagrante nove dias após ser acusado por um assalto que não cometeu –, em

regra, se expressa pelo posicionamento do tórax, dos ombros protegendo a

cabeça, de olhos observadores, de narinas abertas, pela intensificação do ritmo

cardíaco, da respiração e pelo aumento na produção de suor. As mãos de

quem tem medo passam a ficar espalmadas para frente na intenção de

afastamento do perigo que está ao seu redor.

Mas quem tem culpa tem o mesmo posicionamento toráxico –

embora não seja uma regra– tentando esconder a cabeça, porém seus

músculos principalmente o tríceps e infra-espinhoso são contraídos, mais ou

menos como se estivesse esperando uma surra, diferentemente de quem tem

medo. Destaca WEIL (p. 166): “é o modo inconsciente da punição muito

frequente em pessoas que foram castigadas na infância”.

Se realmente “o corpo fala o que a mente contém” (p. 144) quem é

acusado de algo que não fez terá um posicionamento corporal de firmeza

diante da situação, mas, ainda que alterne com o posicionamento típico de

quem está com medo, terá firmeza em declarar a verdade, olhando firme o seu

interlocutor; o posicionamento do tórax será fixo, para frente, emitindo

coragem, “vigor psíquico” (p. 145) e franqueza em tudo o que diz, sem

quaisquer restrições.

O que se pode depreender da leitura dos casos citados é que o uso

da tecnologia pode minimizar ou até evitar que erros dessa natureza venham a

ocorrer. A falta de profissionais qualificados na fase de construção da verdade

na fase pré-processual e preparatória fragilizam os inquéritos, especialmente

quando surgem dúvidas quanto à autoria de determinados fatos.

Ademais, profissionais mais qualificados saberiam quando uma

declaração mostra-se verdadeira ou maculada de vícios, afetando o rendimento

não somente no que tange ao quesito tempo, mas também prevenindo que

eventuais desacertos ocorram no transcurso das investigações. Por mais

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experiente que seja o profissional, há a necessidade de adaptação aos estudos

corporais, às expressões faciais, à respiração, aos movimentos involuntários

etc. Estes estudos de caráter psicológico podem auxiliar na obtenção da

verdade. A qualificação da atividade policial, juntamente com outros saberes é

uma necessidade. O que se quer não é o descrédito das providências tomadas

pela autoridade policial (artigo 6º, IV e VI, do Código de Processo Penal), mas,

sim, demonstrar o quanto sua produção poderia ser fortalecida e melhor

aproveitada se fosse realizada com melhores técnicas e estilo profissional

adequado.

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CAPÍTULO V

USO DA TECNOLOGIA NA BUSCA DA VERDADE

A era tecnológica é uma realidade no processo penal, a exemplo da

videoconferência (Lei 11.900/2009), da interceptação telefônica (Lei 9.296/96)

e do monitoramento eletrônico (Lei 12.258/2010).

Em que pese as muitas divergências sobre a utilização da

videoconferência e da interceptação telefônica como mecanismos de buscar a

verdade em sede processual, ambas vêm sendo utilizadas e consideradas

como provas lícitas, nas formas e casos especificados na legislação.

Apresenta-se, a seguir, brevíssimos apontamentos sobre estes recursos.

5.1. Recursos tecnológicos utilizados no Brasil

5.1.1. Videoconferência

SAMPAIO (2011, p. 14) avalia que a videoconferência pode interferir

na qualidade do depoimento prestado:

A videoconferência está inserida no contexto da realidade virtual, como representação digitalizada do real, porque em videoconferência os indivíduos interagem apenas através dos aparatos tecnológicos de sons e imagens. (...) Sabemos que o modo como as coisas são percebidas tem influência sobre a formação e a forma final do conhecimento. Desta forma, um depoimento prestado por meio de videoconferência e em presença física será, no fim das contas, diferente. Ou, no mínimo ‘pode vir a ser diferente’. E este risco de ‘vir a ser diferente’ é algo relevante.

