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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL DOENÇA PERIODONTAL E GLOMERULONEFRITE EM CÃES Thaís Domingos Meneses Orientadora: Profª. Drª. Maria Clorinda Soares Fioravanti GOIÂNIA 2013

DOENÇA PERIODONTAL E GLOMERULONEFRITE EM CÃES · universidade federal de goiÁs escola de veterinÁria e zootecnia programa de pÓs-graduaÇÃo em ciÊncia animal doenÇa periodontal

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS

    ESCOLA DE VETERINRIA E ZOOTECNIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA ANIMAL

    DOENA PERIODONTAL E GLOMERULONEFRITE EM CES

    Thas Domingos Meneses

    Orientadora: Prof. Dr. Maria Clorinda Soares Fioravanti

    GOINIA

    2013

  • ii

  • iii

    THAS DOMINGOS MENESES

    DOENA PERIODONTAL E GLOMERULONEFRITE EM CES

    Dissertao apresentada para obteno do

    grau de Mestre em Cincia animal junto

    Escola de Veterinria e Zootecnia da

    Universidade Federal de Gois.

    rea de Concentrao:

    Patologia, Clnica e Cirurgia Animal

    Orientadora:

    Prof. Dr. Maria Clorinda Soares Fioravanti

    Comit de Orientao:

    Prof. Dr. Marcello Rodrigues da Roza

    Pesqa. Dra. Patrcia Lorena da Silva Neves Guimares

    GOINIA

    2013

  • iv

  • v

  • vi

    Dedico a todos os amantes dos

    animais, em especial aos meus pais, s

    minhas amigas Juliana Silva e Tnia

    Alkmin e ao meu namorado James

    Peterson, que tornaram minha

    caminhada mais agradvel, me dando

    sempre fora, apoio e compreenso no

    decorrer desta jornada.

  • vii

    Agradecimentos

    Primeiramente e, acima de tudo, agradeo a Deus por me conceder

    essa oportunidade de realizao do mestrado, momento em que pude usufruir de

    muito aprendizado e descobertas, contribuindo assim para um conhecimento

    especfico a mais na rea da veterinria, o que me trs grande satisfao.

    Sou muito grata, minha orientadora, professora Maria Clorinda

    Soares Fioravanti, que foi essencial para o desenvolvimento desse estudo,

    sempre me guiando. Trabalhar ao seu lado foi um aprendizado constante,

    contribuindo com a minha formao pessoal e profissional.

    Aos meus co-orientadores, professores Marcello Rodrigues da Roza e

    Patrcia Lorena da Silva Neves Guimares, por colaborarem para o

    desenvolvimento deste trabalho e aos membros da banca examinadora desta

    dissertao, Celina Tie Nishimori Duque e Jlio Cesar Cambraia Veado, pela

    disponibilidade em participarem.

    Agradeo s amigas do Programa de Ps-Graduao em Cincia

    Animal, Letcia Furtado Rodrigues e Thays Nascimento pela grande amizade e,

    em especial, companheira Kauana Peixoto Mariano que muito me auxiliou em

    todas as etapas do mestrado, me ajudando a vencer todos os obstculos.

    Agradeo tambm Joyce Rodrigues Lobo, Saura Nayane de Souza e Roberta

    Rendy Ramos que tiveram muita boa vontade demonstrada em auxiliar nas

    anlises laboratoriais. Agradeo tambm a todos os funcionrios do Hospital

    Veterinrio da UFG pelo auxlio.

    Serei eternamente grata aos meus pais Luiz da Costa Meneses e

    Marise Domingos Meneses, pelo apoio que sempre me deram para que eu

    pudesse seguir em frente e ser forte perante as dificuldades.

    Obrigada pelo privilgio de desfrutar da presena de todos vocs na

    minha vida, que contriburam e acreditaram nesse projeto.

    Meus sinceros agradecimentos intituio de ensino UFG e CAPES

    pela bolsa concedida.

  • viii

    "Antes de ter amado um animal,

    parte da nossa alma

    permanece desacordada

    Anatole France

  • ix

    SUMRIO

    1 INTRODUO............................................................................................ 1

    2 REVISO DE LITERATURA..................................................................... 3

    2.1 Doena periodontal................................................................................. 3

    2.1.1 Etiologia............................................................................................... 4

    2.1.2 Fatores predisponentes....................................................................... 7

    2.1.3 Fases da doena periodontal.............................................................. 11

    2.2 Glomerulonefrite secundria doena periodontal............................... 20

    2.2.1 Proteinria e microalbuminria........................................................... 24

    2.2.2 Creatinina........................................................................................... 27

    2.2.3 Gama glutamiltransferase urinria..................................................... 33

    2.2.4 Fosfatase alcalina urinria (ALP)....................................................... 36

    3 OBJETIVOS............................................................................................... 38

    3.1 Objetivo geral........................................................................................ 38

    3.2 Objetivos especficos............................................................................. 38

    4 MATERIAL E MTODOS......................................................................... 39

    4.1 Planejamento de estudo......................................................................... 39

    4.2 Anamnese............................................................................................. 39

    4.3 Critrios de incluso e excluso............................................................ 39

    4.4 Exame clnico........................................................................................ 40

    4.5 Presso arterial sistlica........................................................................ 41

    4.6 Colheitas das amostras......................................................................... 42

    4.7 Anlises laboratoriais............................................................................ 42

    4.8 Razo protena/creatinina urinria (PU/CU).......................................... 44

    4.9 Anlise estatstica.................................................................................. 45

    5 RESULTADOS E DISCUSSES............................................................. 46

    5.1 Perfil hematolgico................................................................................ 51

    5.2 Perfil bioqumico sanguneo.................................................................. 55

    5.3 Perfil bioqumico urinrio....................................................................... 59

    5.4 Exame de urina..................................................................................... 62

    5.5 Presso arterial sistlica (PAS)............................................................. 66

    5.6 Segunda avaliao clnica e laboratorial - Grupo dos proteinricos..... 68

    6 CONCLUSES........................................................................................ 74

    REFERNCIAS........................................................................................... 75

    ANEXOS...................................................................................................... 89

  • x

    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 Anatomia das estruturas periodontais do co............................. 3

    FIGURA 2 Biofilme dentrio.......................................................................... 5

    FIGURA 3 Presena de dentes decduos em cavidade oral na espcie canina (setas)..............................................................................

    8

    FIGURA 4 Presena de odontlito na cavidade oral de um co (setas).........................................................................................

    10

    FIGURA 5 (A) Gengivite inicial mostrando eritema da margem gengival e incio da deposio de clculo; notar o edema da gengiva. (B) Gengivite avanada revelando eritema moderado e edema, assim como o aumento da deposio de clculo........................

    13

    FIGURA 6 Hiperplasia gengival inflamatria na cavidade oral em co........ 13

    FIGURA 7 Diferentes graus de evoluo da periodontite............................. 15

    FIGURA 8 Porphyromonas gingivalis........................................................... 19

    FIGURA 9 Idade mdia dos ces acometidos por doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5) com valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana, coeficiente de variao (CV) e intervalo de confiana (IC).............................................................................................

    47

    FIGURA 10 ndice de reabsoro (IR) ssea dos ces acometidos por doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5)................................................................

    48

    FIGURA 11 Resposta da atividade leucocitria, segmentados e linfcitos, em l, dos ces acometidos por doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5)......

    54

    FIGURA 12 Resposta da atividade dos bastonetes, eosinfilos, moncitos e basfilos, em l, dos ces acometidos por doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5)..................................................................................................

    55

    FIGURA 13 Razo PU/CU observada em cada um dos grupos de ces com doena peridontal................................................................

    60

    FIGURA 14 Escore total que representa a gravidade da leso renal observada no exame de urina de rotina, em ces com doena periodontal divididos conforme a gravidade nos grupos (1 a 5)..................................................................................................

    64

  • xi

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Distribuio dos ces avaliados considerando os

    grupos/escore de doena periodontal (DP)....................

    46

    TABELA 2 Distribuio dos ces avaliados considerando os

    grupos/escore de doena periodontal (DP) e a idade....

    47

    TABELA 3 ndice de reabsoro (IR) ssea dos ces acometidospor doena periodontal (DP) considerando o escore de gravidade da enfermidade (1 a 5), com valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana, intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao (CV)................................................................................

    49

    TABELA 4 Grupos dos ces com DP subdivididos conforme o tipo

    de acometimento do trato urinrio..................................

    50

    TABELA 5 Perfil do eritrograma dos ces dos grupos (1 a 5), com

    valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana,

    intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao

    (CV)................................................................................

    52

    TABELA 6 Perfil do leucograma dos ces dos grupos (1 a 5), com

    valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana,

    intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao

    (CV)................................................................................

    53

    TABELA 7 Perfil da bioqumica srica dos ces dos grupos (1 a

    5), com valores de mdia, desvio-padro (DP),

    mediana, intervalo de confiana (IC) e coeficiente de

    variao (CV) .................................................................

    56

    TABELA 8 Parmetros urinrios dos ces dos grupos (1 a 5), com

    valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana,

    intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao

    (CV)................................................................................

    59

    TABELA 9 Parmetros do exame de urina e escore de gravidade

    da leso renal dos ces dos grupos (1 a 5), com

    valores de mdia, desvio-padro (DP), mediana,

    intervalo de confiana (IC) e coeficiente de variao

    (CV) ...............................................................................

    62

  • xii

    TABELA 10 Presso arterial sistlica (PAS) dos ces dos grupos

    (1 a 5) com valores de mdia, desvio-padro (DP),

    mediana, intervalo de confiana (IC) e coeficiente de

    variao (CV) ................................................................

    67

    TABELA 11 Parmetros urinrios (razo PU/CU, GGT e ALP) e

    escore de gravidade da leso renal dos ces

    proteinricos, com valores de mdia da primeira e

    segunda colheita............................................................

    68

    TABELA 12 Parmetros urinrios da segunda avaliao dos ces

    proteinricos, com valores de mdia e diferena das

    mdias...........................................................................

    69

    TABELA 13 Eritrograma da segunda avaliao dos ces

    proteinricos, com valores de mdia e diferena das

    mdias............................................................................

    71

    TABELA 14 Leucograma da segunda avaliao dos ces

    proteinricos, com valores de mdia e diferena das

    mdias............................................................................

    71

    TABELA 15 Bioqumica srica da segunda avaliao dos ces

    proteinricos, com valores de mdia e diferena das

    mdias............................................................................

