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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP AMANDA DA SILVA PINTO COMUNICAR, MOVER E APRENDER: o movimento como eixo da linguagem e da aprendizagem DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA São Paulo 2019

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA São Paulo 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

AMANDA DA SILVA PINTO

COMUNICAR, MOVER E APRENDER: o movimento como

eixo da linguagem e da aprendizagem

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

São Paulo

2019

AMANDA DA SILVA PINTO

COMUNICAR, MOVER E APRENDER: o movimento como

eixo da linguagem e da aprendizagem

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica sob a orientação da Prof. Dra. Helena Tânia Katz.

São Paulo

2019

Banca Examinadora

Prof. Dra. Christine Greiner PUC/SP

Prof. Dr. Alípio Casali PUC/SP

Prof. Dra. Lenira Peral Rengel UFBA/BA

Prof. Dra. Isabel Maria Meirellea de Azevedo Marques

Instituto Caleidos/SP

Prof. Dra. Helena Katz PUC/SP (Presidente da Banca Examinadora)

À minha mãe, Prof. Dra. Nazaré Corrêa (in memoriam), que motivou e regou sempre

minha estrada acadêmica. Por todo amor, dedicação e admiração de uma vida

inteira...

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de

pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e Código de

Processo 88887.178021/2018-00

This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior - Brasil (CAPES) Finance Code 001 e Process Code 88887.178021/2018-

00

AGRADECIMENTOS

Em tão longa caminhada, a ação de fazer e refazer tais caminhos são intensos e

extensos. Portanto, jamais esta lista de agradecimentos será breve, assim como

contemplará muito pouco o quão grata sou a essas pessoas...

À minha saudosa e tão estimada mãe, Prof. Dra. Maria de Nazaré Corrêa da Silva

(in memorian), meu exemplo, minha incentivadora, minha mola mestra para a

realização desta tese. Sem ela, os ventos seriam outros, o movimento seria diferente

e esta tese não estaria sendo realizada neste momento...

À minha inominável e admirável orientadora, prof. Dra. Helena Katz, com quem

orientação e humanidade só se efetivam juntas, de forma que nem conseguiria

distinguir nesta lista se seu agradecimento caberia no pessoal ou no profissional.

Você iluminou de forma ímpar minha caminhada e para mim foi uma honra trilhar

com você..

Aos professores do curso de Comunicação e Semiótica e ao CED (grupo de

pesquisa) grata pelos compartilhamentos..

À Banca de qualificação Prof. Drs. Christine Greiner e Alípio Casali pelas imensas

contribuições e humanidade no tratamento..

À Cida, sempre disponível para auxiliar nas informações e ações burocráticas

imprescindíveis ao processo. Muito obrigada!

Ao meu saudoso pai, Walmir Oliva Pinto (in memorian), que como caminhoneiro

percorreu muitas estradas desse Brasil, sempre me incentivou os estudos e neste

momento estaria irradiante com a conclusão de um estudo feito fora de minha cidade

natal.. Grata a minha família paterna que faz com que eu sempre sinta a SUA

presença..

Ao meu amado irmão, Walmir da Silva Pinto, pelo perseverante carinho e apoio,

estendido à minha cunhada Cristianlia Pinto e meus sobrinhos, Samuel e Gabriel

Pinto, por todo o amor incondicional e abrigo ao longo de toda essa trajetória..

À Prof. Dra. Jeanne Abreu, minha mãe na Dança, que me mostrou esse universo do

movimento desde minha infância, e até hoje caminhamos juntas nesta estrada

dançante. Grata por todo apoio também para a construção desta tese..

À Escola Estadual de Tempo Integral Francisca Botinelly Cunha e Silva, em Manaus-

AM, em nome de sua gestora Vânia Machado e dos professores Diego Almeida,

Marco Roberio e alunos envolvidos, pela disponibilidade, abraço e confiança a esta

pesquisa. Meu muitíssimo obrigada...

Às tias e Prof. Dras. Marilene Corrêa e Heloísa Corrêa (UFAM) pelo incentivo e

exemplo acadêmico..

À minha extensa família, em nome de Margareth Corrêa e Nonata Corrêa (tias),

Augusto Jr, Ricardo, Gracy, Adriana, Valéria, Mara, Anderson e Luís (primos) pelo

imenso apoio pessoal, encorajador, fundamental neste processo, onde geralmente

tanto nos entregamos à pesquisa, esquecendo deste departamento de nossa vida e

adoecemos...

