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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA TDAH : O QUE É e COMO É? Reflexões e sugestões para pais e professores à luz da Neurociência Por Simone Marie Lopes de Almeida Orientadora Prof. Dr. Marta Pires Relvas Rio de Janeiro DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · “Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo ... E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva Se um pinguinho de

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

TDAH : O QUE É e COMO É?

Reflexões e sugestões para pais e professores à luz da Neurociência

Por Simone Marie Lopes de Almeida

Orientadora

Prof. Dr. Marta Pires Relvas

Rio de Janeiro

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

TDAH : O QUE É e COMO É?

Reflexões e sugestões para pais e professores à luz da Neurociência

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Neurociências Pedagógicas.

Por Simone Marie Lopes de Almeida

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço, inicialmente, aos meus pais por me ensinarem a ser sempre “uma

bela promessa” através da leitura e da escrita.

Agradeço a minha irmã, modelo profissional, motivadora da superação, grande

companheira e incentivadora de todos os meus passos acadêmicos.

Agradeço aos mestres que tive, pelo ensinamento de uma prática motivada e

do olhar humano para as diferenças, especialmente a Marta Relvas e a

Simone Ferreira que, nestes últimos momentos, nortearam o meu aprender a

saber.

E, finalmente, ao meu sobrinho que saberá mostrar ao mundo que diferença é

complemento.

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DEDICATÓRIA

À Vinícius .

“Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo

e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo

Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva

E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva

Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul de papel

Num instante IMAGINO uma linda gaivota a voar no céu”

“Aquarela” de Toquinho

ilustrando como o funcionamento cerebral humano não segue nenhuma lógica

aritmética previsível. Assim pensa um TDAH , acionando um sistema visual

derivativo criativo embora , por vezes, confuso.

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RESUMO

Palavras-chave: TDAH e Neurobiologia – TDAH e Orientações para Pais –

TDAH e Estratégias pedagógicas

Nos últimos tempos, assiste-se a uma onda de diagnósticos precocemente determinados a cada criança que apresente prejuízo social, comportamental e/ou cognitivo.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem sido vastamente discutido e estudado. Contudo, encontra-se ainda envolto a muitas dúvidas, preconceitos e sobretudo tem-se pouco entendimento de estratégias auxiliadoras para minimização das dificuldades dele advindas.

O presente trabalho, por entender que esta é uma síndrome ligada ao desenvolvimento neurobiológico, causadora de prejuízos socioeducacionais, pretende auxiliar escola e família para a construção de um sujeito independente, despertando reflexões, auxiliando no diagnóstico, sugerindo estratégias para que enfim possa-se combater a ignorância e a tirania dos rótulos.

Este trabalho, no entanto, adverte para uma grande limitação. Segundo os instrumentos de pesquisa disponíveis, não se consegue ainda determinar a etiologia deste transtorno e , por conseguinte, a resposta do tratamento não pode ser assegurada, além da existência de variáveis ambientais ou comportamentais que extrapolam a orientação profissional dada.

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METODOLOGIA

Este trabalho adveio da angústia pessoal de observar e acompanhar o

desenvolvimento acadêmico e psicossocial de uma criança com TDAH. Após

constatação de estratégias pedagógicas equivocadas adotadas e o resultado

consequente sobre o desempenho da mesma, o interesse em compreender

para ajudar emergiu.

Diversas leituras, oriundas inclusive de três congressos em Transtornos na

Aprendizagem sob o olhar da Neurociência, ( realizados pela Conexa Eventos

em Belo Horizonte, abril de 2012; pela ACM no Rio de Janeiro , dezembro de

2012 e pela UFRJ em janeiro de 2013, quando do IV Curso de Formação

Continuada em Neurociências), consultas em sites especializados de

Sociedades para tratamento do transtorno ( ver em Anexos ) , entrevistas com

especialistas colhidas nos canais televisivos e em DVDs, além da observação e

acompanhamento de crianças na Escola Municipal Naturalista Augusto Ruschi,

situada na zona oeste do Rio de Janeiro.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO 1 – O PENSAMENTO E SEUS TRANSTORNOS SOB

BASES NEUROBIOLÓGICAS

09

CAPÍTULO 2 – TDAH: O QUE É ? 21

CAPÍTULO 3 – ORIENTAÇÕES PARA PROFESSORES E PAIS: A

CAMINHO DE UMA SOCIEDADE MÚLTIPLA E ADAPTADA

35

CONCLUSÃO 46

BIBLIOGRAFIA 48

ANEXOS 50

ÍNDICE 55

8

INTRODUÇÃO

“ Eu vivo sempre no mundo da lua

Tenho alma de artista

Sou um gênio sonhador

E romântico”

Guilherme Arantes, ao interpretar esta canção, convida a viajar num “ Lindo

balão azul”, visitando via-láctea, brincando de esconde-esconde e a voltar para

a casa real, traçando assim uma possível “viagem” que portadores de TDAH

podem realizar a cada momento que um estímulo externo solicita-lhes uma

resposta.

Com os conhecimentos advindos dos estudos das neurociências, sabe-se

que, antes de fornecer esta resposta, este estímulo percorre uma complexa

circuitaria cerebral de acordo com a sua bagagem bioquímica e social.

Desta forma, corpo e mente seguem integrados neste processo, embora

seja possível observá-los distintamente. Estas redes neurais poderão

desenvolver-se de forma adequada ou não em função de vínculos familiares,

genéticos e sociais acontecendo sob condições satisfatórias.

Regra geral, muito além de um comportamento exclusivamente atencional,

portadores desta síndrome sofrem prejuízos em diversas funções executivas

ao longo da vida.

A tarefa é auxiliar escola e família a resgatar estes indivíduos para

condições mais integradas de vida, tornando-os sujeitos independentes e de

sucesso.

Este trabalho envolve o entorno do indivíduo, apresentando a etiologia, a

sintomatologia e propostas de abordagem terapêutica e pedagógica do TDAH,

despertando reflexões, sugerindo estratégias para, enfim, combater a tirania

dos rótulos, estabelecer comportamentos mais adequados e, em última análise,

contribuir para uma convivência harmoniosa a qual todos os integrantes de

uma sociedade democrática têm direito.

9

Capítulo 1

O pensamento e seus transtornos sob bases neurobiológicas

“ Algo acontece na mente que influencia o corpo e vice-versa.

De fato, mente e corpo não podem ser considerados em separado.”

Hipócrates

A capacidade humana de criar é testemunhada pelas múltiplas obras

herdadas ao longo dos tempos: castelos, abadias, conduções médicas,

verdadeiras obras de arquitetura e de engenharia mental superando as mais

inóspitas condições e recursos de execução.

Certo é curvar-se diante da magnitude do cérebro humano de saber se

expor com tamanho êxito. Em concomitância, sabe-se também que o

desenvolvimento pedagógico, como o de qualquer outra área com

envolvimento social, reflete o pensamento filosófico vigente. Assim, na Grécia

antiga, observou-se grande ênfase no desenvolvimento das qualidades

físicas. Na Idade média, técnicas educativas se voltavam para a supremacia do

espírito. Na Renascença e com a Revolução francesa, deu-se uma união de

correntes filosóficas valorizando o aspecto científico e racional. Até os dias

atuais, muito se ouviu sobre a educação com Pestalozzi, Froebel, Binet e

Simon, Claparède, Adler quando verifica-se que a participação cerebral sobre

processos de construção do saber é crescente.

A comunidade científica afirma, hoje, que “um cérebro com estrutura normal,

com condições funcionais e neuroquímicas corretas e com elenco genético

adequados não significa 100% de garantia de aprendizado normal.” 1O

interesse pelo estudo da anatomia do cérebro e de sua atividade elétrica data

de tempos remotos dispondo, contudo, de mecanismos de neuroimagem

como o eletroencefalograma ou a ressonância magnética apenas

recentemente. Tais exames tornaram-se importantes na investigação

diagnóstica de doenças neuropsiquiátricas fundamentando-as e discutindo-as, 11 ROTTA, Newra et aliae. Transtornos da Aprendizagem. Porto Alegre, Artmed, 2006

10

possibilitando portanto a aceitação sob o ponto de vista pedagógico, clínico e

neurobiológico das enfermidades, como o TDAH.

