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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FUNDAÇÃO DOM CABRAL
Programa de Pós-Graduação em Administração Mestrado Profissional e Administração
DOS PRINCIPADOS HEREDITÁRIOS: a percepção dos jovens executivos sobre as demandas da carreira
José Antônio Gontijo do Couto
Belo Horizonte 2009
JOSÉ ANTÔNIO GONTIJO DO COUTO
DOS PRINCIPADOS HEREDITÁRIOS: a percepção dos jovens executivos sobre as demandas da carreira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Fundação Dom Cabral, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Dr. Antônio Carvalho Neto Co-orientadora: Profª Drª Betania Tanure
Belo Horizonte 2009
FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Couto, José Antônio Gontijo do C866d Dos principados hereditários: a percepção dos jovens executivos sobre as
demandas da carreira / José Antônio Gontijo do Couto. Belo Horizonte, 2009. 106f. Orientador: Antônio Carvalho Neto Co-orientadora: Betania Tanure Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Administração. 1. Executivos. 2. Herança e sucessão. 3. Profissões. 4. Interesse pessoal. 5.
Interesse profissional. I. Carvalho Neto, Antônio. II. Tanure, Betania. III. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Administração. IV. Título.
CDU: 658.012.4
3
Dedico à memória de meu pai, Manoel, à minha mãe, Enoy, que tantas vezes respeitaram o leito do rio, mesmo sem saber qual seria o seu destino... Descobri que todas as coisas têm seu tempo sob o céu. E o tempo das coisas sussurra aos meus ouvidos: “desde todos os tempos, há um tempo em que vocês estão presentes e esse tempo se chama sempre...” À Laurene, aos meus filhos, Pedro e Alexandre. Grandes. Motivos para crescer: são sementes que brotam e fazem brotar uma vida mais leve, um belo passeio à margem do rio...
Creiam, procuro combater o bom combate...
MPA diss final r 14dez2009.doc -
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Antônio Carvalho Neto, pelo admirável papel de educador. Competente e
paciente, orientou-me para caminhos que fizeram desta jornada uma apreciação de novos
horizontes. Obrigado.
À Profª Drª Betânia Tanure: sua firmeza desinstala a comodidade e nos faz crescer.
Ao Prof. Dr. Anderson de Souza Sant´Anna e ao Prof. Dr. Lindolfo Galvão de
Albuquerque, reconhecidos pela ciência nas questões humanas do mundo do trabalho e da
gestão. Suas presenças na banca examinadora muito me honraram e enriqueceram.
Sou grato, de forma especial, a Deusdedith Righi de Aquino, pelo estímulo de primeira
hora e pela confiança encorajadora, e a Robson Braga de Andrade, por possibilitar a
realização deste trabalho. Homens de êxito profissional e de exemplar afeto familiar. Eu sei o
quanto fizeram no verão passado para que eu pudesse concluir esta jornada. Tenho-os como
meus amigos.
Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para tê-lo.
Goethe, Fausto, Parte I, Cena I, in: Freud (1996, p. 160). Dos principados hereditários. Voltarei minha atenção somente para os principados, irei delineando os princípios descritos e discutirei como devem ser eles governados e mantidos. Digo, pois, que para a preservação dos Estados hereditários [...], as dificuldades são assaz menores que nos novos, pois é bastante não preterir os costumes dos antepassados e, depois, contemporizar com os acontecimentos fortuitos, de forma que, se tal príncipe for dotado de ordinária capacidade sempre se manterá no poder, a menos que uma extraordinária e excessiva força dele venha a privá-lo; e, uma vez dele destituído, ainda que temível seja o usurpador, volta a conquistá-lo.
Maquiavel (2004, p. 5)
Como os homens trilham quase sempre caminhos abertos por outros e pautam suas ações pelas imitações, embora não possa seguir em tudo os caminhos dos outros nem igualar a virtù daqueles que imita, um homem prudente deve sempre seguir os caminhos abertos pelos grandes homens e espelhar-se nos que foram excelentes.
Maquiavel (2004, p. 23)
Uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho, levado até ao esgotamento das forças vitais do indivíduo e da sua progenitora. Em vez de reagir contra esta aberração mental, os padres, os economistas, os moralistas sacrossantificaram o trabalho.
Lafargue (2003, p. 19)
RESUMO
Sob o tema da percepção do jovem executivo sobre a carreira, este estudo tem como
objetivo analisar se o jovem executivo herdeiro equilibra a vida profissional e a vida pessoal.
Foram ouvidas as opiniões de 15 jovens executivos mineiros, herdeiros das empresas
de seus pais, empresas de médio e grande porte, prestadoras de serviços e indústrias,
localizadas em Belo Horizonte e Contagem. A pesquisa identificou fontes de satisfação e de
insatisfação, bem como fontes de pressão relacionadas ao conteúdo e ao contexto do trabalho
desses jovens executivos. Traçou-se um perfil desses profissionais, destacando características
pessoais e profissionais. Utilizou-se a análise de sentimentos de satisfação diante das
possibilidades de crescimento profissional, da segurança proporcionada pelo trabalho, inter-
relacionando as obrigações de trabalho (vida profissional) e as atividades e tempo dedicados
ao não-trabalho (vida pessoal). Também foi analisado o conteúdo do papel executivo,
buscando diagnosticar as dimensões básicas das tarefas executadas em relação à autonomia,
identidade da tarefa e significação do trabalho. Diante das fontes de tensão relativa ao papel
profissional, das demandas da carreira e da vida pessoal, os jovens executivos herdeiros
apresentam um sentimento de satisfação com o nível de distribuição do tempo e da energia
dedicados ao trabalho e ao não-trabalho. Constatou-se que os executivos da presente pesquisa
reforçam um sistema de dominação racionalmente legitimado pela expectativa dos pais,
elemento fundamental no processo da continuidade e da sobrevivência da empresa, por
ocuparem um espaço específico já delimitado: são executivos “filhos do dono”. Prisioneiros
da obra do predecessor e condenados a vencer por meio da continuidade de sua obra, os
jovens executivos herdeiros carregam o peso da herança no cumprimento do papel esperado
desde muito jovens pelo pai, família e círculo social. Nesse sentido, engendra-se uma nova
referência de profissional e executivo de sucesso no capitalismo contemporâneo.
PALAVRAS-CHAVE: Jovem executivo. Herdeiro. Carreira. Vida profissional. Vida
pessoal.
ABSTRACT
In regard to the theme of career perceptions, this study aims to analyse whether young
business heirs balance their professional life with their personal life. The opinions of 15
young executives from the state of Minas Gerais, heirs to their parents’ business, medium and
large companies, service companies and industries, located in the cities of Belo Horizonte and
Contagem, was surveyed. This research has identified sources of satisfaction and
dissatisfaction as well as sources of pressure related to these young executives’ work content
and context. A profile of such professionals has been outlined, pointing out their personal and
professional features. An analysis of their feeling of satisfaction when facing the possibilities
of growth and the safety provided by their job was conducted, interrelating work obligations
(professional life) with the activities and the time dedicated to non-work (personal life). The
content of the executive role has also been analysed, aiming to diagnose the basic dimensions
of the tasks carried out concerning autonomy, task identity and the meaning of work. Facing
the sources of tension of their professional role as well as of career and personal life, these
young executives, heirs and heiresses, have shown a feeling of satisfaction with the
distribution level of the time and the energy they devote to work and non-work. It has been
verified that the executives researched in this study reinforce a domination system that is
rationally legitimated by their parents’ expectations, a fundamental element in the process of
family business continuity and survival, since these executives occupy a specific space that
has already been delimited: they are “the owner’s children”. Prisoners of their predecessors’
work and doomed to win through the continuity of their work, these young business heirs and
heiresses carry the burden of their inheritance when performing the role for so long expected
by their parents, family and social circle. A new reference of successful professionals and
executives has thus been generated in contemporary capitalism.
Key-words: Young executives. Heirs. Career. Professional life. Personal life.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Estruturação do trabalho.....................................................................................16
QUADRO 2: Percepção da confiança nas empresas ................................................................27
QUADRO 3: Papéis do Executivo ...........................................................................................38
QUADRO 4: Trabalho do Executivo .......................................................................................39
QUADRO 5: Síntese da caracterização da pesquisa ................................................................54
QUADRO 6: Caracterização das empresas dos entrevistados .................................................58
QUADRO 7: Roteiro de entrevista categorizado .....................................................................61
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Distribuição etária do FIEMG Jovem ..................................................................56
TABELA 2: Distribuição etária dos entrevistados ...................................................................57
TABELA 3: Cargo de atuação na empresa ..............................................................................62
TABELA 4: Área de responsabilidade direta na empresa........................................................62
TABELA 5: Curso de primeira graduação superior dos entrevistados ....................................63
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................11
1.1 Problema da Pesquisa...................................................................................................12
1.2 Justificativa da Pesquisa...............................................................................................13
1.3 Estruturação do trabalho e objetivos da pesquisa .....................................................15
2 REFERENCIAL TEÓRICO .........................................................................................19
2.1 Tempos estressantes......................................................................................................19
2.2 O culto ao workaholic: o impulso ao trabalho ............................................................22
2.3 As exigências organizacionais e o trabalho do executivo...........................................33
2.4 Jovens executivos no cenário das organizações ..........................................................44
3 METODOLOGIA...........................................................................................................54
3.1 Estratégia e Método de Pesquisa - Caracterização da pesquisa ...............................54
3.2 Unidades Empíricas de Análise – sujeitos de pesquisa..............................................55
3.3 Descrição dos sujeitos de pesquisa...............................................................................56
3.4 Estratégia de coleta de dados .......................................................................................58
3.5 Estratégia de Análise dos dados...................................................................................59
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS .............................................62
4.1 Perfil dos jovens executivos entrevistados ..................................................................62
4.2 O impulso ao poder: as referências de sucesso e a percepção de realização
profissional.....................................................................................................................64
4.3 O impulso ao trabalho: dedicado sim, workaholic não ..............................................66
4.4 O papel do executivo: entre tensão e satisfação .........................................................71
4.5 Articulando vida profissional e vida pessoal ..............................................................78
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................86
ANEXO...........................................................................................................................92
REFERÊNCIAS ............................................................................................................93
11
1 INTRODUÇÃO
Sucesso na carreira e felicidade. Poder e reconhecimento. Dever e prazer. Vida
profissional e vida pessoal. Dualidades vivenciadas pelos executivos da nova era. Imersos nas
diversas demandas da contemporaneidade, eles atuam como protagonistas na dinâmica
organizacional, mediando os processos sociais, tecnológicos, culturais, políticos e ideológicos
(DAVEL; MELO, 2005). São responsáveis pelo exercício da disciplina e pelo cumprimento
dos interesses organizacionais, mas, principalmente, são vivenciadores de conflitos e
contradições (MINTZBERG, 1986). O trabalho do executivo, assim, se constitui na
complexidade, na sobrecarga e em meio à tensão marcada por um contingente de profissionais
disputando um invejado lugar: o espaço do poder (SERVA; FERREIRA, 2004; TANURE;
CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
O sucesso na carreira, mais do que nunca, passa a caracterizar a vida moderna dos
trabalhadores mais qualificados. São representações de valores moldados por uma sociedade
mais centrada na autoimagem e no consumo (ANTUNES, 1995). Para atender às expectativas
do ideal de sucesso, as pessoas assumem responsabilidades e disputam uma melhor posição
em qualquer atividade, pois querem estar no topo do poder. Seus objetivos econômicos são
deslocados para o plano psicológico, tornando-as condenadas a vencer (PAGÈS et al., 2006).
Isto posto, este trabalho tem por objetivo analisar a percepção de jovens executivos
herdeiros sobre o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Por que herdeiros? São jovens
executivos em situação específica, muitas vezes exercendo uma autoridade pela linhagem,
habituando-se a esse espaço do poder. Maquiavel (2004), voltando sua atenção para os
principados e discutindo as formas de como são obtidos e de como devem ser eles
governados, disse, pois, que, para a sua preservação, as dificuldades são assaz menores para
os sucessores hereditários. A estes, é bastante não preterir os costumes dos antepassados, de
forma que, se forem dotados de ordinária capacidade, sempre se manterão no poder. Em um
país como o Brasil, onde um número significativo de empresas é gerido pelos sucessores, é
importante pesquisar como o jovem executivo herdeiro equilibra as demandas da vida
profissional e pessoal, vis-à-vis o jovem executivo de carreira.
Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), motivados por inúmeras e voluntárias
manifestações de jovens executivos de carreira, quanto “às quase insuportáveis pressões do
universo da alta gestão [...] quando se busca ter sucesso e ser feliz”, realizaram uma ampla e
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12
profunda pesquisa com vistas a trazer mais luzes ao complexo e fascinante tema da relação
entre o sucesso profissional e as felicidades e infelicidades desses profissionais.
Nessa pesquisa, os autores salientam que o sucesso no mundo empresarial é sinônimo
de poder, glamour e dinheiro, no entanto esses valores nem sempre combinam com o conceito
de felicidade percebido por executivos brasileiros. Eles convivem com a busca pelo altíssimo
aumento de produtividade, a enorme pressão por resultados e o excesso de carga de trabalho,
além da exigência de desenvolvimento pessoal constante. Como perguntam Tanure, Carvalho
Neto e Andrade (2007, p. 2), “a ambição pelo poder é muitas vezes confundida com o ideal de
sucesso e, por consequência, de felicidade: quem disse que chegar ao topo é a felicidade em
si?”. Diante desse questionamento, revela-se a frustração de profissionais em relação à
dicotomia sucesso-felicidade. Assim, percebe-se que os executivos de hoje se veem ainda
mais obrigados a refletirem e repensarem sobre a vida profissional em consonância com a
vida pessoal (DAVEL; MELO, 2005). Essa constatação apresentou-se nuclear para este
trabalho de investigação, cujo tema se pautou na percepção dos jovens executivos que
herdaram dos pais não só sua carreira, mas também as expectativas familiares de sucesso.
1.1 Problema da Pesquisa
Cumprindo o desafio de sair do campo das impressões, o estudo de Tanure, Carvalho
Neto e Andrade (2007) expõe, de um lado, o êxito da vida do executivo, o qual denominam
lado sol; e do outro, o lado sombra, uma face que se revela fortemente relacionada ao excesso
de tempo e à energia dedicados à construção do sucesso profissional. Segundo os autores, esse
comportamento pode retirar das pessoas a possibilidade de investimento verdadeiro em outras
dimensões necessárias da vida, como as relações afetivas, familiares e o lazer.
Ao examinarem a questão, apontam que a busca pelo equilíbrio entre vida profissional
e vida pessoal é um desejo tanto do mais jovem quanto do mais experiente executivo.
Reconhecem, entretanto, o inevitável e enriquecedor conflito entre gerações de executivos e
as diferentes visões sobre o prazer e o dever. Segundo eles, a geração mais jovem valoriza
uma diferente ética em relação ao trabalho – a ética do prazer –, enquanto as gerações mais
velhas possuem a ética do dever como base de suas ações.
Diante dessas questões, os dados da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007) sugerem que os jovens executivos estão mais insatisfeitos do que os executivos mais
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13
velhos. Os autores discutem ainda alguns caminhos que facilitam a busca de ajuste mútuo por
parte de cada executivo para o equilíbrio entre sua vida profissional e pessoal, visando
melhorar a equação entre sucesso e felicidade. Reconhecendo não se tratar de tarefa fácil,
destacam a indelegável necessidade de investimento no autoconhecimento, questão complexa,
capaz de robustecer o indivíduo para que entenda suas angústias, faça suas escolhas de forma
mais consciente, conheça seus limites, qual o seu propósito de vida e como este se articula
com o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
Abordando as complementaridades e conflitos entre executivos jovens e seniores,
entre diversas perguntas relacionadas a como esses profissionais veem seu sucesso e sua
(in)felicidade quando mais jovem, os autores indagaram se a idade tem influência no nível de
(in)satisfação e de percepção do sucesso pelo executivo.
Dessa forma, se estabeleceu o problema de pesquisa deste estudo: o jovem executivo
herdeiro equilibra as demandas da vida profissional e pessoal. Este trabalho, de tal modo, se
concentrou na perspectiva de executivos mais jovens, herdeiros, cotejando os dados coletados
com os resultados da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) sobre executivos
de carreira; estes, não herdeiros.
Considera-se oportuna essa discussão, uma vez que os resultados poderão contribuir
para ampliar o entendimento da percepção da carreira por esse executivo herdeiro, jovem, que
representa parte significativa dos executivos de empresas brasileiras (no caso deste estudo,
empresas mineiras), médias e pequenas, e mesmo de algumas grandes empresas, cuja gestão é
familiar.
1.2 Justificativa da Pesquisa
A partir da constatação de que, no universo empresarial, sucesso e felicidade nem
sempre são convergentes (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007), e ainda que
não se saiba objetivamente onde e quando seriam, percorre-se aqui alguns caminhos para
tentar responder se a dedicação integral e uma vida quase exclusivamente voltada para a
empresa parecem ser mesmo as regras de sobrevivência nas organizações modernas e o único
caminho de sucesso na carreira executiva (EVANS; BARTOLOMÉ, 1980; SERVA;
FERREIRA, 2004).
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14
As exigências organizacionais feitas ao executivo parecem ter levado ao aumento da
carga de trabalho e da quantidade de horas trabalhadas, bem como ao maior envolvimento
com o trabalho e com a organização, seja para entender, para decidir, agir ou responder às
demandas diárias. Estar absorvido física e psicologicamente de forma quase que integral pela
organização constitui o quadro atual do trabalho do executivo (TANURE; CARVALHO
NETO; ANDRADE, 2007).
Pesquisa realizada em 2002, com 626 executivos brasileiros, revelou que 71% de seu
tempo é dedicado ao trabalho e que aproximadamente 66% dos entrevistados estavam
insatisfeitos com a divisão de tempo e energia entre trabalho e vida pessoal (TANURE, 2002).
Ou seja, este quadro de insatisfação permanece, tem se mantido no tempo.
Investigação realizada por Evans e Bartolomé (1980) com executivos de diversos
países, com o objetivo de verificar a sua satisfação sobre a qualidade de vida, constatou um
significativo percentual (45%) de executivos insatisfeitos.
Esses estudos confirmam a existência de uma possível desarmonia na vida desses
profissionais nos aspectos físicos, psicológicos e sociais. Percebe-se que a maioria dos
executivos paga um elevado custo para manter o foco em sua carreira, no que se refere à
saúde física e ao bem-estar emocional, vivenciando contradições, oportunidades e medos, e
tentando buscar um significado coerente entre sucesso profissional e felicidade.
De acordo com esses estudos, uma das causas apontadas para a insatisfação está
relacionada à dimensão tempo. Na percepção dos pesquisados, ela influencia negativamente
no equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007a) apontam o uso do tempo como uma das principais fontes de tensão para o executivo.
Nesse contexto, a discussão apresentada pelos autores com relação ao questionamento
de a idade ter ou não “influência no nível de (in)satisfação e de percepção de sucesso pelo
executivo” (2007, p. 109) instigou o interesse da pesquisa que ora se apresenta, sob a
perspectiva de executivos mais jovens, mineiros, herdeiros, com limite etário de 40 anos.
A escolha por estudar executivos se deu por se considerar esse grupo imprescindível
para o bom funcionamento das organizações. Para Mintzberg (1986), esse é um dos grupos de
profissionais mais importantes para a sociedade atual, uma vez que são eles quem já decidem
e/ou decidirão como irão funcionar as organizações e como serão alocados os recursos
disponíveis. Willmott (1984), da mesma forma, considera o trabalho dos executivos essencial
nas sociedades complexas contemporâneas, onde as organizações desempenham um papel
importante na sua regulação.
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Iniciada sua vida organizacional sob aspirações de seu fundador, a empresa familiar
caracteriza-se pelo desejo de seus fundadores e sucessores de que a propriedade e a gestão da
empresa se mantenham em mãos da família (LODI, 1998). É uma condição que contribui para
reforçar a importância de se refletir sobre até que ponto o jovem executivo irá suportar tal
grau de exigência e competição ao exercer a tarefa de executivo de topo.
A expectativa é de que o presente estudo contribua na verificação das
complementaridades e diferenças, tendo como foco de pesquisa um grupo de jovens
executivos organizado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – FIEMG,
através do programa de desenvolvimento de lideranças. O grupo, denominado FIEMG Jovem,
formalizado através de regulamento da entidade, prevê sua composição por profissionais com
idade máxima de até 40 anos, estabelecidos como executivos ou em posição de formação para
sucessão ou de liderança de empresas dos diversos segmentos produtivos associados àquela
Federação de Indústrias.
A discussão dessa perspectiva se faz admissível ao se tentar compreender como a
geração de jovens executivos herdeiros percebe o sucesso, como articulam vida profissional e
vida pessoal, e quais suas (in)satisfações.
Para alguns autores (GROSSIN; MERCURE; BESSIN; LECCARDI apud
CARDOSO, 2007), que têm a questão das vivências temporais e os tempos sociais como
discussão principal, a idade aparece como uma dimensão social importante para a
compreensão da organização temporal de uma sociedade, visto que essas dimensões são
fundantes e organizadoras das sociedades nos diferentes momentos históricos e nas diferentes
culturas.
1.3 Estruturação do trabalho e objetivos da pesquisa
Compreender um fenômeno humano em sua dinâmica exige dados que o descrevam,
dando-lhe existência concreta. Descrever é, conforme Chanlat (2000), a primeira forma de
conhecimento.
Para esse propósito, o processo de investigação partiu de perguntas que orientaram as
reflexões iniciais, antes formuladas apenas com base no estudo de Tanure, Carvalho Neto e
Andrade (2007). Mais tarde, elas puderam ser reformuladas e assumiram características
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16
próprias que apontaram para direções importantes para a compreensão do tema, sob a
perspectiva dos entrevistados.
Para estabelecer os objetivos, o trabalho foi estruturado da forma apresentada no
Quadro 1 seguinte:
QUADRO 1: Estruturação do trabalho Fonte: Elaborado por este pesquisador.
Estabeleceu-se o objetivo geral da pesquisa, qual seja, o de analisar a percepção de
jovens executivos herdeiros sobre o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
O caminho percorrido correspondeu aos seguintes objetivos específicos da pesquisa:
a) identificar, descrever e analisar a percepção de sucesso dos jovens executivos
herdeiros;
b) identificar e descrever as demandas profissionais e pessoais que interferem no
nível de satisfação desses jovens executivos;
c) identificar as estratégias desenvolvidas por esses executivos para articularem vida
profissional e vida pessoal.
Levando em consideração esse percurso, o capítulo do Referencial Teórico foi
dividido em quatro partes. A primeira apresenta uma visão sobre as mudanças
contemporâneas nas organizações em uma economia cada vez mais competitiva e
a) Qual a percepção de sucesso dos jovens executivos herdeiros?
b) Que demandas profissionais e pessoais interferem no nível de (in)satisfação desses jovens executivos?
c) Que estratégias são desenvolvidas para articularem vida profissional e vida pessoal?
Tema A percepção dos jovens executivos sobre as demandas da carreira
Perguntas Problema central
O jovem executivo herdeiro equilibra as demandas da vida profissional e pessoal?
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17
internacionalizada, constituindo um tempo estressante para os trabalhadores de forma geral,
entre eles, os executivos de todas as origens, sejam eles herdeiros ou profissionais de carreira.
A segunda aborda o impulso para o trabalho, caracterizado pelo culto ao workaholic e as
consequências da predominância desse estilo de dedicação ao trabalho sobre as dimensões da
vida do executivo. A terceira discute o papel do executivo e as exigências organizacionais
sobre o seu trabalho e comportamento. A quarta parte enfoca o percurso dos jovens
executivos, identificando influências na percepção de sucesso e de satisfação na dedicação da
construção da carreira.
A estratégia metodológica adotada para o presente estudo, caracterizada pela
abordagem qualitativa, descritiva, utilizou o método do estudo de caso único. A técnica de
coleta de dados, através da entrevista semi-estruturada, serviu-se de um roteiro com
perguntas-guia categorizadas. O grupo pesquisado, composto por quinze jovens executivos
mineiros, herdeiros, são membros participantes da Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais – FIEMG, mais especificamente, do Programa FIEMG Jovem, e já ocupantes
de posições de alto comando nas suas organizações, originadas em indústrias de pequeno,
médio e até grande porte, com atuação comercial além das fronteiras de Minas, inclusive no
exterior.
Os resultados revelaram um jovem executivo, mineiro, herdeiro, mais equilibrado na
articulação das demandas da vida profissional e pessoal do que os executivos de carreira que
não são herdeiros. Esse quadro resulta em um maior nível de satisfação dos primeiros com a
dimensão da vida pessoal, mas, também, com a vida profissional. Colocando mais barreiras à
invasão das inovações tecnológicas sobre o tempo de não-trabalho, sem trabalhar
rotineiramente à noite ou nos finais de semana, sua disponibilidade e sua dedicação de tempo
e energia para a família e para o lazer são maiores. Eles estão muito satisfeitos com esse
quadro. A prática da atividade física, usualmente percebida pelos executivos como um mal
necessário, surge, para esses entrevistados, como uma atividade que dá prazer.
O jovem executivo herdeiro não está sob a tensão e o estresse pelo enfrentamento do
funil de possibilidades de ascensão profissional, cada vez mais apertado. Entretanto,
apreende-se que a escolha do filho do dono é pela alternativa da não recusável sucessão,
portanto, da carreira executiva, esboçando e balbuciando uma tensão pela interdição da
escolha por uma vocação pessoal. Esta tensão tem um peso considerável sobre esses jovens.
São herdeiros e herdeiras que revelaram o sentimento de tensão por verem depositada, sobre
si mesmos, grande expectativa de que, como filhos do dono, saibam prosperar o império
erguido pelos progenitores.
