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1 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL MISSÃO E MINISTÉRIOS DOS CRISTÃOS LEIGOS E LEIGAS Edição aprovada na 37ª Assembléia Geral da CNBB Itaici – SP, 22 de abril de 1999 APRESENTAÇÃO Extraordinário florescimento A renovação eclesial, após o Concílio Vaticano II, trouxe, no campo do laicato católico, notável florescimento de novas formas de associação e de apostolado. Notava-o o Santo Padre, quando após o Sínodo de 1987 escrevia: “Nestes tempos mais recentes, o fenômeno da agregação dos leigos entre si assumiu formas de particular variedade e vivacidade... Pode-se falar de uma nova era agregativa dos fiéis leigos” (CfL 29) 1 . No meio da variedade ou diversidade, o Santo Padre descobria também uma “profunda convergência” na finalidade das mesmas agregações: “a de participar responsavelmente da missão da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e de renovação para a sociedade”. As novidades, porém, trouxeram algumas dúvidas que se manifestaram no Sínodo de 1987, particularmente acerca de dois aspectos: 1) o reconhecimento de novos movimentos, para os quais o Papa indicava os critérios de eclesialidade (CfL 30) 2 e pedia ao Pontifício Conselho dos Leigos que elaborasse o elenco das associações aprovadas oficialmente pela Santa Sé (CfL 31) 3 ; 2) uma melhor definição dos ministérios confiados aos leigos e uma possível revisão do “Motu Proprio” Ministeria Quaedam (CfL 23) 4 . Tema vasto e complexo Recentemente ainda, na Exortação Ecclesia in America, o Santo Padre afirma que o tema dos ministérios laicais é “vasto e complexo”, que seu estudo prossegue e que os organismos da Santa Sé “vêm aos poucos oferecendo algumas diretrizes” sobre o assunto. Ao mesmo tempo, o Papa deixa claro que esse âmbito “intra-eclesial” do apostolado leigo não deve diminuir o empenho naquele que considera o campo “primeiro e mais condizente com o seu estado laical, o das realidades temporais, que [os leigos] são chamados a ordenar conforme a vontade de Deus” (EA 44) 5 . Esse campo é descrito com as palavras da Evangelii Nuntiandi como: “o mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos “mass media” e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam, o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento” (EN 70, citado por CfL 23) 6 . Realidade brasileira Também na realidade brasileira, nos anos recentes, tivemos um extraordinário florescimento de novos ministérios a serviço das comunidades eclesiais, de novos movimentos animados por um ideal de evangelização da sociedade e de renovação da espiritualidade cristã, de novas formas de atuação laical no campo da política, da promoção dos direitos humanos e da solidariedade com pobres, excluídos e sofredores.

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    CONFERNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

    MISSO E MINISTRIOS DOS CRISTOS LEIGOS E LEIGAS

    Edio aprovada na 37 Assemblia Geral da CNBB

    Itaici SP, 22 de abril de 1999 APRESENTAO Extraordinrio florescimento A renovao eclesial, aps o Conclio Vaticano II, trouxe, no campo do laicato catlico, notvel florescimento de novas formas de associao e de apostolado. Notava-o o Santo Padre, quando aps o Snodo de 1987 escrevia: Nestes tempos mais recentes, o fenmeno da agregao dos leigos entre si assumiu formas de particular variedade e vivacidade... Pode-se falar de uma nova era agregativa dos fiis leigos (CfL 29)1. No meio da variedade ou diversidade, o Santo Padre descobria tambm uma profunda convergncia na finalidade das mesmas agregaes: a de participar responsavelmente da misso da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperana para o homem e de renovao para a sociedade. As novidades, porm, trouxeram algumas dvidas que se manifestaram no Snodo de 1987, particularmente acerca de dois aspectos: 1) o reconhecimento de novos movimentos, para os quais o Papa indicava os critrios de eclesialidade (CfL 30)2 e pedia ao Pontifcio Conselho dos Leigos que elaborasse o elenco das associaes aprovadas oficialmente pela Santa S (CfL 31)3; 2) uma melhor definio dos ministrios confiados aos leigos e uma possvel reviso do Motu Proprio Ministeria Quaedam (CfL 23)4. Tema vasto e complexo Recentemente ainda, na Exortao Ecclesia in America, o Santo Padre afirma que o tema dos ministrios laicais vasto e complexo, que seu estudo prossegue e que os organismos da Santa S vm aos poucos oferecendo algumas diretrizes sobre o assunto. Ao mesmo tempo, o Papa deixa claro que esse mbito intra-eclesial do apostolado leigo no deve diminuir o empenho naquele que considera o campo primeiro e mais condizente com o seu estado laical, o das realidades temporais, que [os leigos] so chamados a ordenar conforme a vontade de Deus (EA 44)5. Esse campo descrito com as palavras da Evangelii Nuntiandi como: o mundo vasto e complicado da poltica, da realidade social e da economia, como tambm o da cultura, das cincias e das artes, da vida internacional, dos mass media e, ainda, outras realidades abertas para a evangelizao, como sejam, o amor, a famlia, a educao das crianas e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento (EN 70, citado por CfL 23)6. Realidade brasileira Tambm na realidade brasileira, nos anos recentes, tivemos um extraordinrio florescimento de novos ministrios a servio das comunidades eclesiais, de novos movimentos animados por um ideal de evangelizao da sociedade e de renovao da espiritualidade crist, de novas formas de atuao laical no campo da poltica, da promoo dos direitos humanos e da solidariedade com pobres, excludos e sofredores.

  • 2As novas formas de atuao de leigos e leigas catlicos vieram acrescentar-se s mais antigas, muitas das quais ainda vivas e vigorosas, mas geralmente se orientaram no sentido da distino, e at da separao, entre os dois campos tradicionais do apostolado leigo: as atividades ad extra de presena na sociedade, nas realidades temporais, e as atividades ad intra, de servio s comunidades eclesiais, numa multiplicidade de ministrios reconhecidos e de prestaes espontneas. A prpria organizao da CNBB estruturou-se segundo esse dualismo e manteve, at hoje, um Setor Leigos e um Setor Vocaes e Ministrios. Pareceu oportuno aos responsveis por esses setores unir seus esforos com os de seus assessores e, principalmente, dos representantes de organismos pastorais, movimentos eclesiais e comunidades, para aprofundar a reflexo sobre a misso dos leigos, nos seus dois aspectos, procurando promover o melhor entendimento de todos os que estavam envolvidos e uma valorizao ainda mais clara da vocao de leigos e leigas cristos no mundo de hoje. Tendncias diversas Com efeito, um excessivo afastamento entre os dois mbitos da ao evangelizadora dos leigos tinha levado, s vezes, a criar tambm distncia e incompreenso entre os leigos empenhados exclusivamente num dos dois campos. Alm disso, a novidade e variedade das novas formas de apostolado levaram a um grande dinamismo apostlico, mas tambm em alguns casos a tendncias menos felizes, que tinham dificuldade de conviver e cooperar na desejvel comunho eclesial. Certos grupos pareciam respeitar pouco a autonomia do compromisso cristo nas realidades temporais. Outros pareciam clericalizar a prtica dos ministrios laicais, at confundi-los, s vezes, indevidamente, com os ministrios ordenados. Outros ainda queixavam-se do escasso apoio das comunidades eclesiais aos leigos empenhados no campo social, poltico e cultural. Outros, ao contrrio, queixavam-se do escasso empenho dos leigos catlicos na transformao da sociedade. Outros, por fim, pediam mais formao doutrinal e orientao crist para os leigos empenhados num ambiente secularizado. Diante de tal situao ao mesmo tempo carregada de promessas e esperanas, mas tambm de lacunas e dificuldades parecia conveniente elaborar, de forma clara e sistemtica, orientaes prticas com uma boa fundamentao teolgica. Objetivos de um novo documento No dcimo aniversrio da Christifideles Laici, os bispos D. Marcelo Carvalheira e D. Anglico Bernardino solicitaram que o tema fosse estudado na Assemblia Geral da CNBB para que um documento oficial do episcopado contribusse para: 1. um claro reconhecimento da dignidade dos leigos na Igreja, retomando as fortes expresses do captulo primeiro da Christifideles Laici (cf. especialmente o n. 17)7 e avivando a conscincia, ainda adormecida, dos muitos catlicos praticantes ou tradicionais, que interpretam apenas passivamente sua pertena Igreja, mais como objeto do que como sujeitos da evangelizao, no apenas individualmente, mas de forma associada (cf. CfL, 29)8; 2. uma explicitao da eclesiologia conciliar, como base segura para entender e harmonizar as diversas formas de apostolado leigo e a relao entre ministrios confiados aos leigos, em virtude do seu Batismo, e ministrios conferidos pelo sacramento da Ordem; 3. um esclarecimento das dvidas particulares, muitas vezes de ordem prtica, que a multiplicidade das experincias, a mudana do contexto scio-cultural e a prpria novidade dos desafios emergentes trouxeram ao laicato catlico e aos pastores no Brasil assim como ao conjunto da Igreja e do episcopado (veja o Snodo de 1987). Processo de elaborao

  • 3O primeiro ante-projeto de documento, elaborado pelos responsveis dos mencionados setores da CNBB, apresentado na Assemblia de 1998, dedicava na reflexo sobre os ministrios tambm um amplo espao aos ministrios ordenados, o que foi julgado excessivo num documento dirigido prioritariamente aos leigos. A reformulao do ante-projeto, na prpria Assemblia, levou a dar mais unidade ao documento, centrando-o mais especificamente ao redor da vocao fundamental do leigo, enquanto membro do povo de Deus e co-responsvel pela misso da Igreja. Retomando a eclesiologia do Vaticano II e procurando oferecer uma interpretao rigorosa e coerente dos textos do Conclio, luz da Constituio Lumen Gentium, o ante-projeto do documento consegue mostrar a conexo e necessria complementaridade da misso de cristos leigos no mundo campo prprio de sua atividade evangelizadora , com os servios e ministrios que os fiis leigos e leigas, em virtude do seu Batismo, podem e devem assumir na Igreja. Buscando uma viso mais completa e harmoniosa da misso dos leigos O documento retoma uma preocupao presente na Christifideles Laici,que deseja, na vida do leigo cristo, unidade e comunicao entre a insero nas realidades temporais e a vida no Esprito, que brota da comunho com Cristo fundada no Batismo, a fim de que leigos e leigas possam santificar-se no mundo (cf. CfL 17, que cita AA 4)9. Essa mesma unidade desejvel tambm no nvel das associaes e organizaes catlicas do laicato. Elas tambm devem favorecer a articulao e comunicao eficaz entre as atividades dos cristos que esto voltadas para ordenar o mundo segundo a vontade de Deus e aquelas atividades que esto voltadas para a edificao da comunidade eclesial. Por isso, o documento, nas suas orientaes prticas, em lugar de opor com o risco de separar (!) empenho dos leigos no mundo e servio na Igreja (atividades ad extra e atividades ad intra), traa diretrizes para que os leigos participem, com autntica inspirao crist, de toda a misso da Igreja, ou seja, de toda a ao evangelizadora. Esta exige servio, dilogo, anncio e comunho, sem jamais descuidar da presena no mundo, no corao dos dramas humanos, e sem nunca deixar de haurir o esprito de Cristo na palavra do Evangelho, na celebrao da Liturgia e no encontro com as pessoas humanas, especialmente dos pobres e sofredores. D. Eduardo Koaik Bispo de Piracicaba Responsvel pelo Setor Leigos D. Anglico Sndalo Bernardino Bispo Auxiliar de So Paulo Responsvel pelo Setor Vocaes e Ministrios Itaici-SP, 22.4.1999 INTRODUO 1. Os homens e as mulheres de hoje se parecem com os caminhantes que iam, na tarde da Pscoa, para Emas10. Decepcionados, conversavam entre si sobre seus desenganos, sobre as esperanas frustradas. a mesma conversa do povo hoje: espera por um progresso econmico e v a situao pessoal piorar; espera por sade e v voltarem antigas doenas dadas como debeladas para sempre; espera por paz e convivncia fraterna e atingido pela violncia que no escolhe suas vtimas e torna todos inseguros; espera por administradores pblicos eficientes e honestos, atentos s necessidades do povo, como lhe foi prometido, e desconfia de que na poltica prevaleam os interesses de poucos, dos que querem aumentar ainda mais seu patrimnio, a preo da excluso de muitos; espera por cristos mais fiis ao Evangelho, mais empenhados no servio aos irmos, mais abertos ao dilogo, e encontra frieza e pouca f... Desconfiam, s vezes,

