Author
hadang
View
229
Download
0
Embed Size (px)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS
ESCOLA DE VETERINRIA E ZOOTECNIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA ANIMAL
DOENA PERIODONTAL E GLOMERULONEFRITE EM CES
Thas Domingos Meneses
Orientadora: Prof. Dr. Maria Clorinda Soares Fioravanti
GOINIA
2013
ii
iii
THAS DOMINGOS MENESES
DOENA PERIODONTAL E GLOMERULONEFRITE EM CES
Dissertao apresentada para obteno do
grau de Mestre em Cincia animal junto
Escola de Veterinria e Zootecnia da
Universidade Federal de Gois.
rea de Concentrao:
Patologia, Clnica e Cirurgia Animal
Orientadora:
Prof. Dr. Maria Clorinda Soares Fioravanti
Comit de Orientao:
Prof. Dr. Marcello Rodrigues da Roza
Pesqa. Dra. Patrcia Lorena da Silva Neves Guimares
GOINIA
2013
iv
v
vi
Dedico a todos os amantes dos
animais, em especial aos meus pais, s
minhas amigas Juliana Silva e Tnia
Alkmin e ao meu namorado James
Peterson, que tornaram minha
caminhada mais agradvel, me dando
sempre fora, apoio e compreenso no
decorrer desta jornada.
vii
Agradecimentos
Primeiramente e, acima de tudo, agradeo a Deus por me conceder
essa oportunidade de realizao do mestrado, momento em que pude usufruir de
muito aprendizado e descobertas, contribuindo assim para um conhecimento
especfico a mais na rea da veterinria, o que me trs grande satisfao.
Sou muito grata, minha orientadora, professora Maria Clorinda
Soares Fioravanti, que foi essencial para o desenvolvimento desse estudo,
sempre me guiando. Trabalhar ao seu lado foi um aprendizado constante,
contribuindo com a minha formao pessoal e profissional.
Aos meus co-orientadores, professores Marcello Rodrigues da Roza e
Patrcia Lorena da Silva Neves Guimares, por colaborarem para o
desenvolvimento deste trabalho e aos membros da banca examinadora desta
dissertao, Celina Tie Nishimori Duque e Jlio Cesar Cambraia Veado, pela
disponibilidade em participarem.
Agradeo s amigas do Programa de Ps-Graduao em Cincia
Animal, Letcia Furtado Rodrigues e Thays Nascimento pela grande amizade e,
em especial, companheira Kauana Peixoto Mariano que muito me auxiliou em
todas as etapas do mestrado, me ajudando a vencer todos os obstculos.
Agradeo tambm Joyce Rodrigues Lobo, Saura Nayane de Souza e Roberta
Rendy Ramos que tiveram muita boa vontade demonstrada em auxiliar nas
anlises laboratoriais. Agradeo tambm a todos os funcionrios do Hospital
Veterinrio da UFG pelo auxlio.
Serei eternamente grata aos meus pais Luiz da Costa Meneses e
Marise Domingos Meneses, pelo apoio que sempre me deram para que eu
pudesse seguir em frente e ser forte perante as dificuldades.
Obrigada pelo privilgio de desfrutar da presena de todos vocs na
minha vida, que contriburam e acreditaram nesse projeto.
Meus sinceros agradecimentos intituio de ensino UFG e CAPES
pela bolsa concedida.
viii
"Antes de ter amado um animal,
parte da nossa alma
permanece desacordada
Anatole France
ix
SUMRIO
1 INTRODUO............................................................................................ 1
2 REVISO DE LITERATURA..................................................................... 3
2.1 Doena periodontal................................................................................. 3
2.1.1 Etiologia............................................................................................... 4
2.1.2 Fatores predisponentes....................................................................... 7
2.1.3 Fases da doena periodontal.............................................................. 11
2.2 Glomerulonefrite secundria doena periodontal............................... 20
2.2.1 Proteinria e microalbuminria........................................................... 24
2.2.2 Creatinina........................................................................................... 27
2.2.3 Gama glutamiltransferase urinria..................................................... 33
2.2.4 Fosfatase alcalina urinria (ALP)....................................................... 36
3 OBJETIVOS............................................................................................... 38
3.1 Objetivo geral........................................................................................ 38
3.2 Objetivos especficos............................................................................. 38
4 MATERIAL E MTODOS......................................................................... 39
4.1 Planejamento de estudo......................................................................... 39
4.2 Anamnese............................................................................................. 39
4.3 Critrios de incluso e excluso............................................................ 39
4.4 Exame clnico........................................................................................ 40
4.5 Presso arterial sistlica........................................................................ 41
4.6 Colheitas das amostras......................................................................... 42
4.7 Anlises laboratoriais............................................................................ 42
4.8 Razo protena/creatinina urinria (PU/CU).......................................... 44
4.9 Anlise estatstica.................................................................................. 45
5 RESULTADOS E DISCUSSES............................................................. 46
5.1 Perfil hematolgico................................................................................ 51
5.2 Perfil bioqumico sanguneo.................................................................. 55
5.3 Perfil bioqumico urinrio....................................................................... 59
5.4 Exame de urina..................................................................................... 62
5.5 Presso arterial sistlica (PAS)............................................................. 66
5.6 Segunda avaliao clnica e laboratorial - Grupo dos proteinricos..... 68
6 CONCLUSES........................................................................................ 74
REFERNCIAS........................................................................................... 75
ANEXOS...................................................................................................... 89
x
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Anatomia das estruturas periodontais do co............................. 3
FIGURA 2 Biofilme dentrio.......................................................................... 5
FIGURA 3 Presena de dentes decduos em cavidade oral na espcie canina (setas)..............................................................................
8
FIGURA 4 Presena de odontlito na cavidade oral de um co (setas).........................................................................................
10
FIGURA 5 (A) Gengivite inicial mostrando eritema da margem gengival e incio da deposio de clculo; notar o edema da gengiva. (B) Gengivite avanada revelando eritema moderado e edema, assim como o aumento da deposio de clculo........................
13
FIGURA 6 Hiperplasia gengival inflamatria na cavidade oral em co........ 13
FIGURA 7 Diferentes graus de evoluo da periodontite............................. 15
FIGURA 8 Porphyromonas gingivalis........................................................... 19
FIGURA 9 Idade mdia dos ces acometidos por doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5) com valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana, coeficiente de variao (CV) e intervalo de confiana (IC).............................................................................................
47
FIGURA 10 ndice de reabsoro (IR) ssea dos ces acometidos por doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5)................................................................
48
FIGURA 11 Resposta da atividade leucocitria, segmentados e linfcitos, em l, dos ces acometidos por doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5)......
54
FIGURA 12 Resposta da atividade dos bastonetes, eosinfilos, moncitos e basfilos, em l, dos ces acometidos por doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5)..................................................................................................
55
FIGURA 13 Razo PU/CU observada em cada um dos grupos de ces com doena peridontal................................................................
60
FIGURA 14 Escore total que representa a gravidade da leso renal observada no exame de urina de rotina, em ces com doena periodontal divididos conforme a gravidade nos grupos (1 a 5)..................................................................................................
64
xi
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Distribuio dos ces avaliados considerando os
grupos/escore de doena periodontal (DP)....................
46
TABELA 2 Distribuio dos ces avaliados considerando os
grupos/escore de doena periodontal (DP) e a idade....
47
TABELA 3 ndice de reabsoro (IR) ssea dos ces acometidospor doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5), com valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana, intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao (CV)................................................................................
49
TABELA 4 Grupos dos ces com DP subdivididos conforme o tipo
de acometimento do trato urinrio..................................
50
TABELA 5 Perfil do eritrograma dos ces dos grupos (1 a 5), com
valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana,
intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao
(CV)................................................................................
52
TABELA 6 Perfil do leucograma dos ces dos grupos (1 a 5), com
valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana,
intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao
(CV)................................................................................
53
TABELA 7 Perfil da bioqumica srica dos ces dos grupos (1 a
5), com valores de mdia, desvio-padro (DP),
mediana, intervalo de confiana (IC) e coeficiente de
variao (CV) .................................................................
56
TABELA 8 Parmetros urinrios dos ces dos grupos (1 a 5), com
valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana,
intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao
(CV)................................................................................
59
TABELA 9 Parmetros do exame de urina e escore de gravidade
da leso renal dos ces dos grupos (1 a 5), com
valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana,
intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao
(CV) ...............................................................................
62
xii
TABELA 10 Presso arterial sistlica (PAS) dos ces dos grupos
(1 a 5) com valores de mdia, desvio-padro (DP),
mediana, intervalo de confiana (IC) e coeficiente de
variao (CV) ................................................................
67
TABELA 11 Parmetros urinrios (razo PU/CU, GGT e ALP) e
escore de gravidade da leso renal dos ces
proteinricos, com valores de mdia da primeira e
segunda colheita............................................................
68
TABELA 12 Parmetros urinrios da segunda avaliao dos ces
proteinricos, com valores de mdia e diferena das
mdias...........................................................................
69
TABELA 13 Eritrograma da segunda avaliao dos ces
proteinricos, com valores de mdia e diferena das
mdias............................................................................
71
TABELA 14 Leucograma da segunda avaliao dos ces
proteinricos, com valores de mdia e diferena das
mdias............................................................................
71
TABELA 15 Bioqumica srica da segunda avaliao dos ces
proteinricos, com valores de mdia e diferena das
mdias............................................................................
72
xiii
RESUMO
Estudos mostram que a doena periodontal acomete cerca de 85% de ces acima
dos trs anos de idade, sendo responsvel pela inflamao e destruio dos
tecidos de sustentao do dente. Este estudo teve como objetivo avaliar a relao
existente entre a doena periodontal e a glomerulonefrite em ces. Sessenta e um
ces com doena periodontal foram avaliados e classificados em grupos,
conforme a gravidade, alm da avaliao clnica foram realizados hemograma,
bioqumica srica (ureia, creatinina, protenas totais, albumina, colesterol e
fsforo), mensurao da presso arterial, urinlise e bioqumica urinria (GGT,
ALP, protena e creatinina), com determinao da razo protena:creatinina
urinria. Dos 14 ces com alteraes compatveis para glomerulonefrite neste
primeiro exame, aps o tratamento periodontal, nove deles foram submetidos a
uma segunda avaliao laboratorial, com o intuito de verificar se continuavam
com a proteinria persistente associado ao sedimento urinrio inativo. Destes, oito
ces continuaram apresentando alterao sugestiva de glomerulonefrite, mesmo
aps a realizao do tratamento periodontal. As ferramentas de diagnstico
utilizadas em conjunto neste estudo permitiram identificar e caracterizar a
glomerulonefrite secundria doena periodontal, estabelecendo uma relao
entre elas, alm dos danos tubulares e infeces do trato urinrio que ocorrem
concomitantemente doena periodontal. Esse conhecimento auxilia na
instituio do uso de marcadores precoces de leso renal na prtica clnica de
exames laboratoriais, com a finalidade de impedir a evoluo do processo,
promovendo bem-estar animal e contribuindo para o aumentando da longevidade
dos ces.