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Diante do exposto e considerando, por um lado, a tendência do jovem executivo
mineiro, herdeiro, ao equilíbrio na dedicação de tempo e energia entre a vida profissional e
pessoal e, por outro, a insatisfação com o peso da escolha pela carreira executiva no negócio
legado pelo pai, faz-se necessária uma análise mais criteriosa dos fatores que contribuem para
essa obediência. A expectativa é que o presente estudo colabore para o debate do tema a partir
da percepção dos jovens executivos, herdeiros, instigando novas pesquisas sobre os resultados
obtidos.
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2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Tempos estressantes
O mundo contemporâneo mais recente representa um momento histórico muito
identificado pela hegemonia dos negócios sobre as exigências sociais coletivas, e ainda que
não tenha sido diferente em outros momentos, a economia internacional vem passando por
uma reestruturação produtiva que reúne elementos de racionalização técnica e organizacional
elevados. Racionalizar é uma das palavras mais repetidas no campo dos negócios
(ENRIQUEZ, 2006; HABERMAS apud CHANLAT, 2000; RUIZ, 2003), influenciando o
peso do pensamento administrativo em nossas vidas, fornecendo o princípio organizador de
cada dia e a principal razão para levantar de manhã (CHANLAT, 2000; HILLMAN, 2001).
Como expressão da lógica racionalista preponderante no mundo empresarial, Chanlat
(2000) ilustra com a proposta da Reengenharia organizacional trazida por Champy e Hammer
(1994). Ela significava começar de novo, começar do zero, argumento preconizado na
introdução do mesmo estudo ao ser publicado no Brasil. Tido como um manifesto pela
revolução empresarial (expresso na capa da publicação do estudo), o modelo foi causador de
fortes emoções no mundo corporativo, na vida das organizações e na vida de cada
trabalhador. Acusado de acobertar reduções e reestruturações organizacionais com demissões
em massa, o modelo da Reengenharia acabou por exigir de seus autores uma emblemática
mea culpa. A finalidade é que se interrompesse tal processo, que poderia resultar em
“anorexia administrativa”, tal o furor e o alcance das ondas de demissões, e tornar-se uma
mudança irreversível e altamente caótica (CARVALHO NETO, 2001; CHANLAT, 2000).
Nas décadas de 1980 e 1990, a maioria das grandes empresas, tanto nas economias dos
países centrais quanto periféricos, de maneira geral praticou profundos ajustes, sempre
seguidos de demissões em massa. Reestruturações em busca do aumento da competitividade
continuaram nos anos 2000, também acompanhadas de demissões, embora em menor escala,
resultado de muitos processos de fusões e aquisições que movimentam fortemente todos os
atores do meio organizacional (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007). Estima-
se que, com a Reengenharia como palavra de ordem, a redução de trabalhadores mais
qualificados empregados nos Estados Unidos durante o período de 1980 a 1995 pode ter
chegado a 39 milhões (CHANLAT, 2000).
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Fato como esse corrobora o entendimento de um racionalismo imperativo no mundo
do trabalho, o qual vem sendo exposto na literatura especializada de forma ampla, apontando
mudanças provocadas pela dinâmica do capitalismo situada na origem das transformações
sociais. As consequências nas organizações de práticas de gestão ancoradas no
desenvolvimento e no avanço da tecnologia da informação e da comunicação acarretaram
mudanças que não se apresentam como caracterizadas por uma visão humanista
(CARVALHO NETO, 2001; CHANLAT, 2000).
Esse culto à empresa e à ampla difusão das tecnologias de gestão organizacional
atingiu seu apogeu nos anos 1980, nos países centrais; nos anos 1990, nos países periféricos
(ANTUNES, 1995; CHANLAT, 2000), com pelo menos duas consequências importantes,
dentre várias outras: a propagação massificada dos discursos e das práticas de gestão em
setores mantidos até então fora da influência do “espírito gestionário” e o aumento
considerável do número de estudantes em gestão em toda parte do mundo (CHANLAT, 2000,
p. 16).
Os negócios se tornaram a força básica da sociedade humana, conforme definidos pelo
ideário liberal do capitalismo ocidental, que passou a predominar a partir da crise do modelo
fordista de um capitalismo social-democrata mais socializado. Como todo monoteísmo, o
pensamento do capitalismo ocidental proclama uma fé fundamentalista em seus dogmas
(ENRIQUEZ, 2006; HILLMAN, 2001). É natural que a lógica do capitalismo exerça uma
influência onipresente em todos os âmbitos da existência, desde o cotidiano da vida até os
modelos estruturais de desenvolvimento. O problema é o desequilíbrio (CARVALHO NETO,
2001; CHANLAT, 2000; DE MASI, 2000). Assiste-se atualmente à passagem de um
capitalismo mais “socializado”, herdeiro da social-democracia do pós II Guerra Mundial, em
contraposição ao “socialismo real” do então mundo bipolar da Guerra Fria, para um
capitalismo muito mais duro, de cunho econômico, mais liberal, de menor preocupação social
(CARVALHO NETO, 2001).
Nesse contexto, alguns fatores na vida organizacional ocupam a agenda dos executivos
e exigem energia e dedicação profissional, dentre os quais o turnaround, ou “momento de
virada” em razão de contínuos problemas de mercado e gestão; as transformações geradas por
fusões e aquisições; a maior internacionalização da economia; as continuadas reestruturações;
a mudança do presidente, sendo a sucessão do mais alto cargo um importante evento na vida
da empresa e, substantivamente, na vida de seus executivos diante do novo rumo a ser
adotado (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007). Esses autores revelaram em
sua pesquisa que mais de 50% dos executivos percebem vivenciar uma mudança radical na
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empresa, sem que possam capturar o valor de cada nova situação pela dificuldade de se
estabilizarem seus processos, dada a forma constante com que ocorrem.
Esses fatores, isolada ou simultaneamente ocorrendo nas organizações, exigem rapidez
de adaptação ao novo contexto de elevada competição e resulta em uma alta tensão no
ambiente de negócios. Trazem consigo, neste “admirável mundo novo”, impactos
significativos atingindo os indivíduos, campo do interesse do atual estudo, com elevadas
exigências e consequências pessoais diante de novos riscos, como as demandas de alta
flexibilidade, trabalho em rede e em equipes que atuem juntas por um curto espaço de tempo.
O que importa é cada um ser capaz de se reinventar a toda hora, como se isso tudo fosse
possível (CHANLAT, 1995; KILIMNIK; SANT’ANNA; CASTILHO, 2004; SENNETT,
2001).
A sensação que o executivo tem é que o futuro corre em sua direção, sem nada poder
fazer para detê-lo ou mesmo para diminuir sua velocidade, o que gera um sentimento de
ansiedade constante, como já aventava Toffler (1970). É um sentimento de delírio
permanente, como apontam Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007).
O tempo de trabalho, elemento constitutivo e estruturante das sociedades
industrializadas (TANURE, CARVALHO NETO; SANTOS; PENA, 2008; SENNETT,
2000), apresenta-se como tema de discussão de alta relevância e fundamental. Nada novo,
como já referido por Marx (1985). Incita perguntas oportunas, em momentos em que ocorrem
mudanças fundamentais e transformações nas inter-relações entre os diversos tempos sociais,
como a trazida por Terssac e Tremblay (2000): para onde vai o tempo de trabalho nas
sociedades contemporâneas?
Diversos estudos favorecem o entendimento possível para a questão. Da distribuição
de tempo de trabalho e de não-trabalho do executivo, a recente pesquisa de Tanure, Carvalho
Neto e Andrade (2007), realizada com 965 executivos da alta direção de grandes empresas,
identificou que 27% moram fora do município onde trabalham. Esse dado confirma a
constatação de Evans e Bartolomè (1980), Bernhoeft (1985) e Dal Rosso (1996), que
apontava que residir e trabalhar em cidades diferentes é um importante redutor do tempo do
executivo dedicado a si, à sua família e a outras atividades fora do trabalho.
Sobre a distribuição do tempo de trabalho, dados da pesquisa de Tanure, Carvalho
Neto e Andrade (2007) identificaram que 82% dos executivos entrevistados trabalham mais
de dez horas por dia, sendo que, destes, 29% trabalham mais de 12 horas. Não bastasse a
longa jornada presencial, os dados apontaram que 54% dos executivos trabalham nos finais de
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semana, com 79%, a grande maioria, utilizando de tecnologias como o celular ou e-mail para
atividades de trabalho fora de sua jornada diária.
A pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), contabilizando o tempo
despendido com leitura de e-mails e o uso de celulares para assuntos profissionais fora do
horário de trabalho, indicou que a jornada supera até mesmo a percepção dos executivos
entrevistados quanto à destinação de seu tempo ao trabalho. Os autores identificaram na
pesquisa uma relação entre o nível da jornada de trabalho e o nível de satisfação do executivo:
quanto maior a jornada, maior o nível de insatisfação com a saúde, os hábitos e as relações
familiares e afetivas.
Nesses aspectos, observando o tempo de trabalho no que tange à interface entre
trabalho-família, Greenhaus e Beutell (1985, p. 77) definiram como “uma forma de conflito
entre papéis na qual as pressões nos domínios do trabalho e da família são mutuamente
incompatíveis em algum sentido”, sendo o tempo gasto com atividades familiares
indisponível para as obrigações de trabalho.
Dessa mesma forma, os dados da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007) apontaram um forte conflito percebido pelo executivo quanto à distribuição do tempo e
da energia entre vida profissional e vida pessoal. O predomínio do tempo de trabalho em
detrimento do tempo de não-trabalho evidencia uma escolha prioritária desequilibrada que
caracteriza o fenômeno denominado em inglês workaholism, para se referir ao trabalhador que
tem compulsão pelo trabalho, o workaholic.
2.2 O culto ao workaholic: o impulso ao trabalho
Segundo Schirato (2006), boa parte dos estudos disponíveis sobre o fenômeno do
workaholic privilegia categorias de análise mais ligadas à psiquê do indivíduo, não
focalizando com ênfase o contexto histórico nem o espaço social (as organizações) onde o
fenômeno se manifesta. Reservada a importância desses estudos, dado que uma análise do
percurso de um indivíduo na carreira profissional deve contar com questões básicas de
construção e reconhecimento do eu que cada um faz ao longo de sua vida, a abordagem aqui
será o contexto histórico no qual o fenômeno em questão se manifesta com mais intensidade.
Dessa forma, reporta-se ao papel do executivo e às exigências organizacionais
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correspondentes para apresentação de uma síntese de estudos sobre o tema em questão, o
fenômeno do workaholic.
Uma das primeiras abordagens desse fenômeno como tema de estudo foi trazido em
1968 por Oates (apud SERVA; FERREIRA, 2004), psicólogo americano, em um artigo
intitulado On being a workaholic, no qual relatava sua experiência e, ao se comparar a um
alcoólatra, afirmava ser também um viciado, mas em trabalho. Oates (1971) definiu
workaholism como um vício para trabalhar, uma compulsão ou a necessidade incontrolável
para trabalhar incessantemente. Já Killinger (1991) descreve o workaholic como um indivíduo
que, numa tentativa de ser aceito, respeitado e aprovado pelo outro, faz do trabalho um meio
de alcançar tal aprovação e sucesso.
Embora não focalizados com ênfase, a consideração de aspectos organizacionais na
abordagem do fenômeno pode ser observada nos trabalhos de Machlowitz (1980) e Scott et al.
(1997).
Esses autores identificaram três tipos de padrões de comportamento workaholic:
compulsivo-dependente, perfeccionista e orientado para realização. Eles salientaram que esses
tipos não são mutuamente exclusivos, podendo um workaholic ser uma combinação de
qualquer dos dois ou de todos os três tipos. O “compulsivo-dependente” é caracterizado pela
compulsão para trabalhar ou pela dependência de trabalho. O indivíduo trabalha de forma
excessiva ou irracional e, mesmo reconhecendo o excesso, ele não consegue se controlar ou
reduzir a sua carga de trabalho. O padrão “perfeccionista” apresenta como principais
características a forte necessidade de estar no controle, a forma rígida e inflexível de
administrar, a busca agressiva de poder para dominar o ambiente e o trabalho, e a
preocupação exacerbada com detalhes, regras e relatórios. Já o padrão denominado “orientado
para realização” manifesta alto desejo para mobilidade superior na carreira e alta motivação
de realização, forte identidade com a carreira, habilidade para lidar com a demora do retorno
em satisfação (disposição para esperar por recompensas). Além disso, disposto a avançar com
esforço para atingir a excelência, ele anseia muito por um cargo com mais responsabilidade e
renda crescente.
Machlowitz (1980) e Scott et al. (1997) preferem interpretar o workaholism como o
resultado de variáveis pessoais, embora considerem que a variável situacional estrutural possa
ser um fator importante no desenvolvimento e na manifestação dos comportamentos
classificados como workaholic.
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Serva e Ferreira (2004), examinando o fenômeno do workaholic, apresentam uma
síntese dos elementos que consideram como básicos na identificação de indivíduos com esse
padrão de comportamento:
a) gastam uma grande parte de seu tempo em atividades de trabalho, dando
demasiada importância para ele, abdicando de outros aspectos sociais – família,
amigos, lazer, entre outros;
b) persistem em pensar frequentemente em assuntos de trabalho, mesmo quando não
estão efetivamente trabalhando;
c) trabalham muito além do que é razoavelmente esperado do cargo que ocupam ou
para atender suas necessidades econômicas;
d) mesmo reconhecendo o excesso de trabalho, não conseguem controlá-lo ou
reduzi-lo;
e) apresentam necessidades de controlar e dominarem o ambiente por serem
perfeccionistas; e
f) respondem positivamente à competição.
A adaptação do executivo a essa figura de workaholic pode ter um custo psicológico
que se traduz em fonte de tensão. Poucos conseguem lidar de forma equilibrada com essa
pressão, o que mostrou pesquisa realizada com cerca de 1.200 executivos que alcançaram o
topo da carreira (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
Não bastasse o custo psicológico do executivo, os efeitos do workaholism nas
organizações geram custos. Cerca de U$300 milhões ao ano são perdidos na economia dos
Estados Unidos, resultante de acidentes, absenteísmos, rotatividade, redução da
produtividade, atendimentos médicos diretos, legais e custos de seguro, além de causas
trabalhistas julgadas naquele país, conforme estudo realizado em 2000 pela Gallup Poll Ltd. e
pelo The American Institute of Stress1, da Universidade de Camden, New Jersey. Ainda, o
mesmo estudo apresenta resultados de pesquisas que evidenciam similar problema na União
Europeia e no Japão.
No âmbito da organização, observa-se que o executivo partilha valores com seu grupo
social, como a cultura do workaholic, para alcançar o sucesso na carreira, construindo 1 Disponível em: <http://www.stress.org/job.htm>. Acesso em: 19 dez. 2007. A publicação apresenta maiores informações sobre a pesquisa, indicando o Relatório das Nações Unidas de 1992, intitulando o stress ocupacional como “The 20th Century Disease” (A doença do Século 20) e, em 1996, como “Grande Epidemia Mundial”, pela Organização Mundial da Saúde.
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socialmente sua noção de tempo, alicerçada na centralidade da carreira, no predomínio do
tempo de trabalho sobre o tempo de não-trabalho (TANURE; CARVALHO NETO;
ANDRADE, 2007; TONELLI, 2000).
O executivo, mobilizado para responder à velocidade e ao dinamismo do mundo dos
negócios, apresenta o sentimento de que é desvio de conduta de seu papel no trabalho, por si
só, estabelecer e manter limites e compatibilidades entre sua vida profissional e pessoal. O
trabalho, longe de perder a centralidade na vida das pessoas, ocupa cada vez mais o tempo e
coloniza seu tempo de não-trabalho, já que todos precisam estar permanentemente atraentes
para o mercado (SCANFONE; CARVALHO NETO; TANURE, 2007; TONELLI, 2000).
Um exemplo extremo da tentativa de eliminar essas “duas vidas”, de predomínio total
do trabalho, vem do Japão. Segundo Bernhoeft (2008):
O executivo japonês que estiver dedicando excessiva atenção à família ou à sua vida particular tem onde reencontrar o caminho da adoração à empresa: a Escola de Reeducação de Executivos, criada em 1979 por Anji Kobayashi e, hoje, com cinco filiais espalhadas pelo país. A idéia é trazer o homem de negócios com dúvidas de volta à realidade: a empresa deve ser o primeiro e único amor de qualquer executivo japonês que se preze (BERNHOEFT, 2008).
No Japão, o único país a adotar um nome para a morte devido ao excesso de trabalho –
denominado “karoshi” –, o Ministério do Trabalho mantém acompanhamento do assunto.
Naquele país, seu primeiro caso diagnosticado como “karoshi” foi registrado em 1969.
Nishiyama e Johnson (1994) apontaram que de vinte a sessenta famílias por ano são
indenizadas por essa causa naquele país.
Não obstante, Evans, Bartolomé (1980) e Hill (1993) identificaram em seus estudos
que muitos executivos não percebem que tempo e energia são variáveis cruciais. Acreditam
que o que importa é a qualidade do tempo. Para os autores, a qualidade do tempo depende da
quantidade de tempo, e muito também da energia disponibilizada para a vida pessoal, sendo
que a quantidade necessária de tempo e energia para cada área da vida varia de pessoa para
pessoa e do estágio da vida em que ela se encontra. Dizem, e são argumentos também
verificados nos estudos de Dejours (1996), Ruiz (2003) e Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007), que há necessidade de uma quantidade mínima de tempo e energia a ser dedicada à
vida pessoal, sem a qual não há possibilidade de se falar que essa vida fora do trabalho seja
passível de ser vivida em plenitude.
Pagès (2006) localiza a carreira ocupando um elemento central da relação entre o
indivíduo e a organização, permitindo conter suas angústias de não reconhecimento, seu medo
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do fracasso, canalizando seus desejos para sonhos de onipotência e perfeição. A carreira leva-
os, assim, a se encarregarem eles mesmos da contradição entre, de um lado, uma carga de
trabalho opressiva, tensão permanente, pressões importantes e, de outro, seus desejos de
liberdade e autonomia.
Atuando de forma eficaz na dinâmica organizacional e na busca para garantir o
sucesso, o executivo é visto como um indivíduo pronto para sacrificar todas as outras
dimensões de sua vida em favor de sua carreira e ascensão. Pesquisa realizada por Evans e
Bartolomé (1980) revelou que os executivos investiam na vida profissional, em média, 62%
de seu tempo e 71% de sua energia. A insatisfação vivida pelo executivo expressava o desejo
de mais tempo de não-trabalho e a melhoria da qualidade desse tempo dedicado para a vida
pessoal.
Vinte e sete anos após, resultados da pesquisa realizada por Tanure, Carvalho Neto e
Andrade (2007) e também presente nas conclusões de numerosos estudos realizados no
Canadá e em Quebec (TREMBLAY, 2002; 2004)2 confirmam a insatisfação com a escassez
de tempo para se dedicar à sua vida pessoal: o trabalho demanda a maior parte do tempo e da
energia do executivo. O estudo de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), baseado em
abrangente pesquisa com dados quantitativos oriundos de cerca de 1.200 respondentes, altos
executivos de 344 das 500 maiores empresas do país, evidenciou fontes de tensão que causam
impacto no trabalho e na vida pessoal dos executivos, apresentadas a seguir, que estão
intimamente relacionadas com o culto ao workaholism.
O uso do tempo, que refere-se à sensação percebida pelo executivo de que o tempo é
um recurso extremamente escasso para que ele se dedique à sua vida pessoal, para viver e
aproveitar as outras dimensões de sua vida fora do trabalho, como o convívio com a família,
tempo para o lazer, para cuidar da sua própria saúde, dentre outras necessidades fundamentais
do ser humano (TANURE, CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007). Esse fator está
identificado nos estudos de Evans e Bartolomé (1980) e Hill (1993), que relataram a
submissão do executivo a um elevado ritmo de trabalho tido como necessário para o alcance
de altos índices de produtividade, em função, entre outros fatores, da forte exigência de
competitividade, culminando com a percepção do tempo como um recurso insuficiente e de
elevada importância.
2 Entre estas pesquisas, a autora menciona as seguintes: Frederick (1995), MacBride-King (1990), Lero et al. (1992 e 1993), Lee et al. (1994 e 1992), Guérin et al. (1994), Secrétariat de la famille (1994), Conseil du statut de la femme (1990), Fédération des travailleurs et travailleuses du Québec (1995) e Conseil consultatif canadien de l’emploi et de l’immigration (1987).
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As mudanças organizacionais, cada vez mais profundas e constantes nas empresas,
como as fusões, aquisições e reestruturações, com impactos traumáticos no comportamento do
executivo (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
A sensação de dívida permanente, fonte de tensão que causa impacto na satisfação do
executivo, refere-se à sensação do executivo de que nunca dá conta de tanta demanda, de que
pode não ter competência, capacidade ou governabilidade para lidar com demandas cada vez
maiores e mais complexas por parte das empresas (HUY; MINTZBERG, 2003). Não que as
dimensões de sua vida fora do trabalho não contribuam para aumentar a fonte de tensão
chamada de dívida. Porém, a fonte de tensão dívida está mais evidente na dimensão do
trabalho, pela primazia dada pelo executivo a ela em detrimento das outras de sua vida
pessoal (EVANS, 1996; TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007; TREMBLAY,
2002).
O orgulho pelo que faz, derivado da sensação de “pertencimento” a uma empresa que
se admira, de identificação de seus valores pessoais com os valores da organização. Essa
sensação é fonte de prazer na maioria das vezes, de fazer parte de “algo maior”, de “fazer a
diferença” (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007). Para muitos gestores, o
trabalho é um meio para transcender seus interesses particulares, dedicando-se a uma causa
que ele percebe como importante e significativa (MORIN, 1995, 2001). A tensão aparece
quando há uma quebra nesse orgulho, especialmente pela quebra da confiança do executivo
na empresa e/ou nas pessoas que a compõem. Os dados da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto
e Andrade (2007) indicam que o nível de confiança não está tão alto assim nas empresas. O
Quadro 2 em seguida mostra como a maioria dos executivos concorda mais com aspectos
negativos no tocante à confiança (itens 3, 4, 8), uma vez que o índice de concordância relativo
aos aspectos negativos é maior que o índice relativo aos aspectos positivos (1, 2, 5, 6, 7).
Itens relativos à confiança Likert 1 (pior) a 7 (melhor) Fator
1. As pessoas lhe dão segurança 4,2 0,829 2. As pessoas falam a verdade 4,6 0,827 3. As pessoas tiram proveito de ambiguidades 4,5 0,827 4. As pessoas se aproveitam das fraquezas alheias 4,5 0,819 5. As pessoas mantêm as promessas feitas 4,5 0,816 6. As pessoas são confiáveis 4,7 0,812 7. As pessoas são justas 4,5 0,805 8. Existem muitos jogos políticos 5,3 0,772
QUADRO 2: Percepção da confiança nas empresas Fonte: TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE (2007a, p.12). Obs.: a) como todos os fatores possuem coeficientes positivos, quanto maior o valor do fator, mais o indivíduo concorda com a situação descrita pelo mesmo; b) Método: Componentes Principais / Rotação: Varimax / Variação Explicada: 71,4%.
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Esse panorama certamente ajuda a minar o sentimento de orgulho do executivo e
contribui para aumentar a tensão no atual ambiente empresarial. Como há uma percepção do
executivo de que há um aproveitamento de suas fraquezas para prejudicá-lo,
consequentemente ele procura não demonstrar suas fraquezas. Cria-se, com isso, um ambiente
excessivamente exigente, por vezes difícil de suportar. Essa sensação de onipotência pode vir
acompanhada de certa solidão, de falta de interlocutores, já que, quanto mais o executivo sobe
na hierarquia organizacional, mais tende a se fechar, para não dar sinal de fraqueza
(TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
O teatro corporativo, um jogo de cena comum dentro do ambiente de trabalho, onde o
executivo exerce um papel que julga condizente com a cultura da empresa, um papel que
extrapola os limites da organização (EDWARDS; ROTHBARD, 2000). Para Lapierre (1995),
o exercício do poder ativa ou reativa as fantasias mais primitivas ou arcaicas. Tanure,
Carvalho Neto e Andrade (2007) identificam o executivo como prisioneiro do papel,
vivenciando um fascínio pelo cargo, pelo status, pelo poder e pelo dinheiro trazido para sua
vida. Esse jogo de cena pode se transformar em fonte de tensão quando o teatro é exagerado,
quando o papel toma conta do “ator” executivo, ou quando os jogos de poder ultrapassam os
limites do razoável. Para De Vries (2004), o papel profissional funciona muito bem, o
executivo se realiza. Mas o seu dilema é gerenciar o limite entre trabalho, lazer, vida afetiva e
família.
Os resultados da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) apontaram para
um forte desequilíbrio do tempo investido na carreira em detrimento das relações afetivas,
familiares e do lazer; estresse com as intermináveis mudanças organizacionais; sensação de
estar sempre devendo, devido à sobrecarga excessiva de responsabilidades; muito prazer e
orgulho pelo que fazem; dificuldade de dissociar sua identidade daquela talhada pelo seu
papel na empresa.
Outro estudo, realizado pela Stanford University, nos Estados Unidos, sobre estresse,
teve como uma das conclusões da pesquisa que “poucos executivos considerados bem
sucedidos, no conceito vigente, conseguem ter vida privada equilibrada” (TANURE, 2002, p.
376). Outro estudo feito pela unidade brasileira da International Stress Management
Association – ISMA, em 2002-2003, junto a 1.000 profissionais brasileiros, constatou que
70% sofriam de níveis significativos de estresse ocupacional, indicando um índice
semelhança ao enfrentado pelos executivos nos Estados Unidos (72%) e na Inglaterra (70%)
para o mesmo problema (ROSSI, 2004).