Deste modo, com o progressivo entendimento do funcionamento cerebral

dado pelas modernas investigações de neuroquímica, neuroimagem e

neurogenética não restam mais dúvidas sobre a relação entre a aprendizagem

e as áreas estudadas, ainda que fatores outros ( escola, família e problemas

físicos ) exerçam algum grau de comprometimento também. Portanto, para

grande parte dos estudiosos no assunto, a aprendizagem pode ser definida

como um processo que se cumpre no Sistema Nervoso Central ( SNC ), onde

modificações ( funcionais e conductuais ) se produzem, permitindo uma melhor

adaptação do indivíduo ao seu meio como resposta a uma solicitação. Em

outras palavras, quando um estímulo já é conhecido do SNC, ele desencadeia

uma lembrança; quando porém ele é novo, ele desencadeia uma mudança. Isto

é denominado, do ponto de vista neurobiológico, de APRENDIZAGEM. Por

conseguinte, entender a neuroanatomia é importante quando se trata da

neurobiologia do aprendizado. De forma geral, conhecer o cérebro e o seu

funcionamento permite oferecer estímulos e adotar estratégias coerentes

adequadas a cada um, entendendo pelas palavras de Marta Relvas2 que “(...)

Conhecer a história de cada educando e tratá-lo como sujeito único pode

mudar o rumo de muitas crianças.”

O cérebro é uma estrutura formada por aproximadamente 100 bilhões de

neurônios3 conjuntamente com as células gliais que lhe oferecem alimento e

sustentação.

Cada neurônio se comunica com milhares de outros neurônios utilizando

prolongamentos curtos (dendritos) ou longos (axônios), formando incontáveis

possibilidades de conexões neurais .

2 RELVAS, M. Neurociência e transtorno de Aprendizagem. RJ: WAK, 2010 3 Número já contestado por estudiosos no Brasil .

11

( Figura retirada de http://www.infoescola.com/sistema-nervoso/neuronios )

A cada novo estímulo, gerando novo conhecimento, uma nova rede se

forma conectando-se às antigas. E, para que se estabeleça uma adequada

utilização destas conexões, existe um complexo sistema de processamento

que seleciona as redes importantes para cada ocasião a fim de possibilitar

respostas rápidas a cada estímulo.

Não se sabe exatamente como o cérebro faz para selecionar um estímulo

ou uma rede em detrimento de outros, porém, afirma-se que esta seleção

acontece de dois modos: pela intensidade dos estímulos que ativam os

receptores sensoriais e por mecanismos de memória, baseado em

experiências anteriormente vividas.

A “comunicação” neuronal acontece através da transmissão do impulso

elétrico ( criado no corpo da célula nervosa ) utilizando os dendritos e axônios.

No final destes prolongamentos existem estruturas chamadas sinapses, onde

encontram-se inúmeras vesículas sinápticas, preenchidas por

neurotransmissores. Com a chegada do impulso elétrico, estas vesículas se

rompem lançando os neurotransmissores na fenda sináptica transformando o

estímulo elétrico em químico.

12

( Figura retirada de http://www.hifishow.com.br/materiatecnica/snc.aspx )

O impulso elétrico, porém, não atravessa a fenda sináptica. Na sinapse, o

neurônio pré-sináptico libera o neurotransmissor que ativa ou inibe o neurônio

pós-sináptico, modificando seu receptor. O que determina a ativação ou

inibição pós-sináptica é a característica do neurotransmissor em ter ação

excitatória ( exemplo : Adrenalina ) ou inibitória (exemplo: GABA ) . Isto justifica

e explica o motivo pelo qual um impulso elétrico pode determinar a excitação

ou a depressão das funções encefálicas.

Os neurônios se organizam no que se chama de Sistema Nervoso Central (

SNC ) e Periférico (SNP). A porção central é composta pelo encéfalo e medula

espinhal.

O primeiro ( protegido pelo crânio ) compõe-se de estruturas denominadas

cérebro, cerebelo e tronco encefálico.

Estímulo elétrico è

13

( Figura retirada de http://www.auladeanatomia.com/neurologia/snervoso.htm )

A medula espinhal – protegida pelas vértebras – compõe-se de sustâncias

cinzenta e branca.

( Figura retirada de http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/corpo-humano-

sistema-nervoso/medula-espinhal-3.php )

O cérebro é constituído de dois hemisférios( figura A ) que são divididos em

cinco lobos cada :occipital, temporal, parietal, frontal e insular .( figura B )

14

Figura A

Figura B

( Figuras retiradas de

http://www.auladeanatomia.com/neurologia/telencefalo.htm )

O córtex cerebral é constituído por seis camadas de corpos celulares

enumeradas de I a VI dispostas da seguinte forma:

IV: fibras de aferências (penetram o córtex trazendo informações).

I e II: fibras de associação com o sistema reticular ativados ascendente.

II e III: são fibras que projetam-se para o córtex contralateral (fibras de

associação).

V: dão origem às fibras eferentes, isto é, que deixam o córtex cerebral indo

para o tronco encefálico, medula espinhal e núcleos da base.

VI: são fibras que partem desta zona em direção ao tálamo.

15

( Figura retirada de

http://www.sistemanervoso.com/pagina.php?secao=2&materia_id=464&materiaver=1 )

Tais corpos celulares constituem o que se conhece por “substâncias

cinzentas”, situados na periferia do córtex e formando giros cerebrais que

revestem os dois hemisférios.

O funcionamento é, portanto, integrado! Uma região dependendo de outras

para realização de tarefas. É deste “emaranhado” de células que funções

executivas extremamente elaboradas surgem como a linguagem, a

aprendizagem, a consciência, o planejamento e o julgamento.

Desta forma, dadas as modificações do SNC, produzidas por alterações

funcionais e neuroquímicas, nas áreas descritas, à esta grande plasticidade

cerebral, modulada por fatores intrínsecos e extrínsecos, chamamos de

aprendizagem. Vale ressaltar o importante papel na hereditariedade de

estruturas biológicas, que facilitarão o surgimento de estruturas mentais sem,

no entanto, afirmar que “herda-se” inteligência. A hereditariedade faz-se

importante para constituição de uma base orgânica com capacidade de

amadurecer quando estimulada.

16

DESENVOLVE

Gera estímulos e situações que Que se dá através de estímulos

requerem um processo cognitivo sociais, reforçadores e valoriza-

para resolução. dores da aquisição de compe-

tências.

A literatura científica aponta que pesquisas realizadas em animais criados

em ambientes empobrecidos apresentaram mais tarde um cérebro menos

sofisticado com menor quantidade de conexões sinápticas. O que aponta a

relação de ambientes enriquecidos e estimulantes com o desenvolvimento dos

sistemas sensoriais e o todo, envolvendo a aprendizagem. A imagem a seguir

ilustra a engenharia dos sentidos e suas áreas cerebrais.

Leopoldo Stein, rabino liberal da Bavária, dizia que “Ser inteligente é ter a

mente aberta, ativa e persistentemente experimental”. Aprendizagem ativa é

experimentação (experimenta + ação), consciente e envolvente. Confúcio

AMBIENTE RICO APRENDIZAGEM SOCIAL

também afirmava que “

entendo”. Portanto, estu

( imagem adaptada

representando o aprofu

diversificados , confirm

de experiências de apre

do que os meios estátic

sua educação.

( Imagem

Contudo, se o proc

proporcionado em am

dificuldades ? Porque

que “ Eu vejo e esqueço. Eu ouço e me lem

estudos baseando-se no Cone da Aprendiz

tada abaixo ) do pedagogo americano

aprofundamento da aprendizagem com a aju

nfirmam que através da ação pode-se explo

aprendizagem que podem ser mais eficazes

estáticos , assumindo desta forma mais respo

agem retirada de http://blog.atepassar.com/ap

processo de ensino e aprendizagem é mú

m ambiente adequado, por que um apre

orque faz-se necessário considerar seu sub

17

e lembro. Eu faço e

rendizagem de 1946,

ricano Edgar Dale,

a ajuda de métodos

explorar um conjunto

cazes e interessantes

responsabilidade por

m/aprender-agindo/ )

é múltiplo, variado e

aprendiz apresenta

u substrato orgânico

18

além da interferência de elementos distratores que possam diminuir a sua

atenção.

Observou-se, ao longo da evolução, que o cérebro é capaz de observar o

ambiente e apreender o importante para sobrevivência da espécie. Porém, isto

se dá , naturalmente, dentro de uma faixa de tempo. A revista Exame ( em 3 de

maio de 2007 ) publicou um artigo a respeito do tempo médio de atenção da

plateia numa conferência ou numa reunião de trabalho. Diz o artigo que após

18 minutos , os níveis de atenção caem drasticamente e a retenção de

memorização não passa a 90% após 3 horas mesmo com o melhor dos

recursos utilizados que é o audiovisual. Se a estes dados forem acrescidos

elementos que prejudiquem o processamento das informações adquiridas ,

como o estresse e atenção , então este processo estará fadado ao fracasso.

