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DOSSIÊ PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DO ORIENTE MÉDIO
Revista Ipsis Libanis http://www.icbl.com.br/ipsislibanis/
Ano 1 Número 4 ISSN:2526-0340 2017
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O MONTE LÍBANO SEGUNDO UM PEREGRINO MUÇULMANO (1184)
Thiago Damasceno Pinto Milhomem1
Resumo:
No mundo árabe-islâmico do século XII surgiu um gênero literário denominado
riḥla (relato de viagem), cuja característica principal foi o registro, por escrito, em uma
estrutura textual narrativo-descritiva, das jornadas de viajantes. Estes eram peregrinos
em direção a Meca, principal cidade santa do Islã. Um pioneiro do gênero foi o
muçulmano Ibn Ŷubayr, que viajou pelo Oriente Médio durante as Cruzadas, entre 1183
e 1185. Dentre as muitas realidades observadas pelo peregrino, serão destacadas,
neste trabalho, suas descrições sobre o Monte Líbano, considerado um lugar sagrado
e privilegiado por abrigar eremitas, homens detentores de notável simbolismo religioso.
Palavras-chaves:
Islã, viagens, relato de viagens (riḥla), sagrado
Mount Lebanon According to a Muslim Pilgrim (1184)
Abstract:
In the Arab-Islamic world of the XII century a literary genre called riḥla (travel report) arose, whose main characteristic was the written record, in a narrative-descriptive textual structure, of travelers' journeys. Those pilgrims were heading to Mecca, Islam's main holy city. A pioneer of the genre was the Muslim Ibn Ŷubayr, who traveled through the Middle East during the Crusades, between 1183 and 1185. Amongst the many realities observed by the pilgrim, in this work his descriptions of Mount Lebanon will be highlighted, a sacred and privileged place for housing hermits, men with remarkable religious symbolism. Key-words: Islam, travel, travel report (riḥla), sacred
1 Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal
de Goiás (UFG). (Residente em Goiânia-GO, Brasil. E-mail: [email protected];
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2720320189936855)
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Introdução
Uma figura peculiar no mundo árabe-islâmicoi do Medievo era a do viajante.
Fosse por motivos religiosos, comerciais, políticos ou pessoais, a viagem no Islãii
medieval tinha relações com a religião e a busca por erudição formal. Para a cultura
islâmica, a viagem é uma expressão religiosa e um método de construção do
conhecimentoiii. É de fato interessante a ligação entre os termos árabes “ᶜilm”
(conhecimento, ciência) e “ᶜālam” (mundo), os dois derivados da raiz consonantal “ᶜlm”.
A raiz comum aos dois termos mostra uma concepção de conhecimento formado a partir
do ato de viajar.
A viagem mais importante para um muçulmano é a peregrinação a Meca (ḥaŷŷ),
a cidade santa mais importante para o Islã. Essa peregrinação é um dos cinco pilares
da religião, sendo obrigatória para todo fiel com meios físicos e materiais suficientes
para cumprir o rito. As peregrinações islâmicas estavam inseridas em um contexto maior
de viagens que envolviam não só o périplo com fins comerciais, mas também com
objetivos eruditos. Nessa atividade, destacou-se o ibérico Ibn Ŷubayriv, muçulmano
nascido na cidade de Valência em 10 de rabīᶜ de 540, segundo o calendário islâmico,
ou no dia 1 de setembro de 1145, e morto em Alexandria em 27 de šaᶜbān de 614 ou
29 de novembro de 1217, aos 72 anos.
Ibn Ŷubayr viajou três vezes pela região que hoje é denominada Oriente Médio,
sendo que, após sua primeira viagem, realizada entre 578/1183 e 581/1185v, ele
escreveu um relato de viagens (riḥla) baseado nas suas diversas observações das
sociedades conhecidas. Tal obravi tornou-se uma importante fonte documental sobre o
Oriente no final do século VI/XII, período em que a região foi agitada pelos eventos
políticos, militares e culturais influenciados pelas Cruzadas.
O texto de Ibn Ŷubayr - originalmente escrito em árabe clássico ao estilo de prosa
rimada em tom poético - é composto por discursos de diversos tipos, dentre os quais, o
religioso. Nesse âmbito, o peregrino descreveu o Monte Líbano e os homens religiosos,
os eremitas, que atuavam no monte e no seu entorno. Serão analisadas, neste artigo,
essas descrições, que demonstram a concepção do monte como um lugar sagrado.
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Viajar e Relatar: o gênero riḥla
As viagens foram importantes nos primeiros tempos do Islã para a formação de
sua doutrina, pois sua prática estava relacionada ao preenchimento dos vazios
interpretativos do Alcorão, o livro sagrado do Islã. Para os fiéis, seu conteúdo foi
revelado por Deus para o Profeta Muḥammad em um período de vinte e três anosvii.