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Dados de pesquisas realizadas em 2002, 2004 e 2006 pela The Net Future Institute -
NFI Research3 mostram que o estresse aumentou entre executivos no mundo inteiro. Elas
foram realizadas em 50 países, junto a executivos de organizações multinacionais. O estudo
mostra que o problema já atinge 79,3% desses profissionais de forma intensa ou moderada.
Em pesquisa sobre o estresse nas corporações realizada em março de 2007 pela
empresa TNS Interscience, no Brasil, com cem executivos de empresas de diversos setores,
identifica a tensão no trabalho afetando o desempenho de 39% dos profissionais ouvidos,
sendo a diminuição da produtividade (66%) e o afastamento por questões de saúde (62%) os
principais problemas associados ao excesso de tensão no trabalho.
Apontando o impacto da conjuntura organizacional sobre o executivo e seu próprio
comportamento, Ruiz (2003, p. 17) discute um emergente “cansaço existencial proveniente
dos efeitos inerentes à racionalização da vida”.
Atualmente, o mercado consubstancia “em um conjunto de mudanças materiais e
intangíveis, em que o homo administrativus se destaca como personagem central e figura
dominante na compreensão da sociedade contemporânea” (DÉRY apud CHANLAT, 2000, p.
16), produzindo e reproduzindo todo um sistema de descrição, de explicação e de
interpretação do mundo a partir das categorias do campo da administração. Esse sistema é
classificado por Davel e Melo (2005) como managerialismo, que poderia ser traduzir por
“gerencialismo”, termo também usado por Chanlat (2000) para qualificar esse fenômeno na
sociedade.
Na mesma linha, Castells (1999) e Chanlat (2000) ressaltam o processo de trabalho
situado no cerne da estrutura social, revelando o gestor como uma das figuras centrais da
sociedade contemporânea, com o executivo tornando-se prisioneiro do ativismo profissional.
Serva e Ferreira (2004) observam um quadro de deificação do executivo desde os anos 1990,
com elevado grau de expectativas postas sobre aqueles que ocupam cargos de liderança, com
exigência de eterno aperfeiçoamento e da busca contínua de melhores posições dentro das
organizações. Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) ressaltam a deificação do executivo
como expressão desse fenômeno, representado pelo sentimento e fascínio projetado como
exemplo de lucidez e perspicácia e de uma inabalável perseguição de objetivos: seria o super-
homem com todos os seus poderes.
3 A NFI Research é uma empresa americana que identifica e analisa tendências e atitudes nos negócios, gestão organizacional e tecnologia da informação. Com mais de 2.000 executivos e gerentes de 1.400 companhias em mais de 50 países, os membros do NFI representam algumas das mais renomadas e inovadoras companhias, entre as quais, metade das empresas listadas na revista Fortune 100.
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Observa-se, também, na esfera da vida pessoal, a invasão do managerialismo
profundamente instalado na experiência social contemporânea, forjando ou moldando um
homem que confunde seu trabalho com sua vida, como adverte Lazear (2004).
Atraído (ou ofuscado?) pelas condições e demandas do mundo organizacional, a maior
parte do tempo e quase toda a energia do executivo vão para o trabalho, cujo sucesso na vida
profissional representa e compõe uma dimensão mais valorizada. Condenado a vencer, sua
carreira é uma canalização de energia, um elemento central que medeia sua relação no tempo,
e não apenas no espaço (PAGÈS et al. 2006).
Champy e Nohria (2000), ao examinarem o êxito de executivos no mundo empresarial,
exploraram dimensões e histórias de pessoas bem sucedidas e apontam a ambição para
alcançar o poder como o motor para suas conquistas. Para esses autores, a ambição está
sempre mudando a condição humana, nem sempre para melhor, embora, de modo geral, traga
mais benefícios do que malefícios.
A pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) obtempera tal advertência
feita por Champy e Nohria (2000), ao constatar que o executivo é prisioneiro do papel e, na
prática, não se permite colocar limites, tornando, assim, essa ambição e impulso para a
carreira uma fonte de tensão no grande teatro organizacional. Tanure, Carvalho Neto e
Andrade (2007, p. 61), ao identificaram esse sentimento de realização e orgulho do executivo
nas conquistas e na manutenção de sua posição no centro dos processos decisórios, dos riscos,
desafios e vitórias, identificam também uma necessidade pessoal compulsiva e extenuante
para obter cada vez mais conquistas, em um movimento infindável. São características de um
tipo de comportamento que denominam “síndrome de Alexandre4”.
Parte da sedução e do fascínio da posição de executivo está relacionada ao exemplo de
perspicácia, lucidez estratégica e até certa genialidade, como também ao poder decisório, em
que a realização, o prestígio, o reconhecimento e os desafios têm maior peso em sua vida do
que até mesmo a remuneração financeira. Entretanto, esse é o “lado sol” do executivo. O
“lado sombra” é representado pelo sentimento de que o profissional nessa posição tem que
saber tudo, desempenhar o papel de super-homem, sobre o qual recaem expectativas não só
daqueles que convivem com ele dentro da empresa, mas de seus amigos e familiares. Isto,
num quadro de deificação que, não raramente, se torna por si só fonte de estresse e de solidão,
4 Alexandre Magno, chamado de Alexandre, O Grande, era um conquistador nato, compulsivo. Viveu de 356-323 a.C. Educado por Aristóteles, em 15 anos conquistou um império que ia dos Balcãs à Índia, incluindo também o Egito e a Báctria (aproximadamente o atual Afeganistão). Ao chegar à Índia, seus principais generais já estavam fartos da conquista pela conquista, da síndrome de Alexandre, e ansiavam pelo fim das guerras de conquistas.
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pois esse super-homem não pode demonstrar fraqueza ou dúvidas (SCANFONE;
CARVALHO NETO; TANURE, 2007).
Mudanças incrementais e radicais são processos organizacionais cada vez mais
constantes. Comuns como fonte de estresse do executivo, as sucessivas mudanças e
reestruturações organizacionais provocam uma quebra do sentimento de pertencimento à
organização por parte dos executivos, o que, como lembra Giddens (1989), compromete a
necessidade da pessoa de vivenciar certa estabilidade para que sua personalidade não seja
deformada perniciosamente. Tal posicionamento expressa o potencial impacto de tais
mudanças no comportamento do indivíduo, seja diante do desafio que se apresenta, ou na
preparação para novas experiências.
Em consequência de um descolamento entre as responsabilidades da empresa e do
indivíduo de gerenciar a carreira, cabendo a este desenhar suas experiências e processos de
aprendizagem, vêm à tona questões tais como saber administrar a tensão entre a vida
profissional e a vida pessoal (KILIMNIK; SANT’ANNA; CASTILHO, 2004).
O restabelecimento do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal não cabe somente ao
indivíduo, é também um problema social, cuja solução é necessariamente coletiva, cabendo
também responsabilidades à empresa (DAVEL; MELO, 2005; TANURE; CARVALHO
NETO; ANDRADE, 2007).
O gerenciamento do tempo é um drama para a maioria dos executivos. Considerado
um recurso limitado ou até mesmo “desperdiçado”, a falta de tempo, especialmente o tempo
dedicado à dimensão do não-trabalho, faz com que o executivo se sinta pressionado e muitas
vezes estressado, sem achar saída possível (HILL, 1993; TANURE; CARVALHO NETO;
ANDRADE, 2007).
Além da longa jornada de trabalho, outro fator que sequestra o tempo do executivo é o
mal uso das novas tecnologias, ligadas ao desenvolvimento e à convergência das
telecomunicações e informática, com o uso de computadores portáteis, correio eletrônico,
BlackBerry5, com uma invasão dos limites da dimensão pessoal pelo trabalho, onde todos os
momentos passam a ser dedicados, direta ou indiretamente, ao trabalho (PERISTA;
MAXIMIANO; FREITAS, 2000). Em um extremo, estão os escravos das novas tecnologias e,
no outro, os usuários facilitadores. A pesquisa realizada por Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007) indica que a proporção de executivos que acessam e-mail fora do local de trabalho é de
76%, e a dos que atendem a celular e respondem e-mails também fora do seu horário normal
5 O BlackBerry é um aparelho celular da Research in Motion, que possui funções de editor de textos, acesso à Internet, e-mail; tudo concentrado em um só aparelho.
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de trabalho é de 79. Foi identificado que o número de “escravizados” é muito superior,
demonstrando um claro desequilíbrio neste campo. No pretenso tempo de não-trabalho, o
executivo dispensa energia e atenção aos processos de trabalho através dos referidos meios de
comunicação, mantendo-se “conectado” o tempo todo nas demandas do trabalho.
Tonelli (2002) e Grisci (1999) ressaltam essa ambiguidade no uso das novas
tecnologias e das novas estruturas organizacionais, em facilitar ou aprisionar o executivo por
propiciarem maior agilidade por um lado enquanto, de outro, ampliam a percepção de
aceleração do tempo pelo sujeito.
Em apreciação à propensão do executivo de demonstrar uma disposição maior para o
trabalho árduo e até estressante, no caso do Brasil, Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007,
p. 32) identificam uma possível raiz cultural no sentimento de “colonizado”, fazendo emergir
uma “necessidade de provar que somos igualmente ou mais competentes” que executivos de
outras nacionalidades. Tal afirmativa encontra convergência em pesquisa realizada entre dez
países pela Lancaster University, nos Estados Unidos, cujos dados revelaram que o índice de
estresse gerencial mais elevado se encontrava entre os executivos do Egito (42%) e do Brasil
(41%).
Trabalhar em uma organização de sucesso é uma realização que reflete diretamente na
autoestima e na percepção do executivo. Mesmo que o trabalho resulte numa carga que afeta a
sua saúde física e mental, parece que o executivo está disposto a pagar o preço pelo
reconhecimento (BULGACOV; TOLEDO, 2004).
Como salienta Dejours (1996), o sujeito no trabalho está permanentemente negociando
a melhor forma de trabalhar. Na medida em que ele contribui para a realização do trabalho,
qualquer que seja o produto, espera reconhecimento. Mais do que isso, o indivíduo deseja que
o reconhecimento ocorra não apenas pela existência da contribuição, mas que ela seja julgada
pelos pares como boa contribuição. O risco é quando o executivo sente que o trabalho é a
única parte divertida da vida, vivenciando o fascínio do cargo, o status, o poder, a realização e
o dinheiro, sendo sua vida pessoal, afetiva e familiar uma obrigação (LAPIERRE, 1995;
TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
Vários autores, referindo-se aos padrões alcançados pelo capitalismo de viés social-
democrata durante o período fordista, criticam os valores predominantes no discurso gerencial
atual. Enriquez (2006) chega a afirmar que, de certa maneira, o mundo atual se tornou sádico.
Os valores de mérito, trabalho, honra, prestígio e “a herança histórica, usada pelo capitalismo,
inclusive a honestidade, a integridade, a responsabilidade, o cuidado no trabalho, o respeito
aos outros” foram desvalorizados em prol de um único valor: o dinheiro (CASTORIADIS,
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2007, p. 99). Consequências no nível coletivo: dissolução do vínculo social, exclusão ou
desvinculação social (CASTEL, 2002), competição exacerbada, pilhagem do planeta,
enfraquecimento dos movimentos sociais, diminuição das lutas sindicais, e, por outro lado,
importância crescente das empresas, que querem ser “as instituições divinas”. Consequências
no nível individual: os indivíduos devem se integrar, ou melhor, se identificar com as
organizações das quais fazem parte, idealizá-las, colocando os valores organizacionais – seus
próprios ideais de ego – no lugar dos seus próprios valores, transformar-se em instrumentos
submissos, dóceis mesmo e, sobretudo, acreditar que estão a caminho da autonomia.
Assim, as exigências das organizações parecem ser o “celeiro” impulsionador desses
viciados, chegando a ponto de alguns canais editoriais de popularização da administração
elegerem o perfil do executivo de sucesso como aquele que apresenta um ritmo acelerado de
trabalho e resistência para aguentar o excesso de trabalho, o chamado “atleta corporativo”.
Este seria uma outra versão do workaholic, agora desvinculado da imagem pejorativa de
viciado em função de uma outra imagem mais “saudável”: a de um atleta.
Estar inserido no seio de uma empresa como executivo é estar no mundo “civilizado’.
Mais ainda: desempenhar com sucesso essa inserção, crescer como executivo, destacar-se, ser
reconhecido como um líder da empresa é mais que motivo de orgulho, é entrega da própria
vida (SCHIRATO, 2006, p. 61).
Seja workaholic ou atleta corporativo, o fato é que a necessidade de trabalhar
energicamente, de desempenhar cada vez melhor e de tender sempre para um maior sucesso
estão na origem de um custo elevado ao executivo (FREUDENBERGER apud AUBERT,
2007). As mudanças, como observou Schirato (2006), ocorrem sempre em torno de um eixo
comum: a organização absoluta, inclusive no seu papel de produzir mudanças a todo tempo,
nos mecanismos da vida social e pessoal do executivo.
2.3 As exigências organizacionais e o trabalho do executivo
Antes de se proceder à reflexão sobre as organizações e o executivo, considera-se
pertinente a discussão do conceito de managerialismo. Com toda a força transformadora que
o modelo impôs na nova forma de vida da sociedade, o termo designa tanto práticas e
processos como os atores que ocupam funções de gestão, sendo sua natureza, antes de tudo,
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visar ao bom funcionamento de uma organização, sendo suas exigências marcadas com o selo
da eficácia (CHANLAT, 2000).
Na medida em que as mudanças organizacionais ficaram mais evidentes, discussões
sobre as novas competências exigidas dos executivos também ganharam ênfase, e parecem ter
gerado mudanças no trabalho desempenhado por esses profissionais (ENRIQUEZ, 2006;
KILIMNIK; SANT’ANA; CASTILHO, 2004; TONELLI; ALCADIPANI, 2003).
Com uma trajetória de quase um século, os estudos consagrados sobre o trabalho dos
executivos pelo menos já disseram muito sobre o tema. Na busca da contribuição para o
entendimento do que é a vida profissional desse indivíduo do ponto de vista da tarefa e das
demandas da carreira, uma revisão traz a oportunidade de identificar o que faz o executivo, as
características de suas atividades e responsabilidades intimamente relacionadas ao uso do
tempo com consequências na vida do indivíduo.
Segundo Chanlat e Bédard (1996), se for solicitado a um executivo que descreva seu
trabalho cotidiano na empresa, provavelmente ele dirá que passa o dia a tomar decisões,
planejar, dirigir, coordenar, controlar. Tal resposta corresponde ao que se escreve sobre
administração desde Fayol (1990) na década de 1910.
Precursor no estudo das funções gerenciais, Fayol (1990), considerava como as
principais funções administrativas planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar.
Ainda, indicava ser responsabilidade do gestor conhecer profundamente seu pessoal,
dispensar os incapazes, obter conhecimentos sobre convênios e contatos de trabalho, ser e dar
exemplo, realizar inspeções e reuniões com o propósito de otimizar os processos na
consecução dos objetivos organizacionais. Verifica-se, nessa disposição, as funções do
administrador representadas por um grupo de atividades cujo desempenho forma um processo
sequencial na concepção e simultâneo na operação, o qual se repete continuamente. Daí os
seguidores do ensinamento de Fayol (1990), segundo Escrivão Filho (1995), serem
conhecidos como processualistas.
Sem responderem à questão do que fazem os executivos no cotidiano de seu trabalho
(RAUFFLET, 2005), o que viria a ser mais profundamente investigado, diferentes
pesquisadores propuseram outras representações do executivo. Ele pode ser visto como:
• um empreendedor e promotor da inovação (SCHUMPETER, 1938);
• um “grande homem”, uma pessoa que possui o sentido e a essência da direção,
alguém que infunde seus valores pessoais e profissionais em toda organização
(SELZNICK, 1957; SLOAN, 1963);
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• um tomador de decisões não-programadas, em um ambiente complexo e incerto
(SIMON, 1947);
• um líder eficaz, detentor de certos traços de personalidade (KATZ; KAHN, 1966).
Outro autor que se dedicou ao tema foi Barnard (1979). Publicado em 1938, seu
estudo apresentou a questão das funções dos executivos e alcançou, mais além, uma das mais
disseminadas definições do que é uma organização. Segundo esse autor, o objetivo de tais
funções é manter a organização em funcionamento por meio de um sistema de esforço
cooperativo. Para ele, incumbe ao executivo a atividade particularizada de incutir senso de
propósito moral, de tomar decisões, de promover o sistema de comunicação e trabalhar com a
organização informal, de promover a garantia de esforços individuais e um sistema de
recursos humanos para motivar as pessoas; bem como formular e definir os propósitos e os
objetivos da organização.
Carlson (1991), com base em estudo realizado junto a industriais suecos na década de
1950, publicou o influente estudo Executive Behaviour. O autor, tendo como método a
observação das agendas dos executivos, anotou suas atividades a partir de categorias simples
e mostrou que o executivo possui jornadas fragmentadas com comunicações verbais e
trabalho frequentemente interrompido. Tengblad (2000) revisitou o clássico estudo de Carlson
(1991), e apontou outros proeminentes estudiosos do tema que tiveram suas pesquisas
inspiradas naquele autor. Para Tengblad (2000, p. 30), Executive Behaviour foi a maior fonte
de inspiração para o estudo de Mintzberg, The Nature of Managerial Work, que veio a ser
publicado em 1973 e será abordado mais adiante.
Após a revisão dos estudos que tratavam das funções e atividades dos executivos em
sua época, Sayles (1964) apresentou que os gestores trabalham sozinhos somente em
circunstâncias excepcionais, delegam trabalho para subordinados e propiciam as condições
para que estes realizem suas tarefas. Estudo de Tonelli e Alcadipani (2003) indica que tais
características se encontram presentes na ocupação do profissional na atualidade. Nas
palavras de Raufflet (2005, p. 71), “o comportamento dos executivos se insere num sistema
social”, vistos como líderes, monitores e participantes no processo de trabalho. Situado numa
rede de relações de dependência mútua, tal afirmativa colima com o posicionamento de
Sayles (1964, p. 258) de ser o objetivo (do executivo) “se esforçar para construir e manter um
sistema de relações recíprocas”.
Em um relevante estudo sobre as atividades dos executivos, Stewart (1967) pesquisou
como gerentes passam efetivamente seu tempo. Empregando como método de trabalho a
análise das agendas dos gestores, a autora categorizou onde e com quem esses profissionais
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passam seu tempo. Suas conclusões contam que os executivos passam aproximadamente
metade de seu tempo em reuniões, ao telefone, falando e escutando, ou em outras atividades
sociais, com variações no seu trabalho em função de relações interpessoais (RAUFFLET,
2005; TONELLI; ALCADIPANI, 2003). Os estudos de Mintzberg (1973) apontaram esses
mesmos resultados. É o que será examinado a seguir.
Um estudo que é referência sobre a natureza do trabalho do executivo foi realizado por
Mintzberg (1973). Utilizando como base de sua pesquisa a observação direta, o autor teve
como foco investigar o que fazem os executivos nas suas atividades cotidianas de trabalho. O
autor descreve as atividades que o administrador realiza, observando seu comportamento
manifesto, reagrupando as atividades cotidianas sob a forma de um encadeamento linear de
papéis que consagra 80% do tempo dedicado à atividade de informação.
Destaque na pesquisa das funções dos executivos, Mintzberg (1973), antes da
passagem à descrição de seus achados empíricos, analisou e classificou, em oito escolas, os
principais estudos sobre os gestores, as quais denominou:
a. a Escola do grande homem, que destaca a biografia e autobiografia de pessoas
reconhecidas como grandes gestores. Henry Ford6 e Alfred Sloan7 são exemplos;
b. a Escola clássica, que analisa o trabalho dos gestores em termos de um conjunto
de funções. Fayol é um dos grandes exemplos;
Ambas as escolas tratam o executivo exclusivamente como um tomador de decisões;
c. a Escola do empreendedor, que considera o gestor como um ator racional que
busca maximizar lucro, e descreve o gestor como um especificador de inovação;
d. a Escola da teoria da decisão, que volta sua atenção para o estudo das decisões
não programadas, geralmente realizadas pelos gestores seniores;
e. a Escola da liderança efetiva, que focaliza no papel de liderança dos gestores;
f. a Escola do poder, que avalia como o gestor utiliza o poder para conseguir o que
deseja de colegas e subordinados;
g. a Escola comportamental, que procura estudar o comportamento dos gestores; e
h. a Escola da atividade do trabalho, que procura examinar sistematicamente as
atividades dos gestores, o seu processo de trabalho.
6 Henry Ford foi fundador da Ford Motor Company e o primeiro empresário a aplicar a montagem em série, de forma a produzir automóveis em menos tempo e a um menor custo.
7 Alfred P. Sloan Jr. esteve à frente da General Motors durante 23 anos e a levou a se transformar na maior empresa do mundo. Sob seu comando, criou as divisões corporativas, passou a controlar por orçamentos, sistemas de contratação, relatórios de vendas, sendo sua notoriedade como inventor da arte de administrar uma grande corporação.
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A partir em sua análise empírica, Mintzberg (1973) apresentou suas proposições sobre
os executivos e seu trabalho, identificando que eles são compelidos a realizar uma grande
quantidade de trabalho. Os gestores seniores, em particular, levam muito trabalho para casa e
durante seu tempo livre tendem a continuar pensando nele. A caracterização apresentada por
Mintzberg (1973) para o trabalho do executivo é a fragmentação, a grande variedade nas
atividades a serem realizadas e uma falta de continuidade entre elas, sendo a brevidade e
interrupções um lugar comum. Seu destaque é que superficialidade poderia ser a definição da
ocupação dessas pessoas, dado o pouco tempo para o aprofundamento nas tarefas.
De toda forma, os executivos da amostra do estudo de Tonelli e Alcadipani (2003, p.
14) disseram que “gostam e precisam da atividade de reflexão mais do que a ação no trabalho,
reservando algum tempo para estarem sozinhos e dedicados à tarefa de planejamento e
pensamento [...]”. A questão do trabalhar sozinho como ocupação do executivo está também
identificada no estudo de Sayles (1964), como já mencionado. Entretanto, sugere a pesquisa
de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) que este tempo de reflexão parece ser exíguo.
Faz parte ainda das observações de Mintzberg (1973) acerca do trabalho do executivo
a preferência por comunicações e trocas informais com contatos escritos e verbais como suas
ferramentas de trabalho mais comuns e ocupando a maior parte de seu tempo. Também, a
adaptação às situações em face da pressão do trabalho, sem que isso o encoraje a desenvolver
planificações. Desempenha rotinas e tarefas ordinárias, particularmente movimentando e
monitorando sistemas de informação e de regulação dos subsistemas organizacionais.
Além disso, Minztberg (1986, 1994) apontou que gestores possuem e guardam
informações, que se transformam em suas principais fontes de poder. Corroborando tal
observação, os gestores da amostra do estudo de Tonelli e Alcadipani (2003) deixaram
transparecer que ainda têm poder decorrente e a partir das informações privilegiadas que
dispõem.
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Mintzberg (1986) identificou e descreveu papéis e funções referentes ao tempo gasto
do gerente no seu dia-a-dia, conforme mostra o Quadro 3 seguinte:
Autoridade formal e status
Papéis interpessoais • Imagem do chefe • Líder • Contato
o
QUADRO 3: Papéis do Executivo Fonte: Mintzberg (1986, p. 13).
Nos papéis interpessoais, os
que são importantes para o funciona
Tonelli e Alcadipani (2003) identifi
de líder e a função de ligação, por
comando.
No papel informacional, os
mantêm um status que lhes perm
permanentemente buscando.
O terceiro papel é o de dec
decisão e os executivos, neste sentid
projetos, onde alocam recursos. Alé
papéis estão presentes na função do
tempo todo para todos os executivos
Na essência, o executivo é u
fazem surgir os relacionamentos inte
vez conduzem às saídas (decisões)
desses papéis nega que o trabalh
Papéis do Executiv
Papéis informacionais
Papéis decisoriais
• Monitor • Empreendedor • Disseminador • Manipulador de
distúrbios • Porta-voz • Alocador de
recursos • Negociador
executivos participam de deveres e cerimônias de rotina
mento da organização ainda que não envolvam decisões.
cam, de acordo com o autor, que aqui se coloca a função
meio da qual o executivo faz os contatos na cadeia de
executivos, por sua autoridade formal na organização,
item acessar e processar informações, que, aliás, estão
isor. As informações obtidas são usadas para tomada de
o, transformam-se em empreendedores e supervisores de
m disso, Minztberg (1986) reconhece que dizer que estes
s executivos não significa dizer que eles estão presentes o
.
m “sistema de entrada-saída no qual autoridade e status
rpessoais, que levam às entradas (informações) e, por sua
” (MINTZBERG, 1986, p. 58). Para o autor, a síntese
o do executivo seja ordenado, contínuo, sequencial,
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homogêneo, além de não ser derivado de suas próprias iniciativas nem de sua vontade
transformada em decisões.
Mintzberg (1986) ironiza a imagem romântica do executivo, comparado ao maestro
que conduz harmoniosamente a organização, o que, a seu ver, dificilmente corresponde à
realidade. O autor apresentou uma discussão sobre o folclore e o fato que cercam a profissão.
Entre as importantes contribuições sobre o tema de Mintzberg, com a publicação em
1986 do Trabalho do Executivo: o folclore e o fato, sintetizado no Quadro 4, o autor ironiza a
imagem romântica do executivo, comparado ao maestro que conduz harmoniosamente a
organização, o que, segundo seu modo de ver, dificilmente corresponde à realidade que cerca
a profissão.
Trabalho do Executivo
O Folclore O Fato O executivo é um planejador sistemático e reflexivo.
Os executivos apenas respondem às pressões do trabalho; são mais orientados à ação e não gostam de atividades reflexivas.
O verdadeiro executivo não executa tarefas de rotina.