  • 4at de Deus, como o salmista: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?11 Como pode Deus permitir a crucifixo de tantos irmos? 2. No faltam esperanas ou ao menos expectativas, por exemplo, nos avanos da cincia e da tecnologia. Mas estes avanos tambm parecem ser de proveito para poucos. E tornam ainda mais absurdo que continue a haver fome, doenas, misria, desemprego, que uma melhor distribuio dos recursos poderia eliminar no Brasil e no mundo. 3. O povo itinerante procura muitas vezes esquecer seus dramas na diverso, no entretenimento oferecido pela mdia eletrnica, no jogo, no lcool, nas drogas... Mas tambm a experincia humana est afetada por perguntas fortes acerca de sua identidade, de sua origem, de seu percurso e de seu destino. Por isso, com maior empenho nos ltimos anos, as pessoas procuram resposta e caminho na filosofia, nas religies, em diversas formas de espiritualidade. Ns, cristos, redescobrimos, de maneira nova, a Palavra de Deus e a presena viva de Cristo. Percebemos que as muitas ideologias alternativas ao cristianismo, que inspiraram projetos nobres, mas tambm conduziram s piores tragdias da histria em nosso sculo, deixaram ainda mais claro que Cristo continua sendo para a humanidade o Caminho, a Verdade e a Vida12. 4. O cristianismo no prope uma verdade abstrata nem apenas uma doutrina, mas acredita na presena de Algum que caminha conosco, mesmo que, s vezes, nossos olhos no o reconheam. Nossos olhos se abrem, quando o reconhecemos no menor dos irmos que nos pede po, gua, roupa, casa, assistncia mdica, justia ou, simplesmente, uma ateno, uma visita. quando os caminhantes de Emas convidam o desconhecido a sentar-se mesa com eles, a partilhar a ceia, que seus olhos se abrem. O mesmo acontece hoje, quando esta ceia celebrada como Eucaristia, agradecendo ao Pai pela entrega do prprio Cristo Jesus, que se oferece por ns e nos alimenta, na jornada, com o dom do Po e do Vinho. 5. Quando a humanidade descobre e pratica a solidariedade e a partilha, j est sendo movida pelo Esprito de Jesus. J reencontrou a esperana. J est acolhendo o reino de Deus e comeando a superar as decepes e suas causas. 6. No meio da humanidade, solidrios com ela, esto os discpulos e as discpulas de Cristo. So aqueles que, tendo reconhecido o Cristo caminhando ao seu lado, correm para anunciar aos irmos e irms que o Cristo ressuscitado est vivo no meio de ns. 7. Os cristos, portanto, so no mundo portadores da esperana: de que a morte do Justo no a ltima palavra da histria, pois o amor do Pai o ressuscitou; de que Deus h de ressuscitar nossos pobres corpos mortais; de que o nosso futuro est no reino de Deus, na afirmao do seu governo na histria do mundo, enfim purificada de todo o mal. Esperana que o livro do Apocalipse descreve com as imagens da maravilhosa cidade, que no precisa de sol ou lua, porque a glria de Deus que a ilumina13, e da renovao total, de novos cus e nova terra: Deus habitar com eles; eles sero o seu povo, e ele, Deus-com-eles, ser o seu Deus. Ele enxugar toda lgrima dos seus olhos, pois nunca mais haver morte, nem luto, nem clamor, nem dor... Sim! As coisas antigas se foram!14. 8. A esperana, porm, no afasta os cristos dos outros homens e mulheres. Ao contrrio, torna-os ainda mais solidrios. As alegrias e as esperanas, as tristezas e as angstias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, so tambm as alegrias e as esperanas, as tristezas e as angstias dos discpulos de Cristo. No se encontra nada verdadeiramente humano que no lhes ressoe no corao15. A

  • 5esperana de uma nova terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a solicitude pelo aperfeioamento desta terra. O progresso terreno... de grande interesse para o Reino de Deus16. 9. Por isso, o cristo levanta a cabea17 e olha para a libertao que se aproxima, mas no deixa de pr as mos no arado18 ou na enxada, no pra de trabalhar para alimentar a famlia humana nem deixa de ser o administrador fiel19 dos bens que Deus lhe confiou, a servio de irmos e irms. O cristo eleva seu corao a Deus na orao, de onde recebe luz para discernir os caminhos da justia e da paz no mundo humano. I. DESAFIOS E SINAIS DOS TEMPOS 10. O cristo olha para o mundo com realismo e com esperana. Procura reconhecer nele os sinais da vontade de Deus e os caminhos que apontam para o Reino, assim como distinguir os obstculos e as foras do mal que impedem a sociedade humana de avanar na direo da justia, da paz e da fraternidade. 11. Neste momento histrico, estamos diante de uma realidade particularmente complexa e, ao mesmo tempo, contraditria e fragmentada. Torna-se, portanto, difcil mas no impossvel! compreender os rumos da histria atual ou fazer julgamentos corretos. Nasce, em muitos, a sensao de incerteza, muitas vezes de desorientao, da qual procuram fugir, simplificando a realidade, considerando apenas alguns aspectos dela, criando esquemas ou imagens simplistas do que est acontecendo. Mesmo assim, necessrio esforo para situar nosso contexto, dentro de um quadro mais amplo, visto que a globalizao aumenta sempre mais as influncias externas sobre a realidade em que vivemos. 12. Cientes dessas dificuldades, queremos aqui apenas salientar, rapidamente, alguns traos da situao atual, que so relevantes para a conscincia crist e constituem verdadeiros desafios para a misso do evangelizador. Cabe a cada cristo dentro de sua comunidade, organizao ou movimento discernir com mais profundidade esses desafios, percebendo as luzes e as sombras, os sinais da graa e as seqelas do pecado. Todos temos o dever de nos esforar, iluminados pela f, para compreender a realidade e buscar caminhos. 1. DESAFIOS ECONMICOS, SOCIAIS E POLTICOS 13. A economia exerce grande influncia sobre a nossa sociedade. As mudanas no mercado so mais rpidas do que no passado, conseqncia dos avanos da tecnologia e de maior interdependncia das economias nacionais (fenmeno da globalizao). Ao lado de alguns aspectos positivos intercmbio de informaes, produtos, servios e relacionamentos em escala global a globalizao tem acarretado graves preocupaes, porque orientada, de fato, pela ideologia do mercado, que tem diminudo a autonomia dos Estados nacionais e concentrado ulteriormente a renda. Este fenmeno cria novas e imprevistas situaes de desespero, aumenta a pobreza e o desemprego, fora a migrao em busca de trabalho mal remunerado, enfraquece a poltica social, causa a excluso de multides. Isto acontece sobretudo onde tem sido adotada, sem restries, a poltica econmica neoliberal. Essa poltica poder favorecer apenas pequena parcela da humanidade, excluindo, de fato, a maioria da populao dos benefcios conseguidos. Na encclica para O Centenrio da Rerum novarum (1991), o papa Joo Paulo II reconhecia que o livre mercado parece ser o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e corresponder eficazmente s necessidades. Mas acrescentava: Existem numerosas carncias humanas sem acesso ao mercado. estrito dever de justia e verdade impedir que as necessidades humanas fundamentais permaneam insatisfeitas e peream os homens por elas oprimidos... Abre-se aqui um grande e fecundo campo de empenho e de luta, em nome da justia... correto falar de luta contra um sistema econmico, visto como instrumento que assegura a prevalncia absoluta do capital, da posse dos meios de produo e da terra20.

  • 6 15. Nesse contexto, tem crescido a dvida externa dos Pases em desenvolvimento e a dvida social para com a maioria dos seus prprios cidados, cujo trabalho mal remunerado. Assim se lhes negam as condies bsicas de alimentao, moradia, educao e sade e se enfraquece ou se esvazia a prpria democracia, pois as pessoas se sentem desmotivadas a exercer sua cidadania, enquanto os grandes interesses financeiros condicionam unilateralmente o Estado, impedindo-o de cuidar do bem comum dos cidados. 16. O Brasil depende hoje, fortemente, do sistema financeiro internacional. Seus problemas so agravados pela desigualdade social muito acentuada, entre as maiores do mundo, que atinge imensa massa de deserdados e sofredores, alm do mais, provados pela crescente onda de desemprego21 e a lentido da Reforma Agrria22. 17. Nisso tudo se manifesta a tendncia geral da sociedade moderna, que nos campos da poltica e da economia no leva em conta os valores ticos, tais como o respeito dos direitos bsicos de toda pessoa humana, a primazia do trabalho, a solidariedade. Como cristos, devemos avaliar em profundidade as conseqncias dessa inverso de valores, principalmente no que diz respeito ao grave problema da deformao das conscincias. Nossa sociedade vai habituando-se a conviver com contravalores e perdendo a capacidade de distinguir o justo do injusto, o verdadeiro do falso. Aquilo que desprovido de todo e qualquer carter tico, comea a impor-se como legtimo. A conseqncia o crescimento descontrolado da corrupo, do abuso do poder, da explorao institucionalizada, favorecidos pela impunidade. 18. A camada social que, certamente, sai mais prejudicada por tal deformao das conscincias a juventude, exigindo um trabalho mais intensivo na formao do senso crtico. A juventude sofre diversas agresses, entre elas o desemprego e a violncia. Deixa-se seduzir pelas drogas e torna-se presa fcil da organizao criminal do narcotrfico. O futuro torna-se muito incerto e a juventude torna-se a maior vtima da crise das relaes sociais e familiares. A nova gerao vive o momento presente numa viso imediatista, pois a sociedade a priva do passado e do futuro. A sociedade exalta a juventude e oferece-lhe muitas iluses de consumo e de realizao pessoal. Parece apresentar muitas oportunidades, mas efetivamente oferece poucos empregos e remunerao injusta. Fora muitos jovens a se refugiarem numa vida sem maiores perspectivas. Por outro lado, os jovens, mesmo se confiam pouco em partidos, sindicatos, associaes, escolas, procuram espaos oferecidos pelas Igrejas crists e particularmente pela Pastoral da Juventude, onde encontram oportunidades de orao, de formao, de exerccio da cidadania, de servio voluntrio. Constata-se busca da mstica e uma crescente preocupao pela espiritualidade. 19. Por outro lado, diante dos efeitos perversos da globalizao, surgem sinais ntidos e claros de reao da parte de indivduos, grupos e povos. Aumentam as dvidas sobre a viabilidade, a mdio e longo prazo, do atual modelo capitalista e temem-se suas desastrosas conseqncias para o meio-ambiente. Em vrios Pases, adotam-se medidas econmicas e sociais alternativas ao neo-liberalismo, visando preservao do Estado nacional e dos direitos dos trabalhadores, ameaados pela desregulao da economia. Multiplicam-se tambm as iniciativas em defesa da prpria tradio cultural, tnica ou nacional em face do nivelamento provocado pela globalizao. Em nosso Pas, os que no tm terra, casa, emprego e alimento organizam-se para garantir sua sobrevivncia e contestar as leis que favorecem, ainda mais, os poderosos. Mulheres, ndios, negros e grupos marginalizados reivindicam seus direitos ao pleno exerccio da cidadania e expresso das diferenas. 20. A conscincia de que o homem destruiu muitos recursos naturais no renovveis e coloca em perigo o futuro da prpria humanidade, com a poluio do meio-ambiente, tem crescido. Muitos percebem mais claramente que no lcito prejudicar o futuro das novas geraes tornando inabitvel a Me-Terra. Muitos percebem tambm que, na origem dos excessos humanos, est uma mentalidade prometica, de domnio do

