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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA SUSCITANDO NOVAS FORMAS DE REFLEXÃO SOBRE A APOSENTADORIA E SEUS DESDOBRAMENTOS SOB A DINÂMICA DO COMPREENDER - TRANSFORMAR DA ERGOLOGIA Por: FERNANDA DOMINGOS DOS SANTOS Orientador Prof. Nelsom Magalhães Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · este assunto utilizando a perspectiva ergológica de Yves Schwartz, e as abordagens da Clínica da Atividade de Yves Clot acerca

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

SUSCITANDO NOVAS FORMAS DE REFLEXÃO SOBRE A

APOSENTADORIA E SEUS DESDOBRAMENTOS SOB A

DINÂMICA DO COMPREENDER - TRANSFORMAR DA

ERGOLOGIA

Por: FERNANDA DOMINGOS DOS SANTOS

Orientador

Prof. Nelsom Magalhães

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

SUSCITANDO NOVAS FORMAS DE REFLEXÃO SOBRE A

APOSENTADORIA E SEUS DESDOBRAMENTOS SOB A

DINÂMICA DO COMPREENDER-TRANSFORMAR DA

ERGOLOGIA

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Gestão de Recursos

Humanos.

Por: . FERNANDA DOMINGOS DOS SANTOS

3

AGRADECIMENTOS

À minha irmã, meus primos, minhas

tias e ao meu noivo com todo carinho.

4

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a toda minha

família, minha irmã, meu noivo, bem

como a todos que me apoiaram em meus

estudos.

5

RESUMO

O objetivo desta monografia consiste em levantar questões,

especialmente no plano psicológico, pertinentes ao momento prévio à

aposentadoria. Em paralelo, serão propostas outras formas de pensar sobre

este assunto utilizando a perspectiva ergológica de Yves Schwartz, e as

abordagens da Clínica da Atividade de Yves Clot acerca da função psicológica

do trabalho, e da Psicodinâmica do Trabalho de Christophe Dejours. Ou seja,

ferramentas teórico-metodológicas que permitam trazer para tal tema materiais

de compreensão e intervenção mais frutíferos.

6

METODOLOGIA

A metodologia utilizada neste trabalho será a leitura comparativa de

bibliografias, artigos científicos e revistas acadêmicas, valendo-se dos

conceitos da clínica da atividade de Yves Clot acerca da função psicológica do

trabalho perpassando por outros autores da Ergologia como Yves Schwartz,

bem como os estudos da Psicodinâmica do Trabalho de Christophe Dejours.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO 1

A APOSENTADORIA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. 12

CAPÍTULO 2

TRABALHO &APOSENTADORIA 22

CAPÍTULO 3

O DESEJO DE SE APOSENTAR. 40

CAPÍTULO 4

PROGRAMA DE PREPARAÇÃO PARA APOSENTADORIA. 56

CAPÍTULO 5

UMA REFLEXÃO SOBRE O ASSUNTO. 65

CONCLUSÃO 70

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 75

8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, assim, tem como escopo principal suscitar a

reflexão sobre questões, especialmente no plano psicológico, pertinentes ao

momento prévio à aposentadoria. Para fins de ampliar o campo de estudo

foram utilizados como objeto de análise, entrevistas realizadas com a

coordenadora do Programa de Preparação para Aposentadoria da UERJ.

Segundo França1 a nova configuração mundial aponta para um aumento da expectativa de vida. No ano de 2002, o número estimado de pessoas com mais de 60 anos era de 600 milhões. Para o ano de 2050 as projeções indicam para uma população de dois bilhões de pessoas da mesma faixa etária. Tais estimativas apontam para um novo panorama mundial que denuncia um cenário cuja aposentadoria começa a receber destaque. (FRANÇA, 2008, p. 26).

Diante da ampla dimensão do fenômeno da aposentadoria

observa-se a importância do estudo sobre esse tema. Para tanto, foi realizada

uma pesquisa bibliográfica em sites de busca cujo material selecionado para

este trabalho data-se desde livros lançados nos anos 90 até artigos com

dissertações sobre aposentadoria e trabalhos publicados nos meandros dos

anos 2000.

Dentre o material encontrado durante a pesquisa bibliográfica

serão utilizados autores que apresentam publicações em livros sobre o tema

como: José Carlos Zanelli, Lúcia França, Maria de Fátima de Souza Santos e

Maria Helena Bertho.2

A partir do levantamento realizado foi possível perceber uma

tendência de exploração acerca da aposentadoria balizada em aspectos sócio-

1 Lucia França é psicóloga, com especialização, mestrado e doutorado na área de envelhecimento. E autora do livro “O desafio da Aposentadoria”. 2 José Carlos Zanelli, autor do livro “Programa de Preparação para Aposentadoria”, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenador do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade. Lucia França vide nota anterior. Maria de Fátima de Souza Santos, autora do livro “Identidade e Aposentadoria”, professora adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenadora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica do Departamento de Psicologia da mesma Universidade. Maria Helena Bertho, autora do livro “Preparação para Aposentadoria-Lições de Ensinar e Aprender Fazendo”. Educadora, assistente social, aposentada pelo Instituto Nacional de Previdência Social, pós-graduada pela PUC/RJ e consultora de empresas para Programas de Preparação para Aposentadoria.

9

econômicos e gerontológicos. Embora se tenha a compreensão que uma das

principais razões para aumento do interesse nos estudos sobre tal temática

encontra-se relacionada a esta nova conjuntura mundial.

Verifica-se que a aposentadoria não é apenas produto de fatores

como o aumento da população, pois nela existem questões políticas, sociais e

culturais que agregam valor a este momento (FRANÇA, 2008, p.47).

Sem desconsiderar as abordagens realizadas até então sobre a

aposentadoria, o tema será tratado a partir de um viés mais singular. Serão

buscadas outras possibilidades de pensar sobre este assunto utilizando a

perspectiva ergológica (Yves Schwartz) e as abordagens da Clínica da

Atividade (Yves Clot) acerca da função psicológica do trabalho, e da

Psicodinâmica do Trabalho (Christophe Dejours). Ferramentas teórico-

metodológicas que possam trazer para tal tema, mais materiais de

compreensão, e intervenção.

Em tempo, observa-se que a compreensão do trabalho e suas

conotações são importantes para estudo do momento da vida em que a

pessoa dele é dispensada. Julga-se oportuno considerar que os anos de

dedicação a uma determinada atividade que é chamada de emprego ( muitas

vezes, confundido com o conceito de trabalho). Na verdade, refere-se ao

contrato jurídico de emprego-assalariamento, de acordo com a conjuntura fruto

das conquistas sociais na sociedade capitalista.

É por toda essa complexidade que considera-se importante

entender o que é trabalho, diante de diferentes perspectivas. Porque, segundo

Clot, o trabalho possui uma função social para a vida do sujeito. (CLOT, 2006,

p.38)

Então, segundo os estudos a que se teve acesso, ao se

aposentar é muito comum que surja um vazio, um sentimento de inutilidade. É

nesta questão que os “Programas de preparação para a aposentadoria” podem

trazer contribuições, sendo com isso, possíveis dispositivos de ação para

trabalhar a temática da aposentadoria. Mas, será que o entendimento que

estes Programas têm a respeito desse momento abarca as questões

apresentadas? Essa, e outras questões inerentes a tal temática serão

desdobradas neste trabalho.

10

11

CAPÍTULO I

A APOSENTADORIA EM UMA PERSPECTIVA

HISTÓRICA

Dentre outros determinantes para torná-la uma questão psicológica

e social, deve-se considerar o fato da aposentadoria ser um fenômeno

historicamente novo no Brasil.

Os primeiros antecedentes do sistema previdenciário brasileiro

estão localizados no final do século XVIII e nas primeiras décadas do século

XIX (SCHWARZER, 2000, p.44).

Durante estes referidos séculos, foram criados os primeiros “planos

de benefícios” para oficiais da marinha e do exército, bem como seus

dependentes. Posteriormente, no bojo do modelo liberal-exportador, ao final do

século XIX e início do século XX, foram consolidados tais tipos de programas

atendendo grupos estratégicos de funcionários públicos, bem como os grupos

sociais organizados fundamentalmente para o funcionamento regular daquela

economia (por exemplo: ferroviários e portuários).

O marco oficial de criação de um modelo previdenciário nos moldes

atuais no Brasil geralmente é considerado como sendo o ano de 1923, quando

a Lei Elói Chaves permitiu a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões

(CAPs), que foram reestruturadas ao longo dos anos 30, formando os Institutos

de Aposentadorias e Pensões (IAPs).

Nos anos 1930, Getúlio Vargas reestrutura a Previdência Social incorporando praticamente todas as categorias de trabalhadores urbanos. São criados seis grandes institutos nacionais de previdência, e o financiamento dos “benefícios” é repartido entre os trabalhadores, os empregadores e o governo federal. No mesmo período surgiu a expressão “seguridade social”, inspirada na legislação previdenciária social dos Estados Unidos, como uma nova concepção de seguro social total, que procura abranger toda a população na luta contra a miséria e as necessidades básicas (DUTRA, 2005, p.65).

O mesmo autor nos informa que com a promulgação da Lei

Orgânica da Previdência Social em 1960, a previdência social, organizada em

cinco grandes Institutos e uma Caixa, foi elevada também à condição de

12

instituto, e passou a abranger a quase totalidade dos trabalhadores urbanos

brasileiros. Em 1966, todas as instituições previdenciárias foram unificadas no

Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Em 1974, o Ministério do

Trabalho e Previdência Social foi desdobrado e criou-se o Ministério da

Previdência e Assistência Social, que passou a ter todas as atribuições

referentes à previdência social. O INPS ficou responsável pela concessão de

benefícios, assim como pela readaptação profissional e amparo aos idosos.

Verifica-se que a história da aposentadoria enquanto previdência no

Brasil está atrelada a muitas dificuldades no que tange à conquista do direito

dos aposentados. Atualmente as problemáticas circundam ao baixo nível

salarial que garante infimamente a subsistência do aposentado e seus

dependentes financeiros.

Observa-se, a partir do escasso material sobre o assunto, que o

interesse em ter a aposentadoria como objeto de pesquisa na área de

Psicologia encontra-se ainda em um período embrionário.

Em contrapartida, observa-se um aumento do número de

Programas destinados aos funcionários que estão finalizando o seu vínculo

com a empresa. (SOUZA, 1990, p. 23).

Apesar do crescimento de Programas destinados a aposentadoria

em empresas faz-se necessário realizar a seguinte indagação: Qual seria o

verdadeiro interesse de uma empresa capitalista para investir ou gastar

dinheiro neste tipo de Programa? Será que o interesse de uma empresa em

realizar um programa de preparação para aposentadoria estaria mais

relacionado a um investimento ou a um gasto?

Tal interesse pode estar atrelado ao cumprimento da Lei 8.842 de 04.01.1993, artigo 10 inciso IV, que roga “ser da competência dos órgãos e das entidades públicas a criação e manutenção de Programas de Preparação para Aposentadoria nos setores públicos e privados”. (DUTRA, 2005, p. 35).

De fato não há uma resposta pronta para essa questão, mas

certamente realizar um estudo acerca da organização real do trabalho que

possui seus desdobramentos nos desejos, crenças, posições ideológicas e

escolhas éticas é uma alternativa de discussão sobre o assunto.

13

1.1 A aposentadoria no contexto social

O direito à aposentadoria é um fenômeno recente na existência da

humanidade, pois é fruto de uma relação contraditória capital-trabalho, uma

conquista histórica da classe trabalhadora. Mas não está ligada

fundamentalmente à complexidade do trabalho humano, e sim à lógica

contratual capitalista, nos limites da forma-emprego.

Tal vocábulo designa o momento em que há o desligamento do

trabalhador do seu serviço, continuando a ter o direito de uma remuneração

integral ou proporcional, de acordo com as regras específicas de cada situação

de trabalho.

Apesar da aposentadoria juridicamente estar relacionada ao tempo de contribuição e à idade do trabalhador, ser jovem ou velho para o trabalho, não diz respeito somente a uma avaliação da capacidade física, mental ou psicológica, mas também vai depender dos contextos: demográfico, histórico, sociocultural, econômico e político nos quais o trabalhador encontra-se inserido (FRANÇA, 2008, p.39).

Quando o momento da aposentadoria chega à vida de uma pessoa,

emergem dúvidas e inseguranças que independem da idade cronológica.

Neste momento, começam situações desconfortáveis em virtude de que muitas

pessoas não são capazes de separar dois conceitos: razão de viver e razão de

trabalhar. Essa mistura, na qual, o indivíduo caiu na armadilha instituída e

converte o seu trabalho na finalidade, no único objetivo da sua vida, situando-o

em primeiro lugar na sua escala de valores e prioridades.

É possível citar neste momento o caso limite dos workholics,

todavia, não é preciso viver do trabalho para experimentar o sentimento de

inutilidade ao se desligar dele. Pois este sentimento, é compartilhado pela

grande maioria que se aproxima do momento de aposentar-se. Referindo-se a

esse apontamento é plausível reconhecer a influência do contexto social para

o surgimento do sentimento desconforto.

A sociedade estigmatiza o aposentado como um ser sem valor, ou

seja, mais um peso a ser carregado pela sociedade, via previdência social. Ao

mesmo tempo observa-se o desrespeito sistemático com a população mais

idosa, pois há um descaso com a legislação nos transportes coletivos, uma vez

que muitos motoristas não param quando é um idoso que está acenando para

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o ônibus, e quando conseguem embarcar se deparam com a falta de educação

de muitos passageiros que sentam no lugar reservado à terceira idade.

Esses comportamentos são advindos de uma cultura

preconceituosa que desqualifica e segrega o aposentado da sociedade, a partir

do momento que não “produz” mais formalmente para a mesma. Este perde a

importância social que detinha, ficando à beira da marginalidade. É como se

toda a capacidade cognitiva inerente ao humano desaparecesse subitamente a

partir do momento em que mudou a sua condição de “ativo” para “inativo” na

carteira de trabalho.

O imenso tempo livre que acompanha o ingresso na aposentadoria,

seja ela no trabalho remunerado ou das obrigações domésticas, passa a ser o

grande tempo do “vazio”, da marginalização social, e quase se poderia dizer,

da espera pela morte, pela ausência de razões que justificam o direito de ficar

vivo por mais tempo (ao lado do que doenças degenerativas surgem e as

condições financeiras para tratá-las se reduz muito etc.).

Os aposentados de hoje são pessoas que pouco puderam refletir

sobre as transformações que acompanharam a passagem das sociedades

tradicionais às sociedades modernas. (SILVA, 2006, p.54).

Segundo Souza (1990, p.58), é inegável que com o advento da

aposentadoria ocorrem inúmeras transformações na vida do sujeito.

