68
Ano IV - número 19 - Fevereiro / Março / Abril 2007 - ISSN 1809-9793 Os Wolff: pioneiros da história judaica no Brasil Um Shabat inesperado no Rio Grande do Norte Aracy Guimarães Rosa: uma vida contra a injustiça Ano V - número 20 - Junho / Julho / Agosto 2007 Vilém Flusser Dossiê especial O que dizem os paulistanos sobre a Guerra do Líbano? Em Darfur a história se repete como tragédia Fábio Feldman e os caminhos do ambientalismo

Dossiê Vilém Flusser. Revista Cultura Judaica

Embed Size (px)

Citation preview

Ano IV - nmero 19 - Fevereiro / Maro / Abril 2007 - ISSN 1809-9793Os Wolff: pioneirosda histriajudaica no BrasilUm Shabatinesperado noRio Grande do NorteAracy Guimares Rosa:uma vida contraa injustia Ano V - nmero 20 - Junho / Julho / Agosto 2007Vilm FlusserDossi especialO que dizem ospaulistanos sobre a Guerra do Lbano?Em Darfur ahistria se repetecomo tragdiaFbio Feldmane os caminhos doambientalismo2 Revista 18EDITORIALConselho Editorial Ernesto Strauss, Flavio Mendes Bitelman, Luis S. Krausz, Michael Pinkuss, Raul Meyer, Yael SteinerPublisher: Flavio Mendes BitelmanEditor: Luis S. KrauszDireo de arte: Iaara RosenthalDiretora de Relaes Institucionais: Ana FefferExecutivo do Centro da Cultura Judaica: Giselle TideiAdministrao: Adriane OliveiraCirculao: BrandMemberDistribuio: Door to DoorGrfica: IpsisTiragem: 10.000 exemplaresColaboraram nesta edio:Alan Meyer (fotografia), Alfredo Schechtman, Anna Vernica Mautner, Bertrand Costilhes (ilustrao), Carla Ogawa, David R. Krausz, Dov Bigio, Flvio Blasbalg, Graciela Karman (reviso), Helosa Pait, Luis Dolhnikoff, Manuel da Costa Pinto, Mrcia Zoladz, Mrcio Seligmann-Silva,Marcos Alves (fotografia), Marleine Cohen, Nahum Sirotsky (Jerusalm), Nancy Rozenchan, Olvia Lerner (ilustrao), Samuel Feldberg,Saul Kirschbaum, Susana Kampff Lages Capa: Vilm Flusser, foto: divulgao/Gustavo Bernardo KrauseImpressoempapelCouchReflexMatte95g/m2(miolo)e150g/m2 (capa) da Cia. Suzano, produzido com recursos renovveis. Cada rvore utilizada foi plantada para este fim.As matrias assinadas no necessariamente refletem a opinio da Revista 18 ou do Centro da Cultura JudaicaCentro da Cultura Judaica Casa de Cultura de IsraelRua Oscar Freire, 2500 So Paulo CEP 05409-012Telefone (11) 3065 4333E-mail: [email protected]: de 2 a 6 feira, das 10h s 21hSbados, domingos e feriados, das 14h s 19hPara receber nossa programao, envie um e-mail para [email protected] Permanncia de Vilm FlusserH UMA VELHA E TRGICA LENDA segundo a qual, para ser reconhecido no Brasil, um intelectual, um artista, um cientista ou qualquer pessoa que se proponha a desbravar os prprios caminhos,precisa,primeiro,serreconhecidanaEuropaou nos Estados Unidos.Seauniversalidadedestasabedoriaproverbialquestio-nvel, ela ao menos parece confirmar-se, uma vez mais, quando olhamos para a trajetria do filsofo Vilm Flusser, que veio de Praga para So Paulo, como refugiado, no incio da 2 Guerra Mundial e aqui permaneceu at completar 51 anos de idade, em 1972, quando se decidiu por um retorno Europa. Flusser hoje reconhecido no universo acadmico espe-cialmenteodelnguaalemcomoumdosmaislcidos tericosdacontemporaneidade,voltando-sesobrequestes como a lngua, a comunicao e a fenomenologia dos objetos. ComoafirmaRicardoMendes,umdosprincipaisestudiosos brasileiros de Flusser, e responsvel por um site dedicado vida e obra do filsofo, a percepo sobre a obra de Vilm Flusser radicalmente distinta na Europa e no Brasil.Sua obra completa em alemo vem sendo publicada desde 1990 e seu pensamento assunto de colquios anuais, que so realizados com regularidade, na Europa, desde o comeo dos anos 90. Pouco depois da morte de Flusser, em 1991, sua esposa, Editheseuscolaboradoresmaisprximosseempenharam na construo de um arquivo, que se tornou uma instituio alem, intitulada Vilm Flusser Archive, primeiro instalada em Colnia e, desde janeiro de 2007, em Berlim.Entre ns, sua obra s aos poucos vai conquistando o espao que merece. O recente lanamento de sua autobiografia filo-sficaBodenlos,quefoiescritaemportugusmasjexistia emversoalemhmaisdequinzeanos,maisumpasso na divulgao de uma obra que teve na vivncia brasileira do autor, bem como na experincia do exlio, uma de suas mais importantes influncias.Ao mesmo tempo, a realizao de um colquio na cidade alemdeGermersheim,noanopassado,quecontoucoma participao de vrios estudiosos brasileiros, mostra a perma-nncia e a relevncia da obra de Flusser entre ns. Convidamos, por isto, alguns conhecedores e estudiosos do seu pensamento paracomentaremeapresentarem,nodossiespecialdesta 20ediodaRevista18,umatrajetriaintelectualmarcada pelo nomadismo, pela criatividade e pela percepo aguda dos paradoxos de nosso tempo. Esperamos, assim, poder divulgar o pensamento criativo de algum que, nas palavras de Mrcio Seligmann-Silva, devorou a cultura brasileira. Luis S. KrauszRevista 18 3SUMRIOENTREVISTA5Ambientalismo e poltica,segundo FBIO FELDMAN PERISCPIO10AL-QAEDA chega a Gaza, a sepultura de um heri, populao israelenseOPINIO12Da arte de ser judeu, por ANNA VERNICA MAUTNERO REPRTER14A marcha de um GENOCDIO IGNORADO,em Darfur20Quarenta anos depois, os reflexos daGUERRA DOS SEIS DIAS24O que pensam os paulistanos sobre aGUERRA DO LBANO?28A nova msica das FESTAS JUDAICASNO CENTRO30Arte-educao e COEXISTNCIADOSSI 34Vilm Flusser viu o exlio comoFORMA DE REDENO38Um dilogo cosmopolita comHAROLDO DE CAMPOS 41BODENLOS,a autobiografia de um estrangeiroLETRAS E ARTES44Os MUNDOS IMAGINRIOSde Alice Brill 48O abandono da natureza, em novo romancede AMOS OZ51CONTOS DE BIALIK,em nova traduo do hebraico54A poltica da inconscincia no pensamento de HANNAH ARENDT58SERIEDADE JUDAICA,em quadrinhos61Clssicos russos para o pblico infantil,por TATIANA BELINKYCULINRIA62O fio da memria, numaFORNADA DE BISCOITOSHUMOR63Surdo, EU???INTERNET 65O bom e o judaico, na seleo de DOV BIGIO4 Revista 18TENHOLIDOAREVISTA18depontaa ponta.Hartigosdequegosteitantoque discuto com colegas, docentes univesitrios. Um dos artigos de que gostei imensamente, pois at me indentifiquei foi Uma biblioteca, muitos donos. Outro de que gostei muito foi sobreoescritorScholemAleichem.Mas difcil falar de um ou outro, pois todos esto muito interessantes. Parabns!Anita Simis, Departamento de Sociologia, UNESP - Araraquara, SP FOICOMGRANDESATISFAOque encontreinonmero19daRevista18a brilhante matria Caadores de passos esque-cidos,dajornalistaCludiaAltschller. Cludia soube sintetizar, de maneira clara e objetiva, o valioso trabalho desenvolvido pelos Wolff e em especial a vida de Frieda semEgon.Querotambmregistrar,em nomedoMemorialJudaicodeVassouras, o crdito que nos foi concedido.Prof. Dr. Luiz Benyosef, Presidente do Memorial Judaico de Vassouras - Rio de Janeiro, RJGOSTARIA DE RESSALTAR a qualidade e a importncia do contedo geral da Revista 18.Mnica de Souza Lopes, por e-mail ATRAVS DA PRESENTE, apresento o meu agradecimentopelagentilezadoenvioda Revista18e,nestaoportunidade,cumpri-mento-ospelocontedoepelaqualidade grficadapublicao.Aproveitooensejo para renovar a expresso de agradecimento e considerao e apreo. Iaaqob Ben Iehochafat, por e-mail RECEBI A REVISTA 18 n 19 e fiquei admi-radocomasmudanas,todaspositivas. Ainda no terminei de l-la. Ela deu um salto para melhor e eu no saberia dizer por qu, pois ainda no a confrontei com as outras. Os artigos continuam formando e informando, mas tornaram-se mais leves no estilo. Joo Valena - Salvador, BAANOTAPUBLICADAnaRevista18n19, na seo de cartas, no est correta. A infor-maocorretasegueabaixo:ofotgrafo HansGunterFliegfoioprimeiroafazer calendrioscommotivos brasileiros.Foi ele tambm o primeiro avestir o Papai Noel com roupas caractersticas ao nosso clima. Thea Joffe - So Paulo, SPCOM RELAO AO ARTIGO de Luis Dolh-nikoff, Anti-sionismo, o anti-semitismo do sculo21,publicadonaRevista18n18, seo Opinio, gostaria de observar que, de acordo com demgrafos e socilogos, Israel vai enfrentar, nos prximos anos, uma ameaa demogrfica: a populao rabe dentro das fronteirasde1967farcomque,dentrode quinzeouvinteanos,osrabessetornem amaioriadapopulaonumEstadoque pretendia ser judeu.Se levarmos em conta os dados da migrao negativa que est ocor-rendo em Israel agora, a proporo de judeus na Terra Santa tende a diminuir ainda mais.De outro lado, a maioria dos judeus do mundo julga melhor ficar onde est do que irparaIsrael.Anteestasituao,existem quatro alternativas:1.SeIsraelmantiverosistemade democraciaparlamentar,queDolhnikoff mencionanoseuartigo,serobrigadoa estenderodireitodevotopopulao rabe dos territrios ocupados. Nesse caso, os judeus se vero em minoria, e se diluir a viso do fundador do sionismo, Theodor Herzl, de um Estado Judeu.2.SeIsraelnegarodireitodevotoaos rabes nos territrios, isso constituir um apar-theid, que no ajudaria em nada o sionismo, nemdiminuiriaodioaosionismo,que Dolhnikoff afirma estar atingindo, em ondas crescentes, desde a esquerda ocidental at o fundamentalismo islmico, e ameaa tomar o lugar do anti-semitismo no sculo 21.3.SeIsraelpromoveratransferncia forada dos rabes para fora das fronteiras israelenses, isso vai causar a expanso ainda maior dos campos de refugiados palestinos foradoEstadojudeu,oqueemnadavai contribuir para melhorar sua imagem. 4.Aquartaopo,queconstadeum manifesto publicado por doze artistas pls-ticospoucosmesesdepoisdotrminoda Guerra dos Seis Dias, em setembro de 1967, atesedofimdaocupao.Nestemani-festo lia-se: Nosso direito de nos defender nonosdodireitodeesmagaroutros.A ocupao leva a um regime estrangeiro, o regime estrangeiro leva revolta, a revolta levaaoesmagamentodopovorevoltado, o esmagamento leva ao terror, que leva ao contraterror.Asvtimasdoterrorsoem geral pessoas inocentes. A manuteno dos territrios ocupados nos torna um povo de assassinosaseremassassinados.Vamos deixar os territrios imediatamente!Na euforia que tomou conta de Israel com a vitria da guerra de 1967, este anncio foi ignorado. Hoje, porm, um em cada trs lares israelenses tem emoldurado este manifesto, como um cone. Israel j teve dias gloriosos, em que o mundo inteiro o estava abraando em 1948 e em 1967. Desde a ocupao, a rodadahistriagirou.DavidGrossman, um dos mais famosos escritores israelenses, que perdeu um filho no ltimo dia da nova guerra no Lbano, disse que h um vazio na lideranaecitouoprofetaNeemias:No existe mais rei em Israel e os destruidores do pas esto saindo dentre vocs mesmos.HannahArendtafirmou:Ossionistas sefechamemsimesmos,mergulhados permanentemente na sua defesa fsica, o que enevoa todas as suas aspiraes e conquistas; suaculturadeixardeserseulegado,eles abandonaro o seu progresso social, o pensa-mentopolticosereduzirataestratgia militar,odesenvolvimentoeconmicodo Estado judeu ser dirigido somente s neces-sidades de guerra, e mesmo que venam na guerra,nofinaldascontas,asconquistas sionistas estaro feridas e defeituosas, sem reparo. Seja qual for o nmero de imigrantes queIsraelabsorver,quantomaisopasse expandirealargarassuasfronteiras,mais permanecerumanaopequena,isolada e rodeada de um nmero incontavelmente maior de pessoas hostis.Parece que a viso dessa grande filsofa est se realizando.Gershon Knispel - So Paulo, SPCARTASRevista 18 5Ambientalismo,noBrasil,quasesin-nimodeFbioFeldmann.Noh bandeira,legislaooutratativa,no pas, que no tenha despertado seu interesse: da poltica nacional de recursos hdricos