    72

  • xiii

    RESUMO

    Estudos mostram que a doena periodontal acomete cerca de 85% de ces acima

    dos trs anos de idade, sendo responsvel pela inflamao e destruio dos

    tecidos de sustentao do dente. Este estudo teve como objetivo avaliar a relao

    existente entre a doena periodontal e a glomerulonefrite em ces. Sessenta e um

    ces com doena periodontal foram avaliados e classificados em grupos,

    conforme a gravidade, alm da avaliao clnica foram realizados hemograma,

    bioqumica srica (ureia, creatinina, protenas totais, albumina, colesterol e

    fsforo), mensurao da presso arterial, urinlise e bioqumica urinria (GGT,

    ALP, protena e creatinina), com determinao da razo protena:creatinina

    urinria. Dos 14 ces com alteraes compatveis para glomerulonefrite neste

    primeiro exame, aps o tratamento periodontal, nove deles foram submetidos a

    uma segunda avaliao laboratorial, com o intuito de verificar se continuavam

    com a proteinria persistente associado ao sedimento urinrio inativo. Destes, oito

    ces continuaram apresentando alterao sugestiva de glomerulonefrite, mesmo

    aps a realizao do tratamento periodontal. As ferramentas de diagnstico

    utilizadas em conjunto neste estudo permitiram identificar e caracterizar a

    glomerulonefrite secundria doena periodontal, estabelecendo uma relao

    entre elas, alm dos danos tubulares e infeces do trato urinrio que ocorrem

    concomitantemente doena periodontal. Esse conhecimento auxilia na

    instituio do uso de marcadores precoces de leso renal na prtica clnica de

    exames laboratoriais, com a finalidade de impedir a evoluo do processo,

    promovendo bem-estar animal e contribuindo para o aumentando da longevidade

    dos ces.

    Palavras-chave: Bacteremia, imunocomplexo, nefropatia, patologia clnica

  • xiv

    ABSTRACT

    Studies have shown that periodontal disease affects approximately 85 % of dogs

    older than three years of age, being responsible for inflammation and destruction

    of the tooth supporting tissues. This study aimed at evaluating the relationship

    between periodontal disease and glomerulonephritis in dogs. We evaluated and

    classified 61 dogs with periodontal disease into groups according to the severity of

    the case. Clinical evaluation consisted of complete blood count, serum

    biochemistry (urea, creatinine, total protein, albumin, cholesterol and phosphorus),

    blood pressure measurement, urinalysis and urinary biochemistry (GGT, ALP,

    protein and creatinine), and determination of urine protein:creatinine ratio. Of the

    14 dogs with glomerulonephritis compatible alterations at the first exam, nine were

    submitted to a second laboratory evaluation, after periodontal treatment, in order

    to verify if they continued with persistent proteinuria associated with inactive

    urinary sediment. Of these, eight dogs continued to show abnormalities suggestive

    of glomerulonephritis, even after periodontal treatment. The diagnostic tools used

    in this study allowed to identify and characterize both glomerulonephritis

    secondary to periodontal disease, establishing a relationship between them and

    tubular damage and urinary tract infections that occur concurrently with

    periodontal disease. These findings help to establish the use of early markers of

    kidney injury in clinical laboratory tests, in order to prevent the process evolution,

    promoting animal welfare and contributing to increase longevity of dogs.

    Keywords: Bacteremia, immune complex, nephropathy, clinical pathology

  • 1 INTRODUO

    A doena periodontal caracterizada pela inflamao das estruturas

    periodontais (gengiva, ligamento periodontal, cemento ou osso alveolar). De

    acordo com as estruturas lesionadas, classifica-se em gengivite ou periodontite

    (GORREL, 2004).

    As bactrias presentes na placa bacteriana so consideradas o agente

    etiolgico primrio da enfermidade, tanto na espcie humana quanto nos ces

    (GORREL, 2004; GIOSO, 2007). A placa bacteriana constituda por substrato

    alimentar, saliva, polissacardeos extracelulares, clulas descamadas, leuccitos,

    macrfagos, lipdios, carboidratos e bactrias (WIGGS & LOBPRISE, 1997;

    DUPONT, 1998; CLELAND, 2000; GIOSO, 2007). A matriz orgnica inicial

    responsvel pela deposio da placa denominada biofilme dentrio (LIMA et al.

    2004; GIOSO, 2007).

    Inmeros fatores exercem influncia para o desenvolvimento da

    doena periodontal, tais como anomalias anatmicas dentais e periodontais, raa

    do animal, persistncia de dentes decduos, apinhamento dental, polidontia,

    formato da cabea, distrbios do sistema imune, bem como algumas condies

    sistmicas (ROZA, 2004; HENNET, 2005; PACHALY, 2006; GIOSO, 2007).

    Sabe-se que a placa bacteriana constitui material antignico e, em

    contato constante com a gengiva marginal vai causar leso, induzindo o processo

    inflamatrio, resultando em leses diretas e indiretas, manifestadas por efeitos

    locais e sistmicos (WIGGS & LOBPRISE, 1997; DUPONT, 1998; GORREL,

    2004; HENNET, 2005; GIOSO, 2007).

    A infeco insidiosa dos componentes do periodonto e a resposta do

    hospedeiro culminam na produo local de citocinas e mediadores biolgicos que

    alteram a integridade epitelial, tornando o ambiente favorvel penetrao das

    endotoxinas bacterianas na corrente sangunea. Assim sendo, durante a

    mastigao, pela movimentao do alvolo, devido rica vascularizao do

    periodonto e s microleses gengivais, ocorre bacteremia, caracterizada pela

    invaso bacteriana e de seus subprodutos aos vasos sanguneos e linfticos,

    difundindo e provocando reaes inflamatrias distncia, podendo acometer os

    glomrulos renais (GORREL et al., 2007).

  • 2

    A glomerulonefrite proveniente da doena periontal ocorre devido

    presena de complexos de antgeno-anticorpo no interior dos capilares

    glomerulares, provocando uma resposta de hipersensibilidade do tipo III

    localizada, que ativa o sistema complemento, levando aderncia e agregao

    plaquetria, infiltrao por leuccitos polimorfonucleares e ativao do sistema de

    coagulao com deposio de fibrina que resultam em danos glomerulares. O

    glomrulo fornece ambiente nico para que os fatores lesivos estimulem a

    produo de mediadores bioativos, sendo estes produzidos pelas prprias clulas

    glomerulares ou por clulas sanguneas, como neutrfilos e plaquetas (GRAUER

    & DIBARTOLA, 1997).

    A leso tambm pode resultar da ligao de auto-anticorpos

    direcionados contra antgenos glomerulares intrnsecos fixados na membrana

    basal glomerular. As plaquetas exacerbam a leso glomerular por liberao de

    substncias vasoativas e inflamatrias, facilitando a cascata de coagulao

    (NELSON & COUTO, 1992).

    O problema da doena periodontal grave, pois pode interferir na

    qualidade de vida dos animais (DEBOWES et al., 1996). A preveno primordial

    para diminuir a alta incidncia da doena periodontal e, consequentemente,

    minimizar as implicaes locais e sistmicas desencadeadas pela doena

    periodontal (MERIN, 2006).

  • 3

    2 REVISO DE LITERATURA

    2.1 Doena periodontal

    O termo doena periodontal refere-se s leses inflamatrias que

    atingem as estruturas que suportam e protegem o dente (gengiva, osso alveolar,

    cemento e ligamento periodontal) (Figura 1), de carter crnico e infeccioso,

    sendo classificada em duas categorias, gengivite e periodontite (GORREL, 2004).

    A gengivite um processo reversvel e restrito gengiva (GORREL,

    2004; GIOSO, 2007; GORREL et al., 2007). A partir do momento que ocorre o

    envolvimento do periodonto de sustentao, com perda do ligamento peridontal, o

    processo passa a ser chamado de periodontite, sendo irreversvel embora, muitas

    vezes, controlvel (EMILY & PENMAN, 1994; GIOSO, 2007). Acomete vrias

    espcies, desde os roedores aos humanos (HENNET & HARVEY, 1992).

    FIGURA 1 - Anatomia das estruturas periodontais do

    co Fonte: www.ebah.com.br

    Em um levantamento realizado nos Estados Unidos com 31.484 ces e

    15.226 gatos, evidenciou-se que apenas 7% dos ces e 10% dos gatos

    apresentavam-se saudveis, sendo que a cavidade oral representou o stio de

    maior prevalncia de afeces (LUND et al., 1999). Em outro estudo realizado por

  • 4

    KYLLAR & WITTER (2005) constatou-se que, de 408 ces apresentados

    consulta, 348 apresentaram afeces orais, destas 60% correspondiam

    periodontite.

    Segundo LYON (1991) aproximadamente 85% dos ces, acima de

    quatro anos de idade, apresentam doena periodontal. J FORD &

    MAZZAFERRO (2007) relataram uma proporo de 85% a 95% para animais

    acima de seis anos. Alguns autores ressaltam ainda que, por volta dos dois anos

    de idade, 70% dos gatos e 80% dos ces j tero algum grau de doena

    periodontal porm hoje j relata-se uma prevalncia de 92,5% para ces (WIGGS

    & LOBPRISE, 1997).

    A doena periodontal considerada, portanto, a segunda molstia mais

    frequente em ces e gatos, atrs apenas de afeces msculo-esquelticas

    (HARVEY & EMILY, 1993; LUND et al., 1999; MILKEN et al., 2003; FREEMAN et

    al., 2006). Entretanto, apesar da alta incidncia, esse um problema que pode

    ser evitado, estando relacionado higiene bucal (FORD & MAZZAFERRO, 2007;

    DIAS et al., 2008).

    2.1.1 Etiologia

    Apesar de muitos fatores influenciarem no desenvolvimento da doena

    periodontal, o agente etiolgico primrio a placa bacteriana, tanto em humanos

    quanto em ces (HARVEY & EMILY, 1993; DUPONT, 1998; GORREL, 2004;

    SILVA et al., 2006; GIOSO, 2007).

    O biofilme dentrio a matriz orgnica inicial para a deposio de

    placa, sendo formado por uma fina pelcula, invisvel, de 0,1 a 0,8 mm (Figura 2)

    (DUPONT, 1998; GIOSO, 2007), composto por restos alimentares, saliva,

    polissacardeos extracelulares, clulas descamadas, leuccitos, macrfagos,

    lipdios, carboidratos, bactrias (principalmente aerbias) e por minerais como

    clcio, fsforo e magnsio (WIGGS & LOBPRISE, 1997; DUPONT, 1998;

    CLELAND, 2000; GIOSO, 2007).

  • 5

    FIGURA 2 - Biofilme dentrio Fonte: HENNET (2005)

    A placa bacteriana ou placa dentria o material pegajoso e

    amarelado, resultante da colonizao e do crescimento de microrganismos

    (DUPONT, 1998; LIMA et al. 2004; GIOSO, 2007), sendo conceituada por EMILY

    et al. (1999) como sendo uma massa densa, no calcificada, estruturada e

    resistente, firmemente aderida superfcie dos dentes e clculos dentais.

    constituda por 80% de gua e 20% de slidos orgnicos e inorgnicos, sendo

    que 80% da poro slida correspondem s bactrias. As bactrias no so os

    nicos microrganismos presentes na placa, tambm h micoplasmas, um

    pequeno nmero de leveduras, protozorios e vrus, incluindo os bacterifagos

    (GENO et al., 1999).

