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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES AVM – FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU ESCOLA CONTEMPORÂNEA: COMO A SEXUALIDADE E O GÊNERO PODEM ADEQUAR-SE AO PAPEL INCLUSIVO DA ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL Ariana Fonseca da silva Orientadora: Professora Flavia Cavalcanti Niterói 2016 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL - … · “poder” e o “dispositivo da sexualidade”. Nesse contexto, buscaram-se ... CAPÍTULO III GÊNERO E SEXUALIDADE NAS

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

ESCOLA CONTEMPORÂNEA: COMO A SEXUALIDADE E O GÊNERO PODEM ADEQUAR-SE AO PAPEL INCLUSIVO DA

ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL

Ariana Fonseca da silva

Orientadora: Professora Flavia Cavalcanti

Niterói

2016

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

ESCOLA CONTEMPORÂNEA: COMO A SEXUALIDADE E O GÊNERO PODEM ADEQUAR-SE AO PAPEL INCLUSIVO DA

ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Orientação Educacional e Pedagógica. Por: Ariana Fonseca da Silva

Niterói

2016

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AGRADECIMENTOS À minha pequena Alice, que me

motivou na escolha do tema, levando-

me a pensar em um mundo com mais

diversidade e respeito.

Agradeço à educação que minha mãe

me proporcionou em toda a minha vida,

por seu incentivo, força e exemplos de

luta, que sempre me ofereceu.

Ao meu companheiro David, por sua

ajuda, incentivo e carinho.

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DEDICATÓRIA À minha pequena Alice Fonseca, agradeço por ser tudo que eu sou: Você força o meu pensamento a pensar.

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RESUMO

O presente trabalho monográfico teve como objeto analisar o papel de

resistência da orientação educacional, a respeito das temáticas de gênero e

sexualidade na escola contemporânea. Foram levantadas bibliografias a

respeito da temática: Muitos autores vêm trabalhando baseados na Filosofia da

Diferença, inspirados principalmente por Michael Foucault, sobre o conceito de

“poder” e o “dispositivo da sexualidade”. Nesse contexto, buscaram-se

ferramentas conceituais para enfrentar os estereótipos comportamentais, que

(re) produzem desigualdade entre os gêneros e a sexualidade. Foi estudada a

importância da Orientação Educacional diante de tais questões, pesquisando

ações de resistência que a Orientação Educacional pode desenvolver com a

comunidade escolar, visando à desconstrução desses estereótipos.

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METODOLOGIA

Esse trabalho se propõe a fazer levantamentos bibliográficos a respeito da

temática Orientação Educacional, gênero e sexualidades nas escolas

contemporâneas; analisar textos e leis educacionais que visam trabalhar com

as questões de gênero e sexualidade nas escolas. Fazendo, assim, surgir

teorias e práticas que levem a orientação para um campo de resistência.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

TERRITÓRIO EXPLORADO: A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL, UMA BREVE HITÓRIA. 11

CAPÍTULO II

A ESCOLA: NO ENTRE SOCIEDADE DE CONTROLE E A PODUÇÃO DE LIBERDADE 17

CAPÍTULO III

GÊNERO E SEXUALIDADE NAS ESCOLAS 23

CAPÍTULO IV

A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL COMO FERRAMENTA DE

RESISTÊNCIA 27

CONCLUSÃO 32

BIBLIOGRAFIA 34

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INTRODUÇÃO

A presente monografia intitulada “Escola contemporânea: Como a

sexualidade e o gênero podem adequar-se aos papéis de inclusão da

Orientação Educacional” tem como questão fundamental definir o papel

inclusivo da orientação educacional, destacando medidas que busquem

trabalhar a ‘problemática’ de gênero e sexualidade na escola contemporânea.

Esta ideia permite, não somente pensar na função da orientação educacional

nas escolas, mas também como o gênero e a sexualidade podem, ou não,

constituir estratégias diante do trabalho da orientação educacional.

Por meio de uma extensa pesquisa bibliográfica, percebi uma carência

de reflexão e pesquisas sobre as práticas e o papel da orientação educacional

na ‘problemática’ questão de gênero e diversidade sexual nas escolas. Mesmo

que as questões de gênero e sexualidade produzam antigas preocupações no

território escolar, pouco é debatido no meio acadêmico e encontramos poucas

disciplinas na grade curricular dos cursos de licenciaturas e da pedagogia.

Atualmente, essas ‘problemáticas’ têm gerado uma crescente

necessidade de estudos que busquem ferramentas de análise, para dar

visibilidade às múltiplas desigualdades e exclusão social reproduzidas nas

escolas. Muitos autores vêm trabalhando, baseados na Filosofia da Diferença,

inspirados principalmente por Michael Foucault, sobre o conceito de “poder” e o

“dispositivo da sexualidade”. Dessa maneira, esse trabalho buscará

ferramentas conceituais para enfrentar os estereótipos comportamentais, que

(re) produzem desigualdade entre gêneros e sexualidade.

Assim, buscamos estudar a importância da Orientação Educacional

diante de tais questões, pesquisando e cartografando atividades que o (a)

Orientador (a) Educacional pode desenvolver com a comunidade escolar,

visando à desconstrução desses estereótipos.

Partindo do princípio que a escola sempre tratou de construir um

cidadão com a sexualidade ‘normal’, ‘sadia’, ‘adequada’, no intuito de proteger

a infância e a juventude dos males do sexo; enquanto as relações de gênero,

por sua vez, estão presentes pela definição do que é permitido aos meninos e

às meninas. Isso acabou reproduzindo os preconceitos criados no campo do

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senso comum, onde cabe aos educadores desconstruir, junto à sociedade,

esses preconceitos ditos como verdade.

Sendo assim, esse trabalho buscar demostrar que a orientação

educacional poderá exercer um papel inclusivo junto aos professores, aos

alunos e à comunidade. Tendo como objetivo principal, não somente a

elaboração de projetos e atividades inclusivas, mas também debates que

rompem como o padrão normal/anormal e a desconstrução do binarismo

sexual e do rompimento ao paradigma da heterossexualidade.

Portanto, no primeiro momento, foi feita uma pesquisa sobre a história

da orientação educacional no Brasil, a fim de compreender as funções da

orientação educacional e como ela, em certo momento, esteve atrelada à

educação sexual baseada na normatização. Nesse capítulo foi feita uma

análise dos documentos que instituíram a profissão da Orientação Educacional,

procurando destacar as bases sobre as quais se constituiu historicamente esta

profissão, sua função e seus deslocamentos.

O segundo capítulo tem como intenção inicial mostrar a relação entre a

sociedade disciplinar e as instituições pedagógicas com o processo de controle

dos corpos pela vigilância e punição, tendo como intercessores Gilles Deleuze

(1992) e Michael Foucault (2009). Neste capítulo, traçamos a reconfiguração

da relação de poder na sociedade de controle (Deleuze, 1992) e o modelo de

gestão empresarial nas escolas, bem como o controle dos corpos em ar livre.