  • 7homem sobre o mundo, de consumismo desenfreado e desmedido, sobretudo por parte dos mais ricos. Tal mentalidade deve ser superada atravs da reconciliao da humanidade com a natureza e atravs de melhor distribuio dos bens. Para os cristos, tudo isso significa reconhecimento e respeito para com a obra do Criador. 21. Diante do modelo social, que incentiva o egosmo e reduz a pessoa a mero consumidor, impe-se o revigoramento da solidariedade entre todos os cidados. Ela deve sustentar iniciativas voluntrias de ajuda aos mais carentes e exigir decises polticas e medidas legislativas em prol de autntica justia social, garantindo a igualdade de oportunidades. A Igreja no pode deixar de exercer uma crtica rigorosa s ideologias que desprezam os valores ticos fundamentais e de apoiar, com todos os meios ao seu alcance, a construo de uma sociedade solidria. Ao mesmo tempo precisa fazer um exame de conscincia, interrogando-se sobre as responsabilidades que lhe cabem nos males do nosso tempo23, particularmente diante das graves injustias e da marginalizao social, para discernir o que pode fazer. 2. DESAFIOS CULTURAIS, TICOS E RELIGIOSOS 22. O predomnio da economia na sociedade atual est vinculado a opes ticas e culturais. impossvel compreender o comportamento de pessoas e grupos, sem levar em conta as motivaes culturais que o impulsionam. Anlises das estruturas econmicas e polticas so necessrias, mas insuficientes para compreender as tendncias da sociedade atual, particularmente complexa. 23. Recentemente, em lugar da cultura tradicional, difundiu-se a cultura da modernidade, caracterizada pela crtica do passado e a oferta de diferentes modelos de vida. Em outras palavras, no Brasil como nas sociedades modernas, predomina hoje o pluralismo cultural, que, a partir dos centros urbanos, se alastra por todo o territrio nacional. O pluralismo , em si, fator positivo, quando proporciona dilogo e respeito mtuo entre as diversas culturas. Mas, de fato, ele limitado e ameaado pela poderosa influncia dos meios de comunicao de massa, transmissores da cultura global, regida pelas leis do mercado, desprovida de preocupaes ticas, manipuladora das conscincias. Os meios de comunicao de massa podem contribuir para aumentar enormemente a difuso da informao e do conhecimento, mas de fato o seu uso sofre graves distores. Eles agem muitas vezes no sentido da homogeneizao da cultura, difundindo no mundo inteiro os mesmos produtos culturais e os mesmos modelos de comportamento. A essa cultura de massa resistem, com dificuldades, a cultura popular, com slidas razes no mundo rural, e a cultura erudita e cientfica. 24. Na sociedade tradicional, era a cultura que determinava, em grande parte, a identidade de cada indivduo e lhe atribua um papel especfico na sociedade. Na sociedade moderna, o indivduo tende a considerar a cultura como supermercado, onde pode escolher e adquirir elementos para construir a prpria viso do mundo e suas relaes. Dentro dessa cultura e do seu pluralismo, o indivduo muda sua atitude perante a questo da sua identidade. Simplificando, pode-se dizer que a questo da identidade (quem sou eu? qual o meu papel na sociedade?) se tornou uma questo privada, pessoal. Tudo isso contribui para enfraquecer os laos comunitrios, que pressupem uma tradio ou cultura comum, e substitu-los por relaes criadas a partir das escolhas pessoais. Esse fato, em si, pode ser positivo. O cristianismo contribuiu para acelerar o processo de valorizao da pessoa. Mas, atualmente, em muitos casos, sobretudo no mundo urbano, as antigas relaes comunitrias no foram ainda substitudas por novas relaes sociais adequadas, capazes de garantir a liberdade e segurana das pessoas. Resultam da efeitos negativos, como o aumento da violncia e a extremada concepo da liberdade individual. 25. A concepo relativista da verdade e extremamente individualista da liberdade leva aceitao de prticas como aborto, eutansia, uso das drogas, busca desenfreada por bens materiais e a negao da solidariedade que desprezam o valor da vida humana. Na encclica Evangelium Vitae, Joo Paulo II fala de um combate

  • 8gigantesco e dramtico entre o mal e o bem, a morte e a vida, a cultura da morte e a cultura da vida. Encontramo-nos no s diante, mas necessariamente no meio de tal conflito: todos estamos implicados e tomamos parte nele, com a responsabilidade irrenuncivel de decidir incondicionalmente a favor da vida24. 26. A mudana da identidade individual, decisiva na configurao da modernidade, gera conseqncias explosivas em todos os campos, inclusive no campo religioso. importante observar que essa situao tem provocado novo interesse pela religio, que foi chamado de forma pouco apropriada a revanche de Deus. Outros falam de seduo do sagrado ou de retorno do religioso. Na realidade, no se trata de um retorno, porque muitos so os aspectos novos, que no figuravam na religio tradicional. Em linhas gerais, as novas atitudes religiosas mais que se voltar para a revelao de Deus buscam a soluo de problemas pessoais. As estruturas pastorais da Igreja Catlica, especialmente no meio urbano, ainda no conseguiram adaptar-se adequadamente nova situao que exige um atendimento mais diversificado e personalizado. A religio hoje muito procurada, porque consola, cura e ajuda a dar sentido prpria existncia. 27. Tendncia evidente no Brasil dos anos recentes reconsiderar a prpria escolha religiosa. Conseqentemente temos assistido passagem de muitas pessoas de uma religio (ou Igreja) a outra. A falta de uma adeso pessoal e viva a Jesus Cristo e de ligao maior com a comunidade eclesial coloca-se entre as causas que explicam o fato de muitos catlicos terem mudado de religio. Outros catlicos no conseguem fazer uma experincia religiosa emocionalmente envolvente em sua comunidade de origem e saem em busca de outras experincias. No se trata, geralmente, de uma converso no sentido forte da palavra, que implique decidida mudana ou ruptura. Predomina a concepo de que as vrias Igrejas ou religies so igualmente boas. Experimenta-se outra religio, s vezes por breve perodo, em busca daquela que satisfaa o gosto de cada um. Esses fenmenos se tornam mais freqentes no Brasil, quer porque aqui elementos das religies indgenas e africanas se misturaram com elementos da religio catlica, quer pela rpida urbanizao, que ps em contato populaes de origem rural com um ambiente ps-moderno, dinmico, com referncias mltiplas, que a cidade. H tambm casos em que a pessoa justape prticas de diversas religies, e casos de adeso a uma religiosidade de contornos indefinidos, sincretista, como a da Nova Era. 28. A religio, como questo de escolha, fato julgado positivamente pela nossa sociedade. Tambm o cristianismo assume esta condio como uma oportunidade de liberdade e a julga melhor do que aquelas situaes em que a religio era imposta pelo Estado como religio oficial. Essa nova situao, porm, exige que cada pessoa faa sua opo, dentro de um conjunto de possibilidades diversas que lhe so oferecidas. 29. Alguns optam por uma religio individual, interior, to pessoal que abandona as prticas comunitrias e se torna uma religio invisvel, feita apenas de algumas crenas. Em casos extremos, chega-se a dizer minha religio sou eu ou a conceber a Deus como a realidade que cada um encontra no mais ntimo de si mesmo. Em geral, como j vimos, a religio concebida como busca de felicidade imediata, prxima do hedonismo, e no mais como consciente adeso vontade do Senhor e Criador. 30. Outros, ao contrrio, recusam o individualismo e o subjetivismo. Preferem, talvez com certa nostalgia, tentar reencontrar a situao tradicional, em que havia uma s religio e todos acreditavam nela. Aderem, por isso, a Igrejas ou Movimentos fundamentalistas, que tm a pretenso de apresentar a verdade em seus fundamentos ou origens. Trata-se geralmente de grupos fechados e autoritrios, que no admitem discusses sobre sua doutrina e disciplina interna, mas, em troca, oferecem certeza, segurana e apoio a seus membros. 31. Outros ainda se voltam para formas espontneas de busca e manifestao do sagrado ou para o esoterismo, o ocultismo, a magia, a crena na reencarnao. Rejeitam no somente as formas institucionalizadas das grandes religies, como tambm a

  • 9racionalidade cientfica. Tal fenmeno no acontece apenas nas populaes com pouca ou nenhuma instruo escolar. Atinge at mesmo cientistas e pessoas de formao universitria. 32. Finalmente, a maioria continua ainda aderindo religio tradicional (no Brasil, ao catolicismo). Esta adeso, porm, no total, por haver restries subjetivas (aceito isso, mas no aceito aquilo): o caso das chamadas adeses parciais. Pode at assumir traos do fundamentalismo: sou catlico, mas segundo uma interpretao literal da Bblia e da doutrina. 33. Para o catlico, a melhor resposta a esta situao no simplesmente conservar a religio tradicional, mas renovar sua adeso ao Cristo na Igreja catlica, tornando-a mais consciente e responsvel, enraizada na profunda experincia de Deus, iluminada por sua Palavra e partilhada na vivncia comunitria e sacramental, atenta ao magistrio da Igreja. Isto, de fato, j acontece em grande escala em parquias, comunidades de base e movimentos. Mas necessrio tomar conscincia de que na sociedade atual e sempre mais no futuro a f catlica ser profundamente personalizada, assumida, enraizada na experincia de Deus, ou no... ser. 3. FORA E FRAQUEZAS DOS CRISTOS 34. Nos ltimos anos, aps a publicao da Exortao do Papa Joo Paulo II sobre Vocao e misso dos leigos na Igreja e no mundo25, que concluiu o Snodo dos Bispos de 1987, alguns fatos tm marcado a situao dos cristos entre ns, e especificamente dos catlicos. Antes de tudo, constatamos uma intensa busca de espiritualidade, mesmo se algumas de suas expresses paream mais reao de desencanto com a sociedade e procura de consolo do que experincias religiosas profundas. Esta busca manifesta-se tanto no mundo catlico como fora dele. caracterizada, como j notamos, por evidente pluralismo e subjetivismo. O resultado que o prprio mundo catlico se tem diferenciado ainda mais. Multiplicaram-se os novos movimentos e retomaram vigor as antigas associaes e as tradies religiosas populares. Surgiram muitas iniciativas pastorais inditas, solicitadas pela diferenciao da sociedade brasileira e o aparecimento de mltiplas carncias e aspiraes. Tambm aumentou significativamente a busca de formao teolgica, at de nvel superior, por parte de leigos e leigas. 35. Cresce igualmente um clima favorvel ao ecumenismo e ao dilogo entre as religies, apesar de resistncias de grupos radicais, por um lado, e apesar das tendncias de nivelar e confundir toda e qualquer experincia religiosa, por outro lado. Os no-catlicos representam hoje, no meio urbano, 20%, ou mais, da populao, o que significa tambm que nossos fiis freqentemente se encontram e dialogam com pessoas de outros credos, sendo muitas vezes questionados em sua prpria f. O dilogo ecumnico e inter-religioso deixa de ser um assunto de poucos, para tornar-se uma experincia cotidiana e permanente de muitos. 36. A presena dos catlicos militantes na sociedade passou tambm por transformaes significativas, sobretudo depois de 1985, com a redemocratizao do Pas, e da Constituio Federal de 1988. Houve opes diferentes. Alguns deixaram comunidades eclesiais e organizaes pastorais para ingressar nos partidos, levando no corao a inspirao crist para a luta poltica. Outros permaneceram nas CEBs, nas pastorais sociais e nos movimentos populares, procurando promover formas alternativas de organizao do povo, em favor de seus direitos, sua sade, educao e sobrevivncia. Outros participam ativamente da construo da cidadania, atuando nos Conselhos Municipais, tutelando crianas e adolescentes e promovendo os direitos humanos. Numa sociedade em que as estruturas econmicas e polticas esto perdendo suas referncias ticas, os cristos empenhados nela esto exigindo apoio e acompanhamento espiritual e solidariedade mais efetiva por parte dos pastores e da comunidade eclesial. 37. Fenmeno importante o crescimento dos movimentos eclesiais, uns so originrios de outros Pases, outros so nascidos entre ns. Eles trouxeram muitas