implan-tao de unidades de conservao; da poluio urbanaproteodaMataAtlntica,foram mais de duas dcadas de atuao poltica e gesto empresarial a servio da causa ambiental. Militante desde os tempos em que ser verde erareivindicararedemocratizaodoBrasil erepeliraenergianucleareafabricaoda bomba atmica, Fbio Feldmann foi o primeiro deputadofederaleleitonopasgraasauma plataforma ambiental.SecretriodoMeioAmbientedoEstado de So Paulo (1995-1998), atraiu a ira dos insensveiscausaaoinstituirorodziona Capitalemvigoratosdiasdehoje.E, por ser mais srio que polmico, deu a volta porcima,conquistandoumacadeiracomo parlamentar por trs mandatos consecutivos (1986-1998). Fbio Feldmann acredita que ainda no seja tarde demais para superar as mudanas climticas geradas pelo efeito estufa, embora as veja como inevitveis. E afirma haver muita inrcia por parte dos governos, enquanto o setor empresarial e a sociedade civil so os novos grandes vetores da discusso sobre o meio ambiente. Por Marleine CohenEnquanto ainda h tempo...ENTREVISTAPedro BicudoFeldman: Uma conferncia de chefes de Estado para discutir a questo do clima urgente, e pessoalmente eu defendo que o Brasil passe a sediar este encontro.6 Revista 18ENTREVISTASuavidapblicatambmincluiinser-esnaCartaMagnaerepresentaes oficiais:umdosautoresdocaptulodeMeio Ambiente da Constituio Federal, foi relator daPolticaNacionaldeRecursosHdricose daConvenoQuadrodasNaesUnidas sobre Diversidade Biolgica. Nosltimosanos,vemsededicando temticadasmudanasclimticas,inte-grandoadelegaobrasileiranasConfe-rncias das Partes da Conveno Quadro das Naes Unidas sobre Mudanas Climticas, entre as quais a de Kyoto, que deu origem ao protocolo homnimo. Em 2000, ajudou a criar o Frum Brasileiro de Mudanas Climticas, do qual foi secretrio executivo at 2004. Um ano depois, empenhou-se em constituir o Frum Paulista de Mudanas Climticas Globais e Biodiversidade, frente do qual ainda se mantm.FundadordasosMataAtlntica matriarca das ongs nacionais , tambm deu vida Oikos, Funatura e Biodiversitas e se tornou conselheiro da The Nature Conservancy Brasil, da Akatu e do Greenpeace Internacional, entre outras. Gozando de uma slida reputao interna-cional em defesa do meio ambiente, acumula, em seu extenso currculo, prmios e honrarias como o prmio Sarney de Ecologia (1989), o prmio Global 500 das Naes Unidas (1990), o prmio Trust - International Award For Conservation AchievementeopnbedeCidadania(2002). Em1989,foiapontadopelarevistaTimes como um dos mais importantes ambientalistas do mundo.Consultor,administradordeempresase advogado, acredita que esgotou a satisfao no exerccio da vida pblica e quer empreender em outros campos. hora de abrir espao para pessoas mais jovens,anuncia,avaliandoqueoambienta-lismo no morreu, mas envelheceu em funo deseuprpriosucesso,equeoambienta-listaprecisasereinventarparaatenders demandasdasociedadenacomplexidadeem que elas existem.Atualmente,Feldmandirigeseuprprio escritriodeconsultoriaemquestesrela-cionadas sustentabilidade e ao desenvolvi-mento sustentvel.NestaentrevistaRevista18,elefala dofantasmadasmudanasclimticasque atemoriza o mundo e de suas perspectivas de carreira.REVISTA18Sefossedarasboas-vindasaumrecm-nascidoneste exatomomento,diriaqueosfilhos delepoderocontinuarvivendoneste planeta?Emoutraspalavras:oque esperar da mudana de clima na Terra?FBIOFELDMANNAmudanade climairreversvel,algocomquedeve-remos conviver daqui para a frente. A huma-nidade vai passar por maus momentos. As chuvas, as secas, a elevao do nvel do mar ocorrerocommuitaintensidadeeeste serummundomuitodiferentedaquele em que vivemos. Isso significa que nossos filhos tero de desenvolver uma capacidade deadaptaoqueahumanidadenunca enfrentou antes. Mas eu sou otimista; sou daquelesqueacreditamqueaindano ultrapassamososinalvermelho.Estamos entreoamareloeovermelho;htempo de reverter. 18Oseuaserecusamaparticipar dograndeesforointernacionalpara reverteracriseambientalnoplaneta. Na sua opinio, a no-adeso dos ameri-canos ao Protocolo de Kyoto esvazia este mutiroparaamenizarasmudanas climticas que se anunciam?FFPensoestarhavendoumaclara mudananaposturanorte-americanaem relaoaoproblema.AposiodeGeorge Bush insustentvel a longo prazo. H sinais perceptveis de uma rpida mudana por parte dos eua. A Califrnia, que um estado republi-cano, governada por Arnold Schwarzenegger, tem um programa ambiental muito avanado em relao ao aquecimento global. Por outro lado,aSupremaCortedoseuaanunciou recentemente que a Environmental Protec-tion Agency (epa), o poderoso Ibama norte-americano, tem o dever de controlar o efeito estufa. Por isso, embora persistam dvidas sobreseoProtocolodeKyotosemanter depoisde2012,quandodeveserrevisto, acredito que at l os eua assumiro outro papeledeverseratualizado.Nocreio que vo aderir ao Protocolo, mas penso que faroumgrandeesforodomsticopara lidar com o problema.18Emtermosbemprticos,oquea humanidade pode esperar com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto?FF O Protocolo de Kyoto representa um espao poltico um pouco reduzido. Com a confirmaodacomunidadecientficade quo grave a situao, acho que devemos pensaremumaconfernciadechefesde Estadoparadiscutirquestesdeclima, como na Rio-92. Pessoalmente, defendo que o Brasil passe a sediar este encontro.18 Recentemente, a ministra Marina Silva,doMeioAmbiente,declarou queospasesricosdevemassumirsua cotaderesponsabilidadeemrelaos mudanas climticas e que os pases em desenvolvimentonopodemserbodes expiatrios. Est a um esboo de como omundovailidarcomaquesto:um empurra-empurra de culpas?FF De fato, eu critico muito esta posio: elalevaaumresultadodesomazero.As mudanasemcursonoplanetarepre-sentamum problema to grave que todos ospasesdeveriamseenvolver.NoBrasil, 70 por cento dos gases emitidos se devem ao desmatamento da Amaznia. O tema do clima exige uma viso de mundo diferente, enomarcadapelavisoNorte-Sul.Esta posio, a do Itamaraty nos ltimos 20 anos, pertence ao sculo 19, e no ao 21.18Aprimeiravezquesefaloude Kyotofoiem1992,15anosatrs.No achaqueesthavendodescompasso entre a gravidade da crise ambiental, de um lado, e a adoo de medidas, de outro? Isto,asnegociaesnodeveriamser mais cleres e a ao, mais efetiva diante da tragdia?FF Acho que 1992 foi importante porque, pelaprimeiraveznahistria,todosos conceitos foram colocados. Agora, h outro grande desafio: implement-los. No podemos ser ingnuos a ponto de achar que no haver resistncias muito fortes. O mundo mudou, a gente tem de levar em conta os avanos que esto em curso fora da esfera governamental. Para quem acompanha a questo ambiental, ter, por exemplo, uma Bolsa de Valores que associa seu nome questo ambiental, como a de So Paulo, um grande avano. Grosso modo, est havendo, a meu ver, muita inrcia de um lado e os governos so os maiores devedores,enquantoosetorempresarial e asociedadecivilcomoumtodosoos novos grandes vetores da discusso sobre o meio ambiente.18 Pelo Protocolo de Kyoto, as naes ricas que ratificaram o documento devem reduzir, at 2012, a emisso de gases de efeito estufa em 5 por cento abaixo dos Revista 18 7nveis de 1990. J os pases em desenvol-vimentonotmmetasobrigatriasa atingir. Isso no exime o Brasil de rigor notratodaquestododesmatamento na Amaznia?FFAchoqueaposiodoBrasil insustentvelnoquetangequestoda Amaznia.Temostido,nosltimosvinte anos,umpatamardedesmatamento suicida.AAmazniatendeasetrans-formarnumcerrado.Issofoisuficien-tementeveiculadopelamdiaeacabou ferindonegativamenteaimagemdopas. Seria preciso anunciar uma moratria em relaoexpansodafronteiraagrcola isto,quesedefinaumalinhaapartir da qual no se desmata mais. Aqum dela, quesejafeitoumesforoparamelhorara produo, para que o Brasil possa exportar suascommodities;e,almdela,quenose mexa.oquechamamosdeusosusten-tadodaterra,conceitoquetemreunido adeptosforadaesferagovernamental:a presso dos ativistas do Greenpeace sobre oMcDonalds,porexemplo,nosentido dequeosvendedoresdesojabrasileirase certifiquemambientalmente.Quemno incorporar a sustentabilidade no mercado de agrobusiness no avana. A longo prazo, acredito que a tnica ser esta.18 Diante da tragdia que se anuncia paraaAmaznia,comasmudanas climticasemcurso,achaqueainter-nacionalizao no seria uma sada?FF No acredito na internacionalizao como hiptese factvel. O Brasil tem lidado comaexistnciadaAmazniacomoum passivo, mas este poderia ser um ativo para o pas, pois lhe conferiria uma posio privi-legiada diante de seus parceiros internacio-nais. No entanto, para isso, o governo teria de firmar um compromisso com o mundo e com as futuras geraes. 18 O Brasil est entre os cinco maiores emissoresdegasesdomundo.Que soluesapontariaparadiminuira responsabilidadebrasileiranagerao do efeito estufa?FFDeacordocomoComunicado NacionalInicialdoBrasilConveno Quadro das Naes Unidas sobre Mudana doClima,edio2004,publicadopelo Ministrio da Cincia e Tecnologia, 75 por cento do total das emisses brasileiras de gs carbnico so oriundas do Setor Mudana FFAsociedadebrasileiraincorporou muitoaquestoambientalnosltimos anos.Tantoqueumapesquisadabbcde Londresapontaobrasileirocomoopovo mais preocupado com a questo ambiental atual*. Mas o bom senso nos faz crer que a misria e a violncia esto to presentes e sotoprementesquescomrelaoa elas que ele externa preocupao. como se estas questes estivessem encobrindo seu interessepelofuturodoplaneta.Dequal-quer forma, posso assegurar que a gerao dos que esto na faixa dos trinta anos tem umaconscinciaambientalradicalmente diferente dos que tm cinqenta anos.18 Ao longo de sua trajetria pessoal de envolvimento com as questes ambien-taisbrasileiras,quaisforam,aseuver, osmaioresavanoseosentravesmais graves do Brasil?FF Penso que o grande avano no Brasil deordemlegal;nossasleissosriase abrangentes;nossaConstituiorefe-rncia no mundo todo. Quanto aos entraves, consistem em conseguir inserir na agenda dos tomadores de decises temas que sejam relevantes daqui dez, 15 anos. 18Oquetemadizersobrearevigo-rao do Pr-lcool?FFOPr-lcoolumaboainiciativa, mas fao uma advertncia: no pode seguir omesmoroteirocinematogrficodasoja brasileira.Isto,osprodutoresdecana-de-acar no devem poder expandir suas lavourasaperderdevista,descontrola-damente.Temosdeaproveitaresteknow how, esta alternativa, mas com os cuidados necessriosparaqueacananosejamais umvetordedestruiodoPantanal,da Mata Atlntica e de outras reas verdes.18 O que pensa da atuao do Partido Verde brasileiro?FFQuandometorneicandidato,em 1986,noexistiaaopopelopv.Sado psdb porque os temas ambientais acabavam sendo moeda de troca nas grandes negocia-es. Hoje, acho que deve haver um partido poltico cujo principal objetivo seja levantar edefenderdeterminadasbandeiras,eno secolocarnecessariamentecomoalterna-tiva de poder para a sociedade. Um partido com boa representao na Cmara, mais do quenoSenado,podefazeradiferena.O drama que todos os partidos brasileiros se transformaram em mquinas eleitorais. O no Uso da Terra e Florestas. Deste total, 96 porcentosoatribudosconversode florestasematividadesdeagriculturae pecuria, por desmatamentos e queimadas, oquetornanossopasoquartomaior emissordegasesefeitoestufanomundo. O que temos de fazer, enquanto sociedade civil, exercer uma enorme presso sobre o governo e os responsveis, para reduzir o desmatamento.Estaaquesto-chave.O Brasil tem uma matriz energtica baseada na hidroeletricidade. Tem o que chamo de uma zona de conforto ainda grande. Agora, o brasileiro, como todo cidado do planeta, ter de fazer uma reflexo pessoal e coletiva para incorporar o impacto ambiental que se anuncia. preciso diminuir esse impacto, comoconsumidor,comoprodutor,como cidado,paralegarummundominima-mente possvel s prximas geraes.18 Qual sua opinio sobre o surgimento deumanovaconscinciaambientalno pas?Enomundo?Achaqueohomem comum est preocupado com o futuro do planeta mais do que h dez, 15 anos atrs? Aumento da temperatura mdia e desapa-recimento de espcies no soquestes de cpula ainda?A mudana de clima irreversvel, algo com que deveremos conviver daqui para a frente. A humanidade vai passar por maus momentos. As chuvas, as secas, a elevao do nvel do mar ocorrero com muita intensidadeENTREVISTA8 Revista 18 partido s aparece no momento da eleio, inclusive o pv e ele ainda no disse a que veionoBrasil.muitoeleitoralepouco poltico. Isto , no est presente no dia-a-diadoseleitores.Porisso,pensoqueseria promissorsepropusesseumaradical mudanadeatitudeperanteasociedade, tomando como inspirao o modelo que se v no Exterior. Eu, Gabeira e outros defen-demos uma mudana radical de direciona-mento; queremos que ele tenha uma atuao temticaacentuadaemtornodoaqueci-mento global e contra o desmatamento da Amaznia, entre outras bandeiras. 