Nesse contexto, a escola contemporânea está sendo constituída nas heranças

da sociedade disciplinar (FOUCAULT, 2009) e na teia da sociedade de controle

(DELEUZE, 1992).

No capítulo três é feita uma breve exposição do pensamento de Michel

Foucault nas análises que elabora sobre o dispositivo da sexualidade e do

conceito de gênero: Demostrando que a sociedade contemporânea possui

técnicas de poder e de saberes indispensáveis para controlar o sujeito e a

população a partir do biopoder. Analisamos as relações entre gênero,

sexualidade e a educação escolar. Aqui, a escola aparece como uma instância

estratégica, na (re) produção da lógica heterossexual e na exclusão da

diversidade sexual.

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No quarto capítulo, pontuamos algumas questões que devem ser

levadas em conta para se pensar em uma orientação educacional criadora de

espaço de resistência ’, fundada nas reflexões e na problematização da lógica

normativa dos gêneros e sexualidade.

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CAPÍTULO 1

TERRITÓRIO EXPLORADO: A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL, UMA BREVE

HISTÓRIA

O papel do (a) orientador (a) vem crescendo e se aperfeiçoando de

acordo com as novas necessidades do novo tempo. A educação está em

constante mutação, e para produção de uma educação transformadora faz-se

necessário inventar práticas e ferramentas conceituais para enfrentar as

problemáticas da nossa era.

No início desse trabalho, para que possamos nos localizar no tempo e

espaço, existiu a necessidade de levantar algumas considerações sobre a

história da Orientação Educacional, a partir dos documentos que a instituíram

como função no território escolar. Esses documentos ajudam a compreender

em que racionalidade foi estabelecida a profissão da Orientação Educacional e

os seus deslocamentos ao longo da sua história. Além disso, procuro fazer

uma tessitura entre a atuação do (a) orientador (a) educacional e a questão de

gênero e sexualidade.

A autora Mírian Grinpun, em muitas de suas obras, deixa claro que a

história da Orientação Educacional no Brasil teve seus altos e baixos, até que

se possa realmente delimitar as tarefas dos (as) O.E. e sua importância para

compreensão do papel social contemporâneo exercido por eles (as).

Inicialmente, a Orientação Educacional nasce com função de cunho

psicológico, baseado em sua neutralidade. Sua função era somente direcionar

as jovens e os jovens em sua formação e solucionar os problemas do

educando, sem levar em consideração o seu contexto social e a sua realidade

vivida. Em síntese, o trabalho do (a) orientador (a) era corretivo, para tratar

alunas e alunos “problemas”, sem a preocupação em buscar a origem do

problema.

O que se destaca como característica marcante da história da

Orientação Educacional é a questão da Orientação Profissional e Vocacional. A

preocupação é ajustar os jovens para o mercado de trabalho. Assim, o papel

fundamental da orientação educacional era avaliar as aptidões naturais e seus

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traços de personalidades, e levar esses alunos e alunas a escolher uma

profissão.

A autora Mírian Grinspus (2011), deixa claro que a educação vocacional

valoriza as aptidões naturais dos indivíduos e, num primeiro momento, foi

utilizado como instrumento político de manutenção do poder.

A orientação também atendia aos desejos da época, uma vez que se voltava para as aptidões naturais como forma de endosso e valorização nas atividades sociais. Fundamentada em um referencial basicamente psicologizante, a orientação reforçaria a ideologia das aptidões naturais, fazendo crer que todos teriam a mesma oportunidade nas escolhas efetuadas e nas decisões tomadas. (GRINSPUN, 2011, p.27)

Mírian Grinspun, em sua obra “A Orientação Educacional: Conflitos de

paradigmas e alternativas para a escola” aponta para experiências de

orientação educacional desde 1924, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo,

realizadas pelo professor Roberto Mange e, como as precedentes, estas

também eram voltadas para o mundo do trabalho. O engenheiro suíço Mange,

foi o primeiro a implementar um processo de seleção e orientação profissional

para os alunos do curso de mecânica, em São Paulo.

Nos anos 30, Mange se articula com seu colaborador Italo Bologna e

inicia um serviço de orientação profissional na Estrada de Ferro Sorocaba, o

que, mais trade, se desdobrou e deu origem ao Centro Ferroviário de Ensino e

Seleção de Profissional (CFESP). A atuação dos trabalhadores era resultado

de um processo seletivo baseado em suas características e aptidão, onde o

resultado determina a sua função.

A orientação educacional vai nascer em um contexto social que

acreditava que a educação era salvadora, uma ascensão social, principalmente

para a população mais pobre brasileira.

Mas o processo de orientação, nessa época, levava os orientados a crer

que estariam fazendo o melhor para si mesmo, entretanto, na verdade, o que

acontecia era a propagação e manutenção da ideologia, dos saberes e do

poder pré-estabelecidos. A Orientação Educacional foi criada para servir, para

legitimar o poder de uma minoria dominante. De acordo com a Regina Leite

Gracia (1984), a orientação educacional reforçou a ideologia da mobilidade

social individual e fez com que os orientandos vissem a escola como um local

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de formação e que qualificasse para o trabalho. Assegurando a igualdade de

oportunidades, a escola dissimula os mecanismos de discriminação da própria

educação. Se a escola garante as mesmas oportunidades para todos, de quem

é a responsabilidade pelo fracasso ou sucesso escolar? Assim, fez-se acreditar

que esse fracasso é do próprio indivíduo.

Em 1934, é iniciado o primeiro curso de extensão em orientação

educacional direcionado a professores interessados. Esse curso abriu espaço

para a discussão de teorias e técnicas específicas da área. Com uma base

científica, esses professores formularam os objetivos e os conceitos da sua

área de atuação.

O aparecimento oficial da Orientação Educacional data de 30 de janeiro

1942, quando foi instituída pelo decreto-lei de no 4.073, a “Lei Orgânica do

Ensino Industrial”. Conforme o próprio texto:

Art. 1º Esta Lei estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial que é o ramo de ensino, de grau secundário, destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria e das atividades artesanais e ainda dos trabalhadores dos transportes, das comunicações e da pesca (BRASIL, 1942). Art. 50. Instituir-se-á, em cada escola industrial ou escola técnica, a orientação educacional, que busque, mediante a aplicação de processos pedagógicos adequados, e em face da personalidade de cada aluno, e de problemas, não só a necessária correção e encaminhamento, mas ainda a elevação das qualidades morais (BRASIL, 1942, grifos meus).

Essa lei trata apenas do ensino secundário e profissionalizante

(atualmente Ensino Médio e Técnico), mas como é visto no fragmento acima, a

função da Orientação Educacional já foi oficializada com um caráter

normalizador e moralizador.