Entendendo esse momento como também (e não unicamente) uma etapa do

envelhecimento, experencia-se com a aposentadoria uma série de perdas. Na

maioria das vezes vivenciadas com idéias estigmatizantes sem muitas

perspectivas de vida.

O grande problema é que a aposentadoria e a velhice (em última

instância a morte) são consideradas sinônimas, onde uma é consequência da

outra. Mesmo havendo pessoas que ainda não atingiram a idade cronológica

para serem consideradas idosas ao se desligarem das práticas laborais são

consideradas “inativas”, “inúteis” sem função na sociedade, até mesmo

sugando dela.

A sociedade como um todo corrobora para a construção de uma

autoimagem atrelada à velhice e suas “naturais” consequências como a morte.

Aspectos até então negados ou não considerados relevantes para o “ex-

trabalhador”. Nesse sentido, é a dimensão temporal que fica em evidência, isto

15

é, as dimensões do passado e do futuro que são componentes fundamentais

na produção do sentido.

As indagações apresentadas têm como desdobramentos as

mudanças no funcionamento psíquico do sujeito, que poderão influenciar os

projetos de vida construídos até então. Há com isso uma reorganização

psicossocial, pois o sujeito passa a investir seu tempo em outras atividades.

Não é uma tarefa fácil para muitos, pois o trabalho tornou-se uma

referencia tão importante que o reconhecimento do sujeito enquanto tal só será

valorizado devido à força que este ocupa nos meios de produção (SOUZA, op.

cit.). Para Zanelli (1996 ) o envelhecimento é:

Um processo natural da vida que afeta as estruturas e funções orgânicas tais como imunidade, capacidade fisiológica, memória, energia de raciocínio, necessidades nutriciais, capacidade de tolerar e ressentir as agressões de várias ordens. (deveria vir como citação, com recuo) (ZANELLI, 1996, p. 54)

A partir das considerações expostas uma indagação torna-se

pertinente: Será que a aposentadoria é só isso, ou não há uma restrição da

aposentadoria com a ideia de temporalidade, e envelhecimento. Já não

estaríamos delimitando a aposentadoria partindo de pressupostos

estigmatizantes?

Sem negar a importância da geriatria (que é o campo de estudos

que se concentra nos aspectos patológicos e patogênicos do envelhecimento e

sua prevenção) é preciso ampliar a discussão da aposentadoria não se atendo

apenas à temática gerontológica. É preciso lançar um olhar mais multifacetado

até porque a aposentadoria abarca desde as questões mais triviais no que

tange aos direitos perante a constituição até aspectos subjetivos que

corroboram para a complexidade deste tema.

Dessa maneira há outras vertentes passíveis de ser estudadas

nesse período. Nos aspectos subjetivos verifica-se que quando alguém se

aproxima do momento de efetivar a aposentadoria é possível este se deparar

com reações adversas. Pois esta pessoa pode reagir desde a forma mais

melancólica até da maneira mais pueril. Outras podem exagerar nos sonhos e

nas idealizações, como próximas a um toque mágico.

16

A cultura de grande parte dos segmentos coloca as atividades ou o

tempo fora do trabalho como pouco prioritário ou mesmo indesejável. De

acordo com Zanelli (1996, p. 77) em muitas regiões, a atenção que se dá ao

lazer evidencia-se na quase ausência de praças e outros locais para atividades

recreativas e comunitárias. Este autor ressalta ainda que até mesmo os

momentos de prazer são controlados pela organização de trabalho.

A categoria dos aposentados é denominada nos registros administrativos de “inativa”, sentido oposto à mobilidade, ao movimento, atividade, essência da própria vida. O recado transmitido equivale a: “se você não mais está no emprego, deixa de ter importância”. Barreira que se ergue claramente tornando cada vez mais difícil participar das atividades consideradas “úteis”, inclusive as atividades informais (como encontros de grupos de trabalho fora do expediente) que até então estavam inseridas no seu cotidiano (ZANELLI, 1996, p.79).

Observa-se com isso que a aposentadoria dentro do contexto social

é demarcada pela grande dificuldade desta em lidar com as diferenças.

Analisar esta questão tanto no âmbito social quanto nos seus aspectos

psicológicos, é fundamental, até porque eles se encontram interligados.

Faz-se necessário que a sociedade debata tais questões uma vez

que em muitos momentos assume um caráter ambíguo. Ao mesmo tempo em

que considera a aposentadoria como um direito conquistado pelo trabalhador

desvaloriza este mesmo trabalhador depois de aposentado que além de se

deparar com as dúvidas e incertezas que lhe circundam neste novo momento

também enfrenta as dificuldades impostas pelo sistema socioeconômico do

país.

1.2 A aposentadoria como perda do papel profissional

Qualquer que seja a forma como se vivencia a aposentadoria, ela é

considerada um marco na vida do sujeito, na medida em que ele deverá

reinventar uma nova forma de vida e, simbolicamente falando, uma nova

maneira de organizar-se psiquicamente. A passagem para a aposentadoria

revela, tanto as desigualdades sociais como as diferenças individuais,

sobretudo no que concerne à capacidade de resolver conflitos e ao

investimento no papel profissional.

17

É provável que em um primeiro momento, principalmente para os sujeitos que superinvestiram (tempo e energia) no papel profissional, seja por necessidade material, seja por necessidade de prestígio, ou mesmo por uma forma de lidar com as adversidades da vida, haverá uma tendência a uma avaliação negativa de si mesmo, em consequência, uma diminuição do nível de aspiração que se traduzirá a partir de uma restrição de projetos de vida que se tornarão mais escassos (SOUZA, op. Cit.1990, p.56).

Na cultura brasileira, exercer uma profissão é ter um papel frente à

sociedade, e ser útil à mesma. Assim, a “interrupção” de atividades

desenvolvidas ao longo do tempo nos remete também à perda de status social

e consequentemente de vínculos sociais estabelecidos através das práticas

laborais construídas nos mundos do trabalho.

A perda do papel profissional significa antes de mais nada o

desligamento do trabalhador do sistema de produção. Os projetos de vida até

então estavam vinculados à vida profissional que consequentemente

influenciavam a vida social. Verifica-se a existência de um status social com o

trabalho.

A aposentadoria seria uma ruptura de toda uma construção que

denota a compreensão do trabalho (como constituinte onde agrega-se

sentido). Aposentar-se seria etimologicamente recolher-se aos seus aposentos

tornando-se, portanto, um inútil para sociedade, ou seja, aquele que não mais

irá contribuir com o seu trabalho (no sentido de emprego). Essa mudança traz

para muitos uma espécie de constrangimento, vergonha que se apresenta

muito pregnante nas relações sociais.

Uma das perdas mais sentidas neste momento é o rompimento de

vínculos, em especial aqueles que foram importantes e constituíram status

para o sujeito como ambiente, colegas de trabalho, participação nos lucros da

empresa, remuneração extra por alguma habilidade ou talento, e o sentimento

de ser parte integrante da sociedade que ao mesmo tempo em que produz

possui poder aquisitivo para consumir.

O “descarte da laranja”,significa, para o descartado, a perda de

posição, dos amigos, do núcleo de referência, a transformação dos valores, e a

submissão das condições que agridem a imagem de si mesmo. (ZANELLI,

1996, p.70).

18

O rompimento das relações de trabalho tem impacto indiscutível,

ainda que varie de pessoa para pessoa, no contexto global da vida. A

aposentadoria implica bem mais que um simples término de carreira. A

interrupção das atividades praticadas durante muitos anos, o rompimento dos

vínculos e a troca dos hábitos cotidianos representam imposições de mudança

no mundo pessoal e social.

Em contrapartida, apesar das expectativas perversas embutidas em

termos e ações aparentemente ingênuas, o mundo atual contrasta mudanças

óbvias se comparadas com o mundo de séculos atrás, quando se firmaram os

direitos à aposentadoria. Ainda não foi possível alcançar a plenitude uma vez

ainda há muito descaso nesse contexto. As poucas referências que tratam

sobre o assunto e falta de leis que assegurem por completo o direito dos

aposentados revelam de maneira bastante elucidativa as lacunas existentes

acerca do tema.

Ainda sim, torna-se oportuno identificar a existência de um

movimento em direção a mudanças, que incluem além de uma maior

expectativa de vida, uma gama de reflexões que podem ser compartilhadas e

que jamais foram imaginadas em épocas passadas.

Dessa forma, é possível denotar uma mudança de paradigma onde

se lança um novo olhar sobre a aposentadoria? O conjunto de eventos e

significados descritos impõe a grande importância e a responsabilidade de

promover a preparação e/ou reflexão sobre as mudanças que se anunciam

para o período da aposentadoria. É por isso que o estudo de Programas

voltados para a preparação para a aposentadoria torna-se importante diante

dessas mudanças contextuais e demográfica.

19

20

CAPÍTULO 2

TRABALHO & APOSENTADORIA

2.1- Pensando em uma pré-aposentadoria:

Antes mesmo de se aposentar muitas questões entram em

evidência, conscientemente ou não, como: o que vai ser daqui para frente,

como serei visto pela sociedade, como continuarei mantendo o meu padrão de

vida atual, como darei conta dos processos de desgaste e adoecimento que

deverão emergir. A partir da linha de pensamento apresentada, é mais fértil

compreender-transformar este quadro complexo desde o seu momento prévio.

Assim, para entender melhor esse momento que se denomina “pré-

aposentadoria”, é preciso compreender o que é o (seu) trabalho em sua vida e

de que forma ele é significado pelo sujeito e pela sociedade. Segundo Clot

(2006):

O trabalho possui uma função psicológica específica e está em constante transformação. Mas o trabalhar só preenche sua função psicológica para o sujeito se lhe permite entrar em um mundo social cujas regras sejam tais que ele possa ater-se a elas. Sem uma lei comum para dar-lhe um corpo ativo, o trabalho deixa a cada um de nós só diante de si mesmo. (CLOT, 2006, p. 49).

Dessa forma, é possível dizer que o trabalho é, potencialmente, uma

das experiências nobres da vida, podendo também ser operador de sofrimento

patogênico e adoecimento. Na medida em que decorrem experiências

fecundas no trabalhar acumula-se um patrimônio biológico, econômico

(material) e também cognitivo, afetivo, social, simbólico (imaterial). Assim, é

pertinente ressaltar que o trabalho (que não se reduz ao emprego) foi decisivo

para a constituição da espécie, e é incontornável para a constituição do sujeito,

sendo enfim uma experiência de extrema relevância para o entendimento do

ser humano.

21

Somente a partir do estudo do que é trabalho e suas configurações

(inclusive de valores, na forma de contrato jurídico-político, na forma de

emprego) e implicações na sociedade em que vivemos, é possível pensar na

aposentadoria e de que forma a função psicológica e social do trabalho pode

influenciar nesse momento.

Neste quadro, a pré-aposentadoria é uma importante questão

psicossocial, uma vez que dela já se engendram fatores que vão fortalecer ou

reduzir o poder de ação dos trabalhadores e seus familiares. Tal fenômeno

mostra a sua complexidade a partir do momento que abarca aspectos

psicossociais importantes que denotam a forma como o homem agrega valor

(de capital) ao seu trabalho; e, paralelamente, que valor a ele é atribuído como

reflexo do seu trabalho (produtor de mais-valia e lucro para o agente

empregador) e da sua profissão (com todo o patrimônio histórico-social que

representa).

2.2- Compreender o trabalho para compreender a

aposentadoria:

Ao colocar o trabalho como constituinte de uma identidade social, a

autora ultrapassa das amarras do vínculo empregatício que corresponde ao

trabalho como um produto de mais valia considerando apenas o lucro do

agente empregador. Isso porque o sentido do trabalho não está apenas no

trabalho, como afirma Clot (2006, p. 43).

Existe um meio social no qual interagimos. Ainda seguindo as ideias

de Clot é possível ressaltar a multiplicidade do trabalho:

As relações no trabalho dependem não apenas das características de sua organização e das relações sociais que aí se formam, mas também, para o sujeito “de suas próprias pré-ocupações e pós-ocupações e das deliberações que formula sobre os valores contrários que elas implicam”. (CURIE & DUPUY, 1994, p.79 apud CLOT, 2006 p.67).

Desmembrando tal entendimento verifica-se uma plasticidade

entre sujeito e trabalho, um jogo cujas dimensões pessoal e sócio-econômica

22

estão presentes. Isto é, uma mescla a respeito da história de vida do sujeito,

experiências profissionais, investimento de tempo, reconhecimento

profissional, condições de trabalho, políticas sociais, configurações das

organizações de trabalho, e por fim da construção de sentido atribuído à

atividade que realiza.

Para compreender melhor tal pensamento é necessário enfatizar

acerca dos meandros que permeiam a atividade de trabalho para serem

discutidas com propriedade, as questões que circundam o processo de

preparação para aposentadoria.

Durante o trabalhar adquirem-se experiências singulares de

extração de saberes relacionados aos ofícios são realizados. Ou seja, apesar

do trabalho ter o seu componente prescrito (saber formal acerca das

atribuições inerentes ao ofício), são estabelecidas com o ele, uma relação

particular para a sua compreensão. São acumulados com o tempo um saberes

encarnado, isto é uma espécie de patrimônio simbólico pertencente ao “ator”,

ao executante do trabalho.

O patrimônio se constitui a partir da relação que o sujeito estabelece

com o meio, e a atividade de trabalho, sendo essa constituição variável de

acordo com as experiências laborais, sociais e culturais. Nesse sentido, é

pertinente salientar que trabalhar é exercer um debate contínuo de normas

antecedentes que caracterizam a atividade de trabalho em si (id).

As normas antecedentes estão relacionadas aos saberes técnicos,

científicos e culturais que historicamente foram incorporados ao fazer, isto é,

ao trabalhar. Com isso, é possível dizer que estas normas são construídas

através de um coletivo de trabalho que, por conseguinte vão adquirindo

relevância ao longo do tempo. As normas antecedentes mesclam tanto os

saberes técnicos quanto os códigos organizacionais ligados à divisão social.

Dentre os saberes que as normas antecedentes abarcam temos o

saber do trabalho prescrito que se refere, mais especificamente, ao que é

esperado no âmbito de um processo de trabalho específico, com suas

singularidades locais. O trabalho prescrito é vinculado, de um lado, a regras e

23

objetivos fixados pela organização do trabalho e de outro, às condições dadas,

indicando aquilo que se deve fazer, em um determinado processo de trabalho.