Em educação, importante é ressaltar que, “dificuldades” da aprendizagem é

um termo genérico, oriundo de grupo de problemas extrínsecos às condições

neurobiológicas do aprendiz. Confunde-se com frequência com distúrbios ou

transtornos ou ainda síndromes que assim são denominadas aquelas

dificuldades primárias devidas a alterações do SNC.

Desde 1902, quando surge a primeira descrição dos sintomas do TDAH,

diversas nomenclaturas lhe foram atribuídas.

Atualmente, os manuais psiquiátricos são bastante similares no que se

refere às diretrizes diagnósticas, ainda que suas denominações sejam

diferentes.

É aqui defendido que uma dificuldade é aquela experimentada por todos

em algum momento e em dado assunto. Classifica-se como natural e

secundária. Em oposição, um transtorno ou distúrbio é aquele que possui

substrato orgânico e quando seu portador não consegue desenvolver as

mesmas atividades que outros de características idênticas, sob as mesmas

condições.

19

Assim, como a aprendizagem, os distúrbios ou transtornos das habilidades

escolares têm sido objeto de estudos de diferentes linhas de pesquisas,

tornando-se termos recorrentes na literatura especializada. Oficialmente,

existem diversas definições, destacando as seguintes:

A ) National Joint Comitee for Learning Disabilities ( EUA, 1981)

“Distúrbios da aprendizagem é o termo genérico que se refere a um grupo

heterogêneo de alterações manifestas por dificuldades significativas na

aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades

matemáticas. Estas alterações são intrínsecas ao indivíduo e presumivelmente

à disfunção do SNC.” ( COLLARES E MOYSÉS, 199, p.32 )

B ) Classificação Internacional de Doenças :CID-10

O termo “transtorno” é usado por toda classificação de forma a evitar

problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos tais como “doenças ou

enfermidade”. “Transtorno” não é um termo exato, porém, é usado para indicar

a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente

reconhecível associado a sofrimento e interferência com funções pessoais.

Na maioria dos casos, as funções afetadas incluem linguagem, habilidades

visuoespaciais e/ou coordenação motora. É característico que os

comprometimentos diminuam progressivamente à medida que a criança

cresce. ( Classificação de Transtornos Mentais e de comportamento da

Classificação Internacional de Doenças – 10 – 1991 )

C ) DSM-IV: Manual diagnóstico e estatístico da Associação Americana de

Psiquiatria-APA

Os transtornos de aprendizagem são diagnosticados quando os resultados

do indivíduo em teste padronizado e individualmente administrado de leitura,

matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado

para sua idade, escolarização, ou nível de inteligência... Os transtornos de

aprendizagem podem persistir até idade adulta. ( 1995, p.46 )

20

Estudos mundiais que se baseiam nos critérios do DSM-IV encontram uma

prevalência de 3 a 10% em crianças na idade escolar com transtorno de déficit

de atenção e hiperatividade, o que faz deste um dos transtornos estudados em

todo o mundo.

Em resumo:

DIFICULDADE DISTÚRBIO ( OU TRANSTORNO )

• Decorrentes de fatores

ambientais

• Decorrente de alterações

neuroanatomofisiopatológicas

• Superável • Sem cura, mas tratável

• Sem déficit linguístico • Déficit linguístico presente

• Resulta de problemas de

ordem sócio-cultural e político-

educacional

• Implica em readaptações no

contexto escolar.

• Tratamento psicopedagógico • Diagnóstico e tratamento

multidisciplinares

21

CAPÍTULO 2

TDAH: o que é ?

2.1 – Denominações

Muitas denominações e siglas têm sido adotadas para referência ao

Distúrbio de Déficit de Atenção:

- Disfunção cerebral mínima

- Síndrome da criança hiperativa

- Síndrome da ausência de controle moral

- Reação hipercinética da infância

- Distúrbio do déficit de atenção ( DDA )

- Distúrbio com hiperatividade-impulsividade ( DA/HI )

- Transtorno do déficit de atenção ( TDA )

- Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade ( TDAH )

Tal variedade de denominações, criadas nos últimos séculos, torna-se

reflexo do nível de conhecimento sobre o assunto em dado momento e, por

isso mesmo, refletem apenas uma parcial, talvez ínfima, provisória ou

transitória verdade acerca desta alteração. Isto quer dizer que muito do que se

conhece ou sabe irá se transformar; novas descobertas serão feitas e muitas

farão ver o quanto se estava longe da compreensão dos fatos buscados.

Espera-se que, diante deste espectro nomenclatural, seja percebido o quão

desconhecido ainda é o termo “TDAH” tanto pela denominação quanto por

suas características e terapêuticas, mas que muito tem contribuído para o

fracasso escolar de crianças e adolescentes.

22

2.2 – Definição

Mas o que é TDAH ? Uma tríade de sintomas: desatenção, hiperatividade, e

impulsividade.

Trata-se de um transtorno neurobiológico mais comum em crianças em

idade escolar constituindo um quadro sindrômico e sua conceituação se

compõe da descrição de um conjunto de sinais e sintomas, especialmente

caracterizado por alterações dos sistemas atencionais, motores, perceptivos,

cognitivos e do comportamento. Tais alterações comprometerão a

aprendizagem , a vida social e familiar de crianças com potencial intelectual

adequado.

Como o conceito é bastante genérico e pode gerar compreensões

equivocadas, até a presente data, não existe nenhum método laboratorial, de

neuroimagem ou neurofisiológico entre os exames complementares, capaz de

confirmar o diagnóstico como se é esperado.

De acordo com o DSM-IV, o TDAH é uma síndrome caracterizada por um

conjunto de sinais por meio da tríade sintomatológica clássica. Esta deve

permanecer pelo menos durante seis meses e manifestar-se nos diversos

ambientes sociais frequentados por quem a apresenta .

Sabe-se que não existe um único gene do TDAH, mas vários genes de

pequeno defeito, que associados têm capacidade para conferir uma propensão

ou vulnerabilidade para o desenvolvimento do quadro. O gene transportador de

dopamina ( DAT1) e o gene que codifica o receptor de dopamina(DRD4)

parecem estar envolvidos na transmissão genética do TDAH. A proposição

principal seria a existência de alteração dos mecanismos das Catecolaminas

(CA). A serotonina (5HT) também pode estar alterada. A dopamina (DA) e a

Noradrenalina (NA) são produzidas, mas em quantidade insuficiente. Sabe-se

que estes neurotransmissores desempenham papeis importantes na atenção e

concentração, bem como nas funções cognitivas correlatas como a motivação,

interesse e a aprendizagem das tarefas.

23

Aos fatores genéticos, são acrescidos possíveis outros fatores exógenos ou

ambientais divididos em pré-, peri- e pós-natais, podendo coexistir com os

primeiros.

Pode-se afirmar que a fisiopatologia do TDAH envolve o circuito regulatório

neural , córtex pré-frontal e os gânglios basais, que são modulados pela função

dopaminérgica do mesencéfalo, tratando-se, portanto, da expressão de

alterações neuroquímicas do SNC.

Com relação a sua avaliação, é imperativo a observância de multi-sinais,

sua duração e o grau de prejuízo para a vida da criança/adolescente com

TDAH. Os sinais apresentados são organizados em três categorias:

1) desatenção acima do esperado.

Frequentemente, não se lembram de realizar tarefas importantes e ligadas à

vida diária, parecem estar “desligados” do mundo ou estarem no “mundo da

lua”.

2) Hiperatividade

Sua caracterização predominante é a motora. Estar “a mil” é uma constante e o

interesse por atividades que exijam maior foco ( como em jogos de tabuleiro,

quebra-cabeças...) é corriqueiro. Podem falar em demasia, o que gera

insatisfação social.

3) Impulsividade

Esta característica gera dificuldade em “frear” uma resposta ou um

comportamento. Torna-se muito comum interromperem conversas, não

aguardarem a fila, ou darem a resposta antes do fim da pergunta.

Infelizmente, a concomitância a um outro transtorno ligada à saúde mental é

constante. As co-morbidades frequentes são: agressividade, ansiedade,

transtorno de conduta, transtorno desafiador opositor, discalculia, disgrafia,

dislexia entre outras.