Palavras-chave: Bacteremia, imunocomplexo, nefropatia, patologia clnica
xiv
ABSTRACT
Studies have shown that periodontal disease affects approximately 85 % of dogs
older than three years of age, being responsible for inflammation and destruction
of the tooth supporting tissues. This study aimed at evaluating the relationship
between periodontal disease and glomerulonephritis in dogs. We evaluated and
classified 61 dogs with periodontal disease into groups according to the severity of
the case. Clinical evaluation consisted of complete blood count, serum
biochemistry (urea, creatinine, total protein, albumin, cholesterol and phosphorus),
blood pressure measurement, urinalysis and urinary biochemistry (GGT, ALP,
protein and creatinine), and determination of urine protein:creatinine ratio. Of the
14 dogs with glomerulonephritis compatible alterations at the first exam, nine were
submitted to a second laboratory evaluation, after periodontal treatment, in order
to verify if they continued with persistent proteinuria associated with inactive
urinary sediment. Of these, eight dogs continued to show abnormalities suggestive
of glomerulonephritis, even after periodontal treatment. The diagnostic tools used
in this study allowed to identify and characterize both glomerulonephritis
secondary to periodontal disease, establishing a relationship between them and
tubular damage and urinary tract infections that occur concurrently with
periodontal disease. These findings help to establish the use of early markers of
kidney injury in clinical laboratory tests, in order to prevent the process evolution,
promoting animal welfare and contributing to increase longevity of dogs.
Keywords: Bacteremia, immune complex, nephropathy, clinical pathology
1 INTRODUO
A doena periodontal caracterizada pela inflamao das estruturas
periodontais (gengiva, ligamento periodontal, cemento ou osso alveolar). De
acordo com as estruturas lesionadas, classifica-se em gengivite ou periodontite
(GORREL, 2004).
As bactrias presentes na placa bacteriana so consideradas o agente
etiolgico primrio da enfermidade, tanto na espcie humana quanto nos ces
(GORREL, 2004; GIOSO, 2007). A placa bacteriana constituda por substrato
alimentar, saliva, polissacardeos extracelulares, clulas descamadas, leuccitos,
macrfagos, lipdios, carboidratos e bactrias (WIGGS & LOBPRISE, 1997;
DUPONT, 1998; CLELAND, 2000; GIOSO, 2007). A matriz orgnica inicial
responsvel pela deposio da placa denominada biofilme dentrio (LIMA et al.
2004; GIOSO, 2007).
Inmeros fatores exercem influncia para o desenvolvimento da
doena periodontal, tais como anomalias anatmicas dentais e periodontais, raa
do animal, persistncia de dentes decduos, apinhamento dental, polidontia,
formato da cabea, distrbios do sistema imune, bem como algumas condies
sistmicas (ROZA, 2004; HENNET, 2005; PACHALY, 2006; GIOSO, 2007).
Sabe-se que a placa bacteriana constitui material antignico e, em
contato constante com a gengiva marginal vai causar leso, induzindo o processo
inflamatrio, resultando em leses diretas e indiretas, manifestadas por efeitos
locais e sistmicos (WIGGS & LOBPRISE, 1997; DUPONT, 1998; GORREL,
2004; HENNET, 2005; GIOSO, 2007).
A infeco insidiosa dos componentes do periodonto e a resposta do
hospedeiro culminam na produo local de citocinas e mediadores biolgicos que
alteram a integridade epitelial, tornando o ambiente favorvel penetrao das
endotoxinas bacterianas na corrente sangunea. Assim sendo, durante a
mastigao, pela movimentao do alvolo, devido rica vascularizao do
periodonto e s microleses gengivais, ocorre bacteremia, caracterizada pela
invaso bacteriana e de seus subprodutos aos vasos sanguneos e linfticos,
difundindo e provocando reaes inflamatrias distncia, podendo acometer os
glomrulos renais (GORREL et al., 2007).
2
A glomerulonefrite proveniente da doena periontal ocorre devido
presena de complexos de antgeno-anticorpo no interior dos capilares
glomerulares, provocando uma resposta de hipersensibilidade do tipo III
localizada, que ativa o sistema complemento, levando aderncia e agregao
plaquetria, infiltrao por leuccitos polimorfonucleares e ativao do sistema de
coagulao com deposio de fibrina que resultam em danos glomerulares. O
glomrulo fornece ambiente nico para que os fatores lesivos estimulem a
produo de mediadores bioativos, sendo estes produzidos pelas prprias clulas
glomerulares ou por clulas sanguneas, como neutrfilos e plaquetas (GRAUER
& DIBARTOLA, 1997).
A leso tambm pode resultar da ligao de auto-anticorpos
direcionados contra antgenos glomerulares intrnsecos fixados na membrana
basal glomerular. As plaquetas exacerbam a leso glomerular por liberao de
substncias vasoativas e inflamatrias, facilitando a cascata de coagulao
(NELSON & COUTO, 1992).
O problema da doena periodontal grave, pois pode interferir na
qualidade de vida dos animais (DEBOWES et al., 1996). A preveno primordial
para diminuir a alta incidncia da doena periodontal e, consequentemente,
minimizar as implicaes locais e sistmicas desencadeadas pela doena
periodontal (MERIN, 2006).
3
2 REVISO DE LITERATURA
2.1 Doena periodontal
O termo doena periodontal refere-se s leses inflamatrias que
atingem as estruturas que suportam e protegem o dente (gengiva, osso alveolar,
cemento e ligamento periodontal) (Figura 1), de carter crnico e infeccioso,
sendo classificada em duas categorias, gengivite e periodontite (GORREL, 2004).
A gengivite um processo reversvel e restrito gengiva (GORREL,
2004; GIOSO, 2007; GORREL et al., 2007). A partir do momento que ocorre o
envolvimento do periodonto de sustentao, com perda do ligamento peridontal, o
processo passa a ser chamado de periodontite, sendo irreversvel embora, muitas
vezes, controlvel (EMILY & PENMAN, 1994; GIOSO, 2007). Acomete vrias
espcies, desde os roedores aos humanos (HENNET & HARVEY, 1992).
FIGURA 1 - Anatomia das estruturas periodontais do
co Fonte: www.ebah.com.br
Em um levantamento realizado nos Estados Unidos com 31.484 ces e
15.226 gatos, evidenciou-se que apenas 7% dos ces e 10% dos gatos
apresentavam-se saudveis, sendo que a cavidade oral representou o stio de
maior prevalncia de afeces (LUND et al., 1999). Em outro estudo realizado por
4
KYLLAR & WITTER (2005) constatou-se que, de 408 ces apresentados
consulta, 348 apresentaram afeces orais, destas 60% correspondiam
periodontite.
Segundo LYON (1991) aproximadamente 85% dos ces, acima de
quatro anos de idade, apresentam doena periodontal. J FORD &
MAZZAFERRO (2007) relataram uma proporo de 85% a 95% para animais
acima de seis anos. Alguns autores ressaltam ainda que, por volta dos dois anos
de idade, 70% dos gatos e 80% dos ces j tero algum grau de doena
periodontal porm hoje j relata-se uma prevalncia de 92,5% para ces (WIGGS
& LOBPRISE, 1997).
A doena periodontal considerada, portanto, a segunda molstia mais
frequente em ces e gatos, atrs apenas de afeces msculo-esquelticas
(HARVEY & EMILY, 1993; LUND et al., 1999; MILKEN et al., 2003; FREEMAN et
al., 2006). Entretanto, apesar da alta incidncia, esse um problema que pode
ser evitado, estando relacionado higiene bucal (FORD & MAZZAFERRO, 2007;
DIAS et al., 2008).
2.1.1 Etiologia
Apesar de muitos fatores influenciarem no desenvolvimento da doena
periodontal, o agente etiolgico primrio a placa bacteriana, tanto em humanos
quanto em ces (HARVEY & EMILY, 1993; DUPONT, 1998; GORREL, 2004;
SILVA et al., 2006; GIOSO, 2007).
O biofilme dentrio a matriz orgnica inicial para a deposio de
placa, sendo formado por uma fina pelcula, invisvel, de 0,1 a 0,8 mm (Figura 2)
(DUPONT, 1998; GIOSO, 2007), composto por restos alimentares, saliva,
polissacardeos extracelulares, clulas descamadas, leuccitos, macrfagos,
lipdios, carboidratos, bactrias (principalmente aerbias) e por minerais como
clcio, fsforo e magnsio (WIGGS & LOBPRISE, 1997; DUPONT, 1998;
CLELAND, 2000; GIOSO, 2007).
5
FIGURA 2 - Biofilme dentrio Fonte: HENNET (2005)
A placa bacteriana ou placa dentria o material pegajoso e
amarelado, resultante da colonizao e do crescimento de microrganismos
(DUPONT, 1998; LIMA et al. 2004; GIOSO, 2007), sendo conceituada por EMILY
et al. (1999) como sendo uma massa densa, no calcificada, estruturada e
resistente, firmemente aderida superfcie dos dentes e clculos dentais.
constituda por 80% de gua e 20% de slidos orgnicos e inorgnicos, sendo
que 80% da poro slida correspondem s bactrias. As bactrias no so os
nicos microrganismos presentes na placa, tambm h micoplasmas, um
pequeno nmero de leveduras, protozorios e vrus, incluindo os bacterifagos
(GENO et al., 1999).
A formao da placa dentria comea imediatamente aps a erupo
do dente, ficando banhados naturalmente no fluido biolgico da cavidade bucal,
que contm mais de 400 espcies de bactrias. Ocorre formao do biofilme
dentrio que fornece substrato, como nutrientes, metablitos, enzimas e oxignio
para a colonizao bacteriana. As bactrias distribuem-se no biofilme da placa
dentria em colnias, de uma maneira complexa e desequilibrada, ficando
envoltas por matriz extracelular. Esse tipo de organizao faz com quem elas se
tornem mais resistentes a antispticos e antibiticos (CLELAND, 2000; HENNET,
2005; PEAK, 2011).