Não só eles estão frequentemente engajados em atividades de rotina, como participam regularmente de cerimônias e obrigações costumeiras.
Os principais executivos necessitam de informações agregadas, que podem ser melhor obtidas através de um sistema formal de informações gerenciais.
As comunicações orais predominam como ferramentas de informação, especialmente comentários, fofocas e especulações. São esses comentários que podem fornecer pistas para a identificação de problemas e oportunidades.
O Management é, ou pelo menos está se transformando rapidamente, em ciência, em uma profissão.
Qualquer observação do trabalho dos executivos derruba a afirmação de que praticam uma ciência. Os executivos usam “julgamento” e “intuição”.
QUADRO 4: Trabalho do Executivo Elaborado pelo autor com base na descrição de Mintzberg (1986) e análises de Tonelli e Alcadipani (2003) e Raufflet (2005).
Para Escrivão Filho (1995), as abordagens do Processo e a dos Papéis sobre o trabalho
do executivo totalizam as referências sobre o assunto. Entretanto, Déry (2007) reconhece a
existência de diferenças de autoridade, de responsabilidade e de estatuto formal, e suscita uma
dúvida quanto ao alcance da teoria dos papéis, que tem o ator principal visto de forma
reducionista como uma máquina de tratamento da informação. Salienta que há razões para
duvidar da existência de diferenças fundamentais, em seu comportamento, entre os executivos
e os outros membros da organização, e propõe que seria mais correto admitir que os papéis
descritos por Mintzberg (1986) sejam válidos para a maior parte do comportamento dos atores
na organização.
Em artigo de 1994, Mintzberg retoma o tema e argumenta que os executivos exercem
funções de controle e de comunicação e gerenciamento das ações. No entanto, a função de
comunicação representa 40% das atividades dos gestores. No papel de controle, os executivos
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usam informações para desenvolver sistemas, desenhar estruturas e impor diretivas, uma vez
que estabelecem responsabilidades. Essas funções, diz Mintzberg (1994), são absolutamente
semelhantes com as proposições de Fayol, do início do século XX, ou seja, coordenar,
planejar organizar, dirigir e controlar. Não há diferenças entre os executivos de hoje e os de
um século atrás: apesar de computadores e novas tecnologias, os executivos ainda usam os
mesmos procedimentos nas tomadas de decisão (TONELLI; ALCADIPANI, 2003).
Kotter (1982) trouxe o entendimento sobre a ação do executivo baseando-se em três
pontos: no estabelecimento de uma agenda, na construção de redes interpessoais de contatos e
na implementação das agendas. Raufflet (2005, p. 75) identifica nessa noção de agenda
pessoal e rede interpessoal a mais importante contribuição de Kotter (1982): após o
desenvolvimento amplo de suas redes e agendas, o executivo usa a primeira para executar a
segunda. Ou seja, “para por em execução sua agenda, o executivo desenvolve e mantém uma
rede de relações pessoais, atividade que necessita de tempo, favorece a obtenção de apoios
para subir na hierarquia ou para se manter na mesma posição em caso de dificuldade”.
Para Kotter (1982) citado por Escrivão Filho (1995), e Tonelli e Alcadipani (2003), os
executivos, a partir de suas decisões diante dos dilemas, das incertezas, da diversidade e do
volume de informações potencialmente relevantes, cumprem uma função principal de
coordenar e controlar as atividades que delegaram a fim de garantir sua execução. Hill (1993)
e Escrivão Filho (1995) também ressaltam que os executivos gastam a maior parte de seu
tempo integrando e interagindo com pessoas, internas e externas à organização, estabelecendo
e promovendo relacionamentos cooperativos com e entre as pessoas de suas redes de trabalho.
O estudo de Motta (1991) apresenta resultados semelhantes às observações de
Mintzberg (1986), tendo identificado uma realidade de trabalho extremamente ambígua e
repleta de dualidades, cuja ação gerencial se faz de forma fragmentada, intermitente, de
natureza variável e reativa.
Os estudos de Gabarro (1987) e de Hill (1993), considerados por Raufflet (2005) mais
processuais em suas abordagens, examinam o aprendizado do novo papel do executivo e a
evolução no cargo. Gabarro (1987) apontou cinco fases por que passam os executivos, desde
o momento em que começaram no novo cargo: a inteiração, a imersão (poucas mudanças), a
reformulação (período de mudanças intensas), a consolidação e, por fim, a consolidação final
no posto de trabalho. A duração de cada etapa depende de cada indivíduo.
Chanlat e Bédard (1996) também salientam que os estudos mais recentes revelam que
a essência da função de um executivo consiste em estar engajado em uma multiplicidade de
intercâmbios verbais com seus superiores, subordinados, pares, concorrentes e clientes.
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Como exposto, os estudos desses diversos autores confirmam que o trabalho do
executivo é marcado pela brevidade, pela fragmentação e pelo imediatismo, trazendo a
percepção de que esse exercício representa uma situação de “quase caos”. O controle tão
almejado se apresenta utópico e a previsibilidade e o planejamento rigoroso não se
confirmam, dada a mutabilidade, a descontinuidade e a natureza variada, em uma série
frequentemente interrompida de reações não derivadas de suas iniciativas e de sua vontade.
Assim apresentado, serão tratadas em seguida algumas das exigências atuais apontadas
na literatura que caracterizam o trabalho dos executivos.
A aceitação de riscos de alguma espécie é exigido do executivo, no seu papel. Se o
elemento risco sempre existiu, o que o diferencia do passado é a sua contínua frequência e a
pretensão de apresentar-se como normal na sociedade moderna, além de se verificar como
parte das exigências organizacionais aos executivos o saber aceitar e lidar diariamente com
este elemento (ANSOFF, 1981; SENNETT, 2000).
A complexidade do mundo organizacional moderno tem modificado dimensões
clássicas de gestão e substituído formas antes rígidas e precisas por formas ambíguas e
flexíveis” (MOTTA, 1991, p. 35). Questões como estrutura, hierarquia, especialização,
formas de decisões administrativas adquirem características de flexibilidade em decorrência
da complexidade. São alterações provocadas pela própria evolução do meio social, econômico
e político em que estão inseridas as organizações. O que se espera são executivos capazes de
gerir na complexidade do ambiente organizacional, operando em situações de instabilidade e
imprevisibilidade, valorizando o trabalho em equipe para que possam, por meio das posições
divergentes dos componentes, chegar às mais razoáveis opções, abrindo mão do best way
taylorista.
Está cada vez mais presente a máxima da Escola Contingencial de que não há um
modelo único de gestão e tudo depende de um ambiente sempre mutante, afetando a
predisposição individual (DONALDSON, 1998; LAURENCE; LORSCH, 1973).
A flexibilidade, impactada pela complexidade, devido às condições altamente
mutantes, exigindo uma alta capacidade de adaptação (SENNETT, 2001). O trabalho do
executivo moderno não se apresenta mais como possível de controle ou de conhecimento do
todo. A resposta em forma de ação vem por uma escolha ou decisão pelo controle da exceção.
Para Motta (1991), a busca de flexibilidade pela administração se deu a partir de
constatações crescentes de que as antigas formas organizacionais em que a estrutura antecedia
outras dimensões da organização não mais se coadunavam com as necessidades atuais das
empresas.
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Na análise de Sennett (2000) sobre as consequências da flexibilidade para os
trabalhadores modernos, também detectadas por Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007),
são apontadas a ansiedade e a angústia para os executivos, uma vez que os riscos permanentes
(carreira instável, metas a serem alcançadas, novidades constantes que podem mudar o rumo
das decisões) não vêm acompanhados de garantia de que serão compensados. A flexibilidade
para lidar com a instabilidade e a convivência com o fator risco aumentam a pressão sobre o
executivo e requerem novas habilidades e competências do mesmo, a fim de que essa nova
situação nas organizações modernas não implique um estado de insegurança para ele,
trazendo-lhe desequilíbrio psicológico e emocional.
O curto prazo nas medidas de desempenho encorajam os executivos a se concentrarem
no “agora”. Eles sentem que são recompensados ou punidos com base em medidas anuais de
custos, ganhos e crescimento. A longo prazo, estarão mortos ou transferidos (TANURE;
CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
O ritmo e a carga de trabalho acelerado com o processo da reengenharia como
palavra de ordem na administração durante as décadas de 1980 e 1990, visando à máxima
eficiência, como entendida por Hammer e Champy (1994), a redução do número de
trabalhadores empregados nas organizações durante o período de 1980 a 1995 foi muito
elevada (SENNETT, 2000, p. 57). Aos trabalhadores que sobrevivem ao processo de
enxugamento, o que lhes resta é mais trabalho e um aumento do ritmo no qual ele é feito,
além da queda de moral e aumento da insegurança na carreira (CARVALHO NETO, 2001).
Isto tudo reflete no executivo, que é mais cobrado, além de estarem em menor número devido
ao dowsizing, com mais responsabilidades e mais subordinados (TANURE; CARVALHO
NETO; ANDRADE, 2007).
O fato é que estratégias de gestão bem-sucedidas nas empresas em certos países não
trazem resultados esperados em outros. Dentro dessa perspectiva, no Brasil não foi diferente.
A partir do processo de abertura econômica iniciado na década de 1990, novos modelos de
gestão importados do chamado Primeiro Mundo foram experimentados, com sérias
incompatibilidades. A identidade nacional, bastante singular pela influência dos diversos
povos no processo de colonização, requer que sejam consideradas as significativas diferenças
entre as regiões brasileiras, conforme Tanure; Evans; Pucik (2006). Esses autores apontam
que a necessidade de melhorar a performance resultou em uma mudança ou re-significação
dos valores que sustentam ou sustentaram os modelos organizacionais. E o debate sobre os
processos de mudanças corporativas é comparado com a transformação da lagarta em
borboleta: penoso, repleto de medo e de dor.
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Condenado a vencer, a expectativa de carreira do executivo, em princípio, é de
crescimento na hierarquia, ocupando cargos vistos pela maioria como uma conquista, dando-
lhe a imagem de um vencedor junto à organização, a seus pares e ao público de
relacionamento (FREITAS, 1998). Em regra, não se espera retrocesso ou mesmo estagnação
na carreira. O problema é que há muito mais candidatos do que vagas, gerando mais tensão.
Pagès et al. (2006, p. 133) percebeu essa expectativa de crescimento que se espera do
executivo, as diferentes formas como esse profissional sente-se pressionado a crescer e como
ele mesmo incorpora este “fato”: “(o executivo) tem o sentimento de estar preso, sugado, de
não poder fazer outra coisa senão subir, de não poder mais parar. Ele realmente é levado a
isto”.
A literatura desvela ainda um descompasso entre a estrutura formal e a que de fato
regula as relações cotidianas. Por vezes, o ritmo das mudanças é tão frenético e até mesmo tão
pouco entendido por muitos dentro da empresa, que se desenha um quadro esquizofrênico ao
se demandar comprometimento com os objetivos empresariais quando se demite, se enxuga,
se muda constantemente (ALBRECHT, 1990; DAVEL, VERGARA, 2001; SENNETT, 2000)
O resultado da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) realça o impacto
das exigências organizacionais e do papel desempenhado pelo executivo sobre o tempo e a
energia priorizados à carreira profissional, apontando para uma insatisfação com o nível em
que as cobranças se dão, assim como com a carga horária que dedicam no cumprimento do
papel profissional, e expressam um sentimento de impotência em poder reverter o quadro.
Refém das exigências organizacionais e do tempo que dedica ao trabalho, o executivo
não raramente sente prazer em estar permanentemente ocupado e até mesmo seduzido pela
fantasia da “insubstitutibilidade”, não se colocando limite, ou mesmo prioridades, nos usos
dos tempos e dos compromissos que possam harmonizar seu investimento na vida pessoal e
na vida profissional (EVANS, 1996; TREMBLAY, 2002).
Não obstante uma tradução em estímulo para vencer desafios decorrente do nível de
cobrança, ampliando sentimentos de orgulho na consecução dos resultados esperados e pelo
reconhecimento no ambiente de trabalho e fora dele, o problema é o desequilíbrio, é o
excesso, as metas que parecem e às vezes são mesmo irrealizáveis (TANURE; CARVALHO
NETO; ANDRADE, 2007).
Mas são evidentes os programas, as mudanças, a neurose profissional, a neurose de
excelência, como aponta Aubert (2007). Nuclear neste fenômeno (neurose de excelência) é a
necessidade de trabalhar energicamente e envidar, cada vez mais, esforços para um
desempenho em direção a um maior sucesso. Correr cada vez mais depressa em um contexto
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44
onde tudo muda tão rapidamente, que não resta nada estável a que se agarrar e retomar o
fôlego. Tem-se, pois, um indivíduo enredado em uma espiral infernal.
2.4 Jovens executivos no cenário das organizações
A iniciação do jovem é uma angustiante situação, pois existem anseios naturalmente
novos e até mesmo “revolucionários” em um mundo envelhecido do qual é herdeiro e sobre o
qual traçará sua história, transformando seu presente em legado aos outros que virão
(ARENDT, 2000).
A sucessão representa o poder de continuidade do nome da família, a história de vida e
a estruturação patrimonial ao longo das gerações que se sucedem. A história descreve que a
família direciona a herança dos negócios, especificamente, ao sucessor masculino, visto que
cabe a ele a continuidade do nome da família, através da geração de filhos. Entretanto, a
mulher passou a ter uma posição ampliada e mais ativa nos negócios e na sociedade,
especialmente a partir de seu ingresso no mercado de trabalho (LODI, 1998).
Não será aprofundada neste trabalho a abordagem da biografia típica de formação do
jovem executivo, do projeto infantil à entrada no mundo adulto, até a escolha de uma
profissão. Contudo, a reflexão apontada por Arendt (2000) fortalece o entendimento do
quanto é fundamental a educação do jovem executivo e o rito de passagem para o mundo
adulto, quer na família, quer no mundo do trabalho, através de suas organizações, para sua
trajetória profissional e pessoal (ENRIQUEZ, 1990; SCHIRATO, 2006).
O percurso do jovem executivo na carreira dentro das organizações está, naturalmente,
inserido nas características contemporâneas, em que tudo é descartável, em que as pessoas
mantêm relações transitórias e superficiais (SENNETT, 2000). São “situações radicalmente
provisórias, ao mesmo tempo em que o peso do sucesso, da ambição do ter, da conquista de
mais e mais torturam a alma das pessoas [...]” (SCHIRATO, 2006, p. 42).
A exigência social sofrida pelo jovem em relação ao seu pretendido sucesso, ascensão
na carreira, torna-o muitas vezes inseguro, em uma idade onde a necessidade de aprovação
social é grande. Investindo em si mesmo, em resposta aos desafios que a vida lhe faz, procura
afirmar-se e impor-se num mundo onde a aparência de poderoso é tão ou mais importante do
que ter, de fato (SCHIRATO, 2006).
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45
E a partir do momento em que a carreira se torna o investimento principal, o valor
pessoal é reduzido à competência profissional que lhe serve de referência única. O indivíduo é
tomado por uma tentativa perpétua de superar-se. “Para satisfazer a esta ambição, ele aceita a
escravidão” (PAGÈS, 2006, p. 141). É a luta pelo reconhecimento social que passa ao centro
da vida (ENRIQUEZ, 1990).
O reconhecimento não é uma reivindicação secundária somente dos executivos jovens.
É decisiva na dinâmica da mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade no
trabalho do executivo (TOLEDO, 2006).
É nesse contexto do mundo do trabalho que Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007,
p. 109) perguntaram: “A idade tem influência no nível de (in)satisfação e de percepção do
sucesso pelo executivo?”. Estudo de Evans e Bartolomè (1980) apontou que é a partir de 42
anos que os executivos deixam de se dedicar exclusivamente às suas carreiras e passam a se
preocupar também com a família.
Pimenta e Thiry-Cherques (2006), em estudo sobre jovens executivos em relação à
percepção de valores éticos nas organizações brasileiras, identificam-no como um profissional
que, ao cumprir seu rito de passagem no caminho para os postos mais altos nas organizações,
internaliza valores mais vinculados à satisfação individual de curto prazo, do que
anteriormente.
Guerreiro Ramos (1981), advertindo sobre a busca do dinheiro como um
desdobramento inevitável de uma sociedade excessivamente centrada no mercado (trabalho-
produção-consumo), permite entender que o jovem não busca ingenuamente a ascensão na
carreira dentro das organizações. Ainda que no primeiro momento seu esforço esteja atrelado
ao prazer da conquista, rapidamente ele descobre outros prazeres que a magia do lugar
alcançado permite. Pelo dinheiro, estaria o caminho mais curto para sentir-se poderoso
(MOSCOVICI, 1990).
Freitas (1998) salienta que a categoria dos executivos é a que mais parece identificar-
se com o discurso cultural e as armadilhas da perfeição possível. Para servir de modelo, ele
deve ser forte, ter certeza de suas prioridades e pelo menos parecer ser bem-sucedido.
Pimenta e Thiry-Cherques (2006, p. 1) identificaram “uma perda de conteúdo e uma
desorientação no processo, em que a absorção dos valores morais se transformou em mero
ritual, em um formalismo, no qual o padrão ético dos executivos mais jovens diverge do
padrão médio vigente”. Não se trata de uma simples separação de pontos de vista entre
gerações, mas de uma dispersão de interesses e referências.
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Para esses autores, a expressão “não estou nem aí” sintetiza uma certa perda da
referência moral que caracteriza a situação dos jovens executivos nas organizações brasileiras.
Perceberam, ainda, que “os jovens aparentam estar em outro lugar, pertencem a uma esfera
moral diferente, com outros valores, outras hierarquias, outros compromissos” (PIMENTA;
THIRY-CHERQUES, 2006, p. 2). Os jovens executivos estão preferindo - ou sendo
compelidos a optarem - o caminho da indiferença e do desinteresse pelos valores culturais
dominantes nas organizações brasileiras. E isso representa um processo falho de socialização,
de aquisição de formas específicas de comportamento social indispensável à coesão e à
estabilidade na vida profissional.
Para Toledo (2006), mais do que os aspectos técnicos relacionados ao trabalho, os
jovens executivos interiorizam as formas de comportamento desejadas pela empresa.
Desenvolve-se um processo de mudança em que a interiorização dos valores da empresa
supera a esfera do campo do trabalho, atingindo outras dimensões da vida do indivíduo.
Esse ponto também é visto por Pimenta e Thiry-Cherques (2006), compreendendo
exigências incongruentes de qualificação, quase inatingíveis, a que o jovem executivo vem
sendo submetido. Seria o reforço ao desinteresse pelo padrão moral vigente, que real ou
aparentemente, dá sustentação à dinâmica das organizações contemporâneas.
Executivos jovens e seniores estão em fases opostas da vida: o primeiro tende a olhar
o futuro como um mar de possibilidades; para o segundo, o passado representa tudo o que
percorreu para a construção da sua vida e o futuro é cada vez mais o presente, de acordo com
Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007). Segundo pesquisa realizada pelos autores,
verificou-se que o executivo mais jovem – apesar de empunhar mais claramente a bandeira da
qualidade de vida – está mais disposto a sacrificar sua vida pessoal pelo progresso na carreira,
confirmando os argumentos de Pagès (2006) quanto à maior centralidade da carreira na vida
do trabalhador mais jovem.
Entretanto, é interessante para a organização que ela contenha, em seus quadros e sob
seu controle, essa antítese. Esses jovens, em geral pouco adaptáveis, mas que fazem brilhantes
carreiras, realizam grandes trabalhos, e com ótimos salários partem para carreira solo em
pouco tempo. Mas a organização explora seu conteúdo e seu potencial como elementos que a
oxigenam, essenciais para a saúde da empresa (SCHIRATO, 2006).
Com um número exagerado de exigências em termos de composição de currículos,
como de formação básica, domínio de dois ou três idiomas fluentes, de conhecimento pleno
de informática, experiência internacional, pós-graduação, maturidade psicológica,
proatividade, vida emocional e afetiva “bem resolvidas”, espírito empreendedor, liderança,
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assertividade e outros requisitos, vê-se a composição de uma obra surreal nas políticas de
recursos humanos adotadas pelas organizações (SCHIRATO, 2006), às quais os jovens
executivos buscam responder, perdidos nesse turbilhão de estímulos, exigindo de si sempre e
mais de sua capacidade e dedicação (AKTOUF, 1995).
Para essa questão, o mercado tem oferecido possíveis itinerários pedagógicos e
organizacionais para a formação acadêmica e profissional do jovem executivo. Proliferam as
escolas de negócios na tentativa de atender às necessidades do mundo do trabalho. Dirigidas
predominantemente ao jovem, que ainda não apresenta versatilidade de operações ou a visão
sistêmica dos negócios, esse caminho é também trilhado pelo executivo sênior. Apesar de
maduro profissionalmente, ele também é impelido a buscar aperfeiçoar-se em cursos, de
modo que tragam novidades teóricas e/ou práticas para o seu enriquecimento pessoal e
profissional (SCHIRATO, 2006).
No estudo de Hill (1993), o jovem executivo é quem mais procura cursos de pós-
graduação, como MBAs, sentindo-se, assim, melhor preparado para chegar ao topo da
empresa. Essa atitude reflete uma diferença quando observada comparativamente ao
comportamento do executivo sênior na busca de progressão acadêmica. O curioso é que quase
dois terços dos formados que foram aqui pesquisados relataram ter usado suas habilidades de
MBA apenas marginalmente em suas primeiras responsabilidades na função gestora,
conforme estudo de Porter e McKibbin (1993) sobre o ensino de negócios realizado junto a
mais de 400 escolas participantes da American Assembly of Collegiate Schools of Business
(AACSB), nos Estados Unidos.
Na concepção do jovem executivo, e considerando os valores que ele tem, o preço a
pagar para chegar ao topo é cada vez mais alto e ele tem cada vez mais pressa de chegar lá. E,
de fato, está chegando mais rápido ao topo da carreira. A geração mais jovem é regida por
uma diferente ética em relação ao trabalho, a ética do prazer, enquanto as gerações mais
velhas têm a ética do dever como base de suas ações (OSTROFF; ATWATER, 2003;
TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
Estudos apontam uma manifestação especial de otimismo pelo jovem executivo,
constituído na convicção de que o mundo e a vida fazem sentido, em parte devido à natureza
otimista da própria da idade (MORIN, 2001; PIMENTA; THIRY-CHERQUES, 2006). O
sentimento que parece predominar entre os jovens executivos é que, uma vez que o mundo
deve fazer algum sentido, as questões éticas e morais se resolverão mediante o cumprir das
regras vigentes no meio organizacional (PIMENTA; THIRY-CHERQUES, 2006).
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Para Schirato (2006), o trabalho realizado diariamente, seja qual for, significará
esforço, cansaço, mas deverá, também, trazer prazer, a fim de não se tornar insuportável. Para
que isso ocorra, a escolha do trabalho deve ser a escolha do sujeito, a vocação, dando à
ocupação a expressão de um chamado interno. Os altos executivos têm muito prazer no que
fazem. Seu sofrimento é com a falta de tempo, com a carga de trabalho e a pressão, não com a
escolha da carreira (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
Atualmente, os contratos psicológicos de trabalho mudaram: a empresa não se propõe
mais a cuidar da vida do indivíduo, apesar de ainda existir, em muitos casos, essa expectativa
(SARSUR; PEDROSA; SANT’ANNA, 2003). A reação do jovem executivo é cada vez mais
a de se orientar pela construção do sucesso da sua carreira, e não do sucesso da empresa,
caminhos estes, então, que não estão necessariamente correlacionados (DUTRA, 2001).
Entretanto, não discordando desse posicionamento, Schirato (2006) observou que o
discurso típico desses jovens é a declamação constante sobre a importância da empresa em
que trabalham. Simbolicamente, a autora identifica que esse traço surge, fortemente, no
orgulho que o jovem executivo passa a ter de “sua” empresa como a maior, a melhor do
segmento, a que está entre as melhores para se trabalhar, a que exporta tecnologia.
Ao fazer parte da organização, o importante é a satisfação pessoal e o próprio projeto
de vida, dentro e fora da organização. Entretanto, com uma hierarquia organizacional enxuta,
há poucas vagas. E elas já estariam, então, destinadas àqueles que têm um projeto de vida de
serem os melhores dentre os melhores (SCHIRATO, 2006). Diante da diminuição da
perspectiva de crescimento na carreira, Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) trazem a fala
de um CEO que disse sentir que os executivos mais jovens estão sob o estresse do funil de
possibilidades de ascensão no atual mercado, cada vez mais apertado. Para esse CEO,
presidente de uma grande empresa, a pessoa que entrou na companhia na década de 1990
tinha uma possibilidade em 14 mil de chegar à presidência, e, em 2007, essa relação era de
uma em 180 mil. Esse funil, cada vez mais estreito, é um fator que mina o sentimento de
pertencimento do executivo à empresa (SOLOMAN, 1994).
Apesar desses profissionais se queixarem muito da alta carga de trabalho, com o
número excessivo de horas dedicado à organização e de perceberem mais do que os seniores
os prejuízos causados à sua vida pessoal (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE,
2007), os jovens executivos se encontram em um ciclo ideológico de obediência e submissão
que impede a expressão de seus desejos e vontades individuais (BULGACOV; TOLEDO,
2004).
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As empresas, por um lado, propõem um mundo de sonhos aos jovens executivos,
permeado pela possibilidade da ascensão meteórica na carreira, por outro, indicam o altíssimo
retorno esperado. Pesquisa de Toledo (2006) indica que o jovem executivo tem que estar
disposto a interiorizar os valores, a aderir aos objetivos da organização e enfrentar as adversas
situações em um ambiente organizacional onde, para alcançar o sucesso, tanto ônus quanto
bônus estão no superlativo.