  • 10pessoas experincia de Deus, ao encontro pessoal com Cristo, opo de f e volta Igreja. Conseguem ter uma grande fora convocatria e aglutinadora. E muitas pessoas, a partir dessa experincia de converso, reencontram o amor Igreja e o engajamento nas pastorais. O entusiasmo da descoberta faz que muitos vejam a Igreja sob o prisma do movimento e tenham dificuldade de integrar-se nas comunidades eclesiais. H casos de tenses e at conflitos. O Papa e os Bispos desejam que os movimentos possam, no dilogo e na caridade, dar testemunho de uma comunho slida e convicta com a caminhada pastoral da Igreja Particular e crescer na estima recproca com todas as formas de apostolado26. 38. As parquias, especialmente no meio urbano, viram, nos ltimos anos, multiplicar-se suas atividades, para atender ao crescente nmero de fiis e, sobretudo, demanda mais exigente tanto de orientao espiritual como de servios de obras sociais. Da resulta a sobrecarga dos procos, especialmente quando no h por parte deles a disposio de delegar responsabilidades e descentralizar servios. A multiplicidade de expresses comunitrias e de grupos, associaes, movimentos e pastorais expressa a vitalidade de muitas parquias, mas tambm provoca certa fragmentao da pastoral e falta de harmonia. Diante desta tendncia, procura-se intensificar o planejamento participativo e revalorizar os Conselhos Pastorais. O esforo de descentralizar a parquia, para torn-la uma rede de comunidades e movimentos27, est presente em vrias dioceses. Em geral, continuam numerosas e ativas as CEBs, que esto procurando com mais empenho compreender e valorizar a religiosidade popular e abrir-se mais intensamente dimenso missionria e ao dilogo com os Movimentos Eclesiais. 39. Na ausncia de estatstica mais completa, difcil dizer se o nmero dos agentes de pastoral aumentou na ltima dcada. O nmero das parquias superior a 8000 (oito mil)28. Pode-se estimar em 70 000 (setenta mil) o nmero das comunidades que realizam aos domingos a celebrao da Palavra, na ausncia do padre, que a celebra a Eucaristia somente algumas vezes por ano. O nmero dos e das catequistas se situa entre 300.000 e 350.000. Um contingente ainda maior de leigos e leigas assume outros ministrios, como a animao da comunidade e da liturgia, as pastorais sociais, o ministrio extraordinrio do Batismo e da distribuio da Comunho Eucarstica, da Palavra, das Exquias e a funo de Assistentes Leigos do Matrimnio. Em mdia, atualmente, para cada presbtero, as comunidades dispem de mais de 50 (cinqenta) leigos, exercendo tarefas ou ministrios pastorais29. 40. Entre os agentes de pastoral, destaca-se a presena e atuao das mulheres, que constituem o contingente maior. Elas participam em todos os setores da vida e da misso da Igreja e esto esboando um trao novo no rosto eclesial atravs da maneira generosa e entusiasmada com que vivem a f e o amor, buscando transmitir os valores cristos. As mulheres constituem a grande maioria dos catequistas; assumem responsabilidades nas comunidades, na animao, coordenao e entre-ajuda; coordenam setores pastorais; esto presentes nos conselhos e nos movimentos, participando ativamente das decises30. Nos ltimos anos, elas comearam a exercer o aconselhamento espiritual, bem como o ensino da teologia. 41. Quanto ao nmero de presbteros, os ltimos tempos foram marcados pelo aumento do clero diocesano que teve cerca de 4 500 ordenaes nos ltimos quinze anos31. Atualmente temos um total de cerca de 16.000 padres: um para cada 10 000 habitantes. Esta relao se mantm estvel nos anos '90. Mas ela consideravelmente mais grave que a relao padre/habitantes de 1960 (1 padre para 6 284 habitantes). O nmero dos presbteros no acompanhou o aumento da populao nas dcadas de '60, '70 e '80, tambm em decorrncia da diminuio do nmero de missionrios, que em 1960 representavam 42% do clero e hoje, apenas 22%32. Assim, em geral, o presbtero se acha, por um lado, solicitado a assumir novas tarefas; por outro, mais sobrecarregado em seu dia-a-dia e tem menos tempo para dedicar s pessoas. urgente repensar as prioridades do ministrio presbiteral, bem como buscar novos modelos, tendo em vista a

  • 11co-responsabilidade de todos os cristos na ao evangelizadora e uma melhor adequao do padre s exigncias da comunidade eclesial e da sociedade. 42. Finalmente, alegramo-nos porque o Projeto de Evangelizao Rumo ao Novo Milnio, com que procuramos responder ao apelo da Carta apostlica de Joo Paulo II sobre Tertio Millennio Adveniente e preparar o Grande Jubileu do Ano 2000 e a celebrao dos 500 anos da Evangelizao do Brasil, tem encontrado adeso pronta e generosa tanto do clero quanto do laicato, revelando novas possibilidades de ao pastoral e grande criatividade na evangelizao. 43. Todas essas situaes, ricas de promessas e potencialidades, mas tambm necessitadas de discernimento melhor e de novas orientaes, solicitam-nos recordar alguns fundamentos teolgicos, especialmente a partir do Conclio Vaticano II33, e traar algumas diretrizes prticas. o que desejamos oferecer s comunidades eclesiais e aos cristos e crists, para que, em esprito de dilogo com os pastores, continuemos juntos a procurar respostas corajosas, livres e criativas aos apelos de Deus e dos irmos. II. A MISSO DO POVO DE DEUS: FUNDAMENTOS TEOLGICOS 1. A MISSO 44. A Igreja chamada por Deus a realizar uma misso no mundo. Tal misso, prosseguimento da prtica de Jesus Cristo, que no veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de todos34, o servio que ela deve prestar. A compreenso da misso da Igreja vai aprofundando-se na medida em que a Igreja presta ateno aos sinais dos tempos e s mudanas na histria humana. Podemos medir os passos dados pela Igreja na compreenso de si mesma e da sua misso, se considerarmos os avanos do Magistrio e da reflexo eclesial desde o Conclio Vaticano II at hoje. A misso, obra de Deus 45. O Conclio Vaticano II proferiu diversas afirmaes importantes sobre a misso da Igreja. A constituio Lumen Gentium declara: a Igreja , em Cristo, como que sacramento, isto , sinal e instrumento, da unio ntima com Deus e da unidade de todo o gnero humano 35. A constituio Gaudium et Spes acrescenta que a Igreja 'o sacramento universal da salvao', manifestando e atuando simultaneamente o mistrio do amor de Deus pelos homens; ou seja, no apenas sinal, mas j, de algum modo, realizao do Reino de Deus36. 46. Para explicar a identidade da Igreja, a Lumen Gentium, no captulo I, mostra a Igreja como fruto da misso do Filho e do Esprito Santo, enviados pelo Pai.37 Est a um elemento fundamental da teologia da misso! A misso no , antes de tudo, obra da Igreja, mas ao de Deus. O Pai fonte da misso e atua no mundo atravs do Filho e do Esprito Santo. Neste tempo, que intercorre entre a primeira vinda de Cristo e seu retorno glorioso, o protagonista da misso o Esprito Santo38. A misso, servio do Reino 47. Em relao misso, outra afirmao importante do Conclio Vaticano II que toda a Igreja missionria e a obra da evangelizao um dever fundamental do povo de Deus39. Mas o prprio Conclio, sob a influncia da teologia que o precedeu, acentuou a concepo da misso como implantao da Igreja40. Ora, exatamente naqueles anos, a realidade das misses, especialmente nos Pases do chamado Terceiro Mundo, e a reflexo teolgica passavam por mudanas rpidas e profundas. Aps o Conclio, a teologia crist insistiu de forma enftica sobre a necessidade de assumir a misso no s como implantao da Igreja, mas tambm como servio ao mundo, ou, mais propriamente, ao Reino de Deus e Paz (shalom) que este traz

  • 12humanidade. Tal concepo encontrou ampla receptividade tambm na Amrica Latina, onde foi destacado o empenho dos cristos na luta pela justia e pela libertao humana, o que alis tinha sido reconhecido pelos Snodos de 1971 e 197441. Misso e dilogo 48. Outro aspecto que, a partir do Snodo de 1974, teve ampla repercusso na reflexo sobre a misso foi o dilogo inter-religioso42. O Conclio Vaticano II e o Papa Paulo VI43 j haviam insistido sobre a necessidade do dilogo com a sociedade contempornea e com as outras Igrejas crists44. Em particular, no contexto do tema da liberdade religiosa, o Conclio afirma: A verdade deve ser buscada pelo modo que convm dignidade da pessoa humana e da sua natureza social, isto , por meio de uma busca livre, com a ajuda do magistrio ou do ensino, da comunicao e do dilogo, com os quais os homens do a conhecer uns aos outros a verdade que encontraram ou julgam ter encontrado, a fim de se ajudarem mutuamente45. O dilogo no nasce de tticos interesses, mas uma atividade que apresenta motivaes, exigncias, dignidade prpria: exigido pelo profundo respeito por tudo o que o Esprito, que sopra onde quer, operou em cada homem. Por ele, a Igreja pretende descobrir as sementes do Verbo, os fulgores daquela realidade que ilumina todos os homens sementes e fulgores que se abrigam nas pessoas e nas tradies religiosas da humanidade46

    Misso evangelizao 49. O progresso da reflexo no Magistrio e na conscincia da Igreja levou a destacar o tema da evangelizao, como o que melhor exprime a prpria misso da Igreja, mas ao mesmo tempo a sublinhar como ela realidade rica, complexa e dinmica47, que no pode ser definida apenas a partir de um ou outro de seus aspectos, sem correr o risco de a empobrecer e, at mesmo, de a mutilar. A Evangelii Nuntiandi procura exatamente expor os aspectos essenciais da evangelizao, em continuidade ao Vaticano II. 50. Aps a Evangelii Nuntiandi, a reflexo prosseguiu nas Conferncias Episcopais Latino-Americanas de Puebla (1979) e Santo Domingo (1992), na Encclica Redemptoris Missio (1990), sobre a validade permanente do mandato missionrio, e em outros eventos e documentos. No deve surpreender que esta reflexo possa e deva prosseguir, descobrindo novos aspectos da misso da Igreja. Pois esta no consiste apenas em anunciar uma mensagem do passado, mas em reconhecer os sinais dos tempos e em interpret-los luz do Evangelho; para que assim (a Igreja) possa responder, de modo adaptado a cada gerao, s eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relao entre ambas. , por isso, necessrio conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanas e aspiraes, e o seu carter tantas vezes dramtico48. O que o Vaticano II procurou fazer em seu tempo, a Igreja deve realiz-lo permanentemente, atenta aos novos problemas e anseios da humanidade. A Nova Evangelizao 51. Alguns problemas suscitados pela teologia da misso aps o Conclio so examinados criticamente pelo Papa Joo Paulo II na encclica Redemptoris Missio sobre a validade permanente do Mandato missionrio49. Desta Encclica, particularmente importante para ns destacar o que ela diz sobre a nova evangelizao50. J Paulo VI considerava necessrio retomar a evangelizao para superar a ruptura entre o evangelho e a cultura, a f e a vida51. O Papa julga-a necessria nos Pases onde grupos inteiros de batizados perderam o sentido vivo da f, no se reconhecendo j como membros da Igreja e conduzindo uma vida distante de Cristo e de seu Evangelho. Em nosso Pas, como em geral na Amrica Latina, embora haja situaes muito diversificadas, no h dvida de que uma nova evangelizao imprescindvel. Ela ser inspirada pela conscincia das exigncias da evangelizao que a Igreja adquiriu nas ltimas dcadas, mas dever tambm prestar contnua ateno s mudanas que vo acontecendo e aos novos desafios que surgem.