Como desdobramento da lei 4.073, foram instauradas mais três outras

leis que regulamentavam a educação brasileira, a Lei Orgânica do Ensino

Secundário, a Lei Orgânica do Ensino Comercial e a Lei Ogânica do Ensino

Agrícola (BRASIL, 1942; 1943; 1946). Todas estas leis afirmavam a Orientação

Educacional como necessidade institucional e mantinha ainda a função do

encaminhamento profissional, educativo e moralizante dos alunos. No artigo

40, do decreto-lei n° 6.141 de 1943, afirma-se que:

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É função da orientação educacional e profissional, mediante as necessárias observações, velar no sentido de que cada aluno execute satisfatoriamente os trabalhos escolares e em tudo o mais, tanto no que interessa à sua saúde, quanto no que respeita aos seus assuntos e problemas intelectuais e morais, na vida escolar e fora dela, se conduza de maneira segura e conveniente, e bem assim se encaminhe com acerto na escolha ou nas preferências de sua profissão (BRASIL, 1943, grifos meus).

Este texto destaca os objetivos morais que os alunos e as alunas devem

ter na instituição escolar, mas também a forma de condução desses fora da

escola, ampliando, assim, o território de funções da Orientação Educacional.

Em 1961, com a lei n°4.024, que fixa as diretrizes e bases da educação

nacional, inclui-se um capítulo normatizando a necessidade de haver

orientação educacional nos cursos primários e secundários. Pela Lei n°5.564,

de 1968, fica regulamentada a Orientação Educacional e assume mais uma

vez o caráter psicologizante. A lei delimita como função da orientação,

desenvolver a personalidade do aluno e da aluna e identificar seus aspectos e

aptidões naturais. O artigo 1° deste documento traz os objetivos da profissão:

A orientação educacional se destina a assistir ao educando, individualmente ou em grupo, no âmbito das escolas e sistemas escolares de nível médio e primário, visando ao desenvolvimento integral e harmonioso de sua personalidade, ordenando e integrando os elementos que exercem influência em sua formação e preparando-o para o exercício das opções básicas (BRASIL, 1968, grifo meu).

O autor Erico Sartori Potteker, em sua tese de doutorado, levanta

algumas questões que são pertinentes ao desenvolvimento futuro desse

trabalho, ou seja, mesmo o texto sendo vago e abre espaço para muitas

interpretações, leva a questionar sobre em que consiste, de fato, o

desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade. “E mais, quem e

como tais critérios foram definidos? Seria este desenvolvimento da

personalidade marcado por uma identidade de gênero sem ‘problemas’, ou,

para ser mais claro, um gênero constituído sob a garantia da

heterossexualidade?” (POTTEKER, 2013, p.31). Essa lei deixa cada vez mais

clara, que o papel da Orientação Educacional nas escolas é engessar os

sujeitos às normas sociais.

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Outro documento que faz menção à obrigatoriedade da Orientação

Educacional no ensino de 1° e 2° graus é a LDB de 1971 (BRASIL, 1971,

Art.10). O objetivo era aconselhar os jovens à melhor inserção no mercado de

trabalho, encaminhado os jovens ao ensino técnico.

Segundo Bordini (2009), no período da Lei de n° 5.692/71, era função da

orientação educacional elaborar ações conjuntas com o corpo de professores,

acompanhar as atividades e o desempenho dos alunos, seja em questões

sobre o rendimento, ou relacionadas ao seu comportamento. Nesse momento,

a Educação Sexual era desenvolvida pelo orientador educacional. Essa

orientação era realizada em muitas escolas, onde havia um horário semanal

dedicado às atividades de educação sexual. Durante a ditatura militar, os (as)

O.E. foram os únicos profissionais a conseguir desenvolver atividades de

educação sexual nas escolas.

Esse profissional passou a ser visto por algumas escolas, como a pessoa gabaritada para falar sobre sexo, ou o responsável por resolver "problemas" na escola, inclusive os relacionados à sexualidade, pelo fato de estar mais próximo das/os estudantes durante o processo educativo. Além disso, eram necessários cuidados com a educação moral e sexual, principalmente das/os adolescentes, devido o advento da "crise da puberdade" e do despertar do espírito crítico nessa fase da vida. (BORDINI, 2009,p.38)

Nesse momento, a Orientação Educacional pode ser compreendida

como um dispositivo disciplinador dentro das escolas. A sua função era intervir

em situações em que os comportamentos eram considerados inadequados.

Quando a educação sexual parte de um princípio de que existe uma

única verdade a respeito da sexualidade, acabam informando/nomeando

práticas que são ‘saudáveis’ e ‘corretas’ e aquelas que seriam ‘erradas’.

Educação sexual baseada na normatização acaba favorecendo uma identidade

sexual e marginalizando outras.

Em 26 de setembro de 1973, através do decreto n° 72.846, as

atribuições do orientador ficam determinadas e o atendimento individual e

pessoal, nesse momento histórico, confirma um caráter psicológico como

podemos ver no artigo 5°:

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[...] planejamento, coordenação, supervisão, execução, aconselhamento e acompanhamento relativos às atividades de orientação educacional, bem como por meio de estudos, pesquisas, análises, pareceres compreendidos no seu campo profissional (BRASIL, 1973, Art.5°).

A LDB de 1996, no artigo 64, normatiza os requisitos para exercer a

profissão de O.E no Brasil, reduzindo a somente profissionais de pedagogia, ou

pessoas que concluíram uma pós-graduação na área (Brasil, 1996).

Em 2006, o Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno - modificou

as diretrizes curriculares nacionais para o curso de licenciatura em pedagogia,

e o graduando pode exercer quaisquer funções, que antes exigiam habilidades

específicas, como a função de Orientação Educacional e Supervisão

Educacional.

Hoje, a função da Orientação é algo mais dinâmico e integrado com os

outros profissionais da educação, marcando o caráter mediador e

interdisciplinar. Porém, a orientação ainda traz as marcas de um passado de

manutenção de poder, e algumas posturas e funções revelam a sintonia com

os processos atuais de governabilidade da sociedade, que será explorado

adiante.

Com base na história da Orientação Educacional e normativas que

guiam sua função, buscamos a compreensão dos papéis que esses

profissionais assumem diante de uma instituição marcada pelo governo dos

corpos, seja nos moldes da escola disciplinar (FOUCAULT, 2009), seja numa

escola contemporânea impregnada pelos mecanismos do controle (DELEUZE,

1992). No próximo capítulo, apresentaremos os modelos de escola disciplina e

escola do controle.

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CAPÍTULO 2

A ESCOLA: NO ENTRE SOCIEDADE DE CONTROLE E A PODUÇÃO DE LIBERDADE

A escola na qual foi originada a Orientação Educacional, para o

controle e normatização dos jovens estudantes, foi uma escola marcada pelo

exercício de poder, que em suas obras Michael Foucault chamou de

“disciplinar”. Baseando o seu modelo no Panóptico de Bertham:

O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O principio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro uma torre: esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que luz, atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. (Michael Foucault, p.190, 2009)

O autor apresenta em sua obra, Vigiar e Punir (FOUCAULT,

2009), uma análise sobre diversas instituições reguladoras, sejam elas

repressivas (como as prisões e os hospitais), econômicas (como as fábricas)

ou pedagógicas (como as escolas). Nesse trabalho monográfico, não se

trata de fazer uma história das diversas instituições disciplinares, mas

discutir na dimensão institucional pedagógica. A ideia é cartografar uma

série de exemplos de técnicas disciplinares nas escolas e, com isto, uma

mutação técnica da sociedade disciplina e sua recomposição em uma

sociedade de controle, gerando modificações que vão estar diretamente

ligadas à função da orientação educacional. A escola contemporânea já está

sofrendo as mutações que acompanham o ritmo da sociedade.