Até a morte do Profeta, a única fonte de conduta para os fiéis era o livro sagrado,
formado, em suma, por um conjunto de princípios e não por uma doutrina sistemática e
profunda sobre seus vários temas. Séculos de estudos e de ação dos eruditos
muçulmanos foram necessários para complementar o texto sagrado no campo das leis
e dos dogmas. Isso ocorreu devido ao fato de o Alcorão ter sido insuficiente para
responder as questões de uma sociedade em expansão. Após a morte do Profeta,
crentes viajaram para compilar seus atos, pronunciamentos, decisões e até silêncios e,
assim, cobrir as brechas do Alcorão. Essa ação foi feita predominantemente nos anos
do Califado Abássida (132/750-656/1258). Viajantes reuniram e organizaram um grande
número de testemunhos sobre o Profeta, registrando-os por escrito. Assim, a viagem foi
associada à construção do saber e do conhecimento, com base na experiência, com
destaque, nesse processo, para o prestígio de centros urbanos como Meca, Medina,
Basra, Kufa e Damascoviii.
O método de autenticação e confirmação para esses relatos foi o isnād, que
consistia na citação da cadeia de transmissores, sendo esses considerados homens
religiosos com moral íntegraix. Esse método colaborou com o processo de legitimação
dos relatos sobre o Profeta (aḥādīt) e com a formação da Sunna, campo de saber
tradicional que se tornou uma das fontes do direito islâmico, tendo atingido o mesmo
estatuto jurídico do Alcorãox.
Desse modo, no Islã medieval, viajar era um método de estudos e obrigação
para os candidatos à erudição, tanto para especialização nas ciências alcorânicas
quanto nas ciências naturais, que hoje correspondem a áreas como Astronomia,
Matemática e Medicinaxi. A prática de viajar produziu obras escritas com diversas
características, mas que podem ser agrupadas em um gênero literário comum
denominado riḥlaxii.
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O gênero literário dos relatos de viagens árabe-islâmicos surgiu em um contexto
específico: Cruzadas. O movimento complexo, que incluiu lutas armadas e momentos
de intercâmbio cultural entre cristãos e muçulmanos,xiii foi o pano de fundo para o
nascimento da riḥla. Mas deve-se também apresentar os anos antecedentes a esse
nascimento.
Pertencem aos séculos II/VIII-III/IX os primeiros roteiros de viagens do mundo
islâmico, constituídos por descrições em parte objetivas e em parte fantasiosas das
rotas, pontos de comércio e produtos comercializáveis. Desde os primeiros tempos do
Islã as cidades e o comércio eram responsáveis pela organização de relações sociais,
econômicas e culturaisxiv. Conforme o mundo islâmico crescia, se fazia necessário um
reconhecimento dos diferentes territórios assimilados e de suas características, como
relevo, clima, riquezas da natureza e traços culturais de suas populações. Tais saberes
tinham relação direta com a conscientização do espaço e de saberes matemáticos que
influenciaram no surgimento dos chamados livros geográficos. Essas obras eram
encarregadas principalmente a funcionários de governos, que escreviam sobre
impostos, rotas e defesas fronteiriças. Contudo, aos poucos, os autores desse tipo de
obra se preocuparam com os elementos humanos, de forma que a tecnicidade dos livros
geográficos saiu para instigar obras ao estilo geografia administrativa, que se
preocupava com a fé islâmica, com a representação das terras habitadas por
muçulmanos e com a localização do centro do mundo em Meca, alvo dos peregrinosxv,
mas nesse mesmo período - séculos II/VIII-III/IX - também havia narrativas árabes sobre
viagens feitas fora do mundo islâmico, cujos temas eram os costumes das sociedades
que os viajantes conheciamxvi.
Outro tipo de viagem e relato era a riḥla ḥiŷāziyya, referente, geralmente, às
cidades santas e, precisamente, aos lugares santos do ocidente da Península Arábica
(Ḥiŷāz). A emoção religiosa foi destaque nesse tipo relato, pois sua motivação principal
era a peregrinação ritual a Meca. Assim, esse tipo de relato, considerado sagrado,
constitui-se como guia de viagem para os peregrinos, facilitando a peregrinaçãoxvii.
Nesse quadro histórico de jornadas, o viajante era admirado no mundo islâmico,
principalmente o peregrino, por isso a hospitalidade fez parte da dinâmica social
islâmica, facilitando assim a vida dos peregrinos quando longe de casa. Além do direito
de hospedagem, os peregrinos eram beneficiados com esmolas e também com uma
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flexibilização da Šarīᶜa, a lei islâmica: desobrigação às cinco orações diárias e até ao
jejum do ramaḍānxviii em caso de ataque e/ou dominação por parte de inimigos.
Retornando da peregrinação, o viajante recebia o título de “ḥāŷŷ” (peregrino). No Islã
medieval, o peregrino era considerado um herói, sendo considerando quase santo
devido às grandes distâncias percorridas e aos perigos transpostos para chegar e voltar
de Mecaxix.