  • 13 A evangelizao nas Diretrizes da Igreja no Brasil 52. Como referncia, no Brasil, temos a viso da evangelizao amplamente desenvolvida nas Diretrizes Gerais da Ao Evangelizadora, fruto da Assemblia da CNBB de 1995. Salientam-se nelas quatro aspectos essenciais para a evangelizao inculturada: servio, dilogo, anncio e testemunho de comunho, que tm fundamento no Novo Testamento52. 53. Esta opo das Diretrizes foi justificada no prprio texto53 e se fundamenta principalmente em duas razes: o seu carter prtico, que provm da experincia da prpria Igreja antiga e se presta a descrever eficazmente as grandes tarefas da Igreja no mundo de hoje; a sua capacidade de expressar, melhor do que outras formulaes, a novidade da prtica inaugurada por Jesus, confiada a seus discpulos. 54. Outra forma de descrever a misso de Cristo e da Igreja prevaleceu na teologia moderna e foi assumida pelo Vaticano II. Ela nasceu da vontade de ressaltar a continuidade do plano de Deus, relacionando a figura de Cristo com o primeiro ou antigo Testamento. Naquele contexto, o povo de Deus foi guiado por profetas, sacerdotes e reis. Na nova Aliana, tudo converge para Cristo que , ao mesmo tempo, profeta, sacerdote e rei. Todo o povo de Deus se torna proftico, sacerdotal e real. Da, os telogos modernos deduziram uma descrio da ao pastoral da Igreja, que distingue o mnus proftico como ministrio da Palavra de Deus, o mnus sacerdotal como ministrio litrgico ou do culto, o mnus real (rgio) como ministrio do governo ou pastoreio do Povo do Deus. 55. Nesta segunda parte do nosso documento, baseada sobre a doutrina do Conclio Vaticano II e voltada para a exposio dos fundamentos teolgicos, conservamos a descrio da misso da Igreja como trplice mnus: proftico, sacerdotal e real. Desta maneira se acentua mais a constituio do povo de Deus. Na terceira parte, voltada para as orientaes prticas, retomaremos a descrio das exigncias da evangelizao, conforme as Diretrizes Gerais da Ao Evangelizadora, acentuando principalmente a misso confiada Igreja. 56. Nessa viso, a Igreja chamada a anunciar a salvao em Cristo e o Reino de Deus, mas s pode faz-lo demonstrando sua solidariedade e sua disposio de servio para com toda a humanidade, sua atitude de dilogo na busca da verdade e sua capacidade de gerar comunidades onde j se vive de algum modo aquela comunho com Deus e com os irmos, que realizao germinal do Reino de Deus. 57. Urge compreender e frisar como essas diversas exigncias se interligam e so expresses necessrias da nica misso. No seria autntica uma evangelizao que se limitasse a promover a libertao humana, sem anunciar o Reino de Deus e a salvao em Cristo. E, vice-versa, no seria legtimo um anncio do Reino que no mostrasse de algum modo os sinais da libertao do ser humano face aos males que o oprimem54. Anncio do Evangelho e sinais de solidariedade 58. A Igreja deve, como Jesus, anunciar o Reino de Deus e chamar para a converso55, mas deve tambm, como Jesus, realizar aquelas obras ou sinais, que revelam o amor de Deus pela humanidade atravs do poder do Esprito56. Outra formulao, muito densa e bela, da misso da Igreja foi-nos oferecida pelo Papa Joo Paulo II na Encclica Evangelium Vitae, sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana. Dizendo o Evangelho do amor de Deus pelo homem, o Evangelho da dignidade da pessoa e o Evangelho da vida so um nico e indivisvel Evangelho57, o Papa une o anncio de Cristo (o amor de Deus pelo homem) com o empenho da Igreja pela vida humana em todas as suas dimenses. Cristo, nossa esperana, a vida em plenitude: este o corao da mensagem evanglica e o contedo fundamental da misso da Igreja, do servio que ela presta humanidade.

  • 14 59. As mesmas preocupaes esto evidentes no tema escolhido pelo Papa e na Exortao ps-sinodal do Snodo dos Bispos para a Amrica, Ecclesia in America58. O Snodo, por um lado, convoca os povos da Amrica para o encontro com Jesus Cristo vivo. Por outro, demonstra a solidariedade dos cristos com todos os cidados, particularmente com os mais sofridos. Condio para realizar esta misso da Igreja a comunho eclesial, testemunho de unidade dos cristos entre si e com o prprio Cristo. 60. Especialmente diante do mundo e diante dos que esto distantes de Cristo e do seu Evangelho, a solidariedade da Igreja com todos os seres humanos, sem discriminao, e os servios que ela presta so os sinais hoje indispensveis. A Igreja confia essas tarefas a todos os seus membros. A presena animadora e esclarecedora dos presbteros fundamental para superar a dificuldade de reconhecer a dimenso da f e da caridade no social, no poltico e na luta pela justia. A prpria Santa S, atravs dos Conselhos Justitia et Pax (Justia e Paz), Cor Unum (Um s corao) e da Fundao Populorum Progressio, busca promover o dilogo entre povos em conflito, a reconciliao entre naes e etnias divididas por antigos rancores, promover o desenvolvimento social, defender os direitos dos mais fracos, socorrer as populaes em perigo59. O Santo Padre pessoalmente, com suas homilias e suas viagens, tem procurado levar, junto com a palavra do Evangelho, forte apelo justia e paz. A competncia dos leigos 61. No h dvida de que a tarefa de promover a justia e a paz, de efetivamente prestar solidariedade e servio aos irmos, especialmente aos mais necessitados, em primeiro lugar responsabilidade dos cristos que tm competncia na economia, na poltica, nas relaes internacionais, no sindicato, nas organizaes assistenciais, nos movimentos populares, nas pastorais sociais. O Conclio tinha conscincia disso. Na Constituio Lumen Gentium afirma que na tarefa de impregnar o mundo do esprito de Cristo e fazer que atinja mais eficazmente o seu fim na justia, na caridade e na paz, [...] compete aos leigos a principal responsabilidade. E reconhece que os leigos so chamados de modo especial a tornar presente e operante a Igreja naqueles lugares e circunstncias, onde ela s por meio deles pode vir a ser sal da terra60. O que significa que os leigos devem agir especialmente l onde tm competncia e preparo especfico. 62. Em nosso Pas, muitas vezes de forma humilde e escondida, outras vezes atravs de uma atuao pblica e destemida, muitos leigos e leigas cristos lutaram e lutam pela justia e a paz, dando corajoso testemunho evanglico e contribuindo para o servio do mundo, cuja responsabilidade ltima cabe a todo o povo de Deus. Ao mesmo tempo, leigos e leigas contribuem para a edificao da comunidade eclesial, qual prestam muitos servios ou ministrios com generosidade e competncia. Dessa forma, a misso evangelizadora da Igreja realizada por todo o povo de Deus, com sua variedade de vocaes e ministrios ministros ordenados, consagrados e consagradas, leigos e leigas que se harmonizam, sem confundir-se, na realizao da tarefa comum. 2. O POVO DE DEUS 2.1. Igreja da Trindade Santa 63. A Igreja tem conscincia de ser uma presena diferente no mundo. Ela sabe que est no mundo, mas no do mundo61. Sua raiz ltima o mistrio insondvel do Pai, que, por Cristo e no Esprito, quer que todos os homens e mulheres participem de sua vida de infinita e eterna comunho, na liberdade e no amor, vivendo como filhos e filhas, irmos e irms62. Por isso, o Conclio nos ensina que a Igreja no simplesmente uma sociedade ao lado de outras, mas um mistrio de comunho: Este o sagrado mistrio da unidade da Igreja, em Cristo e por meio de Cristo, enquanto o Esprito Santo opera a variedade dos dons. O supremo modelo e princpio deste mistrio a unidade na

  • 15Trindade das pessoas de um s Deus Pai e Filho no Esprito Santo63. A Igreja toda aparece como o povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Esprito Santo64. Mistrio de Comunho 64. Nunca demais, portanto, recordar e insistir que a Igreja , em primeiro lugar, um mistrio de comunho, que reflete, com as limitaes de seus membros e os limites do tempo e do espao, o mistrio da comunho trinitria. A comunho trinitria torna-se, ento, fonte da vida e da misso da Igreja, modelo de suas relaes e meta ltima de sua peregrinao. 2.2. Povo de Deus 65. Logo aps ter apresentado a Igreja como mistrio (cap. 1 da Lumen gentium), o Vaticano II apresenta a Igreja como Povo de Deus (cap. 2 da Lumen gentium). Estas duas noes no esto justapostas nem sobrepostas, mas intimamente relacionadas: se a primeira fala da Igreja em toda a sua amplitude, desde o incio da criao no desgnio de Deus, at consumao celeste..., a outra trata do mesmo mistrio, enquanto, no tempo intermdio entre a Ascenso do Senhor e a sua Parusia gloriosa, caminha para a meta bem-aventurada65. O mistrio de comunho exprime-se no tempo que est entre o primeiro e o segundo Advento do Filho na comunho articulada do Povo de Deus. Esta expresso evoca diferentes aspectos da complexa realidade que a Igreja. a. Povo livre e fraterno 66. Antes de tudo, a expresso Povo de Deus faz-nos remontar a um momento decisivo das buscas religiosas da humanidade, quando o anseio humano do Absoluto se v inesperadamente surpreendido e superado pelo advento gratuito da divina revelao: a revelao do nome de Jav a Moiss e a experincia do xodo, cujo resultado , atravs da celebrao da Aliana, a constituio de Israel em povo de Deus. exigncia de uma adeso incondicional e exclusiva a Jav no ters outro deus alm de mim66 corresponde o amor ao prximo67. A expresso concreta deste preceito central a solidariedade com o pobre68. Com efeito, Jav, como no se cansaro de repetir os profetas, Deus dos pobres! Justamente por isso, o significado do xodo e da Aliana ao mesmo tempo religioso (revela o rosto de Deus como sumamente prximo e soberanamente transcendente) e social (revela e tutela a dignidade de todo ser humano, sobretudo dos pobres, propondo o estatuto ideal de um povo livre e solidrio). A posse da terra dom de Deus a seus filhos deve ser o sacramento a garantir a liberdade, a dignidade e a segurana conquistadas atravs do xodo. O xodo tinha por meta a liberdade e a fraternidade perfeitas entre os israelitas, filhos e filhas de Deus, que Deus da vida! A nova e perfeita Aliana, porm, s se dar em Cristo: Foi Cristo quem instituiu a nova Aliana (...) no seu sangue69, chamando um povo que junto crescesse para a unidade, no segundo a carne, mas no Esprito, e fosse o novo Povo de Deus (...) Este povo messinico tem por cabea Cristo (...). Tem por condio a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos coraes habita o Esprito Santo como num templo. Sua lei o mandamento novo de amar (...). Sua meta o Reino de Deus.70

    b. Povo que abre caminho para o servio 67. Em segundo lugar, a expresso Povo de Deus recorda que a Igreja uma realidade histrica, fruto da livre iniciativa de Deus e da livre resposta dos seres humanos. Por isso, ela no pode furtar-se, em nenhuma circunstncia, sobretudo nas grandes crises histricas aquelas que marcam as viradas de civilizao e de cultura, como a que estamos vivendo hoje ao dever de fazer escolhas e de abrir caminhos. 68. Situada, na verdade, entre a primeira vinda do Senhor Jesus em nossa carne mortal e sua segunda vinda em sua glria imortal, a Igreja participa, de um lado,