6
Durante o sono, perodo em que no h ingesto de alimentos, que a
placa se forma mais rapidamente (WIGGS & LOBPRISE, 1997). Em 1965 foi
realizado um estudo comparativo, feito por Egelberg, no qual os animais eram
alimentados por intubao, constatou que h formao da placa bacteriana,
independente da ingesto de alimentos, observando ainda que a mastigao
exerce influncia benfica, contribuindo como mecanismo de limpeza da cavidade
oral (WATSON, 2006).
No incio da infeco h predomnio de bactrias gram-positivas,
aerbias e sem motilidade, que a microbiota endgena e nos estgios mais
avanados da infeco, predominam bactrias gram-negativas, anaerbias e com
motilidade, que a microbiota patognica (GIOSO, 2007). Enquanto nos animais
saudveis a proporo de bactrias anaerbias na cavidade oral de 25%, nos
animais doentes pode chegar a 95% (WIGGS & LOBPRISE, 1997). Portanto, a
doena periodontal ocorre quando a microbiota predominante no sulco gengival
se altera de cocos aerbios Gram-positivos imveis para bastonetes anaerbios
Gram-negativos mveis, gerando inflamao profunda, e que pode determinar
perda de sustentao dentria e destruio do ligamento periodontal. Essas
bactrias comunicam-se por meio do envio de sinais qumicos, que
desencadeiam a produo de protenas e enzimas bacterianas potencialmente
nocivas (GORREL, 2004; GIOSO, 2007; GORREL et al., 2007).
A placa bacteriana pode ser encontrada nas regies supragengival ou
subgengival. A placa supragengival refere-se aos agregados microbianos
localizados acima da gengiva, nas superfcies dentais (HARVEY & EMILY, 1993;
GENO et al., 1999). A placa subgengival corresponde aos agregados
bacterianos encontrados totalmente dentro do sulco gengival ou bolsas
periodontais (GENO et al., 1999). Ambas apresentam entidades morfolgicas e
microbiolgicas distintas (HARVEY & EMILY, 1993), sendo a supragengival
inicialmente colonizada por bactrias aerbias, gram-positivas e sem motilidade
(EMILY & PENMAN, 1994). A populao microbiana da placa subgengival
compreende microrganismos mistos, como cocos gram-positivos e gram-
negativos, alm de formas filamentosas com pequena matriz intermicrobiana
(HARVEY & EMILY, 1993). A placa bacteriana predomina na regio subgengival
pois o local em que a limpeza natural realizada pelo fluxo salivar, lngua, lbios
7
e pela abraso dos alimentos no tem uma ao eficiente (CLELAND, 2000;
GIOSO, 2007).
HARVEY et al. (1995) analisaram as bactrias da regio subgengival
de 49 ces com gengivite de moderada a grave, constataram que 58% so
aerbias e 42% anaerbias. Estudos realizados em 1965 j comprovavam que a
placa bacteriana era a responsvel pela induo de resposta inflamatria, sendo
que os sinais desapareciam mediante a remoo da placa (HARVEY & EMILY,
1993; GORREL, 2004).
Em estudo realizado por RIGGIO et al. (2011) foi feita a identificao
molecular das bactrias por cultura microbiolgica e por reao em cadeia da
polimerase (PCR). O resultado mostrou que os ces com gengivite apresentam
predomnio de Bacteriides heparinolyticus, Pasteurella dagmatis,
Porphyromonas cangingivalis e nos ces acometidos pela periodontite foi
identificado a presena de Actinomyces canis e Desulfomicrobium orale, alm de
espcies potencialmente novas, em ambos os grupos. VAN DAM et al. (2009)
relataram que Capnocytonodegmi encontrado na cavidade oral da grande
maioria dos ces
2.1.2 Fatores predisponentes
As anomalias anatmicas, dentais e periodontais, tais como o
prognatismo, braquignatismo e dentes decduos persistentes, so fatores
predisponentes doena periodontal, pois aumentam a reteno de placa
bacteriana (Figura 3) (KLEIN, 2000; GIOSO, 2007; PACHALY, 2006), alm de
traumatismo, malocluso, apinhamento dental, rotao dental, superfcies dentais
speras e algumas condies sistmicas, como azotemia (PACHALY, 2006).
H vrios outros fatores que interferem no desenvolvimento da doena
periodontal, como a idade do paciente, obesidade, formato da cabea (fator
racial), efeitos da mastigao, distrbios do sistema imunolgico ou
imunossupresso, sade geral do paciente, desnutrio, vcios de roer,
predisposio gentica, quantidade de saliva, microflora bucal, rotina de limpeza
profiltica e tipo de alimentao (HARVEY & EMILY, 1993; EMILY & PENMAN,
8
1994; GORREL, 2004; HENNET, 2005; PACHALY, 2006; GORREL et al., 2007;
GIOSO, 2007).
FIGURA 3 - Presena de dentes decduos em
cavidade oral na espcie canina (setas)
Fonte: GOUVEIA (2009)
Estudos relataram que a dieta natural dos carnvoros apresenta um
efeito antiplaca, contribuindo na higienizao oral. Entretanto, alimentos
inadequados, como as raes midas, favorecem o acmulo de placa
(BELLOWS, 2000). Entretanto, o formato e a textura do alimento so mais
importantes do que o contedo nutricional da dieta para o controle da placa e da
inflamao gengival (WIGGS & LOBPRISE, 1997).
TELHADO et al. (2004) realizaram um estudo avaliando a incidncia de
clculo dentrio e doena periodontal em ces da raa Pastor Alemo, em
diferentes faixas etrias, e a anlise dos dados obtidos permitiu verificar que,
quanto maior a idade dos ces, maior a freqncia e gravidade da doena
periodontal. Entretanto, vale salientar que, a enfermidade do periodonto no um
processo inevitvel em animais idosos, se as medidas profilticas forem
institudas adequadamente
KYLLAR & WITTER (2005) e VENTURINI (2006) observaram em seu
estudo, no apenas uma relao significativa entre a doena periodontal e a idade
avanada, como tambm entre a presena da doena periodontal e tamanho do
co, sendo a gengivite mais freqente nos ces acima de 30 kg e a periodontite
http://www.ourovet.com.br/
9
em ces com peso inferior a 10 kg. Esse fato explicado pela reduzida atividade
de mastigao dos ces de pequeno porte, no apresentando o hbito de morder.
Alm disso, comumente alimentam-se de comida caseira ou produtos
industrializados midos, no apresentando a abraso necessria para
desestruturao da placa dentria (PIBOT, 2007). Outra razo que justifica o
maior acometimento das raas pequenas o fato de apresentarem o mesmo
nmero de dentes que as raas maiores, porm com um crnio menor, com a
falta de proporo entre dentes e mandbula/maxila, tendem a adquirir malocluso
e apinhamento, devido a maior proximidade dos dentes (HARVEY & EMILY,
1993; POPE, 1996; WIGGS & LOBPRISE, 1997).
Dentre os ces de raas menores, a raa Yorkshire Terrier destaca-se
nos problemas dentrios, isso porque, nessa raa, os dentes decduos
permanecem na gengiva durante um perodo de tempo excepcionalmente longo,
induzindo alinhamento e orientao dentria imperfeita (PIBOT, 2007).
A saliva tambm auxilia na limpeza mecnica dos dentes, pois
apresenta propriedades imunolgicas representada pelas imunoglobulinas A e G,
alm de conter algumas enzimas que inibem a ao bacteriana, como a lisozima,
que destri a parede bacteriana, a peroxidase que inibe a formao cida e a
lactoferrina que diminui a digestibilidade do ferro, requerido para o crescimento da
bactria. Assim sendo, a quantidade e a qualidade da saliva tambm um dos
fatores que influenciam no desenvolvimento da doena periodontal, sendo que
sua produo reduzida (xerostomia) agrava o quadro bucal (WIGGS &
LOBPRISE, 1997).
O clculo dentrio, tambm denominado odontlito (Figura 4), o
principal fator predisponente doena periodontal, formado pela precipitao de
sais minerais provenientes da saliva, tais como o carbonato de clcio e o fosfato
de clcio. Constitui material duro, mineralizado, de cor amarelada, marrom ou
ainda esverdeada com superfcie externa spera que facilita o acmulo de mais
placa bacteriana, exarcebando seus efeitos nocivos. Assim como a placa, pode
localizar-se em regio supra ou subgengival, sendo um irritante gengival passivo
local (HARVEY & EMILY, 1993; GORREL, 2004; LIMA et al., 2004; PACHALY,
2006; GIOSO, 2007).
10
FIGURA 4 - Presena de odontlitos na cavidade
oral de um co (setas)
O clculo dentrio supragengival formado por calcite, um tipo de
carbonato de clcio proveniente da saliva, misturado com pequena quantidade de
fosfatos. cinzento-acastanhado, volumoso, quebradio e de fcil remoo
quando se utiliza instrumentos adequados (GORREL, 2004). Os clculos
subgengivais ocorrem em consequncia da deposio de mineral plasmtico.
Esse tipo de clculo mais nocivo quando comparado ao supragengival. Pode-se
apresentar de colorao negra por incorporao de pigmentos de hemoglobina
degradada e de pigmentos produzidos pelas bactrias da placa subgengival
(HARVEY & EMILY, 1993).
Os animais de companhia apresentam o pH da cavidade oral em torno
de 7,5 a 9,0, isso explica o fato de apresentarem maior quantidade de clculo em
comparao a outras espcies pois sabe-se que o pH alcalino favorece a
calcificao do clculo dentrio (GIOSO, 2007). Em estudo realizado por
TELHADO et al. (2004) verificou-se que a severidade da doena periodontal
acompanhada pela gravidade da presena de clculos.
A resposta imune, quando alterada, mediante fatores como a
senilidade, estresse psicolgico ou ambiental, debilidade orgnica, situaes
imunossupressoras, doenas sistmicas como a uremia, hepatite e distrbios
endcrinos, torna o animal mais susceptvel, exercendo influncia na prevalncia
da doena periodontal (WIGGS & LOBPRISE, 1997).