24

2.3 – Critérios para realização do diagnóstico

Em função do apresentado a respeito da tríade de base alterada no

funcionamento de um TDAH, é fundamental detectar as alterações primárias na

história do indivíduo e o consenso na comunidade médica é o de fazê-lo

adotando o sistema americano de diagnóstico conhecido por DSM-IV da

Associação Americana de Psiquiatria, como vemos a seguir.

A. Ou (1) ou (2) 1) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram por pelo menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento: Desatenção: (a) frequentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras (b) com frequência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas (c) com frequência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra (d) com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou incapacidade de compreender instruções) (e) com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades (f) com frequência evita, antipatiza ou reluta a envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa) (g) com frequência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por ex., brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais) (h) é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa (i) com frequência apresenta esquecimento em atividades diárias

2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por pelo menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento: Hiperatividade: (a) frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira (b) frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado (c) frequentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado (em adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação)

25

Testes psicológicos podem também ser instrumentos úteis no auxílio do

diagnóstico. Para crianças, um dos aceitos e largamente utilizado é o WISC

(Wechsler Intelligence Scale for Children ) , teste de inteligência e execução,

composto de subescalas para habilidade verbais, espaciais, de atenção entre

(d) com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer (e) está frequentemente "a mil" ou muitas vezes age como se estivesse "a todo vapor" (f) frequentemente fala em demasia

Impulsividade: (g) frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas (h) com frequência tem dificuldade para aguardar sua vez (i) frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por ex., intromete-se em conversas ou brincadeiras) B. Alguns sintomas de hiperatividade-impulsividade ou desatenção que causaram prejuízo estavam presentes antes dos 7 anos de idade. C. Algum prejuízo causado pelos sintomas está presente em dois ou mais contextos (por ex., na escola [ou trabalho] e em casa). D. Deve haver claras evidências de prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e não são melhor explicados por outro transtorno mental (por ex., Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno Dissociativo ou um Transtorno da Personalidade). Codificar com base no tipo: Tipo Combinado: se tanto o Critério A1 quanto o Critério A2 são satisfeitos durante os últimos 6 meses. Tipo Predominantemente Desatento: Se o Critério A1 é satisfeito, mas o Critério A2 não é satisfeito durante os últimos 6 meses. Tipo Predominantemente Hiperativo-Impulsivo: Se o Critério A2 é satisfeito, mas o Critério A1 não é satisfeito durante os últimos 6 meses.

26

outras. O WAIS (Wechsler Adult Intelligence Scale) é um teste de

características semelhantes, desenvolvido para os adultos. Os resultados de

tais subescalas, quando apresentando determinadas discrepâncias, podem

fornecer indicativos para o diagnóstico de TDAH. Contudo, as vantagens

destes entre outros testes e escalas devem ser avaliadas pelo médico ou outro

profissional habilitado e aplicados juntamente a outras formas de avaliação e

diagnóstico.

2.4 – Etiologia

É bastante complexa a discussão das causas que estão implicadas na

determinação da desatenção e hiperatividade. Como nos demais distúrbios do

desenvolvimento, existe também nesta condição toda uma multiplicidade de

fatores que poderão estar interferindo e nem sempre serão os mesmos para

todas as crianças.

Nos diversos estudos realizados, muitas possíveis causas foram elencadas,

ligadas a fatores endógenos e exógenos, comprometendo o funcionamento

normal do cérebro, tendo enfim, como consequência, alterações nas funções

executivas.

Em Transtornos da Aprendizagem: abordagem neurobiológica e

multidisciplinar, compreende-se que os fatores exógenos são classificados

Fatores Endógenos ?

Fatores Exógenos?

Lesional ?

Funcional ?

27

como pré-, peri- e pós-natais. Os primeiros são aqueles relacionados à mãe no

decorrer da gravidez, como o uso de drogas, álcool, tabaco, intoxicações,

hemorragias contribuindo para o desenvolvimento do transtorno. Os fatores

perinatais são definidos como aqueles que ocorrem durante o trabalho de

parto. Já os últimos, relacionam-se a fatores que interferem diretamente no

desenvolvimento da criança como infecções do SNC, traumatismos ou

alterações metabólicas.

Dos fatores endógenos, o caráter hereditário é preponderante. Por exemplo,

foi observado que gêmeos monozigóticos mostraram maior incidência de TDAH

que os dizigóticos (WILLERMAN apud Saul CYPEL).

Outras referências da literatura médica destacam a presença de crianças

hiperativas em famílias cujos pais apresentavam prevalência acentuada de

problemas psiquiátricos, quando comparados com pais de crianças “normais”.

Curiosamente, contudo, os mesmos distúrbios foram referidos em pais não-

biológicos de crianças adotivas e hiperativas, relativizando a influência do fator

genético.

George DuPaul e Gary Stoner assinalam um possível envolvimento com

fatores nutricionais ou envenenamento por chumbo ou ainda a exposição pré-

natal a drogas ou a álcool, como hipóteses para a explicação dos sintomas do

TDAH.

Estes fatores aliados aos fatores ambientais, condições sociais, a qualidade

das trocas entre a criança e outras pessoas de sua convivência e as condições

psicoafetivas geram uma etiologia multifatorial, devendo ser todas

consideradas na avaliação diagnóstica.

2.5 – Co-morbidades

“ Meu fumo e minha ioga Você é minha droga Paixão e carnaval Meu zen, meu bem, meu mal” ( Gal Costa )

28

Em grande parte dos casos, o diagnóstico isolado de TDAH nem sempre é

possível. Em geral um ou mais transtornos psiquiátricos coexistem com o

transtorno de base.

Estas co-morbidades se desenvolvem como consequência do transtorno

inicial somando-se a elas, uma vez que este causa desconforto e sofrimento,

alterando inevitavelmente a vida da pessoa.

No caso do TDAH, a distração, a desorganização, o adiamento constante

de tarefas e os frequentes esquecimentos podem desenvolver transtornos

associados, como a ansiedade generalizada, a depressão, o pânico e fobias.

No entanto, ainda que haja outros transtornos específicos “acompanhando”

o TDAH, parece haver uma íntima relação em suas origens biológicas para o

desenvolvimento, em certo momento, de uma ou de outra co-morbidade. As

mesmas alterações bioquímicas e/ou funcionais parecem estar envolvidas em

transtornos como a Dislexia inclusive, o que evidencia , mais uma vez, a

dificuldade do bom diagnóstico para o TDAH.

Desta forma, é importante considerar a presença de sinais destas doenças

antes de iniciar o planejamento terapêutico. São elas as seguintes:

• Transtorno de aprendizagem • Transtorno de conduta e/ou Transtorno desafiador opositivo • Transtorno de ansiedade • Transtorno de bipolar de humor • Transtorno do sono • Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC ) • Transtornos alimentares ou por compulsões em geral • Tiques • Enurese • Abuso de substâncias • Pânico • Fobias • Depressão

29

2.6 - Tratamento, não ! Orientações terapêuticas

Uma vez feito o diagnóstico de TDAH, a família deve compreender que se

trata de um problema crônico, sem cura, porém controlável. O objetivo é

construir um comportamento organizado, funcional, nas diversas situações

sociais.

O seu tratamento deve ser multiprofissional e interdisciplinar. Não há uma

única abordagem terapêutica indicada.

Por esta razão, adotar “Orientações terapêuticas” e não só “Tratamento” ou

qualquer outra nomenclatura que sugerisse exclusivamente conduta médica foi

preferido nesta leitura..

Pode-se dizer que uma orientação terapêutica do TDAH passa por quatro

etapas: a informação, o conhecimento e apoio técnico, a medicamentosa e a

psicoterapêutica.

Parece que partir da informação do problema e compreender que seu

comportamento pode ser “regulado” e auxiliado por conduta adequada é estar

minimamente no melhor dos caminhos, que vem a ser aquele da esperança e

do conforto de uma existência mais adaptada.

O apoio técnico consiste em criar uma rotina pessoal que facilitará a vida

prática de um TDAH, como: estabelecer horários de produtividade, repouso,

refeições, criar o hábito de ter agendas e blocos à mão. Hábitos construídos

que dificultarão a perda em devaneios, a sensação de ansiedade e de

incapacidade de completude de projetos e ou tarefas.

