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Resumo de aula Dogma e dogmatismo
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DOGMA E DOGMATISMO
Prof. Miquéias França, Teologia Sistemática - STBNe/2013
Dogma é um termo de origem grega que significa literalmente “o que se pensa é
verdade”. Na antiguidade, o termo estava ligado ao que parecia ser uma crença ou
convicção, um pensamento firme ou doutrina.Posteriormente passou a ter um
fundamento religioso em que determinado ponto em uma doutrina é dado como
indiscutível, inquestionável, uma verdade absoluta que deve ser ensinada com
autoridade. Em contrapartida, o vocábulo dogma do grego δόγμα (dogmatikós, em
grego moderno) significou primitivamente oposição. Tratando-se assim de uma opinião
centrista, isto é, algo que se referia a opinião em si. Por isso, o termo dogmatismo
significava "relativo adoutrina" ou "fundado em um princípio" ou “simples opinião”.
Além do cristianismo, os dogmas estão presentes em outras religiões como o
judaísmo ou islamismo, filosofias e até mesmo em algumas ciências. Os princípios
dogmáticos são crenças básicas pregadas pelas religiões, que devem ser seguidas e
respeitadas pelos seus membros sem nenhuma dúvida.
Adolf Von Harnack definiu os dogmas como doutrinas de fé cristãs formuladas
mediante conceitos e elaboradas para o uso científico-apologético. São as doutrinas
que constituem “o conteúdo objetivo da religião”. Abrangem o conhecimento e
reconhecimento da redenção efetuada por Jesus Cristo, de Deus e do mundo. São
consideradas como contidas nas Sagradas Escrituras. São oficialmente aceitas pela
igreja. Constituem o “depósito da fé”. Seu reconhecimento é a condição da participação
na salvação e bem-aventurança.
Em sua obra a “História do Dogma”Harnack visava à superação do
cristianismo dogmático. Defendeu um cristianismo não dogmático que ele identificava
com a religião simples de Jesus. Tentava mostrar que a concepção do dogma e sua
elaboração aconteceram no solo do evangelho com a racionalidade do espírito grego.
Para a fé, afirmava Harnack equivocadamente, dogmas não são necessários.
Enquanto a Teologia Liberal entende não ser necessário o dogmapara a vida da
igreja, as teologias mais conservadoras entendem que o dogma é muito importante e
tem um lugar todo especial na vida contemplativa e prática da igreja. A teologia é mais
ampla do que os dogmas. Esses pressupõem o trabalho teológico. São, historicamente,
resultados desse trabalho, frutos da teologia, embora o próprio cristianismo dogmático
os considere como verdades reveladas e, por conseguinte, base e limite da teologia.
Nem tudo que é teologia tornou-se dogma. Mas o surgimento e o desenvolvimento dos
dogmas não podem ser entendidos nem apresentados sem que se conheça a teologia
ou as teologias que levaram à sua elaboração. Por isso, disse Harnack: ”o horizonte da
história dos dogmas deve ser o mais amplo da teologia”.
O dogma é fé em sua dinâmica histórica, teológica e eclesial que quer
compreender sua própria razão interna localizada no tempo e no espaço, ou seja, em
determinado contexto.O dogma é a expressão do objeto da fé naquilo que lhe é
inerente não podem ser separados do contexto em que estão inseridos. A fé procura
compreender sua própria razão interna a partir da experiência com o sagrado e com o
dogma. Ao querer compreender sua própria razão interna, a fé e o dogma respondem
às questões que são próprias da existência humana.
O dogma não é “alienígena”. Ele diz respeito aos problemas da existência
humana como o problema de Deus: as questões da queda humana e a experiência do
pecado e do mal, da finitude das coisas e da necessidade de vencer a morte e fazer o
prolongamento da vida, da espiritualidade da vida racional e da esperança e do amor.
Assim, não se pode abortar o dogma da fé, pois o dogma ainda que não seja
necessariamente objeto da fé é a expressão eclesial da fé. Dogma é uma chamada a
obediência do homem e da igreja para os ensinamentos superiores das Escrituras
Sagradas, a Bíblia.
O dogma existe devido a grande diversidade de interpretações das doutrinas.
Vale dizer que a compreensão do dogma como instrumento basilar da fé cristã difere
totalmente do significado etimológico da palavra “dogma”. Dogma existe a partir de
uma interpretação escriturística e histórica, não é simples opinião, aliás,interpretação e
opinião são duas coisas distintas. A opinião está no âmbito da subjetividade, enquanto
a interpretação não. A interpretação carece de elementos históricos, gramaticais e
morfológicos. Portanto, não se pode conferir ao dogma um conceito de “simples
opinião” como se o dogma fosse “coisa rasa”.
Desse modo, o dogma é importante para convicção doutrinária da igreja quando
distingui doutrinas sadias das não sadias. Neste texto chamo de doutrinas sadias
aquelas socialmente válidas e não sadias aquelas inaplicáveis a vida social da igreja e
dos indivíduos.