    A formao da placa dentria comea imediatamente aps a erupo

    do dente, ficando banhados naturalmente no fluido biolgico da cavidade bucal,

    que contm mais de 400 espcies de bactrias. Ocorre formao do biofilme

    dentrio que fornece substrato, como nutrientes, metablitos, enzimas e oxignio

    para a colonizao bacteriana. As bactrias distribuem-se no biofilme da placa

    dentria em colnias, de uma maneira complexa e desequilibrada, ficando

    envoltas por matriz extracelular. Esse tipo de organizao faz com quem elas se

    tornem mais resistentes a antispticos e antibiticos (CLELAND, 2000; HENNET,

    2005; PEAK, 2011).

  • 6

    Durante o sono, perodo em que no h ingesto de alimentos, que a

    placa se forma mais rapidamente (WIGGS & LOBPRISE, 1997). Em 1965 foi

    realizado um estudo comparativo, feito por Egelberg, no qual os animais eram

    alimentados por intubao, constatou que h formao da placa bacteriana,

    independente da ingesto de alimentos, observando ainda que a mastigao

    exerce influncia benfica, contribuindo como mecanismo de limpeza da cavidade

    oral (WATSON, 2006).

    No incio da infeco h predomnio de bactrias gram-positivas,

    aerbias e sem motilidade, que a microbiota endgena e nos estgios mais

    avanados da infeco, predominam bactrias gram-negativas, anaerbias e com

    motilidade, que a microbiota patognica (GIOSO, 2007). Enquanto nos animais

    saudveis a proporo de bactrias anaerbias na cavidade oral de 25%, nos

    animais doentes pode chegar a 95% (WIGGS & LOBPRISE, 1997). Portanto, a

    doena periodontal ocorre quando a microbiota predominante no sulco gengival

    se altera de cocos aerbios Gram-positivos imveis para bastonetes anaerbios

    Gram-negativos mveis, gerando inflamao profunda, e que pode determinar

    perda de sustentao dentria e destruio do ligamento periodontal. Essas

    bactrias comunicam-se por meio do envio de sinais qumicos, que

    desencadeiam a produo de protenas e enzimas bacterianas potencialmente

    nocivas (GORREL, 2004; GIOSO, 2007; GORREL et al., 2007).

    A placa bacteriana pode ser encontrada nas regies supragengival ou

    subgengival. A placa supragengival refere-se aos agregados microbianos

    localizados acima da gengiva, nas superfcies dentais (HARVEY & EMILY, 1993;

    GENO et al., 1999). A placa subgengival corresponde aos agregados

    bacterianos encontrados totalmente dentro do sulco gengival ou bolsas

    periodontais (GENO et al., 1999). Ambas apresentam entidades morfolgicas e

    microbiolgicas distintas (HARVEY & EMILY, 1993), sendo a supragengival

    inicialmente colonizada por bactrias aerbias, gram-positivas e sem motilidade

    (EMILY & PENMAN, 1994). A populao microbiana da placa subgengival

    compreende microrganismos mistos, como cocos gram-positivos e gram-

    negativos, alm de formas filamentosas com pequena matriz intermicrobiana

    (HARVEY & EMILY, 1993). A placa bacteriana predomina na regio subgengival

    pois o local em que a limpeza natural realizada pelo fluxo salivar, lngua, lbios

  • 7

    e pela abraso dos alimentos no tem uma ao eficiente (CLELAND, 2000;

    GIOSO, 2007).

    HARVEY et al. (1995) analisaram as bactrias da regio subgengival

    de 49 ces com gengivite de moderada a grave, constataram que 58% so

    aerbias e 42% anaerbias. Estudos realizados em 1965 j comprovavam que a

    placa bacteriana era a responsvel pela induo de resposta inflamatria, sendo

    que os sinais desapareciam mediante a remoo da placa (HARVEY & EMILY,

    1993; GORREL, 2004).

    Em estudo realizado por RIGGIO et al. (2011) foi feita a identificao

    molecular das bactrias por cultura microbiolgica e por reao em cadeia da

    polimerase (PCR). O resultado mostrou que os ces com gengivite apresentam

    predomnio de Bacteriides heparinolyticus, Pasteurella dagmatis,

    Porphyromonas cangingivalis e nos ces acometidos pela periodontite foi

    identificado a presena de Actinomyces canis e Desulfomicrobium orale, alm de

    espcies potencialmente novas, em ambos os grupos. VAN DAM et al. (2009)

    relataram que Capnocytonodegmi encontrado na cavidade oral da grande

    maioria dos ces

    2.1.2 Fatores predisponentes

    As anomalias anatmicas, dentais e periodontais, tais como o

    prognatismo, braquignatismo e dentes decduos persistentes, so fatores

    predisponentes doena periodontal, pois aumentam a reteno de placa

    bacteriana (Figura 3) (KLEIN, 2000; GIOSO, 2007; PACHALY, 2006), alm de

    traumatismo, malocluso, apinhamento dental, rotao dental, superfcies dentais

    speras e algumas condies sistmicas, como azotemia (PACHALY, 2006).

    H vrios outros fatores que interferem no desenvolvimento da doena

    periodontal, como a idade do paciente, obesidade, formato da cabea (fator

    racial), efeitos da mastigao, distrbios do sistema imunolgico ou

    imunossupresso, sade geral do paciente, desnutrio, vcios de roer,

    predisposio gentica, quantidade de saliva, microflora bucal, rotina de limpeza

    profiltica e tipo de alimentao (HARVEY & EMILY, 1993; EMILY & PENMAN,

  • 8

    1994; GORREL, 2004; HENNET, 2005; PACHALY, 2006; GORREL et al., 2007;

    GIOSO, 2007).

    FIGURA 3 - Presena de dentes decduos em

    cavidade oral na espcie canina (setas)

    Fonte: GOUVEIA (2009)

    Estudos relataram que a dieta natural dos carnvoros apresenta um

    efeito antiplaca, contribuindo na higienizao oral. Entretanto, alimentos

    inadequados, como as raes midas, favorecem o acmulo de placa

    (BELLOWS, 2000). Entretanto, o formato e a textura do alimento so mais

    importantes do que o contedo nutricional da dieta para o controle da placa e da

    inflamao gengival (WIGGS & LOBPRISE, 1997).

    TELHADO et al. (2004) realizaram um estudo avaliando a incidncia de

    clculo dentrio e doena periodontal em ces da raa Pastor Alemo, em

    diferentes faixas etrias, e a anlise dos dados obtidos permitiu verificar que,

    quanto maior a idade dos ces, maior a freqncia e gravidade da doena

    periodontal. Entretanto, vale salientar que, a enfermidade do periodonto no um

    processo inevitvel em animais idosos, se as medidas profilticas forem

    institudas adequadamente

    KYLLAR & WITTER (2005) e VENTURINI (2006) observaram em seu

    estudo, no apenas uma relao significativa entre a doena periodontal e a idade

    avanada, como tambm entre a presena da doena periodontal e tamanho do

    co, sendo a gengivite mais freqente nos ces acima de 30 kg e a periodontite

    http://www.ourovet.com.br/

  • 9

    em ces com peso inferior a 10 kg. Esse fato explicado pela reduzida atividade

    de mastigao dos ces de pequeno porte, no apresentando o hbito de morder.

    Alm disso, comumente alimentam-se de comida caseira ou produtos

    industrializados midos, no apresentando a abraso necessria para

    desestruturao da placa dentria (PIBOT, 2007). Outra razo que justifica o

    maior acometimento das raas pequenas o fato de apresentarem o mesmo

    nmero de dentes que as raas maiores, porm com um crnio menor, com a

    falta de proporo entre dentes e mandbula/maxila, tendem a adquirir malocluso

    e apinhamento, devido a maior proximidade dos dentes (HARVEY & EMILY,

    1993; POPE, 1996; WIGGS & LOBPRISE, 1997).

    Dentre os ces de raas menores, a raa Yorkshire Terrier destaca-se

    nos problemas dentrios, isso porque, nessa raa, os dentes decduos

    permanecem na gengiva durante um perodo de tempo excepcionalmente longo,

    induzindo alinhamento e orientao dentria imperfeita (PIBOT, 2007).

    A saliva tambm auxilia na limpeza mecnica dos dentes, pois

    apresenta propriedades imunolgicas representada pelas imunoglobulinas A e G,

    alm de conter algumas enzimas que inibem a ao bacteriana, como a lisozima,

    que destri a parede bacteriana, a peroxidase que inibe a formao cida e a

    lactoferrina que diminui a digestibilidade do ferro, requerido para o crescimento da

    bactria. Assim sendo, a quantidade e a qualidade da saliva tambm um dos

    fatores que influenciam no desenvolvimento da doena periodontal, sendo que

    sua produo reduzida (xerostomia) agrava o quadro bucal (WIGGS &

    LOBPRISE, 1997).

    O clculo dentrio, tambm denominado odontlito (Figura 4), o

    principal fator predisponente doena periodontal, formado pela precipitao de

    sais minerais provenientes da saliva, tais como o carbonato de clcio e o fosfato

    de clcio. Constitui material duro, mineralizado, de cor amarelada, marrom ou

    ainda esverdeada com superfcie externa spera que facilita o acmulo de mais

    placa bacteriana, exarcebando seus efeitos nocivos. Assim como a placa, pode

    localizar-se em regio supra ou subgengival, sendo um irritante gengival passivo

    local (HARVEY & EMILY, 1993; GORREL, 2004; LIMA et al., 2004; PACHALY,

    2006; GIOSO, 2007).

  • 10

    FIGURA 4 - Presena de odontlitos na cavidade

    oral de um co (setas)

    O clculo dentrio supragengival formado por calcite, um tipo de

    carbonato de clcio proveniente da saliva, misturado com pequena quantidade de

    fosfatos. cinzento-acastanhado, volumoso, quebradio e de fcil remoo

    quando se utiliza instrumentos adequados (GORREL, 2004). Os clculos

    subgengivais ocorrem em consequncia da deposio de mineral plasmtico.

    Esse tipo de clculo mais nocivo quando comparado ao supragengival. Pode-se

    apresentar de colorao negra por incorporao de pigmentos de hemoglobina

    degradada e de pigmentos produzidos pelas bactrias da placa subgengival

    (HARVEY & EMILY, 1993).

    Os animais de companhia apresentam o pH da cavidade oral em torno

    de 7,5 a 9,0, isso explica o fato de apresentarem maior quantidade de clculo em

    comparao a outras espcies pois sabe-se que o pH alcalino favorece a

    calcificao do clculo dentrio (GIOSO, 2007). Em estudo realizado por

    TELHADO et al. (2004) verificou-se que a severidade da doena periodontal

    acompanhada pela gravidade da presena de clculos.