Outro gênero, a viagem em busca de ciência (riḥla fī ṭalab al-ᶜilm) parecia mais
com uma literatura biográfica, mas uma nova obra, surgida no final do século V/XI, deu
novo impulso à tradição dos relatos de viagens. Essa obra ficou conhecida como
Ordenación del viaje (Tartīb ar-riḥla), de Abū Bakr Ibn ᶜArabī (468/1076-543/1148),
nascido na cidade de Sevilha. Esse autor é considerado o iniciador do gênero literário
riḥla, pois tem um estilo situado na intersecção entre o tratado geográfico e o
testemunho de estudos. Já o valenciano Ibn Ŷubayr (540/1145-614/1217) foi um dos
primeiros autores a redigir um relato de viagens autêntico, não um testemunho de
estudos em si. Com esse peregrino, natural da cidade de Valência, o gênero riḥla foi do
campo do saber para a literatura, influenciando diretamente viajantes e escritores
posteriores, como o famoso magrebino Ibn Baṭṭūṭa (703/1304-770/1368-1369 ou
779/1377), também denominado de “Príncipe dos Viajantes” ou “Viajante do Islã”. Ibn
Baṭṭūṭa viajou, por aproximadamente vinte e nove anos, pelos atuais territórios da
Península Ibérica, norte da África, Oriente Médio e Ásia Central, percorrendo cerca de
cento e vinte e um mil quilômetros em territórios que hoje correspondem a quarenta e
quatro países. Seu relato de viagem foi redigido pelo seu escriba e poeta da corte
marínida de Fez, no atual Marrocos, Ibn Ŷuzayy (1321-1356).
Outros viajantes-escritores influenciados por Ibn Ŷubayr foram: Ibn Saᶜīd al-
Magribī (1208-1286), Al-ᶜAbdarī (1289), Ibn Rušayd (morto em 1321), at-Tuŷībī (morto
em 1329), al-Qantūrī (morto em 1365), at-Tiŷanī e Abū l-Baqā` Jālid al-Balawī, esses
dois últimos do século XIVxx.
Convém enfatizar que a riḥla é uma viagem de exploração e de descobrimentos,
de contatos com o Outro. É a viagem científica do Islã, por meio da qual os muçulmanos
eruditos medievais conheceram diversas sociedades e desenvolveram seus
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conhecimentos nas áreas da geografia, da filosofia e das ciências de um modo geralxxi.
Como defende Sofía Rueda, em termos de estrutura textual, é característico da riḥla, e
do gênero “relato de viagem” como um todo, a predominância da descrição, como
modalidade discursiva, sobre a narratividadexxii. Vejamos mais sobre a conceituação
desse gênero.
El término arábigo riḥla significa “viaje, partida, marcha, salida, emigración, periplo, itinerario, relato de viaje”… Es justamente esta última acepción la que se especializó para dar nombre a un género que ocupa un lugar destacado en la literatura árabe. Efectivamente, en el siglo XII aparece cuajado algo nuevo en las letras árabes, el género riḥla – que no es otra cosa que el relato de viaje, la relación de viaje – cuyo valor e interés, en rigor, radica más en su naturaleza de documento histórico, que en la de ser específicamente manifestación de un género literario – aunque en su mejor momento, por su talante, estaría a medio camino entre la geografía descriptiva y la novela de aventuras -xxiii.
Logo, “riḥla” tem sentido de “viagem”, de “relato de viagem” específico e de um
gênero literário originado no século VI/XII. Usa-se aqui a noção de “gênero” oriunda do
latim “genus-eris”, que significa “origem”, “classe”, “espécie”, “geração”, “tempo de
nascimento”, palavras com o sentido de reunir e classificar as obras literárias segundo
determinados critérios, como estratégias semelhantes de estruturação, permitindo filiar
cada obra literária a uma classe ou espéciexxiv.
Além disso, é importante frisar, como afirma Almeidaxxv, que o texto de uma riḥla
é composto por vários tipos discursivos que transitam pelas mais diversas áreas, sob a
ótica dos conhecimentos atuais, como história, antropologia, religião, dentre outras.
Neste artigo, o foco de análise serão os discursos religiosos do peregrino Ibn Ŷubayr,
que contribuíram para caracterizar o Monte Líbano como uma localidade sacra.
Monte Líbano: Um Lugar Sagrado
As primeiras impressões de Ibn Ŷubayr sobre o Monte Líbano reúnem
informações e crenças do viajante em relação ao grupo ismaelita, um dos ramos do
xiismoxxvi, vertente do Islã a qual o ibérico se opunha. Em seguida, ele registrou
informações mais objetivas sobre a localização do monte.