São vários os esforços da Administração Pública para implantar a

videoconferência nos presídios, mas esta encontra diversas divergências entre

os constitucionalistas, que argumentam que não há a observância de princípios

como o do juiz natural, o da identidade física do juiz e os da publicidade, ampla

defesa e contraditório (COSTA e FISCILETTI, 2012, p. 12).

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5.1.2. Interceptação telefônica

A interceptação telefônica “é a captação feita por terceira pessoa de

comunicação entre dois (ou mais) interlocutores sem o conhecimento de

qualquer deles” (RANGEL, 2000, p. 1).

A lei 9.296/96 restringe o alcance da interceptação telefônica, como

observa STRECK (1999, s/p):

Dito de outro modo, é por tais questões, que é perfeitamente razoável afirmarmos que “o legislador”(22), ao excluir apenas os crimes ou infrações penais apenados no máximo com detenção do alcance da Lei, expressou seu desejo – ainda que tardio – de combater a macro-criminalidade, como a sonegação de impostos(23), a corrupção etc, e não, cinicamente, à criminalidade de bagatela ou, melhor dizendo, à criminalidade descalça!

Desta forma, para utilização do recurso da interceptação telefônica

devem ser respeitados os requisitos previstos na referida lei especial, evitando

que abusos sejam cometidos.

5.1.3. Monitoramento eletrônico

Como preleciona GRECO (2011, p. 137):

O monitoramento eletrônico foi criado com a finalidade de fazer com que o condenado não fosse retirado, abruptamente, do seu meio social. Muitos dos seus direitos, como acontece com nosso filhos durante a sua correção, passam a ser limitados. No entanto, o convívio em sociedade ainda permanece. Não é dessocializado, mas sim educado a não praticar o ato que o levou a ter suspensos alguns desses direitos.

GRECO (2011, p. 138) apresenta quatro opções técnicas de

monitoramento eletrônico, adaptáveis a pessoa em forma de:

a) pulseira; b) tornozeleira; c) cinto; e d) microchip (implantado no corpo humano). Nas quatro hipóteses apontadas, a utilização pode ocorrer de maneira discreta, permitindo que o condenado cumpra sua pena sem sofrer as influências nefastas do cárcere.

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Em nosso país, em sede de execução penal, o monitoramento

eletrônico é um método bem aceito nas infrações penais em que seja possível

o cumprimento da pena fora do estabelecimento prisional.

Assim, nos dias atuais é fundamental a elaboração de lei de âmbito

penal que introduza a regulamentação do uso de tecnologias capazes de

dinamizar a persecução penal e auxiliar na busca da verdade, como o polígrafo

e o software analisador de voz, ambos analisados a seguir.

5.2. Recursos tecnológicos ainda não autorizados pela legislação

brasileira

O indiciado, conforme dispõe a Lei 12.037/2009, só será submetido

à identificação criminal em hipóteses específicas do artigo 3º:

Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais. Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o indiciado.

O artigo 5º da Lei 12.037 dispõe que a identificação criminal

abrangerá o processo datiloscópico e o fotográfico.

Na lição de AVENA (2010, p. 183):

Não se pode ignorar, contudo, que nos tempos modernos, outros métodos de identificação biométrica estão sendo aperfeiçoados, tais como a identificação por voz, a identificação através da íris, da retina, da face, entre outros. Nesse contexto, é de se indagar se diante dos limites impostos pelo art. 5º, LVIII, da CF (“salvo nas hipóteses previstas em lei”) e em face da contemplação restritiva do art. 5º da Lei 12.037

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(identificação criminal = identificação datiloscópica + identificação fotográfica) aquelas outras formas de identificação poderão ser realizadas sem que impliquem constrangimento ilegal ao indivíduo.

No entendimento de AVENA, a Lei 12.037/2009 não pode abarcar

outras formas de identificação além das expressas em seu artigo 5º:

Ora, a lei, no caso, é a Lei 12.037/2009, que limita a identificação criminal à identificação datiloscópica e à fotográfica. Destarte, a aceitação de outros métodos de identificação, segundo pensamos, exige modificação da regra rígida incorporada no art. 5º daquela Lei, sob pena de implicar o procedimento em violação de garantia constitucionalmente assegurada ao indivíduo AVENA (2010, p. 183).