Para compreender uma sociedade disciplinar de uma sociedade

de controle, recorro à análise de Foucault (2009) e a Deleuze (1992). A

sociedade disciplinar usa-se da técnica do enclausuramento em espaços

fechados (escolas, hospitais, pressões...), conseguindo a disciplina pela

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relação da vigilância e da punição. Deleuze chama esses processos de

moldagem, pois esse mesmo modelo poderia ser replicado em diversas

formas sociais. Já a sociedade de controle, é marcada pela fluidez, pela

interpenetração dos espaços (uma ausência de fronteiras). A sociedade de

controle captura o tempo, transformando-o em um tempo contínuo.

Amparado em uma formação permanente, assim estariam presos em um

campo aberto, seduzindo em uma espécie de teia, de modulação constante

que atravessa e regula as linhas das teias sociais.

As ferramentas utilizadas pelas sociedades disciplinar são a

punição e a vigilância. A punição é a estratégia encontrada pelo poder para

tentar enquadrar os corpos que infligem às normas ditadas pela sociedade

disciplinadora, sendo o meio de refutar que os sujeitos escolares comentam

condutas puníveis. A vigilância é um poder, uma técnica de dominação.

Segundo Foucault (2009), uma tecnologia e história específica, pois atinge o

corpo do indivíduo, realizando um controle detalhado e minucioso sobre

gestos, hábitos, discursos e aprendizagem.

(...) corpo humano entra em uma maquinaria do poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para operarem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis" (Foucault, 2009, p. 133).

Os corpos disciplinados pedem a manutenção do poder que eles

reproduzem. Dessa forma, encontramos vítimas que reproduzem o

preconceito que elas sofrem, ou seja: vemos negros racistas, mulheres

misóginas, gays homofônicos. A sociedade disciplinar investe na formação que

doma os corpos. Dentro desse território impessoal, criam-se indivíduos

uniformizados e obedientes (verdadeiros campos de concentração atual).

Regularizam os corpos para produzir “condutas adequadas”. Mas Gilles

Deleuze (1992), em muitas de suas obras, tensiona as linhas duras da

sociedade disciplinar, onde existe um movimento de fuga no entre escola,

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fábricas e casa... Saindo para rua, produzimos encontros que subvertem esse

sistema capturador, e esses podem formar uma força própria, uma revolução.

Mas a sociedade atual elabora um controle contínuo, informacional,

neoliberal, e a escola não está separada disso. Guardam a herança dessa

estrutura física impessoal. A sociedade contemporânea exerce um estado de

consciência, que assegura o funcionamento automático do poder, controle a

céu aberto, porque o poder é uma malha, e os sujeitos replicam essa malha

(FOUCAULT, 2009). Uma ação de resistência precisa provocar rompimento

nessa malha e provocar ações inclusivas e diversificadas de pensamentos,

para aceitar a diversidade dos sujeitos. No território escolar, acreditamos que o

O.E poderia mediar, provocar e desencadear uma ruptura através do seu papel

de mediador.

Nas instituições pedagógicas existe uma relação entre vigiar e

punir. Há uma tecnologia disciplinar, e com essas tecnologias seria possível

adocicar os corpos. A escola carrega um sonho político: educar pela

disciplina; tornar o indivíduo útil, dócil e disciplinado, capacitando-o para

exercer uma função na sociedade. Uma escola para o que der e vier1, lema

adotado no Governo Vargas, elevado pelo programa do Ministro da

Educação, Francisco Campos. Quando se lê essa sentença, imagina-se uma

formação em busca de uma experimentação livre. Contudo, as instituições

pedagógicas elaboradas nesse lema possuem uma estratégia política, que

atrai a população para a escola com o propósito de capacitar os indivíduos

para o Estado, tornando-os obedientes, submissos ao estado de ordem,

adequando-os aos regimes políticos e às necessidades da produção. Ou

seja, formando o cidadão obediente normatizado (PASSETTI, 2008).

Pode-se pensar, ate os dias atuais, qual é o papel que

desempenham as políticas públicas da educação. A sua função é manter o

bom funcionamento do mercado, o Estado intervém na educação para a

produção de capital humano.

Assim, as intervenções estatais na vida da população garantem a sua adequação ao jogo do mercado. Isto passa

1 O autor Edson Passetti (2008) usa este termo no texto “Conversa sobre anotações a respeito de política, resistências, sociedade de controle e educação”. Elabora uma analise da obra do Guilherme Corrêa, Educação comunicação, anarquia. Procedimento da sociedade de controle no Brasil.

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por ações no nível da subjetividade da população, especialmente no controle da sua sexualidade e das identidades de gênero. Não só as subjetividades estão presas ao Estado, sendo produzidas por este para o funcionamento de seu domínio, como compreende Foucault (1995), mas hoje os corpos são produzidos segundo a lógica do mercado para tornarem-se autônomos, criativos, flexíveis, em uma palavra, competitivos. Espera-se que estes corpos até mesmo ultrapassem o espectro da normalidade, tornando-se “pós-normais”... (PÖTTKER, 2013, p.52)

Como produzir encontros que subvertem essa tecnologia de

poder? Como produzir uma educação libertadora, se o que queremos

nesses territórios é disciplina, ou suposta liberdade?

Aprendemos, ao habitar o território da escola por outros caminhos,

que é possível tomar a vida como certa arte de problematizar, para isto, é

necessário um conjunto de métodos e procedimentos, uma disciplina como

regularidade em busca de uma diferença. Entretanto, as disciplinas que são

propostas nas escolas trazem, em suas entrelinhas, não um ensaio para

liberdade, mas sim uma arte de controle do corpo humano, que visa um

aumento de suas habilidades para uma determinada função e submissão.

Assim, de maneira simples, a sociedade disciplinar funciona por palavras de

ordem – estude para ser alguém na vida – essa captura e reconfigura o

controle, abrindo espaço tempo para a sociedade de controle.

A sociedade contemporânea encontra-se em crise generalizada de todos

os meios de confinamento, não somente nos manicômios e prisões. Essa crise

atravessa as fábricas, a família e até a escola. As forças disciplinares são

substituídas pela sociedade de controle. (Deleuze, 1992). O controle efetiva-se,

não em um edifício panóptico, mas em uma arquitetura aranha. Essa

arquitetura não é das estruturas físicas, das formas (moldes) e sim dos

sentidos, uma estrutura de controle ao ar livre (modulações). Como nos mostra

Deleuze (1992): Os confinamentos são moldes, destinados à regulação e

normatização, mas os controles são uma modulação, como uma moldagem

autodeformada, que se reconfigura, permanentemente, nas próprias palavras

do autor – “como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto a outro”.