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Detrás de ella se halla la montaña del Líbano, que es muy alta y se extiende en sentido longitudinal vecina al mar. En sus laderas están las fortalezas pertenecientes a los herejes ismāᶜīlíes, secta que se ha separado del islam y pretende (encontrar) los caracteres de la divinidad en un ser humano. Les fue reservado por el destino un demonio de forma humana llamado Sinān, que los ha engañado con mentiras y quimeras; los ha seducido valiéndose de ellas y los ha hechizado con absurdos. Así pues, lo han tomado pro divinidad, adorándole y sacrificando por él sus personas, y permanecen sometidos a él y acatando sus órdenes. En el momento que ordene a uno de ellos arrojarse de lo alto de una montaña, éste se tirará y se apresurará (a ir) hacia la perdición para satisfacerlo. Dios extravía a quien quiere y guía a quien quiere con su poder. En él – alabado sea – buscamos refugio contra la ruptura de la fe, y le pedimos la protección contra el extravío de los herejes. ¡No hay señor sino Él, ni digno de adoración excepto Él!
El monte Líbano susodicho es el límite entre el país de los musulmanes y el de los francos, pues tras él está Anṭākiya (Antioquía), Latakia (Laodicea) y otras que son de sus ciudades. ¡Dios la restituya a los musulmanes! En la ladera del citado monte hay una fortaleza llamada Ḥiṣn al-Akrād (la Fortaleza de los Kurdos), que pertenece a los francos y desde donde envían algaras contra Ḥamāt (Ephiphania) y Ḥimṣ (Emesa). Se ve a simple vista desde las dos (ciudades)xxvii.
O viajante informou que o Monte Líbano estava no “limite entre o país dos
muçulmanos e o dos francos”. No contexto cruzadístico das viagens de Ibn Ŷubayr, os
muçulmanos utilizavam o termo “franco”, do árabe “franŷ”, para se remeterem, de forma
generalizada, aos cristãos ocidentais, principalmente aqueles oriundos da região que
hoje corresponde à França, região de proveniência da maioria dos cruzados. Estes,
como afirma Amin Maalouf, eram vistos pelos muçulmanos, tanto árabes quanto turcos
e curdos, como invasores dos seus territórios e, as Cruzadas, eram consideradas,
geralmente, uma guerraxxviii. Para compreender mais o fenômeno das Cruzadas, é
preciso também levantar apontamentos sobre o contexto cristão no mundo ocidental.
Para Pierre Bonnassie, as Cruzadas podem ser entendidas como um movimento
de longa duração caracterizado por migrações armadas do Ocidente rumo ao Orientexxix.
Segundo Fátima Regina Fernandes, as Cruzadas foram um movimento surgido no
Ocidente e que levou a um longo enfrentamento militar principalmente nas regiões da
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Síria e da Palestina, entre os séculos XI e XIII, e na Península Ibérica entre os séculos
VIII e XVxxx. O contexto ocidental de surgimento das Cruzadas foi singular: após uma
época de relativa pacificação das invasões de germânicos, húngaros, nórdicos e
muçulmanos, do século XI em diante a Europa passou a vier um período de crescimento
demográfico, econômico e social. Estações do ano mais bem definidas contribuíram
para melhores colheitas. Havia mais bocas para se alimentar e mais homens para lutar.
Mas também havia problemas de ordem político-militar.
Os senhores de terra mudaram o sistema de sucessão de bens, legando
patrimônio apenas aos primogênitos, gerando ociosidade nos filhos de segunda
nobreza. Não se pode também esquecer os conflitos entre os poderes temporal e
espiritual, envolvendo papas e imperadores. Esses conflitos incentivaram a convocação
para a Primeira Cruzada pelo papa Urbano II no Concílio de Clermont em Clermont
Ferrand, na França, em 25 de novembro de 1095. A convocação papal aos cristãos para
lutar contra os “infiéis” muçulmanos no Oriente a fim de libertar o Santo Sepulcro de
Cristo foi a resposta do papa ao pedido de auxílio do imperador bizantino Aleixo I, cujos
territórios na Ásia Menor estavam prestes a ser invadidos pelos turcos seljúcidas. O
imperador bizantino queria apenas auxílio contra os turcos, e o Papado viu nisso uma
oportunidade para canalizar as pressões internas ocidentais e expandir a Cristandadexxxi
colocando-se como soberano da Cristandade latina e gregaxxxii. Nesse contexto, dois
mundos diferentes entre si, a Cristandade e o mundo islâmicoxxxiii, iriam começar uma
série de relações tanto pacíficas quanto beligerantesxxxiv.
Tradicionalmente, os estudos historiográficos consideram a existência de oito
cruzadas no Oriente, tendo a primeira sido convocada em 1095 e, a última, em 1270xxxv.