  • 16da transitoriedade deste mundo, cuja figura passa71, e, de outro lado, da definitividade de Deus, que um dia ser tudo em todos72. Os discpulos, que outrora o acolheram na carne humilde e pobre de Jesus de Nazar atravs da f, precisam agora acolh-lo atravs do amor na carne desprezada e descartada dos famintos, sedentos, migrantes, despojados, doentes e encarcerados,73 esperando contra toda esperana74. O peregrinar da Igreja entre a Ascenso e a Parusia percorre, na fora do Esprito, os passos de Jesus, que foi ungido pelo Esprito para evangelizar os pobres, proclamar a remisso aos presos e aos cegos a recuperao da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graa do Senhor75. A Igreja no pode perder de vista o servio vida e esperana, no amor e na liberdade, que , neste mundo, seu horizonte maior! c. Mais importante o que nos une: a condio crist 69. A expresso Povo de Deus indica, em seguida, a Igreja em sua totalidade, ou seja, naquilo que comum a todos os seus membros. Esta foi, sem dvida, uma das maiores aquisies do Vaticano II e deve fazer valer todo o seu peso quando se trata de refletir sobre misso da Igreja e ministrios dos cristos e crists leigos. Ao colocar, na Lumen Gentium, antes dos captulos sobre a hierarquia (cap. III) e o laicato (cap. IV), o captulo sobre o Povo de Deus (cap. II) onde se sublinha tudo o que comum a todos os membros da Igreja o Vaticano II superou a concepo de Igreja como sociedade desigual76, que favorecia aquela distncia entre hierarquia e laicato, que o Novo Testamento no conhecia e que se revelou prejudicial para o testemunho cristo no mundo. 70. A noo de Povo de Deus, com efeito, exprime a profunda unidade, a comum dignidade e a fundamental habilitao de todos os membros da Igreja participao na vida da Igreja e corresponsabilidade na misso. Antes e alm de toda e qualquer diferenciao carismtica e ministerial, est a condio crist, que comum a todos os membros da Igreja. O texto conciliar que exprime com maior eficcia esta profunda unidade e comum dignidade de todos os membros do Povo de Deus est situado justamente no captulo da Lumen gentium dedicado aos leigos: Um pois o povo eleito de Deus: 'um s Senhor, uma s f, um s batismo'77. Comum a dignidade dos membros pela regenerao em Cristo. Comum a graa de filhos. Comum a vocao perfeio. Uma s a salvao, uma s a esperana e indivisa a caridade. No h, pois, em Cristo e na Igreja, nenhuma desigualdade em vista de raa ou nao, condio social ou sexo, porquanto 'no h judeu ou grego, no h servo ou livre, no h varo ou mulher, porque todos vs sois um em Cristo Jesus' 78. 71. Faz parte desta condio comum dada pela f, esperana e caridade e pelos sacramentos do batismo, da crisma e da eucaristia a participao de todo o Povo de Deus nas funes proftica, sacerdotal e real de Cristo. Participao na funo proftica 72. O Povo de Deus participa da funo proftica de Cristo pela difuso de seu testemunho vivo, sobretudo atravs de uma vida de f e caridade, e pelo oferecimento a Deus do sacrifcio de louvor, fruto de lbios que confessam o seu nome79. Alm disso, graas uno do Esprito Santo80, o conjunto dos fiis (...) no pode enganar-se no ato de f e manifesta esta sua peculiar propriedade mediante o senso sobrenatural da f de todo o povo quando, desde os Bispos at os ltimos fiis leigos, apresenta um consenso universal sobre questes de f e costumes. Por este senso da f, suscitado e sustentado pelo Esprito da verdade, o Povo de Deus sob a direo do sagrado Magistrio, a quem fielmente respeita no j recebe a palavra de homens, mas verdadeiramente a palavra de Deus81; apega-se indefectivelmente f uma vez para sempre transmitida aos santos82; e, com reto juzo, penetra-a mais profundamente e mais plenamente a aplica vida83. funo proftica pertencem as vrias modalidades de relao entre a comunidade dos fiis e a palavra de Deus: sua acolhida na f, sua vivncia no amor, seu testemunho exterior, seu aprofundamento pela

  • 17catequese e pela reflexo teolgica, a denncia em seu nome, o anncio pela pregao, sua meditao na orao pessoal, sua celebrao na liturgia comunitria. A pregao da palavra no foi confiada somente a alguns, mas a todos84. A palavra cria e rene constantemente a Igreja, despertando nela a f e a obedincia; e da Igreja que a palavra deve sempre de novo sair para que ela ressoe em toda a terra85. Aqueles que foram 'chamados' pela palavra86 devem no s testemunh-la, mas preg-la, segundo o carisma prprio a cada um87. Com efeito, todos ficaram repletos do Esprito Santo, e proclamavam com firmeza a palavra de Deus88, realizando, assim, o desejo de Moiss e as promessas dos profetas: Oxal todo o povo de Deus fosse profeta, dando-lhe Jav o seu Esprito!89

    Participao na funo sacerdotal 73. A participao no sacerdcio de Cristo faz da Igreja um povo sacerdotal. H, com efeito, um nico e indivisvel sacerdcio: o de Jesus Cristo. Seu sacerdcio no um sacerdcio ritual, nos moldes do Antigo Testamento. Jesus no pertencia tribo sacerdotal de Levi, mas de Jud: bem conhecido, de fato, que nosso Senhor surgiu de Jud, tribo a respeito da qual Moiss nada diz quando trata dos sacerdotes90; sua atividade se assemelhava mais dos antigos profetas que dos sacerdotes judeus; as esperanas messinicas suscitadas por Sua pessoa e atividade so interpretadas mais na linha de um messianismo real do que de um messianismo sacerdotal; Ele morre fora do espao sagrado da Cidade e do Templo... Seu sacerdcio segundo a Carta aos Hebreus um sacerdcio existencial e consiste, fundamentalmente, na entrega de todo o seu ser e existncia ao Pai, no Esprito, e aos irmos e s irms, reconciliando-os com o Pai e entre si, realizando, assim, uma vez por todas, a perfeita e insupervel mediao entre Deus e os homens. 74. Aderindo a Cristo sacerdote por meio da f, deixando-se purificar por seu sangue e santificar pela oferta do seu corpo, entrando no movimento do seu sacrifcio91, os cristos se tornam capazes de dar a Deus um culto autntico, que consiste na transformao de sua existncia pela caridade divina92. Por sua participao no nico sacerdcio de Cristo, o Povo de Deus da Nova Aliana conjuntamente sacerdotal93. Com efeito, todos os cristos so chamados a oferecer sacrifcios espirituais agradveis a Deus por meio de Jesus Cristo, a elevar incessantemente a Deus, por meio de Jesus Cristo, um sacrifcio de louvor94e a no se esquecer de fazer o bem e de praticar a mtua ajuda comunitria, pois estes so os sacrifcios que agradam a Deus95; por isso, devem eles prprios apresentar-se a Deus em sacrifcio vivo e santo que lhe seja agradvel96. A vocao dos cristos no os leva a pr sua confiana em ritos exteriores, mas a passar pelo sacrifcio existencial de Cristo e valer-se, assim, de sua mediao sacerdotal97. O Catecismo Tridentino explica esta realidade do sacerdcio comum dos fiis num texto particularmente iluminante: No que diz respeito ao sacerdcio interior, todos os fiis, aps terem sido purificados pela gua salutar, so chamados sacerdotes; sobretudo, porm, os justos, que tm o Esprito de Deus e que, pelo dom da graa de Deus, foram feitos membros vivos de Jesus Cristo Sumo Sacerdote. Estes, de fato, graas f, que se faz ardente pela caridade, imolam a Deus vtimas espirituais no altar do prprio corao; neste gnero, devem ser consideradas todas as aes boas e honestas, que se endeream glria de Deus98. O sacerdcio comum , pois, um sacerdcio comum a todos os fiis, isto , a todos os batizados enquanto professam e vivem a f. Neste sentido, no nenhum ministrio, mas o culto cristo existencial, que consiste na transformao da totalidade da vida por meio da caridade divina99. , portanto, a prpria vida crist, feita de f, de esperana e de caridade. a vivncia, suscitada e sustentada pelo Esprito, da vocao universal santidade, colocando-se a servio de Deus e de seu Reino, como prosseguimento, na fora do Esprito, da prtica de Jesus! Participao na funo real 75. A funo real a expresso mais densa das mltiplas e complexas relaes que se do entre a Igreja e o Reino de Deus100. Alm de centro e resumo101, a proclamao

