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REVISTA LUMEN ET VIRTUS
ISSN 2177-2789
VOL. V Nº 11 SETEMBRO/2014
Daniella Barbosa Buttler & Jovino José Balbinot
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DOUGLAS E O LIVRO DE LUZ: ESCOLA, FILOSOFIA E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES
Profª Drª Daniella Barbosa Buttler
http://lattes.cnpq.br/9453400621177333
Prof. Jovino José Balbinot
http://lattes.cnpq.br/3997053332031332
RESUMO – O presente artigo aborda a interdisciplinaridade por meio do romance
Douglas e o Livro de Luz, de Jack Brandão. Tal obra tem como protagonista um garoto
que precisa buscar estratégias para encontrar um livro que contém todo o saber, todo o
conhecimento do mundo. Douglas reconstrói todo um significado por meio das
diferentes áreas do conhecimento – filosofia, história, religião, metodologia, física,
ilustração, ciência, entre outras – em busca de seu próprio ser. Nessa perspectiva,
propomos uma discussão e uma reflexão sobre a construção de um conceito
“interdisciplinar” na obra, comprometido em superar a fragmentação do conhecimento.
PALAVRAS-CHAVE – interdisciplinaridade, filosofia, Douglas e o Livro de Luz,
educação
ABSTRACT – This article discusses interdisciplinarity through the Jack Brandão’s
novel Douglas e o Livro de Luz (Douglas and the Light’s Book). This work has as its
protagonist a boy who needs to seek strategies to find a book that contains all the
knowledge, all the knowledge in the world. Douglas reconstructs a whole meaning
through different areas of knowledge – philosophy, history, religion, methodology,
physics, illustration, science, among others – in search of his own being: In this
perspective, we propose a discussion and reflection on the construction of a concept
"interdisciplinary" in the work, committed to overcome the fragmentation of
knowledge.
KEYWORDS – interdisciplinarity, philosophy, Douglas e o Livro de Luz (Douglas
and the Light’s Book), education.
Introdução
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O presente texto busca compreender a importância da interdisciplinaridade no
processo da educação escolar, visto que o tempo que o ser humano vive nesse ambiente é
bastante significativo e longo se comparado a sua vida. No Brasil, por exemplo, a
educação básica tem a duração de 12 anos a partir do primeiro ano do Ensino
Fundamental, cujo início se dá aos seis anos de idade e termina por volta dos dezoito
anos.
Ao examinar diversos teóricos, pesquisas e obras que tratam do tema, deparamo-
nos com uma que julgamos relevante: Douglas e o Livro de Luz, de Jack Brandão, pois
o autor trabalha com diversos temas que podem nos levar a um possível trabalho
interdisciplinar, a partir do ambiente escolar, como História, Mitologia, Literatura,
Religião, Física, Língua Portuguesa, entre outros.
A metodologia de pesquisa usada na construção do texto é teórica e, após a leitura
da obra em questão e a leitura de diferentes conceitos sobre o assunto, buscamos
reconhecer (ou não) os aspectos interdisciplinares em Douglas e o Livro de Luz e sua
possível emprego em sala de aula, já que se vê a questão interdisciplinar como o
diferencial na conquista pessoal e da educação do cotidiano escolar hodierna.
Portanto, este artigo discutirá, concomitantemente à análise da obra escolhida, a
importância do trabalho interdisciplinar na formação sociocultural de todo ser humano,
pois acreditamos que quando as diversas disciplinas estão interligadas e são seriamente
pensadas e planejadas resultam num ensino de qualidade para todos os interessados na
construção do conhecimento.
Interdisciplinaridade: métodos e práticas
Na história da humanidade a preocupação em entender o ser humano, bem
como seu crescimento e desenvolvimento sempre esteve presente. Pensar no homem
significa, num primeiro momento, percebê-lo como ser existente.