    A resposta imune, quando alterada, mediante fatores como a

    senilidade, estresse psicolgico ou ambiental, debilidade orgnica, situaes

    imunossupressoras, doenas sistmicas como a uremia, hepatite e distrbios

    endcrinos, torna o animal mais susceptvel, exercendo influncia na prevalncia

    da doena periodontal (WIGGS & LOBPRISE, 1997).

  • 11

    2.1.3 Fases da doena periodontal

    A evoluo da doena periodontal determinada pelo mecanismo de

    ao das bactrias da placa e a resposta inflamatria do organismo animal, o que

    pode levar a efeitos locais e sistmicos (GORREL, 2004). O sistema imunolgico

    do co apresenta-se sob duas formas: latente e ativa. Nota-se a forma latente em

    animais que apresentam grande quantidade de clculos, mas sem caracterstica

    clnica e radiogrfica da doena. J a forma ativa da enfermidade caracteriza-se

    pela manifestao local da doena periodontal, com gengivite e periodontite

    (GORREL, 1998; GIOSO, 2007).

    a) Gengivite

    A gengiva a primeira linha de defesa s agresses periodontais,

    formada por epitlio pavimentoso estratificado queratinizado e pode ser dividida

    em poro fixa e marginal, sendo que a fixa est firmemente aderida ao peristeo

    subjacente e, a marginal, pouco espessa e circunda o dente coronalmente

    (POPE, 1996). Esse tipo de epitlio oferece pouca resistncia aos agentes

    agressores (LINDHE et al., 2003).

    A instalao da placa dentria um evento antignico, uma vez que

    essas bactrias comunicam-se por meio do envio de sinais qumicos que

    desencadeiam a produo de protenas, toxinas e enzimas bacterianas

    potencialmente nocivas, que em contato constante com a gengiva marginal vai

    lesion-la, rompendo a integridade da matriz intercelular do epitlio gengival

    provocando uma resposta inflamatria que, quando restrita gengiva,

    denominada gengivite (GORREL, 2004; HENNET, 2005; GIOSO 2007; GORREL

    et al., 2007).

    A princpio esto presentes bactrias especficas gram-positivas,

    aerbias, como as espcies Streptococcus e Actinomyces, que apresentam

    propriedades de aderncia por meio de fmbrias, hemaglutininas e

    polissacardeos. Os polissacardeos produzidos por estas bactrias formam o

    glicoclix, substncia semelhante a uma cola, no qual se agregam novas

    bactrias que por si s no teriam essa capacidade. medida que a gengivite se

    desenvolve, as bactrias aerbias consomem oxignio, tornando o ambiente

  • 12

    adequado ao crescimento de outras espcies bacterianas, como as anaerbias,

    gram-negativas, filamentosas e com mobilidade (HARVEY & EMILY, 1993;

    WIGGS & LOBPRISE, 1997; GORREL, 2004; HENNET, 2005; CARVALHO &

    CABRAL, 2007; GIOSO, 2007). A doena periodontal instala-se quando a

    microbiota patognica torna-se predominante (GIOSO, 2007).

    Com o processo inflamatrio h hiperatividade dos neutrfilos

    estimulados pela presena de citocinas pr-inflamatrias no sitio infectado,

    resultando em vasodilatao, marginao leucocitria, migrao celular, produo

    de prostaglandinas e enzimas destrutivas e, finalmente, edema (OFFENBACHER,

    1996). Tais eventos, considerados protetores, podem tornar-se nocivos quando

    superestimulados, pois desencadeiam resposta antignica de linfcitos, com

    produo de imunoglobulinas (HARVEY & EMILY, 1993). O sistema imunolgico

    atua com o intuito de evitar que os microrganismos se disseminem

    sistemicamente ou invadam tecidos adjacentes porm, os consequentes eventos

    celulares e bioqumicos contribuem para a destruio dos tecidos envolvidos

    (HARVEY & EMILY, 1993; EMILY & PENMAN, 1994). Alm disso, os

    lipopolissacardeos de patgenos periodontais tambm podem ativar diretamente

    os receptores de clulas epiteliais bucais levando produo das citocinas

    inflamatrias (ESKAN et al., 2008).

    A gengivite evidente e passvel de ser detectada no exame clnico

    (Figura 5), em geral uma semana aps a formao da placa bacteriana (GIOSO,

    2007; GORREL, 2007), sendo visualizada como uma linha avermelhada ao longo

    da margem gengival (GORREL, 2004; GIOSO, 2007), podendo apresentar-se

    inflamada, edemaciada e, nos casos mais graves, frivel com sangramento

    espontneo. No h deteriorao de tecidos e as estruturas sseas dos dentes

    permanecem inalteradas (HARVEY & EMILY,1993).

    A hiperplasia gengival inflamatria (Figura 6) pode ocorrer em alguns

    casos, especialmente nos ces de grande porte. Em resposta placa, a gengiva,

    cuja base aderida, crescer coronalmente e ao redor do dente. Essa formao

    pode ser de origem espontnea ou hereditria (EMILY & PENMAN, 1994; GIOSO,

    2007). O processo provoca o aumento da profundidade do sulco entre o dente e a

    gengiva (pseudo-bolsa), o que torna ainda mais difcil a raspagem natural durante

    a alimentao e a penetrao do fluxo salivar (GIOSO, 2007). Essas falsas bolsas

  • 13

    gengivais retm a placa e restos celulares, sendo um estmulo para incio da

    periodontite (EMILY & PENMAN, 1994).

    FIGURA 5 - (A) Gengivite inicial mostrando eritema da margem gengival e

    incio da deposio de clculo; notar o edema da gengiva. (B) Gengivite avanada revelando eritema moderado e edema, assim como o aumento da deposio de clculo

    Fonte: adaptado de BROOK & NIEMIEC (2008)

    FIGURA 6 - Hiperplasia gengival inflamatria

    na cavidade oral em co (seta) Fonte: LOCFMVZ/USP (2009)

    Altos ndices de placa bacteriana estavam presentes em humanos que

    ficaram sete dias sem realizar a escovao dos dentes. Portanto, comprovado

    que a higienizao oral realizada por meio da escovao visa desorganizar

    fisicamente a placa dentria, evitando assim seu acmulo (DUPONT, 1998;

    HENNET, 2005). HARVEY (2005) ressaltou que, quando a higiene oral escassa,

  • 14

    a quantidade de bactrias vai aumentando constantemente conduzindo, mais

    rapidamente, evoluo da doena.

    Em estudo realizado em ces, foi realizado a escovao dentria em

    dias alternados e verificaram, ento, que esta frequncia de higienizao no foi

    suficiente para a manuteno da sade oral e que, independente do tipo de

    alimentao, o ideal a escovao dental diria. Para manter a gengiva saudvel

    em ces, a escovao pode ser realizada trs vezes por semana, porm na

    presena de gengivite, dever ser efetuada diariamente (DUPONT, 1998).

    Autores relataram que, diante da remoo da placa, a gengivite desaparece

    (GORREL, 2004; GIOSO, 2007).

    Em um estudo realizado por LIMA et al. (2004), comparou-se a

    eficincia da remoo da placa bacteriana dental com a escova dental e a dedeira

    em ces. Observou-se que a escovao foi capaz de remover a placa bacteriana

    em 96,95% quando se utilizou a escova dental e 81,40%, com o uso da dedeira.

    Conclui-se que ambos os mtodos so eficientes na remoo da placa dental em

    ces, diminuindo, portanto, as implicaes clnicas locais e sistmicas da placa

    bacteriana. De acordo com MILLER & HARVEY (1994) menos de 10% dos

    proprietrios de ces concordam com as recomendaes para escovar os dentes

    de seus animais. No entanto, se habituassem a realizar escovao em seus ces,

    poderiam reduzir em 90% a predisposio doena periodontal, pelo controle da

    placa bacteriana (DUPONT, 1998).

    b) Periodontite

    A patogenia da periodontite envolve dois mecanismos de agresso

    tissular: a injria direta causada pela placa bacteriana e a injria indireta causada

    pela inflamao provocada pelos microrganismos presentes na placa (GORREL,

    2004).

    Com a evoluo do processo inflamatrio o epitlio do sulco gengival

    perde a integridade, o que permite livre acesso s bactrias e seus subprodutos,

    podendo atingir estruturas mais profundas. A partir do momento que ocorre o

    envolvimento do periodonto de sustentao (ligamento periodontal, osso alveolar

  • 15

    e cemento) o processo passa a ser chamado de periodontite (BELLOWS, 2000;

    GIOSO, 2007).

    Conforme HARVEY & EMILY (1993), a periodontite classificada,

    conforme a gravidade em (Figura 7):

    Periodontite inicial: A topografia gengival est normal ou hiperplsica, h

    inflamao do ligamento periodontal e formao de pequena bolsa. Perda ssea

    mnima est presente e mobilidade dentria est ausente.

    Periodontite moderada: Nesta fase h perda de aproximadamente 30% a 50%

    do osso alveolar, resultando em moderada perda da insero do dente e

    formao de bolsa periodontal. H hiperplasia gengival, porm a topografia da

    gengiva permanece conservada, essa hiperplasia pode mascarar a profundidade

    da bolsa ou a retrao gengival pode reduzir o tamanho da bolsa formada. Nota-

    se moderada mobilidade dentria nos incisivos, sendo, entretanto, quase

    imperceptvel na maioria dos dentes.

    Periodontite avanada: Esta fase caracteriza-se por acentuada perda dos

    tecidos periodontais e ntida formao de bolsas periodontais ou retrao gengival

    significativa. H perda de mais de 50% do osso alveolar provocando forte

    mobilidade dos dentes, podendo culminar na esfoliao dentria pois o dente

    perde toda sua insero, caindo espontaneamente.

    FIGURA 7 - Diferentes graus de evoluo da periodontite Fonte: www.cveuropa.com

    http://www.cveuropa.com/

  • 16

    Entretanto, classificaes mais recentes dividem a periodontite

    conforme a gravidade, em escores (ROZA, 2004):

    Escore 1: gengivite marginal

    Escore 2: incio de edema e inflamao da gengiva aderida

    Escore 3: edema, gengivite e bolsas

    Escore 4: bolsas profundas, formao de pus, perda ssea, mobilidade

    dental

    Escore 5: abscessos dentrios, perda ssea avanada

    A progresso da doena vai depender da quebra do equilbrio entre as

    defesas do animal e a patogenicidade das bactrias, ocorrendo em velocidade

    variada, podendo prolongar por anos (GORREL, 1998; GIOSO, 2007; BROOK &

    NIEMIEC, 2008). Para LINDHE et al. (2003) uma doena de evoluo contnua,

    com perodos de exacerbao e de remisso, sendo essa progresso

    determinada pela resposta do hospedeiro.

    medida que a placa se acumula o ambiente vai se tornando mais

    propcio s bactrias altamente patognicas (gram-negativas, anaerbias,

    mveis), sendo essas as responsveis por atingir estruturas do periodonto,

    desencadeando a periodontite (GIOSO, 2007). A microbiota subgengival

    associada periodontite consiste essencialmente em Porphyromonas spp,

    Prevotella spp, Peptostreptococcus spp e Fusobacterirum spp (HARVEY &

    EMILY, 1993; POPE, 1996; CARVALHO & CABRAL, 2007).