Trabalhar é colocar em debate uma diversidade de fontes de

prescrição, estabelecer prioridades entre elas e muitas vezes não poder segui-

las respectivamente. Do mesmo modo que as prescrições, as normas

antecedentes podem ser contraditórias, implicando uma permanente tensão

entre princípios, regras modelos, formação técnico-científica, recursos

disponíveis etc. São os coletivos de trabalho que enfrentam essa tensão,

sendo obrigados a fazer escolhas permanentemente o que corresponde a

outra face do trabalho (trabalho real ou atividade em si) (id).

O humano ao fazer escolhas, buscando soluções e opções nas suas

práticas desenvolvem novas técnicas e incorporam no seu trabalhar novas

formas de saber-fazer que futuramente poderão ser assimiladas às normas

antecedentes, ou seja, realiza o que é chamado de renormatização (id).

A renormatização diz respeito à capacidade do humano de

reinventar as normas antecedentes de acordo com os seus valores e crenças,

de acordo com cada situação concreta. Com isso, é possível dizer que de

acordo com a sua realidade profissão o homem será capaz de adequar o meio

em que se encontra inserido a seu favor, prescrevendo normas que constituem

a sua realidade, isto é, segundo seus valores, crenças e conceitos.

Toda essa discussão é necessária para ter um entendimento de

toda a problemática que envolve a aposentadoria. Pois, a pessoa ao se

aposentar construiu um patrimônio multimodal o que torna o estudo desse

fenômeno muito mais complexo. Entende-se que a pessoa ao se aposentar já

passou por uma série de experiências, renormatizações, e construções tanto

sociais quanto psicológicas.

Assim, para o estudo da aposentadoria e as suas reticências é

fundamental iniciar do trabalho em si, pois é através do mesmo que é possível

entender como o sujeito orientou a sua vida, através das renormatizações e

debates de normas inerentes ao prescrito.

24

“O trabalho é sem dúvida um dos gêneros principais da vida social em seu conjunto, um gênero de situação do qual uma sociedade dificilmente pode abstrair-se se comprometer sua perenidade; e da qual um sujeito dificilmente pode afastar-se sem perder o sentimento de utilidade social a ele vinculado, sentimento vital de contribuir para essa perenidade, em nível pessoal”. (CLOT,Y. 2006, p.69 ).

A conceituação apresentada por Clot elucida muito bem no que

tange ao papel do trabalho, ou melhor, o sentido do mesmo para o sujeito. Isso

porque uma das temáticas relativas à função psicológica que o trabalho ocupa

diz respeito ao sentimento de utilidade social que o sujeito engendra ao longo

da sua vida laboral. O trabalho torna-se então sinônimo de utilidade, em que o

indivíduo ocupa um lugar sendo “ator” no sistema de produção capitalista.

Verifica-se no trabalhar além de uma simples relação com o

prescrito, pois há uma vertente social, ou seja, uma hierarquia social, uma

hierarquia de valores, historicamente variável.

Cumpre ressaltar que essa escala de valores socialmente

estabelecida é de fato bastante complexa e não adquire sentido para os

indivíduos a não ser em função de sua história pessoal. (SCHWARTZ &

DURRIVE, 2007, p. 83).

Sendo assim verifica-se que o trabalho é muito mais do que cumprir

uma carga horária de oito horas por dia. Ser determinado exclusivamente pelas

imposições de um meio exterior é algo profundamente patológico (SCHWARTZ

& DURRIVE, 2007, p.86).

Enlevando tal compreensão para a aposentadoria observa-se que

tal momento relaciona-se com uma mudança de papéis que estruturam as

atividades e comportamentos que caracterizam e situam o sujeito em um dado

contexto social. Sendo esses papéis não só construídos socialmente, pois há

uma cena psíquica de injunções antecipatórias que tornam tais papéis fluidos,

negociáveis ao longo do tempo.

Entender a aposentadoria como o momento de recolhimento, “o fim

da linha” seria negar a capacidade do humano de ser “industrioso”, portanto de

ser. Pois, o trabalho não é feito sozinho, é preciso alguém para operá-lo,

renormatizá-lo de acordo com as dramáticas do meio. Com isso, compreende-

se que o aposentado não deixa de ser útil quando não possui mais vínculo

25

empregatício, podendo usar a sua capacidade normativa em outras atividades,

recentrando o meio a seu favor.

Nesse âmbito, a Psicodinâmica do Trabalho, mais uma vez, pode

trazer contribuições pertinentes. Trata-se de uma disciplina clínica que se

apóia na descrição e no conhecimento das relações entre trabalho e saúde

mental.

Consiste em uma disciplina teórica que se esforça para inscrever os

resultados da investigação clínica da relação com o trabalho numa teoria do

sujeito que engloba ao mesmo tempo a psicanálise e a teoria social.

(DEJOURS, 2004, p.63)

Partindo da mesma perspectiva, o trabalho é aquilo que implica do

ponto de vista humano o saber-fazer onde há um engajamento do corpo,

mobilização da inteligência, capacidade de refletir, de interpretar e de reagir às

situações, é o poder de sentir, pensar e de inventar. Nesse sentido, não está

sendo abordada a relação salarial, mas de um engajamento da personalidade

para responder a uma tarefa delimitada por pressões materiais e sociais (id).

A abordagem de Dejours acerca do trabalho nos leva a ressaltar toda a complexidade inerente a esse exercício. O humano, ao se engajar no trabalho, o faz por completo. Isto porque ao trabalhar o humano mobiliza a sua inteligência e mobiliza também seu corpo. Ao explicitar tal entendimento de Dejours (2004) eliminamos a diferenciação totalmente sem sentido acerca do trabalho intelectual e o trabalho dito manual que exigiria exclusivamente esforço físico, pois o trabalho intelectual demanda também esforço físico e vice-versa. (DEJOURS, 2004, p.61).

Dessa maneira, recorrendo à compreensão de Yves Clot (2006,

p.89) – explorando Vigotski ao analisar a criança em situação de jogo – para o

adulto trabalhar pode ser também uma nova forma de “sair de si” (devir outro,

desenvolver-se), uma vez que nele há um esforço tanto do corpo quanto da

mente, do psiquismo.

O trabalho é a demarcação consigo mesmo, inscrição numa outra

história coletiva cristalizada em gêneros sociais em geral discordando para que

cada um de a sua contribuição (CLOT, 2006, p 71).

26

Trabalhar, então não é somente produzir, é também, transformar a

si mesmo. Entendendo toda a complexidade existente no trabalhar questiona-

se o que acontece com toda a capacidade produtiva real e simbólica do

humano quando se aposenta. Ela desaparece?! Responder tal indagação

como sim é decretar a morte do ser humano enquanto tal. Pois, seria igualar o

ser humano a uma máquina. Nesse caso, se essa estimativa fosse verdadeira

o engenheiro de automação, no caso apresentado pelo ergonomista-ergólogo

Jacques Duraffourg teria sido bem sucedido na tentativa de automatizar o

procedimento de viragem de queijos de uma queijaria.

A conclusão que este autor chegou é bastante relevante para ilustrar

a capacidade industriosa do ser humano, sendo esta não só no âmbito da

consciência, mas também do corpo. Isso porque a operação de virar queijos foi

erroneamente reduzida a uma ação sucessiva realizada de modo repetido.

Não foi levado em consideração o fato de que essa aparentemente “simples”

operação requer certa sensibilidade, uma vez que as operárias que

desempenham a mesma operação que as máquinas manuseavam o queijo

para aferir se este estava em condições ideais para consumo.

Cumpre ressaltar nesse momento que esse investimento está relacionado ao trabalho com tudo aquilo que implica do ponto de vista humano, como: os gestos, o saber-fazer, o engajamento do corpo, a mobilização da inteligência da prática, a capacidade de refletir, de interpretar e de reagir às situações, o poder de sentir, de pensar e de inventar (DEJOURS, 2004, p. 54).

Decerto, as queijeiras especialistas na viragem de queijo ao se

aposentarem não perderiam o saber que lhes permitiam executar o ofício. O

saber que as mesmas adquiriram ao longo de suas experiências de trabalho

encontra-se encarnado, incorporado. Há uma própria inteligência do corpo que

se forma no e pelo trabalho, sendo assim, não inata. Isso quer dizer que elas

podem encarnar outros tipos de saberes mesmo na aposentadoria, pois tal

capacidade é inerente ao humano.

O entendimento da afirmação anterior pode parecer simples, mas

não óbvio, pois a sociedade possui valores engendrados que engrandecem o

trabalho e rechaçam aquele que se aposenta. Assim, a pessoa ao se

27

aposentar pode enfrentar uma série de desafios, como preconceitos, mudança

de status, de círculo social, o que faz a preparação para esse momento ainda

mais importante.

A palavra aposentadoria carrega consigo um peso, uma conotação

negativa. É como se com a aposentadoria houvesse uma condenação. O

sujeito seria fadado a recolher-se nos seus aposentos, perdendo o seu saber

encarnado, não sendo mais capazes de encarnar outros saberes ao longo da

vida.

As situações comuns de trabalho são permeadas por

acontecimentos inesperados, incidentes, incoerência organizacional,

imprevistos que são nomeados como “infidelidades do meio” (CANGUILHEM,

1995, p. 36). Isso quer dizer que o prescrito possui as suas imperfeições, o que

faz existir sempre uma lacuna entre ela e a atividade real. É certo haver a

discrepância entre o real e o prescrito, o mais relevante é que o humano não

possui o “privilégio” para prever e preencher tais discrepâncias

antecipadamente.

Neste momento cabe salientar a respeito da Ergonomia da

atividade. Tal linha da ergonomia, que teve a sua origem nos países de língua

francesa, proporcionou em seus estudos a diferenciação entre dias vertentes

do trabalho: a tarefa que corresponde ao trabalho prescrito, e a atividade que

está relacionada ao trabalho real. Esse estudo suscitou a compreensão do

trabalho em sua complexidade inerente devido à articulação existente entre as

faces prescrita e real do trabalho. Assim, podemos dizer que:

“O trabalho prescrito refere-se no que é esperado de um processo de trabalho específico, com as suas singularidades locais. Este está vinculado a regras e objetivos fixados pela organização do trabalho, e de outro, às condições dadas.” E o “trabalho real (atividade) pode-se dizer que é aquilo que é posto em jogo pelos trabalhadores para realizar o trabalho prescrito (tarefa). Logo trata-se de uma resposta às imposições determinadas externamente, que são, ao mesmo tempo, apreendidas e modificadas pela ação do próprio trabalhador”. (BRITO, 2006 p.1).

O caminho a ser percorrido entre o prescrito e o real deve ser a

cada momento, inventado ou descoberto pelo sujeito que trabalha. (DEJOURS,

2004). É nesse contexto que é preciso ressaltar a capacidade inventiva do

28

humano para lidar com as adversidades. A aposentadoria pode ser encarada

com um momento de reflexão onde o prescrito seria recolher aos seus

aposentos esperando a morte chegar. Contudo, o aposentado pode muito bem

ultrapassar esse prescrito envolvendo-se em novas atividades e até mesmo

em um outro trabalho (formal ou não). O entendimento do que será uma

aposentadoria para cada um dependerá da forma como o trabalho foi

configurado pelo humano.

O real do trabalho, segundo Dejours, é visto pelo homem sempre

sob a forma de fracasso, pois se revela para ele pela resistência aos

procedimentos, ao saber-fazer, à técnica, ao conhecimento, isto é, pelo

fracasso da maestria. Ele confronta o sujeito ao fracasso, de onde surge um

sentimento de impotência, até mesmo de irritação (id), daí a pertinência do

vocábulo sofrimento para designar o conceito. Sentimentos semelhantes

afloram na pessoa que se encontra prestes a se aposentar, só que nesse

momento a impotência e a irritação surgem quando o sujeito fica diante de si

mesmo, perpassando pelas referências constantes e taxativas sobre o

envelhecimento, e de não fazer mais parte (daí ditos “inativos”) da população

que contribui financeiramente para a sociedade, os “ativos”. O pensamento

dominante traz um sofrimento advindo da idéia não ter mais valor perante a

sociedade. É como se a razão de viver estivesse naquele vínculo empregatício.

Contudo, ergologicamente falando, será que é possível separar a

razão de viver e a razão de trabalhar? Devido à complexidade inerente à

questão abordada abriga-se a impossibilidade de se apresentar uma resposta

unilateral.

Em uma organização de trabalho, há uma realidade coletiva e, ao

mesmo tempo, ninguém é substituível por ninguém, pois as pessoas são

singulares em suas histórias (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p. 49).

Isso remete a singularidades de vínculos que são estabelecidos, de

escolhas que são feitas. As pessoas atravessam as suas próprias dramáticas

no trabalho, modos de vida que contribuem para que as construções e

escolhas feitas no trabalho sejam singulares, pois estarão relacionadas com as

experiências de vida. Além disso, há normas científicas, técnicas,

organizacionais, gestionárias, hierárquicas que influenciam nas nossas

29

escolhas no curso do trabalho. É por todo esse conjunto que a decisão da

aposentadoria é tão difícil e muitas vezes angustiante.

Muitos que sonhavam com o momento de descanso da atividade

regular que estabelecera ao longo da vida, passam a se questionar se ele será

mesmo bem vindo. O alívio é substituído por incertezas quanto ao futuro e o

risco do sofrimento tomar um rumo patogênico se instaura. Aqui torna-se

bastante pertinente apresentar a conceituação de Dejours acerca do

sofrimento.

Este autor coloca sofrimento como um ponto de partida, sendo ao

mesmo tempo proteção da subjetividade com relação ao mundo, na busca de

meios para agir sobre o mesmo.(DEJOURS, 2004, p.62).

Destarte a importância do sofrimento para a ação do homem,

levando essa idéia para o momento da aposentadoria, o sofrimento seria a

fonte para a mudança, isto é para a ação. Torna-se então importante o

momento em que a pessoa defronta-se com o real sendo este manifestado

através de uma surpresa desagradável que seria no caso da aposentadoria o

ócio (o contrário do negócio). O sofrimento seria transformado em ação a partir

do momento que se passa a compreender a aposentadoria como mais uma

etapa na vida da pessoa. Etapa esta que pode ser operada com o movimento

de agir no mundo, continuar mobilizando a sua inteligência em prol da ação.

A colocação do parágrafo anterior pode ser analisada sob o ponto

de vista ergológico. Pois o homem, ao ser entendido não somente como um

ser de que se move de acordo com as suas necessidades, pois também há o

desejo inerente às suas ações. Ele busca um equilíbrio em sua vida psíquica

através de objetos como o trabalho. Uma vez que este não se encontra mais

atrelado ao trabalho pode procurar outras formas para apaziguar as suas

contradições. Nesse momento torna-se interessante o estudo de preparação

para aposentadoria, pois esta muitas vezes é vivenciada como uma ruptura

cruel com a organização de trabalho.