Uma terapêutica medicamentosa será inevitável em certo momento. Aliás,

como já apresentado, a proposição principal da existência deste distúrbio seria

a alteração dos mecanismos das catecolaminas que se encontram diminuídas

pela redução de produção, pela recaptura do transmissor através da membrana

pré-sináptica e pela ação da enzima MAO ou COMT que as destrói. Um

medicamento para aumentar a produção ou a recepção dos

neurotransmissores parece muito indicado. Porém, definir qual categoria

30

medicamentosa usar ( estimulantes ou antidepressivos ), se combinada e em

qual dosagem, depende do que se deseja auxiliar no comportamento de um

TDAH.

Entre os fármacos psicoestimulantes, destacam-se as anfetaminas e o

metilfenidato, que possui efeito predominante sobre o sistema reticular ativador

ascendente e a corticalidade cerebral, capacitando para as atividades de

planejamento, previsão, análise de consequências e de ponderação.

Em relação aos antidepressivos, destacam-se, por exemplo, a fluoxetina, a

sertralina e a desipramina, a mais comumente usada e pesquisada com este

objetivo. O uso destes revelou efeitos semelhantes àqueles obtidos com os

primeiros.

E, finalmente, o acompanhamento psicoterapêutico, cuja abordagem deve

ser diretiva, estruturada, orientada a metas. Tal linha é conhecida por Terapia

Cognitivo Comportamental ( TCC ). Uma abordagem com estas características

reestruturará cognitivamente crenças, pensamentos, formas de interpretar e

agir nas situações, treinará soluções de problemas e ajudará a perceber o

mundo de forma menos depressiva ou ansiogênica e mais baseado na

realidade.

Investigando as queixas....

31

O relato de dois casos abaixo, colhidos em uma Unidade Escolar da rede

pública, na zona oeste do Rio de Janeiro, pretende mostrar que certezas não

existem inclusive no aprender. O sucesso ou o fracasso em nossa tarefa diante

de um caso de TDAH depende daquilo a que se propõe e dos métodos

empregados para chegar até lá. Sob terapêuticas medicamentosa e

multiprofissional adequadas, uma criança com TDAH é muito capaz de vencer

dificuldades acadêmicas e de adquirir novo padrão de conduta social .

Caso 1: ( Sem acompanhamento profissional ou medicamentoso )

Refere-se a “L.”, menino de 11 anos, matriculado numa Unidade escolar no

segundo semestre de 2011, no 4º ano do Ensino fundamental 1. O aluno

demonstrou ser bastante observador, falante, inquieto, tendo recebido muitas

queixas na escola anterior e nas avaliações iniciais, acertava cerca de 50% da

interpretação de textos adotando respostas sucintas e na matemática,

apresentou dificuldades para a realização da subtração com recurso, não

dominando o algoritmo da multiplicação e da divisão.

No decorrer do semestre, a família foi instruída a buscar avaliações

psicopedagógica e médica sem, no entanto, atender a orientação e anunciando

que a criança teria feito anteriormente uso do medicamento Ritalina, ainda que

não o fizesse mais por falta de tempo para voltar ao médico.

Na turma frequentada até o final deste ano, L. sentava-se ao lado da

professora, em cadeira individual para que esta pudesse fazer ajustes

individuais, inclusive para “controlá-lo”, uma vez que L. se envolvia diariamente

em conflitos diversos, além de dificilmente terminar as tarefas propostas.

As queixas da professora relacionavam-se à falta de concentração, à

dificuldade de seguir as regras de comportamento da escola, assim como de

realizar a interpretação textual e a produzir organizadamente ideias com início,

meio e fim.

32

Infelizmente, ao fim deste ano, L. foi reprovado assim como no ano

seguinte, em 2012, pelas mesmas queixas acadêmicas e sociais, apesar da

constante solicitação por parte da escola de acompanhamento multiprofissional

e do comportamento omisso da família.

Caso 2 : ( Com acompanhamento multiprofissional e medicamentoso )

Refere-se a menino , “V.”, 9 anos, que começou a frequentar esta escola no

3º ano do EF1 em julho de 2010.

V. vinha de uma escola particular onde passava boa parte do tempo na sala

da direção, cujas razões não foram bem elucidadas. Frequentemente, trazia

para casa muitos trabalhos que não conseguia cumprir em sala, acrescido das

tarefas propriamente ditas para casa.

Seus responsáveis procuraram outras escolas particulares onde, em uma

delas, foi-lhes sugerido matriculá-lo numa turma de 1º ano, pois não

apresentava leitura fluente.

Em seu primeiro dia na escola pública, V. não realizou nenhuma tarefa,

expressando seu descontentamento através do lançamento do seu material

escolar no chão, abaixando a cabeça ou escondendo-a sob o casaco.

Durante este segundo semestre, V. encontrou pares em comportamento

social e acadêmico similares o que, além da admirável paciência, estratégia

pedagógica e acolhimento emocional da professora e, sobretudo, das

orientações advindas de atendimento psicopedagógico e de ortóptica, fez

com que V. fosse se ajustando pouco a pouco ao ambiente e aos propósitos da

escola.

Ao fim do ano, V. foi aprovado ainda que precisasse de mais tempo para a

realização das tarefas e apresentasse pouca concentração. Possuía facilidade

para os conteúdos relacionados à matemática, porém sua leitura pausada

dificultava sua interpretação e sua produção textual era limitada.

33

Em 2011, no 4º ano, V. descobriu ter miopia adotando o uso da correção

através de óculos e passou a ter acompanhamento de neuropediatra,

psicopedagoga, de ortóptica e fonoaudióloga, quando também iniciou o uso da

medicação Ritalina. Sua leitura e intepretação melhoraram, conseguia manter o

foco nas atividades, esforçava-se em cumprir todas as tarefas e eventualmente

apresentou reações impulsivas como jogar o estojo longe, amassar o papel,

quebrar a ponta do lápis “socando-a” contra a mesa , sempre que se deparava

com uma dificuldade. A professora relatava que V. produzia textos curtos e

com coerência, porém invertia consoantes como se estivesse numa

alfabetização inicial.

No espaço da sala de aula, V. ficava ao lado da professora que o observava

e o ajudava promovendo o autoentendimento de seu sofrimento. V. expressava

interesse e consciência em terminar mesmo as tarefas inconclusivas no horário

da aula após a mesma.

No ano seguinte, em 2012, já no 5º ano, V. participou de diversas

atividades: dança, flauta, dramatização e leitura oral para turma sem qualquer

inibição, mostrando grande ganho em sua autoestima comprometida e

consequente grau de independência, já que raramente solicitou a ajuda do

professor para buscar a solução de uma dificuldade.

Contudo, alguns pontos inconclusivos foram observados. Socialmente, V.

esteve muito ligado a um só colega, sem entrosamento com os demais;

demonstrou dificuldade em admitir o seu erro precisando de algum tempo para

administrar o choro contido; o barulho externo o incomodou muito

demonstrando inquietação e, na produção textual, ainda apresentou algumas

inversões ( “tambor”=tambro ou “barco”=braco).

O saldo final é extremamente positivo ! Em avaliação de língua portuguesa,

com questões de múltipla escolha, seu aproveitamento é superior a 80% .

Ressaltamos as estratégias adequadas e adotadas pela professora:

- sentá-lo próximo a sua mesa;

34

- observá-lo constantemente;

- variação de recursos e de atividades alternativas pedagógicas;

- valorização do empenho, da adequação às regras e do resultado

apresentado;

- concessão de tempo maior para realização das tarefas;

- investimento na participação constante como um “aluno ajudante” para

distribuição e recolhimento de materiais identificados e de outras atividades

onde a concentração, a leitura de etiquetas e a melhoria da autoestima

estiveram envolvidas.

Em resumo, tendo como base que para aprender é preciso “processar”

informações seguindo seu ritmo neurobiológico, torna-se possível entender

que a atenção necessária para a aquisição do novo e a posterior memorização

são tipos de processamentos mentais necessários para completar este circuito

da aprendizagem. Um ruído neste processo ocasionará, em alguma ordem, um

déficit nela. Sabe-se que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

possui três características básicas alterando as habilidades escolares e sociais,

em certa medida: a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade. Trata-se de

um transtorno neurocomportamental iniciado na infância, atingindo cerca de 5%

da população, persiste até idade adulta e tem predominância entre os meninos.

Com o ingresso escolar, nota-se na criança atividade motora excessiva,

falta de atenção e baixo rendimento .. Diante deste cenário, a orientação de

professores e psicopedagogos deve ser a da busca de uma avaliação clínica

multidisciplinar. Não se pode deixar de considerar o sofrimento desta criança ,

portanto, omitir um socorro. Adultos procuram ajuda médica porque verbalizam

suas dificuldades; crianças são, em geral, levadas a esta ajuda porque

“aborrecem”.