Desta forma, não cabe a aplicação extensiva da Lei 12.037 para

abranger outros métodos de identificação.

Para respaldar a utilização de outros mecanismos, o diploma

processual utilizado, de forma subsidiária, é o Código de Processo Civil, único

no atual ordenamento jurídico que disciplina sobre a utilização de aparelhos

similares, no artigo 383:

Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade. Parágrafo Único - Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial (grifou-se).

Ressalta-se, ainda, que o juiz em razão do princípio do livre

convencimento não está adstrito a aceitar o resultado do laudo técnico.

5.2.1 O uso do polígrafo e do analisador de voz

Dentre outras tecnologias, o polígrafo é bem conhecido. Atualmente

tem se modernizado, deixando de ser analógico para ser digital. O polígrafo

tem a função de monitorar as mudanças que ocorrem no corpo humano no

momento do relato de um crime. Através de vários tubos conectados ao corpo

da pessoa, são monitoradas as atividades fisiológicas; frequência respiratória,

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pressão arterial, suor humano assim como movimentos dos membros inferiores

e superiores, segundo BONSOR (2001, s/p).

SAMPAIO, D. (2012, p. 14), mostra-se contra qualquer tipo de

intervenção corporal que não siga as determinações constitucionais

estabelecidas. E cita que o maior impedimento para tais utilizações de métodos

alternativos está na ausência de normas nesse sentido, mencionando que não

importa a conduta pela qual o indiciado venha a ser investigado, este sempre

estará sobre a égide da garantia ao silêncio (Nemo tenetur se detegere)

disciplinado internacionalmente na Convenção Americana de Direitos Humanos

(art.8º n. 2 alínea g).

No mesmo sentido GRANDINETTI (2009, p. 102) observa, utilizando

o Direito Comparado da Alemanha, a nítida distinção entre intervenções

corporais (realizadas no corpo mesmo) e registros corporais (realizados na

superfície do corpo, incluindo suas cavidades naturais):

Ainda que não se insiram no conceito de intervenções corporais, a coleta coercitiva de padrões grafotécnicos e vocais do acusado também têm sido consideradas inadmissíveis pela jurisprudência brasileira. Do mesmo modo, o de reconhecimento de pessoa e a reconstituição do crime só poderiam ser procedidas com a anuência do acusado. A omissão da advertência quanto ao direito ao silêncio também pode ser motivo de nulidade do processo porque integrante da garantia de proteção absoluta à incolumidade física e moral da pessoa do acusado (grifou-se).

A falta de previsão legal para o polígrafo, leva ao entendimento de

que se houvesse a utilização desse mecanismo em fase de inquérito policial,

estaríamos diante de provas consideradas ilícitas por serem derivadas (art.

157, § 1º do Código de Processo Penal).

Procurando entender melhor a natureza jurídica dessas espécies de

ingerências humanas, MARIA ELISABETH QUEIJO citada por FIORI (2008,

113-114) disserta sobre dois grupos de intervenções corporais: (i) as invasivas,

que pressupõem espécies de penetração no organismo humano por

instrumentos ou substancias em cavidades naturais ou não, tais como; exame

de sangue em geral, exame ginecológico, identificação dentária, endoscopia e

exame de reto; e (ii) as não invasivas, que são aquelas em que não há

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penetração no organismo humano, tais como perícias em exames de matérias

fecais, DNA realizados a partir de fios de cabelos e pelos, impressão

datiloscópica, impressão de pé unhas e palmar. Destaca ainda que as

intervenções consideradas como não invasivas não violam os direitos

fundamentais, possuindo natureza pós-delito.

Em que pese posicionamentos contrários, o uso do analisador de

voz, em sede de investigação administrativa pré-processual, por analogia,

poderia ser considerado como uma espécie de intervenção corporal não

invasiva.

Em contrapartida, caso o investigado se recuse a se submeter ao

analisador de voz, estará respaldado pelo direito ao silêncio (nemo tenetur se

detegere), consagrado no ordenamento Brasileiro. Nesta seara, é importante

ressaltar que tal instrumento somente poderá ser utilizado em casos pontuais,

ou seja, quando o investigado consentir.