Sartre, filósofo contemporâneo nos mostra que só podemos pensar sobre
determinado tema no momento em que o percebemos, quando o sentimos e nos
tornamos conscientes do seu ser. Mas eis uma grande questão, sabemos que todos os
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seres estão em constante mudança e, portanto, estão e não são. Ser significaria não
mudar, ou seja, permanecer o mesmo na concepção de todos os seres pensantes e
conscientes.
Toda sociedade tem sua história e a mesma é resultado das inúmeras
intervenções que o seus membros realizam. A Sociedade Brasileira, no contexto do
século XXI, representa o resultado de uma história construída e permeada por uma
determinada cultura e guiada por valores pertencentes aos diversos seres presentes no
espaço e tempo de sua trajetória.
A história de Douglas, Luciano, Maíra, Henrique Bianchi, Julia, Professor
Lincoln, Dona Rosa, Professora Rosaura, Roseli, personagens da obra Douglas e o
Livro de luz, nos mostra essa experiência de convívio e de construção interdisciplinar.
Percebe-se todo tempo a presença da preocupação e da busca do conhecimento sobre
temas do cotidiano humano.
Ao falar sobre um trabalho solicitado pela professora de biologia, temos:
Didaticamente, começou a falar sobre a matéria, sobre a origem da vida, sobre
as diversas teorias que existiam para explicá-la. Em seguida, falou das
subdivisões da biologia, dos diferentes métodos científicos que procuram dar
respostas às perguntas existenciais dos homens. Depois falou do empirismo na
ciência e de sua importância para o estabelecimento da ciência biológica...
(BRANDÃO, 2014, p. 25-26).
A professora com o conhecimento e a experiência na própria área de trabalho
desperta nos educandos a pré-ocupação, ocupação prévia, de buscar em outras áreas do
conhecimento respostas sobre questões como: “De onde o homem veio? O que o
homem faz aqui? Como surgiu tudo o que há na Terra?”
Vale ressaltar que na relação educacional a presença do professor e a relação
interpessoal com o aluno é passo primeiro para o desenvolvimento e o crescimento dos
envolvidos nesta etapa do processo, pois é levado em conta a história pessoal constituída
de valores pessoais e sociais e a relação de compromisso e de responsabilidade no ensino
e na aprendizagem.
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Estamos num tempo e espaço em que as relações humanas estão indiferentes e
distantes. Vivemos em contextos em que o individualismo e a competição são marcas
insistentes. Estar presente no processo de construção do conhecimento de nossos alunos
é valor fundamental no campo educacional.
Educar para a construção de valores e princípios humanos de solidariedade e de
respeito na relação com o outro que convive num mesmo tempo, no meio ambiente em
que estamos inseridos é, ou deveria ser, uma preocupação de todos os educadores. Este
trabalho deve acontecer de forma integrada com as diversas áreas do ensino e com os
educadores que possuem objetivos semelhantes e, portanto, o caminho é a
interdisciplinaridade.
A pesquisadora Ivani Fazenda nos convida a construir um conceito para essa
palavra, mas para ela, mais importante que conceituar, é refletir sobre suas considerações
e perceber o significado da atitude interdisciplinar na educação, no ensino, na formação
do professor e na aprendizagem do aluno.
Para a autora, a interdisciplinaridade surgiu na Europa, na década de 1960, num
período marcado pelos movimentos estudantis que, dentre outras coisas, reivindicavam
um ensino mais sintonizado com as grandes questões de ordem social, política e
econômica da época. A utilização da interdisciplinaridade é uma forma de desenvolver
um trabalho de integração dos conteúdos de uma disciplina com outras áreas do
conhecimento. Essa interação, aparentemente distinta, enriquece até mesmo a relação do
professor com o aluno.
A relação professor/aluno é a base de todo processo de aprendizagem. O
professor não pode estar na posição de detentor do saber. Deve estar na posição de quem
não sabe tudo. As palavras de Douglas ao referir-se à relação com o professor
demonstram isso: “Na verdade, professor, sua opinião é muito importante para mim.
Acho o senhor um grande mestre e estou aprendendo muito neste ano”. (BRANDÃO,
2014, P.25-26).