35

CAPÍTULO 3

Orientações para Professores e Pais: a caminho de uma

sociedade múltipla e adaptada

“ Me fazem em mil pedaços

Pra você juntar

E queria sempre achar

Explicação pro que eu sentia”

( “Quase sem querer”, Renato Russo )

Identificar para cuidar. Esta é uma regra a ser seguida. Esperar o “clic” do

amadurecimento neuropsicológico ou simplesmente ignorar o fato de ter um

aluno que não produz o esperado academicamente é, minimamente, cruzar os

braços e omitir o papel principal da escola, que é aquele do compromisso com

o aprendizado, sobretudo quando ele é desafiador. Afinal, nas palavras do

Fonoaudiólogo e Doutor em Educação Jaime Zorzi: “Para bons aprendizes,

nunca faltarão bons mestres. Mas, é graças aos desafios dos aprendizes com

dificuldades que encontramos os verdadeiros mestres.”

Portanto, nas escolas habituadas a trabalhar com crianças ditas “normais”,

muito se percebe a fazer em relação à melhoria da formação pedagógica ( que

carece de uma revisão e atualização em seus programas acadêmicos ), além

da existente necessidade de um contínuo questionamento, por parte dos

professores, se suas práticas atendem todo o espectro de diferentes formas de

ensinar e de ensinar a aprender.

Edgar Morin, um dos precursores do Pensamento Complexo, em “Ciência

com consciência”, destaca a importância de um pensamento que permita a

intercomunicação entre as diversas áreas do conhecimento humano (a

Filosofia, a Física, a Biologia, a Sociologia, a Antropologia e a Política ) a partir

de uma aliança dialogante entre elas. O Pensamento Complexo seria um modo

36

de religação, de aceitação da diversidade e da busca do entendimento da

mesma. Em suas palavras, o Pensamento complexo é essencialmente o

pensamento que permite, conhece e liga a compreensão humana.

Assim como a maravilhosa capacidade adaptativa que é a Plasticidade

cerebral e toda sua circuitaria envolvida na construção do pensamento e das

emoções, o Pensamento Complexo ajuda a compreender que a realidade

educacional exige de todos a capacidade de saber articular, estabelecer

conexões e de perceber o todo de maneira relacional. Ajuda ainda a

compreender a multidimensionalidade humana onde a complexidade é fator

constitutivo da vida, do pensamento, conhecimento e da ação.

Esta engenharia complexa informa, certamente, a impossibilidade de aceitar

a escola como reprodutora do conhecimento processado linearmente, dentro

da lógica “ou/ou” que exclui a complementariedade e a diversidade, através de

discurso pedagógico autoritário ou messiânico.

A mediação pedagógica complexa, ousando assim chamar, valoriza a

bagagem do outro, reconhece a presença de múltiplas realidades e a

provisoriedade do conhecimento. O seu modelo mental é integrador ! Mas para

pensar e agir sob este modelo ainda é preciso muito caminhar...

No município do Rio de Janeiro, a Lei nº 5.416, sancionada em 29/05/2012,

de autoria do vereador Tio Carlos, determina que as escolas devam assegurar

aos alunos com TDAH e Dislexia acesso aos recursos didáticos adequados ao

desenvolvimento de sua aprendizagem, e que os sistemas de ensino garantam

aos professores formação própria sobre a identificação e abordagem

pedagógica. Apesar do preposto, estamos ainda longe de um sistema de

ensino, sobretudo público, verdadeiramente preocupado com o acolhimento

técnico e acadêmico adequado. ( Informação obtida no D.O do Rio de Janeiro,

ofício GP número 500/CMRJ em 29 de maio de 2012 ).

Por fim, vale ressaltar que NÃO EXISTE CRIANÇA QUE NÃO APRENDA!

Alguns aprenderão de modo mais rápido, outros mais lentamente, mas é certo

afirmar que a aprendizagem se processará desde que o processo ensino-

37

aprendizagem esteja baseado numa vertente múltipla e associativa entre:

ambiente adequado, estímulo, motivação e organismo.

3.1 – Orientações para professores

Crianças agitadas sempre causam alvoroço. Uma, duas ou três hiperativas

numa mesma sala de aula causam a crise (!). Sabe-se que neste ambiente,

especialmente a partir dos 6 ou 7 anos, é que começam a surgir a observação

para a propensão para o TDAH e outros problemas de aprendizagem. Com a

interferência no trabalho, a atitude reativa dos professores ( reagindo com

menos tolerância , excedendo-se na autoridade ...) tem suas razões e não há,

aqui, intenção de menosprezá-los ou de julgá-los. Muito ao contrário. Escolas e

professores são herois na tarefa educacional.

Contudo, tradicionalmente, na realidade brasileira, não é função das

escolas regulares promoverem programas específicos de intervenção

pedagógica para estudantes com dificuldades de aprendizagem. O que se

espera mostrar é que tal intervenção é possível. Uma vez que a causa do

fracasso escolar não está exclusivamente em um fator possível, nem nos

recursos, muito menos no professor, mas em todos estes fatores, aliados a

uma falta de diálogo consciente entre família e escola. Acredita-se ainda que

talvez uma mudança de estratégias adotadas pelo professor com sua classe,

em sala de aula, possa ser capaz , no âmbito referido, atingir alguns resultados

mais favoráveis. Afinal, o foco deve encontrar-se na busca de possibilidades e

não no velho diálogo dos rótulos das dificuldades, cuja solução encontra-se,

exclusivamente, extramuros da escola.

O Departamento de Educação dos Estados Unidos elaborou um material

intitulado “Ensinando crianças com TDAH” em 2004, no qual sugere que um

programa de sucesso deve integrar três componentes:

• Instruções acadêmicas

• Intervenções comportamentais

38

• Modificações na sala de aula

A partir do conhecimento do transtorno, o professor - com o auxílio de uma

avaliação pedagógica ou psicopedagógica – poderá determinar quais são as

áreas que o estudante tem mais ou menos facilidade, para, então, pensar nas

estratégias adequadas acerca do caso.

Em relação à boa organização da sala e da aula, adotar as sugestões

citadas:

• Propiciar um ambiente tranquilo e organizado

• Alocar o estudante para perto do professor, a fim de que este possa

acompanhá-lo melhor.

• Estabelecer uma rotina clara, contemplando descanso e regras

definidos.

• Usar materiais audiovisuais para reforçar as expectativas.

• Dar instrução e orientação curta, direta e claramente.

• Repetir sempre o combinado. Esses alunos precisam que a informação

seja repetida diversas vezes.

• Observar se o estudante possui todo o material para a execução da

tarefa, caso contrário, auxiliá-lo a conseguir.

• Dividir as atividades em unidades menores, criando etapas para a

execução.

• Iniciar a aula pelas atividades que exijam mais atenção, terminando

pelas mais agradáveis ou ainda pelas mecânicas ( chamada de

presença, por exemplo )

• Monitorar o tempo para a conclusão da atividade.

• Utilizar tecnologias e estratégias metacognitivas que despertem o

interesse e que ajudem a manter o foco. ( ver em “Anexo 1” modelo de

organizador gráfico )

• Utilizar a afetividade, a motivação e o interesse do aluno na construção

do saber, oferecendo sempre o feedback positivo de seu desempenho.

• Trabalhar em consonância com a família e equipe médica.

• Transmitir conceitos baseados no concreto ( exemplo: situações diárias )

39

• Ter rotina com afetividade.

Outras estratégias para a melhora da atenção e o sustento do foco podem

ser consultados no site da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (

www.tdah.org.br ).

Por fim, para os professores que merecem todo o reconhecimento,

deparando-se com todo tipo de adversidade em suas salas de aulas, vale

retomar as palavras encorajadores de Michel Serres que, em seu livro “ O

terceiro instruído”, relembra o sentido da formação docente: “Renascido, ele

conhece, ele tem piedade. Enfim ele pode ensinar”.

Renascido, porque ser professor implica um “renascimento”, uma reflexão

sobre si mesmo e sobre o trabalho pedagógico.

Ele conhece, porque o ensino é sempre um processo cultural, que tem

como referência o conhecimento do mundo. Não há educação no vazio. A

educação é cultura, arte, ciência. Sem conhecimento não há educação.