Como destaca Fernandes, a despeito do fracasso cristão na última cruzada e da
retomada de Jerusalém pelos turcos, os conflitos contaram com vitórias militares cristãs
e muçulmanas, bem como com acordos entre ambos os lados. Também houve
interações culturais. O conhecimento mútuo, entre cristãos e muçulmanos, antecedeu e
sobreviveu às Cruzadas. Logo, como já mencionado, a troca de influências culturais
também fez parte do saldo final do movimento no medievo. “No entanto, o fator decisivo
que permite a continuidade do movimento durante séculos é a coexistência de
momentos e espaços de conflito entre cristãos e muçulmanos com momentos e espaço
de convivência pacífica, dentro e fora da Cristandade”xxxvi.
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Nesse contexto complexo, Ibn Ŷubayr transitou pelo Oriente Médio poucos anos
antes da Terceira Cruzada (1189-1192). Pelos seus escritos, é possível perceber que
ele não só concebia as guerras cruzadísticas com um forte teor sacro, mas também
concebia certos locais ligados a religiosidades, como o Monte Líbano, como lugares
sagrados. O teórico Mircea Eliade entende o sagrado como “algo absolutamente
diferente do profano”xxxvii, e este é tudo que é natural. O sagrado é a manifestação de
uma realidade diferente das realidades naturais. Posto isso, pode-se deduzir que o
fenômeno da sacralização alimenta o imaginário.
Ao se analisar as obras de Jacques Le Goffxxxviii e Gilbert Durandxxxix, pode-se
concluir que os dois autores concordam que o imaginário abarca todas as
representações da sociedade, toda a experiência humana, coletiva ou individual, como
as ideias sobre a morte, futuro e corpo. O imaginário pode ser visto como um museu
mental em que estão as imagens passadas, presentes e as que ainda serão produzidas
por dada sociedade. E o imaginário, como bem ressalta Barrosxl, enquanto produto de
um meio social dinâmico, não pode ser encarado como algo estático, pois envolve vários
objetos no seu campo de investigação como padrões de representações, repertório de
símbolos e imagens e suas relações com a vida social e política, bem como uma função
em cerimônias e rituais, em temas que instigam à literatura e até nos modos de vestir e
teatralizar o poder.
Colocados esses conceitos e, tendo consciência que, demograficamente, o
monte Líbano no século VI/XII era entendido como um ermo, é necessário apresentar
os apontamentos que Le Goff faz sobre o deserto no Medievo e um tipo humano que o
habitava: o eremita. Essa figura também mereceu a atenção de Ibn Ŷubayr em suas
descrições sobre o Monte Líbano.
Todo aquel de los extranjeros que, en estas regiones, Dios ha favorecido con la vida solitaria, puede quedarse, si quiere, en una aldea, donde hallará buena vida y ánimo sereno. El pan le vendrá en abundancia de las gentes de la aldea; mientras, él se encargará de las funciones de imán, o de enseñanza, o de lo que quiera. Cuando se haya hartado de la estancia (allí), marchará a otra aldea, o subirá al monte Líbano, o al monte de al-Ŷūdī, en el que encontrará piadosos eremitas (murīdīn) dedicados a Dios, poderoso y grande. Permanecerá con ellos lo que quiera y se irá a donde quieraxli.
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Para Le Goff, o deserto, autêntico ou imaginário, desempenhou papel importante
nas grandes religiões euroasiáticas, que são o judaísmo, o cristianismo e o Islã. De
forma habitual, o deserto, nessas religiões, representou os valores opostos aos da
cidade, sendo seu estudo importante para conhecer a história das sociedades e suas
culturas. Apesar de focar nas representações cristãs medievais, os apontamentos de Le
Goff são adequados quando se observa no Islã no mesmo período.
No Oriente, o deserto é uma realidade ambivalente: é ao mesmo tempo
geográfico-histórica e simbólica. “A história do deserto, aqui e além, agora e logo, foi
sempre feita de realidades espirituais e materiais misturadas entre si, de um vaivém
constante entre o geográfico e o simbólico, o imaginário e o econômico, o social e o
ideológico”xlii. Nesse ambiente, figuras e/ou personagens como o eremita e o caçador
selvagem e louco são mediadores ambíguos, desempenhando os papéis assimétricos
do estado selvagem e da cultura.
No entanto, diferente do caçador, o eremita é popular. As pessoas vão a ele se
confessar, buscar conselhos, bênçãos e curas. De todos os religiosos, o eremita é o que
está mais próximo da cultura popular autêntica, do folclore. O deserto é o ponto mais
distante da cultura dos eruditos. O eremita também vive ao lado de marginais, como
afirma Le Goff. E, em um contexto complexo como o das Cruzadas, o eremita entrava
em contato não só com guerreiros, mas também como fiéis dos dois credos
monoteístas, como registrou Ibn Ŷubayr em relação aos religiosos do Monte Líbano.