11
2.1.3 Fases da doena periodontal
A evoluo da doena periodontal determinada pelo mecanismo de
ao das bactrias da placa e a resposta inflamatria do organismo animal, o que
pode levar a efeitos locais e sistmicos (GORREL, 2004). O sistema imunolgico
do co apresenta-se sob duas formas: latente e ativa. Nota-se a forma latente em
animais que apresentam grande quantidade de clculos, mas sem caracterstica
clnica e radiogrfica da doena. J a forma ativa da enfermidade caracteriza-se
pela manifestao local da doena periodontal, com gengivite e periodontite
(GORREL, 1998; GIOSO, 2007).
a) Gengivite
A gengiva a primeira linha de defesa s agresses periodontais,
formada por epitlio pavimentoso estratificado queratinizado e pode ser dividida
em poro fixa e marginal, sendo que a fixa est firmemente aderida ao peristeo
subjacente e, a marginal, pouco espessa e circunda o dente coronalmente
(POPE, 1996). Esse tipo de epitlio oferece pouca resistncia aos agentes
agressores (LINDHE et al., 2003).
A instalao da placa dentria um evento antignico, uma vez que
essas bactrias comunicam-se por meio do envio de sinais qumicos que
desencadeiam a produo de protenas, toxinas e enzimas bacterianas
potencialmente nocivas, que em contato constante com a gengiva marginal vai
lesion-la, rompendo a integridade da matriz intercelular do epitlio gengival
provocando uma resposta inflamatria que, quando restrita gengiva,
denominada gengivite (GORREL, 2004; HENNET, 2005; GIOSO 2007; GORREL
et al., 2007).
A princpio esto presentes bactrias especficas gram-positivas,
aerbias, como as espcies Streptococcus e Actinomyces, que apresentam
propriedades de aderncia por meio de fmbrias, hemaglutininas e
polissacardeos. Os polissacardeos produzidos por estas bactrias formam o
glicoclix, substncia semelhante a uma cola, no qual se agregam novas
bactrias que por si s no teriam essa capacidade. medida que a gengivite se
desenvolve, as bactrias aerbias consomem oxignio, tornando o ambiente
12
adequado ao crescimento de outras espcies bacterianas, como as anaerbias,
gram-negativas, filamentosas e com mobilidade (HARVEY & EMILY, 1993;
WIGGS & LOBPRISE, 1997; GORREL, 2004; HENNET, 2005; CARVALHO &
CABRAL, 2007; GIOSO, 2007). A doena periodontal instala-se quando a
microbiota patognica torna-se predominante (GIOSO, 2007).
Com o processo inflamatrio h hiperatividade dos neutrfilos
estimulados pela presena de citocinas pr-inflamatrias no sitio infectado,
resultando em vasodilatao, marginao leucocitria, migrao celular, produo
de prostaglandinas e enzimas destrutivas e, finalmente, edema (OFFENBACHER,
1996). Tais eventos, considerados protetores, podem tornar-se nocivos quando
superestimulados, pois desencadeiam resposta antignica de linfcitos, com
produo de imunoglobulinas (HARVEY & EMILY, 1993). O sistema imunolgico
atua com o intuito de evitar que os microrganismos se disseminem
sistemicamente ou invadam tecidos adjacentes porm, os consequentes eventos
celulares e bioqumicos contribuem para a destruio dos tecidos envolvidos
(HARVEY & EMILY, 1993; EMILY & PENMAN, 1994). Alm disso, os
lipopolissacardeos de patgenos periodontais tambm podem ativar diretamente
os receptores de clulas epiteliais bucais levando produo das citocinas
inflamatrias (ESKAN et al., 2008).
A gengivite evidente e passvel de ser detectada no exame clnico
(Figura 5), em geral uma semana aps a formao da placa bacteriana (GIOSO,
2007; GORREL, 2007), sendo visualizada como uma linha avermelhada ao longo
da margem gengival (GORREL, 2004; GIOSO, 2007), podendo apresentar-se
inflamada, edemaciada e, nos casos mais graves, frivel com sangramento
espontneo. No h deteriorao de tecidos e as estruturas sseas dos dentes
permanecem inalteradas (HARVEY & EMILY,1993).
A hiperplasia gengival inflamatria (Figura 6) pode ocorrer em alguns
casos, especialmente nos ces de grande porte. Em resposta placa, a gengiva,
cuja base aderida, crescer coronalmente e ao redor do dente. Essa formao
pode ser de origem espontnea ou hereditria (EMILY & PENMAN, 1994; GIOSO,
2007). O processo provoca o aumento da profundidade do sulco entre o dente e a
gengiva (pseudo-bolsa), o que torna ainda mais difcil a raspagem natural durante
a alimentao e a penetrao do fluxo salivar (GIOSO, 2007). Essas falsas bolsas
13
gengivais retm a placa e restos celulares, sendo um estmulo para incio da
periodontite (EMILY & PENMAN, 1994).
FIGURA 5 - (A) Gengivite inicial mostrando eritema da margem gengival e
incio da deposio de clculo; notar o edema da gengiva. (B) Gengivite avanada revelando eritema moderado e edema, assim como o aumento da deposio de clculo
Fonte: adaptado de BROOK & NIEMIEC (2008)
FIGURA 6 - Hiperplasia gengival inflamatria
na cavidade oral em co (seta) Fonte: LOCFMVZ/USP (2009)
Altos ndices de placa bacteriana estavam presentes em humanos que
ficaram sete dias sem realizar a escovao dos dentes. Portanto, comprovado
que a higienizao oral realizada por meio da escovao visa desorganizar
fisicamente a placa dentria, evitando assim seu acmulo (DUPONT, 1998;
HENNET, 2005). HARVEY (2005) ressaltou que, quando a higiene oral escassa,
14
a quantidade de bactrias vai aumentando constantemente conduzindo, mais
rapidamente, evoluo da doena.
Em estudo realizado em ces, foi realizado a escovao dentria em
dias alternados e verificaram, ento, que esta frequncia de higienizao no foi
suficiente para a manuteno da sade oral e que, independente do tipo de
alimentao, o ideal a escovao dental diria. Para manter a gengiva saudvel
em ces, a escovao pode ser realizada trs vezes por semana, porm na
presena de gengivite, dever ser efetuada diariamente (DUPONT, 1998).
Autores relataram que, diante da remoo da placa, a gengivite desaparece
(GORREL, 2004; GIOSO, 2007).
Em um estudo realizado por LIMA et al. (2004), comparou-se a
eficincia da remoo da placa bacteriana dental com a escova dental e a dedeira
em ces. Observou-se que a escovao foi capaz de remover a placa bacteriana
em 96,95% quando se utilizou a escova dental e 81,40%, com o uso da dedeira.
Conclui-se que ambos os mtodos so eficientes na remoo da placa dental em
ces, diminuindo, portanto, as implicaes clnicas locais e sistmicas da placa
bacteriana. De acordo com MILLER & HARVEY (1994) menos de 10% dos
proprietrios de ces concordam com as recomendaes para escovar os dentes
de seus animais. No entanto, se habituassem a realizar escovao em seus ces,
poderiam reduzir em 90% a predisposio doena periodontal, pelo controle da
placa bacteriana (DUPONT, 1998).
b) Periodontite
A patogenia da periodontite envolve dois mecanismos de agresso
tissular: a injria direta causada pela placa bacteriana e a injria indireta causada
pela inflamao provocada pelos microrganismos presentes na placa (GORREL,
2004).
Com a evoluo do processo inflamatrio o epitlio do sulco gengival
perde a integridade, o que permite livre acesso s bactrias e seus subprodutos,
podendo atingir estruturas mais profundas. A partir do momento que ocorre o
envolvimento do periodonto de sustentao (ligamento periodontal, osso alveolar
15
e cemento) o processo passa a ser chamado de periodontite (BELLOWS, 2000;
GIOSO, 2007).
Conforme HARVEY & EMILY (1993), a periodontite classificada,
conforme a gravidade em (Figura 7):
Periodontite inicial: A topografia gengival est normal ou hiperplsica, h
inflamao do ligamento periodontal e formao de pequena bolsa. Perda ssea
mnima est presente e mobilidade dentria est ausente.
Periodontite moderada: Nesta fase h perda de aproximadamente 30% a 50%
do osso alveolar, resultando em moderada perda da insero do dente e
formao de bolsa periodontal. H hiperplasia gengival, porm a topografia da
gengiva permanece conservada, essa hiperplasia pode mascarar a profundidade
da bolsa ou a retrao gengival pode reduzir o tamanho da bolsa formada. Nota-
se moderada mobilidade dentria nos incisivos, sendo, entretanto, quase
imperceptvel na maioria dos dentes.
Periodontite avanada: Esta fase caracteriza-se por acentuada perda dos
tecidos periodontais e ntida formao de bolsas periodontais ou retrao gengival
significativa. H perda de mais de 50% do osso alveolar provocando forte
mobilidade dos dentes, podendo culminar na esfoliao dentria pois o dente
perde toda sua insero, caindo espontaneamente.
FIGURA 7 - Diferentes graus de evoluo da periodontite Fonte: www.cveuropa.com
http://www.cveuropa.com/
16
Entretanto, classificaes mais recentes dividem a periodontite
conforme a gravidade, em escores (ROZA, 2004):
Escore 1: gengivite marginal
Escore 2: incio de edema e inflamao da gengiva aderida
Escore 3: edema, gengivite e bolsas
Escore 4: bolsas profundas, formao de pus, perda ssea, mobilidade
dental
Escore 5: abscessos dentrios, perda ssea avanada
A progresso da doena vai depender da quebra do equilbrio entre as
defesas do animal e a patogenicidade das bactrias, ocorrendo em velocidade
variada, podendo prolongar por anos (GORREL, 1998; GIOSO, 2007; BROOK &
NIEMIEC, 2008). Para LINDHE et al. (2003) uma doena de evoluo contnua,
com perodos de exacerbao e de remisso, sendo essa progresso
determinada pela resposta do hospedeiro.
medida que a placa se acumula o ambiente vai se tornando mais
propcio s bactrias altamente patognicas (gram-negativas, anaerbias,
mveis), sendo essas as responsveis por atingir estruturas do periodonto,
desencadeando a periodontite (GIOSO, 2007). A microbiota subgengival
associada periodontite consiste essencialmente em Porphyromonas spp,
Prevotella spp, Peptostreptococcus spp e Fusobacterirum spp (HARVEY &
EMILY, 1993; POPE, 1996; CARVALHO & CABRAL, 2007).