O dogma orienta a pública profissão de fé na vida dos indivíduos e de modo
coletivo é expressado nas Declarações de Fé das denominações religiosas e igrejas.
Essas manifestações de fé devem inspirar-se no texto bíblico onde encontra-se as
experiências de fé do povo de Israel e dos primeiros cristãos.
Católicos e Protestantes possuem diferentes formas de compreender o dogma.
Para o fiel católico, como para o mestre individual católico, o dogma da igreja
está fixado, é a corte final de apelação em matéria de verdades religiosas. Para
o mestre protestante, por outro lado, o dogma, quer aquele da sua própria
igreja, ou aquele que é comum a todas as igrejas, é verdade, uma corte de
apelação da mais alta importância , que ele encontrará dificuldade em ignorar,
mas ele jamais é autoridade final, forçando-o a suprimir inteiramente a sua
própria visão. Isso ocorre porque as igrejas protestantes não erigiram um
sistema fixo de “dogma”, mas em seu lugar têm as “Confissões de Fé”.1
O risco de converter todo e qualquer dogma em algo absoluto é um perigo, pois,
em sua importância para produzir a obediência a igreja não deve confundir o dogma
como objeto da fé, como não são objeto da fé as Declarações Doutrinárias, as
Confissões ou os Credos, estes são expressões da fé de um ou outro grupo, nunca
objeto da fé. O objeto da fé é Deus, a Revelação e Jesus Cristo.
O risco de converter o dogma num absoluto é um perigo, mas há um segundo
perigo – certamente intimamente ligado ao primeiro, que é, se possível ainda
maior. A doutrina da igreja é sempre a Confissão, a expressão, mas não o
objeto da fé. O objeto da fé é a revelação, o próprio Jesus Cristo, não o Credo
da Igreja.2
Assim, se pode afirmar que o dogma é a roupagem humana que conferimos as
verdades contidas nas Escrituras Sagradas e o entendimento que temos da pessoa de
Jesus Cristo. Por esses e por outros motivos que não se pode compreender o dogma
como simples opinião, como coisa rasa, sem interpretação e autoritário.
Para Emil Brunner, sob o ponto de vista conceitual o dogma se apresenta desta
maneira:
O dogma é um produto artificial da reflexão teológica, cuja “arte” deve ser
mostrada no fato de que ele ajusta-se exatamente à forma de “pérola”, isto é,
que sob uma base de extrema atividade intelectual, acentua o elemento
essencial na fé, colocando-o em relevo, assim falando, e defendendo-o contra
todo mal entendido que possa ameaçá-lo.3
1 BRUNNER Emil. Dogmática – Doutrina Cristã de Deus Vol. 1. Editora Novo Século, São Paulo-SP 2004, P. 792idem3Op.Cit. p 81
O dogma é um instrumento extrator das conclusões, tanto no que se refere as
decisões conciliares ao longo da história da igreja como também dos conteúdos de fé
que são apresentados para a vida prática da igreja em sua validade eclesiástica e
social. Desta maneira, o dogma é síntese doutrinária e prática do exercício da fé cristã
em todos os tempos, sem ele, a igreja teria grandes dificuldades de compreender e
interpretar o seu papel religioso e social. Portanto, a necessidade de interpretação
torna o dogma superior a uma simples opinião.
Embora não seja agradável a compreensão de dogma como opinião como já
antes mencionei, no entanto,outra compreensão do dogma como opinião bastante
importante é a de opinião compulsória e não de simples opinião. Dogma como
opinião compulsória ou de caráter compulsório não é conceitualmente depreciativo
encontra-se no próprio texto bíblico e no mundo contemporâneo. O dogma entendido
assim aponta para uma decisão. Assim, seria dogma todo e qualquer decisão que se
toma conjuntamente para tornar possível uma convivência melhor ou o melhor caminho
para amenizar conflitos. Assim, o dogma aponta para os editos imperiais e para as
decisões conciliares, como se faz nos grandes encontros internacionais hoje sobre o
meio ambiente, combate a pobreza e outras agendas desta natureza, que após essas
reuniões de interesse humanitário as conclusões ou decisões são impressas e
publicadas para o mundo, pois interessa a todos os homens do planeta. Deste modo,
dogma pode significar instruções primeiras para assuntos ainda não compreendidos
universalmente em sua natureza, importância e significado.
O dogma ao longo de sua existência adquiriu uma má fama, isso porque se
confundiu dogma com coerção de fé. Dogma se diferencia de coerção de fé. A igreja
usou a coerção para a difusão do dogma. O dogma é o conteúdo e a coerção foi a
forma equivocada que a igreja ao longo da sua história usou para perpetuar o dogma
de forma absoluta e unívoca a todos os povos cristianizados.