18Qualsuaopiniosobreaforma comoogovernoabordaaquestodas reservas nacionais de gua?FF A questo da gua um dos trs temas mais importantes no mundo desde 1992. O Brasil tem de ter uma estratgia mais presente edefinidanaquestodosseusrecursos hdricos: isso estratgico e inclusive o que vai poder definir a competitividade nacional nos prximos tempos. O Brasil deveria cuidar de no matar a galinha dos ovos de ouro.18Dequemaneirasuaformao humana,comojudeu,oinfluencioua se engajar na defesa do meio ambiente? Houveouhpontosdeconvergncia entre as duas coisas ou so caractersticas que caminham em paralelo?FFEstassoduasquestesinterde-pendentes.Todaminhavivnciajudaica liberalsempremeestimulouaserum cidado engajado. 18Comopensasuaatuaocomo ecologista para os prximos 5, dez anos?FF Eu tomei uma deciso na vida: atuar nocampodasociedadecivilemdefesa domeioambiente.Esteomeuesforo pessoal.Acreditoquetenhopelafrente grandes oportunidades pessoais na questo do aquecimento global. Pessoalmente, me consideromuitorealizadoporestaraqui. O aquecimento um ponto de inflexo no sentido de se reinventar: estou fazendo esta transio h bastante tempo.Marleine Cohen jornalista* Pesquisa realizada entre 14.220 pessoas de 21 pases, em abril de 2007, pelo canal de tv bbc World em parceria comoInstitutoSynovate,mostrouque87porcento dosbrasileirosouvidosestopreocupadascomas mudanas climticas no planeta. ENTREVISTAFotos: Luciana NapchanRevista 18 9SEO Tratar da natureza latino-americana num livro um desafio e tanto. Enquanto a retrica do progresso ou, mais recentemente, a obses-sopelocrescimentoeconmico,dominaodiscursoeapraxis poltica em todas as regies do continente, so muito poucos os que se preocupam em ver o que se encontra por trs dos ndices econ-micos,alardeadosobsessivamentepeloscondutoresdosdestinos dos diferentes pases que compem o continente. De Norte a Sul, a marcha da devastao segue inclume, enquanto polticosdetodososmatizesinsistememsuadevooincansvel ao PI B e outras estatsticas macroeconmicas. Nada parece conter o fascnio das quimeras que se escondem atrs dos nmeros, e assim, cada vez mais, o nvel quantitativo de produo e de consumo torna-se o nico parmetro a ser considerado, tanto do ponto de vista da conduo da poltica quanto da vida privada. J a natureza, assim como os reais valores humanos, no se deixam quantificar. E os nicos ndices que lhe dizem respeito so a cada tanto mais trgicos: quantificam a marcha de sua destruio. A avassaladora riqueza natural do continente tem sido sistematicamente negligenciada e espoliada desde a chegada do homem branco Amrica. E os resul-tados esto a: devastaes macias, cujas conseqncias desastrosas apenas comeam a se fazer sentir. Embora o Brasil viva voltado para o Oceano, sempre olhando e quase sempre invejando o que se passa na Europa ou nos Estados Unidos, s nossas costas est o mais rico continente do mundo em termosdediversidadebiolgicaegeolgica.Umcontinentecuja verdadeira riqueza ainda espera por ser descoberta. Felizmenteasociedadeciviltemseenvolvido,comintensi-dadecrescente,comacausadapreservaodanaturezalatino-americana, e dentre as muitas iniciativas realizadas que tm como objetivoaconscientizaodapopulao,realizadasnosltimos anos,mereceatenoolivroqueafotgrafaLucianaNapchane oambientalistaWalterBehrlanaroestems,quetratadeoito parques nacionais do continente. Estes territrios preservados, ilhas de natureza intacta, ou tratada sempre com o devido respeito, so exemplos de como pode o homem viver em harmonia e em paz com seuambienteoriginal.Esoaprovadequeamaiordetodasas riquezas do homem est a, na criao. Mais do que isto, o livro prope-se a lembrar ao homem moderno, isolado de suas razes e de sua origem, e mergulhado no frenesi das grandescidades,queanaturezatemmuitoalheensinar,equea artificialidade das construes humanas, que no se sustentam por si mesmas, muitas vezes uma iluso autodestrutiva.AoselecionaremoitoparquesnacionaisdaAmricaLatina, Luciana e Walter quiseram enfatizar que, ao contrrio do que ocorre comasnaes,criadaspelavontadedohomem,anaturezano temfronteirasnemdescontinuidades.Assim,aolongodecinco anos,elespacientementepercorreramocontinenteembuscade regiespreservadas,eembuscadeimagensquepudessemse tornar lembranas de que a natureza est ameaada e necessita de nossa urgente ateno. Nesse curto espao de tempo chamado modernidade, escre-vemosautoresnapginainicialdestelivro,apostamosquea Terra deveria ser mais humana que qualquer outra coisa. As leis do progressodiziamquedominarerapreciso;deixarviver,apenas secundrio. Ou, talvez, suprfluo. Agora, boquiabertos, descobrimos o quanto nos esvazia viver sem essa biodiversidade perdida.Luciana e Walter viajaram por parques no Panam, Costa Rica, Equador, Peru, Chile, Brasil e Argentina, e realizaram um trabalho quefaladepaisagens,dervoresedebichos,masquetambm toca nossos afetos por meio de uma beleza de tirar o flego. Para capturar estas imagens to comoventes, a fotgrafa passou a ver seu trabalho como uma espcie de oferenda: A natureza to perfeita que no necessita de interferncias. No momento em que a estou fotografando, cria-se uma relao como de devoo. Eu me prostro diantedanatureza:elaminhamestraeestoulparaaprender. Assim, sempre ao adentrar uma floresta, eu silenciosamente peo permisso.Parquesnacionaiseoutrasreasprotegidas,ltimos recnditospreservadosdoplaneta,soredutossagrados.Cada milmetrodeumaflorestamilenarsagrado.Aofotografaresta natureza sagrada, desejo aproxim-la das pessoas.Cativaroolhardohomem,deixarqueestesreflexosdeuma natureza majestosa atinjam nossas emoes esta a contribuio de Luciana e Walter para um despertar da conscincia de que uma mudana de rumo radical se impe em nossos dias.Para saber mais sobre o livro: [email protected] paz com a naturezaNo alto, a perereca-de-olhos-vermelhos, animal extremamente sensvel s mudanas climticas e cuja presena atesta a integridade da natureza no Parque Nacional Vulco Areal, na Costa Rica. Ao lado, uma cachoeira no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros: viagem de Luciana e Behr buscou mostrar a continuidade da natureza do continente americanoNovo livro retrata paisagens intocadas da AmricaPERISCPIODevesermuitodifcilparaoleitor brasileiro entender por que h tantas matanas entre irmos na atual etapa da histriadoisl.Noentanto,devemos lembrarqueocristianismoviveue sobreviveuaumalongafasedeguerras entre o catolicismo e as crenas derivadas doprotestantismo.Alutaentreirmos complica-secadavezmaisnaPalestina. Apenas no domingo, 13 de maio, Dia das Mes, os choques resultaram em dezenas devtimasnaFaixadeGaza.Atropado Fatah,ogrupoherdeirodaOrganizao de Libertao da Palestina, olp, confronta-se com o Hamas, Movimento Islmico de Resistncia, vencedor das ltimas eleies na regio autnoma palestina, fundamen-talista, e que quer aplicar as leis religiosas vida social. Os palestinos so muulmanos em sua absoluta maioria, mas o Fatah no querumfuturoEstadopalestinogover-nado por fundamentalistas religiosos. Abrigacomeouem2006echegou pertodaguerracivil,sevitadaporque ambos os lados concordaram em criar um Governo de Unio Nacional. Criaram, s que ainda no funciona. As duas faces noseentendemnoquedizrespeito diviso dos poderes de governar. Gazaumacidadesemlei.Dpara vernosnoticirios.OFatah,partidodo presidentepalestino,mandousuatropa policialtentarestabeleceraordem.O resultado foram as matanas nessa regio em que no h um cidado sem armas. A tropa palestina tambm tem como misso impedirquecontinuemosataquescom msseis Qassam, possivelmente lanados peloHamasouafins,contraIsrael,cujo territrio colado ao de Gaza.Apopulaodascidadesisraelenses alvejadasporessesmsseisinclusivea cidadeondeviveafamliadoMinistro daDefesaisraelenseexigemedidas radicais. No caso, uma invaso macia de Gaza por tropas israelenses, que custaria muitas vidas de ambos os lados, alm dos reflexos polticos negativos sobre Israel. O governo evita tomar tal deciso. Existemversesdiferentessobre quemarmaoHamas.Unsdizemque oIr,comonocasodoHezbolxiita.PormoHamasdirigidoporuma seita oposta que governa o Ir. Outros dizemqueaAl-Qaeda,conformefoi noticiado pelo dirio rabe londrino Al Quds al Arabi, que publicou uma entre-vistadeumparlamentarpalestinodo Hamas, dizendo que o movimento est infiltrado em gruposresistentes, inclu-siveaquelequeraptouumcorrespon-dente da bbc. O objetivo da Al-Qaeda a criao de um Oriente Mdio governado por religiosos muulmanos. sempre irresponsvel opinar sobre o futuro. Mas parece bvio que existem proba-bilidades de mais confuses entre o Fatah e o Hamas. E de se chegar a um confronto maior entre israelenses e o Hamas que, segundo consta, vem recebendo os mais modernos armamentos e tem estudado as tticas do Hezbol para uma eventual guerra contra Israel.Osmovimentosislmicostmem comum, em seus programas, o objetivo de lutarem at acabarem com o Estado judeu, o que, diga-se, no significa posies imut-veis.Antes de firmarem acordos de mtuo reconhecimento, o Fatah chegou a realizar 2.432ataquesguerrilheiroscontraIsrael num s ano. Umaantigatradiodizqueocentro do mundo fica em Jerusalm. Num certo sentidoumaverdade.DaoOcidente tantoperseguiroprojetodeumapaz paraaregiopormeiodaconcretizao dateoriadosdoisEstados,umjudeue umrabe-palestino,ladoalado.Aidia existe desde 1947, quando a antiga Pales-tina Britnica foi dividida, com tais prop-sitos,pelasNaesUnidas.Comodizo povo, esperana a ultima que morre. Nahum Sirotsky, jornalista, correspondente daRBSedoI GemIsrael.Ex-diretordeViso, Manchete, Dirio da Noite do Rio, foi o criador da revista SenhorAl-Qaeda chega PalestinaDe Israel, Nahum Sirotsky observa a escalada da violncia em Gaza, onde faces rivais se enfrentam num quotidiano sangrento, e servem como laboratrio de movimentos fundamentalistas islmicosHeri sepultadoLiviuLibrescu,oprofessor universitrio de 76 anos que foimortoquandotentava protegerseusalunosno recente massacre na Universi-dade Tcnica da Virgnia, foi sepultado em Israel no ltimo dia 20 de abril. Librescu, que deixouaRomniaem1978, viveuemIsraelpormuitos anos e