Eis um ponto crítico, posto que não é possível falar em prazer no trabalho quando ele é
realizado a partir de uma agenda estranha ao sujeito (SCHIRATO, 2006). Ao tentar cumprir a
agenda organizacional, como visto, excessivamente intensa, estaria identificada uma
submissão e um desencontro entre os próprios desejos e o atendimento aos apelos vindos de
fora. Embora o adiamento do próprio desejo seja categoria importante na vida humana, a
repressão constante do desejo, especialmente no mundo do trabalho, deságua em um elenco
de doenças físicas advindas de questões emocionais mal resolvidas (DEJOURS, 1996).
No entanto, como sugere a análise de Toledo (2006), os jovens executivos que não se
adaptam ou buscam equilibrar melhor a vida pessoal e profissional geralmente são excluídos.
É um mundo onde os “fracos” não têm vez (CARVALHO NETO et al., 2009). E soma-se a
esse dano os causados à própria saúde e integridade pessoal daqueles com quem convive
alguém com o nível baixo de satisfação pessoal. Citado por Schirato (2006), o alerta do Dr.
Pérsio Osório Nogueira, pesquisador que se dedica a investigar a questão psicológica na
empresa e os jovens executivos, a propósito de suas angústias e insatisfações, tem em seu
elenco manifestações psicossomáticas diversas, como alteração na pressão arterial, incidência
de moléstias infecciosas, variações nos índices de acidentes em geral, rotatividade no
trabalho. Observa também o uso de drogas, inclusive de ansiolíticos.
Mas, na gestão da “excelência”, prevalece a figura do líder organizacional como um
rei, um deus onipotente e capaz de levar a organização ao sucesso, como enfatiza Aktouf
(1995). E os jovens executivos são mais vulneráveis ao fascínio que oferece esse status,
seduzidos pelas novas posições que geram a sensação de onipotência, de ser um super-
homem, como observaram Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007). A concentração de
energia na carreira torna-o desinteressado por qualquer outra situação ou sentimento de sua
vida (MORIN, 1995; PAUCHANT, 1995), “reduzindo-a à aspiração, obtenção e aumento do
poder, de tal forma que ele é o poder e não o seu representante” (SCHIRATO, 2006, p. 52).
Chegar ao topo rapidamente, nas eferas mais altas do comando organizacional, ser
valorizado pelas organizações, ter o reconhecimento da família, dos amigos, do grupo social e
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profissional por ter alcançado o sucesso ainda jovem traz muita satisfação e potencializa o
orgulho pela ascensão na carreira (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
Evans e Bartolomé (1980) chamam a atenção para as adequações entre personalidade e
trabalho, apontando questões que influenciam essa satisfação e orgulho do executivo. A
coerência em gostar do que faz e ter orgulho do que faz é uma destas. Observaram os autores
que aqueles executivos que apresentam uma incerteza sobre suas competências em face das
exigências requeridas para fazer bem o seu trabalho desenvolvem uma sensação de
insegurança capaz de diminuir sua satisfação. Os autores exploram, ainda, a desarmonia
vivida pelo executivo quando este é orgulhoso do que faz, mas não gosta do que faz; ou
quando gosta e é competente para o que faz, mas não se sente orgulhoso do que faz. As
consequências geralmente são o sofrimento e o aumento da tensão, percebida pelas pessoas
com quem convive no trabalho e até mesmo fora dele8.
Identificada na pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), por um lado, a
condição física aparece como um aspecto positivo da idade jovem, ajudando a sustentar o
pesado ritmo de trabalho. Por outro lado, a diferença de expectativas em relação ao tempo
livre para outros prazeres e o seu grau de maturidade para lidar com os jogos políticos
aparecem trazendo reflexos negativos no nível de satisfação do jovem executivo. Muitas
vezes, os antagonismos entre jovens e seniores ocorrem e não raramente geram conflitos que
podem ser até negativos para a organização. De toda forma, torna-se interessante a “mistura”
entre jovens e seniores no topo da carreira executiva, a fim de possibilitar uma reação positiva
e iluminar a ação conjunta (CARVALHO NETO et al., 2009a; SOLOMAN, 1994).
Para Ostroff e Atwater (2003), o jovem executivo pertence a uma geração que possui
valores diferentes com relação aos da geração dos executivos maduros. Considerando mais o
prazer como sentimento incluído na escolha profissional, ele é levado a optar pela profissão
com que mais se identifica e a desenvolver uma atitude mais focada na sua carreira do que na
empresa, muitas vezes priorizando seus próprios interesses, sua empregabilidade e pesando
bem mais o custo e o benefício.
8 A percepção subjetiva da forma como o executivo sente que seu trabalho está invadindo sua vida fora do trabalho é chamada spillover. Evans e Bartolomé (1980, p. 16) distinguem quatro tipos de spillover: 1) emocional – é um tipo que influencia a energia do executivo para investir na vida privada: após um dia ruim de trabalho, o executivo retorna à casa depressivo; após um bom dia, retorna excitado e feliz; 2) físico – exausto, após um dia de trabalho estimulante, o executivo não dispõe de tempo e energia para uma vida privada ativa; 3) atitudinal, comportamental – com executivos vivenciando jogos de relacionamentos que dificultam expressar sentimentos e afeto e, de forma semelhante, essa prática se torna presente na relação familiar; e 4) existencial – tida como insidiosa por suas consequências na saúde psicológica individual do executivo, tem como expressão maior o impacto que o fracasso na carreira e a insatisfação no trabalho provocam na vida desse profissional.
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No que se refere ao fato do jovem executivo ser regido de forma mais preponderante
pela ética do prazer, Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) contribuem na compreensão do
significado dessa de tal ética para essa geração dos filhos da reengenharia e o contexto em que
ela foi criada; saíram da adolescência tardiamente, o que possibilitou a esses jovens
começarem a trabalhar e ganhar seu dinheiro ainda sem obrigações de sustento familiar. A
referência aqui é a uma classe econômica privilegiada, pois, em sua grande maioria, as
pessoas que ocupam tal posição nas empresas são representantes dessa classe.
A geração anterior, hoje sênior, teve o trabalho ocupando muito mais cedo um lugar
central nas suas vidas, relacionado com o papel de provedor da família, em uma época que o
trabalho duro, árduo, é que dava o significado e o lugar do indivíduo na sociedade,
especialmente para os homens. Como único e principal provedor da família, o indivíduo não
cogitava desistir de um trabalho, mesmo que este não lhe proporcionasse muito prazer. Afinal,
a ética subjacente era a ética do dever. A pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007) evidenciou esse ponto, tendo apontado que 41% dos cônjuges desses executivos, a
maioria mulheres, não trabalha, o que reforça a responsabilidade de ainda serem os homens
executivos de topo os provedores da família.
Tanto executivos jovens quanto seniores, mesmo com ações e intensidades diferentes,
se preocupam com a empregabilidade. O executivo sênior faz parte de uma geração que, em
sua maioria, trilhou o caminho profissional em uma única empresa. O mais jovem tenta focar
a construção de sua carreira, independentemente da empresa na qual está no momento, e esse
planejamento inclui a passagem por várias organizações (EVANS; BARTOLOMÉ, 1980).
Isso pode se refletir na prioridade que dá aos interesses pessoais de crescimento profissional,
mesmo que em detrimento dos interesses da organização, impactando na lealdade à empresa
(TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
Outra questão é a da mobilidade do executivo, isto é, a atração pelo mercado dos
profissionais já atuantes, o que no passado era raro. Atualmente, nas grandes organizações,
35% dos que estão nos mais altos cargos de direção têm até cinco anos de empresa
(TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007). Estudo realizado por Tanure, Evans e
Pucik (2006) revela que os jovens trainees têm a expectativa de ficar de dois a três anos na
mesma empresa, enquanto a direção das organizações espera que a permanência deles seja de
15 anos. No mínimo, esse desencontro revela que a empresa trabalha com uma lógica
diferente daquela dos jovens considerados “talentos”.
Se para os executivos mais maduros o tempo para reescrever sua vida parece pequeno,
para os mais jovens ele parece ser eterno. No entanto, a sedução do poder, as demandas
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entorpecedoras, a alta remuneração e outras compensações contribuem para o jovem não
pensar e agir de outra maneira. (TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007).
Verifica-se a existência de um sentimento de pressa exacerbado, inerente ao jovem executivo,
diferentemente do que se vê no de mais idade (CARDOSO, 2007). Estes tempos de culto à
rapidez em chegar ao topo induzem o indivíduo a inquietar-se, de tal modo que, aliada à
incerteza de um dia realmente atingir esse objetivo, gera nesse profissional uma propensão
maior a mudar de empresa, visando a um caminho mais curto para o sucesso (TANURE;
EVANS; PUCIK, 2006).
O passar dos anos gera maior experiência de vida, que pode aumentar o equilíbrio e
trazer uma atitude mais condescendente e mesmo mais positiva em relação às dificuldades no
ambiente de trabalho (DEMO, 2005). Porém, a pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007), ao mesmo tempo em que corrobora isto, identificou que, com o passar do tempo,
existe também o medo do executivo sênior de perder o status e a posição na empresa e não
encontrar a mesma posição para se recolocar. Tal sensação prepondera entre os executivos
casados e com filhos, o que se relaciona à responsabilidade com o futuro da família. Da
mesma forma, ser pai ou mãe pode aumentar a importância ou pressão sobre os mais jovens
para assumir de forma mais efetiva o papel familiar (MARTINS; EDDLESTON; VEIGA,
2002), o que tende a gerar tensão, pela falta de tempo para conciliar a vida profissional à
pessoal justamente quando os filhos pequenos e o cônjuge demandam mais atenção.
Geralmente, quando uma pessoa adia durante décadas a busca pelo equilíbrio, ao
tentar atingi-lo, a vida já tomou um rumo que torna o sucesso da empreitada muito
improvável. Embora os executivos seniores enxerguem a carreira de forma diferente, a busca
pelo equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal é um desejo tanto do mais jovem quanto
do mais experiente (MARTINS; EDDLESTON; VEIGA, 2002; TANURE; CARVALHO
NETO; ANDRADE, 2007).
Afinal, se se acredita que a vida não pode ser resumida em trabalho, por mais
importante que este seja, e que mais cedo ou mais tarde virão consequências negativas diante
de um possível desequilíbrio, em vez de adotar a máxima “nunca é tarde para aprender”,
deveria se aplicar a de “antes prevenir do que remediar” (DE MASI, 2000).
Melhor seria se, mesmo no auge da carreira, o jovem executivo se obrigasse a
conquistar um maior espaço para a vida pessoal, advertem Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007).
O jovem executivo herdeiro, a quem parece vital dar a continuidade ao legado que
recebe, precisa ter consciência que o sobrenome não é quesito suficiente para garantir que
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exercerá com qualidade suas atribuições para o jogo exigido para a liderança empresarial
(LODI, 1998). Para esse autor, é fundamental investir na formação e preparação para exercer
os papéis possíveis de acionista, conselheiro e/ou gestor. Além de dar continuidade ao
trabalho do fundador, o herdeiro deverá assimilar novas competências para adaptar-se às
mudanças de sua era. Para Lodi (1998), o herdeiro deve começar de baixo, planejando sua
ascendência circulando por diversas áreas da empresa, para que possa compreender o negócio
como um todo.
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3 METODOLOGIA
A metodologia pode ser entendida como o caminho seguido pelo pesquisador para
compreender seu objeto de estudo (DENZIN, 1977). Sob a perspectiva de Yin (1989), é uma
estratégia adequada para a condução de um trabalho científico. Sua função é orientar a coleta
de dados e os experimentos para assegurar uma articulação apropriada, com base teórica que
irá sustentar todo o processo de investigação. Dessa forma, segundo Demo (1995), ela não
pode ser vista como um elemento secundário pelo pesquisador. Ao contrário, ela é primordial
para a formação da personalidade científica, para o aprimoramento do espírito crítico e para a
delimitação do processo de pesquisa.
A qualidade de todo esse processo implica que o investigador exponha, em detalhes, a
metodologia e o delineamento dela, de forma que um avaliador ou um leitor deste estudo
possa apreciar e julgar se ela é adequada e faz sentido (GODOY, 2005). É o que se pretende
fazer em seguida ao Quadro 5 abaixo, onde é apresentada uma síntese da caracterização da
pesquisa.
Caracterização da pesquisa
Abordagem Tipo Método Técnica de Coleta de Dados
Técnica de Análise de
Dados
Qualitativa Descritiva Estudo de Caso Único
Entrevista semi-estruturada
Análise de Conteúdo
QUADRO 5: Síntese da caracterização da pesquisa Fonte: Elaborado por este pesquisador.
3.1 Estratégia e Método de Pesquisa - Caracterização da pesquisa
A fim de identificar, descrever e analisar a percepção de jovens executivos mineiros,
herdeiros, sobre o sucesso e a satisfação com o equilíbrio no investimento de energia e tempo
na vida profissional e na vida pessoal, adotou-se a abordagem qualitativa, operacionalizada a
partir de um estudo de caso único.
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Na abordagem qualitativa, vista como uma perspectiva estratégica para se
compreender o contexto social como um mundo de significados passível de indagação, e a
linguagem como o espaço de constituição desse contexto (EISENHARDT, 1989; YIN, 2001;
2005), parte-se de questionamentos mais amplos que vão se definindo ao longo do estudo.
Tendo em vista seus objetivos, esta pesquisa é classificada como descritiva, cujo
objetivo primordial é a descrição das características de determinadas populações ou
fenômenos, numa inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de
um contexto da vida real. Destacam-se também na pesquisa descritiva aquelas que visam
descrever características de grupos (idade, caso deste estudo), como também o levantamento
de opiniões, atitudes e crenças de uma população (DEMO, 2000; GIL, 2002).
O estudo de caso se caracteriza como um tipo de pesquisa cujo propósito fundamental
visa ao exame detalhado de um ambiente, de uma situação em particular (BRUYNE, 1982;
FACHIN, 2001; GODOY, 1995b; YIN, 1989). É um meio de organizar dados, preservando,
do objeto estudado, o seu caráter unitário (GOODE; HATT, 1979; GREENWOOD, 1973).
Sua utilização é recomendada quando o controle que o investigador tem sobre os eventos é
muito reduzido; ou quando o foco temporal está em fenômeno contemporâneo em contexto da
vida real (YIN, 1989). Também, devem estar presentes na pesquisa quatro características-
chave do estudo qualitativo: o interesse do pesquisador em compreender quais os significados
que os participantes atribuem ao fenômeno estudado; o pesquisador como o principal
instrumento de coleta e análise de dados; o processo de condução da pesquisa essencialmente
indutivo; e o resultado da pesquisa ser expresso por meio de um relato descritivo (MERRIAM
apud GODOY, 2005). No caso da pesquisa em que se baseou este estudo, todas essas
características do estudo de caso se aplicam. Notadamente, o estudo partiu da pesquisa
realizada por Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), procurando explorar os dados, as
informações e considerações trazidas por esses autores.
3.2 Unidades Empíricas de Análise – Sujeitos de Pesquisa
Como na escolha das unidades de análise, a escolha do método de estudo de caso
único é feita a partir das perguntas de pesquisa. Para o estudo de caso único, sua utilização
decorre quando representa um caso raro, decisivo para testar uma teoria, de caso
representativo ou típico, revelador, no qual o pesquisador observa um caso previamente
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56
inacessível, ou ainda, quando é um caso longitudinal estudado ao longo do tempo (YIN,
2005).
O método de estudo de caso único foi o escolhido para a presente pesquisa por ser
objeto singular de estudo sobre o qual se pretende aprofundar, e por apresentar oportunidades
de ensinamento e aprendizagem pelas informações sobre as experiências dos jovens
executivos herdeiros, de certa forma homogêneo, constituindo-se em caso unido enquanto
grupo, de modo que os resultados de pesquisa permitam auxiliar a outras organizações com
experiências semelhantes (YIN, 2005).
3.3 Descrição dos Sujeitos de Pesquisa
A organização escolhida para este estudo foi o Programa FIEMG Jovem, organizado
pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – FIEMG, para desenvolvimento de
novas lideranças. Seus membros são profissionais na faixa etária de 18 a 40 anos, ocupantes
de cargos diretivos de empresas associadas ou filiadas aos sindicatos das indústrias ligados à
FIEMG.
O regimento interno do Programa FIEMG Jovem estabelece o número máximo de 80
membros, sendo que, no momento da elaboração da pesquisa, seu quadro contava com 73
participantes ativos de 53 empresas.
Como mostra a TAB. 1 em seguida, no universo selecionado para a amostra, verifica-
se a predominância masculina, situação observada em outros estudos com foco no quadro de
gestores das organizações. O gênero feminino se apresenta presente em apenas 20,5%.
TABELA 1: Distribuição etária do FIEMG Jovem
Faixa Etária Frequência Total % Frequência
Masculina % Frequência Feminina %
18 a 24 13 18 13 18 0 25 a 29 25 34 17 23 8 11 30 a 34 19 26 15 20 4 5 35 a 39 14 19 11 15 3 4 + de 40 2 3 2 3 0 Total 73 58 79,5 15 20,5
Fonte: FIEMG - Relação de Membros Ativos do Conselho FIEMG Jovem –2007
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Considerado adequado o universo para pesquisa, a escolha intencional do objeto
empírico se deu por razões que convergem para o entendimento do fenômeno em estudo.
Dentre elas, destaca-se o fato de a entidade FIEMG congregar profissionais em papel de
destaque no cenário estadual de liderança empresarial. Isto exerce algum fascínio sobre seus
participantes e concede-lhes a possibilidade de gozar da imagem e da reputação dessa
entidade.
Além disso, o disponível acesso aos membros do grupo foi relevante para a condução
e conclusão da pesquisa, minimizando a criticidade que esse fator representa na obtenção de
dados representativos para a estratégia e o método de pesquisa adotado (YIN, 2001, 2005).
Na amostra de entrevistados, constituída por 15 jovens executivos, foram selecionados
12 homens (80,0%) e 3 mulheres (20,0%), com idades entre 24 e 38 anos na ocasião da
pesquisa, realizada entre fevereiro e agosto de 2009. A faixa etária de 30 a 34 anos concentrou
o maior número de entrevistados. A TAB. 2, a seguir, apresenta esses dados.
TABELA 2: Distribuição etária dos entrevistados
Faixa Etária Frequência Total
Frequência Masculina % Frequência
Feminina %
18 a 24 1 1 0 25 a 29 4 3 1 30 a 34 7 6 1 35 a 40 3 2 1 Total 15 12 80,0 3 20,0
Fonte: Dados da Pesquisa
Com a prosperidade dos negócios, ora sucedendo a atividade inicial, ora estimulando
negócio complementar ou novo, como o caso dos dois entrevistados mais jovens, o filho do
dono atua na empresa como executivo no papel de comando geral do empreendimento ou de
uma área específica.
Essencialmente, as empresas onde os jovens executivos dedicam seu tempo para a
carreira como profissional foram fundadas há 25 anos ou mais pela geração dos pais ou dos
avós dos entrevistados.
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O Quadro 6 a seguir apresenta informações sobre a caracterização das empresas dos
entrevistados.
Setores Número de Empresas
conforme o número de empregados
Tempo de exis tência das empresas
até 49 6 até 5 anos 1
de 50 a 99 2 de 6 a 10 anos 1
de 100 a 499 5 de 20 a 24 2
Indústria Alimentos Indústria Borracha Indústria de Calçados Indústria Extrativa Indústria Mecânica (3) Indústria Química Indústria Têxtil (4) Serviços Comunicação Serviços de Locação de Equips. / Serviços - Jurídico Serviços Soluções TI acima de 500 2 acima de 26 anos 11
QUADRO 6: Caracterização das empresas dos entrevistados Fonte: Dados da pesquisa.
3.4 Estratégia de Coleta de Dados
A coleta de dados em pesquisa qualitativa tem como objetivo a compreensão do
fenômeno a ser estudado (GODOY, 1995a). O que se busca é a profundidade da informação
por meio do processo de descoberta que proporciona uma descrição indutiva dos dados,
diferentemente da coleta dos dados em pesquisa quantitativa que se dá através da
quantificação ou numeração, sendo seu objetivo atingir a representatividade dos dados com
uma grande amostra (BONOMA, 1985).
A coleta de dados em um bom estudo de caso se dá de forma mais flexível e permite
ao pesquisador fazer ajustes e mudanças devidamente documentadas ao longo do processo, o
que lhe requer conhecer com profundidade o que está estudando e habilidades e capacidade de
apreender informações livres de preconceitos (EISENHARDT, 1989; GASKELL, 2002).
Entre as diversas técnicas adequadas à abordagem qualitativa, apontadas por
Eisenhardt (1989), Soy (1997) e Yin (2005), neste trabalho utilizaram-se entrevistas semi-
estruturadas. De acordo com Triviños (1987) e Gaskell (2002), a entrevista semi-estruturada
tem como características questionamentos básicos apoiados em teorias e hipóteses que se
relacionam ao tema de pesquisa. Como recomendam Gaskell (2002), Creswell (2003) e Soy
(2005), os dados foram armazenados e estiveram disponíveis ao longo do estudo para serem
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recuperados e reexaminados, tendo sido organizados como forma de auxiliar na categorização
e manutenção do propósito da pesquisa (SOY, 1997).
O questionário e os dados da pesquisa mista quali-quantitativa de Tanure, Carvalho
Neto e Andrade (2007), que lhes serviram para o estudo das percepções dos executivos sobre
carreira, sucesso, felicidade e estresse, serviram ao autor do presente estudo como elementos
fundamentais na constituição do roteiro de entrevista e formulação das perguntas-guia desta
pesquisa.
As entrevistas aconteceram predominantemente no local de trabalho dos entrevistados,
em Belo Horizonte e Contagem, entre fevereiro e agosto de 2009, mediante o aceite de
participação. Categorizada e organizada ao redor da percepção de sucesso e satisfação do
jovem executivo, a entrevista investigou as referências de sucesso e de realização profissional,
as demandas da carreira, as fontes de tensão na carreira e no papel executivo que influenciam
na percepção de satisfação do jovem executivo. Também, investigaram-se as demandas da
vida pessoal a que se entrega de livre e espontânea vontade para repouso, diversão ou
entretenimento após cumprir tarefas profissionais, familiares e sociais, conceituadas como
lazer, por Dumazedier (1979). Ainda, atentou-se para identificar as estratégias de articulação
para balanceamento na dedicação aos diversos papéis sociais.
Foi garantido a todos os entrevistados que os dados seriam tratados sem que houvesse
identificação pessoal ou da organização onde atuam.
3.5 Estratégia de Análise dos Dados
A etapa da análise dos dados é uma das fases mais complexas e menos codificada de
uma pesquisa qualitativa (EISENHARDT, 1989). Entretanto, vista como sendo de importante
utilidade e proveito ao pesquisador por facilitar o processo de leitura e a sempre necessária
releitura do texto na evolução da análise e da interpretação, é sugerida a operação de
organizar os dados em classes por meio de símbolos individuais e a codificação dos dados no
desenvolvimento da análise qualitativa (GILL, 2002; GOODE; HATT, 1973). Ainda, diante
da mencionada complexidade, é exigido do pesquisador um maior domínio da metodologia de
análise de conteúdo (BAUER, 2002; SOY, 1997).
Não sendo um processo mecânico e sem que se possa apontar um método que seja
melhor (GASKELL, 2002), a análise partiu da transcrição das gravações das entrevistas
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60
realizadas pelo autor da pesquisa. Ela tem por objetivo procurar sentidos e compreensão;
depende de intuições criativas e, em essência, na imersão do próprio pesquisador no corpus
do texto, exigindo-lhe tempo e esforço na procura por temas e conteúdos comuns pelas
funções desses temas, indo além dos dados (GASKELL, 2002).
Os passos genéricos que envolvem o processo de análise de dados são: a organização e
preparação dos dados para a análise; a construção de uma matriz com objetivos e finalidades
da pesquisa, colocados como tema no título das colunas e o que cada entrevistado diz, como
se fossem linhas, juntando as respostas de modo acessível; a leitura dos dados, obtendo um
entendimento geral sobre a informação para uma primeira reflexão, acrescentando notas e
interpretações preliminares; esforço em descobrir um referencial mais amplo, que vá além dos
detalhes particulares; procura por padrões e conexões entre os dados; busca de contradições; a
descoberta de como os atributos e opiniões se desenvolvem na pesquisa; e a procura de
racionalizações clássicas. O último passo contempla a elaboração de uma interpretação a
respeito dos dados, em que devem estar representados os aprendizados obtidos e se as
descobertas confirmam ou não as informações (GASKELL, 2002; CRESWELL, 2003).
Na fase de análise, os pesquisadores categorizam, tabulam e recombinam dados para
comparar com as perguntas iniciais ou propósito do estudo, buscando constantemente as
evidências para os seus achados como precaução e auxílio para evitar conclusões prematuras
(YIN, 2005).
Para a análise do grande volume de dados textuais produzidos em uma pesquisa
qualitativa, utilizou-se de uma das técnicas mais tradicionais e usuais na análise de dados
assistemáticos, que é a análise de conteúdo. Para Berger e Luckmann (2006) e Bauer (2002), a
análise de conteúdo seria uma visão interpretativa da realidade do ponto de vista dos
indivíduos em estudo ou, como mencionam Laville e Dione (1999, p. 216), constitui “[...] um
conjunto de vias possíveis nem sempre balizadas, para a revelação [...] do sentido de seu
conteúdo”. A análise de conteúdo procura representar o conhecimento não apenas por seus
elementos, mas também por suas relações. A fundamentação usada nos materiais pesquisados
e a sua congruência com a teoria do pesquisador à luz do objetivo da pesquisa referendam a
validade da análise de conteúdo (BAUER, 2002).
A descrição dos passos seguidos pelo pesquisador para se chegar aos resultados do
estudo apóia o aprimoramento e a credibilidade das descobertas, e a transparência e o
detalhamento das informações apresentadas devem sustentar a reconstrução do processo por
um outro pesquisador (BAUER, 2002).