Em humanos a Prophyromonas gingivalis considerada o maior
agente patognico do periodonto e um importante causador da perda ssea
periodontal (FOURNIER et al., 2001). Os estudos de HARDHAM et al. (2005),
suportaram esta teoria, pois descreveram uma cepa semelhante
Porphyromonas gingivalis associada doena periodontal em ces, sendo
denominada Porphyromonas gulae, alm das cepas Porphyromonas salivosa e
Porphyromonas denticanis. Estudo adicional de FOURNIER et al. (2001) foi
realizado em camundongos com o intuito de provar a patogenicidade dessas
bactrias, sendo colocadas no sulco subgengival dos animais e demonstrou-se
que tais microrganismos foram os responsveis pela perda ssea alveolar nos
animais testados.
17
A patogenia da periodontite envolve mecanismos de agresso tissular
direta e indireta. As bactrias e os produtos oriundos do seu metabolismo,
destacando-se a amnia, o indol, o sulfureto de hidrognio e o cido butrico,
adentram, afetando diretamente os tecidos de suporte do dente. Alm disso, h
ativao de enzimas proteolticas, como as proteases e colagenases, que
destroem as fibras de colgeno do ligamento periodontal, causam retrao
gengival e estimulam a ao de osteoclastos presentes na regio, podendo
determinar o incio da reabsoro do osso alveolar (PACHALY, 2006;
GIOSO,2007). H tambm a atuao de outras enzimas, como a condroitinase,
elastina, fibronectina e fibrina. A condroitinase produzida por alguns
microrganismos sendo capaz de destruir o cido hialurnico (polissacardeos
cimentantes do tecido periodontal), aumentando a permeabilidade tecidual ao
bacteriana (WIGGS & LOBPRISE, 1997; DUPONT, 1998; HENNET, 2005; GIOSO
2007).
A agresso indireta, considerada a principal agravante da periodontite,
refere-se capacidade que os subprodutos das bactrias da placa dentria tm
de ativar reaes inflamatrias imunolgicas e no imunolgicas responsveis
pela leso tecidual (GORREL, 1998; GIOSO, 2007).
Os neutrfilos provenientes da inflamao morrem liberando potente
arsenal enzimtico, com maior produo de prostaglandinas que induzem maior
permeabilidade capilar, facilitando a bacteremia. Alm disso, as prostaglandinas,
assim como as proteases e colagenases, estimulam os osteoclastos presentes na
regio, responsveis pela reabsoro ssea (HARVEY & EMILY, 1993; GORREL,
1998, GORREL, 2004).
O osso alveolar reabsorvido mediante leso progressiva. O epitlio
juncional, que o tecido responsvel por fixar a gengiva ao dente, destrudo
resultando em perda de aderncia da gengiva e formao de bolsa periodontal
entre o dente e o osso (EMILY & PENMAN, 1994; GIOSO, 2007). O osso alveolar,
uma vez perdido, no se regenera. A bolsa periodontal patolgica formada
fornece condies ideais proliferao bacteriana, tais como calor, ausncia de
luz, umidade e suporte nutricional (HARVEY & EMILY, 1993; CLELAND, 2000).
As bolsas, quando profundas, podem exsudar pus (EMILY & PENMAN, 1994).
18
A perda ssea causa instabilidade e, consequentemente, mobilidade
do dente afetado sendo ento, durante a mastigao, empurrado contra o osso
restante, culminando com a esfoliao do dente (HARVEY, 2005; GIOSO, 2007).
Em um nvel mais avanado, a perda ssea pode originar a fratura patolgica da
mandbula. Com a perda do dente acaba toda a contaminao que ocorria
naquele alvolo dentrio, ento a inflamao retrocede, a salincia do dente
atrofia e o epitlio gengival cicatriza, cobrindo a superfcie mandibular presente
(HARVEY, 2005).
Em experimento realizado por EURIPEDES et al. (1996) constatou-se
que os dentes incisivos foram os que apresentaram menor ndice de
acometimento pela placa bacteriana. Isso foi atribudo sua funo bsica de
apreenso, sendo dessa forma, os dentes que mais sofrem abraso dos
alimentos. Como os ces praticamente deglutem os alimentos em pedaos
maiores, os outros grupos dentrios responsveis pela mastigao quase no
sofrem abraso dos alimentos. Entretanto, GIOSO (2007) relatou que os dentes
incisivos dos ces e gatos so os primeiros elementos dentais afetados na
doena periodontal devido ao reduzido espao interdental, prejudicando o
processo de autolimpeza, alm de apresentarem a cortical ssea muito delgada, o
que facilita o acometimento pela doena periodontal. HARVEY (2005) relatou que
no s os incisivos mas o 1 pr-molar e o 2 molar inferior so os mais
frequentemente perdidos, pois so dentes que apresentam apenas uma raiz ou
razes menores. Semelhantemente, RAMOS (2010) mostrou em estudo que os
dentes mais acometidos nos ces foram, predominantemente, os pr-molares e
molares superiores.
importante ressaltar que a periodontopatia pode afetar um nico
dente ou um grupo de dentes e h a possibilidade de coexistirem diferentes graus
de doena periodontal em diferentes dentes e em diferentes regies do mesmo
dente (KLEIN, 2000).
Atualmente existe vacina contra a Porphyromonas para humanos e
ces. Ensaios em ces mostraram que a vacina segura e seu uso foi permitido
por licena provisria concedida pelo Departamento de Agricultura dos Estados
Unidos (USDA). Entretanto, estudos a longo prazo esto em anlise (PEAK,
2011).
19
A vacinao tem o intuito de diminuir a incidncia de periodontite,
perda ssea periodontal e perda dentria, bem como evitar as consequncias
sistmicas, podendo ser usada, precocemente, em pacientes de raas
predispostas enfermidade bucal, tais como Poodle, Schnauzer, Yorkshire Terrier
e Galgos ou at mesmo em pacientes idosos aps realizao de tratamento
periodontal (PEAK, 2011).
A vacina contra P. gingivalis (Figura 8) foi uma das teses propostas por
PAGE (2000), com o intuito de evitar a infeco bacteriana e suas consequncias,
j testada em primatas no humanos, mostrando induzir proteo nos animais
com periodontite, comparativamente ao grupo controle.
FIGURA 8 - Porphyromonas gingivalis Fonte: www.odontoblogia.com.br
O mesmo resultado foi obtido em teste realizado por HARDHAM et al.,
(2005) que propuseram a vacina monovalente contra Porphyromonas gulae. Alm
disso, quando o epitlio do sulco gengival destes indivduos do teste foram
cultivadas, P. gulae foi encontrado em grandes quantidades no controle, mas
apenas em nveis mnimos nos vacinados. Isso deu fortes indcios de que o grupo
vacinado no s estava protegido, mas tambm teve menos carga de patgenos
no periodonto. Esta vacina monovalente tambm gerou proteo cruzada quando
http://www.odontoblogia.com.br/
20
os animais foram desafiados com outras cepas (P. strains, P. salivosa e P.
denticaninum).
A forma de como essa vacina atua no organismo ainda est sob
investigao, contudo, acredita-se que a IgG seja a responsvel pelo efeito
protetor. Em condies normais, h um fluxo contnuo de lquido oriundo do soro
no sulco gengival dos ces, chamado de fluido gengival crevicular. Com a
inflamao desencadeada pela doena periodontal esse fluxo aumenta. A IgG
est presente nesse fluido e liga-se bactria alvo impedindo que penetre na
insero do periodonto, assim sendo, neutrfilos e macrfagos detectam, atacam
e destroem, com maior facilidade, os microrganismos patognicos (PEAK, 2011).
2.2 Glomerulonefrite secundria doena periodontal
A associao entre doena periodontal e doena sistmica foi
postulada h mais de 100 anos. Desde ento, muitos estudos vem sendo
realizados, tanto na rea humana quanto na veterinria, demonstrando uma
relao significativa entre elas (BARNETT & HYMAN, 2006). A periodontia mdica
estabelece, por meio de evidncias cientficas, a real associao entre sade
periodontal e sade sistmica, determinando um eixo bidirecional no qual a
doena periodontal pode influenciar negativamente a sade geral de um indivduo
assim como as diversas enfermidades podem afetar, tanto o estabelecimento
como a progresso da doena periodontal (DOUGLASS, 2008).
A doena periodontal fonte de infeco crnica e a resposta do
hospedeiro resulta na produo local de citocinas e mediadores biolgicos, como
interleucinas e prostaglandinas, que induzem ao aumento da permeabilidade
vascular e ativao leucocitria, alm de estimular a produo de anticorpos
sricos (PAGE, 2000).
O aumento da permeabilidade vascular altera a integridade epitelial e
durante a mastigao, devido rica vascularizao do periodonto e s
microleses gengivais, o ambiente torna-se favorvel s endotoxinas bacterianas,
permitindo que lipopolissacardeos da parede celular de bactrias gram-negativas,
se desprendam e adentrem a corrente sangunea, resultando em resposta
21
imunolgica sistmica com graves distrbios secundrios, dentre eles, a
glomerulonefrite que consiste na inflamao dos glomrulos (PIHLSTROM et al.,
2005; PACHALY, 2006; GIOSO, 2007; GORREL et al., 2007; TONETTI et al.,
2007).
A glomerulonefrite por deposio de complexo imunolgico uma das
principais afeces glomerulares que acometem ces e gatos, sendo
frequentemente associada a doenas infecciosas e inflamatrias, que cursam
com bacteremia, como no caso da doena periodontal. Muitas vezes, porm, no
identificada a origem do antgeno ou da doena latente (NELSON & COUTO,
1992; GRAUER & DIBARTOLA, 1997).
Na glomerulonefrite imunomediada, o complexo antgeno-anticorpo
provoca uma resposta de hipersensibilidade do tipo III localizada, que ativa o
sistema complemento, provocando aderncia e agregao plaquetria, infiltrao
por leuccitos e ativao do sistema de coagulao com deposio de fibrina, o
que resulta em danos glomerulares (NELSON & COUTO, 1992; BARBER, 2006).
A aderncia e agregao plaquetria ocorrem secundariamente leso
do endotlio vascular ou interao antgeno-anticorpo. Como consequncia, as
plaquetas exacerbam a leso glomerular por liberao de substncias vasoativas
e inflamatrias (principalmente tromboxanos), facilitando a cascata de
coagulao. Existem muitas evidncias que indicam que os troboxanos so
importantes mediadores da inflamao e da proteinria associadas a
glomerulonefrite por imunocomplexo (NELSON & COUTO, 1992).