“O funcionamento psíquico nada mais é, pois, que o jogo permanente entre esses três sistemas de tensão, ou seja, entre esses três sistemas articulados uns com os outros que fazem com que durante toda a vida, tente-se, bem ou mal, encontrar um equilíbrio, conviver

30

com estes três obstáculos e encontrar um modus vivendi, uma forma de convivência, que não é jamais estável”. (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p.228).

Tal redução não quer dizer que o humano perdeu a sua capacidade

industriosa, pois esta nunca desaparece. Mas haverá sim um debate de

valores que trataram da importância do trabalho para o sujeito e suas

problemáticas e também o entendimento da aposentadoria para o mesmo e

sua reconfiguração psíquica ao enfrentar esse momento.

2.3- Sob a luz de uma lógica taylorista

Para compreender a problemática que gira em torno da

aposentadoria é necessário compreender os investimentos (não só de tempo e

energia) que o humano realizou durante a sua trajetória profissional. Pois, do

contrário a atividade de trabalho seria considerada como uma simples

execução, conforme a ficção taylorista.

De fato sabe-se que no discurso taylorista, cujo marco foi o estudo

de tempos e movimentos, havia uma visão exagerada da capacidade de

realização e antecipação do trabalho pelos profissionais de concepção e uma

visão fragmentada do ser humano, onde o homem seria o resultado do

somatório de uma série de características e capacidades pontuais.

Ademais a presença de um esforço para a análise do trabalho,

mesmo que segundo a lógica taylorista, nesse período, é positiva no sentido de

disseminar esse procedimento. Contudo, Taylor não se atentou ao desgaste

psicológico advindo da realização de um trabalho altamente repetitivo e

minucioso. Acreditar que o saber operário possa ser reduzido a elementos

mais simples a partir da cronometragem da execução de suas atividades

(visando o controle do conhecimento técnico-prático) é praticamente uma

afronta à dinâmica complexa entre o trabalho prescrito e real.

É notório, a partir da exposição anterior, que Taylor tinha uma visão

muito maquineísta acerca do trabalho que demarca a sua realidade vigente

capitalista. Sendo assim:

31

“No mercado de trabalho o capitalista contrata alguém e procura utilizar plenamente durante um tempo cronológico estipulado no contrato. Enfim, quanto maior e melhor for o uso desta “energia” comprada, no final das contas maior o lucro. Ou seja. Quanto menos energia consumida maior a quantidade de produtos gerados, maior a produtividade” (ATHAYDE, 2007, p.2).

A vontade de objetivação dos sujeitos e das competências

através de procedimentos técnicos herdados da Psicologia do Trabalho

clássica (como a defendida pelo discurso taylorista), e reforçados pelas

práticas dominantes de recrutamento, seleção e de gestão de pessoal,

marcam fortemente o meio como sendo o único recurso operatório disponível

mesmo se, a cada dia, os seus praticantes são a prova da inutilidade deste

“parecer de peritos”.

Quando o principal norte da vida do sujeito é desvinculado dele,

observa-se um vazio sofrimento proveniente da perda. Aqui instaura-se a

contradição: o trabalho, além de possuir essa “função” de definidor de status

possui uma conotação negativa.

Pois trabalhar, segundo Dejours (2004), também consiste em “lidar com o sofrimento”. (DEJOURS, 2004, p 53).

Esse sofrimento seria decorrente da eterna lacuna existente entre o

trabalho prescrito e o trabalho real. Na tentativa incessante e sempre

fracassada de abarcar toda a complexidade entre o prescrito e o real, o

humano vivencia o sofrimento no trabalho.

É pertinente entender, a relação entre os aspectos considerados

positivos e negativos do trabalho como um jogo de forças que estão em

constante conflito. A dimensão de tais forças irá variar de acordo com o modo

como o sujeito considera como valor em sua vida.

Se a pessoa considera o poder como parte fundamental para ter

uma imagem positiva de si mesmo, é fácil deduzir que a perda, mesmo que

parcial de uma posição importante será bastante sofrível, enquanto que outro

que não considera o status como valor, a perda será configurada de maneira

distinta. Além desse status, outras perdas ocorrem como a do grupo de

trabalho no qual estava inserido. A perda desse grupo social de pertença

32

normalmente é vivenciada de forma dolorosa uma vez que traz consigo o

desvalor que a sociedade atribui àqueles que não fazem mais parte da

população ativa.

Esses sentimentos podem submergir (mas não eliminar) a

capacidade produtiva do humano, funcionando como uma série de

“constrangimentos” que impedem a renormatização de suas práticas. O

constrangimento do livre exercício de ser industrioso se configura como uma

das causas mais poderosas do sofrimento patogênico no trabalho. Fora dele

esse constrangimento pode ser personificado através das intensas negativas

da sociedade em aceitar que o aposentado é capaz de produzir algo que pode

não contribuir para o sistema de produção capitalista, porém pode ser muito

útil em outros âmbitos devido ao seu saber encarnado, advindo de sua

experiência de anos de vida laboral.

Diante do pensamento taylorista é praticamente impossível pensar

no trabalhador como uma pessoa muito além de um simples executor. Que

dirá compreender que o trabalhador faz “uso de si” para trabalhar. Tal conceito

de Yves Schwartz será explorado no próximo tópico.

2.4- Dramáticas de usos de si

É possível dizer que a sociedade brasileira guarda como herança

alguns (ou muitos) pensamentos do período taylorista. O trabalhador ainda

sofre constrangimentos de suas práticas apesar de estarmos vivendo na era

onde as pessoas não são mais vistas como “recursos”, e sim como capazes de

gerir.

A nova terminologia chamada “Gestão e Pessoas” caracteriza a era

da informação e traz consigo um discurso “mais humano”. As pessoas são o

diferencial competitivo que dão vida as empresas (CHIAVENATO, 2004, p. 28).

Mas o questionamento que paira é se de fato esse movimento é

representativo, ou é apenas uma nova nomenclatura para se falar sobre as

organizações de trabalho?

33

A indagação anterior é importante, pois faz pensar para além do

trabalho como um componente da carteira profissional. A partir do momento

que entende-se o trabalho como o prescrito, está havendo uma simplificação,

ou melhor,uma negação de toda a complexidade existente nele.

Isso porque nessa “gestão de pessoas” não há um entendimento

que o homem é capaz de fazer a gestão de si próprio. Trata-se de uma nova

nomenclatura que caracteriza erroneamente as práticas da atualidade. É

preciso compreender que trabalhar é gerir, isto é, todos nós somos gestores do

trabalho sendo esta função não restrita aos denominados “gestores” e

gerentes de empresas.

Atualmente há um bombardeio de novas abordagens como a de

“gestão participativa”. Através da compreensão da Ergologia sobre essa

questão existiria um pleonasmo vicioso, uma vez que toda gestão para tal

perspectiva (ou indisciplina, segundo Schwartz) é participativa.

A pessoa ao entrar no trabalho já encontra normas, procedimentos e

diretrizes a serem seguidos. A verdadeira gestão encontra-se a partir do

momento que o recém-admitido procura estabelecer uma troca em que ao

mesmo tempo em que aceita as novas diretrizes de trabalho, procura também

inserir o seu modo de fazer dentro do seu trabalho.

É um jogo de dupla troca, porém difícil de ser compreendido, pois o

meio de trabalho também é infiel. Schwartz (2000a) afirma que essa fidelidade

é gerida como um uso de si e não como uma mera execução.

O termo execução supõe que o trabalhador apenas siga

procedimentos, diretrizes e consignas. Mas, felizmente o trabalhador está além

do simples executar, pois o mesmo faz o “uso de si” para trabalhar (BORGES,

2006, p.89).

O “uso de si por si” inclui tudo que o trabalhador investe de recursos

físicos, cognitivos, psíquicos, motores, seus conhecimentos, sua experiência

individual e coletiva, as avaliações e renormatizações que efetua para que o

trabalho possa ser realizado.

34

É a pessoa sendo convocada em toda a sua inteireza, em que

qualquer abordagem taylorista, por mais constrangedora que seja, é incapaz

de anular. (BORGES, 2006, p. 91).

Assim utilizando as palavras de Schwartz (2007):

“Há um apelo a um “uso”, não somente a uma execução. A pura execução seria “invivível”. Como as coisas nunca se dão exatamente deste jeito, então o sujeito pode viver, ou seja, tentar recentrar (mesmo no infinitesimal) o meio em torno daquilo que suas próprias normas. É preciso que ele escolha, visto que as imposições ou as instruções são insuficientes! Então, é necessário que ele faça escolhas. É necessário que ele atribua a si próprio leis para dar conta do que falta” (SCHWARTZ, 2007 p.192).

Este conceito pode ultrapassar do trabalho formal, pois o trabalho

é compreendido como qualquer atividade em que ser humano investe tempo,

energia e suas capacidades cognitivas e que o faz sentir-se vivo. Então é

possível fazer uso de tal conceito para pensar a aposentadoria.

Dessa maneira verifica-se que o ser humano não perde a sua

capacidade de fazer o uso de si, pois este é inerente ao humano. Tal conceito

envolve estabelecer laços com as singularidades, antecipando os eventos e

renormatizando na medida em que inclui neles o seu saber-fazer. Trata-se de

um processo dinâmico e extremamente complexo, envolve a capacidade

inventiva do humano.

A maneira pela qual, a partir das questões que emergem ao

trabalhar (lidando com os limites da prescrição, das variabilidades etc.), das

tensões e formas de sofrimento, negocia-se os encontros com o meio, os

outros e as coisas.

Escolhas são feitas, remetendo efetivamente a uma dramática

desse uso de si. Porque mesmo nas escolhas mais ínfimas, são escolhidos

modos de vida, modos de relação com o outro em geral. (SCHWARTZ, 2007,

p. 197).

Trazendo essa idéia de Schwartz para o tema o sujeito ao se

aposentar é atravessado por todas essas construções que “negociou” ao longo

da sua vida no trabalho. Vale ressaltar que cada sujeito vai construir modos de

relação com o coletivo de forma singular.

35

Trabalhar envolve sempre uma “dramática de uso de si”. Trabalhar é sempre um drama no sentido que envolve o trabalhador por inteiro, é o espaço de tensões problemáticas, de negociações de normas e valores. Um drama, individual ou coletivo acontece quando um evento surpreende, rompendo os ritmos das seqüências habituais, antecipáveis da vida. Ao se dar tratamento a esse evento, produz-se novos eventos e a relação com o meio e com as pessoas se altera. Cada evento é uma matriz de história porque implica sempre escolhas a fazer, ainda que sejam micro escolhas. A atividade se configura, então como uma tensão, uma dramática (BORGES, 2006, p.46).

Diante dessas conceituações o estudo da aposentadoria torna-se

mais complexo do que se imagina. Na realidade, os limites de uma situação de

trabalho não são jamais descritíveis, eles são imprecisos assim como os

aspectos relacionados ao processo da aposentadoria.

36

CAPÍTULO 3

O “DESEJO” DE SE APOSENTAR.

O que está por traz do desejo de se aposentar? Liberdade,

descanso merecido, vontade de sair da rotina? Decerto tais ideias podem estar

presentes na mente de uma pessoa que está prestes a se aposentar.

Todavia, é importante ressaltar que dada à relevância ao trabalho

(no sentido do emprego) para a sociedade (centrada no mercado e na

produtividade). A aposentadoria, principalmente se efetuada de modo abrupto,

torna-se um momento fortemente propício a episódios amargos, vivenciados

com muito sofrimento pelo sujeito.

Atualmente observamos uma compreensão maior de que o lugar

que o humano ocupa no sistema de produção tem relação com o lugar que ele

ocupa no sistema cultural.

Isso porque trabalhar não é somente executar gestos técnicos (não estamos dissertando acerca de uma relação causal), é também fazer funcionar um tecido social e as dinâmicas intersubjetivas que envolvem o homem e o trabalho (DEJOURS, 2005, p.57).

Cabe aqui ressaltar que tais dinâmicas intersubjetivas trazem

consequências sobre outros fatores da vida do futuro aposentado, pois é a

partir desse entendimento que ele se organiza e se estrutura psicológica e

socialmente.

A compreensão do desejo de se aposentar torna-se mais complexa

partindo das inúmeras reações diante desse momento. Assim, a pergunta que

fica é: qual seria a motivação para se aposentar qual o lugar do desejo nesse

momento. A motivação para se aposentar estaria como reflexo no

comportamento da pessoa que se encontra na iminência da aposentadoria. Já

o desejo não adquire sentido a não ser através de um conjunto de signos. O

comportamento nesse caso, segundo os autores citados, é o que menos

importa, uma vez que o desejo é invocado em outras formações além do

comportamento.

37

Sem perder o fio condutor iniciado sobre o lugar do desejo destarte

a colocação de Dejours que expõe que quanto mais se sobe na hierarquia das

empresas, mais há lugar para o desejo e para o sujeito. Nestas condições

quando a situação se modifica ou se bloqueia, a tal ponto que o desejo não

encontra mais seu lugar na vida de trabalho, não é raro e não impossível ao

sujeito ou desviar o curso das coisas ou, se não for possível, visualizar a

realização de outro futuro em outro lugar.

A aposentadoria poderia ser exemplificada como uma modificação

ou possível bloqueio que faz com que o desejo não encontre mais seu lugar na

vida laboral. É admissível ir mais além, pois é possível dizer que dado o fato do

sujeito não encontrar mais seu lugar no trabalho, a conseqüência seria a

reflexão na possibilidade da aposentadoria. A motivação, então, poderia ser

expressa pelos comportamentos do sujeito, com sinais de desânimo,

diminuição da produtividade, absenteísmo dentre outras manifestações de

descontentamento.

Mais uma vez ressaltam-se aqui dois pontos: sobre a oposição que

aparece entre o Comportamento e o Desejo, figura insólita na verdade, se

olhada de perto; sobre o termo reprimir, pois é o próprio trabalhador

desqualificado que deve lutar contra seu desejo, para prosseguir em sua

tarefa.

Trata-se de Repressão do Desejo, sendo a diferença entre os dois

possui consequências no plano psicossomático. A referência ao conceito

psicanalítico de Repressão está associada ao risco de uma doença somática

(MARTY, 1976 apud ABDOUCHELI & DEJOURS, 1994 p. 33).

Sobremaneira a partir da reflexão apresentada revela-se importante

explorar a temática de Dejours a respeito dos sistemas de defesa que destaca

o sofrimento do trabalhador e as formas deste de lidar com a repressão do seu

Desejo.

3.1- Sistemas de defesa

Nos primeiros estudos em Psicopatologia do Trabalho, o trabalho

no capitalismo era considerado essencialmente como gerador de sofrimentos e

38

do adoecimento. A partir da segunda metade dos anos 80, Dejours

compreendeu que o trabalho não seria apenas um gerador de sofrimento, mas

também poderia ser fonte e meio de prazer, de realização, de construção e de

criação.