Dogma, No campo religioso é uma verdade divina, revelada e acatada pelos fiéis
compreendida e interpretada gramaticalmente e historicamente. No campo filosófico, é
uma doutrina imposta, que não admite contestação.Estas compreensões diante do
entendimento e da realidade das coisas, chama-se dogmatismo.
Na filosofia clássica grega esse termo era usado com o significado de
aparência, opinião.Desde os tempos da filosofia grega em suas origens já existiam
filósofos adeptos do dogmatismo, como Parmênides, Platão e Aristóteles, que se
recusavam a crer nas verdades estabelecidas.Neste sentido filosófico do termo
dogmatismo é diferente do usado para definir um termo não pertencente a
realidade.No sentido filosófico antigo dogma significava oposição.
Com o decorrer do tempo o dogmatismo começou a ser percebido como uma
posição filosófica defendendo que as verdades absolutas existem. Os filósofos adeptos
desta postura não tinham comoatividade principal à observação ou exame, mas sim à
afirmação. Foram por isso chamados filósofos dogmáticos, ao contrário dos filósofos
examinadores. Como orientação científica e filosóficadogmatismo é o oposto do
ceticismo4.
Odogmatismo no seu significado simplório é algo natural, é a forma como o
homem percebe as coisas que estão ao seu redor, usa de sua percepção, e assim
passa a acreditar na existência dessas coisas, sem ter nenhuma dúvida lhe afligindo.
O conhecimento sobre dogmase dogmatismos tem exercido uma grande influência
sobre as práticas religiosas de todos os tempos tanto na religião como na filosofia.
Dogmatismo como amor as tradições eclesiásticasé a tendência intelectualista
da religião de substituir a realidade pelo pensamento e pela abstração e a prática
tradicionalista de amar mais a tradição eclesiástica do que as pessoas. Consiste em
valorizar mais a doutrina do que à vida. “Dá mais ênfase à doutrina certa do que à
vida certa”, como afirma o Rev. João Dias de Araújo em sua apostila: “Teologia
Sistemática”5
O modo como o dogma deve ser apresentado não é única para todos os povos e
sociedades. Em cada país e em cada sociedade os procedimentos podem e devem
mudar para que a compreensão sistêmica da fé não se absolutize e os dogmas percam
toda sua relevância social. Os dogmas da fé cristã podem apresentar as seguintes
características dentro de umadogmática coerente:
4O ceticismo filosófico se manifestou na Grécia clássica, aparentemente um de seus primeiros proponentes foi Pirro de Elis (360-275 a.C.) que estudou na Índia e defendia a adoção de um "ceticismo prático". Carneades discutiu o tema de maneira mais minuciosa e contrariando os estóicos, dizia que a certeza no conhecimento, seria impossível. Sexto Empírico (200 a.C.) é tido como a autoridade maior do ceticismo grego. Mesmo atualmente o ceticismo filosófico costuma ser confundido com o ceticismo vulgar e com aquilo que a tradição cética denominou de "dogmatismo negativo". Nada mais está tão em desacordo com o espírito do ceticismo do que a reinvidicação de quaisquer certezas, seja as positivas ou as negativas. (Wikipédia em 06 de setembro de 2013)5 Texto não publicado. Escrito pelo autor quando este lecionava no Seminário Presbiteriano do Recife para fins didáticos.
– O dogma como instrumento de apresentação da redenção do homem por meio da
fé em Jesus Cristo e consequentemente da sociedade. Neste sentido o dogma produz
a consciência social de um todo espiritual-harmonioso e de “um outro” todo que fica à
margem. Assim compreendido o dogma aponta para uma necessidade de salvação da
sociedade humana.
– O dogma como instrumento de reprodução. Esse aspecto do dogma aponta para
a necessidade de educação religiosa cristã que o homem, a igreja e a sociedade
carecem. O dogma atua nesse sentido como instrumento de correção e não de
coerção, procurando assim por meio de um aprimoramento pedagógico o crescimento
moral, social e espiritual das pessoas tornando-as mais humanas.
– O dogma como instrumento de transformação. Esse aspecto compreende o
dogma como mediação, como elemento que desperta a igreja para as suas
responsabilidades sociais e libertadoras. O dogma nesse sentido deve despertar nos
indivíduos o desejo do outro. Entender o mundo a partir das necessidades do outro é
perceber a existência do outro em suas fragilidades e a pêlos. O dogma como
instrumento transformador, transforma o eu como ser no mundo consciente da
necessidade de ser novo, e, como homem novo luta contra as injustiças da sua própria
cultura.
Bibliografia
Apostila de Teologia Sistemática – João Dias de Araújo
BRAATEN Carl, E & JENSON Robert.Dogmática Cristã. Vol. 1. Editora Sinodal,
1990.
BRUNNER, Emil. Dogmática – Doutrina Cristã de Deus Vol. 1. Editora Novo
Século, São Paulo-SP 2004.
PANNENBERG, Wolfhart. Teologia Sistemática Vol. 1. Editoras Academia Cristã
&Paulus. Santo André – SP 2009