Já o polígrafo pela sua forma de utilização e manuseio, utilizando a

classificação acima, demonstra ser uma espécie de intervenção invasiva, mas

mesmo possuindo repudio por grande parte dos operadores do direito, ainda

assim vem crescendo o seu uso em sede de obtenção da verdade, tentando

robustecer de forma positiva o inquérito policial.

O cenário de impunidade e desacertos motivados pela baixa

qualidade da aplicação da lei penal vem avolumando a insatisfação social,

principalmente nas capitais brasileiras, e dando sinais de incerteza da

sociedade quanto à capacidade do Estado em cumprir com eficiência seu

papel. Justifica-se, por tais argumentos, a criação do Projeto de Lei do Senado

nº 156/09, que visa alterações no Código de Processo Penal, especialmente

para fornecer à fase pré-processual um posicionamento mais garantista em

consonância com uma Constituição Cidadã, dando ao indivíduo, no âmbito do

inquérito policial, todas as garantias de sujeitos de direitos (PINTO e SILVA,

2013, passim), deixando de lado a visão simplista da dispensabilidade da

ampla defesa e do contraditório que considera o indivíduo que figura no

procedimento administrativo policial apenas como uma pessoa investigada.

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5.2.2 Caso em que se requer o uso do analisador de voz

Cabe salientar que há indiciados que procuram utilizar-se desses

meios probatórios com a finalidade de obtenção da verdade. Exemplo recente

é o caso do menino Bernardo Boldrini de 11 anos, encontrado morto em 14 de

abril de 2014. O corpo de Bernardo foi enterrado em uma cova num matagal no

município de Frederico Westphlen no Norte do Rio Grande do Sul. O pai do

menino, o médico Leandro Boldrini, foi considerado mentor do homicídio,

contando com a ajuda da madrasta e de uma amiga do casal.

O médico indiciado alegou inocência e seus defensores solicitaram a

utilização do recurso da análise de voz em seu depoimento para prova pericial

da veracidade ou não das suas declarações, na intenção de juntar aos autos

processuais.

O software analisador de voz é um recurso mais recente que vem

ganhando espaço não só na seara investigativa, como em métodos de estudos

científicos sobre o cérebro humano. O analisador de voz já conta com vários

adeptos na justiça brasileira, visando considerá-lo como meio de obtenção de

prova (COSTA e FISCILETTI, 2012, p.12). Seu funcionamento consiste no

monitoramento da atividade cerebral, sendo analisado por técnicos que

observam os parâmetros e alterações de caráter involuntário emitidos pelo ser

humano. Afirmam os estudiosos que cada pessoa possui formas e intensidades

distintas de alterações corporais. Os técnicos experientes procuram fazer com

que a pessoa mantenha atenção constante e permanente na entrevista que

está sendo feita, juntando a técnica de leitura corporal. O analisador de voz

está baseado nos conceitos científicos dos polígrafos (PORTAL TRUSTER

BRASIL, s/p).

O analisador de voz é usado em outros países como meio

probatório. Recentemente passou a ganhar adeptos na justiça brasileira,

embora ainda não seja amplamente utilizado, por falta de legislação específica.

A tecnologia do analisador de voz foi desenvolvida em Israel e aqui

no Brasil vem sendo utilizado em dois estados brasileiros, Rio Grande do Sul e

Distrito Federal.

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Mauro Nadvorny perito no uso da tecnologia, em depoimento para

Rede Record, afirmou que as emoções são captadas pela frequência de voz e,

por exemplo, cada vez que uma pessoa mente, o cérebro se esforça mais, pois

precisa criar uma situação que não existiu de verdade. O corpo dá sinais de

desconforto e um desses sinais se apresenta na voz, que pode ficar trêmula,

imprecisa em razão das variações de tom. Ao contrário do polígrafo, o

analisador de voz não é um sistema invasivo, pois não necessita de meios que

possam levar o investigado ao constrangimento.