A todxs meus amigxs, em nome de Kzué Kellin, Ana Carolina Souza e Rosely Reis,

sem a força pessoal de vocês e de toda a turma extensiva, essa trilha teria sido mais

árdua..

Aos amigxs paulistanos puchianos da “Educação: Currículo” Márcia, Marise, Kelwin

e Zilda, assim como Adilson Andrade, Ademar Silva e Yara Costa, com os quais me

relacionei através de minha mãe extensivamente, grata por todo o apoio e carinho,

assim como disponibilidade para as burocracias à distância necessárias..

Ao Prof. Dr. Harald Pinheiro (UFAM), pelo companheirismo pessoal, amoroso e

profissional, que me foi necessário nessa reta final..

Muito obrigada!!!

“Ler não é passar por cima das palavras” (Paulo Freire)

“Se ler não é ‘passar por cima das palavras’, pois diz respeito a uma interação com o

mundo, saber ler implica também saber ouvir, sentir, ver, cheirar, tocar, MOVER-SE

no mundo”

(Isabel Marques)

RESUMO

PINTO, Amanda da Silva. Comunicar, Mover e Aprender: o movimento como eixo da linguagem e da aprendizagem. 2019. 125f. Tese (doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

Esta pesquisa parte da urgência em se considerar as mudanças cognitivas do corpo para uma reformulação das práticas pedagógicas praticadas nas Instituições de Ensino Fundamental (segundo segmento) na rede pública de Manaus – AM, sob o risco dessa educação se tornar ineficiente para a função à qual se destina. Propõe que se considere o movimento como um dos sentidos do corpo, acompanhando Berthoz (2000), sendo agregado aos outros cinco já conhecidos (visão, audição, paladar, olfato e tato), para colaborar com o desenvolvimento de outro projeto de educação. Desta forma, a pesquisa tem como objetivo trazer para os contextos escolares a contribuição cognitiva do movimento, sustentando-a com a bibliografia que pesquisa o movimento como produção de conhecimento (NOE, 2004) e apontar caminhos teoricopraticos que relacionem o sexto sentido, estudado por Berthoz e a formação de proto e metaconceitos na construção de conhecimento do aluno. Como hipóteses, se sugere que o ato de perceber algo envolve estruturas sensoriomotoras que são ativas nesta percepção, a propiocepção. Sendo assim, a experiência do movimento consciente no espaço escolar é uma possibilidade de ignição do ato de perceber e, consequentemente, da construção de conhecimento. Além do exercício do movimento inerente aos humanos, se sugere, na presente pesquisa, que o movimento na forma de Dança Improvisada propõe ao corpo um exercício ativo que contribui também para a construção de conhecimento. A pesquisa, de cunho exploratório (FAZENDA, 2015), usará a observação participante para investigar as práticas pedagógicas de professores da Escola Estadual de Tempo Integral Francisca Botinelly Cunha & Silva, de ensino fundamental II da rede pública de Manaus, no que diz respeito à presença do corpo/movimento neste processo. Propostas metodológicas foram realizadas como inferências nos processos pedagógicos dos professores observados (movimentos aleatórios para tática de atenção (1) e movimentos relacionados a conteúdos (2)), a fim de vivenciar com os alunos a experiência do movimento em articulação a qualquer construção de conhecimento. Uma proposta de criação em dança também foi elaborada a partir da sensibilização de tensões musculares para compreensão de pontuações de texto. Quanto mais fontes de aprendizado pudermos oferecer aos nossos alunos, mais eficiente será este processo. Além da experiência oral, leitura e escrita, a expressividade do mover o corpo inteiro não pode ser negada, conectando sinapses outras que enredarão outros circuitos não motivados nas experiências tradicionais. O movimento, quando conscientemente estimulado, traz informações para uma qualidade de presença para os alunos que cultiva formas neuromusculares de pensamento passíveis de outros gatilhos de significação e de contato com o organismo (aluno), possibilitando caminhos para tentarmos acompanhar pedagogicamente as mudanças cognitivas (entendamos corporais) em curso, para as quais as formas tradicionais estão cada dia mais sufocantes.

Palavras-chave: Corpo. Movimento. Escola. Aprendizagem.