Es asombroso que los cristianos, vecinos del monte Líbano, cuando ven a uno de estos solitarios musulmanes les traen sustento y los tratan bien, y dicen: “Éstos son de los que se han consagrado a Dios, poderoso y grande; por tanto, la asociación con ellos es necesaria”. Este monte está entre las más fértiles montañas del mundo; en él se hallan toda clase de frutas, hay aguas corrientes y extensas umbrías. Raramente hay un lugar donde el ascetismo y la renuncia al siglo estén ausentes. Si la conducta de los cristianos, (pese) a lo contrario de su credo, es esta conducta, ¿cúal te parece (que será) la de los musulmanes unos con otros? De lo más extraordinario que se cuenta, está el que los fuegos de la discordia se enciendan entre los dos grupos, musulmanes y cristianos; a veces las dos partes se enfrentan y se alinean en posición de combate; sin embargo, caravanas de
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musulmanes y de cristianos van y vienen entre ellos sin que se opongan. (…). Ninguno de los mercaderes cristianos es estorbado ni obstaculizado (en territorio musulmán). Los cristianos, en su territorio, hacen pagar a los musulmanes un impuesto y gozan de una seguridad extrema. También los mercaderes cristianos pagan en el territorio de los musulmanes por sus mercancías; hay acuerdo entre ellos y armonía en todas las circunstancias. Las gentes de guerra están ocupadas en sus guerras; el pueblo permanece en paz; los bienes de este mundo son para quien vence. Ésta es la conducta de la gente de este país en sus guerras. En lo concerniente a los conflictos internos (fitna), que tienen lugar entre los emires musulmanes y sus reyes, tampoco (éstos) llegan a los sujetos ni a los mercaderes; e en paz o en guerra, la seguridad no les abandona en ninguna circunstancia. La condición de este país en eso es tan extraordinaria que la referencia acerca de ella no se agotaría. ¡Dios, por su gracia, exalte la palabra del islam!xliii
Essa citação é um exemplo do intercâmbio entre cristãos e muçulmanos no
relato de Ibn Ŷubayr, registrado quando o peregrino conheceu uma região que
atualmente faz parte da Síria, no mês de ŷumāda I de 580 ou agosto-setembro de 1184.
O viajante descreveu, em primeiro lugar, sobre os eremitas piedosos do Monte Líbano.
Em seguida, registrou a complexidade de relações entre cristãos e muçulmanos,
escrevendo sobre a tolerância dada ao comércio e às rotas de viagens. Essa tolerância,
deduz-se, contribuiu não só com as atividades comerciais, mas também com as
jornadas religiosas, como a peregrinação a Meca.
Considerações Finais
O surgimento do gênero literário riḥla esteve diretamente relacionado ao seu
contexto: o século VI/XII. Oriundo de uma época de expansão do Islã e de avanço dos
cristãos cruzados no Oriente, a riḥla ajudou a preencher lacunas nos campos de
reconhecimento de territórios e de costumes de sociedades, necessidades
imprescindíveis em um contexto dinâmico e multifacetado como o das Cruzadas.
Dentre os vários tipos de discursos componentes de uma obra do gênero riḥla,
o discurso religioso foi alimentado pelo e alimentou o imaginário de sua época. As
leituras de tais discursos contribuem para que nós, homens e mulheres do presente,
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possamos compreender melhor as conceituações das distintas realidades que faziam
parte das vivências dos homens do passado.
A escrita de Ibn Ŷubayr, encarada sob uma perspectiva documental, ou seja,
como uma obra informativa, de registro, favorece o conhecimento e o entendimento do
mundo árabe-islâmico medieval. Tal entendimento é fundamental nestes tempos, onde
Islã, muçulmanos e árabes são alvos de estereótipos e preconceitos negativos que
favorecem construções conceituais equivocadas e generalizantes sobre esse povo e
essa cultura, que foram fundamentais para o desenvolvimento do Ocidente e do Oriente,
bem como para as relações entre esses dois campos.
Referências Bibliográficas
Fonte Documental
IBN ŶUBAYR. A través del Oriente (Riḥla). Madrid: Alianza Editorial, S.A., 2007. Tradução, estudos, notas e índices por Felipe Maíllo Salgado.
Leituras
ALMEIDA, Maria Cândida Ferreira de. Palavras em viagem: um estudo dos relatos de
viagens medievais muçulmanos e cristãos. In: Revista Afro-Ásia, nº 32, Universidade
Federal da Bahia, Bahia, Brasil, 2005, p. 83-114.
Disponível em: https://www.academia.edu/1840518/
Acesso em 14/09/16.
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TABELA DE TRANSLITERAÇÃO
Letras Árabes na
Forma Isolada
Letras Transliteradas
` / a ا
b ب
t ت
t ث
ŷ ج
ḥ ح
j خ
d د
d ذ
r ر
z ز
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s س
š ش
ṣ ص
ḍ ض
ṭ ط
ẓ ظ
ᶜ ع
g غ
f ف
q ق
k ك
l ل
m م
n ن
h ه
w و
y ي
As vogais breves ou sons vocálicos breves foram transliterados para os
seguintes caracteres: a, i, u. As vogais longas ou sons vocálicos longos foram
transliterados, respectivamente, para: ā, ī, ū.