mais tarde mudou-se para os Estados Unidos.Novas estatsticasNosltimos12meses,apopulaodeIsraelaumentouem1,8%, chegando a 7.150 milhes de habitantes. Dos 121 mil novos habitantes do pas, 18.400 so imigrantes. Vinte e quatro mil israelenses deixaram o pas por mais de 12 meses, e 10 mil retornaram depois de ausncias prolongadas. Aproximadamente 80% da populao do pas composta de judeus, sendo os restantes 20% rabes e drusos. H tambm 310 mil imigrantes da ex-Unio Sovitica, cujo status judaico indeterminado.Holocausto esquecido?Algumasescolasbritnicasestoevitandomencionaro Holocausto em suas aulas de Histria para evitar ofender os alunos muulmanos, segundo notcia divulgada pelo jornal DailyMail.Segundootablide,outrotemaquenovem sendo mencionado, para evitar controvrsias, so as Cruzadas.Reproduo10 Revista 18OPINIOPor incrvel que parea, ser judeu entrou na moda; no tenho a respeito disso nenhuma dvida, pelo contrrio: o noticirio, as fofocas vivemconfirmando. At meados do sculo passado, quando um judeu se casava com algum de fora, como se diz, era ele que ia para o outro cl, no era o outro que vinha para a comuni-dade. Claro que, como sempre, havia honrosas excees. Isso era to verda-deiro que as famlias s quais acontecia esta desgraa faziam shivah (cerimnia de luto) direitinho pela alma perdida. Nem se precisava ser muito ortodoxo para tanto. A tradio judaica sempre props que, diante de um casamento misto, fosse o judeu o excludo. Apesar de continuar biologicamente vivo, no contaria mais no entre ns. De repente, nos ltimos tempos, adensa-se a discusso sobre qual a converso aceitvel e qual no, e para quem o . Ser que basta ser filho de me judia? Ser que converso realizada para casar vale? A coisa se complica porque no dispomos de uma tradio religiosa para proselitismo, isto , incluso. Estamos despreparados para a moda de converso ao judasmo. Alm da moder-nidade, da aproximao dos judeus orientais, ashkenazim e sefaradim, os trs grandes grupos de judeus, da facilidade que os novos meios de transporte trou-xeram para encontros e reencontros, temos, ainda, o desencontro entre as inmeras seitas de ortodoxia, que apre-sentam infinitas formas de interpretar o Talmude. No meio desta confuso, feliz-mente todos no fim acabam tendo razo. Existem dogmas discutveis e outros indiscutivelmente sagrados. O shabat, a kashrut, o bar mitzv, a circunciso, por exemplo, esto entre os sagrados. Mas no sobre isso que eu quero falar aqui e sim sobre o fato de estarmos na moda: isso novo e o Talmude ajuda pouco. E no s ser judeu que ficou atraente; a prpria ortodoxia se tornou sedutora. Os at ento menos ortodoxos vm se trans-formando em severos defensores da orto-doxia e muitos outrosvm se tornando interessados em passar a ser membros dessa ortodoxia. Vou arriscar algumas hipteses, que talvez no passem de uma, que engloba variaes em torno de um mesmo tema. H milnios vimos desenvolvendo tcnicas de sociabilidade que acabaram por garantir a sobrevivncia dos judeus como uma identidade claramente defi-nida e automaticamente auto percebida. Temos milnios de experincia de vida nmade, isto , de sermos sem terra, unidos apenas por esta tal identidade auto percebida. No importa por onde estejamos espalhados, os dogmas talm-dicos nos ajudam a encontrar o prumo. A exigncia de dez homens adultos para realizar cultos uma perfeio de regra para inibir o isolamento: dez homens adultos so, pelo menos, dois ncleos familiares. Um rabino, um chazan (cantor sinagogal), um shochet (encar-regado do abate ritual de animais para consumo) para uma ou duas famlias , seno anti-econmico, pelo menos muito difcil. Assim como uma mikvah (estabelecimento para banho ritual), um cheder (casa de estudos), um mohel (responsvel pela circunciso). Tambm a kashrut (conjunto de leis dietticas judaicas) complicada no isolamento. Nossa sobrevivncia dependeu sempre de existirem famlias judias em comu-nicao constante, mesmo que espo-rdica, e com uma distncia entre elas pelo menos razovel para encontros rituais. No que seja necessrio viver num gueto, mas preciso estar prximo o suficiente para manter-se em comu-nicao. E, para cuidar de nosso destino de viventes, foram geradas nossas insti-tuies tradicionais. Nascimento, vida e morte so reguladas e seus rituais, garantidos por organizaes no gover-namentais: educao na Yeshivah; enterros Chevrah Kadisha (Sociedade Santa, encarregada dos rituais fne-bres); fertilidade Mikvot; cuidado com a terceira idade Moshav Zkenim (Lar de Velhos); cuidado das crianas Gan; manuteno das tradies, Nahamat, Wizo, Unibes, Sochnut etc. O centro do culto comunitrio pode ser uma sala ou uma enorme sinagoga, conforme o tamanho da comunidade. A prpria A psicanalista Anna Vernica Mautner v na histria do judasmo uma srie de respostas para os desafios que a modernidade globalizada impe ao homem e percebe o nomadismo judaico como um paradigma para a crise contempornea de identidade12 Revista 18Ilustrao: Olvia LernerH um desencontro entre as inmeras seitas de ortodoxia, que apresentam infinitas formas de interpretar o Talmude. No meio desta confuso, felizmente todos no fim acabam tendo razoretomada recente de Eretz Israel foi montada, concebida e financiada pelas nossas ongs: Keren Kaiemet, Keren Hayesod, Magbitetc. longa nossa prtica de manter nossa identidade sem Terra, sem Ptria, sem Governo, sem Estado. E, se estamos aqui, porque temos sido sempre bastante bem-sucedidos, tanto queestou aqui a escrever a respeito desta nossa longa experincia. H milnios funcionamos globali-zados antes do telefone, antes do tele-grama, antes da internet que re-insere os novos nmades no mundo ns reali-zamos isso s com a fidelidade s nossas prticas ortodoxas. Agora que o mundo todo se globaliza, ongs, ongs e mais ongs vo surgindo para cuidar dos sem famlia, dos sem mdico, dos sem teto, dos excludos, dos sem escola etc., assim como ns fizemos nos cinco mil anos de nossa histria. Nossas instituies protegeram nossa comunidade ricos, pobres, recm-chegados, j enrai-zados, perseguidos ou tolerados. Hoje a humanidade inteira est procurando, fora do mbito estatal, e com a fora da solidariedade, maneiras de proteger seus desvalidos. Nossas ongs viviam da contribuio de todos que podiam contribuir, nunca contaram com ajuda governamental, que no existia. Era a riqueza de uns fluindo, sustentando instituies s quais cabia cuidar de todos. Foi neste fluxo contnuo que criamos um universo virtual no qual reconhecamos uns aos outros. Ser homem hoje poder existir margem das estruturas governamentais sufo-cantes. Esta a modernidade que vem a bordo das ongs, nossas velhas conhe-cidas. Cabe s ongs a defesa do planeta, cabe a elas proteger seus habitantes, defender os direitos dos humanos, gerar a conscincia, no mais de nacionali-dades, mas de humanidade. No planeta Terra, a questo que se coloca cada um de ns se reconhecer e perceber como humano, cuidando dos outros e da natu-reza.Os movimentos pela proteo da gua so organizados globalmente assim como o so os relativos a todas as formas de vida animal ou vegetal. Talvez, partindo do pressuposto da existncia de um conhecimento inconsciente, uns tantos no-judeus sentem que h certa sabedoria entre estes eternos marginais da civilizao ocidental. Claro que somos aptos a dar aulas de ong, pois foi em torno do funcionamento delas que sobrevivemos como eternamente globalizados. Come-amos nmades em alguma regio do Oriente Mdio, dispersamo-nos por essa mesma regio, sobrevivemos na Galut (exlio) porque nos mantivemos eter-namente nmades enquanto estrutura social. O homem moderno, ocidental ou no, dotado de existncia virtual, aproximou-se estruturalmente de ns que sempre assim fomos. Toda nossa vida pessoal, familiar, grupal, organiza-se como se fssemos nmades. Hoje o mundo nmade e pede por ongs, se quiser se manter humano. Anna Vernica Mautner psicanalistaH milnios, os judeus vm desenvolvendo tcnicas de sociabilidade que acabaram por garantir sua sobrevivncia como uma identidade claramente definida e automaticamente percebidaRevista 18 13 Hanan Isachar/Corbis/LatinStock14 Revista 18O REPRTERDiz um velho adgio que a verdade a primeira vtima da guerra. H guerras, porm, em que a verdade nomorre,porquenochegaanascer.A verdade,aqui,significaaconscinciade certosfatosque,porsuasprpriascarac-tersticas,seimpemconscinciajusta-mente como fatos, apesar de toda opinio ouinterpretao.,enfim,aconscincia detaisfatosqueapropagandadeguerra elimina, ao substitu-la pela interpretao eaopiniointeressadas.Quando,porm, umaguerratravadasemqueestefato seja sequer conhecido, no preciso que a propaganda poltica mascare de que guerra se trata. A verdade, indiscutvel em mais de umsentido,torna-seumaquestorestrita aos algozes e s vtimas. esse, grosso modo, o caso do conflito na provnciasudanesadeDarfur.Conflito,e no guerra civil, pois no se trata de grupos polticosarmadosdisputandoopoder deixadovagoporumgovernofracoou inexistente, ou mesmo de grupos armados rebeldesconfrontandoogovernocentral, mas de uma disputa em que o governo luta contrapartedapopulaodopas.Luta, aqui, fora de expresso: pois o governo, no caso sudans, na verdade massacra parte da populao do pas. O conflito de Darfur ,enfim,maismassacredoqueconflito. Sendo,porm,conflitooumassacre, virtualmente ignorado pela opinio pblica mundial (o termo genocdio excludo pela maioria dos analistas, por no se tratar de tentativadeliberadadeextermniodeum povo).Noobstante,trata-sedeumadas maisgravescriseshumanitriasdaatua-lidade. Dois nmeros bastam, ou deveriam bastar: 300 mil mortos e 2 milhes de refu-giados(paranofalardasmultidesde mulheres estupradas) desde 2003.O conflito de Darfur tem causas tanto locais quanto no-locais, tanto econmicas quanto culturais,tantoreligiosasquantopolticas. Tentar entend-las a razo deste texto.OSudo,antigaNbia,localiza-seno nordestedafrica,diretamenteaosuldo Egito. Maior pas africano em extenso, tem populao de cerca de 40 milhes de habi-tantes,dosquais75porcentosomuul-manos sunitas, 17 por cento so animistas e 8 por cento so cristos. Os dois ltimos gruposconcentram-senosuldopas.O nordeste uma plancie banhada pelo Nilo e seus afluentes, enquanto o centro-oeste terra rida, nas bordas orientais do Saara. Darfursignificaterradosfurs.Osfurssouma das etnias que habitam a regio [oeste], junto comos massaleets e os zagawas. Os trs so grupos de fazendeiros sedentrios. A disputa entre eles e os Darfur: a histria se repetecomo tragdiaLuis Dolhnikoff discute o sanguinrio assassinato em massa promovido no Sul do Sudo, que j vitimou mais de 300 mil pessoas, enquanto o mundo, mais uma vez, se cala; os pases desenvolvidos no se manifestam, e a mdia finge ignorar o que se passaEm funo da necessidade de manter tropas no sul para garantir a trgua e os royalties do petrleo, assim como por razes tnicas e religiosas, em lugar de fazer uso do exrcito, o governo rabe-islmico de Cartum optou por armar e apoiar milcias rabes locaisRevista 18 15nmadesrabessetornoutensadesdequeuma secaprolongadanosanos1980empobreceuos campos de Darfur. Ficou difcil alimentar o gado dosnmadesnasterrasdosfazendeiros,como erausual.Atensosetransformouemconflito aberto em 2003. (Marcelo Musa Cavallari, Sudo: ningum para evitar um genocdio, http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=28383)Aorigemimediatadoconflito, portanto,econmico-ambiental,almde