O sofrimento visto como uma afecção básica, inerente ao humano,

que pode se transformar em adoecimento ou ser encaminhado para o prazer,

inaugurando então o que Dejours denominou a Psicodinâmica do Trabalho.

(BORGES, 2006, p. 102).

A consideração da possibilidade de geração de prazer com o/no

trabalho reafirma a idéia de que uma organização do trabalho estabelecida de

forma rígida (como se configuraram as organizações tayloristas) que oferecem

pouca ou nenhuma margem de mobilidade, normatividade, criatividade ou

escolha ao indivíduo, pode produzir sofrimento patogênico.

Ou seja, diante de uma situação de trabalho que nos faz sofrer, os

trabalhadores não ficam passivos ou neutros. Na dificuldade ou

impossibilidade de lidar com a rigidez de certas pressões organizacionais,

utilizam-se ou põem em ação artifícios complexos para minimizar a percepção

dessas pressões que geram sofrimento e assim poderem continuar a trabalhar.

Essas defesas coletivas modificam, transformam a percepção da

realidade que os faz sofrer. Sob a luz da aposentadoria é possível dizer que as

pessoas que estão na iminência desse momento podem negá-la criando

sistemas defensivos, como, por exemplo, acharem desnecessário a

participação em programas de preparação para aposentadoria. E também

podem se engajar em outras atividades de trabalho (formal ou não) a fim de

suprir o vazio deixado com o tempo que era preenchido pelo trabalho.

O trabalho encontra-se voltado para um sistema de produção

capitalista, mas isso não significa que sentimentos venham surgir apenas na

“classe econômicamente privilegiada”, pois o trabalho independente de sua

formalização traz consigo o seu caráter transformador. É isso que faz o gari

significar o seu trabalho como importante, pois “deixa a rua mais bonita”. Ou o

ambulante de rua sentir prazer em executar a sua atividade.

Não tomando posições generalistas, é relevante salientar que

independente do sujeito sentir prazer ou não em seu trabalho este sempre terá

39

o sofrimento inerente. É nesse momento que os sistemas de defesa entram

em evidência e permitem tornar suportável a atividade em si.

Cumpre ressaltar que tais sistemas de defesa são coletivos: Os

sistemas coletivos, não têm o poder de modificar a realidade vivida, os

sistemas defensivos podem ter uma “eficácia simbólica”

(DEJOURS,1992,p.71). Ao funcionarem como regras (defensivas), os sistemas

supõem um consenso ou acordo compartilhado. É por intermédio desse acordo

normativo que esses sistemas se sustentam e se transmitem.

A negação da percepção da realidade (riscos, perigos, danos à

saúde) é operada coletivamente. Assim, constrói-se uma nova realidade que é

validada pelo coletivo (BORGES, 2006, p.39).

Embora tais sistemas defensivos coletivos sejam importantes para

permitir que o sujeito suporte as dificuldades do trabalho estes podem fazer

que os trabalhadores neguem o perigo de uma maneira que a defesa pode

tornar-se o próprio perigo.

Pensando em um sistema defensivo individual na aposentadoria é

pertinente trazer o exemplo de um filme3 onde um sujeito fica exultante ao se

aposentar, porém quando se aposenta passa a viver sentado em uma poltrona

“sem fazer absolutamente nada”. A aposentadoria que antes era vista como o

momento de sua libertação, com o tempo passa a ser um obstáculo para fazer

outras atividades em sua vida, que culminou em sua morte. O fim trágico do

exemplo citado ilustra a utilização do sistema de defesa até o limite.

A individualidade desses sistemas pode ser verificada a partir do

momento que tal configura um refúgio criado pelo sujeito aposentado que

poderia ser apresentado sob a forma de alcoolismo, violência ou a loucura

(DEJOURS, 1987, apud BORGES, 2006 p. 43).

O risco dos sistemas defensivos reside no fato de eles poderem se

transformar em ideologia defensiva e alimentarem uma resistência à mudança

do que pode estar sendo nocivo (como o caso do filme). No momento em que

os trabalhadores conseguem estruturar essas defesas, precisando delas para

se manterem trabalhando (no caso do exemplo apresentado manter-se na

3 O filme chama-se “A poltrona” e foi produzido pela SIAMAR distribuidora de recursos para treinamento empresarial, e está disponível apenas sob encomenda. Para maiores informações o site da referida distribuidora é: http://www.siamar.com.br/.

40

inércia) passam a hesitar em questioná-las, pois são elas que estão garantindo

a continuidade do seu trabalho.

Dejours aponta para a possibilidade de “alienação” dos

trabalhadores quando “a estratégia corre o risco de ser promovida a objetivo”.

As consequências podem ser tanto nos planos social quanto no psíquico

(BORGES, 2006, p.47).

As ideologias defensivas podem se radicalizar ao funcionar

mascarando o sofrimento, dificultando ou impedindo a luta contra as pressões

patogênicas da organização do trabalho e a consequente transformação da

realidade.

Na medida em que se tornam um objetivo, um fim em si mesmas, impedindo o reconhecimento do sofrimento como decorrente do trabalho, podem frequentemente funcionar como obstáculo para a avaliação da realidade, para a emancipação e a mudança do que tem caráter penoso. Este é um uso perigoso das defesas, ma medida em que estas se tornam um prazer em si, ignorando propositalmente a fonte de sofrimento que a gerou (BORGES, 2006, p.40).

A assertiva acima denota os aspectos negativos dos sistemas de defesa

coletivo de tipo ideológico. O aposentado, ao resignar-se a viver em uma

completa inércia, condenado a ficar em cima de uma poltrona. Ele construiu ao

longo da sua aposentadoria uma espécie de alienação para negar o sofrimento

advindo do fato de não mais trabalhar em seu emprego. É por esses

comportamentos e outros semelhantes que se faz necessário à realização de

um trabalho direcionado para pessoas que estão próximas de se aposentar, a

fim de que tais questões sejam discutidas. Contudo, a pergunta que fica é:

será que tais programas cumprem apenas um protocolo, ou há um real

comprometimento com os seus participantes? Tal questionamento será

discutido mais adiante.

3.2- O significado da aposentadoria

A fim de explorar as questões inerentes à aposentadoria, revela-

se bastante oportuno empreender os conceitos sobre motivação explorados

criticamente pela psicóloga e psicanalista Christine Revuz que possui uma

vertente ergológica.

41

Revuz (op. cit.), ao tratar da noção psicológica de “motivação”, a

coloca em xeque. Para ela, o homem é um ser de necessidade, mas também

de desejo, pois busca um equilíbrio em sua vida psíquica pelo trabalho

(REVUZ, 2007, p 88).

Isso porque tais contradições encontram-se imbricadas, quando

se trata de explicitar os desdobramentos que permeiam sobre a decisão de se

aposentar. Para tanto é necessário discutir-se a respeito do significado que o

homem atribui ao seu trabalho e também acerca do conceito de motivação

(como este pode ser entendido no trabalho) que influencia na forma como uma

pessoa gera sentido ao seu trabalho.

As teorias e as práticas atuais de gerenciamento estão centradas na

idéia de motivação. Os gerentes solicitam cada vez mais de seus assalariados

que invistam a fundo no seu trabalho, que deem o melhor de si à sua empresa

e, ao mesmo tempo, parecem ter uma concepção de sujeito como uma “caixa

preta”, pensando em suas reações em termos de estímulo-resposta.

Essa visão é simplificada e ao mesmo tempo complexa, pois a

partir do momento que endende-se o ser humano como uma caixinha de

surpresas tem-se uma grande incógnita, no qual não se sabe qual o presente

que irá sair de dentro da cartola. E, de maneira contraditória ou não, pensar

em reações estímulo-resposta é pensar em uma filosofia operacional

comportamentalista, onde o ser humano seria totalmente previsível. Na

verdade, pode-se dizer a respeito sim de uma força enigmática que permite

que o humano invista no seu trabalho.

O que não é paradoxal, do ponto de vista dos gerentes, é eles se terem dado conta de que as pessoas, de forma enigmática, investem no trabalho, “dão de si” como se diz, e que, efetivamente esta é a condição para que isso dê certo. O trabalho funciona porque as pessoas vão além do que lhes é simplesmente pedido. Depois a questão é procurar saber como se pode compreender de que maneira as pessoas investem no trabalho (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p. 227).

Compreender que as pessoas investem no seu trabalho de

maneira enigmática é fundamental, pois só assim terá sentido entender o

momento da aposentadoria como algo complexo e difícil de metabolizar pelo

humano. Contudo, há uma gama de novas diretrizes que circundam a área de

42

“gestão de pessoas” 4 que busca de maneira desenfreada motivar as pessoas,

como se isso fosse possível.

Os gerentes em geral colocam o problema no sentido inverso,

acreditando na possibilidade de se motivar alguém. As pessoas se motivam

espontaneamente no trabalho.

O que deveria ser discutido é “como as organizações de trabalho

chegam às vezes a “quebrar” esta motivação, dada à maneira como tratam os

trabalhadores” (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p. 216).

Remetendo tal discussão para o âmbito da aposentadoria, seria

possível dizer que em muitas situações pode haver uma “quebra” da motivação

pela maneira como o sujeito é tratado quando vai se aposentar. É como se

tudo que ele até ali produziu como profissional fosse algo insignificante, ou

pior, como se não fosse mais do que sua obrigação à tamanha dedicação para

o seu trabalho. Esse descaso pode ser exemplificado pelos direitos muitas

vezes não respeitados dos aposentados, a defasagem dos vencimentos das

aposentadorias e a falta de apoio dos legisladores e do executivo no que se

refere às legislações direcionadas aos aposentados.

“Para tratar o conceito de motivação a partir de um outro ponto

de vista indaga-se o conceito de motivação por um outro sentido: Que bicho as

mordeu? Qual o lugar do trabalho em suas vidas, na sua vida pessoal, para

que sejam capazes de nele mergulhar?” (id). Se essa questão não for tratada

dessa maneira haverá a permanência de uma posição maslowniana baseada

na hierarquia das necessidades, onde o humano seria mediado por

necessidades orgânicas que iriam evoluindo à medida que as necessidades

essenciais fossem saciadas.

O desejo é insaciável porque o homem como ser industrioso irá

sempre procurar objetos para investir o seu desejo. Isso quer dizer que não há

um ponto ótimo de auto-realização como disse Maslow ao apresentar a sua

hierarquia das necessidades. Pode haver tentativas de amenizar as tensões

advindas pelo anseio de saciar seus desejos que fatalmente podem ser

atenuados, mas nunca eliminados.

4 As aspas foram inseridas para destacar a crítica sobre a idéia de gestão de pessoas. Pois, como já foi exposto baseio-me no pensamento de Yves Schwartz de que o homem é capaz de gerir a si próprio.

43

O homem, de fato, funciona como um coelho correndo atrás da

cenoura. E, no final das contas, um homem que está bem é um homem que

consegue sempre encontrar novas cenouras para correr atrás, durante toda a

sua vida, que continua sendo capaz de encontrar no seu ambiente objetos que

animem seu desejo.

A idéia apresentada pode ser entendida sob o ponto de vista da

aposentadoria. O fato de se aposentar (apesar de sua semântica estar

relacionada ao recolhimento para os aposentos) não quer dizer que acabaram

as cenouras. Muitas pessoas ao se aposentar têm a concepção de que vão ter

o descanso merecido, voltando à metáfora que não precisarão como coelhos,

“correr atrás de novas cenouras”, já que fizerem isso durante toda a sua

trajetória de trabalho.

Todavia, muitos se deparam com a constatação de que o correr

atrás das cenouras não designa apenas as práticas laborais de nosso sistema

capitalista, no qual é preciso produzir para o desenvolvimento da empresa.

Significa muito mais do que isso, trata-se de produzir novas cenouras para

correr atrás. Nesse caso, estamos enveredando por caminhos enigmáticos que

nos fazem questionar porque procuramos/produzimos outras cenouras.

Trazer esse pensamento para a temática da aposentadoria é

compreender que o homem ao se aposentar pode investir em outros objetos

de desejo. Isso quer dizer que o trabalho já foi portador de investimentos do

sujeito. Tal explicitação pode ser surpreendente, e um tanto duvidosa após

termos colocado as dimensões conceituais acerca do sofrimento no trabalho e

seus sistemas de defesa elaborados por Dejours.

Enquanto objeto de desejo o trabalho é portador de investimentos

que podem ser perfeitamente inconscientes para a pessoa, que remetem a

essa equação enigmática de como a pessoa se arranjou considerando a sua

identidade sexual, suas relações com os pais, com a morte, com a sua

capacidade de estar com o outro.

A partir do momento que as motivações até então inconscientes

vêm à tona, o objeto enquanto tal deixa de existir. Em outras palavras, passa-

se a ter outras coisas a fazer após se descobrir por que se fazia aquilo

(SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p.230).

44

Isso não quer dizer que o aposentado entrega-se ao ócio depois

de achar a sua cenoura, mas sim que ele é capaz que procurar outras para

buscar seja ela sob a forma de outro trabalho, música, artes, estudo, dança e

etc.

Para Christine Revuz o trabalho pode ser tanto um objeto de

necessidade quanto de desejo. Porque o mesmo pode abarcar os aspectos de

sobrevivência (preciso do trabalho para sustentar a minha família) e também

do âmbito pessoal mais íntimo do sujeito.

No primeiro o trabalho está associado a um grande sofrimento,

porque para fazer o trabalho que lhe garante a subsistência é preciso morrer

em relação ao desejo. Já no segundo faz-se o trabalho que é de agrado do

sujeito que não garante o seu sustento, mas lhe traz uma realização. Desse

modo, no plano psíquico:

O trabalho é um “objeto duplo”: coletivo, social, normalizado, mas também um assunto pessoal, a expressão social de coisas vividas no mais íntimo de si. Dizer às pessoas que o trabalho é um compromisso com a realidade e está ligado unicamente à necessidade é um atentado ao homem, enquanto homem. E é um atentado ao fato de que, justamente no trabalho, vai estar em jogo outra coisa além do simples fato de ter que encher a barriga (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p.230).

O trabalho tem uma função chamada de transmutação. Nele

permeiam tanto investimentos que dizem respeito ao que há de mais íntimo no

sujeito quanto fatores valorizados socialmente, balizados por normas

antecedentes construídas pelos ditames da profissão. No afã dessa

transmutação há dimensões importantes de serem analisadas. Revuz (2007,

p.235) aborda 4 eixos possíveis de serem explicitados:

Ø O primeiro eixo trata-se da dimensão do ter que consiste no trabalho

como associado ao fato de se ter um lugar e de ter uma remuneração

que permita uma sobrevivência autônoma, em relação a um estado de

dependência.