Ele tem piedade, no sentido filosófico, porque a educação implica altruísmo

e generosidade. Não há educação sem o gesto humano da dádiva e do

compromisso perante o outro.

Enfim, pode ensinarj porque nada substitui um bom professor.

3.2 Dificuldades específicas nos diferentes sistemas simbólicos

observadas em ambiente escolar.

Em habilidades cognitivas específicas, alguns estudantes com TDAH podem

apresentar dificuldades particulares e necessitarem de um auxílio adicional. A

seguir, por áreas, algumas estratégias a serem pensadas.

1) Na leitura: área de maior índice do transtorno de aprendizagem.

èEm geral, o aprendiz pula linha, faz aproximações lexicais, omite

fonemas, não retém a informação ...

èOrientação: realização de leitura em voz alta; ilustração de histórias

lidas; levantar aspectos importantes do texto que será lido auxiliando a

seleção de informações importantes; discutir o assunto antes da leitura;

40

estimular o uso de livros diversificados abordando o assunto de formas

variadas. A criança de forma geral, e principalmente com TDAH, é

bastante motivada por meio das novidades.

2) Na escrita: aquisição conflituosa. Sistema simbólico exigindo relação

entre fonema e grafema.

èEm geral, sua escrita apresenta omissões de grafemas ou palavras,

não percebe o erro, grande desorganização de ideias...

èOrientação: investir na educação infantil na expressão gráfica da

linguagem assim como, incentivar a construção de narrativas auxiliando

a organização do pensamento e a concatenação de ideias.

2.1 ) Grafia: distúrbio da integração visual ou disgrafia.

Sugestões: permitir o uso do computador na sala de aula; auxiliar

a elaboração de resumos, esquemas e mapas mentais; não cobrar cópias

extensas e permitir o uso do gravador durante as explicações.

2.2)Ortografia: trocas, inversões, omissões, sintomas comuns

apresentados pela disortografia.

Sugestões: incentivar o uso de dicionário, bem como a produção de

um dicionário particular; evitar correções de erros quando a atividade não se

referir à língua portuguesa; evitar o uso de canetas vermelhas, poluindo a

correção e evitando gerar o sentimento de incompetência.

3) Produção textual: exige atenção, planejamento e capacidade de

execução, competências altamente afetadas pelo transtorno.

èSugestões: traçar passos para organização do material escrito;

incentivar a releitura e consequente revisão das produções;

4) Matemática: dificuldade ou incapacidade de resolver problemas com

cálculos e vinculados à capacidade de planejar. Chamamos de

discalculia.

è Em geral, apresenta erros por desatenção nos sinais da operação,

dificuldades na interpretação dos enunciados, dificuldades em

geometria, e em memorizar regras.

41

èSugestões: solicitar que sejam grifados os passos ou o que é

desejado na atividade; oferecer folhas-rascunho para realizar cálculos;

oferecer material concreto.

Santiago Ramón y Cajal, cientista espanhol ( 1852-1934 ) dizia que “todo

homem pode ser, se se propuser, escultor de seu próprio cérebro”, mas para

que isto aconteça é necessário que o cérebro organize suas redes e conexões

a fim de facilitar o seu potencial cognitivo e emocional. Para tanto, diversas

estruturas( sistemas visuais, auditivos, motores ) são acionadas e a atenção,

muito relacionada com a motivação, participa da consolidação de novas

informações fixando-as inicialmente na memória de curto prazo. Portanto

prejuízos atencionais interferem na aprendizagem.

A linguagem, sendo um conjunto arbitrário de símbolos usado para dar

significado ao mundo e permitir a comunicação entre os indivíduos de uma

dada cultura, constitui através das vias aferentes ( informações sensórias ) a

entrada do novo que será processado no córtex provocando reações

perceptomotoras que serão manifestadas pelas via eferentes. Tal é o aspecto

neurológico da construção do saber e neste sentido, havendo algum grau de

comprometimento na percepção e na discriminação de contrastes fonêmicos,

por exemplo, importantes na configuração da leitura e da escrita, o padrão

para esta nova aquisição estará alterado resultando, portanto, em algum dano

observável , como os relatados acima.

Áreas corticais envolvidas na

leitura

42

3.3 – Orientações aos Pais

O trabalho voltado à formação familiar e ao de apoio às necessidades de

equilibração são fundamentais para o sucesso da criança, bem como para a

harmonia do lar.

A tarefa de conviver e educar uma criança, que não consegue se concentrar

nos deveres da escola mas passa “horas a fio “ focada no jogo de videogame,

que parece incansável não tendo hora para brincar nem lugar, sujando as

paredes da sala onde joga bola em meio a móveis e objetos de valor ou ainda

que vive no “mundo da lua”, não é, de certo, fácil ou tranquila. Frequentemente,

as situações provocadas pela impulsividade ou distração da criança TDAH

geram brigas e grande desconforto na família.

Vale ressaltar que com o excesso das brigas, a família, desconhecedora

do desafio que ela deve enfrentar, acaba por agravar o transtorno. Com

frequência, crianças e adolescentes com TDAH expressam seu sofrimento e

sentimento de rejeição, de inferioridade, de baixa autoestima pelos castigos

recebidos verbal ( ouvindo que são “pestinha” ou “burro”, “sai daqui” ou “fica

quieto”) ou fisicamente.

Visão mais moderna das

redes corticais da leitura – Stanislas

Dehaene, 2012

43

Para tanto, é preciso, primeiramente, esclarecer aos pais o que vem a ser o

TDAH, suas causas, desenvolvimento do transtorno, como agir e a quem

solicitar ajuda. Em seguida, estabelecer regras claras e objetivas, contribuindo

para um ambiente mais estruturado.

Nas situações onde os limites devem ser impostos, não bater, gritar ou

realizar imposições agressivas, mas conduzir conflitos e organizar condutas

devem ser pontos prioritários.

Evitar a cobrança exagerada e a intolerância que só tenderão a aumentar a

ansiedade e a frustração de “não conseguir fazer direito”.

Além do apresentado, solicitar soluções e flexibilizar, sempre que possível,

certamente serão condutas que trarão contribuições ao convívio familiar, assim

como o desenvolvimento de competências a serem usadas em outros

ambientes.

Vale ressaltar a grande importância da família na formação ética e

comportamental de um filho TDAH. Ajudar a conhecer e a entender o próprio

comportamento é fundamental para uma mudança de perspectiva que

possibilite um redirecionamento na vida. É importante a um TDAH aceitar seu

modo de ser e acreditar sinceramente em seus talentos, transformando, assim,

potencialidades criativas em atos criativos.

Esta família deve ajudar seu filho na aquisição de confiança para buscar seu

espaço na sociedade e em seu sistema de trabalho, pois, para bem adaptar-se

a esta viagem no futuro, será preciso levar sua bagagem, junto com a

criatividade, a coragem e a perseverança. É mais que necessário que esta

criança de hoje, futuro adulto com TDAH, tenha um firme propósito e que creia

em sua própria capacidade.

Os envolvidos no processo de formação moral ou acadêmica de um TDAH

podem, em muitos momentos, sentir-se sozinhos, tomados por sentimentos

antagônicos, atores de uma tarefa hercúlea e de um desânimo na elaboração

e na execução de um plano terapêutico. No entanto, é com grande segurança

44

que a comunidade científica testemunha, nos últimos anos, uma verdadeira

transformação de vidas previamente prejudicadas por dependentes

consequências do TDAH e de suas co-morbidades não tratadas. Observa-se o

alcance a padrões químicos e comportamentais de pessoas quando sob

tratamento adequado. Portanto, é na certeza que a busca por soluções

adequadas para cada caso é o caminho para independência libertadora de um

TDAH que Albert Einstein dizia: “ uma mente que se abre a uma nova ideia,

jamais voltará ao seu tamanho original”.

Por fim, vale lembrar que formar um indivíduo autônomo, consciente e

preparado para os enfretamentos da vida, estes pais devem ensinar a seus

filhos a compreensão humana, condição essencial para se encontrar o caminho

da paz. Para Edgar Morin, educar para a paz é também educar para o

desenvolvimento da compreensão. Com ele, aprende-se a colocar em prática

as palavras do poeta e diplomata mexicano Octavio Paz:

“Para poder ser, he de ser otro,

salir de mi, buscarme entre los otros.