5.2.3. Casos em que o software analisador de voz foi utilizado

Caso 1: Contrariamente ao formalismo legislativo e jurisprudencial, a

Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul adquiriu um moderno software

para análise de voz e este passou a ser utilizado pela polícia gaúcha,

influenciando na libertação de Cristiano Marini, que apesar de inocente ficou

preso durante 1 ano e 20 dias, após o executor do fato – acusado de cometer

um homicídio – o apontar como sendo o mandante do crime, com o intuito de

obter o benefício da redução de pena (delação premiada). O vídeo do

depoimento do atirador passou pelo crivo do detector de mentiras e esta prova

foi considerada pelo júri popular, absolvendo Marini.

Caso 2: Em Caxias do Sul, o empresário João Otacílio Buzin foi

preso acusado de assassinar sua noiva. A polícia gravou o telefonema da

vítima chorando, pedindo resgate e a perícia com a utilização de um aparelho

analisador de voz concluiu que não se tratava da pessoa sequestrada. João

Otacílio também teve seus depoimentos submetidos à máquina da verdade.

Esta prova foi apresentada e aceita pelo tribunal do júri que o absolveu. A

Primeira Câmara Criminal de Caxias do Sul negou provimento à apelação do

Ministério Público: “RÉU ABSOLVIDO. DECISÃO QUE NÃO SE CONTRARIA

À PROVA DOS AUTOS”. Ap. n. 70008995342.

A técnica da análise de voz não é amplamente aceita no sistema

jurídico brasileiro por falta de regulamentação, mas isso não afasta a

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possibilidade de seu uso em fase de inquérito policial, a exemplo da Secretaria

de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.

Ressalte-se que nos casos citados em que o instrumento foi

utilizado, o corpo de jurados o aceitou como prova informativa do fato. O laudo

técnico da voz pode ser considerado como meio de prova, desde que por perito

habilitado para obter as informações necessárias e com o consentimento do

indiciado/réu.

A acepção da palavra ‘prova’, conforme LIMA (2011, p. 833-835), é

dividida em três: prova como atividade probatória – conjunto de atividades de

verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade

dos fatos relevantes para o julgamento –; prova como resultado – caracterizada

pela formação da convicção do órgão julgador no curso do processo quanto à

existência (ou não) de determinada situação fática –; e, prova como meio –

instrumentos idôneos à formação da convicção do órgão julgador acerca da

existência (ou não) de determinada situação fática.

Desta forma, instrumentos como o polígrafo e o software analisador

de voz podem ser utilizados para permitir uma melhor colheita de provas em

fase de inquérito policial ou mesmo em sede de julgamento.

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CONCLUSÃO

O ser humano associa a liberdade a um dos seus maiores direitos já

consagrados. O problema paira quando surge, no cotidiano social, o temor, a

incerteza, a crença de que existe a possibilidade de ter esse direito cerceado,

de forma injusta por aquele - Estado - que possui o dever de defender os

cidadãos.

A partir da análise de diversos casos onde houve falhas extrajudicial

ou judicial, pode-se observar que um erro se propaga, culminando no

cerceamento da liberdade de um indivíduo, a partir de uma sucessão de

equívocos que vão, geralmente, da investigação até o trânsito em julgado de

uma decisão. O desenvolvimento deste trabalho formula algumas

considerações das falhas que se iniciam no inquérito policial e que se arrastam

na fase processual, gerando condenações injustas, comprovadas apenas

depois de transtornos e sofrimentos de indivíduos inocentes.

O sistema inquisitivo embasado em formulação da busca pela

verdade dos fatos na forma de inquérito encontra-se defasado e anacrônico.

Sua origem ainda está relacionada com o sistema inquisitivo medieval de

atuação discricionária, onde sua origem histórica ainda se reproduz, em

diversos aspectos, nos dias atuais maculando as relações investigativas e

aumentando as incertezas presentes no cotidiano dos brasileiros.

Essa atuação discricionária fica bem demonstrada no período

Imperial do Brasil, com abordagem do caso de Manoel da Motta Coqueiro, e

deixa evidente a necessidade da investigação produzir resultados positivos, ou

seja, de encontrar alguém para responder pelos fatos com relevância penal,

ainda que esta pessoa seja inocente. Essa visão estereotipada de resultados,

sem qualquer respaldo para o investigado, considerando os anseios da vítima

como mais relevantes, produz incertezas e falhas procedimentais.