(DELEUZE, 1992, p.221) Uma sociedade de controle, normalizadora, que

controla os desejos e captura a experiência.

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A fábrica constituía os indivíduos em um só corpo, para a dupla vantagem do patronato que vigiava cada elemento na massa, e dos sindicatos que mobilizam uma massa de resistência; mas a empresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, excelente motivação que contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo. O princípio modular do salário “por mérito” tenta a própria Educação nacional; com efeito, assim como a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola, e o controle contínuo substitui o exame. Este é o meio mais garantido de entregar a escola à empresa. (Deleuze, 1992, p.221).

Atualmente, estamos em uma forma de controle ao ar livre, substituindo

as antigas disciplinas, que pregavam uma dominação em sistemas fechados. A

nova lógica de dominação transformou a disciplina em “moldes” e o controle

em modulação. Deslocando de um indivíduo “cidadão” ao indivíduo

consumidor. Parafraseando Deleuze (1992, p.221), na sociedade de controle,

as empresas substituem as fábricas e, consequentemente, as escolas.

Vivemos na era do empreendedorismo, e a educação se transformou em

mercadoria. Já não se pode descuidar do investimento; as escolas viraram

empresas e deixaram a produção do conhecimento para viver a relação

consumidora, desde “abc da tia” até a pós-graduação, manter-se sempre

qualificado para o mercado, esta é a ideia de uma sociedade de controle.

Neste trabalho, optamos em produzir linhas de fugas (DELEUZE E

GUATTARI) desta sociedade de controle. Para tanto, buscamos cartografar os

novos impulsos do cenário escolar atual. O que observamos nas escolas são as

novas modalidades de exclusão geradas no efeito de uma sociedade

globalizada, que aumenta ainda mais a cova entre incluídos e os ditos

excluídos. Para os alunos não serem excluídos, estes precisam estar na rede e

possuir as senhas tecnológicas. As instituições escolares não estão excluídas.

Viva a inclusão social! Vamos entregar laptops aos professores, distribuir

netboocks e tablets nas universidades, mantendo a sociedade mais ligada a

um modelo de rede de informação, qualificação e a gerando a superprodução

de informação. Assim, a educação toma a vertente consumidora e precisa estar

em formação permanente, mantendo-se sempre qualificado, transformando os

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desejos e os conhecimentos em mercadoria. Sendo assim, a escola está sendo

forjada nas heranças da sociedade disciplinar e na teia da sociedade de

controle.

Muitas escolas não possuem a figura arquitetônica do panóptico,

mas podemos observar a sua localização funcional, onde, pouco a pouco, as

instituições disciplinares produzem lugares determinados, não só para vigiar e

punir, mas para criar um espaço útil. Nas instituições pedagógicas observamos

as filas e a obrigatoriedade de sentar na ordem do mapeamento, “a posição na

fila: o lugar que alguém ocupa numa classificação (...). Ela individualiza o corpo

por uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular

numa rede de relações” (Foucault p.140 e141, 2009). As brincadeiras e

comportamentos predefinidos como “para meninos” e “para meninas”, essa

imagem do encontramento e do lugar do homem e da mulher na sociedade, é

marcada ainda hoje.

Observa-se, então, nas escolas e na Orientação Educacional, uma

herança dessa forma de controle disciplinar: no diário de classe, na formação

das filas, na uniformização de certo controle dos corpos. A sociedade de

controle do regime das empresas chega ao regime escolar, capturando a

educação e o conhecimento, padronizando as normas da produtividade, do

empreendedorismo da informação (PELBART, 2003). Mas como não se deixar

seduzir pelo Marketing?

As escolas se servem da disciplina para reorganizar seus

mecanismos internos de domínio. Mas será que as escolas são só um prédio

imóvel, destinado a manter e transferir informação e ordem? Com as análises,

cabem, aqui, outras formas possíveis de ver a escola: deslocando-se de um

mundo pré-estabelecido, possuidor de modelos rígidos de controle e

normatização, para uma escola como “templo da formação”, como usina e

usuária do conhecimento (ROCHA, 2007). Uma instituição, um território de

criação, uma orientação que busque incluir a diversidades, e não simplesmente

manter o hegemônico predeterminado pela sociedade no poder. A sociedade

está capitalista, globalizada e herteronormativa.

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CAPÍTULO 3

GÊNERO E SEXUALIDADE NAS ESCOLAS

Este capítulo traz uma fala do dispositivo normatizador que ocorre na

escola, ligando as problemáticas da Orientação Educacional e a produção de

identidade de gênero e sexualidade.

É importante iniciar essa discursão deixando claro que o campo de

estudo de gênero e sexualidade não é considerado campo de conhecimento

unificado, ou seja, não existe um único quadro teórico, ou uma única

reivindicação política. Existindo diversas concepções teóricas, que interpretam

os conceitos de diversas formas, seria impossível haver uma teoria unificada

de gênero, com categorias bem definidas, universais e estáticas (PÖTTKER,

2013). Todavia, este trabalho monográfico não se propõe a cartografar as

discussões sobre gênero e sexualidade, mas sim, apresentar algumas

considerações importantes para o papel inclusivo da Orientação Educacional.

3.1 Contextualizando a sexualidade

Após a demarcação deste trabalho monográfico, esta parte do texto

tratará a normatização como um fenômeno interligado ao exercício de

biopolítica. Foucault (2003) faz uma reflexão sobre o poder exercido pelo

Estado, uma política sobre a vida, cujo objetivo é uma ação intervencionista a

uma população específica. Outra ferramenta conceitual importante é o discurso

do “dispositivo da normalização”. Em uma genealogia, se liga a ‘problemática’

da sexualidade, que tem como correlato a produção da figura do anormal, do

estranho, constituindo o biônimo normal/anormal. A biopolítica produz um efeito

normatizador sobre a vida da população.

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No primeiro volume da Historia da Sexualidade, Foucault pensou a

sexualidade enquanto um biopoder, ou uma forma de poder sobre a vida. Um

poder regulamentador dos indivíduos. O autor define biopoder como:

Essa série de fenômenos que me parece bastante importante, a saber, o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais vai poder entrar numa política, numa estratégia política, numa estratégia geral de poder. Em outras palavras, como a sociedade, as sociedades ocidentais modernas, a partir do século XVIII, voltaram a levar em conta o fato biológico fundamental de que o ser humano constitui uma espécie humana (FOUCAULT, 2008a, p.3).