Los otros que no son si yo no existo

Los otros que me dan plena existencia”

Assim deve sentir e pensar a sociedade do século XXI. Sendo mais

tolerante com as diferenças, conversando com o outro, reconhecendo e

avançando no conhecimento do outro, pois nenhum ser humano, nenhuma

cultura, representa a verdade essencial. Esta é ampla e dever ser construída

com a contribuição de todos.

Por tudo isto, pode-se afirmar que há “uma luz no fim do túnel” e sua

intensidade é proporcional ao entendimento e à vontade de cada portador de

TDAH e de seu entorno familiar em reescrever sua própria história.. Não perder

tempo em lamentos pelo fato de ser um TDAH, fazer um pacto de rebeldia

consigo mesmo, contrariar as previsões e sendo feliz, parece aqui o mais

acertado a fazer.

45

Em suma, parcerias são preponderantes na ação de qualidade para a

construção de uma criança com TDAH.

Profissionais + Escola + Família = caminho para conforto e soluções.

46

CONCLUSÃO

( “Mulher na Janela” de Salvador Dalí )

O pintor surrealista Salvador Dalí é aqui destacado para ilustrar um

caminhar futuro, uma vez que parece sugerir a inspiração da entrada

permanente de luz e de ar, necessários a qualquer momento de uma trajetória.

Sua janela, assim, permite a entrada do novo, reciclando continuamente o olhar

em relação ao outro, às diferenças e, por conseguinte, a imperativa vigilância

para novas e adequadas práticas que família, escola e sociedade científica

devem atentar para o ser humano.

Como apresentado, não se sabe apontar causa única para o TDAH e que

por esta razão a atitude a ser adotada deve basear-se na avaliação e na

orientação multiprofissionais. Condutas estereotipadas, bem como o uso

indiscriminado e exclusivo medicamentoso para melhorar a fixação da atenção

e a diminuição da hiperatividade poderão conduzir a orientações equivocadas e

não atuarão sobre as reais causas determinantes do problema. Lembre-se que

toda criança pode aprender e que isto é seu direito. Ensinar , criando condições

favoráveis para a aprendizagem, é dever de qualquer escola. Reclamar de

47

quem não aprende abandonando-o ao “clic” natural da mudança e do

amadurecimento é omissão.

Dentro deste novo paradigma de ação, desbravador, ativo, responsável,

vale lembrar a importância da ligação dialogante das parcerias. Pensar através

da Complexidade pressupõe um estado de vigília para que nenhum

conhecimento possa, soberanamente, sobrepor-se, controlar, rejeitar outro

conhecimento ou teoria.

Pensar através da Complexidade implica, por fim, a abertura

epistemológica que leve em conta o desafio da desordem em seu diálogo com

a ordem e o papel dos diálogos e das incertezas. O importante, portanto, é

aprender a controlar os sintomas do TDAH e isto se dará, certamente,

mediante o auxílio de todos os envolvidos numa grande parceria: família,

escola e profissionais a fim de tornar as expectativas em realidade.

As últimas palavras serão aquelas poetizadas por Chico Buarque que

deverão ser entoadas como um hino para a sociedade que convive com os

transtornos mais diversos, especialmente com aqueles, cujos portadores

enfrentam com muita coragem seus desajustes, aqui apresentados: o TDAH.

“Quando nasci, veio um anjo safado

O chato dum querubim

E decretou que eu estava predestinado

A ser errado assim

Já de saída a minha estrada entortou

Mas EU VOU ATÉ O FIM.”

( “Até o fim” de Chico Buarque )

48

BIBLIOGRAFIA

CID-10. Classificação de Transtornos mentais e de comportamento :

descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Coord.Organização Mundial da

Saúde. Porto Alegre: ARTMED, 1993.

COLLARES, C. e MOYSÉS, M. A história não contada dos distúrbios de

aprendizagem. Cadernos CEDES, número 28. Campinas: Papirus, 1993 (

pp31-48)

CUNHA, Eugênio. Práticas pedagógicas para inclusão e diversidade. Rio de

Janeiro: WAK, 2012.

CYPEL, Saul. Déficit de atenção e hiperatividade e as funções executivas:

atualização para pais, professores e profissionais da saúde. São Paulo: Leitura

Médica, 2010.

DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre:

ARTMED, 1995.

DUPAUL, G e STONER, G. TDAH nas escolas. São Paulo: M Books do Brasil

Editora, 2007.

FREITAS, Ivana B. Transtornos e dificuldades de aprendizagem. Rio de

Janeiro: WAK, 2011.

MORAES, Maria Cândida et al. Os Sete Saberes necessários à Educação do

Presente. Rio de Janeiro: WAK, 2012.

MORIN, Edgard. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

2010.

PANTANO, Telma e ZORZI, Jaime Luiz. Neurociência aplicada à

aprendizagem. São José dos Campos: Pulso, 2009.

RELVAS, Marta Pires. Neurociência na prática pedagógica. Rio de Janeiro:

WAK, 2012.

_________________. Neurociência e Educação: potencialidades dos gêneros

humanos na sala de aula. Rio de Janeiro: WAK, 2010.

_________________. Neurociência e Transtornos de aprendizagem: as

múltiplas eficiências para uma educação inclusiva. Rio de Janeiro: WAK, 2011.

49

ROTTA, Newra Tellechea et al. Transtornos da aprendizagem: abordagem

Neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006.

SERRES, Michel. O Terceiro Instruído. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

SILVA, Ana Beatriz B. Mentes inquietas: entendendo melhor o mundo das

pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas. Rio de Janeiro: Napades, 2003.

ZORZI, Jaime. Guia prático para ajudar crianças com dificuldade de

aprendizagem: dislexia e outros distúrbios. São Paulo: Melo, 2008

50

ANEXOS

Índice de anexos

Anexo 1 >> Organizador gráfico

Anexo 2 >> Locais públicos de tratamento no Rio de Janeiro

Anexo 3 >> Cartilhas na internet

Anexo 4 >> Questionários para pré-diagnósticos na internet

51

Anexo 1

Exemplo de organizador gráfico para ajudar no planejamento, organização e

compreensão da leitura ou escrita.

52

Anexo 2

Locais públicos de tratamento no Rio de Janeiro:

• Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (IPPMG/UFRJ) / Ambulatório de Transtorno do

Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) do IPPMG/UFRJ

Coordenador: Prof. Giuseppe Pastura

Público-alvo: Crianças entre 6 e 12 anos de idade (não serão aceitas crianças

de outras idades)

Endereço: Rua Bruno Lobo, 50 - Cidade Universitária - Ilha do Fundão

• Serviço de Atendimento e Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia

(Crianças-adolescentes)

Endereço: Rua Santa Luzia 206 – Centro / Tel: (21) 2221-4896

Coordenador Santa Casa: Dr. Fábio Barbirato

53

Anexo 3

Cartilhas sobre TDAH oferecidas pela ABDA : http://www.tdah.org.br/br/sobre-

tdah/cartilhas-sobre-tdah.html

54

Anexo 4

Questionários para um pré-diagnóstico em crianças, adolescentes e adultos

O questionário abaixo é denominado SNAP-IV e foi construído a partir dos

sintomas do Manual de Diagnóstico e Estatística - IV Edição (DSM-IV) da

Associação Americana de Psiquiátrica. Você também pode imprimir e levar

para o professor preencher na escola. Esta é a tradução validada pelo GEDA –

Grupo de Estudos do Déficit de Atenção da UFRJ e pelo Serviço de Psiquiatria

da Infância e Adolescência da UFRGS.

IMPORTANTE: Lembre-se que o diagnóstico definitivo só pode ser

fornecido por um profissional.

http://www.tdah.org.br/br/sobre-tdah/diagnostico-criancas.html

55

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO 1: O PENSAMENTO E SEUS TRANSTORNOS SOB

BASES NEUROBIOLÓGICAS

09

CAPÍTULO 2 TDAH : O QUE É ? 21

2.1 – Denominações 21

2.2 – Definição 22

2.3 – Critérios para realização de diagnósticos 24

2.4 – Etiologia 26

2.5 – Co-morbidades 27

2.6 – Tratamento, não ! Orientações terapêuticas 29

CAPÍTULO 3: ORIENTAÇÕES PARA PROFESSORES E PAIS: A

CAMINHO DE UMA SOCIEDADE MÚLTIPLA E ADAPTADA

35

3.1 – Orientações para Professores 37

3.2 – Dificuldades específicas nos diferentes sistemas simbólicos 39

3.3 – Orientações para Pais 42

CONCLUSÃO 46

BIBLIOGRAFIA 48

ANEXOS 50

ÍNDICE 55