ABSTRACT

PINTO, Amanda da Silva. Comunicar, Mover e Aprender: o movimento como eixo da linguagem e da aprendizagem. 2019. 130f. Tese (doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

This research starts from the urgency of considering the cognitive changes of the body for a reformulation of the pedagogical practices practiced in the Institutions of Elementary Education (second segment) in the public network of Manaus - AM, under the risk that this education becomes inefficient for the function to which is intended. It proposes that the movement be considered as one of the senses of the body, following Berthoz (2000), being added to the other five already known (vision, hearing, taste, smell and touch), to collaborate with the development of another education project. In this way, the research aims to bring to the school contexts the cognitive contribution of the movement, supporting it with the bibliography that researches the movement as knowledge production (NOE, 2004) and to point out theoretical pathways that relate the sixth sense, studied by Berthoz and the formation of proto and metaconcepts in the construction of student knowledge. As hypotheses, it is suggested that the act of perceiving something involves sensorimotor structures that are active in this perception, proprioception. Thus, the experience of the conscious movement in the school space is a possibility of ignition of the act of perceiving and, consequently, of the construction of knowledge. Besides the exercise of the movement inherent to humans, it is suggested, in the present research, that the movement in the form of Improvised Dance proposes to the body an active exercise that also contributes to the construction of knowledge. The research, exploratory (FAZENDA, 2015), will use participant observation to investigate the pedagogical practices of teachers of the State School of Integral Francisca Botinelly Cunha & Silva, elementary school II of the public network of Manaus, regarding the presence of the body / movement in this process. Methodological proposals were made as inferences in the pedagogical processes of observed teachers (random movements for attention tactics (1) and movements related to contents (2)), in order to experience with the students the experience of the movement in articulation to any knowledge construction. A proposal of creation in dance was also elaborated from the sensitization of muscular tensions to comprehension of text periods. The more sources of learning we can offer our students, the more efficient this process will be. In addition to oral, reading and writing experience, the expressiveness of moving the entire body can not be denied, connecting other synapses that will entangle other unmotivated circuits in traditional experiences. The movement, when consciously stimulated, brings information to a quality of presence for the students that cultivates neuromuscular forms of thought that are susceptible of other triggers of signification and contact with the organism (student), allowing paths to try to accompany pedagogically the cognitive changes (understand bodily forms), for which the traditional forms are increasingly suffocating.

Key-words: Body. Moviment. School. Learning.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Sala de aula vazia .................................................................................. 70

Figura 2 – Posição do Professor em relação ao alunos ........................................... 72

Figura 3 – Variadas posições dos alunos nas carteiras ...........................................73

Figura 4 – Indução do movimento intercalado à aula 1 ........................................... 75

Figura 5 – Exercício rítmico em roda 1 .................................................................... 76

Figura 6 – Intervenção junto à aula ........................................................................ 77

Figura 7 – Alunos assistindo vídeos das danças .................................................... 80

Figura 8 – Frevo ..................................................................................................... 83

Figura 9 – Boi-Bumbá.............................................................................................. 84

Figura 10 – Kinesfera dos alunos 7º ano ................................................................. 86

Figura 11 – Indução do movimento intercalado à aula 2 ......................................... 88

Figura 12 – Mudança de campo de visão concomitante à atividade ....................... 89

Figura 13 – Caminhada intercalada às atividades ................................................... 90

Figura 14 – Exercício rítmico em roda 2 .................................................................. 94

Figura 15 – Verbalização e intenção de movimento ............................................... 95

Figura 16 – Tensões musculares e pontuação ...................................................... 106

Figura 17 – Leitura do texto ................................................................................... 107

Figura 18 – Ações corporais e pontuação ............................................................. 108

Figura 19 – Leitura em dupla ................................................................................. 109

Figura 20 – Registro das histórias e compartilhamento ......................................... 111

Figura 21 – Ensaio e execução da cena ............................................................... 113

SUMÁRIO

APRESENTANDO A QUESTÃO ...................................................................13

CAPÍTULO 1: O CORPO E A APRENDIZAGEM .......................................... 16

1.1 A COGNIÇÃO EM EVOLUÇÃO. ......................................................... 16

1.2 CORPAR PARA CONHECER. ........................................................... 21

1.3 PROCEDIMENTO METAFÓRICO DO CORPO. ................................29

1.4 MOVIMENTO ...................................................................................... 32

1.5 MOVIMENTO E O CONHECIMENTO EM REDE ............................... 35

1.6 DISTENSÕES E MOVIMENTO. ........................................................ 39

1.7 O SENTIDO DO MOVIMENTO. ......................................................... 40

1.7.1. Propriocepção .................................................................................. 41

1.7.2. O Sexto ou Primeiro Sentido ........................................................... 45

1.8. MOVIMENTO E EDUCAÇÃO: ESTADO DA ARTE .............................. 52

1.8.1. Henri Wallon e a virtualização da motricidade ............................. 53

1.8.2 A Psicocinética de Jean Le Boulch................................................ 55

1.8.3 As inteligências Múltiplas de Gardner ........................................... 57

1.8.4. Desenvolvimento Cognitivo para Jean Piaget ............................. 61

1.8.5. Paradigmas Dominantes ................................................................ 62

CAPÍTULO 2: MOVIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR. ......................... 67