local.Naverdade,econmico-ambiental-tnico-cultural, com perdo da expresso. Pois envolve uma seca e dois grupos prin-cipaisquesedistinguemtantotnica quantoeconomicamente,ouseja:osfur, agrrios e sedentrios, e os rabes, pastoris enmades.Oconflitolocal,porm,j nasceu nacional.Pois o Sudo passou por uma guerra civil (estasim,merecedoradonome)nosanos 80 e 90, opondo o governo central, rabe e islmico,aosulnegro,animistaecristo, iniciadapelatentativadogovernode impor a shari, a lei islmica, a todo o pas, eexacerbadapeladescobertadepetrleo na regio (o que instigou os grupos separa-tistas assim como a reao do governo). A mesma descoberta de petrleo teve, porm, ocondodelevarmesadenegociaes rebeldes e governo. Com [...] a explorao [se] iniciando no ano 2000, o governo buscou uma negociao com os guerri-lheiros do Exrcito Popular de Libertao do Sul, [...] havendo desde ento uma certa calma. A guerra civil no sul causou 1 a 2 milhes de mortos (a maioria pelafome)e4milhesdepessoasdeslocadas.A prospeco petrolfera foi concedida estatal suda-nesa de petrleo e companhias da China, Malsia, Catar,Canad,Frana,ustriaeumajointventure sueco-americana. Mas quando tudo parecia cami-nhar para a normalizao, ocorreu a crise de Darfur. Aregiofoiesquecidaduranteaguerraentreo governo e os rebeldes sulistas, mergulhando no caos, com enfrentamentos tribais. (O Sudo e a catstrofe humanitriadeDarfur,http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_168.htm).Vilarejos incendiados por bombas lanadas por avies da Fora Area sudanesa: massacres perpetrados pelos janjaweeds, as temidas milcias muulmanas, so precedidos por aes militaresBrian Steidle16 Revista 18Mas no apenas o abandono liga o conflito deDarfurguerranosul,poisoconflito naprovnciatomouproporesmaiores quandopartedosgruposquelutavamno sulcontraogovernocentral,emlugarde aderir aos acordos de paz, tomou para si a defesa das aldeias fur, por razes tnicas e religiosas (os fur so muulmanos, mas da corrente mstica sufi, considerada hertica pelaortodoxiasunita).Oresultadoforam ataquesainstalaesgovernamentaisem Darfur, com o objetivo de iniciar um movi-mento separatista. A autonomia parecia aos habitantesdaprovnciasuamelhorou menos pior opo (no por acaso, isto tem razeshistricas:Darfurfoiumsultanato independenteentre1600e1916,quando foiintegrado ao Sudo pelo Imprio Brit-nico a histria colonial tambm tem sua parte no conflito, como no poderia deixar de ser, ainda que no detenha toda a expli-cao, como pretendem certas anlises to simplistas quanto ideolgicas).O conflito de Darfur, portanto, se insere num quadro maior, que s pode ser referido como a tragdia sudanesa, a qual, somando asvtimasdaguerranosul,dosanos80e 90,satuais,chegaamaisde2milhes de mortos e a cerca de 6 milhes de deslo-cados/refugiados.Nmerosinsuficientes para comover ou mover a opinio pblica mundial, governos ocidentais e onu.O mesmo quadro ajuda a explicar a opo do governo central para combater os rebeldes deDarfur.Emfunodanecessidadede manter tropas no sul para garantir a trgua eosroyaltiesdopetrleo,assimcomopor razes tnicas e religiosas, em lugar de fazer usodoexrcito,ogovernorabe-islmico deCartumoptouporarmareapoiarmil-cias rabes locais. Essas milcias, os temidos janjaweeds (cavaleiros do diabo armados), passaramalutarcontraosrebeldesfur fazendo uso da limpeza tnica. Dois coelhos comumascajadada:adestruiode aldeias fur e a fuga em massa da populao eliminam a base dos rebeldes, assim como resolvem a favor dos rabes locais a antiga disputaeconmico-ambientalcomosfur. O governo central debela a crise separatista, osrabeslocaisconquistamumavitria definitivaporumrearranjoeconmico-demogrfico,eomesmorearranjoecon-mico-demogrficogaranteparaogoverno centralumaprovnciadefinitivamente calma, pois sua aliada. Arazoseligaafatoresderaaecultura.Os rabes so minoria no Sudo. E o regime islamita a ltima encarnao histrica de sua dominao tnico-regional. (Grard Prunier, Investigao sobre omassacredeDarfur,LeMondeDiplomatique, http://diplo.uol.com.br/2007-03,a1530)Aquestocolonialafricana,maisuma vez. Mas, para complicar definitivamente as coisas para os que adotam as simplificaes maniquestas,toaogostodaesquerda,a questo colonial envolvendo, como agente, oantigoimpriorabedoCalifadoe seussucessores islmicosato O REPRTERImprioOtomano,antesdaentradaem cena dos ocidentais.Comosenobastasse,aissosesomaa questo do petrleo:AshierarquiasrabesdeCartumqueremevitar umabrechapelaqualosnegrosdooestesealia-riam,nofuturo,aumsulnegroindependentee dotadodereservasdepetrleo.Conseqente-mente,torna-seestratgicodomararevoltade Darfur. (idem)O que explica o empenho do governo, noapenasemarmarasmilciasjanja-weeds,comoemapoi-lasemtermos, portanto, estratgicos.Sobreviventes contam que, nos piores momentos daguerra,todososataquesdosjanjaweedseram precedidos por ataques areos da Fora Area suda-nesa.Comascabanaseavegetaoemchamas, assustados e dispersos pelo ataque areo, os habi-tantes de Darfur caam vtimas dos janjaweeds. A cavaloouemcarrosdecombatefornecidospelo governo sudans, os janjaweeds invadiam as aldeias destruindooqueaindarestassedep,matando indiscriminadamente civis, estuprando mulheres eroubandogado,grosetudooquepudesseter alguma utilidade. (Marcelo Musa Cavallari, Sudo: ningum para evitar um genocdio, http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=28383)Em todo esse quadro de enorme comple-xidadeenomenorcrueldade,omais difcil, se no de explicar, mas de justificar, Caderno com desenhos de criana que sobreviveu a um massacre: a presena dos assassinos permanece, para sempre, na memria de toda uma geraoMUSEU JUDAICO DE BERLIM DENUNCIA MASSACRE EM DARFURDe 15 a 22 de maro ltimo o Museu Judaico de Berlim reali-zou uma Semana Darfur, sob o patronato de Kofi Annan, Secre-trio Geral da ONU. Fotografias de Brian Steidle, Lynsey Addario, Mark Brecke, Hlne Caux, Ron Haviv, Ryan Spencer Reed, Paolo Pellegrin e Michal Ronen Safdie foram projetadas sobre a fachada domuseu,enquantoumaexposiodedesenhosdecrianas de Darfur, que testemunharam os massacres perpetrados pelos janjaweeds,serealizounointeriordomuseu.ASemanaDarfur contoutambmcomumaapresentaodaWest-EasternDivan Orchestra,dirigidaporDanielBarenboim.Asfotografiasrepro-duzidas neste artigo so parte desta mostra berlinense, e foram cedidas Revista 18 pelo Museu Judaico de Berlim. Human Rights Watch, 200518 Revista 18SEOtalvezsejaainaoexterna.Essainao feitadetrsvrtices:ainaodasgrandes potncias; a inao da mdia, e a inao da esquerdaemoutroscasosumelemento importantedeinflunciajuntoopinio pblica, como ficou patente nas reaes invaso do Iraque pelos eua.Ainaodasgrandespotnciasno difcil de aclarar. Ou elas no tm interesses na regio, ou elas tm interesses na regio. Se no tm interesses no se envolvero; se tm, seenvolvero,masnosentidodeatender aosseusinteresses,enodeacabarcoma barbrie. o caso, por exemplo, da Frana, cuja inao responde ao objetivo de dar a seus aliados tempo para combater o governo do Sudo, e da China, esta, aliada desse mesmo governo por razes econmicas.Osmilitantesdoregime[sudans]tentamdeses-tabilizar,apartirdeDarfur,osaliadosdaFrana: opresidentechadiano,IdrissDeby,eseucolega centro-africano, Franois Boziz. [Quanto China], Cartum seu segundo parceiro comercial no conti-nente africano: o comrcio bilateral gerou us$ 2,9 bilhes, em 2006, e Pequim compra 65% do petrleo sudans. A China tambm o primeiro fornecedor de armas do regime de Beshir. So chineses os fuzis quematamemDarfur.(GrardPrunier,Investi-gao sobre o massacre de Darfur, Le Monde Diplo-matique, http://diplo.uol.com.br/2007-03,a1530).Ainaodamdiasegueainaodas grandes potncias. Alm disso, a complexi-dade da situao e a falta de qualquer apelo direto para o pblico ocidental no ajudam.Ainaodaesquerdasegueumpadro histrico, de vis, no por acaso, ideolgico. Aesquerdamundial,sensolato,desdea queda do Muro e a perda de seu projeto de poder alternativo, reduziu-se a um criticismo maniquesta das aes americanas. Repete, portanto, com o genocdio do Sudo o que fez, entre outros, com o genocdio de Ruanda nosanos90ecomogenocdiodoTimor Leste nos anos 70 e 80: dedica toda sua rubra indignaoetodassuasplidasaesao Oriente Mdio e guerra do Iraque, porque h a o envolvimento americano. Indignao seletiva, ento que ao ser seletiva menos indignaodoqueadequaoprpria agenda poltico-ideolgica.Restaainaodaonu.Masestano carece de explicao. A inao da onu segue a inao das grandes potncias, assim como sua crnica impotncia histrica.Altos dirigentes do governo sudans me disseram maisdeumavezteremcomparadoosriscos quehaviaparaelesemobedecersordensdo ConselhodeSeguranaaosriscosderejeit-las. Adesobedinciaimplicavaarriscaroconfronto comacomunidadeinternacional.Masobedecer representava outro risco, o de aumentar o poder da oposio interna, com o perigo de perda do prprio poder.Elesmedisseramteravaliadoasopese concluram que os riscos que corriam ao obedecer snormaserambemmaioresqueosriscosque corriam ao recusar. Eles tinham razo. (Jan Pronk, ex-representanteespecialdosecretrio-geralda onu Kofi Annan no Sudo, em seu blog, citado em http://diplo.uol.com.br/2007-03,a1530).ApopulaodeDarfur,comooutras na histria recente, jaz entregue prpria (m) sorte. Luis Dolhnikoff escritor e ensastaRefugiados espera de resgate por parte de organismos internacionais: conflitos criaram gravssima situao humanitria, que no vem sendo resolvida de maneira satisfatriaHlne Caux20 Revista 18SEO O REPRTERO anode2007marcadcadasde algunsdosmaisimportantes eventosocorridosnoOriente Mdio no sculo passado. Hnoventaanosoimpriobritnico emitiaaDeclaraoBalfour,documento que,nostrintaanosseguintes,assom-brariaseguidosgovernosingleses,jque seu contedo foi entendido pela liderana sionista como a promessa de criao de um Estado judeu independente na Palestina.Hsessentaanos,aAssembliaGeral dasNaesUnidasvotouapartilhada Palestinaque,noanoseguinte,permitiria osurgimentodoEstadodeIsraelcomo nao independente em parte do territrio sob mandato britnico.Etalvezoacontecimentodeconse-qnciasmaisevidentesnosdiasdehoje sejaaguerratravadaemjunhode1967 entre Israel e trs de seus vizinhos, o Egito, aJordniaeaSria.Oeventosercele-bradoporunsepranteadoporoutros,e esta diviso deixar do mesmo lado rabes e judeus, israelenses e palestinos. Algunscomemoraroaunificaode Jerusalm, o direito de voltar a rezar junto aoMurodasLamentaesetumbados patriarcas,oretornosbblicasJudia eSamaria,aaquisiodeumaprofundi-dade estratgica, sonhada, mas nunca seria-mente contemplada. Paraoutros,asconquistasmilitares passariamarepresentarumpesadelo demogrficoeumpesoadministrativo, umapenosaocupaoqueimpediria Israel de concentrar-se em seus verdadeiros problemas,transformandoosjudeusem algozesdapopulaopalestinanosterri-triosocupados.Levaria,ainda,auma mudananadoutrinamilitarisraelense, estabelecendolinhasdedefesaestticas eumrelaxamentoqueculminariana surpresa dos ataques de outubro de 1973.Eparagrandepartedospalestinos avitriaisraelenserepresentariauma segundacatstrofe(conhecidacomoAl Nakba),umarepetiodosinfortniosde 1948eaampliaodonmeroderefu-giadosgeradosnaqueleano,mastambm o embrio que levaria ao ressurgimento do nacionalismo palestino, sufocado por jorda-nianos e egpcios durante dcadas. A Guerra dos Seis Dias, como veio a ser conhecida, representa apenas um elo, ainda quedosmaisimportantes,numalonga cadeia de eventos iniciada