Nessa perspectiva, Foucault analisou a sexualidade como dispositivo

que engloba saberes e poder, com o objetivo de controlar a população e os

indivíduos (FOUCAULT, 2003). A Sexualidade, vista como relação de poder,

descarta a possibilidade de ser compreendida como mero objeto biológico. O

dispositivo da sexualidade constituiu um controle individual e no coletivo. No

nível individual, controla os corpos e suas relações com os prazeres. No campo

populacional, criou-se um poder regulador nas taxas de natalidade,

fecundidade, entre outras. Com isso, a ideia de sexo é ligada fortemente à

sexualidade.

[o sexo] se encontra na articulação entre os dois eixos ao longo dos quais se desenvolveu toda a tecnologia política da vida. De um lado faz parte das disciplinas do corpo: adestramento, intensificação e distribuição das forças, ajustamento e economia das energias. Do outro, o sexo pertence à regulação das populações, por todos os efeitos globais que induz. Inserem-se, simultaneamente, nos dois registros; dá lugar a vigilâncias infinitesimais, a controles constantes, a ordenações espaciais de extrema meticulosidade, a exames médicos ou psicológicos infinitos, a todo um micropoder sobre o corpo; mas, também, dá margem a medidas maciças, a estimativas estatísticas, a intervenções que visam todo o corpo social ou grupos tomados globalmente (FOUCAULT, 2003, p.136).

Percebemos uma relação direta entre o dispositivo da sexualidade com

o biopoder e a normatização. “Uma sociedade normatizadora é o efeito

histórico de uma tecnologia de poder centrado na vida” (FOUCAULT, 2003,

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p.135). Todo sujeito desviante é, de alguma forma, perigoso para a

manutenção dessa normalização. Dessa forma, o gênero e a sexualidade se

mostram perfurados por uma normatização que padroniza uma grade de

comportamento, determinando o que é feminino e o que é masculino. “Os/as

anormais do gênero e da sexualidade serão aqueles/as que transpuserem

estas barreiras fixas e binárias, que são, em última instância, vigiadas pela

necessidade de garantir a primazia da heterossexualidade” (PÖTTKER, 2013,

p.45).

A figura do anormal, trabalhada por Foucault, foi produzida através da

fundição três outras figuras. A ideia de monstro: os que infringem as leis

naturais jurídicas; o onanista: as crianças que se masturbam e afetam, assim, a

sua saúde e da geração futura; e o incorrigível: aquelas que são

indisciplinadas. Uma das peças fundamentais para esse controle saber/poder

sobre a sexualidade é a escola, que acaba cumprindo o ritual do exercício de

técnicas sociais, manipulando o corpo humano através do aparato disciplinador

(trabalhado no capítulo dois) e impondo-lhe docilidade e utilidade, liberando

para controlar e transformando as vítimas em opressores. A escola tem o papel

de fixar a sexualidade, mas fixando um modelo ‘ideal’, despertando a atenção

para sexo, e ao mesmo tempo impedindo. Uma vigilância constante e

tentativas de reprimir essas sexualidades periféricas.

3.2. Aprendizagem de gênero

Após a Revolução Francesa, por volta do século XVIII, começou um

processo de delimitação do que pertencia à esfera do público e aquilo que se

referia à esfera do privado no cotidiano da vida das pessoas. Essa delimitação

era necessária para que a burguesia pudesse deter o poder do capital, pois os

bens precisavam ser justificados.

Com essa delimitação, houve uma divisão dos papeis e funções sociais

sexuais. O homem, uma figura considerada forte e intelectual, foi destinado à

esfera pública. As mulheres sobraram à esfera privada (doméstica), justificada

pelos estereótipos de sua fragilidade. A sua anatomia, definida por possuir um

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útero, legitima e condiciona o seu lugar social. Resta ao papel da mulher a

função de garantir a segurança da família.

Nesse contexto social, era importante que a família estivesse

preservada. Era função da mulher eliminar interferências na segurança familiar.

O sexo passa a ser recluso à intimidade do casal e reduzido à função da

reprodução; e a concepção de fidelidade é o elo fundamental para almejar essa

segurança.

O modelo de sexo correto é o fiel e o reprodutor, e passa-se a recusar e

negar as outras formas de sexualidade. O sexo “sujo” passa para o ambiente

do sigilo, da “pervençam”. A normatização e o controle da sexualidade e do

lugar do homem e da mulher não são feitos por medidas coercitivas e

repressivas, mas a partir do dispositivo saber/poder, que o controla e conhece

para melhorar o controle de sua subjetividade.

Para os estudos sociais e humanos, o conceito de gênero se refere à

construção social e cultural. Ele distinguiu-o da dimensão biológica, da

dimensão social/cultural. Demonstrando que na espécie humana existem

machos e fêmeas, no entanto maneira de ser homem e de ser mulher é

determinada por uma questão cultural. Assim, compreendemos nesse trabalho

monográfico, que gênero significa que homens e mulheres são produtos da

realidade social e não decorrente da anatomia de seus corpos.

Desde o nascimento, somos formados para viver em sociedade, todavia

a forma de conviver é distinta, caso sejamos homem ou mulher. Assim que a

família sabe o sexo da criança, já vai criando e formando o lugar desta. A

decoração do quarto; as cores: rosa ou azul para as roupinhas; os brinquedos:

como bonecas e utensílios domésticos para as meninas, para elas, desde

muito cedo, treinarem a sua condição social. Os carros e super-heróis ficam

para diversão dos meninos.

À medida que crescemos, por meios das influências e relações

estabelecidas com grupos, aprendemos a distinguir atitudes e gestos que são

considerados tipicamente masculino ou feminino. Quando entramos para

escola, já foram ensinados, pela família e por outros grupos sociais, quais são

os “comportamentos de menina e de menino”. Na escola, é fundamental a

compreensão que as ações podem reforçar ou atenuar as diferenças de gênero

e suas marcas. O papel inclusivo da Orientação Educacional é orientar para

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que as escolas optem por ações que estimulem gostos e aptidões não restritos

aos atributos de um ou outro gênero. A escola necessita ter consciência de que

sua atuação não é neutra. Educadoras e Educadores precisam identificar o

currículo oculto, e não contribuir para o aumento da discriminação e

preconceitos contra as mulheres e contra todos que não correspondem um

padrão normativo de masculinidade dominante.

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CAPÍTULO 4

A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL COMO

FERRAMENTA DE RESISTÊNCIA

Após uma reflexão acerca da sexualidade e a questão de gênero,

observamos que estas são instrumentos de poder normatizador da sociedade,

que governa os corpos e engessa a subjetividade. Um instrumento de controle

da população.

Nesta parte do trabalho, procuro refletir as relações entre orientação,

gênero, sexualidade e diversidade sexual. Dialogando com o autor Érico Sartori

Pöttker, baseado em sua tese de doutorado “A Orientação Educacional e os

Territórios narrativos de gênero e sexualidade na escola”.