2.1 LÍNGUA PORTUGUESA (9º ano do EF) .............................................. 69

2.1.1 Movimentos aleatórios para a tática de atenção .......................... 69

2.1.2 Movimentos relacionados aos conteúdos ....................................79

2.2. MATEMÁTICA (7º ano do EF) ............................................................. 85

2.2.1 Movimentos aleatórios para a tática de atenção .......................... 85

2.2.2 Movimentos relacionados aos conteúdos .................................... 91

CAPÍTULO 3: DANÇA E APRENDIZAGEM ............................................... 101

3.1 QUE DANÇA É ESSA? ........................................................................ 101

3.2 DANÇA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO. ........................... 105

3.2.1 Sentindo o texto no corpo: uma proposta de criação .................. 105

OU SEJA ..................................................................................................... 116

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 118

ANEXO A ............................................................................................................ 123

ANEXO B ............................................................................................................ 124

13

APRESENTANDO A QUESTÃO

As estruturas neurais e não neurais não são apenas contíguas, mas parceiras contínuas, interativas. Não são entidades distantes que sinalizam umas para as outras como chips em um

telefone celular. Em palavras simples: corpos e cérebros estão na mesma sopa capacitadora. (DAMÁSIO, 2018, p. 274)

O (des)entendimento de corpo nas Instituições de Ensino tem papel

central na educação que lá se pratica. No Brasil, o dualismo corpo-mente1 ainda é

hegemônico no modo como o senso comum compreende o corpo, e se faz presente

também nas escolas, no modo como separa o corpo (físico) da mente (abstrata), que

habitaria e comandaria este corpo. Na Escola, isso aparece de imediato, mas

formulações de que “trabalhar a mente” é muito mais importante do que “trabalhar o

corpo”.

A Escola é um lugar de encontro. Encontro de pessoas, encontro dos

saberes, encontro consigo mesmo, encontro com o mundo, encontro com o outro. É

neste ambiente que passamos boa parte do tempo inicial de nossas vidas, durante a

infância e a adolescência - fases da vida primordiais para a formação de nossos

conhecimentos e valores. Mas é neste ambiente também que, mesmo querendo

agregar, separamos. “Agora é hora de brincar. Agora é hora de estudar”, “Se

aquiete, sente e se concentre”. “Agora é para sentar e pensar, atividade corporal

será outro dia”. Mesmo se sabendo que a aprendizagem necessita de vários tipos de

ação, continua sendo de consenso que a leitura, a escrita e a oralidade devem

continuar a ser as atividades mais valorizadas nos processos educacionais. As

atividades que o senso comum chama de ‘corporais’ são restritas a certos lugares e

momentos, pois não são consideradas em igualdade no processo chamado de

1 O dualismo corpo-mente tem, em Descartes (1596-1650), um poderoso representante. Ele assegurava que a mente humana não era uma extensão física, como o corpo, ou seja, corpo e mente tinham naturezas distintas (corpo: substância física, res extensa, e mente: substância pensante, res pensante). Damásio (2004) aponta que talvez esse não fosse um entendimento da vida inteira de Descartes, mas lembra que seu empenho em apresentar a glândula pineal como o mecanismo de ligação entre corpo e mente caracteriza, de certa forma, que os distinguia como sendo de substâncias diferentes.

14

‘educacional’, mesmo que estudos sobre corpo e movimento desenvolvidos na

neurociência atestem algo bem distinto dessa compreensão2.

Aprender, como veremos a seguir, se constitui em um procedimento muito

mais complexo do que apenas a reunião da leitura com a habitual ênfase no

“raciocínio mental”. Sendo o cérebro conectado aos sentidos do corpo, necessita,

para a efetiva aprendizagem, segundo Cosenza e Guerra (2011), de um complexo

de operações que envolvem neuroplasticidade, memórias, atenção, emoções e

sensações, as quais se enredam em conduções sinápticas, em um “trabalho em

equipe”. Desde a constituição da base dessa rede (enquanto espécie e enquanto

indivíduo), até a formação de conceitos complexos, na fase adulta, é imprescindível

reconhecer o papel do nível sensóriomotor3 nos humanos.