com as primeiras imigraesdejudeusdaEuropaOriental para o que era ento uma regio do Imprio Otomano, e a mudana dos primeiros habi-tantesjudeusdeJerusalmparaaregio foradoslimitesdasmuralhasdacidade velha, na segunda metade do sculo 19. A partirdestemomento,palestinosrabese cristosporumlado,ejudeusporoutro, trilharam caminhos s vezes paralelos, mas freqentemente em rota de coliso. Ambos os povos cortejaram o sulto otomano at a 1 Guerra Mundial e viveram as dvidas geradaspelosalinhamentosduranteo conflito.Eamboscompartilharamafrus-traocomatraiorepresentadapelo acordoSykes-Picot,quedividiuaantiga regio otomana entre franceses e ingleses, ao fim da guerra, com o estabelecimento de mandatos das duas potncias vencedoras. Asrelaessomentesecomplicaram noperodoentreguerras,comasacusa-eseaviolnciaintensificando-sede lado a lado. A rebelio rabe de 1936 levou ao exlio a liderana palestina, e a ameaa alem, na 2 Guerra Mundial, conduziu publicao do Livro Branco, que restringia severamenteaimigraojudaicaparaa ento Palestina britnica, num momento emqueasportasdepraticamentetodas as naes do mundo se fechavam para os refugiados judeus da Europa.NOSEDISCUTEOFATOdeoHolocaustoter representadoumfatordeenormepeso nadecisodaonuquelevoucriaodo EstadodeIsrael.Sejaporquesteshuma-nitrias,sejaparaeliminaroincmodo problema gerado por centenas de sobrevi-ventes judeus aptridas vagando no centro da Europa, as Naes Unidas, com o apoio dasduasnovasgrandespotncias,deci-dirampelapartilhadoterritrioconhe-cido como Palestina, e pela criao de dois estadosindependentes,umjudeueum palestino. Os palestinos e os pases rabes vizinhos, por diversos motivos, decidiram rejeitar a partilha e, logo aps a retirada dos inglesesemmaiode1948,eadeclarao de independncia de Israel, iniciaram uma guerra cujas conseqncias se fariam sentir durante as dcadas seguintes.Osarmistciosde1949deixaram abertasferidasque,comoumcncer, sealastrariamaolongodosvinteanos seguintes.Oproblemadosrefugiados palestinostransformou-senumabolade neve, tornando-se a chave da questo para a soluo do conflito israelo-palestino nos dias de hoje, mas a ocupao dos territrios da Margem Ocidental por parte da Transjor-dnia, e da Faixa de Gaza por parte do Egito, congelou as aspiraes nacionalistas pales-tinas, que talvez no tivessem sido reacen-didas no fossem os eventos de 1967. Ao longo da dcada seguinte, apesar das infiltraesderefugiadoseguerrilheiros fedayinaolongodasporosasfronteiras donovoEstado,osprincipaisconfrontos travaram-se entre o exrcito israelense e as foras regulares de seus vizinhos. As retalia-es s incurses no territrio israelense eram quase sempre dirigidas contra os exrcitos da Jordnia (o nome adotado pelo reino hache-mita aps a incorporao da Cisjordnia), das Sob o impacto da guerra, quatro dcadas depoisPassados quarenta anos da Guerra dos Seis Dias, Samuel Feldberg recapitula as causas e as conseqncias do conflito que mudou a face do Oriente Mdio, e v no pragmatismo poltico a nica resposta possvel para um conflito pautado pela ideologia e pela fRevista 18 21O REPRTERforasegpciasnaFaixadeGazaedaSria, nas Colinas de Golan. Em situaes espec-ficas, grandes aes foram deflagradas contra ncleos de populao civil, principalmente na Cisjordnia, de onde partiam os guerrilheiros para ataques ao territrio israelense.A Guerra de Suez, em 1956, determinaria as condies para a ecloso do conflito em 1967. A desmilitarizao da Pennsula do Sinai e a recomposio das foras armadas egpcias foramacompanhadasdeumsentimento de frustrao entre os palestinos, enquanto aintroduodocomponentesoviticono Oriente Mdio e a ideologia do pan-arabismo foram elementos extremamente importantes no novo jogo de foras, mas cuja abordagem extrapola os limites deste artigo.Emjunhode1967asfronteirasisrae-lensesmantinham-seemebulio,com exceo,justamente,dafronteiracomo Egito, onde uma fora dos Capacetes Azuis das Naes Unidas mantinha a trgua desde aretiradadastropasisraelensesdoSinai. Mas no norte, as tentativas srias de desviar as nascentes do rio Jordo, e as disputas em tornodocultivo,porpartedeIsrael,das reas desmilitarizadas ao longo da fronteira, mantinham alta a temperatura e j no se podiadeterminaroqueeraprovocaoe oqueeraretaliao.Quasediariamente osdoispasesseenfrentavam,fazendoas manchetes dos jornais de todo o mundo. Na longa e indefensvel fronteira entre Israel e a Jordnia, apesar dos velados interesses comuns do rei Hussein e do governo israe-lense, a escalada de infiltraes e retaliaes faziapartedadinmicadomundorabe, o que contribuiu para envolver a Jordnia na guerra.Os fatos envolvendo o confronto e suas causas so amplamente conhecidos. O Secre-triodeEstadonorte-americanopoca, Dean Rusk, descreveu com preciso a atmos-ferasvsperasdaGuerra:segundoele,a psicologia rabe da Guerra Santa havia coli-didocomapsicologiaapocalpticadeum Estado israelense temeroso por sua sobrevi-vncia. Por um lado, havia uma ampla coin-cidncia da opinio pblica do mundo rabe, insufladaporsuaslideranasquepreconi-zavam a destruio do Estado de Israel e o lanamento dos judeus ao mar. Israel repre-sentava para os rabes o Ocidente e 300 anos de humilhao, frustrao e ressentimento. Eaquelesjudeus,quesempretiveramum status inferior nas sociedades rabes, foram massacradospeloseuropeusaolongodos sculos e quase aniquilados pelos nazistas, haviam surgido das cinzas para instalar-se no seio do mundo rabe e derrotar seus vizi-nhos ao longo dos ltimos vinte anos. Este erro seria agora corrigido.Doladoisraelense,conviviamduas percepes:porumladoafragilidadee vulnerabilidade, herana dos pogroms e do Holocausto, por outro a mentalidade criada pelanovagerao,nascidaeeducadaem Israel, que estabeleceu as brigadas comba-tentes,osncleosdasforasarmadas israelenses e as unidades especiais to bem-sucedidas ao longo dos anos anteriores.Na escalada que leva ao incio das hosti-lidades,nasescaramuasentresriose Uzi Narkiss, Moshe Dayan e Itzhak Rabin caminham pela cidade velha de Jerusalm, ainda durante o conflito: reao inesperada das Foras Armadas transformou Israel em fato consumado22 Revista 18O REPRTERisraelenses, a fora area israelense derruba seis dos mais modernos avies russos forne-cidos Sria. O envolvimento das superpotn-cias tem de ser visto luz dos alinhamentos da Guerra Fria; os Estados Unidos estavam cada vez mais atolados no Vietn e a Unio Soviticaampliavasuapenetraojunto aosEstadosrabesradicais.Aderrubada de avies soviticos pelos caas israelenses fornecidospelaFranarepresentavauma afronta ao prestgio russo e estes revidaram, insuflando os nimos e falsamente alertando os srios para uma planejada invaso israe-lense. Nasser foi compelido a apoiar os srios e deixar de se esconder por trs das tropas da onu. Em poucos dias, as foras de paz das Naes Unidas abandonaram suas posies no Sinai e na Faixa de Gaza, colocando 100 mil soldados egpcios e mil tanques na fron-teira sul de Israel. Em 17 de maio, o estreito de Tiran foi fechado navegao israelense, bloqueandooportodeEilateoacessoao petrleo iraniano. Menosdetrsdcadasapsacapitu-laodeMunique,umditadorenfrentava umaorganizaointernacional,revertia osacordosseladosaofinaldoconflito anterior, e o mundo no reagia. A resposta israelensefoidevastadora.Emumataque preventivolanadocontraoscamposde aviaoegpcios,aquasetotalidadedos avies foi destruda no solo, eliminando sua capacidade de proteger as foras terrestres no Sinai. Estas foram destrudas pelos isra-elensesempoucosdias,estabelecendoao longo do Canal de Suez a nova fronteira que vigorou at a guerra de outubro de 1973.AJordniaseenvolveunaguerrapor razescompletamentediferentes:orei Husseinmantinhaumarelaoambgua com Israel, mas temia ser visto como traidor dacausarabe.Colocousuasforassobo comandodeumgeneralegpcio,envol-vendo a Jordnia na guerra logo no primeiro dia. Os israelenses decidiram no repetir a hesitao de 1948; em sangrentas batalhas derrotaramoexrcitojordanianoquese retirou para a outra margem do rio Jordo, deixandonasmosdosisraelensesuma Jerusalm reunificada (includo o terceiro A Guerra dos Seis Dias, como veio a ser conhecida, representa apenas um elo, ainda que dos mais importantes, numa longa cadeia de eventos iniciada com as primeiras imigraes de judeus da Europa Oriental para o que era ento uma regio do Imprio Otomano, e a mudana dos primeiros habitantes judeus de Jerusalm para a regio fora dos limites das muralhas da cidade velhaOficiais da Aeronutica inspecionam caa francs pouco antes de sua partida para uma misso sobre o Egito: destruio da aviao inimiga foi um dos trunfos de Israel para a rpida resoluo do conflito armadoRevista 18 23O REPRTERlugar mais santo do Isl), as antigas comuni-dades do bloco de Etzion e Hebron, abando-nadas vinte anos antes, e uma populao de mais de dois milhes de palestinos.Nafronteiranorte,apesardoconstante bombardeiopelaartilhariasria,aguerra somente se iniciaria no quinto dia; em dois dias de brutais batalhas os israelenses ocupam as colinas de Golan, nico territrio anexado a Israel alm da parte leste de Jerusalm.A GUERRA DOS SEIS DIAS TRANSFORMARIA ISRAEL em fato consumado; e o Oriente Mdio jamais voltariaaseromesmo.OsEstadosUnidos passaram a considerar Israel como um ativo estratgico no Oriente Mdio e, ao lado do Ir, parte integrante da Doutrina Nixon1.Os lderes rabes descobriram que Israel nopoderiasererradicadopelaforadas armas, o que abriu a porta para a chamada opodemogrfica.Renasceu,neste momento, o conceito do Estado binacional, derivado da aspirao do sionismo messi-nicodeincorporaraoestadoisraelenseas reas conquistadas na Cisjordnia. Do lado palestino, a frustrao das esperanas depo-sitadas em Nasser levou a uma reformulao de sua liderana. Arafat se firmou, em 1968, como lder da Organizao para a Libertao da Palestina (olp) que, em 1972, foi reconhe-cida como o legtimo representante do povo palestino. O abandono desta funo por parte doreiHusseinfoicontrapostopelargida postura de Golda Meir, herdeira poltica do primeiro ministro Levi Eshkol, que negava a existncia de um povo palestino. Quarentaanosumlongoperodo, simbolizado na Bblia pelo tempo passado no deserto, da sada do Egito at a formao deumanovagerao.Queliesforam aprendidas ao longo deste perodo?Aguerradeoutubrode1973,tambm conhecidacomoGuerradoYomKipurfoi necessria para convencer os israelenses de queNietzsche2tinharazoquando,depois da vitria alem na guerra franco-prussiana, alertouseuscompatriotasdizendoquea vitria militar no constitui prova de supe-rioridade cultural. Aps 1967, os israelenses se agarraram a seus louros, fortificaram suas linhas de frente e entrincheiraram-se em uma nova Linha Maginot, somente para sucumbir s levas de srios e egpcios no ataque-surpresa que iniciou a guerra. A mudana de doutrina estratgica,causadatambmpeloenorme aumento de suas linhas de suprimento, foi acompanhada da necessidade de continuar uma guerra assimtrica, de atrito, contra as foras da olp que a partir da Jordnia se infil-travam nos territrios ocupados.Quasequeimediatamenteiniciou-seadiscussoemrelaoaodestinodos territrios:osradicais,apoiadosporuma crescenteparceladeelementosreligiosos que viam na vitria um milagre divino, no hesitavam em propor a anexao da Cisjor-dniae,emalgunscasos,aexpulsode seushabitantes.Umapopulaopalestina conformadacomsuasorte,umaJordnia imersaemseusprpriosproblemaseo surgimentodeumfortemovimentopela