O professor precisa agir como mediador da dimensão afetiva entre seu aluno e o
conhecimento, favorecendo uma aprendizagem significativa, formando alunos críticos e
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criativos com capacidade de enfrentar os desafios da vida e preparados para o mundo e
para a vida.
Na obra O Existencialismo é um Humanismo, Sartre (1973, p. 12) afirma que
o homem é não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se
concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o
homem não é mais que o que ele faz.
Assim sendo, nós, enquanto seres humanos, nos constituímos em seres por
desejar. Desejamos ser humanos, trabalhadores, profissionais e felizes. Quando olhamos
para alunos e alunas presentes em nossas aulas percebemos a presença de seres que
desejam e buscam o conhecimento como valor na construção do próprio ser e da própria
felicidade.
Na construção humana, o outro se faz presente como parte integrante,
conforme afirma Jung Mo Sung:
O/a outro/a é, enquanto diferente, a chance do meu projeto de ser. O meu
projeto de ser não pode existir sem essa relação fundante com outro-diferente.
A diferença do diferente constitui o processo de dês-afirmação da minha
condição de isolamento ameaçador, ou seja, o outro-diferente me indefere
enquanto mônada. O meu isolamento fica socialmente desaprovado pela
existência do/a outro/a. É a existência dos demais que me transpõe ao mundo
relacional, no qual as mônadas ficam abolidas. Num certo sentido, portanto,
o/a outro/a é a parte mais objetiva da minha realidade, porque não há
invenção/descoberta do eu sem inovação/descoberta do tu. E – maravilha das
maravilhas – o/a outro/a é uma invenção que, ao menos em boa medida, não
preciso inventar sozinho porque ela, até certo ponto, se auto-inventa diante
de mim (ASSMANN, Hugo e SUNG, Jung Mo 2000, p. 258).
Sendo assim, ser professor ganha sentido na relação do ensinar e de contribuir
na construção do ser do outro, do aluno.
Ainda, segundo Sartre (1973, p. 12), “O homem primeiro existe, ou seja, que o
homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se
projetar no futuro. O homem é, antes de mais nada, um projeto que se vive
subjetivamente.”
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Somos seres projetados na direção do futuro; dificilmente, concentramo-nos no
presente. No mesmo tempo e espaço estamos com saudades do passado e pensando no
futuro. O ser humano é um ser de projetos.
Afirma Sartre:
Querer é uma decisão consciente, e que, para a maior parte de nós, é posterior
àquilo que ele próprio se fez... Quando dizemos que o homem se escolhe a si,
queremos dizer que cada um de nós se escolhe a si próprio; mas com isso
queremos também dizer que, ao escolher-se a si próprio, ele escolhe todos os
homens. Com efeito, não há dos nossos atos um sequer que, ao criar o
homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem
como o julgamos que deve ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo
tempo o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o
que escolhemos é sempre o bem, nada pode ser bom para nós sem que o seja
para todos. Se a existência, por outro lado, precede a essência e se quisermos
existir, ao mesmo tempo que construímos a nossa imagem, esta imagem é
válida para todos e para toda a nossa época. (...) Assim sou responsável por
mim e por todos, e creio numa certa imagem do homem por mim escolhida:
escolhendo-me, escolho o homem. (SARTRE, 1973, p. 12)
O ser humano ao tomar consciência que é um ser no mundo, ou melhor, ao
tomar consciência que está no mundo, procura dar sentido à própria vida e por isso faz
escolhas. Ao fazer escolhas, percebe-se um ser livre e, ao mesmo tempo, um ser de
relações. E justamente por perceber essas relações que podemos retomar a famosa frase
de Sartre: “O inferno são os outros.” A princípio, podemos nos empolgar com a
liberdade, mas nos esquecemos de que os outros também a têm. Por isso, Sarte vai além
e afirma que o inferno pode ser nós mesmos.
Somos seres humanos e, portanto, seres vivos. Sabemos que o ser vivo não é um
ser estável, mas, uma busca constante por mudança e transformação para a própria
estabilidade. A única coisa que desejamos é uma vida estável, no entanto, a vida é
instável.