Para entender como o sensóriomotor atua na questão do conhecimento,

precisaremos conhecer as maneiras pelas quais as informações se transformam em

corpo. Cabe sublinhar que o entendimento de “formação de conceitos”, aqui

abordado, não é o de uma “ideia mental”, como no cognitivismo, mas sim, de

formação de conceitos cognitivos, processo no qual o corpo inteiro comunica,

expressa e compreende, sem dualismos, em um fluxo inestancável de trocas com os

ambientes e em tempo real. A separação entre mental e físico que tem regido os

modos de tratar o corpo na Escola se liga a uma lógica econômica que, apesar de

fazer parte do arcabouço cultural no qual estamos, só corresponde a um pedaço de

nós, negligenciando a natureza das operações cognitivas que ocorrem.

A proposta central da presente tese é a de investigar os processos

cognitivos do corpo, abandonando a ideia de que a formação de conhecimento

acontece apenas num plano “mental”. E propondo que as estruturas

sensoriomotoras do movimento (movimento entendido na formulação de Alain

2 Autores como Alain Berthoz (2000), Antonio Damasio (2011) e Alva Nöe (2004), entre outros, nos

ajudarão a explicar esses estudos, ao longo da tese.

3 Escrita adotada por se entender que é um procedimento que ocorre sempre junto, e não como dois processos em separado (sensório e motor). Por isso, grafa-se aqui sem hífen, baseado em Rengel (2009). Na grafia correta da língua portuguesa, este termo é escrito sensório-motor.

15

Berthoz, 2000) são responsáveis pela construção de conhecimento de qualquer

natureza.

Apenas para introduzir a proposta de Berthoz (2000), segue o modo

como ele pensa o movimento:

Sensory receptor function has a predictive quality. Receptors can detect the derivates (that is, velocity, acceleration, changes em force and pressure) of the physical variables that stimulate them. Detecting changes in a variable allows the receptors to predict the value of that variable at a future time. In addition, modulation of receptor sensitivity preselects receptors that specify future movement by endowing them with properties that antecipate the nature of the movement, tonic or dynamic. (BERTHOZ, 2000, p. 57)4

4 A função do receptor sensorial tem uma qualidade preditiva. Receptores podem detectar os derivados (isto é, velocidade, aceleração, mudanças em força e pressão) das propriedades físicas que os estimulam. A detecção de alterações em uma variável permite que os receptores prevejam o valor dessa variável em um momento futuro. Além disso, a modulação da sensibilidade do receptor pré-seleciona os receptores que especificam o movimento futuro, dotando-os de propriedades que antecipam a natureza do movimento, tônico ou dinâmico.

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CAPÍTULO 1: O CORPO E A APRENDIZAGEM

1. 1. A COGNIÇÃO EM EVOLUÇÃO

Cognoscere: conhecer, saber, termo que se compõe de: co(junto) + g

(raiz do verbo gignomae/gerar) + noscere (gerar, vir a ser, nascer) (ZIMERMAN,

2012). Nascer que já se coloca num estado biológicocultural desentendido de partes

(corpo e mente), momento em que a comunicação com o mundo é, em primeira

instância, sensóriomotora e, desta forma, nasce para a vida. O corpo conhece,

entende, complexifica, compreende, metaforiza e vive. Atrelado a essa construção

de conhecimento, desde o nascimento, que não se dá de outra forma se não

‘corpada’5, a palavra cognoscere dá origem, etimologicamente, à palavra cognição.

Todo organismo capaz de aprender, possui o que pode ser chamado de capacidade

cognitiva, e sempre (re)nasce ao aprender. No caso dos seres humanos, aprender a

aprender.

Cabe localizar os entendimentos que amparam a presente tese.

Comecemos por Shapiro (2011), que aponta para os problemas do raciocínio ser

compreendido como fruto de um sistema simbólico representacional, que tem por

base algoritmos, pois o corpo não trabalha em um sistema de inputs e outputs para

representar as coisas do mundo no cérebro, como advogam algumas propostas,

apresentadas na citação abaixo. Mas não podemos esquecer que corpo e ambiente

são co-responsáveis na ação cognitiva, como se verá em seguida.