colonizao,baseadonosideaismessi-nicosderedeno3,levoucriaodos assentamentos, ao plano Allon e ao conceito da reteno do Vale do Jordo, aprofundados aps a eleio do Likud em 1977. Do outro lado colocaram-se lderes como o moderado Levi Eshkol e David Ben Gurion, que reco-nheceram desde o inicio a impossibilidade de manter um Estado judaico democrtico incorporando aquela populao hostil. Hoje,passadosquarentaanoseoutras quatro guerras4, uma rpida olhada no mapa mostraumGolanocupadoequeassim continuarenquantoossriosnoderem sinais de que esto dispostos a uma acomo-dao de longo prazo (ainda que o aprofun-damento da ligao Ir - Sria - Hezbol possa estimularossriosaselanarememuma aventura blica de trgicas conseqncias). A Faixa de Gaza, apesar de abandonada por Israel,tornou-seumninhodeterrorismo suicida e lanamento de foguetes, que por hora somente tem sido neutralizado pela artilharia israelense e pela disputa entre o Hamas e o Fatah por seu controle. E na Cisjordnia, alm da construo da barreira de separao, conso-lida-se a anexao da parte leste de Jerusalm com os novos bairros construdos a partir de 1967. Mas assim como Yamit foi abandonada em 1982, para atender aos acordos de Camp David, podemos vislumbrar tambm o aban-dono de cidades como Ariel e Maale Adumim, apesar das dezenas de milhares de israelenses que hoje l habitam.Em algum momento, uma liderana pales-tinapragmticaassumirqueoptarpelo mesmo critrio assumido por Ben Gurion em 1947: o de aceitar aquilo que podia ser conse-guido,aindaquecomoobjetivodemudar o mapa por outros meios no futuro. Caber, ento, ao governo israelense assumir o risco de acomodar-se ao lado de um vizinho indepen-dente e irredentista (e ter seu lder assassinado por radicais judeus, como no caso de Itzhak Rabin), ou perpetuar uma relao de conquista que talvez venha a tornar-se intolervel. Talvez sejam necessrios outros quarenta, ou oitenta anos para que a face da regio se transforme de maneira definitiva. Samuel Feldberg doutor em Cincia Poltica pelaUniversidadedeSoPaulo,professorde RelaesInternacionaisdasFaculdadesRio Branco, pesquisador do Ncleo de Pesquisa em Relaes Internacionais da USP e autor de Israel eEstadosUnidos-umaalianaemquesto (no prelo)1 A nova poltica de interveno norte-americana, deri-vadadaguerradoVietn,queseapoiavaemaliados locais armados pelos Estados Unidos.2 F. Nietzsche, The Twilight of the Idols (Harmondsworth, Middlesex: Penguin, 1968).3A. Ravitzky, Messianism, Zionism, and Jewish Religious Radi-calism (Chicago, The University of Chicago Press, 1996).4 A Guerra de Atrito de 1970, do Yom Kippur em 1973, aprimeiraGuerradoLbanode1982easegunda, em 2006.Em um ataque preventivo lanado contra os campos de aviao egpcios, a quase totalidade dos avies foi destruda no solo, eliminando sua capacidade de proteger as foras terrestres no Sinai. Estas foram destrudas pelos israelenses em poucos dias, estabelecendo ao longo do Canal de Suez a nova fronteira que vigorou at a guerra de outubro de 197324 Revista 18O REPRTERComo os paulistanos viram o conflito doLbanode2006?Atqueponto se envolveram com as notcias que chegavam aqui? De onde tiraram recursos paracompreend-lasecomoformaram suasopinies?Entrejulhoeoutubrode 2006, sa a campo por So Paulo com estas perguntas impressas numa folha de sulfite azul e uma enorme curiosidade na cabea. A vontade de saber o que meus concidados viam em todas aquelas histrias e cenas de guerra vinha de meu envolvimento pessoal com os destinos do Estado de Israel, que se por um lado no fazia de mim um interlo-cutor neutro, por outro garantia a ateno genuna que favorece a construo de narra-tivas ricas e complexas.O pano de fundo para minhas entrevistas, entretanto,eraumainvestigaosobre meiosdecomunicao,espaospblicos eglobalizao.Existehojeumasociedade civil global em construo, com narrativas e celebraes comuns, linguagens e valores intercambiveis, preocupaes e objetivos passveis de negociao? Ou, apesar de toda aintegraoeconmica,dasfacilidades delocomooecomunicaoglobais,as discusses de carter pblico ainda so deli-mitadas por fronteiras nacionais?Cidados globais ou espectadores eventuais?Paulistanos falam sobre o conflito do LbanoHeloisaPaitconversacomseusconcidados,escolhidosaleatoriamenteentre passantes do Conjunto Nacional ou de uma fila de cinema, e observa a perplexidade do homem comum ante guerras causadas por foras desconhecidas RoneyPaulistanos caminham diante do Conjunto Nacional, cone da arquitetura metropolitana, escolhido por Helosa Pait como campo de provas para sua pesquisa acerca da percepo de seus concidados sobre o recente conflito no Oriente MdioRevista 18 25O REPRTERDe modo concreto, ser que ao brasileiro importa o que se passa no planeta, ou seus esforos se voltam apenas para compreender edebaterproblemaslocaisenacionais? Podemosfalarhojedeumcidadoglobal, que se v como parte de uma sociedade mais ampla e quer participar de deliberaes de carterglobal?Sendoesseocontextodas entrevistas,estivemaisatentaaomodo como os entrevistados se relacionavam com as notcias e formavam suas opinies do que propriamente s suas posies polticas em relao aos envolvidos no conflito.Fizumtotalde42entrevistas,cuja duraovariouentrequarentaminutose quatrohoras.Naltimasemanadejulho, faleicom24pessoasquepassavampelo Conjunto Nacional hora do almoo. Esse pblicomdioacompanhaosprincipais acontecimentosnacionaiseinternacio-nais pela tv ou em jornais dirios e revistas semanais, e mostrou enorme receptividade conversa.Falei,tambm,compartici-pantes do debate com Demtrio Magnoli e Paulo Farah, realizado na Casa de Cultura deIsrael,queacaboutendocomotemao conflito no Lbano, e que foi um dos raros debatespblicossobreotemanaqueles meses.Falei,ainda,comespectadoresde dois filmes exibidos na 30a Mostra Interna-cionaldeCinemadeSoPaulo,queretra-tavam o Oriente Mdio, j em outubro. No pudeanalisaropblicodainternetcomo ele merece.Todososmeusentrevistadossabiam queumconflitoimportanteaconteciano OrienteMdio.UmdisseLbiaaoinvs deLbano,evriosnosabiamonome domovimentoarmadolibansenvol-vidonoconflito.Mas,deummodogeral, todossabiamqueIsraelhaviaatacadoo Hezbol, no Lbano. Muitos citaram como causaaparentedoconflitooseqestro desoldadosisraelenses,masbuscavam causasmaisprofundasparaumconflito daquelaextenso.Poucostinhamcrticas aosmeiosdecomunicao,queosentre-vistadosjulgavamacertadamente,em minha opinio estarem fazendo uma boa cobertura, bem informativa e relativamente isenta.Quemquisersabermaispodeir atrs foi algo que ouvi muitas vezes.Aomesmotempo,osentrevistados pareciamsatisfeitoscomoqueosmeios decomunicaodemassalhestraziam. Raros foram os que disseram ter consultado alguma enciclopdia ou comprado a edio especial de uma revista para compreender melhoroquesepassava.Umaprofessora universitriaevanglica,pr-Israel,que ltodososdias,nainternet,osprincipais jornaismundiais,relacionouoHezbol com a retrica crescentemente belicista de Ahmadinejad, mas foi uma exceo. Mesmo umengenheiroquetrabalhanaindstria blica brasileira, e que esteve prestes a ir ao Iraque nos anos 80, mostrou pouco conhe-cimento a respeito das cises entre muul-manos, quase nada alm do que mostrado nos jornais televisivos nacionais.Se o grau de interesse era relativamente homogneo,asopiniesdivergiam.H desdeaquelacabeleireiraqueacredita queaindasetratadaquelasperseguies quevmdesdeotempodoHitleratos que acham que Israel e os Estados Unidos estosempreinvadindoalgum.Asasso-ciaesentreoconflitoeosproblemas brasileiros variaram conforme as posies tomadas,masnoapareceramesponta-neamente.Entreasexcees,umtcnico de laboratrio que teve medo de estarmos vendoocomeoda3GuerraMundiale um administrador de empresas que temia os transtornos de uma alta no petrleo. De modo geral, no entanto, o conflito parecia acontecer em um lugar remoto: Eles esto sempre brigando.Transpira em quase todas as entrevistas umaenormepreocupaocomasvidas perdidas e colocadas em risco, com as sepa-raeseostranstornoscausadosporuma guerra cujas razes no esto claras. Senti nasfalasdemeusentrevistadosumador genunaaofalardevtimasdaguerrados dois lados, alm da tendncia de culpar os governos (e no os povos, as culturas ou religies)pornosaberemresolversuas diferenascomdilogoenegociao.Se apareceumbodeexpiatrio,estetendea serosEstadosUnidos,culpadosporao ou omisso. Se Condoleezza vai a Beirute pssimo, se no vai pior ainda.Quandopediaaosentrevistadosque contassemoqueestavaacontecendono Lbanocomosefalassemcomalgum desinformadoaesterespeito,elesrara-mente conseguiam. Alm do artificialismo da situao e do possvel constrangimento empronunciarerradonomesdepontos geogrficos, h a algo mais profundo, pois a cultura narrativa brasileira rica e pea-chavedenossacompreensodomundo, mais que o raciocnio analtico ou o pensa-mentocontemplativo,porexemplo.De onde o branco, ento?Faltaagrandepartedemeusentre-vistadosaexperinciadenarrareventos internacionais,queelescertamentetm emdiscutiroutrosassuntos.Almdisso, acompreensodeeventosinternacionais exigeumacervodeinformaesmais extensoemenosacessvelnodia-a-dia: conhecimentosdetalhadosdehistria, geografia, lnguas, poltica e culturas. Com aexceodecursosmuitoespecializados ededebatesmarginaisumadiscusso sobre sionismo durante um jogo de truco, porexemploaescolaeauniversidade no aparecem como lugar onde esse acervo pode ser obtido ou como lugar de debates. J o cursinho foi lembrado, com entusiasmo, como espao de discusso e descoberta de um mundo alm de nossas fronteiras.umquebra-cabeacomplexo:existe preocupaocomosacontecimentos, Transpira em quase todas as entrevistas uma enorme preocupao com as vidas perdidas e colocadas em risco, com as separaes e os transtornos causados por uma guerra cujas razes no esto claras26 Revista 18especialmente quanto ao seu lado humano. H um nvel de informao corrente satis-fatrio.Hvontadedeencontrarinter-locutores,oquemefoiditoporvrios entrevistados.Foimuitocomum,alis, queaspessoassemostrassemfelizescom a oportunidade dada pela pesquisa de falar sobre a guerra. Mas no h conhecimento suficiente para dar conta da complexidade dos fatos, nem espaos onde tal saber possa ser gerado coletivamente. Por que a univer-sidade no cumpre esse papel, que dela em primeiro lugar, um mistrio.Recorrer a fatos histricos remotos pode ser visto, ento, como um modo de engatar umanarrativacomuminterlocutorcom quemnosecompartilhaumconjunto de suposies. Se pergunto a uma amiga o que aconteceu na novela, ela compreende quequerosaberapenasosltimosfatos. Quandoeuperguntavaoquehaviaacon-tecidonoLbanonasltimassemanas,a ausnciadessecorpocompartilhadode conhecimentolevoumuitosentrevis-tados a buscar um ponto de fuga para sua narrativa, como a fundao de Israel ou at eventos bblicos.Noteiqueosentrevistadoscommaior escolaridadebuscaramiralmdaviso concretadaguerra,dapreocupaocoma destruioecomasvidaspostasemrisco, mas de dois modos distintos. Um advogado contouqueamigosdediferentesposies o acusam de ficar eternamente no muro, sendoqueessepapelponderadoexata-mente o que ele busca. Uma engenheira disse que o Brasil pode contribuir com a soluo dos conflitos no Oriente Mdio, aproveitando nossa capacidade de dilogo e criando espaos onde distintas posies so acolhidas. A a escolaridade serviu para trazer uma comple-xidade maior narrativa do conflito e abriu espao para a atuao individual.Masvejaessasoutrasanlises:paraum pequenoempresrio,amdiabrasileira