Como seres humanos, vivemos construindo imagens que nos dão sentido e nos
possibilitam compreensão e comunicação com os outros seres e conosco mesmo.
Sabemos que as imagens são mediações. Vivemos de mediações e, muitas vezes, fazemos
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da mediação o próprio real. Quase sempre os confundimos. Nesse sentido, encontramos
na obra Douglas e o Livro de Luz, as palavras da Professora Rosaura:
A arte está nos olhos daquele que pode e consegue enxergar aquilo que está
além do que pode captar, num primeiro olhar, meu caro Bianchi! Nem todos
podem enxergar, porque nem todos têm essa capacidade!... As palavras que eu
falo chegam a suas orelhas pelo ar. É ele o canal pelo qual a primeira pessoa (o
“eu”) chega a segunda pessoa (“vocês”), falando de uma terceira (“o ele”, “a
coisa”, ou “assunto”), utilizando um código (“a língua portuguesa”)... Quem
escreve, fala, faz uma música, ou pinta um quadro, tem de saber a quem quer
chegar; que é, e como se comporta seu receptor. Caso contrário, o emissor
pode não conseguir transmitir a mensagem de forma clara a seu receptor, nem
este decodificar a mensagem (BRANDÃO, 2014, p.147-150).
É na narração dos fatos, por meio dos meios de comunicação e da comunicação,
que o ser humano constrói a realidade. No entanto, o que parece mais importante não é
o fato, mas a interpretação dada ao fato e assim vamos vivendo de interpretações de
fatos, de realidades construídas intencionalmente e esquecemo-nos do fato em si, do real.
A autoimagem que construímos, como seres vivos e estáveis, não é certa.
O ser humano não pode viver sem sonhos, mas não pode viver de sonhos, ou
perceber que está sonhando. A vida perde seu sentido se pensarmos apenas no momento
presente, nas diferentes obrigações para cumprir, deveres para pagar, situações e mais
situações. Necessitamos de esperança. Segundo Antonio Joaquim Severino:
O homem é um ser eminentemente prático; sua existência se define com a
contínua construção de seu modo de ser, mediante sua prática. Essa prática
coloca-o em relação com a natureza, com os seus semelhantes e consigo
mesmo. Pela mediação de sua consciência subjetiva, o homem pode
intencionalizar sua prática, pois essa consciência é sensível à valores. Assim,
ao agir, o homem está sempre se referenciando a valores, de tal modo que
todos os aspectos de sua realidade, todos os objetos de suas experiências, todas
as situações que vive e todas as relações que estabelece são atravessadas por um
coeficiente de valoração. (SEVERINO, 1994, p. 47).
Pensar que vivemos num determinado tempo e espaço significa tomar
consciência de que somos seres da coexistência. No processo do coexistir, construímos
sentidos e nas relações contribuímos para a realização pessoal e do outro. Nas mais
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diversas relações colhem-se resultados. Acreditamos que o conhecimento é parte desse
processo. Portanto, faremos a seguir uma análise da relação do desejo humano, do ser e
existir de cada um, com a importância do conhecimento interdisciplinar. E retomaremos
o que Kleiman (1999) diz sobre interdisciplinaridade, que o currículo tradicional escolar
é alienante, o aluno costuma realizar atividades que não possuem ligação alguma com sua
realidade sociocultural. Logo, os projetos interdisciplinares podem vir a se constituírem
em instrumentos para uma efetiva transformação desse processo educacional.
Interdisciplinaridade: desafio
Educação, no sentido moderno, tem muito a ver com ciências e está muito
relacionada com a metáfora da máquina. Cada engrenagem da máquina é parte do
funcionamento perfeito e assim as disciplinas apresentadas no sistema de educação,
juntas fazem parte da formação integral do ser humano, mesmo estando divididas. O ser
vivo é na medida que interage com o seu meio; dessa forma, conhecer é viver, e vida é
conhecimento.