    Em humanos a Prophyromonas gingivalis considerada o maior

    agente patognico do periodonto e um importante causador da perda ssea

    periodontal (FOURNIER et al., 2001). Os estudos de HARDHAM et al. (2005),

    suportaram esta teoria, pois descreveram uma cepa semelhante

    Porphyromonas gingivalis associada doena periodontal em ces, sendo

    denominada Porphyromonas gulae, alm das cepas Porphyromonas salivosa e

    Porphyromonas denticanis. Estudo adicional de FOURNIER et al. (2001) foi

    realizado em camundongos com o intuito de provar a patogenicidade dessas

    bactrias, sendo colocadas no sulco subgengival dos animais e demonstrou-se

    que tais microrganismos foram os responsveis pela perda ssea alveolar nos

    animais testados.

  • 17

    A patogenia da periodontite envolve mecanismos de agresso tissular

    direta e indireta. As bactrias e os produtos oriundos do seu metabolismo,

    destacando-se a amnia, o indol, o sulfureto de hidrognio e o cido butrico,

    adentram, afetando diretamente os tecidos de suporte do dente. Alm disso, h

    ativao de enzimas proteolticas, como as proteases e colagenases, que

    destroem as fibras de colgeno do ligamento periodontal, causam retrao

    gengival e estimulam a ao de osteoclastos presentes na regio, podendo

    determinar o incio da reabsoro do osso alveolar (PACHALY, 2006;

    GIOSO,2007). H tambm a atuao de outras enzimas, como a condroitinase,

    elastina, fibronectina e fibrina. A condroitinase produzida por alguns

    microrganismos sendo capaz de destruir o cido hialurnico (polissacardeos

    cimentantes do tecido periodontal), aumentando a permeabilidade tecidual ao

    bacteriana (WIGGS & LOBPRISE, 1997; DUPONT, 1998; HENNET, 2005; GIOSO

    2007).

    A agresso indireta, considerada a principal agravante da periodontite,

    refere-se capacidade que os subprodutos das bactrias da placa dentria tm

    de ativar reaes inflamatrias imunolgicas e no imunolgicas responsveis

    pela leso tecidual (GORREL, 1998; GIOSO, 2007).

    Os neutrfilos provenientes da inflamao morrem liberando potente

    arsenal enzimtico, com maior produo de prostaglandinas que induzem maior

    permeabilidade capilar, facilitando a bacteremia. Alm disso, as prostaglandinas,

    assim como as proteases e colagenases, estimulam os osteoclastos presentes na

    regio, responsveis pela reabsoro ssea (HARVEY & EMILY, 1993; GORREL,

    1998, GORREL, 2004).

    O osso alveolar reabsorvido mediante leso progressiva. O epitlio

    juncional, que o tecido responsvel por fixar a gengiva ao dente, destrudo

    resultando em perda de aderncia da gengiva e formao de bolsa periodontal

    entre o dente e o osso (EMILY & PENMAN, 1994; GIOSO, 2007). O osso alveolar,

    uma vez perdido, no se regenera. A bolsa periodontal patolgica formada

    fornece condies ideais proliferao bacteriana, tais como calor, ausncia de

    luz, umidade e suporte nutricional (HARVEY & EMILY, 1993; CLELAND, 2000).

    As bolsas, quando profundas, podem exsudar pus (EMILY & PENMAN, 1994).

  • 18

    A perda ssea causa instabilidade e, consequentemente, mobilidade

    do dente afetado sendo ento, durante a mastigao, empurrado contra o osso

    restante, culminando com a esfoliao do dente (HARVEY, 2005; GIOSO, 2007).

    Em um nvel mais avanado, a perda ssea pode originar a fratura patolgica da

    mandbula. Com a perda do dente acaba toda a contaminao que ocorria

    naquele alvolo dentrio, ento a inflamao retrocede, a salincia do dente

    atrofia e o epitlio gengival cicatriza, cobrindo a superfcie mandibular presente

    (HARVEY, 2005).

    Em experimento realizado por EURIPEDES et al. (1996) constatou-se

    que os dentes incisivos foram os que apresentaram menor ndice de

    acometimento pela placa bacteriana. Isso foi atribudo sua funo bsica de

    apreenso, sendo dessa forma, os dentes que mais sofrem abraso dos

    alimentos. Como os ces praticamente deglutem os alimentos em pedaos

    maiores, os outros grupos dentrios responsveis pela mastigao quase no

    sofrem abraso dos alimentos. Entretanto, GIOSO (2007) relatou que os dentes

    incisivos dos ces e gatos so os primeiros elementos dentais afetados na

    doena periodontal devido ao reduzido espao interdental, prejudicando o

    processo de autolimpeza, alm de apresentarem a cortical ssea muito delgada, o

    que facilita o acometimento pela doena periodontal. HARVEY (2005) relatou que

    no s os incisivos mas o 1 pr-molar e o 2 molar inferior so os mais

    frequentemente perdidos, pois so dentes que apresentam apenas uma raiz ou

    razes menores. Semelhantemente, RAMOS (2010) mostrou em estudo que os

    dentes mais acometidos nos ces foram, predominantemente, os pr-molares e

    molares superiores.

    importante ressaltar que a periodontopatia pode afetar um nico

    dente ou um grupo de dentes e h a possibilidade de coexistirem diferentes graus

    de doena periodontal em diferentes dentes e em diferentes regies do mesmo

    dente (KLEIN, 2000).

    Atualmente existe vacina contra a Porphyromonas para humanos e

    ces. Ensaios em ces mostraram que a vacina segura e seu uso foi permitido

    por licena provisria concedida pelo Departamento de Agricultura dos Estados

    Unidos (USDA). Entretanto, estudos a longo prazo esto em anlise (PEAK,

    2011).

  • 19

    A vacinao tem o intuito de diminuir a incidncia de periodontite,

    perda ssea periodontal e perda dentria, bem como evitar as consequncias

    sistmicas, podendo ser usada, precocemente, em pacientes de raas

    predispostas enfermidade bucal, tais como Poodle, Schnauzer, Yorkshire Terrier

    e Galgos ou at mesmo em pacientes idosos aps realizao de tratamento

    periodontal (PEAK, 2011).

    A vacina contra P. gingivalis (Figura 8) foi uma das teses propostas por

    PAGE (2000), com o intuito de evitar a infeco bacteriana e suas consequncias,

    j testada em primatas no humanos, mostrando induzir proteo nos animais

    com periodontite, comparativamente ao grupo controle.

    FIGURA 8 - Porphyromonas gingivalis Fonte: www.odontoblogia.com.br

    O mesmo resultado foi obtido em teste realizado por HARDHAM et al.,

    (2005) que propuseram a vacina monovalente contra Porphyromonas gulae. Alm

    disso, quando o epitlio do sulco gengival destes indivduos do teste foram

    cultivadas, P. gulae foi encontrado em grandes quantidades no controle, mas

    apenas em nveis mnimos nos vacinados. Isso deu fortes indcios de que o grupo

    vacinado no s estava protegido, mas tambm teve menos carga de patgenos

    no periodonto. Esta vacina monovalente tambm gerou proteo cruzada quando

    http://www.odontoblogia.com.br/

  • 20

    os animais foram desafiados com outras cepas (P. strains, P. salivosa e P.

    denticaninum).

    A forma de como essa vacina atua no organismo ainda est sob

    investigao, contudo, acredita-se que a IgG seja a responsvel pelo efeito

    protetor. Em condies normais, h um fluxo contnuo de lquido oriundo do soro

    no sulco gengival dos ces, chamado de fluido gengival crevicular. Com a

    inflamao desencadeada pela doena periodontal esse fluxo aumenta. A IgG

    est presente nesse fluido e liga-se bactria alvo impedindo que penetre na

    insero do periodonto, assim sendo, neutrfilos e macrfagos detectam, atacam

    e destroem, com maior facilidade, os microrganismos patognicos (PEAK, 2011).

    2.2 Glomerulonefrite secundria doena periodontal

    A associao entre doena periodontal e doena sistmica foi

    postulada h mais de 100 anos. Desde ento, muitos estudos vem sendo

    realizados, tanto na rea humana quanto na veterinria, demonstrando uma

    relao significativa entre elas (BARNETT & HYMAN, 2006). A periodontia mdica

    estabelece, por meio de evidncias cientficas, a real associao entre sade

    periodontal e sade sistmica, determinando um eixo bidirecional no qual a

    doena periodontal pode influenciar negativamente a sade geral de um indivduo

    assim como as diversas enfermidades podem afetar, tanto o estabelecimento

    como a progresso da doena periodontal (DOUGLASS, 2008).

    A doena periodontal fonte de infeco crnica e a resposta do

    hospedeiro resulta na produo local de citocinas e mediadores biolgicos, como

    interleucinas e prostaglandinas, que induzem ao aumento da permeabilidade

    vascular e ativao leucocitria, alm de estimular a produo de anticorpos

    sricos (PAGE, 2000).

    O aumento da permeabilidade vascular altera a integridade epitelial e

    durante a mastigao, devido rica vascularizao do periodonto e s

    microleses gengivais, o ambiente torna-se favorvel s endotoxinas bacterianas,

    permitindo que lipopolissacardeos da parede celular de bactrias gram-negativas,

    se desprendam e adentrem a corrente sangunea, resultando em resposta

  • 21

    imunolgica sistmica com graves distrbios secundrios, dentre eles, a

    glomerulonefrite que consiste na inflamao dos glomrulos (PIHLSTROM et al.,

    2005; PACHALY, 2006; GIOSO, 2007; GORREL et al., 2007; TONETTI et al.,

    2007).

    A glomerulonefrite por deposio de complexo imunolgico uma das

    principais afeces glomerulares que acometem ces e gatos, sendo

    frequentemente associada a doenas infecciosas e inflamatrias, que cursam

    com bacteremia, como no caso da doena periodontal. Muitas vezes, porm, no

    identificada a origem do antgeno ou da doena latente (NELSON & COUTO,

    1992; GRAUER & DIBARTOLA, 1997).

    Na glomerulonefrite imunomediada, o complexo antgeno-anticorpo

    provoca uma resposta de hipersensibilidade do tipo III localizada, que ativa o

    sistema complemento, provocando aderncia e agregao plaquetria, infiltrao

    por leuccitos e ativao do sistema de coagulao com deposio de fibrina, o

    que resulta em danos glomerulares (NELSON & COUTO, 1992; BARBER, 2006).

    A aderncia e agregao plaquetria ocorrem secundariamente leso

    do endotlio vascular ou interao antgeno-anticorpo. Como consequncia, as

    plaquetas exacerbam a leso glomerular por liberao de substncias vasoativas

    e inflamatrias (principalmente tromboxanos), facilitando a cascata de

    coagulao. Existem muitas evidncias que indicam que os troboxanos so

    importantes mediadores da inflamao e da proteinria associadas a

    glomerulonefrite por imunocomplexo (NELSON & COUTO, 1992).