O fator ativador das plaquetas potente autacoide derivado de lipdios,
podendo ser produzido por neutrfilos, macrfagos, plaquetas, clulas mesangiais
e endoteliais glomerulares. O fator ativador das plaquetas promove a infiltrao
por neutrfilos, produo de eicosanoides e aumento da permeabilidade vascular,
contribuindo com a ocorrncia da glomerulonefrite. O xido ntrico pode causar
citotoxicidade ao formar o complexo ferro-nitrosila-enxofre que inibe as enzimas
dependentes do ferro e provoca a cessao da replicao do DNA, sendo
produzido por plaquetas, neutrfilos, macrfagos e clulas endoteliais presentes
no interior de glomrulos inflamados (GRAUER & DIBARTOLA, 1997).
O glomrulo fornece ambiente nico para que os fatores lesivos
estimulem a produo de mediadores bioativos, tais como eicosanoides,
22
citocinas, fatores de crescimento e xido ntrico. Esses mediadores podem ser
produzidos pelas clulas glomerulares endgena ou por clulas sanguneas
recrutadas, como neutrfilos e plaquetas (NELSON & COUTO, 1992; GRAUER &
DIBARTOLA, 1997; BARBER, 2006).
Os neutrfilos so atrados por componentes quimiotticos do sistema
complemento resultando na liberao de radicais livres de oxignio e enzimas
lisossmicas, contribuindo com a leso glomerular. Os glomrulos contm em sua
composio glicoprotenas cidas que so negativamente carregadas. Antgenos
no glomerulares podem estar localizados na parede do capilar glomerular como
resultado de interao de carga eltrica ou afinidade bioqumica, assim sendo,
anticorpos podem ser direcionados contra esses antgenos intrnsecos fixados na
membrana basal glomerular, o que tambm contribui para a leso do glomrulo
(NELSON & COUTO, 1992; GRAUER & DIBARTOLA, 1997).
Assim, uma srie de eventos, como consequncia da agresso, podem
culminar na proliferao das clulas glomerulares, espessamento das paredes
dos capilares, hialinizao glomerular e esclerose (GRAUER & DIBARTOLA,
1997).
O fator de necrose tumoral, interleucina-1, o fator do crescimento
derivado das plaquetas, fator de transformao do crescimento e o fator de
crescimento epidrmico contribuem para a proliferao das clulas mesangiais,
produo da matriz mesangial, adeso das clulas inflamatrias, aumento da
permeabilidade vascular, coagulao e deposio da fibrina a nvel
intraglomerular, contribuindo com as leses. Estes peptdeos possuem aes
principalmente parcrinas e autcrinas, podendo atuar sinergicamente (GRAUER
& DIBARTOLA, 1997).
Em humanos, a gravidade da doena periodontal est relacionada com
a incidncia da insuficincia renal (LUND et al., 1999). Um estudo retrospectivo
mostrou que adultos com doena periodontal (7,5%) foram 4,5 vezes mais
propensos a ter doena renal crnica do que aqueles sem doena periodontal
(FISHER & TAYLOR, 2009). A associao similar foi demonstrada em outro
estudo aps estabelecerem ajustes simultneos para fatores de risco demogrfico
e cardiovasculares (KSHIRSAGAR et al., 2005).
23
Sabe-se que uma leso irreversvel ao glomrulo torna afuncionante
todo o nfron, e se a afeco progressiva, resultar em insuficincia renal
(GRAUER & DIBARTOLA, 1997). Diversos estudos demonstraram que a
prevalncia de glomerulonefrite em ces selecionados ao acaso chega a atingir
50% e, se no tratada, pode evoluir para doena renal crnica, necessitando
dilise ou transplante renal (COLLINS et al., 2005; NOTOMI et al., 2008).
Em estudo realizado observou-se que a doena periodontal estava
presente em 30,8% dos gatos urmicos e em 34,6% dos gatos com insuficincia
renal crnica terminal (ETTINGER, 2004).
Evidncias em seres humanos sugerem que a periodontite resulta em
inflamao sistmica subclnica, que promove a aterosclerose e leva a hipoxemia
renal secundria, leso renal progressiva e doena renal crnica por meio de
estenose arterial localizada e reduo do dbito cardaco (SCANNAPIECO &
PANESAR, 2008).
Em um estudo em que foram avaliadas a cavidade oral e necropsiados
45 ces, o resultado macro e microscpico indicou relao entre a gravidade da
afeco oral e alteraes sistmicas. A doena periodontal foi relacionada a
alteraes morfolgicas no glomrulo e interstcio renal (DEBOWES et al., 1996).
O aspecto mais importante na glomerulonefrite secundria doena
periodontal identificar essa causa e trat-la (FORRESTER, 2003). Em estudo
realizado por GLICKMAN et al. (2011) constatou-se que o tratamento da doena
periodontal em ces foi associada reduo de 23% no risco de doena renal.
Esse dado consistente com pesquisa realizada por DE OLIVEIRA et al. (2010),
baseado em uma populao de 11.869 homens e mulheres.
Nos exames laboratoriais de pacientes com glomerulonefrite, as
anormalidades hematolgicas so inespecficas e podem incluir anemia no-
regenerativa, hipoproteinemia e leucocitose. As anormalidades bioqumicas
sricas podem incluir hipoalbuminemia, hipercolesterolemia e/ou
hiperglobulinemia (FORRESTER, 2003).
Assim, o estabelecimento do diagnstico da doena periodontal como
causa da glomerulonefrite primordial para instituio de medidas que auxiliem
na recuperao do rgo, antes que o organismo desempenhe mecanismos
metablicos adaptativos e compensatrios que culminem na impossibilidade de
24
reverter o quadro patolgico, comprometendo a qualidade de vida do animal com
reduo da sua sobrevida (STEVENS et al., 2006).
2.2.1 Proteinria e microalbuminria
Os glomrulos funcionam como filtros do plasma (GRAUER &
DIBARTOLA, 1997) e, em condies normais, as protenas no esto presentes
em grandes quantidades no filtrado glomerular. O colgeno do tipo IV, localizado
na membrana basal da parede capilar glomerular, o responsvel por restringir a
filtrao da maioria das protenas plasmticas, principalmente em funo do peso
molecular e tamanho das partculas proteicas. Essa permeabilidade seletiva no
permite nem mesmo a passagem da albumina, que uma das protenas de
menor peso molecular (69.000 Dalton). Alm disso, a parede dos glomrulos
apresenta carga negativa, impedindo a passagem de protenas, tambm
carregadas negativamente, como a albumina (GRAUER, 2011). Ainda assim, as
protenas de menor peso molecular ou protenas maiores com carga positiva, que
conseguem passar pelos glomrulos, so completamente reabsorvidas pelas
clulas epiteliais do tbulo contorcido proximal, podendo ser degradadas e
utilizadas pelas clulas tubulares ou retornarem ao sangue (GRAUER, 2011).
Diante disso, na glomerulonefrite, a permeabilidade seletiva do
mecanismo de filtrao glomerular perdida, permitindo a passagem de grande
quantidade de protenas sricas (GRAUER, 2011). Portanto, a principal
caracterstica da glomerulopatia a presena de proteinria significativa na
ausncia de hematria, piria e bacteriria. A proteinria sem a companhia de
achados significativos no sedimento urinrio a marca fundamental da afeco
glomerular e isso leva perda progressiva da massa renal funcional pois uma
leso irreversvel ao glomrulo torna o nfron afuncional e, em afeces
progressivas, resulta em insuficincia renal (GRAUER & DIBARTOLA, 1997),
podendo levar a morte do animal, uma vez que o rim responsvel por funes
reguladoras, excretoras e endcrinas, sendo essencial para a manuteno do
equilbrio hdrico, eletroltico, homeosttico e cido-base no organismo animal
(STRASINGER, 1996).
25
A proteinria a presena excessiva de qualquer tipo de protena na
urina e microalbuminria est relacionada presena de pequena concentrao
de albumina na urina em valores acima dos parmetros fisiolgicos permitidos.
Em condies fisiolgicas, o filtrado glomerular de ces e gatos saudveis contm
apenas 2 a 3 mg/dL de albumina em comparao aos 4 g/dL encontrados no
plasma. Isso corresponde a 40% a 60% de albumina urinria em relao s
demais protenas. A proteinria pode refletir funo renal inadequada e, quando
detectada, importante avaliar sua origem, visando estabelecer um diagnstico
adequado (STOCKHAM & SCOTT, 2002; GREGORY, 2003; BARSANTI et al.,
2004; LESS et al., 2005; GRAUER, 2011).
Em humanos, a albuminria j um indicador preciso de doena renal
e sua deteco precoce, com a instituio de tratamento adequado, tem retardado
a progresso da enfermidade. Alm disso, o excesso de protenas no filtrado
glomerular pode resultar em toxicidade s clulas epiteliais tubulares, gerando
inflamao intersticial, fibrose e morte celular (KEANE & EKNOYAN, 1999; EDDY,
2001).
Estudos em ces mostraram que a microalbuminria um bom
marcador da funo renal, considerando o incio da doena. Nesse caso, os ces
devem receber maior ateno e cuidados especiais. Entretanto, a sua prevalncia
parece variar de acordo com diferentes doenas, podendo refletir outras
alteraes alm da doena renal, incluindo doenas cardiovasculares,
inflamatrias no infecciosas e metablicas (LEES et al., 2002; PRESSLER et al.,
2003). Ces com linfossarcoma e osteossarcoma apresentaram aumentos
significativos nas concentraes de albumina urinria, que tendem a reduzir
medida que diminui a carga tumoral (PRESSLER et al., 2003; GRAUER, 2011).
REGO (2006) avaliou a concentrao de albumina na urina em ces
com insuficincia renal crnica (IRC) comparativamente aos ces hgidos,
estabeleceu ainda a razo albumina:creatinina urinria (RAC) e
protena:creatinina urinria (RPC), correlacionando presso arterial. Foi
observado aumento gradual na RPC nos ces doentes, seguido por aumento
igualmente gradual na RAC, acompanhados por aumento da presso arterial. O
estudo mostrou que a albuminria resulta em hipertenso e esta causa efeito
adverso sobre os rins de ces com IRC, assim como observado em humanos.
26
Relatos em ces mostram que a albuminria estava presente em
grande porcentagem dos animais que precisaram ser eutanasiados ou que
morreram naturalmente, sugerindo que, assim como nas pessoas, pode ser
indicador de prognstico desfavorvel (LEES et al., 2002).