Para ficar de acordo com o relato de viagens de Ibn Ŷubayr, o sistema de
transliteração adotado para as palavras e termos árabes segue as normas estabelecidas
pela escola de arabistas espanhóis. A consulta a esse sistema de transliteração foi feita
na obra Diccionario de Historia Árabe & Islámica, de Felipe Maíllo Salgado, publicada
em 2013 pela Abada Editores, de Madrid. Para consultar o alfabeto árabe e suas regras
gramaticais adotamos a obra Nueva Gramática Árabe, de Haywood-Nahmad, publicada
em Madrid pela Editorial Coloquio, S.A., em 1992, traduzida do original em inglês para
o espanhol por Francisco Ruiz Girela.
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i Porção geográfica que abrange países com particularidades sociais e históricas, mas que também
apresentam manifestações expressivas da etnia e da cultura árabe e que adotam a religião islâmica,
concentrados no Oriente Médio e norte da África. As principais regiões desse mundo correspondem,
histórica e atualmente, aos seguintes países: Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Jordânia, Síria,
Iraque, Arábia Saudita e demais países da Península Arábica. CANEPA, Beatriz; OLIC, Nelson Bacic.
Oriente Médio e a Questão Palestina. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2003. ii Utiliza-se “Islã” como entidade política e cultural e “islã” como entidade religiosa. SALGADO, Felipe
Maíllo. Diccionario de historia árabe & islámica. Madrid: Abada Editores, 2013. A palavra “islã” significa
“submissão” ou “entrega”, no contexto religioso, “entrega a Deus”. Essa palavra é derivada do termo árabe
“salām”, que possui a conotação de “paz”, tanto no sentido de “ausência de guerra” quanto no sentido de
unificação espiritual, corporal, territorial e em outras áreas. Como religião, o islã nasceu no ano 610 cristão
por meio das pregações do mercador Muḥammad Ibn ᶜAbdu Allāhii (570-632), do clã hāšim da tribo
coraixita, da cidade de Meca. Posteriormente, a tradição religiosa denominaria Muḥammad como “Profeta”,
considerando-o o mensageiro final enviado à humanidade pelo Deus único, “Allāh” em árabe. iii BISSIO, Beatriz. A viagem e as suas narrativas no Islã medieval. In: Revista Litteris, Rio de Janeiro, nº
04, edição quadrimestral, março de 2010. iv Lê-se “ibini jubair”, com o “ŷ” sendo pronunciando conforme o “j” dos idiomas inglês ou português e o
“r” pronunciado de forma “vibrada”, igual ao “r” do idioma espanhol. v As datas neste trabalho serão citadas segundo o calendário lunar islâmico seguidas pelas datas do
calendário solar cristão. Em casos de desinformação sobre as datas islâmicas, serão mencionadas apenas as
datas cristãs. vi A versão dessa obra analisada para este artigo é uma tradução feita diretamente do árabe para o espanhol
por Felipe Maíllo Salgado (n. 1954) e publicada com o título A través del Oriente (Riḥla). A terceira edição
dessa tradução, em formato brochura com 568 páginas, foi publicada pela editora Alianza Literaria em
2007. Felipe Maíllo Salgado nasceu em Salamanca, Espanha. É filólogo, historiador e professor aposentado
de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade de Salamanca. vii BISSIO, Beatriz. op. cit., 2010. viii Idem, 2010. ix SENKO, Elaine Cristina. Reflexões sobre a escrita e o sentido da história na Muqaddimah de Ibn
Khaldun. São Paulo: Editora Ixtlan, 2012. x BISSIO, Beatriz. op. cit., 2010. xi Idem, 2010. xii Termo derivado do verbo “raḥala” que, nesse modo – conjugado na terceira pessoa do singular no
pretérito perfeito - significa “(ele) foi embora, “(ele) partiu”. “Riḥla” tem os sentidos de “selar um camelo”,
“viagem” e “relato de viagem”. ALMEIDA, Maria Cândida Ferreira de. Palavras em viagem: um estudo
dos relatos de viagens medievais muçulmanos e cristãos. In: Revista Afro-Ásia, nº 32, Universidade Federal
da Bahia, Bahia, Brasil, 2005, p. 83-114. xiii FERNANDES, Fátima Regina. Cruzadas na Idade Média. In: MAGNOLI, Demétrio. (org.) História das
guerras. 3 ed. São Paulo, Contexto, 2006, p. 99-129. xiv MACEDO, José Rivair; MARQUES, Roberta Pôrto. Uma viagem ao Império do Mali no século XIV: o
testemunho da rihla de Ibn Battuta (1352-1353). In: Revista Ciências e Letras, Porto Alegre, nº 44,
julho/dezembro de 2008, p. 17-34. xv CASTRO, Fátima Roldán. op. cit., 2014. xvi BISSIO, Beatriz. op. cit., 2010. xvii SALGADO, Felipe Maíllo. Introducción. In: IBN ŶUBAYR. A través del Oriente (Riḥla). Madrid:
Alianza Editorial, S.A., 2007. p. 25-56.