    O fator ativador das plaquetas potente autacoide derivado de lipdios,

    podendo ser produzido por neutrfilos, macrfagos, plaquetas, clulas mesangiais

    e endoteliais glomerulares. O fator ativador das plaquetas promove a infiltrao

    por neutrfilos, produo de eicosanoides e aumento da permeabilidade vascular,

    contribuindo com a ocorrncia da glomerulonefrite. O xido ntrico pode causar

    citotoxicidade ao formar o complexo ferro-nitrosila-enxofre que inibe as enzimas

    dependentes do ferro e provoca a cessao da replicao do DNA, sendo

    produzido por plaquetas, neutrfilos, macrfagos e clulas endoteliais presentes

    no interior de glomrulos inflamados (GRAUER & DIBARTOLA, 1997).

    O glomrulo fornece ambiente nico para que os fatores lesivos

    estimulem a produo de mediadores bioativos, tais como eicosanoides,

  • 22

    citocinas, fatores de crescimento e xido ntrico. Esses mediadores podem ser

    produzidos pelas clulas glomerulares endgena ou por clulas sanguneas

    recrutadas, como neutrfilos e plaquetas (NELSON & COUTO, 1992; GRAUER &

    DIBARTOLA, 1997; BARBER, 2006).

    Os neutrfilos so atrados por componentes quimiotticos do sistema

    complemento resultando na liberao de radicais livres de oxignio e enzimas

    lisossmicas, contribuindo com a leso glomerular. Os glomrulos contm em sua

    composio glicoprotenas cidas que so negativamente carregadas. Antgenos

    no glomerulares podem estar localizados na parede do capilar glomerular como

    resultado de interao de carga eltrica ou afinidade bioqumica, assim sendo,

    anticorpos podem ser direcionados contra esses antgenos intrnsecos fixados na

    membrana basal glomerular, o que tambm contribui para a leso do glomrulo

    (NELSON & COUTO, 1992; GRAUER & DIBARTOLA, 1997).

    Assim, uma srie de eventos, como consequncia da agresso, podem

    culminar na proliferao das clulas glomerulares, espessamento das paredes

    dos capilares, hialinizao glomerular e esclerose (GRAUER & DIBARTOLA,

    1997).

    O fator de necrose tumoral, interleucina-1, o fator do crescimento

    derivado das plaquetas, fator de transformao do crescimento e o fator de

    crescimento epidrmico contribuem para a proliferao das clulas mesangiais,

    produo da matriz mesangial, adeso das clulas inflamatrias, aumento da

    permeabilidade vascular, coagulao e deposio da fibrina a nvel

    intraglomerular, contribuindo com as leses. Estes peptdeos possuem aes

    principalmente parcrinas e autcrinas, podendo atuar sinergicamente (GRAUER

    & DIBARTOLA, 1997).

    Em humanos, a gravidade da doena periodontal est relacionada com

    a incidncia da insuficincia renal (LUND et al., 1999). Um estudo retrospectivo

    mostrou que adultos com doena periodontal (7,5%) foram 4,5 vezes mais

    propensos a ter doena renal crnica do que aqueles sem doena periodontal

    (FISHER & TAYLOR, 2009). A associao similar foi demonstrada em outro

    estudo aps estabelecerem ajustes simultneos para fatores de risco demogrfico

    e cardiovasculares (KSHIRSAGAR et al., 2005).

  • 23

    Sabe-se que uma leso irreversvel ao glomrulo torna afuncionante

    todo o nfron, e se a afeco progressiva, resultar em insuficincia renal

    (GRAUER & DIBARTOLA, 1997). Diversos estudos demonstraram que a

    prevalncia de glomerulonefrite em ces selecionados ao acaso chega a atingir

    50% e, se no tratada, pode evoluir para doena renal crnica, necessitando

    dilise ou transplante renal (COLLINS et al., 2005; NOTOMI et al., 2008).

    Em estudo realizado observou-se que a doena periodontal estava

    presente em 30,8% dos gatos urmicos e em 34,6% dos gatos com insuficincia

    renal crnica terminal (ETTINGER, 2004).

    Evidncias em seres humanos sugerem que a periodontite resulta em

    inflamao sistmica subclnica, que promove a aterosclerose e leva a hipoxemia

    renal secundria, leso renal progressiva e doena renal crnica por meio de

    estenose arterial localizada e reduo do dbito cardaco (SCANNAPIECO &

    PANESAR, 2008).

    Em um estudo em que foram avaliadas a cavidade oral e necropsiados

    45 ces, o resultado macro e microscpico indicou relao entre a gravidade da

    afeco oral e alteraes sistmicas. A doena periodontal foi relacionada a

    alteraes morfolgicas no glomrulo e interstcio renal (DEBOWES et al., 1996).

    O aspecto mais importante na glomerulonefrite secundria doena

    periodontal identificar essa causa e trat-la (FORRESTER, 2003). Em estudo

    realizado por GLICKMAN et al. (2011) constatou-se que o tratamento da doena

    periodontal em ces foi associada reduo de 23% no risco de doena renal.

    Esse dado consistente com pesquisa realizada por DE OLIVEIRA et al. (2010),

    baseado em uma populao de 11.869 homens e mulheres.

    Nos exames laboratoriais de pacientes com glomerulonefrite, as

    anormalidades hematolgicas so inespecficas e podem incluir anemia no-

    regenerativa, hipoproteinemia e leucocitose. As anormalidades bioqumicas

    sricas podem incluir hipoalbuminemia, hipercolesterolemia e/ou

    hiperglobulinemia (FORRESTER, 2003).

    Assim, o estabelecimento do diagnstico da doena periodontal como

    causa da glomerulonefrite primordial para instituio de medidas que auxiliem

    na recuperao do rgo, antes que o organismo desempenhe mecanismos

    metablicos adaptativos e compensatrios que culminem na impossibilidade de

  • 24

    reverter o quadro patolgico, comprometendo a qualidade de vida do animal com

    reduo da sua sobrevida (STEVENS et al., 2006).

    2.2.1 Proteinria e microalbuminria

    Os glomrulos funcionam como filtros do plasma (GRAUER &

    DIBARTOLA, 1997) e, em condies normais, as protenas no esto presentes

    em grandes quantidades no filtrado glomerular. O colgeno do tipo IV, localizado

    na membrana basal da parede capilar glomerular, o responsvel por restringir a

    filtrao da maioria das protenas plasmticas, principalmente em funo do peso

    molecular e tamanho das partculas proteicas. Essa permeabilidade seletiva no

    permite nem mesmo a passagem da albumina, que uma das protenas de

    menor peso molecular (69.000 Dalton). Alm disso, a parede dos glomrulos

    apresenta carga negativa, impedindo a passagem de protenas, tambm

    carregadas negativamente, como a albumina (GRAUER, 2011). Ainda assim, as

    protenas de menor peso molecular ou protenas maiores com carga positiva, que

    conseguem passar pelos glomrulos, so completamente reabsorvidas pelas

    clulas epiteliais do tbulo contorcido proximal, podendo ser degradadas e

    utilizadas pelas clulas tubulares ou retornarem ao sangue (GRAUER, 2011).

    Diante disso, na glomerulonefrite, a permeabilidade seletiva do

    mecanismo de filtrao glomerular perdida, permitindo a passagem de grande

    quantidade de protenas sricas (GRAUER, 2011). Portanto, a principal

    caracterstica da glomerulopatia a presena de proteinria significativa na

    ausncia de hematria, piria e bacteriria. A proteinria sem a companhia de

    achados significativos no sedimento urinrio a marca fundamental da afeco

    glomerular e isso leva perda progressiva da massa renal funcional pois uma

    leso irreversvel ao glomrulo torna o nfron afuncional e, em afeces

    progressivas, resulta em insuficincia renal (GRAUER & DIBARTOLA, 1997),

    podendo levar a morte do animal, uma vez que o rim responsvel por funes

    reguladoras, excretoras e endcrinas, sendo essencial para a manuteno do

    equilbrio hdrico, eletroltico, homeosttico e cido-base no organismo animal

    (STRASINGER, 1996).

  • 25

    A proteinria a presena excessiva de qualquer tipo de protena na

    urina e microalbuminria est relacionada presena de pequena concentrao

    de albumina na urina em valores acima dos parmetros fisiolgicos permitidos.

    Em condies fisiolgicas, o filtrado glomerular de ces e gatos saudveis contm

    apenas 2 a 3 mg/dL de albumina em comparao aos 4 g/dL encontrados no

    plasma. Isso corresponde a 40% a 60% de albumina urinria em relao s

    demais protenas. A proteinria pode refletir funo renal inadequada e, quando

    detectada, importante avaliar sua origem, visando estabelecer um diagnstico

    adequado (STOCKHAM & SCOTT, 2002; GREGORY, 2003; BARSANTI et al.,

    2004; LESS et al., 2005; GRAUER, 2011).

    Em humanos, a albuminria j um indicador preciso de doena renal

    e sua deteco precoce, com a instituio de tratamento adequado, tem retardado

    a progresso da enfermidade. Alm disso, o excesso de protenas no filtrado

    glomerular pode resultar em toxicidade s clulas epiteliais tubulares, gerando

    inflamao intersticial, fibrose e morte celular (KEANE & EKNOYAN, 1999; EDDY,

    2001).

    Estudos em ces mostraram que a microalbuminria um bom

    marcador da funo renal, considerando o incio da doena. Nesse caso, os ces

    devem receber maior ateno e cuidados especiais. Entretanto, a sua prevalncia

    parece variar de acordo com diferentes doenas, podendo refletir outras

    alteraes alm da doena renal, incluindo doenas cardiovasculares,

    inflamatrias no infecciosas e metablicas (LEES et al., 2002; PRESSLER et al.,

    2003). Ces com linfossarcoma e osteossarcoma apresentaram aumentos

    significativos nas concentraes de albumina urinria, que tendem a reduzir

    medida que diminui a carga tumoral (PRESSLER et al., 2003; GRAUER, 2011).

    REGO (2006) avaliou a concentrao de albumina na urina em ces

    com insuficincia renal crnica (IRC) comparativamente aos ces hgidos,

    estabeleceu ainda a razo albumina:creatinina urinria (RAC) e

    protena:creatinina urinria (RPC), correlacionando presso arterial. Foi

    observado aumento gradual na RPC nos ces doentes, seguido por aumento

    igualmente gradual na RAC, acompanhados por aumento da presso arterial. O

    estudo mostrou que a albuminria resulta em hipertenso e esta causa efeito

    adverso sobre os rins de ces com IRC, assim como observado em humanos.

  • 26

    Relatos em ces mostram que a albuminria estava presente em

    grande porcentagem dos animais que precisaram ser eutanasiados ou que

    morreram naturalmente, sugerindo que, assim como nas pessoas, pode ser

    indicador de prognstico desfavorvel (LEES et al., 2002).