Assim, quando Douglas precisa fazer uma redação para o professor de História
sobre sua família, empregando um álbum de fotografias, não só conhece um pouco a
vida de seus pais falecidos, como também vive um tempo que não é o seu, mas que foi
despertado por meio das imagens fotográficas:
O bonde passa por ele, era todo aberto: algumas pessoas sentadas, outras em
pé. As que estavam sentadas me olharam com uma curiosidade estranha. Que
elas queriam? Não, acho que não era para mim que estavam olhando… só sei
de uma coisa: eu não sabia o que falar. A rua fervilhava de gente: todos bem
vestidos, com chapéus de diversas cores… Mas eles não tinham cor,
continuavam num dégradé entre preto, cinza e branco. Agora procurava
discernir: qual era a cor do bonde? Qual era a da roupa de seu maquinista?
Diante daquelas pessoas, comecei a me sentir nu por estar de camiseta, de
bermuda e de chinelo, e devido à desconfiança com que elas me encaravam.
Adiante vi um homem postado numa esquina, diante de uma charutaria. Ele
estava em frente a uma caixa preta, fixada a um tripé, deveria ser um
fotógrafo, daqueles de rua, ou como minha avó sempre falava, um lambe-
lambe.
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Estou reconhecendo a cena: aquele menino postado no meio da rua é Hans,
meu pai. Mas ele está maior do que aquela criança que eu havia visto há pouco
tempo, parecia ter minha idade agora. Demonstrava tanta alegria em seu
rosto, um misto de orgulho e satisfação. Será que nunca havia vindo para uma
cidade grande como esta? Onde estaria meu avô? Não o via em lugar algum.
De repente, um guarda, que tinha um longo bigode, me pega pelo braço [...]
(BRANDÃO, 2014, p. 48-49)
Podemos pensar que é sempre na relação que acontece conhecimento, e a
relação acontece entre sujeito e objeto, sujeito e sujeito, sujeito e ambiente. O sujeito,
ao tomar consciência do objeto de seu estudo, deve ter presente que este objeto está
inserido num contexto e somente assim poderá ampliar seu próprio pensar.
A percepção, o estudo, a consciência e a reflexão se apresentam como mediações
no processo do conhecimento entre sujeito e objeto. Sendo assim, toda vez que nos
encontramos com autores e construtores de conhecimento, devemos ter presente o
contexto em que construíram sua forma de pensar e as referidas conclusões.
Conhecimento é construção. A natureza responde se fizermos perguntas, por
isso o importante é fazer perguntas. É saber fazer perguntas, porque as respostas já
existem. É poder, mesmo estando inserido em determinado ambiente, ausentar-se e ter
ângulos diferentes e assim perguntar.
Jung Mo Sung diz que:
Aprender a aprender é manter acesa a curiosidade. O mero ensinar, ou mera
entrega de saberes supostamente prontos, mata a curiosidade. É neste ponto
que a escola mais peca, porque muitas vezes ela extirpa a curiosidade, em vez
de alimentá-la. Por isso é bom lembrar que apagar curiosidades é
despontenciar neurônios do cérebro humano. (ASSMANN. SUNG, 2000, p.
259)
A grande questão que se faz presente é que, como humanos, somos únicos e
possuidores de desejos ímpares. Podemos nos perguntar então, como poderemos
construir projetos comuns voltados para um contexto em que todos tenham um espaço e
lugar?
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A resposta não parece simples, mas buscamos ajuda nas palavras de Edgar Morin
quando afirma que precisamos de um pensamento que tente juntar e organizar os
componentes (biológicos, culturais, sociais, individuais) da complexidade humana e
injetar as contribuições científicas na antropologia.
Construir projetos individuais no mundo de relações humanas significa ter
consciência que o outro é parte integrante de participação e colaboração.
Outro significa, ao mesmo tempo, o semelhante e o dessemelhante;
semelhante pelos traços humanos ou culturais comuns; dessemelhante pela
singularidade individual ou pelas diferenças étnicas. O outro comporta,
efetivamente, a estranheza e a similitude. A qualidade de sujeito permite-nos
percebê-lo na semelhança e dessemelhança. O fechamento egocêntrico torna o
outro estranho para nós; a abertura altruísta o torna simpático. O sujeito é
por natureza fechado e aberto. (MORIN, 2002, p. 77).