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xviii Nono mês do calendário lunar islâmico, período em que os muçulmanos são instigados ainda mais à
solidariedade e atividades coletivas e devem se abster de alimentos, líquidos, relações sexuais, pensamentos
maldosos e outras intenções do nascer ao pôr-do-Sol. O mês e sua ritualística são em lembrança e
comemoração à Revelação Divina feita ao Profeta Muḥammad por meio do anjo Gabriel. Segundo a
tradição, a primeira revelação foi feita quando o Profeta meditava no monte Ḥirā`, nas cercanias de Meca.
Esse episódio ficou conhecido como “Noite do Poder” ou “Noite do Destino”. xix SALGADO, Felipe Maíllo. op. cit., 2007. xx Idem, 2007. xxi GUZMÁN, Roberto Marín. Al-Rihla: el viaje científico en el Islam y sus implicaciones culturales. In:
Revista Reflexiones, nº 89, 2010, p. 123-145. xxii RUEDA, Sofía M. Carrizo. Poética del relato de viajes. Kassel: Edition Reichenberger, 1997. xxiii SALGADO, Felipe Maíllo. op. cit., 2007, p. 25. xxiv SOARES, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática, 7ª edição, 2007. xxv ALMEIDA, Maria Cândida Ferreira de. op. cit., 2005. xxvi Vertente político-religiosa do Islã. Historicamente, os xiitas compõem cerca de dez a quinze por cento
dos fiéis muçulmanos, sendo, portando, uma minoria dentro de todo o corpo de crentes do Islã. A palavra
“xiita” ou “xiismo”, formas aportuguesadas, vêm do termo árabe “šīᶜa”, que quer dizer “partido”, “fração”.
Em termos históricos, remete à expressão árabe “šīᶜa ᶜAlī” ou “šīᶜa min ᶜAlī”, que significa “partido de
ᶜAlī”, o quarto califa ortodoxo do Islã, primo e genro do Profeta Muḥammad. Assim, linguística e
historicamente, “xiita” significa “partidário de ᶜAlī” e, por extensão, “partidários dos descendentes de ᶜAlī”,
defensores da ideia de que o sucessor político do Profeta, o califa, deveria ser seu descendente por meio de
ᶜAlī. xxvii IBN ŶUBAYR. A través del Oriente (Riḥla). Madrid: Alianza Editorial, S.A., 2007, p. 393-394. xxviii MAALOUF, Amin. As Cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense, 1988. xxix BONNASSIE, Pierre. Dicionário de História Medieval. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985. xxx FERNANDES, Fátima Regina. op. cit., 2006. xxxi Por “cristandade” entende-se “um espaço amplo que envolvia as margens do Mediterrâneo e incluía
povos de várias etnias, dialetos, ritos e traços culturais distintos”. (Idem, 2006, p. 100). Essa noção foi mais
consolidada a partir do século XI em acordo com as prerrogativas papais de supremacia do poder espiritual
sobre o temporal. Idem, 2006. xxxii Idem, 2006. xxxiii Por “mundo islâmico” entende-se uma grande área geográfica governada por dinastias muçulmanas
com diversos elementos comuns. Segundo Tamara Sonn, esse mundo era dominado por instituições
islâmicas e incluía uma parte considerável de populações não muçulmanas. O mundo islâmico também era
caracterizado por certas formas ou símbolos externos, materiais e imateriais, como as mesquitas e a língua
árabe. SONN, Tamara. Uma breve história do Islã. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011. xxxiv FERNANDES, Fátima. op. cit., 2006. xxxv Primeira Cruzada (1096-1099), Segunda Cruzada (1147-1149), Terceira Cruzada (1189-1192), Quarta
Cruzada (1202, 1204), Quinta Cruzada (1217-1219), Sexta Cruzada (1228-1220), Sétima Cruzada (1248-
1250) e a Oitava Cruzada (1270). Pode-se também acrescentar a denominada Cruzada das Crianças (1212).
FRANCO JÚNIOR, Hilário. As Cruzadas. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. xxxvi FERNANDES, Fátima. op. cit., 2006, p. 127. xxxvii ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2001,
p. 17. xxxviii LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa: Estampa, 1994. xxxix DURAND, Gilbert. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro:
DIFEL, 1998.
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xl BARROS, José D´Assunção. O Campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes,
2004. xli IBN ŶUBAYR. op. cit., p. 440. xlii LE GOFF, Jacques. O deserto-floresta no Ocidente medieval. In: O maravilhoso e o quotidiano no
Ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 1990, p. 37-55, p. 43. xliii IBN ŶUBAYR. op. cit., p. 440-441.