A presena excessiva de protena na urina pode ter causas fisiolgicas
ou patolgicas. A condio fisiolgica ou benigna geralmente transitria, de
baixa magnitude e tende a reduzir quando o agente desencadeante removido.
As principais causas so ingesto de alimento hiperproteico, exerccios
extenuantes, convulses, febre, estresse e exposio ao calor ou frio (McCAW et
al., 1985). O mecanismo pelo qual a proteinria fisiolgica ocorre ainda no est
completamente esclarecido, mas acredita-se que esteja relacionado
vasoconstrico renal transitria, isquemia e/ou congesto (LAROUTE et al.,
2005).
Em estudo realizado por McCAW et al. (1985), verificou-se que a
reduo da atividade fsica influenciou no desenvolvimento de proteinria em
ces, mostrando que a perda proteica pela urina foi maior em ces confinados em
baias quando comparada aos ces com nvel de atividade fsica normal.
Complementarmente, segundo GARY et al. (2004), ces submetidos caminhada
em esteira por 20 minutos no apresentaram proteinria, indicando que o
aumento da atividade fsica no foi um fator de risco.
A proteinria patolgica pode ser oriunda de causas pr-renal, renal ou
ps-renal. A proteinria de origem pr-renal relaciona-se estados patolgicos
que aumentam as concentraes de protenas de baixo peso molecular na
circulao, como o caso em leses musculares extensas (mioglobinria),
anemias hemolticas (hemoglobinria) e at mesmo devido a alta produo de
imunoglobulinas de cadeias leves por clulas plasmticas neoplsicas, como o
mieloma mltiplo. As protenas de baixo peso molecular, quando em excesso,
extrapolam a capacidade de reabsoro tubular e concentram-se na urina
(MEYER & HARVEY, 1998; SCOTT & STOCKHAM, 2002; BARSANTI et al.,
2004; GRAUER, 2011).
A proteinria de origem renal ocorre, principalmente, devido s
alteraes na permeabilidade glomerular, frequentemente associada
hipertenso intraglomerular, a presena de complexos imunes, inflamao
27
vascular nos capilares glomerulares ou defeitos estruturais na membrana basal do
glomrulo (GRAUER, 2011). Na hipertenso intraglomerular h aumento da TFG,
resultando em hiperfiltrao, com consequente sobrecarga nos nfrons residuais
e progresso da doena renal (FINCO et al., 1999).
A glomerulonefrite uma das principais causas de proteinria renal,
por ser a principal causa de IR em ces. A leso glomerular geralmente evidencia
proteinria mais severas do que aquelas associadas s leses tubulares. Outras
causas de proteinria de origem renal incluem doenas inflamatrias ou
infiltrativas do rim, como as pielonefrites, leptospirose, neoplasias, que muitas
vezes so acompanhadas por sedimento urinrio ativo com alteraes renais
detectveis na avaliao ultrassonogrfica (GRAUER, 2011).
Quando a proteinria de origem renal deve ser feito um
monitoramento, analisando a persistncia e quantificao da sua magnitude.
Deve ser interpretada em associao avaliao da concentrao de creatinina
srica, pois a proteinria pode reduzir com a progresso da doena renal, devido
diminuio da quantidade de nfrons funcionais. Essa condio quando
associada creatinina srica estvel, indica resposta positiva ao tratamento e,
quando associada ao aumento da creatinina srica, sugere progresso da doena
renal (GRAUER, 2011).
Em alguns casos os ces com doena glomerular apresentam a
sndrome nefrtica, que ocorre devido proteinria persistente em elevada
magnitude. A sndrome nefrtica caracteriza-se por hipoalbuminemia,
hipercolesterolemia e desenvolvimento de edema e/ou ascite. Alm disso, os ces
com sndrome nefrtica frequentemente apresentam hipertenso arterial
sistmica, fator de risco para eventos tromboemblicos e hipercoagulabilidade
(GRAUER, 2011).
A gravidade da perda proteica urinria deve ser avaliada e monitorada
empregando-se a proporo de protena: creatinina (GRAUER & DIBARTOLA,
1997). Alm das complicaes clssicas relacionadas sndrome nefrtica, h
evidncias de que a proteinria tambm pode desencadear dano glomerular e
tubular, resultando em perda progressiva dos nfrons, pois as protenas
plasmticas que atravessam a parede dos capilares glomerulares podem se
28
acumular dentro dos glomrulos e estimular a proliferao celular mesangial e
aumento da produo de matriz mesangial (JERUMS et al., 1997).
2.2.2 Creatinina
A creatinina, em sua grande maioria, origina-se da creatina endgena.
Os aminocidos, arginina e glicina, associam-se, formando o guanidinoacetato no
pncreas, rins e intestino delgado. No fgado, a metionina fornece um grupo metil
para converso de guanidinoacetato em creatina, que circula no plasma para ser
captada pelos msculos, passando a armazenar energia sob a forma de
fosfocreatina. A partir da, ocorre degradao espontnea, irreversvel, no
enzimtica, da creatina e fosfocreatina presentes nas fibras musculares,
originando a creatinina (CHEW & DIBARTOLA, 1992).
Posteriormente, a creatinina desloca-se para o plasma, sendo filtrada
pelos glomrulos e eliminada, quase que exclusivamente, via renal, sem sofrer
reabsoro tubular. Suspeita-se que pequena parcela possa ser excretada via
trato gastrointestinal, em ces e gatos, j que a creatinina apresenta baixo peso
molecular, sendo difundvel pela maioria das membranas celulares. Esse fato
observado em humanos, nos quais a creatinina srica no aumenta,
proporcionalmente, medida que a taxa de filtrao glomerular diminui, pois,
quando sofre elevao, degradada por bactrias entricas (STOCKHAM &
SCOTT, 2002).
Nos animais domsticos, a creatinina srica o marcador endgeno
mais comumente utilizado na prtica clnica, sendo considerada de eleio para
avaliar a funo renal. Pode ser mensurada no soro ou plasma, sendo estvel a
4oC por um dia e por mais tempo quando congelada. Sua mensurao consiste
em um mtodo simples, quando comparado s dificuldades e aos custos
inerentes relacionado s demais tcnicas (STOCKHAM & SCOTT, 2002;
FETTMAN & REBAR, 2004; PRATES et al., 2007). Entretanto, h muitos fatores
que limitam sua acurcia, exercendo influncias em sua determinao, sendo, por
isso, no considerada ideal para avaliao da TFG (DEINUM & DERK, 2000).
29
A massa muscular individual um dos principais fatores limitantes
utilizao da creatinina, uma vez que a sua concentrao srica reflexo da sua
produo. Assim, animais que perdem massa muscular apresentam reduo na
produo de creatinina e, consequentemente, em seu nvel plasmtico. Quando
h leso de micitos com adequada funo renal, o excesso de creatinina srica
rapidamente removido do plasma (MARTINEZ et al., 2003; HOJS et al., 2006;
STEVENS et al., 2006).
H estudos, em humanos, que demonstram a no influncia da massa
muscular sobre os valores de creatinina srica (FETTMAN & REBAR, 2004).
Entretanto, MEDAILLE et al. (2004) ao avaliarem 4.799 pacientes clinicamente
saudveis, verificaram que, em 27,5% dos casos houve aumento na concentrao
srica da ureia e a creatinina apresentou valores dentro da normalidade. O estudo
concluiu que a discrepncia observada reflete a atuao de fatores no renais e,
sobretudo, relao com a massa muscular individual.
Fatores como citocinas, que aumentam o catabolismo muscular
endgeno, durante a sepse ou caquexia por neoplasia, podem aumentar a
liberao de creatina e, consequentemente, a quantidade de creatinina produzida
(STOCKHAM & SCOTT, 2002; FETTMAN & REBAR, 2004). Entretanto para HARI
et al. (2007), no estado de desnutrio h reduo nos nveis de creatinina.
A funo tireoideana tambm pode interferir no nvel srico de
creatinina. Foi demonstrado que os pacientes com hipotireoidismo apresentavam
nveis de creatinina mais elevados, enquanto pacientes com hipertireoidismo
apresentavam nveis menores. Aps o tratamento e consequente estado de
eutireoidismo, os nveis de creatinina se normalizaram (GABRIEL et al., 2011).
A creatinina tambm influenciada por outros fatores, como idade,
gnero, dieta, desnutrio e treinamento fsico (STOCKHAM & SCOTT, 2002;
MARTINEZ et al., 2003; FETTMAN & REBAR, 2004; STEVENS et al., 2006; HARI
et al., 2007).
Dietas hiperproteicas e hemorragias gastrointestinais so fatores que,
ao contrrio do que fazem com a ureia, no alteram a creatinina, contudo, para
FETTMAN & REBAR (2004), dietas com fonte de creatina, como a carne
vermelha cozida, aumentam a produo de creatinina e, por consequncia, sua
elevao srica enquanto que as demais refeies, na sua maioria, tendem a
30
reduzir a concentrao do metablito, pois a absoro dos nutrientes induz um
aumento ps-prandial da taxa de filtrao glomerular.
FERREIRA (2006) dividiu ces em grupos, conforme o nvel de
protena bruta oferecida na dieta, sendo, 12%, 22% e 32%. O estudo mostrou
que, nveis crescentes de protena bruta na dieta de ces adultos sadios
acarretam aumentos graduais de ureia srica e creatinina na urina.
Uma significativa limitao relacionada mensurao da creatinina
srica refere-se sua baixa sensibilidade, pois no detecta graus leves de perda
de funo renal, ou seja, no serve como precocidade em diagnstico. Alm
disso, no identifica rpidas alteraes funcionais. Entretanto, a mensurao da
creatinina srica determina reduo na TFG a partir de 75% de perda da funo
renal, indicando acometimento renal de intensidade moderada a severa (PRATES
et al., 2007).
Outro fator que limita a utilizao da creatinina como marcador ideal da
funo renal o fato de ser secretada pelos tbulos renais, superestimando,
dessa forma, a TFG (DEINUM & DERK, 2000).
Os fatores externos que interferem em sua determinao analtica so
substncias endgenas como glicose, bilirrubinas, cido rico, triglicerdeos,
cetonas e protenas plasmticas. Dentre esses, bilirrubina e glicose tendem a
reduzir seus valores enquanto que as demais substncias podem levar a
resultados falsamente elevados. A interferncia tambm pode estar relacionada
utilizao de alguns medicamentos, como cefalosporinas, cido ascrbico,
cimetidina, sulfas e trimetropim, que inibem secreo tubular de creatinina,
elevando, assim, seu nvel srico, sem afetar a TFG (MARTINEZ et al., 2003;
HOJS et al., 2006).