    A presena excessiva de protena na urina pode ter causas fisiolgicas

    ou patolgicas. A condio fisiolgica ou benigna geralmente transitria, de

    baixa magnitude e tende a reduzir quando o agente desencadeante removido.

    As principais causas so ingesto de alimento hiperproteico, exerccios

    extenuantes, convulses, febre, estresse e exposio ao calor ou frio (McCAW et

    al., 1985). O mecanismo pelo qual a proteinria fisiolgica ocorre ainda no est

    completamente esclarecido, mas acredita-se que esteja relacionado

    vasoconstrico renal transitria, isquemia e/ou congesto (LAROUTE et al.,

    2005).

    Em estudo realizado por McCAW et al. (1985), verificou-se que a

    reduo da atividade fsica influenciou no desenvolvimento de proteinria em

    ces, mostrando que a perda proteica pela urina foi maior em ces confinados em

    baias quando comparada aos ces com nvel de atividade fsica normal.

    Complementarmente, segundo GARY et al. (2004), ces submetidos caminhada

    em esteira por 20 minutos no apresentaram proteinria, indicando que o

    aumento da atividade fsica no foi um fator de risco.

    A proteinria patolgica pode ser oriunda de causas pr-renal, renal ou

    ps-renal. A proteinria de origem pr-renal relaciona-se estados patolgicos

    que aumentam as concentraes de protenas de baixo peso molecular na

    circulao, como o caso em leses musculares extensas (mioglobinria),

    anemias hemolticas (hemoglobinria) e at mesmo devido a alta produo de

    imunoglobulinas de cadeias leves por clulas plasmticas neoplsicas, como o

    mieloma mltiplo. As protenas de baixo peso molecular, quando em excesso,

    extrapolam a capacidade de reabsoro tubular e concentram-se na urina

    (MEYER & HARVEY, 1998; SCOTT & STOCKHAM, 2002; BARSANTI et al.,

    2004; GRAUER, 2011).

    A proteinria de origem renal ocorre, principalmente, devido s

    alteraes na permeabilidade glomerular, frequentemente associada

    hipertenso intraglomerular, a presena de complexos imunes, inflamao

  • 27

    vascular nos capilares glomerulares ou defeitos estruturais na membrana basal do

    glomrulo (GRAUER, 2011). Na hipertenso intraglomerular h aumento da TFG,

    resultando em hiperfiltrao, com consequente sobrecarga nos nfrons residuais

    e progresso da doena renal (FINCO et al., 1999).

    A glomerulonefrite uma das principais causas de proteinria renal,

    por ser a principal causa de IR em ces. A leso glomerular geralmente evidencia

    proteinria mais severas do que aquelas associadas s leses tubulares. Outras

    causas de proteinria de origem renal incluem doenas inflamatrias ou

    infiltrativas do rim, como as pielonefrites, leptospirose, neoplasias, que muitas

    vezes so acompanhadas por sedimento urinrio ativo com alteraes renais

    detectveis na avaliao ultrassonogrfica (GRAUER, 2011).

    Quando a proteinria de origem renal deve ser feito um

    monitoramento, analisando a persistncia e quantificao da sua magnitude.

    Deve ser interpretada em associao avaliao da concentrao de creatinina

    srica, pois a proteinria pode reduzir com a progresso da doena renal, devido

    diminuio da quantidade de nfrons funcionais. Essa condio quando

    associada creatinina srica estvel, indica resposta positiva ao tratamento e,

    quando associada ao aumento da creatinina srica, sugere progresso da doena

    renal (GRAUER, 2011).

    Em alguns casos os ces com doena glomerular apresentam a

    sndrome nefrtica, que ocorre devido proteinria persistente em elevada

    magnitude. A sndrome nefrtica caracteriza-se por hipoalbuminemia,

    hipercolesterolemia e desenvolvimento de edema e/ou ascite. Alm disso, os ces

    com sndrome nefrtica frequentemente apresentam hipertenso arterial

    sistmica, fator de risco para eventos tromboemblicos e hipercoagulabilidade

    (GRAUER, 2011).

    A gravidade da perda proteica urinria deve ser avaliada e monitorada

    empregando-se a proporo de protena: creatinina (GRAUER & DIBARTOLA,

    1997). Alm das complicaes clssicas relacionadas sndrome nefrtica, h

    evidncias de que a proteinria tambm pode desencadear dano glomerular e

    tubular, resultando em perda progressiva dos nfrons, pois as protenas

    plasmticas que atravessam a parede dos capilares glomerulares podem se

  • 28

    acumular dentro dos glomrulos e estimular a proliferao celular mesangial e

    aumento da produo de matriz mesangial (JERUMS et al., 1997).

    2.2.2 Creatinina

    A creatinina, em sua grande maioria, origina-se da creatina endgena.

    Os aminocidos, arginina e glicina, associam-se, formando o guanidinoacetato no

    pncreas, rins e intestino delgado. No fgado, a metionina fornece um grupo metil

    para converso de guanidinoacetato em creatina, que circula no plasma para ser

    captada pelos msculos, passando a armazenar energia sob a forma de

    fosfocreatina. A partir da, ocorre degradao espontnea, irreversvel, no

    enzimtica, da creatina e fosfocreatina presentes nas fibras musculares,

    originando a creatinina (CHEW & DIBARTOLA, 1992).

    Posteriormente, a creatinina desloca-se para o plasma, sendo filtrada

    pelos glomrulos e eliminada, quase que exclusivamente, via renal, sem sofrer

    reabsoro tubular. Suspeita-se que pequena parcela possa ser excretada via

    trato gastrointestinal, em ces e gatos, j que a creatinina apresenta baixo peso

    molecular, sendo difundvel pela maioria das membranas celulares. Esse fato

    observado em humanos, nos quais a creatinina srica no aumenta,

    proporcionalmente, medida que a taxa de filtrao glomerular diminui, pois,

    quando sofre elevao, degradada por bactrias entricas (STOCKHAM &

    SCOTT, 2002).

    Nos animais domsticos, a creatinina srica o marcador endgeno

    mais comumente utilizado na prtica clnica, sendo considerada de eleio para

    avaliar a funo renal. Pode ser mensurada no soro ou plasma, sendo estvel a

    4oC por um dia e por mais tempo quando congelada. Sua mensurao consiste

    em um mtodo simples, quando comparado s dificuldades e aos custos

    inerentes relacionado s demais tcnicas (STOCKHAM & SCOTT, 2002;

    FETTMAN & REBAR, 2004; PRATES et al., 2007). Entretanto, h muitos fatores

    que limitam sua acurcia, exercendo influncias em sua determinao, sendo, por

    isso, no considerada ideal para avaliao da TFG (DEINUM & DERK, 2000).

  • 29

    A massa muscular individual um dos principais fatores limitantes

    utilizao da creatinina, uma vez que a sua concentrao srica reflexo da sua

    produo. Assim, animais que perdem massa muscular apresentam reduo na

    produo de creatinina e, consequentemente, em seu nvel plasmtico. Quando

    h leso de micitos com adequada funo renal, o excesso de creatinina srica

    rapidamente removido do plasma (MARTINEZ et al., 2003; HOJS et al., 2006;

    STEVENS et al., 2006).

    H estudos, em humanos, que demonstram a no influncia da massa

    muscular sobre os valores de creatinina srica (FETTMAN & REBAR, 2004).

    Entretanto, MEDAILLE et al. (2004) ao avaliarem 4.799 pacientes clinicamente

    saudveis, verificaram que, em 27,5% dos casos houve aumento na concentrao

    srica da ureia e a creatinina apresentou valores dentro da normalidade. O estudo

    concluiu que a discrepncia observada reflete a atuao de fatores no renais e,

    sobretudo, relao com a massa muscular individual.

    Fatores como citocinas, que aumentam o catabolismo muscular

    endgeno, durante a sepse ou caquexia por neoplasia, podem aumentar a

    liberao de creatina e, consequentemente, a quantidade de creatinina produzida

    (STOCKHAM & SCOTT, 2002; FETTMAN & REBAR, 2004). Entretanto para HARI

    et al. (2007), no estado de desnutrio h reduo nos nveis de creatinina.

    A funo tireoideana tambm pode interferir no nvel srico de

    creatinina. Foi demonstrado que os pacientes com hipotireoidismo apresentavam

    nveis de creatinina mais elevados, enquanto pacientes com hipertireoidismo

    apresentavam nveis menores. Aps o tratamento e consequente estado de

    eutireoidismo, os nveis de creatinina se normalizaram (GABRIEL et al., 2011).

    A creatinina tambm influenciada por outros fatores, como idade,

    gnero, dieta, desnutrio e treinamento fsico (STOCKHAM & SCOTT, 2002;

    MARTINEZ et al., 2003; FETTMAN & REBAR, 2004; STEVENS et al., 2006; HARI

    et al., 2007).

    Dietas hiperproteicas e hemorragias gastrointestinais so fatores que,

    ao contrrio do que fazem com a ureia, no alteram a creatinina, contudo, para

    FETTMAN & REBAR (2004), dietas com fonte de creatina, como a carne

    vermelha cozida, aumentam a produo de creatinina e, por consequncia, sua

    elevao srica enquanto que as demais refeies, na sua maioria, tendem a

  • 30

    reduzir a concentrao do metablito, pois a absoro dos nutrientes induz um

    aumento ps-prandial da taxa de filtrao glomerular.

    FERREIRA (2006) dividiu ces em grupos, conforme o nvel de

    protena bruta oferecida na dieta, sendo, 12%, 22% e 32%. O estudo mostrou

    que, nveis crescentes de protena bruta na dieta de ces adultos sadios

    acarretam aumentos graduais de ureia srica e creatinina na urina.

    Uma significativa limitao relacionada mensurao da creatinina

    srica refere-se sua baixa sensibilidade, pois no detecta graus leves de perda

    de funo renal, ou seja, no serve como precocidade em diagnstico. Alm

    disso, no identifica rpidas alteraes funcionais. Entretanto, a mensurao da

    creatinina srica determina reduo na TFG a partir de 75% de perda da funo

    renal, indicando acometimento renal de intensidade moderada a severa (PRATES

    et al., 2007).

    Outro fator que limita a utilizao da creatinina como marcador ideal da

    funo renal o fato de ser secretada pelos tbulos renais, superestimando,

    dessa forma, a TFG (DEINUM & DERK, 2000).

    Os fatores externos que interferem em sua determinao analtica so

    substncias endgenas como glicose, bilirrubinas, cido rico, triglicerdeos,

    cetonas e protenas plasmticas. Dentre esses, bilirrubina e glicose tendem a

    reduzir seus valores enquanto que as demais substncias podem levar a

    resultados falsamente elevados. A interferncia tambm pode estar relacionada

    utilizao de alguns medicamentos, como cefalosporinas, cido ascrbico,

    cimetidina, sulfas e trimetropim, que inibem secreo tubular de creatinina,

    elevando, assim, seu nvel srico, sem afetar a TFG (MARTINEZ et al., 2003;

    HOJS et al., 2006).