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O Quadro 7 em seguida. Identifica as categorias de análise que organizaram os dados a
partir do Roteiro de Entrevista.
Roteiro de entrevista categorizado conforme temática de investigação e análise
Temática de Investigação e Análise Tópicos Guia
O Impulso para o Poder / Prisioneiros de uma herança / Condenados a vencer
As referências de sucesso e a percepção de realização profissional.
– Qual a profissão do seu pai? – Indique uma pessoa que é uma referência de sucesso para você. Por quê? – O que significa “ser uma pessoa de sucesso” para você? O que é ser bem-
sucedido? – O que significa para você realização profissional? Você se sente realizado
profissionalmente? Se não, o que lhe falta? O Impulso ao Trabalho
As demandas da carreira. Realizações, singularidades e transformações no trabalho dos jovens executivos.
– Descreva objetivamente a sua rotina de trabalho. O que faz? – Nessa rotina de trabalho, o que considera mais fácil? (prazer) E o que considera
mais difícil, que o chateia? (sofrimento). – Em relação a sua carreira, o que ela lhe exige mais? – A carga de trabalho é adequada? Muita? Pouca? Por quê? Você está satisfeito com
ela? – Quantas horas em média você trabalha por dia útil? Quando chega? Quando sai? – Você viaja a trabalho? Para onde? Quantos dias você passa fora de casa por
semana, em média? – Você trabalha em finais de semana? Você atende celular ou acessa e-mail fora do
horário normal de trabalho? Muito? Quanto? (Identificar se dedica tempo em atividades profissionais não relacionadas a sua ocupação principal)
Realidades do estresse profissional dos executivos
O papel do Executivo e suas fontes de tensão.
– Como as tensões do trabalho se manifestam em você? A tarefa; a carga de trabalho; os papéis organizacionais; as relações interpessoais; a carreira; entre a carreira e a vida privada; as relações com os outros; a organização; o clima organizacional; o contexto global/social/econômico.
– Quando está passando por um momento de muita tensão, como você normalmente reage? Que elementos utiliza ou são percebidos como mediadores do estresse: a própria pessoa, apoio social, a carreira e o ciclo de vida.
Articulando as demandas da vida profissional e da vida pessoal
As demandas da vida pessoal e a percepção de satisfação
– Você separa um tempo determinado para estar com a família / namorado (a)? Quanto tempo?
– Quando não está trabalhando, o que costuma fazer? Você se desliga das demandas da vida profissional? Como? (Investigar hábitos diversos e grau de satisfação)
– Quando você tirou férias pela última vez? O que fez? – Você está satisfeito com seu tempo para se dedicar ao não-trabalho? – Você dorme bem? Quantas horas em média por noite? Faz uso de algum
medicamento? Qual? – O que significa para você qualidade de vida no trabalho? – Você considera ter qualidade de vida em seu trabalho? Por quê?
QUADRO 7: Roteiro de entrevista categorizado Fonte: Elaborado por este pesquisador, 2009, com base no questionário de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007).
Em sequência, estará apresentada a análise dos resultados, com o perfil dos sujeitos de
pesquisa e os demais conhecimentos pertinentes ao capítulo.
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4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1 Perfil dos jovens executivos entrevistados
Considerando que o fator idade já estava delimitado dentro do universo, o critério para
a escolha dos executivos foi selecionar aqueles que já ocupavam posições no alto escalão das
empresas com poder de decisão sobre as pessoas e as políticas da organização. Os cargos
exercidos pelos participantes da amostra eram gerentes, diretores e presidentes de empresa,
conforme a TAB. 3 abaixo. Quase todos os entrevistados, além de diretores executivos das
empresas, eram donos do negócio.
TABELA 3: Cargo de atuação na empresa
Cargo Frequencia Presidente 1 Diretor 11 Gerente 3
Total 15 Fonte: Dados da pesquisa
Todos os entrevistados disseram exercer responsabilidades abrangentes para políticas e
ações das empresas no território nacional. Alguns são responsáveis por atividades na América
Latina, e outros ainda para negócios em outros continentes.
A área de responsabilidade direta do jovem executivo está representada na TAB. 4.
Todavia, esses profissionais interagem dentro de suas empresas e se ocupam de diversas
atribuições.
TABELA 4: Área de responsabilidade direta na empresa
Área de Responsabilidade Frequência Geral 3 Administrativa 2 Finanças 4 Comercial 4 Outros – Especialista, Produção 2
Total 15 Fonte: Dados da pesquisa
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63
Vários dos entrevistados ocupavam funções e atividades ordinárias em grupos técnicos
ou de identidade político-social. Alguns eram membros de conselho de ética empresarial, de
conselho de governança da holding empresarial, outros, membros de diretoria de sindicato
patronal e/ou associação nacional do setor empresarial. Alguns desses jovens executivos
narraram que participam ativamente em quatro ou mais grupos, com relato de um deles de
exercer até 13 posições em diversas entidades. Oito deles relataram participar, no momento,
além do cargo na empresa, apenas do FIEMG Jovem.
Em geral, os depoentes manifestaram que estiveram livres para a escolha da carreira
profissional e para o curso de graduação superior. Também, relataram ter recebido incentivos
(familiares) para uma formação que não fosse necessariamente aquela do pai, tendo sido a
Engenharia a graduação da maioria destes. Como exposto na TAB. 5, o curso de
Administração se apresentou como o de maior frequência na primeira escolha de graduação
dos entrevistados. Esse dado indica a possível influência do interesse em instrumentos
objetivos ou técnicos que subsidiassem o futuro papel executivo.
TABELA 5: Curso de primeira graduação superior dos entrevistados
Área de Formação 1ª Graduação Freqüência Administração 9 Direito 3 Outros 3
Total 15 Fonte: Dados da pesquisa
Foi identificada uma percepção diferenciada daquela apontada por Evans e Bartolomé
(1980). Os resultados da pesquisa realizada por esses autores apontaram que é a partir dos 42
anos que os executivos deixam de se dedicar exclusivamente às suas carreiras e passam a se
preocupar também com a família. Todavia, os relatos da presente pesquisa, realizada com
executivos no limite etário de 40 anos, indicam que a preocupação com os laços familiares e
sociais é uma condição do jovem executivo herdeiro. Na amostra, essa percepção esteve
presente tanto no mais jovem entrevistado, de 24 anos, até no mais velho, de 38 anos. Nos
primeiros (24 anos), os laços estão ligados aos pais, os demais, à esposa e/ou filhos. E eles
têm dedicado tempo e energia para desenvolver e manter essa dimensão da vida, evidenciando
satisfação com o equilíbrio praticado na articulação das demandas entre vida profissional e
pessoal. Da mesma forma, na amostra, essa percepção de satisfação esteve presente entre os
entrevistados que declararam manter uma união estável (6) e aqueles em situação
desimpedida (9), e entre a condição de terem filhos (5) ou não (10).
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Via de regra, os papéis de cônjuge e de pai/mãe exigem uma dedicação acentuada. De
forma interessante, os jovens executivos deixaram claro que vêm exercendo esses papéis,
especialmente o de pai, de forma mais intensa, como evidenciam os relatos seguintes: “Zero,
nunca (trabalha no fim de semana). Minha política, que não abro mão. Fim de semana é com a
família. Nem atendo a telefone ou acesso e-mail.”. Outro depoente, sobre separação de tempo
para estar com a família, respondeu: “Separo sim. Na escola dos meus filhos estou presente
em 90% dos eventos. Nos finais de semana também estou sempre com eles”.
Entre aqueles que não têm união estável, o relato a seguir de um entrevistado de 28
anos expressa o cuidado com a questão do convívio familiar: “queria ter mais (tempo com a
família). Encontro diariamente com meus pais; tenho meu apartamento, mas prefiro ficar com
eles, para ter companhia, encontrar sempre, aproveitar essa oportunidade”. O fato de ser bem
jovem influencia na relação próxima com os pais, mas o propósito de ficar mais com eles
surgiu de forma semelhante em mais de um depoimento. Pertencer a uma classe econômica
privilegiada contribui para que não se incomodem em morar com os pais e usufruir da
infraestrutura à sua disposição. É um comportamento, desses jovens executivos, herdeiros,
que se contextualiza nas características e valores que conceituais da ética do prazer.
4.2 O impulso ao poder: as referências de sucesso e a percepção de realização
profissional
Predomina, entre os jovens executivos dessa amostra, a referência a um membro da
família ou a um profissional de relacionamento muito próximo como símbolo de imagem e
reputação de uma pessoa de sucesso: pessoas de valores e princípios éticos admiráveis,
empresário, empreendedor, pai. Ser bem-sucedido para esse jovem executivo é a conquista de
algo íntimo, individual. É manter a dedicação, a persistência, a vontade e a abnegação em
cumprir uma missão em sua jornada de vida. Na maioria dos relatos, o sucesso de quem “saiu
do nada” é central nos motivos da admiração que lhe deposita. Ter o pai e a mãe como
maiores inspiradores do modelo de liderança e da formação de seus valores é uma
característica dos executivos presidentes das grandes empresas na pesquisa de Tanure,
Carvalho Neto e Andrade (2007). Ainda, acreditam esses presidentes que a difícil história de
vida é que lhes trouxe garra para lutar e não se dar por vencidos facilmente.
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Os jovens executivos sujeitos dessa pesquisa apresentam uma característica distinta:
antes de se tornarem sócios, acionistas ou donos do próprio negócio, são filhos dos donos. É
uma característica que os desenquadra do perfil de executivos assalariados das pesquisas
apontadas no capítulo do referencial teórico, que apresentam no curriculum vitae a
experiência da troca ou perda do emprego e, em algumas ocasiões, ficam muito preocupados
em perder a posição que ocupam.
No relato dos entrevistados, a carreira e a conquista de postos elevados na organização
é vista como um processo quase dado, não uma meta a que se dediquem prioritariamente. Eles
aparentemente não estabelecem a posição no topo como um alvo, como um lugar ao sol que
precisam atingir. Comprometidos com suas responsabilidades e com a empresa, relataram que
não estão dispostos a sacrificar sua vida pessoal pelo crescimento profissional. Possivelmente,
como filhos dos donos, parecem vivenciar uma situação de expectativa de direito ou uma
tutela antecipada do “trono”. É uma postura mais contemplativa do Olimpo empresarial, sem
uma postura de competição desenfreada e apressada para assumir os desafios de estar à frente
da organização. Essa característica os aproxima do comportamento identificado entre os
executivos seniores da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007).
Essa característica identificada entre os entrevistados os distancia dos achados entre os
jovens executivos da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), que são
caracterizados por uma orientação para a construção do sucesso na carreira na grande
empresa, estando mais dispostos a sacrificar sua vida pessoal pelo progresso profissional,
desejando conquistar posições elevadas o mais rápido possível.
Sem sentir pressão de falta de perspectiva ou do limitado espaço de crescimento na
empresa, os entrevistados não sofrem como os jovens executivos tradicionais (assalariados)
ou os executivos seniores, que têm seu sentimento de pertencimento à empresa minado pela
espera de oportunidades. O fato de serem grandes, médias e até pequenas empresas que estes
jovens entrevistados já dirigem e onde virão assumir o cargo principal algum dia não deixa de
ter influência nesta atitude mais tranquila de procurar preservar sua vida pessoal, já que o
cenário está de certa forma dado, o papel esperado de ocupar o lugar do pai, pré-determinado.
Em seus depoimentos, os jovens executivos relataram que estiveram envolvidos no
passado recente com mudanças radicais ou incrementais. Entretanto, a percepção deixada é
que suas empresas não estão sob transformações substanciais em suas estruturas. Sem
vivenciarem esse processo no momento, não apresentaram atitudes e sensações relacionadas à
tensão e ao estresse decorrentes desse fator.
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Como resultado da investigação sobre a percepção de manifestações físicas,
comportamentais ou psicológicas que o executivo apresenta em momentos de tensão (dor de
cabeça por tensão ou dor nos músculos do pescoço e ombros; redução do apetite; tremores
musculares nos olhos, boca ou mãos; dormência pelo corpo; angústia; ansiedade), os
depoimentos deixaram claro que, quando ocorrem essas manifestações, sua presença se dá de
forma branda, com pouca intensidade e frequência, não se instalando como uma sensação
crônica. A alteração no hábito alimentar (comer mais) surgiu como o fator preponderante
quanto estão diante de situações mais tensas, com consequências na alteração do peso.
4.3 O impulso ao trabalho: dedicado sim, workaholic não
Comprometidos “até o sangue” com a empresa, os jovens executivos entrevistados
lidam com os desafios das 24 horas do dia e dos sete dias da semana de forma diferente dos
executivos identificados nos dados apontados por outras pesquisas. Para os autores Tanure,
Carvalho Neto e Andrade (2007), no Brasil, cultua-se o workaholic. Como visto no
referencial teórico, o executivo partilha valores com seu grupo social, como esse modelo de
cultura para se alcançar o sucesso profissional, alicerçada na centralidade da carreira, no
predomínio do tempo de trabalho sobre o tempo de não-trabalho.
Entretanto, informação recorrente nos relatos indica que os jovens executivos,
herdeiros que são, não “viram a noite trabalhando” e não trabalham durante os finais de
semana, a menos que seja uma necessidade extraordinária e fundamental. Esse dado se
confronta com o resultado encontrado na pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007), em que 40% dos executivos disseram trabalhar frequentemente nos finais de semana.
Ainda, os jovens executivos da presente pesquisa relataram não levar tarefas extraordinárias
para casa e, majoritariamente, declararam que conseguem se desligar do trabalho quando
estão com amigos ou familiares.
Ficou aparente uma preocupação em não dedicar a maior parte do tempo e quase toda
a energia para o trabalho. Sem se demonstrarem seduzidos pelo comando, pela perspectiva de
que sabem que um dia será deles, ou já o é, por direito de herança, com suas demandas
entorpecedoras que exigem agressividade e elevado nível de ambição, apontam para um
diferente contrato: uma devoção hereditária. Condenados a vencer, deixam indicativos de um
sentimento de que são prisioneiros da obra do predecessor e o sentido está em dar
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continuidade na sua conquista. É o papel esperado desde muito jovens pelo pai, família e
círculo social.
Afirmando trabalhar frequentemente em torno de dez horas por dia, sua dedicação em
atividades de trabalho não surge como investimento de maior tempo e energia, afastando a
condição da demasiada importância a essa dimensão e a abdicação de outros aspectos sociais
em sua vida. Foram obtidas declarações que evidenciaram um amadurecimento desse jovem
executivo para lidar e articular essas demandas da organização e do papel executivo. Entre
elas, tem-se: “Eu tenho um limite, inclusive de horário de sair... eu me dedico muito, mas a
minha vida não é em função do meu trabalho”.
Em relação às férias, os relatos indicam que não há regularidade em tirar um período
longo. Predomina, entre os entrevistados, usufruir fins de semana prolongados por feriados
mais de uma vez durante o ano. Relataram que, em tempos pretéritos não muito distantes,
afastar-se da empresa por motivo de férias causava mais tensão do que a pressão normal da
função.
Todavia, assumiram que, atualmente, lidam melhor com a situação e reconhecem que
estão gozando dos benefícios do descanso das férias, como aponta o relato a seguir:
“...recarregar as baterias é fundamental para uma produção mais qualitativa e obtenção de
melhores resultados. Eu ‘vi’ isso nas férias do ano passado. Tirei quase vinte dias com a
família (mulher e filhos) na Disney e, quando voltei, voltei muito melhor”.
É curioso notar que as férias clássicas de 30 dias começam a ficar distantes até do
imaginário desses jovens. Neste aspecto, a pesquisa coincide com a pesquisa de Tanure,
Carvalho Neto e Andrade (2007) com os executivos em geral.
De toda forma, os depoimentos, em sua maioria, apresentaram evidências de que
pensar persistente e frequentemente no trabalho não é uma constante na vida dos jovens
executivos. Em momentos de dedicação a atividades de não-trabalho, como lazer ou
compromissos familiares, manifestaram que conseguem se desligar, se distanciar da
preocupação com o dia a dia dos assuntos relacionados ao trabalho. Foram registrados
depoimentos tais como: “Eu me pego pensando em trabalho. Algumas vezes o problema me
acompanha, quando deixei algo sem resolver. Mas isso não é sempre. Consigo esperar o
próximo dia”; e “Sei que os executivos, de forma geral, passam muito tempo dentro da
empresa, e quando vão para casa não desligam. É isso que está acabando com os casamentos e
com a saúde deles. Eu cuido de mim”. Entre os depoentes, apenas um relatou que não
consegue se desligar dos problemas do trabalho mesmo quando não está trabalhando.
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Quanto à investigação sobre o referencial de sucesso, as declarações foram de
reconhecimento da importância de prosperar e de manter o ânimo em relação a novas
conquistas profissionais. Para os executivos mais jovens dessa amostra, “um indivíduo sem
ambição é um indivíduo sem futuro”. Entretanto, também foram unânimes em identificar ser
necessário dosar o nível de ambição profissional, por reconhecê-la como uma força capaz de
comprometer a qualidade das escolhas. Eles deixaram mostras de que lidam com a questão da
ambição com certa tranquilidade, declarando que não estão dispostos a comprometer a
disponibilidade para sua vida pessoal. Na percepção dos entrevistados, o tempo e a energia
dedicados às demandas do trabalho “é o que é razoavelmente esperado para o cargo (que
ocupa), dentro do que é preciso ganhar para atender às suas necessidades (econômicas)
básicas”. Possivelmente, o “berço”, a herança da empresa, já lhe proporcionou um ponto de
partida de expectativas e conquistas atendidas, que torna mais serena a sua forma de lidar com
desejos e necessidades materiais.
Diante da centralidade e do excesso de trabalho, situação abordada no referencial
como uma constante entre as diversas pesquisas sobre o assunto, os relatos dos entrevistados
apontam o exercício de ações efetivas de articulação e controle para limitar a invasão das
demandas profissionais sobre o tempo e a energia dedicados à dimensão pessoal. São
posicionamentos que diferem daqueles trazidos pela grande maioria dos executivos da
pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) e, também, dos gestores presentes na
pesquisa de Serva e Ferreira (2004), no estudo em que discutem o fenômeno do workaholic.
Os jovens executivos da presente pesquisa, majoritariamente, afirmaram não terem
queixas quanto à carga de trabalho a que estão submetidos naquele momento, não percebendo
uma condição de excesso. Em suas narrativas, os entrevistados assumem sentir-se em
condições de administrar as demandas por energia e tempo de dedicação a essa dimensão sem
que isso venha a prejudicar sua carreira. É verdade, entretanto, que o depoimento de diversos
deles deixou evidências de que, em um passado recente, atravessaram situações críticas no
âmbito da saúde pessoal em decorrência do excesso de trabalho. É contundente o depoimento
a seguir sobre a vivência de situações de impacto e estresse com o trabalho, como o que
segue: “Ah! se eu estivesse respondendo a essa pesquisa há três anos atrás, eu diria que a
carga de trabalho era demais, insuportável. Que eu não dormia e que minha vida ia explodir.
Aí eu mudei. Parei de ficar fora do horário (regular de trabalho), estou descansando mais,
ficando com minha família, mas estou melhor no dia-a-dia, no relacionamento, nas decisões.
E estou produzindo mais”. Recorrente nos depoimentos dos jovens executivos herdeiros, essa
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determinação para articular o tempo para dedicar a cada dimensão da vida parece significar
uma guinada em relação à prática dos executivos de carreira e seniores.
Ao se investigar sobre a possível necessidade de estar no controle e dominar o
ambiente, os relatos indicam que os jovens executivos apresentam reconhecimento e
compreensão sobre o elevado nível de incertezas e de influências gerais e diversas vezes
incontroláveis que inibem o pleno êxito ou levam ao fracasso em projetos ou negócios.
Embora seja motivo de insatisfação por afetar os resultados, os jovens executivos não sentem
ânsia ou angústia com as limitações de controle dedicados a buscar resultados determinantes
para o sucesso no negócio. Destaca-se, nesse ponto, a percepção de uma insatisfação com
mudanças legais consideradas pouco estimuladoras para o meio produtivo, com as contínuas
fiscalizações, mudança de tributos e outras avenças que envolvem os poderes público
executivos, legislativos e o mundo dos negócios.
Os jovens executivos entrevistados assumiram ter como característica um espírito
competitivo que os habilita a atuar e assumir o vínculo entre a força do cargo e as regras do
jogo de mercado. Entretanto, é preciso ressalvar que está mais presente o sentimento de
preservação e prosperidade do negócio que herdaram, e não o impulso competitivo presente
nos executivos das grandes empresas diante da pirâmide de poder na qual querem subir, pois
os espaços são limitados.
Nos achados da pesquisa de Serva e Ferreira (2004) e Tanure, Carvalho Neto e
Andrade (2007), o executivo que procura o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal
geralmente é excluído do ambiente. No referencial teórico, foi explorada a percepção sobre as
organizações servirem para sonhos, frustrações, expectativas e desejos desses profissionais,
altos executivos, ocupando a referência e o impulso para sua autorrealização como sujeito.
Inclusive, a realização, o prestígio, o reconhecimento e o poder se apresentam com maior peso
do que a remuneração financeira.
Na presente pesquisa, os entrevistados relataram que se preocupam em serem
percebidos pelo comprometimento e pela dedicação ao negócio. Entretanto, não conectam
essa imagem à necessidade de estarem compartilhando valores e ideais consoantes aos
modelos de dedicação exclusiva ao trabalho. Para eles, sucesso está vinculado aos resultados
apresentados, e não ao cumprimento de comportamentos rotulados, como o de um
workaholic.
Discutida no referencial teórico, a literatura apresenta o entendimento de que o jovem
executivo, de uma forma geral, deixa de se pertencer para se doar à organização ao assumir o
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papel executivo. Ao admitir a representação desse papel social, passaria a depositar na
organização a fonte de sua realização e de reconhecimento, e desequilibra sua vida pessoal.
Essa situação seria uma das fontes de insatisfação, insegurança e ansiedade do executivo.
Nas declarações da presente pesquisa, os entrevistados assumiram um sentimento de
satisfação com o aprendizado profissional e o desenvolvimento pessoal adquirido na esfera da
organização. Mas essa troca não parece ser suficiente para fazer com que esses jovens
executivos aceitassem de forma natural o domínio da organização sobre suas vidas, que se
traduziria, inclusive, em horas excessivas dedicadas ao trabalho.
Com referências em parte da literatura, a maioria dos jovens executivos assalariados se
esquece de seus desejos e aspirações pessoais e se deixa levar pelas exigências profissionais.
Mesmo que o trabalho resulte em uma carga que afete sua saúde física e mental, o sujeito está
disposto a pagar o preço pelo reconhecimento. Ao abrir mão da família, do lazer, mudam sua
rotina e, em certo sentido, passam a pertencer às demandas do mercado e da organização, o
que gera implicações para o exercício de sua autonomia e para a sua identidade. Segundo o
discurso disseminado, a dedicação e o comprometimento por parte do jovem executivo
implicariam seu sucesso dentro da organização.
Na pesquisa, apreende-se que outros fatores influenciam de forma determinante o
caminho futuro do jovem executivo filho do dono. Observa-se, nessa forma, um paradoxo:
responsável direto pelo sucesso de sua carreira, a escolha do filho do dono é entre as
alternativas da provável ou não recusável sucessão. Sua escolha seria um sim ao
reconhecimento da necessidade de “suceder”, com um não interditado à escolha da vocação
pessoal para seguir em uma própria jornada. Esta tensão tem um peso considerável sobre
esses jovens. São herdeiros que sentem seu comportamento muito visado pelos pais, pela
família e pela sociedade. Sobre si mesmos, veem depositada grandes expectativas,
comparando-os com os próprios pais e esperando-se que, como filhos do dono, saibam
prosperar o império erguido pelos progenitores.
A fala de um deles é exemplar, como segue: “Queria ser físico, meu pai disse: Filho,
pensa bem...”. E continuou: “Ele (o pai) sai do negócio aos 47 anos. Foi fazer o que gostava...
Assumi o negócio e hoje me sinto realizado; não me vejo fazendo outra coisa”. Cabe destacar
que esse jovem executivo, herdeiro, conta em seu curriculum com formação em três
diferentes cursos superiores. Seria, talvez, o sinal de uma busca pela amplitude intelectual
associada ou não a uma inquietude diante do rumo que desejaria seguir inicialmente.
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Além desses aspectos, de um lado convivem com o sentimento de querer fazer parte
da empresa, sentem orgulho de ver o nome da família ligado a um negócio de sucesso. De
outro, têm consciência que, se optarem por uma carreira profissional fora do negócio familiar,
terão menos cobrança em relação ao seu desempenho, mas antecipam o sentimento de que
poderão mais tarde ser cobrados justamente por não assumirem um papel que lhes estava
destinado.
4.4 O papel do executivo: entre tensão e satisfação
Explorado no referencial teórico, as diversas pesquisas apresentam a natureza do
trabalho do executivo como origem potencial de tensão (TANURE; CARVALHO NETO;
ANDRADE, 2007).
Os executivos que já herdaram ou herdarão a empresa do pai são bem formados e bem
preparados, assim, para eles, a busca de formação acadêmica e a capacitação profissional são
percorridas sem as pressões de empregabilidade ou de mobilidade funcional.
Essa característica, comparada com os achados na amostra de Tanure, Carvalho Neto e
Andrade (2007), difere dos grupos de jovens executivos das grandes empresas que se
apresentam quase como compulsivos na dedicação a cursos e mais cursos. Vinculados ao
sentimento de competição e de destaque no meio empresarial, buscam constantemente uma
maior mobilidade e uma posição de atratividade perante o mercado de trabalho.