Como educadores, devemos ter presente que nossos alunos e alunas, na sua
individualidade e identidade, possuem sonhos e esperanças voltados para o amanhã e são
únicos. Projetos na sua individualidade são únicos, mas sempre existirão e se
concretizarão no coletivo. Sendo assim, faz-se necessário construir espaços onde caibam
todos. Nas diferenças, o aluno sonha ter um lugar no mundo do trabalho. Somos,
portanto, sujeitos no mundo do conhecimento e responsáveis por contribuir neste
processo de formação de cada ser.
Outra importante contribuição para o desafio da interdisciplinaridade está em
Leonardo Boff (2005, p. 11) quando afirma:
Devemos nos acostumar à percepção de que somos passageiros de uma nave
espacial, azul-branca, nossa Casa Comum, a Terra, com recursos limitados,
com superpopulação e com riscos ameaçadores. Só serão evitados, se
orientarmos nossas práticas pelas virtudes que vamos desenvolver como a
hospitalidade, a convivência, a tolerância, o respeito ao diferente, a
comensalidade e a cultura da paz. Junto devem acolitá-las as virtudes da era
ecológica como o cuidado, a corresponsabilidade, a cooperação e a reverência.
Então, criam-se as condições para o novo surgir.
Quando falamos do outro, sabemos que estamos falando de alguém inserido
num contexto. Mudando o contexto, mudamos nossa individualidade. Somos seres que
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interagem na relação com o outro. A educação é um interagir e ensinamos o que
acreditamos ser importante e pertinente.
Ensinar e aprender parecia fazer parte de um ritual, devíamos imitar alguns
traços que a professora fazia em nosso caderno. Devíamos seguir alguns pontos e logo
descobrimos que esse exercício se chamava escrita, letras, números e ao juntar os
números tínhamos valores e valores matemáticos representavam realidades.
A história de todo estudante é um tanto parecida quanto se possui um currículo
escolar e um plano de educação válido para todo o país e nos mais diversos contextos. Essa
semelhança encontramos em Douglas e o Livro de Luz quando, se faz um resgate do
Mito da caverna de Platão nas palavras da personagem Maíra:
Maíra olha para Douglas que quis rir com a expressão do rosto do amigo, mas
isso se resumiu apenas no sorriso esboçado à amiga que prossegue sua
narrativa. – Continuando... um deles consegue se livrar daquelas correntes,
como que por um passe de mágica de sua fada madrinha – disse Maíra fazendo
um gesto com a mão, como se estivesse com uma varinha de condão -, e sai
daquele lugar. E, à medida que subia em direção à entrada da caverna, seus
olhos doíam mais e mais; por isso, ele tinha de ir se acostumando aos poucos
com aquela luz intensa. Ao chegar à entrada, vê as pessoas passando pelo
outro lado do muro e consegue ver, mais nitidamente, as pessoas e os objetos
que estão a sua volta. Encantado com a descoberta do mundo e de todas suas
maravilhas, resolve voltar à caverna e dizer a seus amigos tudo o que vira lá
fora. Mas, ao voltar, todos da caverna o chamaram de louco, de lunático; por
isso, foi banido... (BRANDÃO, 2014, p. 147-150).
A construção do ser humano passou e passa por profundas transformações na
realidade da história da humanidade. A origem da escrita que data 4.000 a.C. foi uma das
grandes mudanças no percurso e no desenvolvimento do homem. A escrita possibilitou
um primeiro registro dos acontecimentos cotidianos. Os avanços foram acontecendo e o
homem foi construindo aprendizagens e conhecimentos, mas tudo aconteceu no
contexto de um tempo bastante longo.