    A funo renal foi avaliada em ces expostos ao antineoplsico

    doxorrubicina, que mostrou causar leso glomerular, hipoproteinemia e

    proteinria, evidenciando sua ao nefrotxica, entretanto, os valores de ureia e

    creatinina mantiveram-se dentro da normalidade, mesmo diante da agresso

    renal (NAKAGE & SANTANA, 2008). Pacientes com alteraes significativas da

    funo renal podem apresentar valores de creatinina dentro dos limites normais, o

    que torna evidente a necessidade de reavaliar os exames laboratoriais que so

    pedidos na rotina clnica, bem como estabelecer outras medidas que avaliem,

  • 31

    com maior exatido, veracidade e precocidade, bem como o nvel da funo

    orgnica (BURMEISTER et al., 2007), de eliminao de protena pela urina,

    detectando assim a gravidade das leses renais, a resposta ao tratamento ou a

    progresso da doena (GREGORY, 2003).

    Uma nica amostra j considerada efetiva para a determinao da

    razo protena:creatinina urinria (PU/CU), possuindo alta correlao com a

    anlise da urina produzida pelo animal em 24 horas. Porm, necessrio que a

    protena total e a creatinina sejam mensuradas de uma mesma amostra

    (GREGORY, 2003).

    Para STOCKHAM & SCOTT (2002) e BARSANTI et al. (2004), valores

    menores que 0,5 eram considerados normais para a espcie canina, enquanto

    que os resultados obtidos acima de 1,0 eram tidos como anormais e valores entre

    0,5 e 1,0 eram considerados suspeitos ou inconclusivos, sendo recomendada a

    repetio do teste.

    Resultados de estudos mais recentes alteraram esses valores, sendo

    estabelecidos como limites a relao de 0,2 a 0,5 em ces e 0,2 a 0,4 em gatos.

    So considerados valores anormais a razo PU/CU >0,5 para ces e >0,4 para

    gatos. provvel que a definio dos parmetros considerados normais para

    PU/CU continuem a mudar medida que ocorram pesquisas adicionais (LEES et

    al., 2005; LYON et al., 2010; GRAUER, 2011).

    A proteinria persistente com resultados superiores aos limites

    mximos permitidos espcie, com causas pr-renal e ps-renal descartadas,

    so achados consistentes de doena glomerular ou tubular intersticial crnica.

    Razo PU/CU > 2,0 indica forte excreo proteica, sendo sugestiva de doena

    glomerular (LEES et al., 2005).

    A proteinria persistente, mesmo em nveis baixos, j tida como um

    fator de risco progresso da doena renal, sendo necessrio estimar sua

    magnitude para estabelecer um prognstico preciso. Em ces nefropatas

    crnicos, o risco de crise urmica ou mortalidade foi trs vezes maior quando

    estes apresentaram PU/CU > 1,0 em relao aos ces com PU/CU < 1,0,

    indicando que o declnio da funo renal foi maior em ces que apresentaram

    maior PU/CU, evidenciando a ligao entre proteinria e a progresso da doena

    renal (LESS et al., 2005).

  • 32

    Estudos revelam que a proteinria causa dano glomerular progressivo,

    pois resulta na hipertenso e hiperfiltrao glomerular, sendo este o maior ponto

    crtico determinante da leso glomerular (BRENNER et al. 1996). Estudos

    experimentais em ratos mostram que, quando a hipertenso arterial glomerular

    controlada a leso do glomrulo reduz ou acaba (LAFAYETTE et al., 1992).

    As alteraes hemodinmicas glomerulares exercem uma grande

    influncia sobre os fatores que iniciam e perpetuam a progresso da doena renal

    (BRENNER & MEYER, 1982). Estas alteraes hemodinmicas levam

    hiperfiltrao glomerular, que uma adaptao observada em resposta a reduo

    funcional do nmero de nfrons nos pacientes com insuficincia renal (BRENNER

    et al. 1996). Portanto, a proteinria no representa apenas um marcador de dano

    glomerular, mas tambm, um dos principais sinais de progresso insuficincia

    renal (LESS et al., 2005). REGO (2006) evidenciou esse fato, concluindo ainda

    que a razo albumina:creatinina urinria o melhor ndice para avaliar a

    microalbuminria em ces sadios, sendo tambm uma boa medida de

    acompanhamento clnico em ces nefropatas.

    A preveno da hipertenso glomerular leva a uma menor injria no

    glomrulo, com consequente efeitos benficos com relao a progresso da

    doena renal, melhorando assim a hipertenso e hiperfiltrao glomerular, o que

    diminui a leso renal. Opes teraputicas vem sendo testadas em humanos,

    com o intuito de limitar a hiperfuno glomerular e melhorar a leso renal em

    animais. A restrio de protenas na dieta uma das medidas testadas, reduzindo

    a leso glomerular e preservando a funo renal e seus limites estruturais, sendo

    uma medida de renoproteo (BRENNER et al. 1996).

    A restrio de protenas na dieta em pacientes humanos no diabticos

    com insuficincia renal retarda a progresso da doena, uma vez que a

    proteinria significativa leva a deteriorao contnua da funo renal. Portanto,

    intervenes dietticas e farmacolgicas visando controlar a presso arterial e,

    particularmente, a presso glomerular, tem carter de renoproteo (BRENNER

    et al. 1996).

    Ao contrrio das tiras reagentes para a deteco de protenas na urina,

    a razo protena:creatinina urinria possui como vantagem no sofrer influncia

    da concentrao urinria e do volume da amostra sobre o seu resultado. Alm

  • 33

    disso, as tiras, comumente utilizadas na urinlise, detectam apenas

    concentraes proteicas entre 5 e 30 mg/dL, assim sendo, concentraes

    menores nas amostras em que a urina encontra-se excessivamente diluda

    podem gerar resultados falso-negativos (STOCKHAM & SCOTT, 2002;

    BARSANTI et al., 2004).

    A Sociedade Internacional de Interesse Renal (International Renal

    Interest Society- IRIS) prope um sistema de classificao composto por quatro

    estgios de evoluo da doena renal crnica em ces e em gatos (IRIS Staging

    System of CKD, 2009). Os estgios foram estabelecidos de acordo com as

    concentraes sricas de creatinina (POLZIN et al., 2005; SANDERSON, 2009).

    So eles:

    Estdio I: animal no-azotmico e geralmente no so observados sinais

    clnicos. Creatinina < 1,4 mg/dL. Presena de proteinria e/ou hipertenso;

    Estdio II: animal apresenta azotemia renal discreta, geralmente com

    ausncia de sinais clnicos. Creatinina entre 1,4 2,0 mg/dL. Presena de

    proteinria e/ou hipertenso;

    Estdio III: animal apresenta azotemia renal moderada devido ao declnio da

    taxa de filtrao glomerular e sinais de uremia. Creatinina entre 2,1 5,0 mg/dL.

    Presena de proteinria e/ou hipertenso;

    Estdio IV: animal apresenta sinais clnicos referentes ao quadro de sndrome

    urmica. Creatinina > 5,0. Presena de proteinria e/ou hipertenso.

    2.2.3 Gama glutamiltransferase urinria

    A existncia da atividade enzimtica na urina conhecida h mais de

    160 anos, no entanto, sua determinao em relao ao estado de sade e

    enfermidades tem causado maior impacto nas ltimas dcadas (PALACIO et al.,

    1994).

    Devido limitada sensibilidade dos mtodos disponveis para a

    deteco dos danos renais agudos, as enzimas urinrias, foram motivo de

    estudos e avaliaes sendo que mais de 40 j foram mensuradas com fins de

  • 34

    diagnstico, mas poucas tm real importncia na prtica clnica (GRAUER &

    LANE, 1997; CLEMO, 1998).

    A gama glutamiltransferase (GGT) uma enzima urinria que tem sido

    destacada em inmeros estudos. Apresenta concentrao mxima na borda

    apical das clulas epiteliais dos tbulos contorcidos proximais e ala de Henle dos

    nfrons, normalmente aumentos de duas a trs vezes superiores ao valor basal

    indica leso do epitlio tubular, sendo por isso considerada um marcador precoce

    de dano tubular renal (GRAUER & LANE, 1997; CLEMO, 1998).

    Algumas situaes clnicas que podem cursar com enzimria so a

    senilidade, febre, septicemia, hepatopatias, diabetes mellitus, aminoglicosideos,

    nefrotoxinas, intoxicao por metais pesados, uso de anti-inflamatrios no

    esteroidais e anestsicos (POPPL et al., 2004).

    A GGT tambm pode ser encontrada, em pequenas concentraes, em

    outros rgos como fgado, pncreas, bao, pulmes, intestino delgado, placenta,

    sistema nervoso central, prstata e corao. Essa enzima exerce papel essencial

    no transporte de aminocidos e auxilia na manuteno da reserva desses nas

    clulas (RUDOLPH & CORVALAN, 1992).

    A GGT urinria fornece informaes importantes sobre a progresso da

    leso tubular, devido variao de sua atividade no curso da doena renal. Alm

    disso, o seu aumento pode tambm estar relacionado leso glomerular grave,

    permitindo o aumento da filtrao das enzimas sricas (GRAUER & LANE, 1997).

    Relatos indicam que ces nefropatas, mesmo na presena de funo

    renal normal, podem apresentar aumento na atividade da GGT urinria,

    demonstrando sua precocidade em indicar leses renais antes mesmo que

    ocorram alteraes funcionais do rgo (HARST et al., 2005).

    A atividade da GGT urinria foi avaliada por SILVA et al. (2006),

    utilizando um agente nefrotxico, o acetaminofeno (paracetamol), induzindo leso

    renal em ratos com reduo significativa na TFG. Concluiu-se que a dosagem de

    GGT urinria um procedimento simples, de baixo custo e til na deteco

    precoce de leses renais.

    Um estudo realizado em ces avaliou, comparativamente, a atividade

    da enzima GGT urinria com os testes utilizados na rotina clnica que avaliam a

    disfuno renal, como a urinlise, ureia e creatinina sricas, durante a induo de

  • 35

    IRA por outro agente nefrotxico, a gentamicina. Concluiu-se que a enzima

    urinria GGT mais sensvel e especfica quando comparada aos testes de

    funo renal convencionais, mostrando ser um indicador precoce de leso tubular

    renal (HENNEMANN et al., 1997). Em avaliao similar, realizada por

    MELCHERT et al. (2007), foi demonstrado que o aminoglicosdeo causou reduo

    significativa da taxa de filtrao glomerular aps estabelecimento de leses

    tubulares severas. A GGT urinria teve aumento da sua atividade srica quatro

    dias aps a induo da nefrotoxicidade, enquanto que a ureia e creatinina

    indicara