O curso de Administração aparece como escolha mais frequente na formação superior
entre os jovens executivos desta pesquisa. É uma escolha de formação interessante para ser
cotejada com a leitura de Mintzberg (1986) sobre o trabalho do executivo, exposta no Quadro
4 no referencial teórico, que classifica como folclore o Management ser ou estar se
transformando em ciência ou profissão. Parece haver um avanço dessa “formação em
gerenciamento” na percepção do jovem executivo como caminho para se capacitar como
profissional para o exercício do comando das organizações. Quanto à motivação dos jovens
executivos para a escolha, seus argumentos foram de buscar uma preparação generalista em
gestão e conhecer instrumentos que subsidiassem o exercício do papel de executivo. A fala de
um deles é interessante: “Não aprendi nada na faculdade (de Administração). Tudo o que
aprendi foi na pós (graduação, realizada no exterior)”. Entretanto, entre os que não optaram
pela formação em administração, o relato foi de ter sido influenciado pelo “pai” para uma
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formação diferenciada, como Direito, por exemplo, de forma a contribuir para um olhar
ampliado sobre o mundo, inclusive sobre os negócios.
Os dados revelam também que, embora tivessem a possibilidade de percorrer a
educação formal de nível superior e concluí-la antes de iniciar sua carreira profissional, esses
jovens executivos assumiram tarefas diversas dentro das empresas muito cedo. Essa condição
representa uma preparação para assumir o topo. Em sua maioria, eles tiveram que assumir a
posição de comando na empresa de forma antecipada, por algum fator não planejado
pessoalmente ou mesmo pela organização, como, por exemplo, a perda da condição física do
predecessor. Essa vivência, que pode ser classificada como uma mudança radical
(GHOSHAL; TANURE, 2004), deixou-os submetidos a momentos de aceleração do ritmo do
trabalho e sob impacto no grau de estresse, na satisfação e na percepção de desequilíbrio entre
vida pessoal e profissional.
No entanto, vários desses jovens executivos ainda contam com a condição de ter o
“alto comandante”, o pai, quase que de forma vitalícia no cargo superior da organização. Essa
estabilidade não é percebida pelo jovem executivo herdeiro como uma falta de oportunidade
de crescimento pessoal, e ainda serve para preservar sua resistência emocional e sua saúde
diante das mudanças profundas e constantes nas empresas. Destaca-se que, de acordo com
Tanure; Carvalho Neto e Andrade (2007), os executivos jovens e seniores das maiores
empresas pesquisadas pelos autores manifestaram serem as mudanças ocasionadas pelo dia-a-
dia organizacional uma fonte de tensão e de impactos traumáticos.
Os relatos do jovem executivo deixaram evidências da tensão com os tempos
estressantes, centrada na velocidade com que a organização teve de se transformar para
responder à competitividade dos mercados, elemento básico na atenção e esforço para
obtenção de vantagem competitiva e sobrevivência das organizações.
Um dos efeitos para o executivo nesses processos de mudança é o aumento das tarefas
e responsabilidades e do alto ritmo nos quais elas devem ser realizadas, aumentando a
sensação de estar sempre devendo (HUY; MINTZBERG, 2003).
Contudo, os dados coletados sobre essa sensação revelam que o jovem executivo que é
herdeiro de uma grande empresa está satisfeito com sua capacidade de lidar e articular suas
demandas profissionais. Eles declararam reconhecer seus limites pessoais diante da
dificuldade de conseguir apresentar todos os resultados para as demandas cada vez maiores e
mais complexas por parte das empresas, sem que isso se transformasse em insatisfação.
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Além disto, os relatos dos jovens executivos evidenciam uma diminuição da condição
de primazia dada à dedicação de tempo e energia à dimensão trabalho. Nessa condição, a
possibilidade de vivenciar mais intensamente as outras dimensões de sua vida pessoal
contribui para aumentar a sensação de satisfação.
Os jovens executivos da presente amostra não se sentem ameaçados pelo quadro de
mudanças, explorado no referencial teórico. É uma reação que difere da percepção dos
executivos da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto, Andrade (2007), em que a vivência de
mudanças radicais ou incrementais é um potencial de ampliação da sensação de dívida de que
ele sempre tem que fazer mais, pois, do contrário, estará fora do “jogo”.
Sem um clima de ameaça de desemprego e da necessidade de acelerar tanto seu
progresso no trabalho, surge um espaço que não lhe exige dedicação exclusiva na aptidão para
promoções e nem mesmo uma sujeição à sobrecarga de trabalho.
Sua sobrevivência como profissional o coloca com a mesma sensação de estar
condenado a vencer, porém não pelas mesmas razões dos outros executivos, que devem
apresentar resultados de produtividade recorde a cada dia, potencializando, mais uma vez, a
sensação de estar sempre devendo (FREITAS, 1998). O símbolo e o significado de sua
condenação e que desperta sua tensão não é o fantasma do desemprego, mas o desafio de
superar o sucesso do seu predecessor e dar continuidade a seu trabalho como sucessor do pai.
Para esse ponto, o jovem executivo desta amostra se apresenta muito mais como
prisioneiro de uma herança. Os depoimentos de vários deles, quando perguntados se
iniciariam um negócio próprio no mesmo setor em que estão atuando, são contundentes a esse
respeito, como o que segue: “...falei pro meu pai. Poxa, bem que você podia ter me deixado
um banco...”, e outro, que disse “...todos lá em casa já falaram: fecha o negócio, vamos mexer
com outra coisa”, e ainda, “...eu gostaria mesmo é de trabalhar com arquitetura e decoração.
Adoro. Meus amigos me pedem sempre para ajudá-los.... e faço isso nos fins de semana. Mas
não é trabalho não”.
A natureza do trabalho do executivo se apresenta também como fator que aumenta a
tensão em relação à sensação de estar sempre devendo. Por diferentes maneiras, os jovens
executivos entrevistados disseram se ocupar de atividades que se enquadram no modelo
prescritivo de Fayol (1990), contidas em planejar, organizar, dirigir, coordenar e controlar.
Também foram salientadas ações de facilitar a conciliação de posturas conflitantes, adaptar as
pessoas ao processo de cooperação, tomar decisões e incutir o senso de valores na
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organização, estando atento, por exemplo, em não incentivar o workaholic ou que seus
empregados vivam apenas a dimensão profissional, em detrimento da vida pessoal. Os relatos
indicam que os executivos se ocupam de um trabalho marcado pela elevada variedade de
tarefas, descontínuas e fragmentadas, e pelo envolvimento em múltiplos projetos. Esse
quadro, apontado por Mintzberg (1973), também apontado por Kotter (1982), esteve presente
nos estudos de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), e evidencia um jovem executivo
investindo grande parte do seu tempo integrando e interagindo com pessoas internas e
externas à empresa.
Entre os jovens executivos entrevistados, os relatos apresentam comprometimento
com atividades operativas diárias e uma elevada dificuldade de delegação. As justificativas
para tal são a necessidade de resultados e falta de pessoal qualificado nas competências
requeridas para auxiliá-los em seu papel de executivos.
Todavia, embora a declaração de gostar das tarefas de planejamento e de definição de
estratégias esteja presente na maioria dos relatos, os registros quanto às demandas e
exigências da carreira apontam para uma dedicação ostensiva às atividades diárias e
operacionais, sem a reserva de algum tempo maior para estarem sozinhos e dedicados ao
pensamento de temas estratégicos e de planejamento.
Foram recorrentes os relatos de uso sistemático de metodologias de gestão de projetos
e de planejamento de acompanhamento e avaliação de desempenho empresarial. Foi
identificado o uso de ferramentas sofisticadas para ser bem informado, subsidiando o uso da
“intuição” e do “julgamento” em seus processos decisórios. Certamente, mesmo com a grande
aprendizagem prática, como relatado recorrentemente pelos entrevistados, a predominância da
Administração como formação dos executivos, as soluções tecnológicas contemporâneas em
comunicação e gestão de dados e informações influenciam na forma desses executivos
atuarem e exercerem seu papel.
Resultam, então, como principais características das demandas diárias de trabalho dos
jovens executivos da amostra não ter um trabalho rotineiro, preferindo a ação direta em vez
do trabalho reflexivo.
Por essas características da natureza do trabalho do executivo, Tanure, Carvalho Neto
e Andrade (2007) identificaram a presença de uma sensação de que há tarefas inacabadas, por
fazer, colaborando para a sensação de dívida permanente do executivo. Confrontados com
essa possível sensação, os jovens executivos depuseram que compreendem ser uma condição
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inerente do mundo empresarial o elevado nível de demandas. Em relação ao sentimento de
que podem não ser capaz de atender a tantas demandas por não ter competência, capacidade
ou governabilidade para lidar com elas, o depoimento que se segue é ilustrativo de uma outra
visão sobre conhecer os próprios limites: “Se eu ficar na empresa o tempo todo, ainda assim,
o trabalho não acaba. É preciso um limite. O tempo tem que ser dividido para as diversas
coisas que temos que fazer, inclusive fora do trabalho”.
Como na fala de um executivo da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade
(2007), que assumiu o sentimento de impotência diante da necessidade de ter que se desdobrar
para fazer tudo, restando-lhe, assim, aprender a viver com a carga atual de trabalho, sem
alternativa, o jovem executivo mineiro herdeiro também “reconhece” sua impotência para
lidar com o volume de tarefas e com o ritmo de trabalho. Entretanto, não se coloca como
refém ou aprisionado à alternativa de “ter que dar conta de tudo”. Ele apresenta indícios de
que encontrou uma outra alternativa: a de dar conta do possível, sem que isso comprometa sua
saúde ou as demais dimensões de sua vida.
Na pesquisa realizada por Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), a carga de
trabalho, o nível de cobrança por resultados e a factibilidade das metas foram avaliados como
de extrema insatisfação pelos executivos jovens e seniores. Os relatos da presente pesquisa
apontam que esses fatores não são motivos para insatisfação na vida profissional de jovens
executivos mineiros herdeiros de empresas pequenas e médias, e até de grande porte.
Uma fonte de impacto na satisfação do executivo está relacionada com a sensação de
“pertencimento” a uma empresa que se admira, de identificação de seus valores pessoais com
os valores da organização. Essa sensação de fazer parte de “algo maior”, de “fazer a
diferença”, frases repetidas por muitos executivos na pesquisa qualitativa de Tanure, Carvalho
Neto e Andrade (2007), esteve presente também nos relatos aqui coletados. Considerando a
continuidade da história empresarial, o sentimento de pertencimento se apresenta, para eles,
na maioria das vezes, como fonte de prazer. Como visto, é ponto de conflito por não
retratarem, plenamente, o caminho desejado de suas escolhas profissionais: entre o sim à
autoridade do pai, bem como ao fato de estarem condenados a herdarem a empresa e à
vontade pessoal.
Entretanto, a sensação de orgulho presente na vida do executivo das grandes empresas
que chegou ao topo da direção sem ser através da herança tem maior significado para o
indivíduo que se candidatou e venceu as fortes exigências impostas para tal conquista. Sendo
o jovem executivo da presente pesquisa um “herdeiro”, seu orgulho é gerado pelo sentido,
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identidade e significado do trabalho. Os relatos apontam para percepção de estarem
fortemente influenciados de forma positiva pela sensação de possuir uma variedade de
competências para lidar com as diversas tarefas, de que realizar algo percebido como
significativo e de que o trabalho contribui para o bem-estar de outras pessoas.
De forma geral, os jovens executivos herdeiros se mostraram preocupados com as
contribuições do trabalho e da empresa para a sociedade. Consideram as implicações do
trabalho para si mesmo, para os outros e para a sociedade. Apresentaram consciência de que o
trabalho é um meio que transcende seus interesses particulares, e atuar como empresário deve
ser enquadrado como dedicação a uma causa importante e significativa. A sua produção de
riqueza gera para a sociedade empregos e dinamismo econômico.
Para a maior parte dos entrevistados, sua satisfação e orgulho se completam pelo
exercício da autonomia, pois se sentem com liberdade e independência para realizar suas
tarefas, com permissão para os ajustes necessários. Para poucos, permanece a sensação de que
estão, ainda, sem condições de implementar suas estratégias e manobras empresariais de
forma mais independente, devido à presença do pai ou de sentirem-se ainda com experiência
insuficiente para decisões mais ousadas.
Sobre a confiança existente nas relações com as pessoas, a percepção do jovem
executivo desta amostra é que há um esforço das pessoas na sua empresa em auxiliá-lo na
construção do conhecimento e no exercício do seu papel. Esse ponto diverge dos achados da
pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), em que os executivos em geral
percebem haver um aproveitamento de suas fraquezas para prejudicá-los. Nesse quadro, a
sensação descrita pelos autores é de um ambiente excessivamente exigente, um nível de
confiança não tão alto nas empresas.
O executivo prisioneiro do papel vivencia o fascínio que o cargo, o status, o poder e o
dinheiro trazem para sua vida. Seu dilema é gerenciar o limite entre trabalho, lazer, vida
afetiva e família (DE VRIES, 2004). Como exposto, o jovem executivo da presente pesquisa
não apresentou a tendência de confundir seu papel de executivo com sua identidade. Seus
relatos dão conta de que ele sente o trabalho como uma parte da vida, mas não a mais
divertida e prazerosa. A dedicação à vida pessoal, afetiva e familiar está presente como uma
importante dimensão, fonte de satisfação, inclusive.
Os jovens executivos herdeiros têm, na dedicação ao seu papel na família, uma fonte
de satisfação. O depoimento da maioria dos entrevistados foi de que vivenciaram
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anteriormente o desequilíbrio pessoal no desempenhar do papel de executivo, que ocupou
uma centralidade em sua dedicação. Entretanto, nesse momento posterior ao desequilíbrio
inicial, disseram-se satisfeitos com a distribuição de energia e tempo dedicados às diversas
dimensões da vida, evidenciando o uso de estratégias efetivas na articulação das demandas do
trabalho e fora dele.
O excesso de “teatro” e “jogo de cena”, comuns dentro do ambiente corporativo
(TANURE; CARVALHO NETO; ANDRADE, 2007), são fontes de tensão que causam
impactos na satisfação dos executivos em geral. Essa característica não foi evidenciada na
presente pesquisa. Na pesquisa dos autores, ficar até mais tarde no trabalho, mesmo sem
necessidade, surgiu como o início do exercício do executivo de cumprir um papel julgado
condizente com a cultura empresarial geral. Quem não possui esse perfil e não se diz
estressado não se encaixa na empresa, o que, confrontado com os relatos da presente pesquisa,
está em posição diametralmente oposta ao desejo e à percepção do jovem executivo herdeiro.
O traço cultural brasileiro identificado por Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), e
apontado como fortemente arraigado, de que quem fica trabalhando até mais tarde na empresa
é mais dedicado do que aquele que sai no horário em que termina a jornada normal de
trabalho não é uma evidência entre os jovens executivos da presente pesquisa. Esse papel, que
faz parte do teatro corporativo, não é uma prática.
Se o chefe dita em boa medida o padrão do teatro corporativo, para o excesso ou para
o equilíbrio, parece que o exemplo dado pelos jovens executivos se aproxima da situação
apontada como caso raro por Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007). Ter hora de ir para
casa está amplamente assumido pelos entrevistados e é no final do expediente normal, por
volta das 18h30, não obstante cumprirem alguns compromissos noturnos vinculados à rede de
contatos do negócio e/ou na construção da carreira, para os mais jovens, como a participação
em seminários, palestras e encontros sociais. Os relatos dos jovens executivos se
apresentaram tal qual o de um presidente no grupo entrevistado pelos autores, e revelam que
aprenderam que não é ficando até altas horas que vão resolver todos os problemas.
Como exposto no referencial, existe uma primazia do papel executivo sobre todos os
outros papéis, e o discurso comum apresentado foi: “... quem quer ter sucesso tem que dedicar
mais ao trabalho. Por isso, me dedico muito menos a outras esferas. Por exemplo, faz sete
meses que não vejo meus pais”. Essa negligência não é a prática dos jovens executivos
herdeiros da presente pesquisa. Possivelmente, anteciparam-se na percepção da tristeza
expressada pelos executivos seniores por não terem acompanhado a vida dos filhos. Além
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disso, o fato do pai já ter-lhes garantido a posse da empresa, e de toda a relação empresa-
família concentrar-se, facilita o convívio presencial familiar com os pais.
Chamou a atenção dos autores Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) um executivo
achar que tem que se aposentar para aproveitar a dimensão pessoal da vida, sendo um reflexo
de que já havia introjetado que vida de executivo e família não combinam. Esse quadro não é
o que pode ser visto a partir dos depoimentos dos jovens executivos da presente pesquisa,
portanto, embora o papel na família seja visto como capaz de proporcionar menos
oportunidades de realizar uma contribuição percebida como única pela sociedade, o jovem
executivo mineiro, herdeiro, está atento para o impacto que a satisfação com essa dimensão
tem sobre toda a sua condição de vida, e lhe dedica energia e tempo suficientes para manter o
equilíbrio.
4.5 Articulando vida profissional e vida pessoal
A sensação percebida pelo executivo de que o tempo é um recurso extremamente
escasso para que ele se dedique à sua vida privada foi a primeira investigação da pesquisa.
Assim, quanto ao uso do tempo, seria de se supor que fosse a primeira fonte de tensão ligada
ao desequilíbrio na articulação entre as demandas da vida profissional e da vida pessoal.
Afinal, a insatisfação do executivo com a falta de tempo para se dedicar à sua vida pessoal é
apontada há quase trinta anos (EVANS; BARTOLOMÉ, 1980).
Seria previsível obter, nos relatos dos jovens executivos, uma réplica desse
desequilíbrio e insatisfação. Entretanto, os jovens executivos herdeiros da presente pesquisa
expressaram objetivamente uma percepção de que têm tempo para aproveitar as diversas
dimensões de sua vida, inclusive fora do trabalho, como o convívio com a família, com o
parceiro amoroso, o lazer, o cuidar da sua própria saúde, entre outras necessidades
fundamentais.
A pesquisa revelou que estes jovens executivos dedicam dez horas em média ao
trabalho; com um tempo médio de sono de sete horas, uma hora para uma refeição à noite e
pelo menos meia hora para cuidados pessoais. Com necessidade de pelo menos uma hora para
o deslocamento casa-trabalho-casa, sobram-lhe quatro horas e meia para cuidar de sua
dimensão pessoal: fazer uma atividade física, conviver com a família e amigos, além de ter
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um tempo para si, dedicando-se a momentos de puro lazer. Essa situação é melhor que o
resultado da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), cuja análise apontou
sobrar apenas duas horas e meia por dia “na melhor das hipóteses” para os executivos das
grandes empresas se dedicarem à dimensão pessoal, contanto, ainda, com apenas seis horas de
sono por noite.
Talvez a certeza de que o lugar deles na hierarquia organizacional da empresa que
herdarão do pai está garantido, desde que trabalhem e respondam às expectativas seja um
fator preponderante para que estes jovens se sintam seguros o suficiente para preservar seu
espaço fora do trabalho.
Permanece, como nos achados das pesquisas exploradas no referencial teórico, a
crença de que a qualidade do tempo dedicado aos diversos papéis é importante. Mas, também,
ainda que seja variável de pessoa para pessoa e em relação ao estágio de vida em que se
encontram, os jovens executivos expressaram uma compreensão que a quantidade de tempo e
de energia disponibilizadas para a vida pessoal são fundamentais para a percepção dessa
qualidade acreditada como suficiente para sua satisfação integral com as diversas dimensões
da vida.
Ao assumir dedicar aos afazeres profissionais em torno de dez horas ao dia, os
depoentes reconhecem a importância do trabalho, mas não o percebem como central para a
dedicação de tempo e energia, declarando-se satisfeitos com essa condição. Os jovens
executivos da amostra declararam não sentir falta de tempo que estivesse restringindo-os para
relações afetivas, sociais e para o lazer. Entretanto, os diversos relatos sobre as atividades a
que se dedicam fora do trabalho revelaram incluir os trabalhos domésticos, as atividades
consideradas de “manutenção” do corpo – como as refeições, os cuidados pessoais, o sono –,
as atividades ligadas a obrigações familiares e sociais, e aquelas associadas ao investimento
na qualificação individual. São demandas e dedicações que diferem do conceito de lazer, visto
no referencial teórico e explorado mais adiante.
As novas tecnologias, fator percebido como de grande impacto no uso do tempo, como
discutido no referencial teórico, tornam mais difuso o limite entre o que é trabalho e o que não
é, retirando o tempo da vida pessoal do executivo. Sem liberar mais tempo do trabalho para a
vida pessoal, o uso das novas tecnologias acabou por propiciar a “invasão” pelo tempo de
trabalho de outros espaços da vida do executivo, como o do lar e do lazer.
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Os jovens executivos entrevistados se apresentaram como usuários contumazes
de e-mail e celular. Entretanto, foram vários os depoimentos, a exemplo do que se segue, que
revelaram a capacidade desse jovem executivo de limitar e até impedir a “invasão” das
demandas de sua energia e de seu tempo para a dedicação ao trabalho fora do horário de sua
jornada habitual: “Meus empregados e meus fornecedores sabem que não atendo telefone
celular fora do horário de trabalho, e muito menos no fim de semana. Só me ligam se for
absolutamente necessário”.
De toda forma, deixaram relatos da consciência dessa invasão do “aparelhinho do
diabo” (Blackberry)” e de sua capacidade de avançar sobre os limites dos espaços pessoais,
que passam a ser espaços também de trabalho.
Na presente pesquisa, foram obtidos relatos em dois extremos. De um lado, um grupo
foi contundente em demonstrar saber utilizar os recursos tecnológicos, e muito contundente
também sobre a capacidade de limitar a invasão desses recursos em seus momentos pessoais.
Entretanto, durante as entrevistas, seus olhos não desgrudaram do “aparelhinho”. Outros
depoimentos revelaram a invasão da tecnologia na vida do jovem executivo, como revela a
declaração: “Sou psicótico, fico 24 horas on line” e “domingo, no final do dia, abro a minha
caixa de e-mail para começar a segunda zerado”. É uma condição que os enquadra como
“escravos das novas tecnologias”, condição preponderante de executivos identificados na
pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007).
Os relatos indicam, por exemplo, que, durante uma dedicação a atividades físicas, o
jovem executivo aproveita para se colocar “atualizado” sobre as notícias, vendo televisão ou
utilizando arquivos em podcast9. Mas esse comportamento foi relatado pela minoria.
Sobre o investimento de até metade do seu tempo e da energia na vida profissional,
devido à carga de trabalho, a percepção dos jovens executivos entrevistados é de satisfação
com essa distribuição. Segundo eles: “Eu estou satisfeito”; “Está adequada (a carga de
trabalho) para mim”; ‘É flexível, não tenho horário fixo; eu consigo dedicar seis horas para a
empresa e me dedicar aos estudos; gosto de estudar, é pessoal, quero fazer doutorado e dar
aula”. Esse dado os coloca ao lado da minoria dos executivos da pesquisa Tanure, Carvalho
Neto e Andrade (2007), na qual só um quinto se apresentou como satisfeito com o equilíbrio
9 Podcasting é uma forma de publicação de arquivos de mídia digital (áudio, vídeo, foto, etc) pela Internet que permite aos utilizadores acompanhar a sua atualização. Com isso, é possível o acompanhamento automático do conteúdo de um podcast. A palavra "podcasting" é uma junção de iPod - marca do aparelho de mídia digital da Apple de onde saíram os primeiros scripts de podcasting - e broadcasting (transmissão de rádio ou televisão). A série de arquivos publicados por podcasting é chamada de podcast.
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alcançado. Naquela pesquisa, as análises concluíram também que os executivos dedicam mais
de 70% do seu tempo e energia à vida profissional e que não estão satisfeitos com essa
situação.
Para os jovens executivos, ainda que alguns deles estejam em uma união que
consideram estável e tenham filhos, os desafios das dimensões pessoais da vida,
especialmente provenientes do ambiente familiar, têm recebido uma dedicação de tempo e de
energia. Não surgiram, durante os depoimentos, a utilização do investimento de longo tempo
e energia no trabalho como uma “fuga” dos aborrecimentos ou da incapacidade para lidar com
os desafios das outras dimensões da vida. O depoimento que se segue reflete essa questão:
“Faço questão de participar dos momentos especiais na escola com meus filhos”, “quando
tiro férias, eu me desligo mesmo, dedico à minha esposa e aos meus filhos para atividades em
que até eu me sinto como uma criança. É muito bom e deveria até aumentar o tempo”.
A pesquisa mostrou que a duração média das férias que os jovens executivos tiram no
ano é de 20 dias, divididos em dois ou três períodos. Essa média é superior à pesquisa de
Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), em que os dados indicaram ser de dez dias no ano.
Reconhecendo que as exigências do cargo e o excesso de demandas empresariais são os
fatores que dificultam o planejamento de férias mais longas, todos assumiram que têm se
esforçado para lidar bem com o sentimento de “culpa” por tirar férias.
Indagados sobre as atividades com que se ocupam fora do trabalho, esteve presente,
nos relatos dos entrevistados, a dedicação a atividades que se identificam com lazer físico,
artístico, intelectual e, de forma predominante, ao social. Os jovens executivos declararam
que a prática de exercícios físicos e de esportes é um complemento do cuidado com a saúde e
com o bem-estar, sendo fonte de muita satisfação. O depoimento seguinte ilustra a sensação
de que gostam desse cuidado: “Não falto às aulas de ginástica; inclusive, todo sábado, nos (os
praticantes) encontramos na academia e programamos atividades para a noite”. Para a prática
de exercícios físicos, a preferência é pelo início do dia, sob o argumento que, se deixada para
a noite, podem ser substituídas por outras demandas intempestivas. Note-se que a maioria dos
executivos entrevistados na pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) percebe a
necessidade da prática de atividades físicas como um mal necessário.