nopodedarversescorretasdoconflito devidoinflunciadebancosisraelenses. Eummestrandoemdireitorelacionoua viso do conflito em cada pas ao tamanho de sua comunidade judaica. Esdrxulas ou com aparncia racional, asseres deste tipo aparentemente do conta de qualquer fen-meno e livram os entrevistados da tarefa de compreenderoconflitooudeaceitarque ainda no o fazem. Mas mesmo nesse grupo surgiu o interesse em conhecer como outros entrevistados reagiriam s mesmas perguntas, o que mostra abertura intelectual.Trs conversas com jovens paulistanos me marcaram muito, iluminando a relao entre nossas identidades mais pessoais e o modo como nos relacionamos com questes globais. Uma simptica administradora de empresas,queestudounumatradicional faculdadeprivada,sabiaquasenadasobre oconflito,apesardebastantearticulada. Depoisdabreveentrevista,pediuqueeu lhecontasseoquesepassavanoLbano. Dei minha verso, que ela escutou atenta, a partir da qual comeou a questionar por que no estava informada, j que na poca dafaculdadegostavadedebatercomas amigasessetipodeassunto.Porquesua vida tinha se resumido ao trabalho, happy hourefim-de-semanacomonamorado? Obviamente voc gosta do que faz. E eu?, elame perguntou.Um office-boy, com o segundo grau incom-pleto,mostrou-sepreocupadssimocoma tragdiaqueacontecianoOrienteMdio: Se a gente pudesse fazer alguma coisa Ele l a Folha ou o Estado na hora do almoo, mastempoucotempo.Comoscolegas, no pode discutir, pois s falam de futebol ediverso.Ouveosadvogadosdafirma para a qual trabalha discutindo no elevador, mas pelo status inferior no pode entrar de pra-quedasnaconversa.Eupergunteise havia tentado alguma vez, e ele respondeu que caso o fizesse seria tratado com polidez econdescendncia,edepoisaconversa morreria.Elesnemolhamparamim.S estou ali para cumprir um papel. Se estivesse na escola, os professores pediriam trabalhos, eu estaria discutindo, iria pesquisar.O terceiro entrevistado, que encontrei na Mostra de Cinema, fez uma boa faculdade privadaehojetrabalhacomproduode vdeo. No conseguia compreender os dios tnicos do Oriente Mdio, uma vez que na periferiaviolentaondecresceuolutoera acompanhadoderesignao.Naadoles-cncia,viafilmescomerciaisnocentro,e depois passou a freqentar o cinema de arte exatamente pela curiosidade a respeito de outros lugares e pessoas: Ento Londres assim!Comoseroosxiitas?Queriaestar naquelas fronteiras do filme Free Zone. Ele viu no cinema a chance de se inserir num mundomaisamplo,queseuambiente socialeeducaoformalnolhedariam. Aescolamuitoruim,masmuitoruim mesmo,medissecomlgrimasqueno tinham aparecido at ento.Saberoquesepassacomgentecomo nsemoutraspartesdomundonose resumeaestarinformado.Tambmvai almdodesejodeparticipaonuma novasociedadecivilglobal,queoque imaginei encontrar no incio da pesquisa. Para alguns de ns, novos cidados globais, arelaocomomundolforaparteda imagem mais profunda que temos de ns mesmos.Seperdemosodesejodesaber comoandamosoutros,ficamosdesfal-cados; se no temos com quem falar sobre isso,sentimo-nosbanidos;ese,dealgum jeito, encontramos uma janela a partir da qualseabreaexperinciadegenteto distante, ns vencemos. Heloisa Pait ([email protected]) doutora em Sociologia da Comunicao pela New School for Social Research e professora da Faculdade de Cincias e Letras da UnespO REPRTERA cultura narrativa brasileira rica e pea-chave de nossa compreenso do mundo, mais que o raciocnio analtico ou o pensamento contemplativo. De onde o branco, ento?28 Revista 18Lder da banda que acompanhou o show de Matisyahu em So Paulo, Eduardo Faigemboim, ou o Peixe, est renovando, com sua Sensacional Orquestra Sonora, o cansado cenrio de msicas para festas. Por Flavio BlasbalgO peixe cantadorPara o Peixe, caminho da msica no foi um acaso: sinto-me privilegiado por poder transmitir as belezas e a alegria da msica judaicaconhecem, sabem que logo depois do copo ter sido quebrado hora de se posicionar, quase como uma largada de maratona em busca da melhor mesa do salo de festas. ali que a famlia, amigos e um sem-nmerodeconvidadosdeveroouvirasmesmas msicas tocadas em casamentos nas ltimas cinco dcadas. Clssicos como Its Raining Man, La Bamba, Biquini de Bolinha, Hava Naguila e a indefectvel New York, New York sero fatalmente interpretadas, seja pela banda, seja pelo dj. A msica, tida como alma dequalquerfesta,tornou-seumacommodity.Pelo menos at a chegada de um msico que at pouco tempoeramaisumexecutivodemarketingfrus-trado, preso em um escritrio e longe dos palcos, seu verdadeiro habitat. Eduardo Faigemboim, ou Peixe, como conhecido, est provando que nem todos os casamentos precisam ser iguais.Tudo comeou por acaso, meio sem querer, quando umamigodecidiusecasareonomeoupadrinho. Todossabemqueopadrinhoaquelequedbons presentes,emgeralcaros.Comoomarnoestava parapeixe,oentogerentedeumagrandemarca esportiva teve uma idia brilhante: dar de presente a msica da festa! Rafael Terpins, o noivo, conhecia e apostava no talento do padrinho. O acordo estava fechado. A festa no s rasgou a noite como tambm alguns paradigmas. Peixe fez questo de tocar os hits necessrios de qualquer festa, s que de maneira dife-rente, com arranjos e ritmos pouco usuais. A mistura de rock, disco e ska, passando por bolero com pitadas de ritmos judaicos, frevo e reggae, foi o tempero que faltava para que aquele casamento ficasse marcado na lembrana de todos os presentes. Teve at canja de convidado que tambm era msico e acabou dividindo o pequeno palco que marcou o incio da carreira artstica deste paulistano de 31 anos. De l pra c o telefone no parou mais, incluindo aqueleconviteparaabriroshowdamaior estrelapopjudaicadaatualidade:Matisyahu, compositorecantoramericanoquemistura reggaeclssicocomjudasmoortodoxoeque concorreaoprmioGrammydesteano,espcie de Oscar da msica mundial. Cerca de quatro mil pessoas lotaram o ginsio do clube A Hebraica, em So Paulo, no final de janeiro para cantar e danar ao ritmo da Sensacional Orquestra Sonora (sos), nome dabandadoPeixe,e,claro,deMatisyahu.Vocs fizeramumbomtrabalho,sentenciouomsico-dubl de rabino. Antes de batizar como sos, Peixe criou um nome bemsugestivoparaaprimeiraformaodesua bandaquechegaateratdezmsicos:TheIdiche Mamas&ThePapas.Comotodobomnegociante, oex-marqueteiropercebeuquepoucagentefora dacomunidadeperceberiaotrocadilhoedecidiu Maisumcasamentoest poracontecer.Homens deternosazulmarinho, mulheresdepretinhobsico, borrifadas com perfume adoci-cado. Na entrada da cerimnia, aquelesqueesqueceramsua kipemcasapodemseservir dasoferecidaspelosnoivos, queaindativeramocuidado de gravar seus nomes e a data da unio na parte interna do solidu. O roteiro todos j O REPRTERRodrigo Rosenthal/ImRevista 18 29Tudo comeou por acaso, meio sem querer, quando um amigo decidiu se casar e o nomeou padrinhomudar;afinalomercadodefestasdecasamentos eoutrascomemoraesmuitomaiordoquese imagina.Peixejfoicontratadoparaasmaisdife-rentes situaes, desde os tradicionais casamentos, sejamelesjudaicosouno,batizados,bar-mitzvs, aniversrioseatcelebraodemorte.Afamlia queriaalgoespecialparalembrarosdezanosde morte de um ente querido. S que eles queriam cele-brar as passagens felizes, as boas memrias, explica. Minha maior gratido saber que levo alegria para aspessoas,quesoupartedeummomentomuito especialnavidadaquelesquemechamaram.Sou umprivilegiado.Emsetembrode2005,Peixe mergulhou na emoo de inaugurar uma sinagoga, oCentroReligiosoBait,localizadonotradicional bairro de Higienpolis. Quem imaginou protocolos, formalidades e pessoas falando baixo, est enganado. A convite do rabino Isaac Michaan, Peixe subiu em um trio eltrico e circulou pelas ruas da vizinhana com uma horda de mais de trs mil folies cantando e danando ao som do primeiro trio eltrico judaico dequesetemhistria.Atoatualgovernadorde So Paulo, Jos Serra, caiu na festa. Para o rabino, o que vale a mensagem, independente da forma. Ele toca o corao das pessoas. O resultado musical foi tobomqueMichaanchamou-onovamentepara comemorar o primeiro ano do Bait, durante a festa de Simchat Tora, data que festeja a existncia do mais sagrado dos livros judaicos. As tradicionais hafkafot, setevoltasqueosfiisfazemaoredordasinagoga carregando a Tor, foram embaladas pela interpre-tao hassdica em ritmos que passaram do reggae ao bolero, do rock ao forr. O judasmo uma religio que celebra a vida. O Peixe um jovem vibrante que conseguiu criar uma nova forma de transmitir essa alegriajudaicaparaaspessoas,dizMichaan.No dia do trio eltrico, um senhor de quase setenta anos veio falar comigo, dizendo que nunca se imaginaria danando na rua com a Tor nas mos. E foi exata-mente o que aconteceu, lembra o rabino. ParaPeixe,quenoseconsiderareligioso,o caminhodamsicanofoiumacontecimentoao acaso. Isso me marcou muito, nunca imaginei que pudesseterumretornosentimentaltogrande. Sinto-meprivilegiadoempodertransmitirpara vriaspartesdasociedadeasbelezaseaalegriada msicaedastradiesjudaicas.Tenhodescoberto que esta a minha misso. De nada vale a forma sem contedo.Peixefazquestodeexplicartudooque acontece aos sete msicos da Sensacional Orquestra Sonora que no so judeus. Baseado no aprendizado adquiridonosanosemqueestudounocolgioI.L. Peretz, o lder da banda explica o significado de cada acontecimento, celebrao e simbologia. Paulinho, o trompetista da orquestra, que tambm se apresenta emcultosdeigreja,umdosmaisinteressados.O guitarristaFabioPinczowski,seuscionasos,ea vocalista Helena Rosenthal ajudam na troca de infor-maes interculturais. O que todos concordam que amaisbsicadastradiestocarNewYork,New Yorknoscasamentos.Onicoquenosabiadisso eraoprprioPeixe.Daprimeiravezquepediram, no sabia o que fazer. No tinha a letra, nunca tinha sequertocado.Ojeitofoiensaiarparaquenemos convidadosenemosmsicosdabandapudessem fazer chacotas novamente. Letra memorizada, arranjo feito, o gostinho da vitria estava por chegar. L pelo meio do casamento seguinte, os pais da noiva se apro-ximaramdopalcoe,comoseestivessemnoRock-fellerCenter,pediramamaisclssicacanode Albert Francis Sinatra. Sorriso maroto nocantodaboca,Peixerespirou fundo, deu aquela olhada para oscompanheirose...caiu nagargalhada.Odescon-troledurouquasedois minutos,umaeterni-dadeparaquemest sendo observado por quinhentosconvi-dados.Apesarda saia justa, ficou um climabom,todos riramjuntoseeu consegui, final-mente, cantara msica, relembra.queles que nunca foramaumafesta comandadaporele, Peixe promete lanar seu primeiro cd ainda este ano. Almdascanesjudaicas comarranjosmaismodernose inusitados, o msico tambm compe peasinditaseprprias.Suainspiraovem de viagens, praia, surf (esporte que pratica h anos) eatdasinflunciaslatinas,vindasColmbia,pas deorigemdesuame.Aindaem2007,Peixefar suasegundaapresentaonosegundocasamento do amigo Rafael Terpins, aquele que marcou o incio de sua carreira. A primeira festa deu to certo que eu vou repetir a dose, s que com outra noiva, brinca Terpins. Romntico e um tanto tmido fora do palco, Peixesonhaemtocaremseuprpriocasamento. Enquantonoencontraafelizarda,omsicojfaz promessas:eunotenhomuitoaoferecer,masa banda de graa. Flavio Blasbalg jornalistaO REPRTERSEODando continuidade s atividades, de 28 de agosto a 26 de setembro de 2006, na Praa da Paz do Parque doIbirapuera,doprojetocoexistence, o Centro da Cultura Judaica estabeleceu importanteparceriacomaSecretaria MunicipaldeEducaoecontatocom escolasdoEstado,escolasparticulares