Neste primeiro momento, precisamos compreender os motivos para

se levantar a questão de gênero, sexualidade e diversidade sexual nas

escolas. A escola é uma instituição privilegiada para realizar o governo dos

corpos. Esta faz parte das instituições sociais e representa um espaço para

reprodução do herteronormativo e, assim, desempenha um papel de

divulgação do machismo e lebo-homo-trans-bi-fobia, produzindo efeito sobre os

sujeitos que a habitam. Nesse sentido, precisamos compreender que nas

escolas existem instrumentos de poder, que lutam para invisibilizar as

diversidades sexuais. No entanto, existem também ferramentas de resistência

para luta e aceitação nas escolas.

(...) é preciso ir além do sistema sexo-corpo-gênero e pensar na existência de experiências de gênero que não correspondem ao modelo heterossexual. Assim, pode-se escapar à reprodução de concepções heteronormativas, que desqualificam a diversidade sexual, e reforçam uma visão estereotipada e excludente de gênero, tomando o masculino e o feminino como categorias rígidas, separadas e independentes (PÖTTKER, 2013, p.72).

A escola usa de estratégias para invisibizar as formas de gênero e

sexualidade que acham que desafiam a normalidade. A principal estratégia é o

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espaço escolar, que desobriga as discussões referentes à diversidade sexual e

ao gênero, por considerar esse tipo de discussão do campo do privado, para

ser tratada pela família, ou porque se sujeitam às pressões do meio externo à

escola e interferem nela por meio de argumentos moralizadores e religiosos.

O maior exemplo é a discussão do Plano Nacional de Educação, a

votação do Projeto de Lei 118/2015 que veta as discursões de gênero e

sexualidade nas escolas. No artigo 2º, voltado para a superação das

desigualdades educacionais, há um destaque que acrescenta: “com ênfase na

promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Nos

meses de junho e julho do ano de 2015, os municípios brasileiros votaram seus

Planos Municipais de Educação (PME). Os PMEs devem atender às metas e

propostas do PNE, de acordo com as particularidades de cada município.

Cumprindo e respeitando os direitos humanos e a valorização da diversidade,

ponto crucial para a educação básica, pois esta deve formar cidadãos aptos a

conviver e respeitar as diferenças da sociedade.

Em escala nacional, grupos da “bancada religiosa”, ou ligados aos

setores mais conservadores da sociedade, criaram um termo pejorativo

chamado “Ideologia de Gênero”. Em todo o Brasil, leis foram criadas para

proibir a introdução das discussões de gênero e sexualidade nas escolas,

silenciando a discussão no espaço escolar com um objetivo: levar as questões

de gênero e sexualidade para o campo do anormal.

Além disso, tão ou mais importante do que escutar o que é dito sobre os sujeitos, parece ser perceber o não-dito, aquilo que é silenciado – os sujeitos que não são, seja porque não podem ser associados aos atributos desejados, seja porque não podem existir por não poderem ser nomeados. Provavelmente nada é mais exemplar disso do que o ocultamento ou a negação dos/as homossexuais – e da homossexualidade – pela escola. Ao não se falar a respeito deles e delas, talvez se pretenda “eliminá-los/as”, ou, pelo menos, se pretenda evitar que os alunos e as alunas “normais” os/as conheçam e possam desejá-los/as. Aqui o silenciamento – a ausência da fala – aparece como uma espécie de garantia da “norma”. A ignorância (chamada, por alguns, de inocência) é vista como mantenedora dos valores ou dos comportamentos “bons” e confiáveis. A negação dos/as homossexuais no espaço legitimado da sala de aula acaba por confiná-los/as às “gozações” e aos “insultos” dos recreios e dos jogos, fazendo com que, deste modo, jovens gays e lésbicas só possam se

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reconhecer como desviantes, indesejados ou ridículos (LOURO, 2007, p.67-68, grifos do original).

Analisando a sociedade brasileira, aprendemos a separar o normal do

anormal. Em relação à sexualidade e ao gênero, existem códigos bastante

rígidos, que separam feminino X masculino / masculinidade X feminilidade.

Precisamos pensar em ações de orientação educacional baseadas em

possibilidades, quebrando as normas do gênero e da sexualidade, admitindo

várias formas de ser homem e de ser mulher, homo ou heterossexual.

As técnicas normalizadoras foram inseridas dentro das escolas e,

predominantemente, controlaram o corpo escolar. Alunos e professores

passam a agir com regras predeterminadas, fazendo com que temas como

gênero e diversidade sexual não sejam tratados de maneira aberta, pois

sempre há punição em torno do tema.

A escola contemporânea é atravessada pela área da globalização, e a

escola hoje não consegue ser o local maior de detenção do saber, pois a

tecnologia, a mídia, aborda esses saberes e traz informações que antes eram

escondidas. Hoje, com o apertar de um botão, as crianças podem descobrir

coisas que antes eram negadas às outras gerações. É diante dessa era

globalizada e cheia de informação que a sexualidade e as questões de gêneros

invadem as cadeiras e pátios das escolas. O corpo docente se sente, muitas

vezes, pedido com as perguntas que as crianças e adolescentes levantam,

muitas dessas perguntas saem dos padrões esperados. Assim, muitas

perguntas são levadas para as salas dos professores e reuniões pedagógicas:

“Aonde o mundo vai parar?”

“Como pode essa criança apresentar esse comportamento?”

“Os pais dessa criança não ensinam que isso é errado ?”

“O que faço diante desse comportamento?”

Nessa perspectiva, torna-se necessário à atuação do profissional de

orientação educacional possibilitar estímulo à inclusão e à diversidade.

Mas como a questões de gênero e sexualidade interferem na

trajetória das atividades escolares?

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Quais posturas o corpo escolar deve assumir diante de temas tão

complexos, que abordam diversos valores, pontos de vistas e crenças?

É fundamental que a orientação educacional atue para contribuir de

forma mediadora nas relações pedagógicas, levando em consideração as

diversidades dos alunos.

4.1 Uma Orientação Educacional queer.

Finalizando este capítulo, gostaria de levantar algumas considerações

feitas pelo autor Erico Pöttker (2013), a fim de pensar algumas experiências de

educação diferentes, ou pensar uma pedagogia queer.

O autor Pöttker explica que a palavra queer, que no inglês significa

estranho, bizarro, foi em uma época utilizada como forma pejorativa de abordar

as/os homossexuais. Contudo, a palavra foi abraçada por grupos acadêmicos

anglo-saxônicos de discussões sobre gênero e sexualidade, para questionar o

sistema da heterossexualidade compulsória.

“Uma pedagogia queer “não se trata de um modelo prescritivo de

educação, qual uma receita a ser seguida e generalizada, contendo aquilo que

deve ser feito em cada situação”, mas o autor acredita que uma pedagogia

queer é” Aquilo que se pode oferecer são algumas questões a serem

consideradas para a efetivação de outras práticas educacionais, práticas que

não procurem instituir padrões normativos e sem um modelo ideal de sujeito”.

(PÖTTKER, 2013, p.77).