A funo renal foi avaliada em ces expostos ao antineoplsico
doxorrubicina, que mostrou causar leso glomerular, hipoproteinemia e
proteinria, evidenciando sua ao nefrotxica, entretanto, os valores de ureia e
creatinina mantiveram-se dentro da normalidade, mesmo diante da agresso
renal (NAKAGE & SANTANA, 2008). Pacientes com alteraes significativas da
funo renal podem apresentar valores de creatinina dentro dos limites normais, o
que torna evidente a necessidade de reavaliar os exames laboratoriais que so
pedidos na rotina clnica, bem como estabelecer outras medidas que avaliem,
31
com maior exatido, veracidade e precocidade, bem como o nvel da funo
orgnica (BURMEISTER et al., 2007), de eliminao de protena pela urina,
detectando assim a gravidade das leses renais, a resposta ao tratamento ou a
progresso da doena (GREGORY, 2003).
Uma nica amostra j considerada efetiva para a determinao da
razo protena:creatinina urinria (PU/CU), possuindo alta correlao com a
anlise da urina produzida pelo animal em 24 horas. Porm, necessrio que a
protena total e a creatinina sejam mensuradas de uma mesma amostra
(GREGORY, 2003).
Para STOCKHAM & SCOTT (2002) e BARSANTI et al. (2004), valores
menores que 0,5 eram considerados normais para a espcie canina, enquanto
que os resultados obtidos acima de 1,0 eram tidos como anormais e valores entre
0,5 e 1,0 eram considerados suspeitos ou inconclusivos, sendo recomendada a
repetio do teste.
Resultados de estudos mais recentes alteraram esses valores, sendo
estabelecidos como limites a relao de 0,2 a 0,5 em ces e 0,2 a 0,4 em gatos.
So considerados valores anormais a razo PU/CU >0,5 para ces e >0,4 para
gatos. provvel que a definio dos parmetros considerados normais para
PU/CU continuem a mudar medida que ocorram pesquisas adicionais (LEES et
al., 2005; LYON et al., 2010; GRAUER, 2011).
A proteinria persistente com resultados superiores aos limites
mximos permitidos espcie, com causas pr-renal e ps-renal descartadas,
so achados consistentes de doena glomerular ou tubular intersticial crnica.
Razo PU/CU > 2,0 indica forte excreo proteica, sendo sugestiva de doena
glomerular (LEES et al., 2005).
A proteinria persistente, mesmo em nveis baixos, j tida como um
fator de risco progresso da doena renal, sendo necessrio estimar sua
magnitude para estabelecer um prognstico preciso. Em ces nefropatas
crnicos, o risco de crise urmica ou mortalidade foi trs vezes maior quando
estes apresentaram PU/CU > 1,0 em relao aos ces com PU/CU < 1,0,
indicando que o declnio da funo renal foi maior em ces que apresentaram
maior PU/CU, evidenciando a ligao entre proteinria e a progresso da doena
renal (LESS et al., 2005).
32
Estudos revelam que a proteinria causa dano glomerular progressivo,
pois resulta na hipertenso e hiperfiltrao glomerular, sendo este o maior ponto
crtico determinante da leso glomerular (BRENNER et al. 1996). Estudos
experimentais em ratos mostram que, quando a hipertenso arterial glomerular
controlada a leso do glomrulo reduz ou acaba (LAFAYETTE et al., 1992).
As alteraes hemodinmicas glomerulares exercem uma grande
influncia sobre os fatores que iniciam e perpetuam a progresso da doena renal
(BRENNER & MEYER, 1982). Estas alteraes hemodinmicas levam
hiperfiltrao glomerular, que uma adaptao observada em resposta a reduo
funcional do nmero de nfrons nos pacientes com insuficincia renal (BRENNER
et al. 1996). Portanto, a proteinria no representa apenas um marcador de dano
glomerular, mas tambm, um dos principais sinais de progresso insuficincia
renal (LESS et al., 2005). REGO (2006) evidenciou esse fato, concluindo ainda
que a razo albumina:creatinina urinria o melhor ndice para avaliar a
microalbuminria em ces sadios, sendo tambm uma boa medida de
acompanhamento clnico em ces nefropatas.
A preveno da hipertenso glomerular leva a uma menor injria no
glomrulo, com consequente efeitos benficos com relao a progresso da
doena renal, melhorando assim a hipertenso e hiperfiltrao glomerular, o que
diminui a leso renal. Opes teraputicas vem sendo testadas em humanos,
com o intuito de limitar a hiperfuno glomerular e melhorar a leso renal em
animais. A restrio de protenas na dieta uma das medidas testadas, reduzindo
a leso glomerular e preservando a funo renal e seus limites estruturais, sendo
uma medida de renoproteo (BRENNER et al. 1996).
A restrio de protenas na dieta em pacientes humanos no diabticos
com insuficincia renal retarda a progresso da doena, uma vez que a
proteinria significativa leva a deteriorao contnua da funo renal. Portanto,
intervenes dietticas e farmacolgicas visando controlar a presso arterial e,
particularmente, a presso glomerular, tem carter de renoproteo (BRENNER
et al. 1996).
Ao contrrio das tiras reagentes para a deteco de protenas na urina,
a razo protena:creatinina urinria possui como vantagem no sofrer influncia
da concentrao urinria e do volume da amostra sobre o seu resultado. Alm
33
disso, as tiras, comumente utilizadas na urinlise, detectam apenas
concentraes proteicas entre 5 e 30 mg/dL, assim sendo, concentraes
menores nas amostras em que a urina encontra-se excessivamente diluda
podem gerar resultados falso-negativos (STOCKHAM & SCOTT, 2002;
BARSANTI et al., 2004).
A Sociedade Internacional de Interesse Renal (International Renal
Interest Society- IRIS) prope um sistema de classificao composto por quatro
estgios de evoluo da doena renal crnica em ces e em gatos (IRIS Staging
System of CKD, 2009). Os estgios foram estabelecidos de acordo com as
concentraes sricas de creatinina (POLZIN et al., 2005; SANDERSON, 2009).
So eles:
Estdio I: animal no-azotmico e geralmente no so observados sinais
clnicos. Creatinina < 1,4 mg/dL. Presena de proteinria e/ou hipertenso;
Estdio II: animal apresenta azotemia renal discreta, geralmente com
ausncia de sinais clnicos. Creatinina entre 1,4 2,0 mg/dL. Presena de
proteinria e/ou hipertenso;
Estdio III: animal apresenta azotemia renal moderada devido ao declnio da
taxa de filtrao glomerular e sinais de uremia. Creatinina entre 2,1 5,0 mg/dL.
Presena de proteinria e/ou hipertenso;
Estdio IV: animal apresenta sinais clnicos referentes ao quadro de sndrome
urmica. Creatinina > 5,0. Presena de proteinria e/ou hipertenso.
2.2.3 Gama glutamiltransferase urinria
A existncia da atividade enzimtica na urina conhecida h mais de
160 anos, no entanto, sua determinao em relao ao estado de sade e
enfermidades tem causado maior impacto nas ltimas dcadas (PALACIO et al.,
1994).
Devido limitada sensibilidade dos mtodos disponveis para a
deteco dos danos renais agudos, as enzimas urinrias, foram motivo de
estudos e avaliaes sendo que mais de 40 j foram mensuradas com fins de
34
diagnstico, mas poucas tm real importncia na prtica clnica (GRAUER &
LANE, 1997; CLEMO, 1998).
A gama glutamiltransferase (GGT) uma enzima urinria que tem sido
destacada em inmeros estudos. Apresenta concentrao mxima na borda
apical das clulas epiteliais dos tbulos contorcidos proximais e ala de Henle dos
nfrons, normalmente aumentos de duas a trs vezes superiores ao valor basal
indica leso do epitlio tubular, sendo por isso considerada um marcador precoce
de dano tubular renal (GRAUER & LANE, 1997; CLEMO, 1998).
Algumas situaes clnicas que podem cursar com enzimria so a
senilidade, febre, septicemia, hepatopatias, diabetes mellitus, aminoglicosideos,
nefrotoxinas, intoxicao por metais pesados, uso de anti-inflamatrios no
esteroidais e anestsicos (POPPL et al., 2004).
A GGT tambm pode ser encontrada, em pequenas concentraes, em
outros rgos como fgado, pncreas, bao, pulmes, intestino delgado, placenta,
sistema nervoso central, prstata e corao. Essa enzima exerce papel essencial
no transporte de aminocidos e auxilia na manuteno da reserva desses nas
clulas (RUDOLPH & CORVALAN, 1992).
A GGT urinria fornece informaes importantes sobre a progresso da
leso tubular, devido variao de sua atividade no curso da doena renal. Alm
disso, o seu aumento pode tambm estar relacionado leso glomerular grave,
permitindo o aumento da filtrao das enzimas sricas (GRAUER & LANE, 1997).
Relatos indicam que ces nefropatas, mesmo na presena de funo
renal normal, podem apresentar aumento na atividade da GGT urinria,
demonstrando sua precocidade em indicar leses renais antes mesmo que
ocorram alteraes funcionais do rgo (HARST et al., 2005).
A atividade da GGT urinria foi avaliada por SILVA et al. (2006),
utilizando um agente nefrotxico, o acetaminofeno (paracetamol), induzindo leso
renal em ratos com reduo significativa na TFG. Concluiu-se que a dosagem de
GGT urinria um procedimento simples, de baixo custo e til na deteco
precoce de leses renais.
Um estudo realizado em ces avaliou, comparativamente, a atividade
da enzima GGT urinria com os testes utilizados na rotina clnica que avaliam a
disfuno renal, como a urinlise, ureia e creatinina sricas, durante a induo de
35
IRA por outro agente nefrotxico, a gentamicina. Concluiu-se que a enzima
urinria GGT mais sensvel e especfica quando comparada aos testes de
funo renal convencionais, mostrando ser um indicador precoce de leso tubular
renal (HENNEMANN et al., 1997). Em avaliao similar, realizada por
MELCHERT et al. (2007), foi demonstrado que o aminoglicosdeo causou reduo
significativa da taxa de filtrao glomerular aps estabelecimento de leses
tubulares severas. A GGT urinria teve aumento da sua atividade srica quatro
dias aps a induo da nefrotoxicidade, enquanto que a ureia e creatinina
indicara