Assim, a análise de casos verídicos, aponta que a persecução penal

no Brasil é deficitária: erros, desatenção, descomprometimento, falta de

legislações voltadas a dinamizar a resolução de crimes, dão margem a

condenações injustas.

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Embora existam barreiras legislativas, o sistema probatório teve sua

evolução no decorrer dos séculos. Novos meios de identificação vêm surgindo

no sentido de corroborar para uma produção mais eficiente e humanitária frente

aos sujeitos de direitos que são de fato inocentes e podem fazer uso destas

ferramentas.

Cientificamente está comprovado que o cérebro humano possui

influência não só de eventos passados, como também é sensível às novas

informações que sejam de qualquer forma importantes para a reconstrução de

determinados fatos; o que pode macular o reconhecimento facial no momento

de identificação no âmbito da persecução penal.

Por esta razão, em que pese vozes divergentes, todos os princípios

voltados para proteção da dignidade humana já consagrados, devem ser

observados, ou seja, havendo a mínima possibilidade de que o indiciado seja

inocente e se o mesmo desejar buscar novas formas de produção de prova,

ainda que em fase processual, o Estado detentor da persecução penal, com

base na presunção de inocência e por garantia de um Estado Democrático de

Direito, deve fornecer tal possibilidade, não apenas para que a verdade

apareça, mas, sobretudo, para que não se condene um inocente.

A modernidade requer o surgimento de novas tecnologias em

conjunto com profissionais bem treinados, a exemplo dos casos citados no

decorrer do trabalho, em que foram minimizados erros em fase de inquérito

policial, evitando não só o desgaste da honra de pessoas inocentes, como

também os pagamentos de indenizações pelo Estado.

Ressalta-se que a utilização de novas técnicas não se daria de

forma indiscriminada: somente em casos que se apresente nítida dificuldade de

se comprovar a veracidade dos fatos. Essa é a razão da elaboração de projeto

de Lei que tramita no Congresso Nacional desde 2009, sinalizando uma

mudança de pensamento para o futuro, a quebra dos paradigmas existentes,

ante a necessidade de proteção da Dignidade da Pessoa Humana.

.

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PODER JUDICIÁRIO. REsp 612.108/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,

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Pernambuco. Recorrido: Marcos Mariano da Silva.

PODER JUDICIÁRIO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Habeas Corpus, proc.

0303484-67.2011.8.26.0000, Comarca São Paulo, 15ª Câmara de Direito

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - BREVE EVOLUÇÃO DA OBTENÇÃO DA VERDADE 09

1.1. O inquérito no Brasil 10

CAPÍTULO II - ERROS DE JULGAMENTO: CASOS EMBLEMÁTICOS 15

2.1. Caso Manoel da Motta Coqueiro 15

2.2. Caso Marcos Mariano da Silva 16

2.3. Caso Michel Silveira da Silva 16

2.4. Caso André Luiz de Oliveira 17

2.5. Caso Vinícius Romão de Souza 17

CAPÍTULO III – FALHAS NA PERSECUÇÃO PENAL 19

3.1. Atuação do órgão policial 19

3.2. Atuação do órgão judicante 22

CAPÍTULO IV – ERROS NO RECONHECIMENTO DO INDICIADO 25

CAPÍTULO V – USO DA TECNOLOGIA NA BUSCA DA VERDADE 30

5.1. Recursos tecnológicos utilizados no Brasil 30

5.1.1. Videoconferência 30

5.1.2. Interceptação telefônica 31

5.1.3. Monitoramento eletrônico 31

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5.2. Recursos tecnológicos ainda não autorizados pela legislação

Brasileira 32

5.2.1. O uso do polígrafo e do analisador de voz 33

5.2.2. Caso em que se requer o uso do analisador de voz 36

5.2.3. Casos em que o software analisador de voz foi utilizado 37

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CITADA 41

ÍNDICE 45