O autor define a teoria queer através da reflexão acerca da reviravolta

epistemológica. Pensar uma teoria queer não somente na fala do homossexual,

mas também do diferente. Essa teoria força o pensamento ao impensável,

fugindo do que é permitido. Um pensamento queer não se restringe apenas ao

conhecimento sexual. Um pensar queer significa questionar, problematizar,

tencionar, provocar as formas bem-comportadas da identidade e do

conhecimento.

Parafraseando o autor, uma orientação educacional queer é subversiva,

irreverente, até mesmo profana, e não somente como uma problematização

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acerca de gênero e da sexualidade. Sendo assim, uma orientação educacional

que pensa e age pela problematização não implica meramente em inserir

questões sobre um sujeito queer na educação, tampouco se contenta em

integrar no currículo o estudo da homossexualidade ou da diversidade sexual.

Precisamos ter clareza que combater a homofobia e a misoginia são metas

importantes na educação, não são metas intermediárias. Mais do que o

combate, é preciso desconstruir o processo que alguns sujeitos são

normalizados e outros amoralizados e levados para o campo do marginal.

“Se a norma é questionada e mostrada em sua artificialidade, a violência que surge como seu efeito direto pode recrudescer. (...) Abordar a homossexualidade na educação sem questioná-la como uma categoria engendrada por uma estratégia discursiva não abala a hierarquia existente no binômio homossexualidade/heterossexualidade. A falta do questionamento desqualifica as práticas homossexuais e afirma a necessidade, politicamente correta, de tolerância.” (PÖTTKER, 2013, p.78).

Para escapar a um processo educacional normativo, será preciso criticar

o endurecimento dos conhecimentos e da própria educação.

Os movimentos de resistência por discussões sobre gênero e

sexualidade nas escolas brasileiras levaram inclusão destes temas no PCN,

como um tema a ser trabalhado em todas as disciplinas, mas muitos

questionamos se é possível romper com um modelo heteronormativo,

reforçando visões estereotipadas a respeito do tema. Ao analisar projetos

educacionais que visam à inclusão destas temáticas no cotidiano das escolas,

existindo a questão preocupante da despolitização da luta.

As ações de orientação educacional, que buscam a escola como espaço

de resistência, precisam apoiar as questões referentes às ‘minorias’, não

somente em datas comemorativas, ou em breves destaques nas discursões

escolares, mas que essa problematização abale o status negativo de

‘anormais’.

A inclusão das problemáticas de gênero e sexualidade nas escolas é

necessária, mas deve ser feita com cuidado, para não repetir e reproduzir os

modelos indenitários e normalizados. Uma alternativa seria um

problematização de gênero e diversidade sexual, sem, contudo, domesticá-la,

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com certezas produzidas pelas normas, e dizem como é o verdadeiro homem,

a verdadeira mulher e qual a sexualidade saudável.

Como ao longo desse trabalho apostamos em um pequeno espaço de

resistência, a proposta dessa monografia é pensar a orientação educacional no

campo do aberto. Sendo assim, fecho esse trabalho com dúvidas é incertezas

e deixo aqui o convite a pensar as ações de uma orientação educacional que

visam à inclusão da problemática de gênero e sexualidade sem normatização,

onde o processo educacional está incompleto e longe do campo das certezas.

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CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Para desenhar esse mapa, foi importante pensar que o resultado dessa

pesquisa não seria a constituição de um desenho acabado das relações de

gênero e sexualidade nas escolas, mas foram deixados fios soltos para uma

futura tessitura.

Pensar uma educação para a sexualidade, para a igualdade de gênero

e para a diversidade sexual, é uma tarefa bastante complexa. A escola não

está acostumada a pensar em termos de diversidade, mas a partir de um

modelo de sujeito central, do qual os outros serão considerados a diferença

marginal.

Vimos que o trabalho de mediação da orientação educacional pode ser

instrumento de manutenção de estereótipos, ou produção de ações de

resistências. Sendo assim, as relações de gênero e sexualidade integram o

trabalho inclusivo da orientação educacional, para o qual é preciso ultrapassar

o governo de alunos. Ao pensar nas questões centrais do tema dessa

monografia como ‘problemas’, observamos e direcionamos para a solução das

questões e intervenções pontuais nos indivíduos considerados ‘problemáticos’;

e a solução que seria desses alunos modificarem o seu comportamento

desviante. Demostrando ações que recaiam em práticas normatizadoras e

reprodutoras de preconceitos.

Observamos ao longo do trabalho que as ações do espaço escolar

implicavam em reforçar as normas heterossexuais, por meio da estigmatização

da diversidade sexual.

O controle da diversidade sexual seria uma ferramenta importante de

formação moral dos alunos, disciplinando-os e adequando-os à dinâmica da

instituição escolar. Contudo, mais do que isto, como foi visto no capitulo um, a

Orientação Educacional observa, como função importante da profissão, a

preparação dos sujeitos para a vida em sociedade, ou seja, uma formação

adequada aos padrões do mundo contemporâneo.

Para controlar a sexualidade, a escola coloca em movimento um

maquinário de vigilância, e ações punitivas que visam à produção de sujeitos

‘normais’ e adequados à dinâmica social.

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A partir da ideia de controle da sexualidade e da normalização dos

gêneros, notamos que o trabalho da Orientação Educacional é responsável por

conduzir as condutas dos estudantes.

Esse trabalho de orientação não precisa ser feito através da condução,

ou por meio da vigilância da produção de registros sobre os estudantes, pela

punição de comportamentos indesejados, buscando a adequação das crianças

e jovens aos padrões normativos da sociedade.

No entanto, pensamos a orientação como ferramenta para ações de

resistências, que a inclusão das questões de gênero e sexualidade para além

de uma simples semana comemorativa e datas simbólicas. Mas sim que

possam mediar as ações do território escolar para além da normalização de

seus gêneros e suas sexualidades, trazendo para o espaço escolar estranheza

para o que é considerado ‘normal’ e normalidade em posições não

heterossexuais.

Ao longo dessa pesquisa observei que não estamos tão próximo de

acabar com as normas e seus efeitos. Mas já considero uma vitória a entrada

desses temas nas escolas, sem deixar de reconhecer os riscos que estes

sujeitos correm ao seguir este caminho da resistência, podendo se encontrar

com o ódio e a violência que a sociedade destila sobre todos aqueles que

escapam aos padrões.

Mas penso que a maior ação inclusiva da Orientação Educacional é a

resistência em legitimidade das identidades tidas como ‘anormais’ quanto ao

gênero e à sexualidade, questionamento dos padrões identitários de gênero e

sexualidade. Embora essas ações ainda não sejam numerosas, devem ser

consideradas como resistência para no campo escolar. Tendo como meta a

não produção de um sujeito normalizado, governado e adaptado a um padrão

hegemônico, heterossexual e normativo de masculinidade e de feminilidade.

Que venha a resistência e a luta pala diversidade!

E o que é resistir? Criar é resistir...

Gilles Deleuze

(O ABECEDARIO DE Gilles Deleuze, 1998).

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