Essa dimensão apresentada é importante para entendermos os

sentimentos que afloram com a aposentadoria. Pois, a dimensão do ter decerto

transmite uma segurança para quem o tem.

45

O trabalho pode ser um meio pelo qual o sujeito adquire autonomia,

formas de subsistência que lhe garante uma colocação dentro da sociedade

formal (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p. 237). Isto é, ter uma profissão, um

cargo que me garanta uma posição dentro do meio social em que estou

inserido.

A perda dessa colocação mobiliza a vida psíquica do sujeito, isso

acontece quando o sujeito se aposenta. Mais adiante serão abordados acerca

dos programas de preparação para aposentadoria que foram estudados para

esse trabalho, contudo, é oportuno trazer à tona o discurso da assistente social

coordenadora do Programa de Preparação para Aposentadoria da Petrobrás

que disse ser muito difícil para os ex-funcionários já aposentados assumirem

essa posição de “ex”. Essa fuga pode ser verificada a partir do momento que

muitos se recusam a adentrar na Companhia com o crachá de aposentado que

é diferente dos funcionários que estão na ativa.

Essa simples ação de não usar o crachá que retrata a sua

colocação atual, é um gesto simbólico muito significante. Trata-se da perda de

status, da perda financeira do espaço que tal colocação ocupava.

O orgulho de fazer parte de uma empresa, de possuir um ofício,

de fazer parte de um coletivo de trabalho cede lugar para as incertezas como:

será que terei uma posição de valor novamente? Que lugar ocupo agora na

sociedade? Tenho valor?

Tudo isso volta, a mobilizar o que esteve em jogo no psiquismo

infantil em torno de perguntas cruciais: que lugar eu ocupo no meu meio social:

“Que lugar eu ocupo no desejo dos meus pais? Fui desejado ou não por eles?

Como posso ter o meu lugar em relação aos outros? Eu sou livre ou não para

fazer o que quero?”. (id).

É pertinente considerar que o sentimento de pertencimento para

com a empresa ultrapassa dos parâmetros de uma identificação institucional.

Verifica-se também que há uma relação com o ofício e sua importância no

coletivo. Assim, destaca-se também a relevância das normas antecedentes

engendradas neste trabalhar que envolvem tanto os valores e crenças

inerentes ao mesmo quanto às prescrições que revelam o seu constituinte

formal.

46

Toda essa história é mobilizada com o trabalho e é reeditada com

a aposentadoria. A confusão de sentimentos se vê instaurada quando a tão

sonhada aposentadoria vira uma grande interrogação. O sujeito se vê diante

de si mesmo, pois não há mais o amparo de pertencimento (eu tenho um

trabalho), a segurança do ter é destruída como um “passe de mágica” (através

da mudança de status dentro da sociedade formal). Não há mais “coelhos”

para sair da cartola e com isso não há mais “cenouras” para se correr atrás. O

que será colocado como relevante pelo sujeito nesse jogo psíquico que será

determinante para a construção de novos investimentos, ou seja, de outros

objetos para se investir.

O segundo eixo se refere à dimensão do ser. É uma dimensão

subjacente a todos os enunciados identificadores que se pode produzir a partir

do trabalho: “eu sou empregado de banco”, ou eu sou tudo o que vocês

quiserem, ou seja, todas essas maneiras de se apresentar que fazem parte da

identidade, da constituição da pessoa e que participam de toda essa roupagem

que se coloca para poder circular no mundo social.

Ø A dimensão do ser exerce uma função importante a partir

do momento que retrata as profissões consideradas relevantes pela

nossa sociedade formal. Isso porque ninguém diz que está psicólogo, ou

está professor. Quando se pergunta a alguém sobre a sua profissão, o

mesmo responde: eu sou psicólogo, eu sou professor, eu sou servidor

público, etc. Tal dimensão é importante de ser estudada e como forma

de ilustrar os desdobramentos desse eixo torna-se relevante trazer

como exemplo os servidores da UERJ. Dessa maneira, ouvir dizer

pelos arredores da universidade que “fulano” está diretor de uma

Unidade, ou está coordenador de um Departamento não é tão estranho

quanto parece. Contudo, não raro ocorre uma incorporação tal daquele

cargo que o estar se transforma no ser. Então, a pessoa é inebriada

com uma sensação de pertencimento (onde não podemos descartar a

possibilidade de uma paixão pelo poder muito mais do que pelo cargo

em si ou pelo exercício profissional) que torna uma possível

movimentação, seja por mudança de chefia, seja por desentendimento

com colegas de trabalho, um grande sofrimento.

47

A mesma coisa acontece com a aposentadoria. Por vezes o

sujeito é responsável por um cargo por tanto tempo que se sente “dono” dele.

Neste caso é possível levantar a indagação de quem exerce poder

sobre quem propriamente. Considerando o sujeito balizado apenas pelo seu

cargo é pertinente problematizar sobre uma possibilidade de restrição de

sentido onde ele perde a sua autonomia. Juntamente com ela cerceia-se a

capacidade de buscar outros objetos para investir o seu desejo. Aposentar-se,

então, torna-se de certa forma a abdicação de tudo que foi construído, de

todas as realizações e conquistas. Certamente há uma vertente social que

precisa ser abordada, pois a dimensão do ser nos remete a uma valorização

social, e como já foi dito traz consigo a importância que a sociedade atribui ao

seu trabalho.

Tal valorização está relacionada a uma escala de valores, cuja

vertente social é historicamente variável. Cumpre ressaltar, que a escala de

valores é um tanto complexa e só adquire sentido para os indivíduos que

possuem uma história social atrelada. Trata-se de algo relativamente exterior à

atividade, mas que é muito pregnante nas relações sociais e na forma pela

qual se pode entrar em relação com os outros.

O terceiro eixo destaca o trabalho no âmbito do coletivo, o fato de

que no trabalho está sempre em jogo algo relativo ao ser com os outros.

Corresponde à gestão do polo da alteridade, que trata a respeito de questões

como:

Como será que estou no trabalho? Como eu estou com os outros, em que lugar eu me coloco em relação aos outros? Aqui há um jogo contínuo de muitas coisas que foram construídas no funcionamento psíquico da pessoa (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p.118).

Ø Nessa dimensão trata-se o ser humano enquanto ser social que vive em

um meio em que está em constante interação social com o outro. O processo

de desenvolvimento do ser humano enquanto tal vai estar imbricado com os

caracteres sociais. Tal processo é importante para a construção da identidade

do sujeito, pois o modo pelo qual o humano vai se constituindo como pessoa

depende de sua interação com o outro. E, ao mesmo tempo que ele é um “ser

com” é também um ser único que vai se diferindo pelas suas vivências, isto é,

pela forma que significa tais vivências que caracterizam as idiossincrasias

inerentes ao humano.

48

Mas, não se pode esquecer que a sociedade existente influenciou

para essa construção. (SOUZA, 1990, p. 75) Então, observa-se que há uma

relação de mão dupla, onde tanto o sujeito incorpora em si aspectos da

sociedade em que se encontra inserido, quanto age em seu meio a partir de

suas convicções e valores que foram engendrados ao longo do tempo e o faz

ser uno. Dessa forma, é possível dizer que o meio social é importante para a

construção do ser; assim, os valores e crenças consideradas aceitas pela

sociedade irão influenciar o ser que encontra-se nela inserido. É isso que nos

permite dizer que a visão muitas vezes negativa, e porque não colocar

pejorativa sobre a aposentadoria, vai ter a sua importância para a pessoa que

vai se aposentar.

De certa forma nesse momento é relevante pontuar acerca dos

estereótipos, ou pressupostos que consideram a aposentadoria como uma

etapa da vida onde não se produz mais nada de útil para a sociedade formal.

Isto é, se temos tal pensamento é porque vivemos em um meio social que

reforça essa idéia.

Ao longo da vida, o trabalhador percebe as pessoas aposentadas

como um grupo “de fora”. A essas pessoas são associados diversos

estereótipos (ZANELLI, 1996, p. 73).

Há uma construção de laços dentro do grupo de trabalho que permite a

associação dos aposentados como o grupo “de fora”. Isso porque o grupo de

trabalho estabelece maneiras de se relacionar uns com os outros e isso

engloba o sentido de pertencimento que se constrói no grupo que faz surgir

uma identidade nesse meio. Então, a pessoa que se sente pertencente a esse

grupo passa a se reconhecer como profissional e como pessoa.

A dimensão psíquica de cada um vai se configurando a partir das

vivências nesse grupo, que permite a criação de vínculos. Desses vínculos se

desenvolvem afetos que serão moldados de maneira peculiar (ZANELLI, 1996,

p. 74).

Quanto mais estreitas as relações e maior a satisfação pelo convívio

com o grupo, somadas aos trabalhos em si e aos projetos construídos, mais

dificuldades pode-se ter no rompimento, é o que vemos acontecer quando a

pessoa se aposenta.

49

Ø A última dimensão é a do fazer, ou seja, a atividade propriamente dita.

O que é que eu faço quando estou realizando este trabalho e de que

maneira ele está satisfazendo algumas das minhas expectativas? O

sujeito ao vivenciar alguma coisa de suas questões psíquicas pessoais

no trabalho se depara com uma relação de dupla face, onde, por um

lado tem-se um investimento pessoal na atividade bastante difícil de

apreender, de captar, e de outro existe a atividade de trabalho como ela

é visível, observável.

Se a capacidade física é menor, isso não quer dizer que o humano

perdeu a sua capacidade de fazer outras atividades e com isso de atribuir

sentido às mesmas (que consiste na verdadeira dimensão do fazer). É notório

que há perdas, como já foi colocado. Contudo, as possibilidades de

desempenho também podem ser revistas e ampliadas de outra maneira, e o

sujeito, com isso, passa a ter um outro repertório para ampliar a sua disposição

que será compatível com a potencialidade de cada um.

Embora se tenha uma ideia muito restrita no que diz respeito ao fazer, é

possível ampliar tal conceito com as conceituações da Ergologia. O fazer aqui

colocado traz consigo uma simbologia importante.

O fazer que consiste em um dos grandes enigmas da atividade que

possui uma função tanto dentro do trabalho quanto fora dele. O fazer permite

atribuir valor a algo em que há um engajamento mútuo, em que de certa forma

investe-se de maneira enigmática. (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p. 224).

Vale ressaltar que no entendimento social o fazer ganha outro

significado na aposentadoria: o negativo. Pois, ao se aposentar o fazer

transforma-se em fazer nada, isto é, sinônimo de inutilidade, outra idéia

erroneamente difundida a respeito do tema. De imediato atrela-se a

aposentadoria ao “não fazer”, ao “deixar a vida correr”. O sentimento que é

contraposto ao direito de aproveitar o tempo, é o da inutilidade. Revela-se

então toda a positividade que é colocada no ato de trabalhar, condenando

assim quem se aposenta.

50

CAPÍTULO 4

PROGRAMA DE PREPARAÇÃO PARA

APOSENTADORIA

Tomando como referência Marcelo Antônio Salgado5,as primeiras

ações organizadas com o objetivo de orientar os futuros aposentados surgiram

nos Estados Unidos, por volta de 1950.

Os instrumentos do modelo americano são cursos de

aconselhamento individual, palestras e reuniões de discussão em grupo.

Algumas experiências reúnem familiares dos futuros aposentados (SILVA,

2006, p. 66).

Em 1987, ações surgiram na Alemanha, França e Venezuela, cujos

meios utilizados foram reuniões mensais, ciclo de aulas consecutivas,

encontros, sessão de sensibilização e de informação, cursos, jornada diária

integral de informação, temporada de 5 dias em situação de alojamento

coletivo, conferências e fóruns de debates

A experiência pioneira no Brasil teve início em 1982, na

Administração Regional do SESC (Serviço Social do Comércio), em São Paulo.

O modelo pretendeu ser uma “informação” sobre as condições de existência e

uma reflexão sobre a vida presente que possibilitasse a descoberta de si

mesmo, de aptidões esquecidas ou mesmo não desenvolvidas.

Segundo Dirceu Magalhães6, o Programa de Preparação para a

Aposentadoria no Brasil sofreu influencia estrangeira em seu início. De lá para

cá, o Programa vem se constituindo em uma experiência brasileira baseada na

cultura empresarial. (SILVA, 2006, p.86).

Em 1985 a Companhia Vale do Rio Doce iniciou a preparação para

seus empregados que estivessem a 2 anos da aposentadoria. Seus dirigentes

5 Gerontólogo e Epidemiólogo do Envelhecimento e Gerente de Estudos e Programas das Terceira Idade do SESC de São Paulo. 6 Sociólogo especialista em Gerontologia Social- Parte integrante do site Intertexto: Gestão de Informação, Estudos e Projetos.

51

participaram de um treinamento em São Paulo, com Marcelo Antonio Salgado,

quando receberam as primeiras informações para implantar o Programa na

Companhia. (id)

Logo após esse acontecimento, a educadora Helena Bertho foi

convidada para treinar os empregados da mesma Companhia citada, que

foram indicados pelas suas chefias para compor a equipe de “monitores”

(agentes) do Programa. Nessa ocasião a autora desenvolveu a primeira

formação/capacitação de monitores, que se baseou em fundamentos

socioculturais, pedagógicos e na criatividade.

Os resultados deste trabalho foram considerados tão satisfatórios

que a idealizadora resolveu levar tal proposta para outras empresas, como a

Petrobrás (cujo Programa será abordado mais adiante) que aceitaram com

grande contentamento o seu trabalho.

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro foi fundada em 4 de

dezembro de 1950 com a promulgação da lei municipal no. 547 sob o nome de

Universidade do Distrito Federal.

Nesse trajeto, a instituição viu seu nome mudar, acompanhando

as transformações políticas que ocorriam. Em 1958, a UDF foi rebatizada

como Universidade do Rio de Janeiro (URJ). Em 1961, após a transferência do

Distrito Federal para a recém-inaugurada Brasília, a URJ passou a se chamar

Universidade do Estado da Guanabara (UEG). Finalmente, em 1975, ganhou o

nome definitivo de Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Criada a partir da fusão da Faculdade de Ciências Econômicas

do Rio de Janeiro, da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, da Faculdade de

Filosofia do Instituto La-Fayette e da Faculdade de Ciências Médicas, a

Universidade cresceu, incorporando e criando novas unidades com o passar

dos anos. Às quatro faculdades fundadoras se uniram instituições como a

Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), o Hospital Geral Pedro Ernesto,

a Escola de Enfermagem Raquel Haddock Lobo, entre outras. Além disso,

novas unidades foram criadas para atender às demandas da Universidade e

da comunidade, como o Colégio de Aplicação e a Editora da UERJ, entre

outros.