Há também um exemplo interessante a esse respeito na obra de Jack Brandão,
quando Douglas, Maíra e Luciano discutem sobre o surgimento da vida na Terra, a
partir de uma proposta de trabalho da professora de biologia, Xênia. Eles, porém, uma
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vez aguçada sua curiosidade, vão além e não se contentam apenas em aprender a Teoria
Evolucionista de Darwin, mas em tentar entendê-la ao confrontá-la com a Teoria
Criacionista bíblica. Prova-se, mais uma vez, o que havia sido dito, anteriormente, por
Jung Mo Sung “Aprender a aprender é manter acesa a curiosidade”:
– Douglas, leia o que está escrito antes: No princípio, Deus criou os céus e a
terra, quer dizer que o Big Bang já tinha acontecido! Por isso seu espírito vagava
sobre a água, na verdade aquela grande sopa....
[....]....
– Oparin, Luciano, foi o cientista russo que falou que a vida surgiu há,
aproximadamente, 3,5 bilhões de anos. [....] Só que antes disso, os oceanos
ainda tinham de se formar, a partir de muita chuva, que se originava da água
em forma de vapor que era expelida juntamente com o magma dos vulcões....
(BRANDÃO, 2014, p. 66 e 67)
Recentemente, essa discussão entre as teorias criacionista e evolucionista foi
retomada pelo papa Francisco que faz uma discussão interessante sobre o surgimento da
vida e diz que Deus não criou o Universo com uma vara mágica. O pontífice afirmou
também que Teoria da Evolução e do Big Bang não contradizem a intervenção divina.
Assim, conforme o tempo passa e as transformações se apresentam, o homem
também não pode ficar inerte; tem, forçosamente, de mudar. Estamos no século XXI,
vemos (e vimos) muitas transformações técnico-científicas, muitos conflitos, certezas e
incertezas, um mundo que estremece intensa e constantemente; então, por que a
educação também não se abre e faz com que a curiosidade também permeie o mundo de
nossos alunos, nos moldes das personagens de Douglas e o Livro de Luz?
Conclusão
Somos seres em constante desenvolvimento num processo dialético de ir e vir,
de ação-reflexão-ação. Somos protagonistas da história que nos encontramos e é só neste
tempo, no espaço em que nos encontramos, com as pessoas com quem estamos que
podemos pensar, agir, interferir e transformar.
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A educação caminha e se transforma conforme caminha e se transforma a
história da humanidade. O agir dos seres humanos vai interferindo e estabelecendo uma
teia de relações que acaba por reestruturar todo um contexto de vida e de trabalho.
Vivemos numa época de intensas buscas de realização humana e pessoal; assim, as
Instituições de Ensino, compostas por toda comunidade local, passam a desempenhar o
papel de prestadoras de serviço na construção do conhecimento e no cumprimento do
projeto de vida de seus educandos, visando não apenas a eles, mas a toda a coletividade.
Percebemos que em todo processo de construção humana temos um início, um
meio e um fim. Sabemos também que todo esse processo carrega consigo sonhos,
expectativas e almeja resultados favoráveis na preparação para o futuro sócio, afetivo e
profissional de nossos alunos.
Quando pensamos no ser humano, logo nosnlembramos de suas características
básicas que o constitui e o faz ser. Somos seres pensantes (razão), seres de sentimentos
(emoção) e somos seres do agir (trabalho). Tal trabalho (homo faber) é a grande mediação
do homem na relação com a natureza e com os demais seres presentes no universo.
Assim, ressaltamos que as contribuições da obra Douglas e o Livro de Luz de
Jack Brandão e dos autores Hugo Asmann, Jung Mo Sung, Leonardo Boff, Edgar Morin,
Antonio Joaquin Severino e do filósofo contemporâneo Sartre foram de extrema
importância na elaboração do presente texto. O ser humano é um ser de desejo e na
complexidade do seu existir busca constantemente um desenvolvimento voltado para o
conhecimento e esse processo deve acontecer com a contribuição das diversas áreas do
conhecimento e, portanto, por meio de um trabalho interdisciplinar.
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Cidadania. São Paulo: FTD; 1994.