Nenhum dos entrevistados deixou de relatar que dedica algum tempo e energia a
“ocupações às quais [o indivíduo] pode entregar-se de livre vontade, para repousar, divertir-
se, recrear-se e entreter-se, ou, ainda, para desenvolver sua formação desinteressada, sua
participação social voluntária, ou livre capacidade criadora, após desembaraçar-se das
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obrigações profissionais, familiares e sociais” (DUMAZEDIER, 1979, p. 34). É uma
evidência de articulação e conciliação entre as demandas da vida profissional e da vida
privada.
Nas entrevistas, os jovens executivos informaram que realizam regularmente viagens a
trabalho e que elas têm, em média, duração de um dia. Predominam as viagens curtas, para
visitas a clientes; outras, um pouco raras e mais longas, para participação em congressos e
feiras setoriais com o fim de atualizar informações sobre o negócio ou prospectar
oportunidades. A necessidade de dedicação de tempo para viagem é percebida como fator de
insatisfação para todos os jovens executivos, principalmente no momento de preparação,
quando tem de lidar com a eminente ausência no ambiente de trabalho e da família.
Entretanto, todos assumem que, ao estarem em viagem, lidam muito bem com a situação.
Diversos dos jovens executivos entrevistados, além da ocupação no negócio principal,
ocupam assento em conselhos de governança do grupo empresarial. Essas funções exigem
uma dedicação de tempo que está computado na jornada diária que assumiu dedicar
ordinariamente.
Quanto às atividades de trabalho que tomam a maior parte do seu tempo e energia,
predomina, nos relatos dos jovens executivos desta amostra, a dedicação a ações como
resposta às pressões do trabalho e às demandas que chamaram de “imprevistos”. De fato, lidar
com o imprevisto é marcante nas narrativas dos jovens executivos.
Fica em segundo plano a dedicação a atividades de planejamento sistemático e
reflexivo. Com dificuldade de identificarem em suas atividades o caráter de rotina, seus
relatos evidenciam um engajamento frequente em atividades recorrentes e pouco
diferenciadas daquilo que convencionalmente se classifica como rotina. Todos afirmaram ter
autonomia no trabalho e, apesar de existirem algumas atividades sistemáticas, não percebem a
existência de uma rotina no trabalho.
Unânimes em relatar que uma parte do tempo é usada para atividades no
computador, com e-mails e decisões por meio eletrônico, os jovens executivos nesta
pesquisa relatam que essas atividades são desenvolvidas ao longo do dia.
Os jovens executivos relataram que o horário de almoço é utilizado para trabalho, seja
com clientes externos ou com os próprios trabalhadores, sócios ou outros líderes da empresa.
Nesse caso, para fortalecer “a rede de contatos e de informação”, conforme expressado por
mais de um deles.
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Afirmaram que as atividades reflexivas, como pensar, processar informações, fazer
balanços do dia e atividades futuras, elaborar planejamentos e estratégias ocorrem
prioritariamente fora do horário normal de trabalho, ou seja, durante o almoço, ou ao final da
jornada de trabalho, quando podem permanecer no escritório com mais tranquilidade para as
atividades que exigem concentração.
Um aspecto que chamou atenção no relato sobre o dia de trabalho de quase todos os
jovens executivos é que as decisões tomadas estão vinculadas a sistemas eletrônicos.
Observou-se que o uso de sistemas de tecnologia da informação (TI) está presente, servindo
como fonte de informação e de comunicação. Mas grande parte das decisões, informações,
encaminhamentos e negociações parecem transitar de maneira informal, isto é, não são
objetivadas em papel ou formulário padrão. Parece que esses jovens executivos acreditam e
confiam à memória “virtual” grande parte de informações relativas ao andamento do trabalho.
Todos os entrevistados disseram gostar muito do trabalho de um modo geral, ainda
que não de todas as atividades. Predomina a preferência por atividades de relacionamento, de
contatos com empregados, clientes e fornecedores. Não é preferência a atividade de
planejamento e elaboração de projetos. Embora reconheçam sua importância e se dediquem a
ela, é muito exigente intelectualmente e é um aspecto solitário do trabalho. Todos disseram,
como já mencionado, que raramente trabalham em casa no final de semana, mesmo em
atividades de planejamento. Nenhum daqueles que têm a viagem como rotina registrou que
utiliza o tempo de viagem e deslocamento para pensar.
Um deles disse que sua atividade “deveria ser conceituar e definir estratégias,
obter alinhamento e definir ações. Mas, acabo entrando e ficando no operacional”.
Ainda, um outro jovem executivo com grande tempo na função definiu sua atuação em
dois campos: “o privado e o público: na empresa, respondo como presidente, pelas
estratégias e pelo acompanhamento operacional, contando com outros executivos nas
responsabilidades de produção e administração financeira”. Desenvolve contatos para
viabilizar negócios, planejamento para viabilizar projetos, e, por fim, destacou que se
envolve em “controle de detalhes e cuidados de rotina para acompanhamento do
planejado”. No campo público, desenvolve atividades e possui responsabilidades
múltiplas de interesses coletivos para o setor e de interesses políticos institucionais.
Indagado sobre a motivação para esse possível excesso de demanda, argumentou que sua
dedicação está vinculada a uma crença de poder contribuir para um mundo socialmente
melhor. Relatou exercer 13 funções em conselhos diversos, com abrangência de atuação
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em Minas Gerais e em nível nacional. Curiosamente, esse entrevistado está entre aqueles
que se declaram muito satisfeitos com o tempo e a energia que dedicam à dimensão
pessoal, planejando os momentos diários para que seja quantitativo e qualitativamente
proveitoso para eles e para a família.
Ainda que todos falassem sobre sua autonomia no trabalho, foi possível observar
insatisfação com as políticas de recursos humanos e as práticas em suas próprias
organizações. Demonstraram sensibilidade com as condições sociais dos empregados, mas
apresentaram dificuldades para lidar com a falta de percepção do empregado quanto ao
esforço da empresa ou do próprio executivo em oferecer as condições possíveis para o
trabalhador. Nestes casos, reputam ao empregado uma incompreensão quanto aos limites
econômicos ou financeiros da empresa para prestar-lhe uma melhor assistência, seja salarial,
seja em outros benefícios.
Todos afirmaram fazer um controle do trabalho dos funcionários por resultados,
mesmo relatando dificuldades em delegar atividades e cumprir o papel de verificar ou cobrar
por resultados planejados. Como eles definem a própria atividade: “fazer acontecer”; “sou um
motivador”; “fazer contatos e parcerias”; “tocar o dia-a-dia e ver a coerência com a estratégia
da empresa”; “manter contatos e antecipar projetos”.
A abrangente pesquisa realizada por Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) com
executivos das grandes empresas operando no Brasil revelou que os executivos dedicam
muito mais tempo à sua vida profissional que às demais dimensões de sua vida. Eles têm
consciência de que a vida profissional consome a maior parcela de seu tempo e estão
insatisfeitos com este quadro, com a falta de tempo para cultivar as relações afetivas e
desfrutar de algum lazer.
Na presente pesquisa, os relatos dos jovens executivos herdeiros apontam um
predomínio do sentimento de satisfação com a distribuição de tempo e energia entre o tempo
dedicado ao trabalho e o tempo dedicado às dimensões do não-trabalho. É um achado
interessante, uma vez que se aproximam do grupo minoritário revelado pelos dados da
amostra da pesquisa Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), que revelam que 22% estão
satisfeitos. Na pesquisa desses autores a percepção dos executivos quanto à distribuição do
tempo e energia entre a vida profissional e vida pessoal apresentou o contingente avassalador
de cerca de 80% no nível de insatisfeitos.
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Seguindo a limitação da pesquisa de Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007), as
atividades constituintes do tempo de não-trabalho são as relações afetivas (família, cônjuge ou
parceiro amoroso, amigos) e lazer (incluindo a prática de exercício físico, atividades
intelectuais não relacionadas à sua atividade profissional e a prática de ações sociais),
conforme discutido no referencial teórico.
Em relação à distribuição do tempo entre a vida profissional e a vida privada ou pessoal,
aqui entendida como as dimensões do não-trabalho, os relatos dos jovens executivos da
presente pesquisa indicam que eles dedicam metade de seu tempo à vida profissional, sendo a
outra parte destinada a atividades fora do trabalho, para sua família, amigos e lazer.
De modo geral, os resultados da presente pesquisa apontam uma melhor distribuição do
tempo pelos jovens executivos, sendo o tempo de não-trabalho trazido ao mesmo plano do
tempo de trabalho, tendo como consequências um elevado nível de satisfação pessoal com a
compatibilidade conquistada na dedicação, também da energia, entre as dimensões pessoais e
de trabalho em sua vida. Por outro lado, o sentimento de peso das expectativas dos pais sobre
estes herdeiros se apresenta como fator de tensão e apreensão.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos sobre os impactos das mudanças pelas quais o mundo organizacional
passou e vem passando ao longo de sua história parecem carecer de novos olhares. Várias
foram as investigações sobre as alterações em modelos estruturais e funcionais das empresas,
afetando as pessoas, seus papéis, seus tempos sobrepostos nas diferentes dimensões da vida.
Nesse contexto, o executivo com mais de 40 anos, de forma geral, se impõe como exemplo de
excelência e resistência para si mesmo e para os demais profissionais.
O jovem executivo herdeiro está inserido em uma geração que se depara com
condições materiais melhores que os profissionais das gerações anteriores, permitindo-lhe
refletir sobre bem-estar pessoal, relações afetivas e familiares e liberdade no trabalho, dando
sinais de confrontar melhor o desafio de buscar o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.
Muitas dessas diferenças são percebidas de forma impulsionada nos jovens executivos da
presente pesquisa pelo fato de serem herdeiros, com as condições intrínsecas que essa
distinção coloca ao seu dispor.
Este estudo revelou fontes de satisfação e de insatisfação, e também fontes de pressão
relacionadas ao conteúdo e ao contexto do trabalho desses jovens executivos. Entretanto,
apontou a percepção de equilíbrio inter-relacionado nas obrigações de trabalho (vida
profissional) e nas atividades e no tempo dedicados ao não-trabalho (vida pessoal). Ficou
evidente o cuidado que esses jovens executivos apresentam para manter sua satisfação com
investimento de tempo e energia nas diversas dimensões de sua vida. Isso é significativo,
posto que os estudos abordados no referencial teórico trazem um flagrante desequilíbrio do
executivo, o lado sombra, fortemente relacionado ao excesso de tempo e de energia dedicados
à construção do sucesso profissional.
A literatura aponta o dilema do tempo como primeira fonte de infelicidade. Enquanto
narra as prováveis causas da infelicidade dos executivos brasileiros, identifica como problema
maior a equação entre sucesso e felicidade, que está sem solução evidente.
A responsabilidade pela escolha é de cada um: o jovem herdeiro escolheu ser
executivo. Ainda que não tenha sido sua primeira opção profissional, a escolha final foi e está
sendo dele. E “pessoas felizes com o que fazem são aquelas que encontraram sua vocação",
como salienta a literatura.
Esse é o ponto central de discussão. Os entrevistados desta pesquisa parecem percorrer
um caminho diferente. Eles não sofrem as mesmas tensões dos executivos “de carreira”. Mas,
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apontam uma insatisfação. Não porque não conseguem equilibrar vida pessoal e vida
profissional, mas porque, aparentemente, não escolheram ser executivo. Nem na primeira
opção e nem na última. Não tiveram que descobrir sua vocação. “Descobriram” para ele. É
uma herança familiar, a continuidade do pai.
Portanto, como fazer aquilo de que se gosta se a escolha já foi feita pela família
quando ainda eram adolescentes? Mais de um dos entrevistados iniciou aos 15 anos suas
atividades na empresa do pai.
Um conflito emergente nos relatos dos entrevistados está na falta de escolha, na
subjetividade ignorada. E no tormento, ainda que não explícito, mas dito de forma implícita
ou atenuada, de ser “filho do dono”.
Possivelmente, o número de profissionais como os participantes da amostra
pesquisada tende a aumentar. Vivencia-se um Brasil em desenvolvimento, com o número de
empreendedores e de “donos do próprio negócio” aumentado sobremaneira nos últimos anos,
principalmente entre empresas de pequeno e médio porte.
O objeto de estudo desta dissertação não contemplara a análise de processos
sucessórios em empresas familiares, visto que não era o foco da pesquisa. Ao final do
trabalho, constatou-se que ali já se explicitava uma nova proposição e um direcionamento
para a continuidade de nosso estudo, procurando contribuir com a área da Administração,
entendendo os impactos dessa especial condição nas empresas familiares e nos protagonistas
dessa “passagem”.
Ainda oportuno, sem subestimar o grande desafio que se constitui o entendimento do
processo sucessório, deve-se considerar que as empresas familiares de primeira geração,
geralmente, sobrevivem por 24 anos, correspondentes ao tempo de gestão do fundador. A
cada dez empresas, apenas três sobrevivem à segunda geração. E somente uma, em dez,
sobrevive à terceira geração.
Diante da ambivalência de sentimentos que predomina nas relações de poder
deslocadas do ambiente familiar para o foro empresarial, estaria a sobrevivência da empresa
também ligada à vocação do sucessor? Estaria a vulnerabilidade da empresa sob a condição
do herdeiro em fazer (ou não) a escolha? Esta é uma temática para futuros estudos, suscitada
por esta dissertação.
A título de ilustração para essa questão, apresenta-se o mito de Édipo, na perspectiva
de Freud (1974), que é simbólico para explicar os conflitos humanos internos que percorrem
as relações entre as gerações, produzindo a civilização e a cultura. A narrativa desse mito
conta o desejo do pai de se livrar do filho assim que ele nasce, pois este nascimento assegura a
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sua superação, inscrevendo-o na velhice e na morte. O filho, Édipo, sabendo que o seu destino
é matar o pai, procura se afastar em direção contrária. No entanto, sem saber, acaba matando
o pai e se apossando do que é dele. Com grande sofrimento, Édipo segue submerso no
conflito entre satisfação do desejo e da culpa. Como paradigma simbólico, tal situação se
aplica exclusivamente àqueles – pais e filhos – que não superam essa ambivalência de
sentimentos. Trazendo o mito de Édipo para as situações de sucessão, guardada sua alta
complexidade intrínseca, o mito remete, então, à falta de capacidade ou dificuldade do jovem
de fazer suas próprias escolhas, e ele sofre com isso, por vezes.
A literatura suspeita da falta de debate dessa dimensão, o que pode estar respondendo
por distúrbios de ordem física e afetiva, uma vez que sentimentos de raiva e culpa se somam
às responsabilidades inerentes à direção de uma empresa, particularmente em situações
mercadológicas desafiadoras como as atuais.
Mantido o olhar sobre o jovem executivo, as narrativas dos entrevistados expressam
uma certa angústia do “filho do dono” diante das situações de imposição e submissão ao pai
(expectativa familiar), confrontadas com os atrativos conscientes e inconscientes da sua opção
pela empresa, pelo papel esperado pelo pai, pela família do jovem executivo.
Sendo a sucessão configurada como um jogo em que as performances se sucedem, em
que cada um se prepara para seguir sozinho, mesmo diante de negociações que aproximam e
afastam pai e filho, a empresa se constitui no objeto de disputas, sujeita a perdas
significativas.
Vários foram os relatos dos jovens executivos sobre sua entrada na empresa em
funções básicas, com passagem por diversos ou todos os setores. As narrativas e o
entendimento desses profissionais é que essa seria a melhor maneira de desenvolver uma
ampla competência (conhecimento, habilidades e atitudes) para a promissora e inalienável
carreira de “dono do negócio”. Seria, pois, uma ótima entrada pela porta dos fundos para, em
“humilde” posição, assumir o topo com a credencial elevada por ter percorrido a via crucis do
merecimento.
Analisado o conteúdo do trabalho, buscando diagnosticar dimensões em relação à
autonomia, identidade da tarefa, significação do trabalho, a percepção é que esses
profissionais se encontram diante de um “não subjetivo”. Um não interditado. Sem ousar dizer
um não para a autoridade instituída (o pai). Assumiram o papel executivo com um “sim”
consciente. Herdeiros de uma expectativa, não escaparam da submissão obediente à
perspectiva do predecessor. Comparando-se os executivos insatisfeitos das diversas pesquisas
referenciadas na literatura discutida e dos jovens executivos herdeiros do presente estudo,
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pode-se dizer: os primeiros “vendem a alma ao diabo” para a conquista do poder e do status.
Assim, sentem prazer. Sofrem com o “custo” de se manter no topo, mas não abrem mão da
posição e dos ganhos que ele lhes proporciona. O segundo grupo não vende a alma, apenas a
entrega...
O jovem executivo herdeiro, com um não interditado, apresenta, talvez, uma menor
possibilidade de sentir prazer na dimensão trabalho, portanto, um maior desconforto. É nessa
situação que a necessidade de sentir prazer será maior; portanto, buscada em outra dimensão
de sua vida. Neste ponto, Goethe nos brinda, em sua obra Fausto, com a seguinte mensagem:
“Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o, para fazê-lo teu” (FREUD, 1996, p. 160).
Algumas metáforas, mesmo que estereotipada, servem para apreciar essa situação.
Para o jovem executivo, vê-se como possível a trajetória atravessada por Pinóquio10. Criado
para atender ao desejo do “artesão”, é um boneco amado. Articulado, porém, manipulado. É
sua natureza no mundo. Sua peleja será para instalar-se na realidade, diante do artesão, pai,
diante da sociedade, como sujeito de suas escolhas. Não faltam na história personagens para
instruir, atrair, insuflar ou desafiar esse grande personagem que se constrói ao longo de sua
jornada.
Para os executivos de carreira, “desequilibrados” na articulação do tempo para se
dedicar às demandas das diversas dimensões da vida, serve a metáfora de Alice no país das
maravilhas 11 . Diante do dilema do tempo como principal fator de insatisfação desse
profissional, serve o afobado e apressado Coelho Branco com seu relógio constantemente
atrasado para alguma (qualquer) coisa. Como dito, o executivo se reveste do papel de
excelência e exemplo. Serão os demais profissionais das empresas (não executivos), então,
ingênuas “Alices” a seguirem um “estressado coelho” que entra pelo buraco?
As histórias têm muitos outros personagens e papéis que cada um pode assumir para
si. E tantos caminhos melhores que buracos que levam a quedas em paisagens e condições
surreais.
O recente caso da France Telecom, amplamente divulgado na mídia mundial, que
entre 2008 e setembro de 2009 contabilizou “24 funcionários que preferiram a morte a
trabalhar na empresa expressa como se mantém subestimado o estresse da reestruturação
empresarial” por conta da competitividade global, comentou Corkindale (2009), na revista
10 Personagem principal da obra As aventuras de Pinóquio, literatura infantil do escritor italiano Carlo Lorenzini, sob o pseudônimo de Carlo Collodi. 11 Personagem que inicia a aventura de Alice no país das maravilhas, obra mais conhecida de Lewis Carroll e uma das mais célebres do gênero literário nonsense. Considerada obra clássica da literatura inglesa.
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Harvard Business Publishing. O estrago da reestruturação produtiva da empresa francesa
repercutiu tão amplamente que o responsável pelo projeto (NEXT) considerado vital para o
futuro da France Telecom foi a “próxima” vítima, felizmente apenas com sua demissão em
outubro de 2009, e não se suicidando, como os 24 trabalhadores acima mencionados.
Diversos são os limites inerentes ao estudo realizado. Além da impossibilidade de
verticalização intrínseca dos resultados nos estudos qualitativos, tem-se a interdisciplinaridade
dos questionamentos como a Psicologia, a Antropologia e a Sociologia. É um exercício que
exige apreciações multifacetadas do indivíduo e de seu percurso formativo, individual e de
escala de comando nas organizações. Há que se considerar o caráter subjetivo na percepção
sobre a questão do sucesso, da satisfação do jovem executivo e de suas estratégias
desenvolvidas para articulação entre vida profissional e pessoal. Mesmo sendo a idade um
dado objetivo, e os resultados encontrados indicarem haver fatores característicos entre os
grupos etários, o dado mais significativo está na origem do executivo. Ser filho do dono, ser
um herdeiro, é uma condição de grande impacto sobre todos os fatores determinantes do
sentimento e da ação desse profissional.
Como protagonistas na dinâmica organizacional, vivenciando conflitos e contradições,
na sobrecarga ou não e na compressão pelos espaços do poder, os jovens executivos herdeiros
contam agora com uma nova demanda: ter sucesso e ser feliz.
Se chegar ao topo não é necessariamente a felicidade em si, percebe-se que os
executivos de hoje, os jovens, estão refletindo e repensando a vida profissional em
consonância com a vida pessoal, fato já apontado como necessário na literatura discutida.
Ponto de partida para o presente estudo, a investigação cujo tema se pautou na percepção de
sucesso, nos níveis de satisfação e nas estratégias de articulação entre vida profissional e vida
pessoal de jovens executivos chega ao seu final com a indicação que esses temas estão na
pauta do dia e da prática dos jovens executivos. Os resultados dão indicativos de um ampliado
lado sol para esse contingente de profissionais mineiros, por seu comportamento de
preservação da possibilidade de investir verdadeiramente nas diversas dimensões da vida,
como as relações afetivas, familiares e de lazer.
Quanto às diferentes visões sobre o prazer e o dever, presentes entre as gerações de
executivos, e abordadas no referencial teórico, em que os mais jovens valorizam o prazer,
enquanto as gerações mais velhas possuem a ética do dever como base de suas ações, os
dados desta pesquisa não responderam objetivamente à questão posta quanto à possibilidade
da influência da idade no nível de satisfação ou insatisfação e de percepção do sucesso pelo
executivo.
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Segundo a literatura, é importante que o executivo desenvolva uma atitude mais
focada em sua carreira do que na empresa, muitas vezes priorizando seus próprios interesses,
pesando bem mais o custo e o benefício. Os entrevistados, diante dessa condição, respondem
com um comprometimento duplo: à empresa, como patrimônio e origem subjacente do
sentimento de dever, e à dimensão pessoal, como fonte de prazer. As evidências dão conta
que empunham mais claramente a bandeira do bem-estar pessoal, mas revelam que o jovem
executivo “filho do dono” não está disposto a sacrificar sua vida pessoal pelo progresso na
carreira. Não a idade, mas a condição da herança, como já mencionado, parece fundamental
para a situação de satisfação e de equilíbrio na dedicação de tempo e energia à dimensão
pessoal da vida dos entrevistados.
Como outros temas para futuras pesquisas, além da questão da sucessão já
mencionada, sugerem-se os seguintes: Até que ponto o modelo de sucesso atual valerá o
sacrifício imposto à vida privada? Quem são os estudantes das escolas técnicas de formação
gerencial? São novos vocacionados (escolha pessoal aos 14, 15 anos?) ou projetos e
protótipos de novos “artesãos” para seus “Pinóquios”?
Cabe, como reflexão final, relatar a percebida importância de não se negligenciar a
discussão do assunto sucesso-felicidade entre sucessores e predecessores (sucedido) nos
estudos desse fenômeno de dimensão universal, a sucessão em empresa familiar.
Possivelmente, é uma situação que abriga repercussão conflitiva, capaz de deixar
vulnerabilidades nas pessoas físicas e jurídicas envolvidas.
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ANEXO
Roteiro da Entrevista
Tema: Percepção dos jovens executivos quanto ao investimento na vida pessoal e na vida profissional Foco: A relação entre demandas da carreira e/versus vida pessoal.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Carvalho Neto Co-orientadora: Profª Drª Betania Tanure
REGISTRO DE ENTREVISTA
Desenvolvimento do primeiro objetivo específico proposto: Percepção de jovens executivos sobre as demandas da carreira, em especial sobre o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Os outros dois restantes já se referem às conclusões da análise: – Comparação com a pesquisa dos autores; e – Se e como a vida profissional e pessoal dos pesquisados se equilibram.
Entrevistado: Data: Início: Término: Total: Dados Profissionais:
Área de atuação/ cargo ocupado: Formação escolar/ acadêmica: Número de subordinados: Tempo em que trabalha na empresa: Número de funcionários da empresa:
Dados Pessoais: Idade: Mora sozinho ou com a família? Tem união estável? Tem filhos? Se sim, quantos? Quantos irmãos vocês são? Em que posição nas escala você está? ♀ ♂ Algum deles trabalha com o pai? 1) Qual a profissão do seu pai? 2) Indique uma pessoa que é uma referência de sucesso para você. Por quê? 3) Descreva objetivamente a sua rotina de trabalho. O que faz? Nessa rotina de trabalho, o que considera
mais fácil (prazer)? E o que considera mais difícil, que o chateia? (sofrimento). 4) Em relação a sua carreira, o que ela lhe exige mais? A carga de trabalho é adequada? Muita? Pouca?
Por quê? Você está satisfeito com ela? 5) Quantas horas por dia, em média, você trabalha? Quando chega? Quando sai? Quantas vezes viaja? Para
onde? Costuma trabalhar nos finais de semana? Acessa cel. e e-mail fora da empresa? Muito? Quanto? 6) Você separa um tempo determinado para estar com a família / namorado (a)? Quanto tempo? Quando
não está trabalhando, o que costuma fazer? Como e se ele desliga? Quando você tirou férias pela última vez? O que fez? Você está satisfeito com seu tempo para se dedicar ao não-trabalho?
7) Você dorme bem? Quantas horas em média por noite? Faz uso de algum medicamento? Qual? 8) Como as tensões do trabalho se manifestam em você; quando está passando por um momento de muita
tensão, como você normalmente reage? 9) O que significa para você qualidade de vida no trabalho? 10) Você considera ter qualidade de vida em seu trabalho? Por quê? Atenção: explorar se está em paz com
este papel / chapéu de gestor x executor (técnico). 11) O que significa para você realização profissional? Você se sente realizado profissionalmente? Se não, o
que lhe falta? 12) O que significa “ser uma pessoa de sucesso” para você? O que é ser bem-sucedido?
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