  • 18e a instaurao do Reino de Deus so o objetivo da misso de Jesus: 'pois foi para isso que fui enviado'102. Em Jesus, o Reino de Deus est prximo103 e j realidade presente104. O Reino de Deus, na verdade, um acontecimento que coincide com a pregao e o ministrio de Jesus, sendo ele mesmo a Boa Notcia105: atravs do anncio e da prxis de Jesus, Deus mesmo intervm de maneira decisiva e definitiva na histria humana106. A vinda do Reino reconhecvel pela f107 nos sinais que Jesus realiza108: no sentar-se mesa com os pecadores109, nos milagres110, nos exorcismos111, na escolha dos Doze112, no anncio da Boa Nova aos pobres113, no reconhecimento e valorizao da dignidade das mulheres, nos gestos de salvao e libertao em favor dos pobres, humildes e pecadores114. O Reino de Deus , sem dvida, um acontecimento que se manifesta no corao humano pois interior a relao com Deus pela f e pela converso115 mas tambm se manifesta nas relaes entre as pessoas e nas estruturas que lhes correspondem. No centro do acontecimento do Reino, est, de um lado, a autocomunicao de Deus que Pai com o qual Jesus vive intimidade nica, a ponto de cham-lo Abb-papai116 e, de outro, a sua predileo pelos pobres, pelos ltimos, pelos pecadores117. Esta experincia de Jesus tem conseqncias seja para a atitude religiosa do ser humano uma atitude filial de confiana, de simplicidade, de abandono total118 seja para a sua prtica social, que descobre o outro sobretudo o ltimo, o pequeno, o pobre, o inimigo, o estrangeiro como irmo119. Por isso, o Reino diz respeito a todos: s pessoas, sociedade, ao mundo inteiro; trabalhar pelo Reino significa reconhecer e favorecer o dinamismo divino que est presente na histria humana e a transforma; construir o Reino quer dizer trabalhar para a libertao do mal, sob todas as formas; em resumo, o Reino de Deus a manifestao e a atuao de seu desgnio de salvao, em toda a plenitude120. 76. O prprio Jesus tanto em seu ministrio terreno121 como em sua condio de ressuscitado122 enviou os discpulos a proclamarem o Reino de Deus. A Igreja que tem o Cristo morto e ressuscitado, por cabea, a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus por condio, o mandamento novo de amar como o prprio Cristo nos amou por lei tem por meta o Reino de Deus. Este Reino, iniciado pelo prprio Deus na terra, deve estender-se mais e mais at que no fim dos tempos seja consumado por Ele prprio, quando aparecer Cristo, nossa vida123. Ento a prpria criatura ser libertada do cativeiro da corrupo para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus124. Neste sentido, a Igreja, embora conhea o segredo do Reino125 e seja na terra seu germe e incio126, no fim em si mesma; pelo contrrio, deseja intensamente ser toda de Cristo, em Cristo e para Cristo, e toda dos seres humanos, entre os seres humanos e para os seres humanos127. O Reino de Deus, na verdade, maior que a Igreja e que o mundo; est, todavia, presente e atuante tanto na Igreja como no mundo, embora de forma diferente: na Igreja, de modo sacramental e consciente; no mundo, de modo oculto e inconsciente. A Igreja, na verdade, no o Reino, mas o seu sacramento, o Reino em mistrio128. Enquanto sinal e instrumento do agir salvfico de Cristo no Esprito, a Igreja no apenas caminho, mas a primeira beneficiria da salvao, o primeiro fruto da salvao j realizada em Cristo e justamente por isto a sua serva humilde e pobre, sempre necessitada de converso e de renovao129. Para isto existe a Igreja: para o Reino de Deus, que o Cristo glorificado, na fora do Esprito, continua a realizar na histria humana, onde a Igreja vive entre as criaturas que gemem e sofrem como que dores de parto at o presente e aguardam a manifestao dos filhos de Deus130. Existindo em si mesma, mas no para si mesma pois sacramento, isto , sinal e instrumento de salvao e libertao131 as alegrias e as esperanas, as tristezas e as angstias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, so tambm as alegrias e as esperanas, as tristezas e angstias dos discpulos de Cristo132. Assim como o Filho do Homem veio, no para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos133, a Igreja toda deve cada vez mais colocar-se efetiva e concretamente a servio do Reino134, para que todos tenham vida e vida em plenitude135. A funo real que tanto no Conclio como depois dele foi tambm apresentada como 'caridade', 'servio' e 'liberdade' exprime a liberdade dos filhos de Deus em relao a si mesmos, aos outros e aos bens deste mundo, o que os torna capazes de amar e servir, sobretudo aos pobres e pequenos, colocando-se a servio de Deus e de seu Reino136.

  • 19 d. Uma s misso assumida por todos 77. A expresso Povo de Deus tambm apropriada para ressaltar que a misso da Igreja no responsabilidade de alguns, mas de todos. Nascendo das divinas misses do Filho e do Esprito, a Igreja missionria: A Igreja peregrina por sua natureza missionria. Pois ela se origina da misso do Filho e do Esprito Santo, segundo o desgnio de Deus Pai. Este desgnio provm do amor fontal ou da caridade de Deus Pai, que o Princpio sem Princpio e do qual gerado o Filho e pelo Filho procede o Esprito Santo137. Todo o Povo de Deus no s responsvel pela vida, mas tambm pela misso da Igreja, na Igreja e no mundo. A Lumen Gentium o diz claramente: Os sagrados pastores conhecem, com efeito, perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Pois eles prprios sabem que Jesus Cristo no os instituiu para se encarregarem sozinhos de toda a misso salvadora da Igreja para com o mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiis e de tal modo reconhecer os seus servios e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo prprio, cooperem na obra comum138. neste sentido que se pode falar de Igreja toda ministerial, de corresponsabilidade diferenciada, de todos responsveis na Igreja, de Igreja de responsabilidades apostlicas compartilhadas, de Igreja toda em servio, de comunidade enviada de servio, de comunho e participao (Puebla) ou de comunho e misso (CNBB). e. Unidade na diversidade 78. A expresso Povo de Deus, finalmente, ilumina a unidade da Igreja na variedade catlica dos carismas, das funes, das Igrejas Particulares, das tradies, das culturas, que, longe de destruir a unidade da Igreja, a aperfeioam139. Com efeito, a plenitude da unidade suscitada e vivificada pelo Esprito o fundamento de toda possvel distino na Igreja: Por instituio divina, a Santa Igreja estruturada e regida com admirvel variedade. Pois como em um s corpo temos muitos membros, mas todos os membros no tm a mesma funo, assim ns, embora sejamos muitos, somos um s corpo em Cristo, e somos membros uns dos outros140. f. Carismas, servios e ministrios vrios 79. Convm, na verdade, ressaltar que, de uma maneira muito apropriada, a expresso Povo de Deus evoca a variedade de carismas, servios e ministrios que o Senhor reparte entre os fiis em vista da vida e da misso da Igreja. Com efeito, a comum incorporao a Cristo e Igreja realizada pelos sacramentos de iniciao constantemente enriquecida por inesgotvel pluralidade de carismas, servios e ministrios. Esta a perspectiva do Vaticano II, quando ensina: No apenas atravs dos sacramentos e dos ministrios que o Esprito Santo santifica e conduz o Povo de Deus e o orna de virtudes, mas, repartindo seus dons a cada um como lhe apraz141, distribui entre os fiis de qualquer classe mesmo graas especiais. Por elas os torna aptos e prontos a tomarem sobre si os vrios trabalhos e ofcios, que contribuem para a renovao e maior incremento da Igreja, segundo estas palavras: A cada um dada a manifestao do Esprito para utilidade comum142. Estes carismas, quer eminentes, quer mais simples e mais amplamente difundidos, devem ser recebidos com gratido e consolao, pois so perfeitamente adequados e teis s necessidades da Igreja. Os dons extraordinrios, todavia, no devem ser temerariamente pedidos nem deles devem presunosamente ser esperados frutos de obras apostlicas. O juzo sobre sua autenticidade e seu ordenado exerccio compete aos que governam a Igreja. A eles, em especial, cabe no extinguir o Esprito, mas provar as coisas e ficar com o que bom143. Dom de Deus e busca humana 80. Na verdade no tocante aos ministrios eclesiais a Igreja, atenta s indicaes do Esprito Santo, em funo de suas necessidades internas e dos desafios

  • 20da misso no mundo, vai se estruturando e organizando. O Novo Testamento nos mostra este processo em curso. Ele no oferece um modelo nico do modo de se estruturar a Igreja. Mostra, isso sim, diversos exemplos, respondendo s demandas dos diferentes contextos histricos e culturais. Tambm encontramos no Novo Testamento informaes referentes a pocas distintas. Estes testemunhos so diversificados: nenhum deles pode ser considerado exclusivo e excludente dos demais. Por isso, a Igreja, fiel a Cristo e guiada pelo Esprito Santo, no deveria ter medo de aceitar e de criar novos modelos, satisfazendo assim s exigncias de sua vida e misso nos diversificados contextos em que atua. Carisma e ministrio: distinguindo e unindo 81. Dois elementos interrelacionados esto subjacentes a todo este processo: a atuao do Esprito Santo na comunidade dos fiis (= dimenso do dom transcendente) e a busca humana das melhores opes (= dimenso do empenho humano) para aperfeioar os santos em vista do ministrio, para a edificao do Corpo de Cristo, at que alcancemos todos a unidade da f e do conhecimento do Filho de Deus, o estado de homem perfeito medida da estatura da plenitude de Cristo144. O exemplo mais claro desta busca ativa e criativa no Esprito est documentado em At 6,1-6: quando surge o primeiro conflito na comunidade de Jerusalm (6,1), so os Apstolos que convocam a assemblia dos discpulos (6,2), conduzem o discernimento e indicam uma soluo (6,2-3), mas a assemblia que aprova a proposta dos apstolos e escolhe os ministros (6,4-5), que, uma vez apresentados aos apstolos, recebem deles a imposio das mos (6,6). 82. Alguns textos do Novo Testamento apontam para uma ntima relao entre carisma e servio/ministrio. Os mais conhecidos so 1Cor 12,4-11.28-30; Rm 12,4-8; Ef 4,10-13; 1Pd 4,10; 2Tm 1,6. Mais especificamente: H diversidade de dons, mas o Esprito o mesmo; diversidade de ministrios, mas o Senhor o mesmo; diversos modos de ao, mas o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Esprito para a utilidade de todos. A um o Esprito d...145. Tendo, porm, dons diferentes, segundo a graa que nos foi dada, (...)146. ele que concedeu a uns ser apstolos, a outros profetas, a outros evangelistas, a outros pastores e mestres...147. Todos vs, conforme o dom que cada um recebeu, consagrai-vos ao servio uns dos outros, como bons dispenseiros da multiforme graa de Deus148. Eu te exorto a reavivar o dom de Deus, que h em ti pela imposio das minhas mos. Pois Deus no nos deu um esprito de medo, mas esprito de fora, de amor e de sobriedade!149

    Que se entende por ministrio? 83. H forte tendncia, hoje, na teologia e na prtica pastoral, de considerar ministrio, fundamentalmente, o carisma que assume a forma de servio comunidade e sua misso no mundo e na Igreja e que, por esta, como tal acolhido e reconhecido. 84. Ministrio , antes de tudo, um carisma, ou seja, um dom do Alto, do Pai, pelo Filho, no Esprito, que torna seu portador apto a desempenhar determinadas atividades, servios e ministrios em ordem salvao150. Numa perspectiva trinitria, preciso ressaltar aqui a unidade na variedade e a variedade na unidade151. Ao falar-se de carismas, no se deveria privilegiar os mais extraordinrios e espetaculares, mas os que sustentam a f e ajudam-na a encarnar-se. Ao lado da capacidade de operar milagres, Paulo recorda o carisma da assistncia e do governo da comunidade152. Diante da tentao de excluir da lista dos carismas os servios mais humildes e estveis, Paulo afirma o valor destes servios, como no corpo humano, onde os membros menos nobres so os que cercamos de maior honra153. No se pode esquecer que a funo de Apstolos aos quais, de alguma forma, sucedem, na Igreja, os ministros ordenados situa-se tambm no conjunto dos carismas154 e, em Paulo, vem em primeiro lugar155. Na verdade, todos os carismas, servios e ministrios de que a