52

Ao longo desses anos, a UERJ cresceu e firmou-se como uma

das principais universidades do país. Sua importância no cenário acadêmico

nacional pode ser atestada pela qualidade da formação superior que oferece,

pela produção científica de ponta, pelas centenas de projetos de extensão que

desenvolve, pela promoção da cultura e pelos valiosos serviços prestados à

população. Como instituição pública, sua missão está pautada nos conceitos

da igualdade e pluralidade, sendo precursora também na implantação da

reserva de vagas para ingresso pelo vestibular (FONTE: SITE UERJ).

Demanda inicial:

O projeto tem sido discutido há 10 anos pela Coordenadora Técnica

do Departamento de Seleção e Desenvolvimento de Pessoal (DESEN), Roselly

Teixeira Ferreira (pedagoga da UERJ e psicóloga de formação) e por Glória

Maria Silva (consultora e psicóloga). Nesse período já havia um entendimento

a respeito da importância de se refletir sobre o processo da aposentadoria, no

sentido de preparar os servidores para esse momento.

De fato, o Programa de Preparação para Aposentadoria da UERJ

iniciou-se em 2007. Foi quando os técnicos, psicólogos, pedagogos que

trabalhavam na Superintendência de Recursos Humanos (SRH) começaram a

pensar em alguma coisa que pudesse ser desenvolvida pela Universidade no

sentido de “amparar” os aposentados. A idéia inicial foi averiguar, a partir do

momento que um servidor se aposenta, se o mesmo possui o interesse de

fazer algo para explorar o seu tempo livre. A partir desse passo inicial foram

abertas vagas, em especial para os servidores aposentados, em cursos

organizados pela SRH para subsidiar, fornecendo informações que fossem

importantes sobre o que poderiam desenvolver ou produzir depois de se

aposentarem.

Em 2007, o responsável pela gestão do Departamento (DESEN),

Sônia Maria Silva (in memorium) começou a se interessar pelo tema, após

várias informações dos técnicos da SRH sobre o assunto. E verificando

também os registros de adoecimento dos servidores aposentados pelo

DESSAUDE, pelos pedidos de retorno ao trabalho desses servidores.

Começou então a se interessar pelo tema e solicitou que a Coordenação

Técnica realizasse um estudo, analisando de que maneira poderia contribuir

53

para diminuir os quadros de adoecimento e pedidos de retorno ao trabalho por

falta de perspectiva.

A Coordenação Técnica, então, visitou 3 empresas: Vale do Rio

Doce, Ipiranga e Petrobrás, para saber o que as empresas faziam a esse

respeito, que tipo de trabalho desenvolviam para os servidores que estavam

prestes a se aposentar, como era o relacionamento desses servidores, para

verificar o que de bom poderia ser absorvido para o PPA da UERJ. Entendeu-

se que o PPA agregasse estas informações de outras experiências e pudesse

ser feito com as características da UERJ.

O Programa iniciou-se efetivamente em novembro de 2007,

porém não há uma data oficial de início. Isso porque, segundo os seus

organizadores, considera-se as primeiras manifestações no que concerne ao

interesse de implantação do programada a partir da realização da amostra de

servidores já aposentados que foram convidados para participarem de cursos

oferecidos pela SRH em janeiro do mesmo ano.

Equipe do Programa:

Ø 3 Assistentes Sociais;

Ø 1 Pedagoga;

Ø 2 Psicólogas de formação, contudo, com cargos administrativos dentro

da Universidade.

Influências de outros Programas:

Com o decorrer da demanda inicial as idealizadoras do Programa

começaram a atentar que havia outras empresas que tinham projetos para

seus funcionários que estão na iminência da aposentadoria. Para fins de

estudar tais programas visitaram empresas como: Ipiranga, Petrobrás e Vale

do Rio Doce.

Objetivo do Programa:

Realizar um Programa de Preparação para Aposentadoria com os

moldes da Universidade, considerando as especificidades de cada trabalho,

isto é, atuando tanto com docentes quanto com profissionais administrativos.

54

O Programa de Preparação para Aposentadoria visa oferecer aos

servidores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro orientação, buscando

clarificar possíveis questões a respeito desse momento da aposentadoria. A

partir desse Programa os servidores poderão refletir sobre essa nova etapa de

suas vidas, a fim de que essa transição seja consciente e satisfatória.

Perspectiva do Programa:

O Programa tem uma perspectiva social que acredita que embora a

expectativa social possa dizer o contrário, com a aposentadoria não há perda

da capacidade de contribuir para a sociedade. O mesmo possui o

entendimento de que a pessoa, quando se aposenta, ainda se encontra em

condições físicas, mentais e sociais de implementar uma vida produtiva

socialmente. Sendo necessário para tanto “Um Projeto de Vida. O fundamental

é um propósito de vida”.

Com a idéia principal de que em qualquer idade é necessário ter um

sentido para o viver, e partindo daí pensar em projeto de futuro para quando

for idoso, o PPA acredita que após a aposentadoria é possível um projeto de

futuro com autonomia física e emocional, cuidando hoje de si, tomando

atitudes em direção a um projeto de saúde.

Metodologia:

Para a construção do Programa foi realizada uma pesquisa com os

servidores que se aposentaram nos últimos 5 anos, independente dos cargos.

Foram realizados encontros com uma amostragem7 de servidores que se

aposentaram entre 2000 e 2006 para fins de coletar informações acerca dos

aspectos favoráveis e desfavoráveis da aposentadoria e possíveis sugestões

sobre o que poderia ter sido feito no momento da aposentadoria desses

servidores. Após coletadas de tais informações iniciou-se o processo de

construção para a posterior implantação do Programa.

A fim de captar pessoas para a participação no Programa foi realizada

uma reunião com os Diretores dos Componentes Organizacionais com o

objetivo de estabelecer parcerias para a divulgação do Programa para todo o

quadro, assim como ao acompanhamento, incentivo e liberação dos servidores

7 Não há registros quanto ao número de aposentados que participaram da amostragem.

55

que se inscreverem para participar das suas fases posteriores encontros, com

data e hora previamente marcadas.

As atividades foram idealizadas antes mesmo de o projeto ser

construído. Isso porque havia a intenção de saber a reação dos servidores, e

saber em que base esse projeto poderia ser desenvolvido.

Foram convidados professores da Universidade para desenvolver

alguns temas para o Programa como cuidados com a saúde, vida social e

direitos os aposentados perante a constituição. A escolha das pessoas seguiu

critérios de afinidade, ou seja, pessoas que tinham conhecimento acerca dos

temas que foram escolhidos pelos servidores, que eram do interesse deles.

Todas as pessoas eram conhecidas da equipe. A escolha dos temas foi

realizada após o primeiro encontro com os servidores que sugeriram as

questões que gostariam que fossem abordados pelo Programa.

Dificuldades encontradas:

As dificuldades foram verificadas principalmente para a implantação

do Programa. Isso porque as idealizadoras estão há 10 anos elaborando um

trabalho dirigido para os servidores que estão prestes a se aposentar.

Contudo, as gestões que antecederam a gestão que implantou o Programa

não apresentaram interesse que de fato culminasse na construção de um

Programa de Preparação para Aposentadoria.

Temas dos encontros:

Os temas abordados pelos Programas nas outras empresas

visitadas (as empresas contam com apoio de empresas como o SEBRAE)

também foram considerados importantes para trabalhar no PPA da

Universidade. Esses temas foram: saúde, social, reintegração familiar,

propostas para outro tipo de serviço.

As questões sobre saúde foram enfatizadas, até porque a grande

maioria das pessoas que estão se aposentado estão entrando na 3ª idade,

dessa maneira há muitas questões relacionadas à saúde que são

consideradas importantes de serem abordadas.

Vale ressaltar também que nem todos os servidores envolvidos no

Programa eram idosos, já que muitos se aposentaram antes da nova lei. Então

56

não é correto associar a aposentadoria com a terceira idade em todos os

casos.

Temas trabalhados no primeiro Programa de Preparação para

Aposentadoria da UERJ:

Ø Saúde e qualidade de vida;

Ø Lidando com as emoções e sentimentos;

Ø O aposentado na sociedade;

Ø Direitos sociais, legislação e políticas públicas;

Ø Convivência familiar;

Ø Lazer e tempo livre;

Ø Planejamento financeiro;

Ø Previdência Social (legislação Institucional)

Ø Resgate de potencialidades (artes, música, teatro);

Ø Cooperativismo, banco de talentos, estímulo ao espírito empreendedor;

Ø Espiritualidade;

Ø Outros (de acordo com a demanda dos participantes do Programa).

Resultados e perspectivas futuras:

Após participarem do Programa houve servidores que resolveram se

aposentar mais futuramente. Destaca-se que todos eles foram muito

receptivos. Segundo os idealizadores do Programa o objetivo do mesmo foi

atingido, a partir do momento que os servidores passaram a refletir sobre a

aposentadoria, isto é, se aquele momento era propício para eles se

aposentarem ou não. Outras pessoas resolveram tirar licença-prêmio, para ver

como irão lidar com essa experiência.

Embora o escopo inicial ter sido alcançado, verifica-se que não

houve muitas mudanças com a implantação do Programa, a partir do momento

que os servidores já faziam uma reflexão quando estavam na iminência da

57

aposentadoria. Observa-se que o que mudou de fato foi que os servidores que

participaram do Programa estão conscientes que estão fazendo.

Apesar disso, ainda há pessoas que se aposentam por se

aposentar, porém trata-se de uma escolha do servidor, na verdade foi uma

escolha do próprio sujeito. Isso não quer dizer que não lhe foi dada outra

possibilidade, pelo contrário, a sua escolha foi consciente.

Segundo a coordenadora do Programa, não há como saber de

fato que contribuições o PPA trouxe para os servidores, pois eles ainda não se

aposentaram. Pelo discurso deles acredita-se que eles estão mais conscientes

das questões que permeiam a aposentadoria.

Quanto às perspectivas futuras, os idealizadores do Programa

têm como objetivo dar continuidade ao trabalho, pois acreditam que ainda

podem trazer muitas contribuições para os servidores da Universidade que

estão passando por esse momento.

58

CAPÍTULO 5

UMA REFLEXÃO SOBRE O ASSUNTO

As mudanças ou transformações das fases de nossas vidas podem

ser vivenciadas de diversas maneiras (uma vez que entende-se acerca da

capacidade do humano de renormatizar-se), não seria diferente ao se pensar

no processo de preparação para a aposentadoria.

O programa de preparação para aposentadoria apresentado parte

do pressuposto de que a aposentadoria pode ser facilitada sobremodo quando

se promovem situações ou vivências no contexto organizacional, enquanto a

pessoa ainda executa as suas atividades de trabalho. Ou seja, o rompimento

brusco das rotinas que se alongam durante quase toda a existência nas várias

esferas da vida pessoal.

Ao pensar em se aposentar as pessoas podem oscilar entre os

pensamentos de prêmio, renovação a até sentimentos de desesperança e fim.

É notória a impossibilidade de apresentarmos respostas generalizáveis, já que

o entendimento que cada um terá sobre esse momento irá variar de acordo

com o significado que este atribuiu a seu trabalho (no sentido de constituinte

da espécie humana e do psiquismo).

Partindo da idéia que a pessoa é reconhecida socialmente pelas

atividades que realiza, o desligamento do seu vínculo empregatício, na

transição da aposentadoria, afeta a sua organização psíquica. Dessa maneira

é possível dizer que:

Analisa-se o trabalho como um ir e vir extremamente complexo entre

a cena psíquica e a cena social:

Mas por outro lado, todo um universo profissional veicula palavras de ordem, injunções de antecipação dessa experiência através das regras de socialização, saber ser, constituição de um projeto, como se no fundo tudo ocorresse primeiramente no nível de um indivíduo que tivesse que estar bem preparado para o emprego (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p.236).

59

Ao considerar-se os profissionais que trabalham nos ofícios que

lidam com a questão do emprego. Eles se encontram no interior de dispositivos

que visam inserir os indivíduos no mundo do trabalho.

A questão que se apresenta nesse momento: qual seria a

preocupação implícita em realizar programas de preparação para

aposentadoria a fim de acompanhar a etapa de retirada dessas pessoas do

mercado de trabalho? O que essas empresas ganhariam com isso?

Para a organização, pode significar o aprendizado de um novo

padrão de relacionamento. Para os empregados, significa a possibilidade de

reconhecimento de problemas que a lógica do sistema produtivo oculta.

(ZANELLI, 1996, p. 86).

Esse novo padrão de relacionamento pode ter consequências

positivas, pois os funcionários que trabalham em uma empresa que realiza um

programa de preparação para aposentadoria podem sentir-se acolhidos pela

empresa, e buscar dar “o melhor de si para ela”. Esse pode ser um discurso

recorrente das organizações que visam que seus empregados “se entreguem”

ao trabalho. Isto é, tais organizações podem pensar em ter como recompensa

uma dedicação maior dos seus empregados, uma vez que ela pensa no futuro

dos mesmos fora da empresa.

Não se pode pensar de forma paternalista, ou seja, que a

organização é “boa como uma mãe”, porque há um interesse em melhorar o

desempenho de seus empregados. Até porque as empresas capitalistas

precisam obter lucro para sobreviver e se manterem ativas no mercado.

Contudo, não é possível assumir ares generalistas no afã dessa discussão

uma vez que empreendimentos que prestam serviços à população as ditas

instituições públicas não possuem este escopo como: as universidades

públicas, as escolas municipais e o Sistema Único de Saúde (SUS).

O que essas empresas não se atentam (se é que querem se

atentar) que o humano não precisa de tais “incentivos” para investirem em seu

trabalho. Isso porque as pessoas investem de maneira enigmática no trabalho,

como já foi explorado anteriormente. É por isso que as organizações

sobrevivem, continuando a existir. Todavia, as organizações podem influenciar

chegando a dificultar que esses investimentos aconteçam.

60

Em contrapartida, não se pode esquecer que as pessoas lidam com

esses “constrangimentos” utilizando-se de defesas construídas coletivamente

(como já foi apresentado em discussões precedentes) para conter o

sofrimento, dando a ele um rumo criador.

Essa defesa, quando de tipo estratégica, é sutil, e cheia de

inventividade, as pessoas operam em conjunto para inventar estratégias de

defesa, para lutar contra os sofrimentos singulares (DEJOURS, 1998, p. 48).

Na história do capitalismo, encontramos o desenvolvimento das

forças produtivas intrinsecamente ligadas às relações de produção, sendo o

trabalho social a fonte geradora de produtos e riquezas (GONÇALVES, 2006,

p. 54).

Partindo do pensamento anterior é impossível dizer que tais

empresas (de cunho capitalista) organizam esses programas de preparação

para a aposentadoria pela simples preocupação pelo bem-estar de seus

funcionários. Até porque elas necessitam dos seus empregados para manter

as suas relações de poder no mercado de trabalho.

Cumpre ressaltar, contudo, que com esse espaço proporcionado

pelas empresas para a discussão e com a elaboração de programas voltados

para a aposentadoria, já pode ser considerado um avanço, contudo, não se

está discorrendo sobre a mudança de paradigmas uma vez que ainda existe

nessas empresas um pensamento simplista de que “é possível motivar

alguém”.

Ainda sim, incitar a discussão de suposições tácitas, como dever da

empresa frente ao empregado no prenúncio de sua aposentadoria provoca um

movimento onde passa a ser possível um debate acerca de dimensões

culturais, sociais, biológicas, econômicas, psicológicas e seus desdobramentos

na transição para este momento. Cabe ressaltar nesse momento que o que é

feito com tais reflexões assume caráter de importância já que restringi-las ao

plano ideológico seria reconhecer o prescrito sem a sua realidade prática.

Segundo Zanelli (1996, p. 52), a partir do estudo de programas de

preparação para aposentadoria é possível verificar que os mesmos podem, a

partir do momento que estejam implicados para tal.

A preparação no sentido de mobilizar uma reflexão pode trazer

consigo a busca de novas áreas de interesse para a pessoa, incentivando a

61

descoberta de potencialidades e prevenindo conflitos emergentes. Enfim,

ensinar que as possibilidades de ação não se esgotam com o fim de uma

carreira profissional.

Mas, para que a reflexão atual atinja ares mais genuínos é

importante entender o trabalho como um objeto de necessidade e também um

objeto de desejo, pois assim estaria tratando dos meandros que envolvem o

social até urdiduras mais íntimas do ser.

Isso porque empresa tradicional visa adequar as habilidades, os

conhecimentos, as necessidades a até os desejos. Da mesma maneira, ignora

as expectativas, os projetos, os anseios e os temores. O que não se pode

esquecer é de que o trabalho, como objeto duplo pertence tanto à realidade

com as suas exigências econômicas, técnicas, físicas e jurídicas, quanto à

dimensão imaginária em que como objeto de desejo é portador de

investimentos cuja equação é enigmática. Assim, por mais que tente as

empresas estão fadadas ao fracasso em suas tentativas de “adestramento” do

humano diante de sua complexidade.

Refletir de maneira acurada sobre essas questões é preciso,

levando em consideração as implicações do trabalho na vida do sujeito. Dessa

maneira, é necessário compreender que o trabalho engloba o objeto de

trabalho, os recursos para o trabalho e a atividade humana. Esses três

elementos são considerados alicerces do trabalho, e só existem dentro de uma

dinâmica que hoje no sistema capitalista está ligada ao princípio de exploração

de mais valia. Discutir essas idéias baseando-se nos pressupostos da

Ergologia é um passo importante para a apreensão da aposentadoria, e, é

nesse ponto que adentraremos nas considerações finais.

62

CONCLUSÃO

A inclinação para o presente tema teve como principal interesse

pensar nas questões pertinentes à aposentadoria a partir de outro ponto de

vista, o da atividade, isto é, sob os moldes da Ergologia.

Constitui-se em um projeto de melhor conhecer e, sobretudo, de

melhor intervir as situações de trabalho para transformá-las (SCHWARTZ &

DURRIVE, 2007, p. 242). É por abarcar toda essa complexidade inerente ao

nosso trabalhar que se torna importante estudar o trabalho nesta perspectiva,

para fins de ampliar a discussão sobre o tema abordado.

Pensar na elaboração de um programa de preparação para

aposentadoria de acordo com a perspectiva da Ergologia é pensar em um

espaço de discussão acerca do trabalho e suas consequências no psiquismo

humano, do ponto de vista da atividade concreta e as dramáticas de uso de si.

Isso porque ao longo de sua vida o humano insere em seu trabalhar conexões

conceituais próprias que são construídas na e pela própria dinâmica do seu

trabalho. Consiste em uma forma particular de apropriação do saber que é

fomentado pelo meio em que vive juntamente com a atividade de trabalho.

É a partir das atividades desenvolvidas, no próprio agir do seu

trabalho que o homem ganha experiência, é no exercer da profissão que esse

conhecimento é construído. Desse modo, esse elemento só foi adquirido pelo

humano no decorrer de sua profissão, não sendo algo que provém do

imediatismo, já que o armazenamento dessa forma de saber depende das

“relações históricas” que são estabelecidas no exercício da profissão.

Cada profissional irá construir suas relações históricas ao longo de

sua vida que serão constituídas a partir das relações de trabalho, na forma que

o humano insere aspectos próprios que remetem à sua experiência de vida.

Mesmo que o trabalhador se submeta a algumas regras – que

denominamos como prescrições – para realizarem um bom trabalho, ele irá

incluir no seu trabalho características que estão de acordo com as suas

idiossincrasias. Schwartz (2007, p.59) contempla esse entendimento

ressaltando a apropriação de cada trabalhar, que certamente irá ser moldado

segundo as particularidades intrínsecas a qualquer situação de trabalho.

63

Em outras palavras, é pertinente dizer que o ser humano se

desomogeiniza tornando singular a sua forma de atuação. A capacidade

normativa redimensiona ao mesmo tempo também, as normas antecedentes e

prescrições já existentes. Trata-se de um processo de mão duplas, dinâmico e

bastante complexo, pois frente à sua profissão, o homem terá sempre que

reavaliar as suas prescrições (renormatizando-se), aumentando com isso a

complexidade da vida, que o tempo inteiro é alimentada pelas normas. Essa

complexidade é responsável por colocar as antecipações em constante

movimento, já que a variabilidade faz parte da vida.

Na realidade de trabalho estamos nos referindo às normas

antecedentes que foram engendradas em cada profissão. Essas normas estão

relacionadas ao “saber geral”, isto é, a todos os conhecimentos que foram

codificados e transformados em regras de funcionamento pelas “entidades

coletivas relativamente pertinentes (Schwartz, 2007). Não se pode esquecer

que apesar de existirem as normas antecedentes das práticas do trabalhar de

todas as profissões, haverá sempre algo que não foi codificado, porque tais

apropriações dependem do meio em que o humano se encontra, os valores

compartilhados e também os pertencimentos sociais que foram construídos.

Todo trabalhar possui normas antecedentes que foram instituídas.

Debater sobre as normas é colocar o trabalhar sempre em movimento, seja

qual for a profissão que esteja sendo exercida.

Essa capacidade do humano de colocar sempre em debate as suas

práticas e de renormatizá-las, não é perdida com o tempo. Com isso, faz-se

necessário pensar na aposentadoria a partir de outros pontos de vista além da

velhice. O que se observa nos programas de preparação para aposentadoria é

a pouca reflexão acerca do que chamamos de agir em competência, ou seja,

de refletir sobre as normas que regem o trabalho e as consequências das

mesmas na vida do trabalhador.

Refletir sobre o que está ao nosso redor, juntamente com o que é

possível de ser desenvolvido na sua totalidade, é importante para quem tem

como objetivo elaborar um programa de preparação para aposentadoria.

Pode-se dizer que o Programa de preparação para aposentadoria

da UERJ teve uma demanda inicial baseada na reflexão de suas práticas. A

partir do momento em que foram verificados os índices de adoecimento após a

64

aposentadoria, e até pedidos de retorno ao trabalho, começou-se a pensar em

uma preparação para a aposentadoria. Em tempo revela-se oportuno nos

desdobrarmos sobre as bases precursoras desse programa, pois balizando no

discurso de seus idealizadores verifica-se que o seu principal objetivo “amparar

o aposentado” em sua pré-aposentadoria.

Observa-se com tal entendimento uma tendência a uma visão

fomentadora do outro como um ser passivo, submisso, decadente. Onde se

retira dele o seu lugar como sujeito psíquico capaz de agir no mundo e

inscrever a sua história.

Como o sujeito que vai participar do programa tivesse que adaptar a

proposta de intervenção apresentada. Nega-se com isso, a capacidade

industriosa do humano e suas referências coletivas. (SCHWARTZ &

DURRIVE, 2007, p. 217).

Destaca-se nesse momento, a necessidade de se explicitar que

em uma organização de trabalho, mesmo em uma realidade coletiva, as

pessoas são singulares com a sua história. A função do trabalho como

organizador psíquico, no qual o humano é atravessado por operações do

corpo, da cultura, e também por caracteres fisiológicos. Uma série de vínculos

são estabelecidos e escolhas são feitas no decorrer de nosso trabalhar. Essas

construções não são intercambiáveis, do contrário estaria tratando de algo que

pode ser formatado antes mesmo do desenvolvimento da atividade coletiva

(id).

Sendo tangenciados por essa grande complexidade é possível

pensar no impacto da aposentadoria, pensada sob os moldes formatadores, na

vida do sujeito, na medida em que na dinâmica de nosso trabalhar realizamos

escolhas que nem sempre são feitas ao nível da consciência. Isto é, há uma

subjetividade presente que muitas vezes é ignorada. É nesse contexto que é

pertinente pontuar uma lacuna no Programa de Preparação para

Aposentadoria da UERJ que na sua estruturação basilar desdobra-se na

discussão de caracteres puramente biológicos no que se refere ao tema

central.

No que concerne a uma amplitude no estudo da aposentadoria

verifica-se que há uma cadência excêntrica que inserimos na atividade de

trabalho para manter no decorrer de nossas práticas, e, assim, a fim de levar o

65

trabalho adiante. A inserção de novas práticas em nosso trabalho, ou seja, a

construção de novas normas ou até a subversão das mesmas seria o que

Dejours discursa sobre a “normalidade”.

Os sistemas normativos da empresa estudada são diferentes de

outras empresas, e, isso, faz com que as demandas para a iniciação dos

programas e também da construção dos mesmos sejam distintas. É com esse

entendimento que é preciso pensar a respeito da aposentadoria e suas

idiossincrasias. Porque refletir a aposentadoria enquanto uma ruptura do papel

profissional é importante para ampliar o debate sobre esse tema, mas não se

pode restringir a isso. Cabe nesse momento ressaltar as consequências dessa

ruptura, pois há sempre valores em jogo na dinâmica do nosso trabalho. O

trabalho não é simples, do contrário estaríamos seguindo a ficção taylorista.

Os valores apresentados estão presentes tanto no interior do

trabalho quanto no exterior, que seriam os valores de ordem social. A partir do

momento que há um entendimento acerca da universalidade da distância entre

o trabalho prescrito e o trabalho realizado, e que existem, portanto, no

trabalho, outras razões que entram em jogo além das razões dos

organizadores, isto quer dizer que a pessoa faz escolhas. Essas escolhas são

orientadas em função de valores que em geral são debatidos independentes

da atividade de trabalho que realizava até a mais ínfima.

Levando em consideração tudo o que foi exposto, é necessário

destacar a importância da Psicologia enquanto ciência & profissão na

incorporação do trabalhar como um objeto de análise e intervenção. Isso

porque o trabalhar engloba uma série de questões de grande relevância para a

Psicologia como: implicações, idiossincrasias, relações sociais, atividade em si,

dentre outros aspectos.

O psicólogo enquanto profissional e produtor de uma ciência que

tem como foco o humano e suas relações, como elas se constituem, deve

tomar como objeto de investigação o trabalho (em todos os seus âmbitos) e

seus desdobramentos. Um deles a aposentadoria, pois esta experiência

envolve relações que se apresentam no contexto do trabalho e sua atividade, o

que implica no conhecimento das relações humanas e também do momento

66

histórico vivido que influencia substancialmente na forma como a sociedade irá

metabolizar um determinado tipo de trabalhar.

É nesse contexto que torna-se mister pensar na aposentadoria

fazendo uso da perspectivada da Ergologia, partindo do ponto de vista da

atividade, do trabalho e suas idiossincrasias.

67

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70

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTOS 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO 1

A APOSENTADORIA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. 11

1.1 A aposentadoria no contexto social 13

1.2 A aposentadoria como perda do papel profissional 17

CAPÍTULO 2

TRABALHO &APOSENTADORIA 20

2.1 Pensando em uma pré-aposentadoria. 20

2.2 Compreender o trabalho para compreender a aposentadoria 21

2.3 Sob a luz de lógica taylorista 30

2.4 Dramáticas de usos de si 32

CAPÍTULO 3

O DESEJO DE SE APOSENTAR. 36

3.1 Sistemas de defesa 37

3.2 O significado da aposentadoria 40

CAPÍTULO 4

PROGRAMA DE PREPARAÇÃO PARA APOSENTADORIA. 51

CAPÍTULO 5

UMA REFLEXÃO SOBRE O ASSUNTO. 59

71

CONCLUSÃO 63

BIBLIOGRAFIA 68

ANEXO I 73

72

ANEXO 1

1. Worholics: palavra de origem norte-americana que designa pessoas que vivem

em função do trabalho.

2. Conceito de vazio: é a experiência do ócio que não consegue ser vivenciada

em sua riqueza. Pois o vazio pode ser fértil. Nesse sentido estar vazio é estar

aberto a todas as possibilidades permitindo emergir o potencial criativo que

existe no humano. É pertinente ressaltar que neste momento foi utilizado o

conceito de vazio fértil criado por Fritz Perls, sua esposa, Laura e Paul

Goodman em 1951 defensores de uma corrente denominada Gestalt-Terapia.

3. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a velhice é considerada nos

países desenvolvidos aqueles que atingiram a faixa de 65 anos e nos países

ditos em desenvolvimento (como o Brasil) a faixa de 60 anos de idade.

4. Mundos do trabalho, expressão utilizada pelo professor Milton Athayde, a partir

do livro de mesmo nome do historiador inglês Hobbsbawnn.

5. “Industrioso”: refere-se que o humano possui de colocar em debate as normas

antecedentes existentes no meio pelo qual ele encontra-se inserido. Desse

modo, ao invés de ficar preso às normas antecedentes referentes ou seu

trabalhar (seja ele qual for), o homem é capaz de fazer a renormatização.

Renormatizar,designa a capacidade do humano de reinventar as normas

antecedentes de acordo com os seus valores e crenças. Assim, de acordo com

a sua profissão o homem será capaz de adequar o meio em que se encontra

inserido a seu favor, prescrevendo normas que constituem a sua realidade,

isto é, segundo seus valores, crenças e conceitos.

6. Três elementos de tensão: morte, diferença entre os sexos e entre gerações e

por fim o ser com o outro que é sempre complicado.

7. “A poltrona”: filme produzido pela SIAMAR distribuidora de recursos para

treinamento empresarial, e está disponível apenas sob encomenda. Para

73

maiores informações o site da referida distribuidora é:

http://www.siamar.com.br/.