  • 21Igreja dotada pelo Esprito para cumprir a sua misso se complementam, cooperam uns com os outros e se integram, como os membros de um corpo156; no respeito ao princpio de subsidiariedade157. 85. Nem todo carisma, porm, ministrio. Certamente, a dimenso do servio deve caracterizar todo carisma,158 e seu portador deve aspirar ao dom maior, que o amor159. Mas s pode ser considerado ministrio o carisma que, na comunidade e em vista da misso na Igreja e no mundo, assume a forma de servio bem determinado, envolvendo um conjunto mais ou menos amplo de funes, que responda a exigncias permanentes da comunidade e da misso, seja assumido com estabilidade, comporte verdadeira responsabilidade e seja acolhido e reconhecido pela comunidade eclesial. 86. A recepo ou reconhecimento do ministrio pela comunidade eclesial essencial ao ministrio, porque o ministrio uma atuao pblica e oficial da Igreja, tornando seu portador, num nvel maior ou menor, seu representante. Esta recepo ou reconhecimento dos ministrios tem modalidades e graus diversos, dependendo da natureza da funo, ou seja, da sua relao com a identidade e a misso da Igreja160. Tipologia dos ministrios 87. Na reflexo teolgica e pastoral, tm-se distinguido os seguintes grupos de ministrios: a) ministrios simplesmente reconhecidos (s vezes, impropriamente, chamados ministrios de fato), quando ligados a um servio significativo para a comunidade, mas considerado no to permanente, podendo vir a desaparecer, quando variarem as circunstncias;161 b) ministrios confiados, quando conferidos ao seu portador por algum gesto litrgico simples ou alguma forma cannica162 ; c) ministrios institudos, quando a funo conferida pela Igreja atravs de um rito litrgico chamado instituio; d) ministrios ordenados (tambm chamados apostlicos ou pastorais), quando o carisma , ao mesmo tempo, reconhecido e conferido ao seu portador atravs de um sacramento especfico, o sacramento da Ordem, que visa a constituir os ministros da unidade da Igreja na f e na caridade, de modo que a Igreja se mantenha na tradio dos Apstolos e, atravs deles, fiel a Jesus, ao seu Evangelho e sua misso. O ministrio ordenado, numa eclesiologia de totalidade e numa Igreja toda ministerial, no detm o monoplio da ministerialidade da Igreja. No , pode-se dizer, a sntese dos ministrios, mas o ministrio da sntese. Seu carisma especfico o da presidncia da comunidade e, portanto, da animao, coordenao e com a indispensvel participao ativa e adulta de toda a comunidade do discernimento final dos carismas163. Fruto de um dom do Esprito164 o protagonista da misso que se reconhece e se comunica poderosamente no ato sacramental da ordenao, o ministro ordenado est a servio do Esprito, que deve ser sempre de novo reconhecido e acolhido, na Igreja e no mundo, e a servio de Cristo, Servo e Cabea da Igreja. Os ministrios reconhecidos, confiados e institudos tomados em conjunto formam os ministrios no-ordenados, isto , que no exigem a ordenao. 88. Na Igreja latina, por enquanto, os ministrios institudos so apenas os ministrios de Leitor e Aclito, criados pelo Papa Paulo VI, no Motu proprio Ministeria quaedam, de 15 de agosto de 1972. O modelo para a criao de outros ministrios institudos foi dado, mas a Igreja tem preferido limitar-se a formas menos institucionalizadas de ministrios, como so os reconhecidos e os confiados. Algumas Dioceses tm desenvolvido um trabalho orgnico no sentido de, a partir das necessidades das comunidades e dos carismas de seus membros, desenvolver ministrios que so conferidos, atravs de um rito litrgico presidido pelo Bispo, a pessoas escolhidas pelas prprias comunidades, numa espcie de instituio sob a responsabilidade da Igreja Particular. A instituio oficial de ministros leigos numa comunidade, seguindo um ritual litrgico prprio, previsto para esta circunstncia, pode assumir um significado muito grande para o fortalecimento da dimenso eclesial dos ministrios leigos, contanto que faa parte de um projeto diocesano e seja a culminncia de um processo de valorizao dos leigos nas comunidades.

  • 22 So diversos os valores eclesiais que podem ser fortalecidos com este processo: o envolvimento da comunidade na indicao de seus ministros recupera a dinmica da Igreja Primitiva, de participao da comunidade nas responsabilidades do ministrio apostlico; a indicao clara de leigos para assumirem responsabilidades eclesiais ajuda a superar uma mentalidade longamente implantada, de centralizao do ministrio nas mos das pessoas ordenadas, como se s elas pudessem exercer ministrios na Igreja; a instituio de ministros faz que a comunidade reconhea que eles so parte de sua vida, favorecendo uma melhor compreenso de que todos os cristos participam da misso da Igreja; a instituio de ministros possibilita ainda uma distribuio de tarefas que libera o ministro ordenado para tarefas mais especficas de seu ministrio e fortalece a identificao do povo com a Igreja, que passa a contar com pessoas que assumiram claramente responsabilidades pela vida e misso eclesiais; a instituio de ministros leigos, a partir de um ato que conta com a presena do Bispo Diocesano, torna mais visvel a unidade de atuao de todos os ministrios na Diocese, ao mesmo tempo que se abre caminho para a salutar diversidade e descentralizao, que vai ao encontro das necessidades prprias de cada comunidade. 89. Alguns dos ministrios que os leigos e as leigas exercem so chamados de ministrios de suplncia165, porque, embora seu exerccio no dependa da ordenao, as funes neles implicadas so historicamente consideradas prprias e tpicas do ministrio ordenado. Portanto, quando os leigos ou leigas as assumem, esto suprindo a falta ou impossibilidade de ministros ordenados. A questo de fundo que se poderia colocar em relao a esta situao a seguinte: se estas funes, embora prprias e tpicas do ministrio ordenado, podem, em determinadas circunstncias, ser assumidas por leigos e leigas, por que no se pensar numa reorganizao mais ousada dos ministrios eclesiais, criando verdadeiros e prprios ofcios a serem conferidos a leigos e leigas estavelmente e com responsabilidade prpria e no simplesmente como suplncia? Do ponto de vista teolgico, se um leigo ou leiga pode suprir o ministro ordenado em determinadas aes, significa que est habilitado para tanto, em virtude dos sacramentos de iniciao. Por outro lado, nas atuais circunstncias, em muitos lugares, a suplncia no tem o carter de eventualidade ou de provisoriedade, mas de situao pastoral normal e habitual, sem previso razovel de mudana desse quadro. 90. Tambm a distino entre ministrios ad intra e ministrios ad extra merece uma reflexo mais aprofundada. Que, de um lado, existam funes voltadas mais para a edificao e a manuteno da comunidade eclesial e, de outro, funes marcadamente destinadas atuao da Igreja na sociedade, um dado de fato. Alis, salta vista tambm que, nas atuais circunstncias, na maioria de nossas Igrejas Particulares, temos um nmero muito maior de leigos e leigas engajadas em tarefas catequticas e litrgicas do que, por exemplo, nas pastorais sociais ou nas atividades missionrias. A distino entre ministrios ad intra e ministrios ad extra baseia-se numa viso teolgica que separa rigidamente e inadequadamente Igreja e mundo e, conseqentemente, vida da Igreja e misso da Igreja, vida interna da Igreja e misso da Igreja no mundo. Na verdade, a expresso misso da Igreja ou ministrio da Igreja engloba num nico dinamismo, embora complexo e articulado, a vida interna da Igreja e sua atuao no mundo. Se entendermos que a Igreja aquela poro da humanidade que professa, proclama, vive, celebra e serve ao mistrio da salvao que Deus opera no mundo e na histria, tudo na Igreja e todos na Igreja esto a servio desse mesmo desgnio de salvao e libertao. No preciso sair da Igreja para ir ao mundo, como no preciso sair do mundo para entrar e viver na Igreja. A palavra ser sempre palavra da Igreja sacramento, serva da obra de salvao de Deus na histria e no mundo. A liturgia que o cume para o qual tende a ao da Igreja e a fonte de onde emana toda a sua fora166 cantar as maravilhas que Deus opera nos seres humanos com

  • 23todas as suas relaes, mais ainda, na sua histria e em todo o universo. O servio no ser visto como a presena da Igreja no mundo atravs de alguns de seus membros ou de seus organismos, mas a face mais concreta da misso da Igreja no mundo. E estas trs dimenses palavra, liturgia, servio no so elementos estanques e incomunicveis, mas intimamente entretecidos na unidade do mesmo desgnio salvfico. Por isso, no adequado pensar a repartio das tarefas e ministrios, como se alguns devessem dedicar-se exclusivamente vida interna da Igreja e outros se encarregassem da presena no mundo, reproduzindo, numa forma nova, o velho esquema dos dois gneros de cristos. A compreenso da Igreja como sacramento de salvao exige a superao entre um ad intra (em que a Igreja existiria e funcionaria em si e para si) e um ad extra (em que a Igreja ou parte dela agiria a servio do mundo). Por isso, no h ministrios na e para a vida interna da Igreja e ministrios para o exterior da Igreja. Os ministrios so sempre ministrios na Igreja e para a Igreja, mas sempre Igreja sacramento de salvao e libertao do homem todo e de todos os homens na nica histria da salvao. 91. A esta altura, tambm importante lembrar que os ministrios no se limitam a determinadas reas da misso da Igreja, como, por exemplo, o mbito do culto, da palavra ou da coordenao eclesial. Podem desenvolver-se e, de fato, se desenvolvem verdadeiros ministrios tanto na funo proftica, quanto na funo sacerdotal, quanto na funo real. Os ministros da sagrada comunho, por exemplo, no so mais ministros que os catequistas ou que os agentes da pastoral da criana ou de outra pastoral social. Por que, por exemplo, as pastorais sociais podem ser consideradas verdadeiros ministrios? Porque as pastorais sociais, por exemplo, no so atuaes de pessoas ou grupos de pessoas em nome prprio, mas atuaes da Igreja em determinado campo da vida humana. Os seus agentes so verdadeiros ministros. Por isto se dever falar de ministrio e no simplesmente de servio cristo para todas as funes importantes exercidas em nome da Igreja, que respondam a uma necessidade permanente. A diferena entre servio cristo e ministrio (...) deve-se ao fato que o ministrio implica sempre maior ou menor representatividade da Igreja e compromisso das autoridades eclesiais correspondentes em relao pessoa que o exerce.167 Por outro lado e exatamente por isso no toda atuao crist no social e no poltico que, ipso facto, possa ser considerada ministrio. Alm de respeitar a autonomia das realidades terrestres e da atuao dos cristos nestas realidades, preciso lembrar aquela distino que a teologia do laicato fazia entre agir como cristo e agir enquanto cristo ou, ento, entre agir cristo e agir eclesial. O ministrio um agir eclesial, que representa e empenha publicamente e oficialmente a Igreja. Os servios cristos no devem chamar-se ministrios, porque no se necessita designao ou reconhecimento algum para testemunhar a f no mundo, para estar a servio uns dos outros na Igreja, ou para um grande nmero de tarefas que contribuem para o anncio do Evangelho e para a construo do Corpo de Cristo168. Dizer que o exerccio cristo de uma profisso civil ou de alguma atividade poltica no ministrio no desmerecer nem diminuir seu valor que da ordem do testemunho mas, simplesmente, respeitar a natureza das coisas e, neste campo, a legtima autonomia das realidades terrestres e do cristo nelas envolvido. O que necessrio, na verdade, nesta questo, superar o mau uso das palavras, como o que s considera ministrio a funo que tenha esta designao ou, vice-versa, aquele que no quer reconhecer carter ministerial a funes que tm todas as caractersticas exigidas de um ministrio. 92. Por ltimo, importante lembrar que, assumindo ministrios reconhecidos ou confiados ou institudos, os cristos leigos permanecem leigos e, por isso, devem viv-los e exerc-los na plena conscincia de sua condio laical, que os coloca no s em relao caracterstica com Cristo e com a Igreja, mas, de maneira toda particular, em relao com o mundo169. 93. Os leigos derivam o dever e o direito do apostolado de sua unio com Cristo-Cabea. Pois, inseridos pelo batismo no Corpo Mstico de Cristo, pela Confirmao

  • 24robustecidos na fora do Esprito Santo, recebem do prprio Senhor a delegao ao apostolado (AA 3). importante que os leigos, vivendo sua vida familiar ou profissional normal, ou engajados em alguma forma de apostolado ou ministrio, com ou sem mandato cannico, estejam plenamente convencidos de que o fundamento estatutrio e sacramental de sua participao na misso da Igreja se encontra no Batismo, enquanto sacramento de pertena, e na Confirmao, enquanto sacramento da Misso na fora do Esprito de Pentecostes. Na verdade, com a efuso batismal e crismal o batizado torna-se participante na mesma misso de Jesus Cristo, o Messias Salvador (CfL 13c). , pois, necessrio... que os pastores, ao reconhecer e ao conferir aos fiis leigos os vrios ministrios, ofcios e funes, tenham o mximo cuidado em instru-los sobre a raiz batismal destas tarefas (CfL 23,h). g. Identidade teolgica dos leigos e leigas 94. Por isso, em nossa reflexo sobre Misso da Igre