Because cognitive operations begin with the receipt of symbolic inputs and end with production of symbolically encoded outputs, the subject matter of cognitive science lays nestled between the perpheral shells of sensory organs and motor systems, making possible an investigation of cognition

5 O uso do verbo ‘corpar’ é uma proposta de Helena Katz, para evitar os dualismos implicados nas traduções mais usuais de ‘embodiment’ (encarnar, corporificar, incorporar etc). Quando se propõe o verbo “corpar” se deseja designar que o corpo está sempre “corpando” na sua relação com o meio, ou seja, se refazendo, ressignificando, reconstruindo, diferente da noção de incorporar algo no sentido de que algo “entra” no corpo. Sua argumentação será publicada em breve, na forma de artigo.

17

that needn’t concern itself with understanding the cognizer’s environment nor with examining the interactions between the two.6 (SHAPIRO, 2011, p.28)

Mesmo concebendo que os sistemas representacionais de inputs e

outputs acontecem entre as células periféricas de sistemas sensoriais e motores, tal

padrão, ainda assim, não reconhece o ambiente como um componente da cognição.

Para Shapiro (2011), o entendimento de “embodied7 cognition” é o centro da

compreensão de que o corpo inteiro troca informações com o ambiente, e assim, vai

produzindo cognição. Sensações, a constituição das partes do corpoambiente e

como elas se relacionam, são estruturas cognitivas e, portanto, seria até

desnecessário chamar de “embodied” uma cognição que já se entende como

corpada. Para fins didáticos, Shapiro emprega a denominação de “embodied

cognition”, para desatrelar a cognição do entendimento apresentado na página

anterior.

Todavia, para compreender a cognição, é preciso estudá-la tendo como

moldura a evolução descrita por Darwin (1809-1882). Humanos vieram dos

chimpanzés, e suas características físicas foram mudando, devido às co-adaptações

com o ambiente. Para nos tornarmos mais eficientes, conseguindo nos deslocar

carregando o alimento de volta ao lar (visto que a fêmea e os filhos ficavam

resguardados, enquanto o macho saía a procura de alimento), foi necessário

conquistar a bipedia e mudar o design das nossas mãos, para que pudéssemos

passar a agarrar um objeto/alimento. Essa transformação implicou em uma

considerável mudança cognitiva, a fim de atender uma necessidade cultural (manter

mulher e filhos protegidos). Ela irá reconfigurar o design corporal da espécie, desde

sua forma muscular/óssea (de quadrúpedes para bípedes), passando por neurônios

e estrutura sensóriomotora, até suas emoções (o que o motiva a ter necessidade de

6 Como as operações cognitivas começam com o recebimento de “entradas simbólicas” e terminam com a produção de saídas simbolicamente codificadas, o assunto da ciência cognitiva está aninhado entre as camadas periféricas dos órgãos sensoriais e dos sistemas motores, tornando possível a investigação da cognição que não precisa se preocupar em compreender o conhecimento do ambiente nem examinar as interações entre os dois. (SHAPIRO, 2011, p.28)

7 Embodied, termo difundido nas Ciências Cognitivas, tem a intenção de trazer a ideia de “corpo” e

“mente” acontecendo sempre juntos na ação cognitiva, sempre em co-dependência e não em efeito

causal de um sobre o outro. Na realidade, é uma forma de dizer que as funções do organismo são

sempre cognitivas, e que corpo e mente não são dois lugares nem duas substâncias distintas.

18

voltar para casa e cuidar de sua família). Ou seja, quando se fala em cognição,

nesta perspectiva evolucionista, se propõe entender que necessidades se tornam

corpo e, ao mesmo tempo, se formulam como ideias neste corpo.

Corpos darwinianos (SHEETS-JOHNSTONE, 1999) nada mais são que os

corpos que configuram seu design evolutivo entendendo que músculos e neurônios

(no sentido de estrutura sensóriomotora, conceitos, razão, emoção) evoluem em co-

relação, sem supervalorização ou efeito causal de um sobre o outro, sem que um

comande a ação do outro. Mente e corpo são processos co-evolutivos, evoluem em

cooperação. Ambiente e corpo vão se constituindo, em negociações permanentes, e

é neste contexto que a cognição opera.

Em “O Artífice”, Richard Sennett (2012) propõe uma reflexão sobre a

“mão inteligente”. Explica que nossa mão é o resultado de um processo evolutivo

privilegiado, e que foi através do toque da mão nas coisas (no ambiente) que o

cérebro desenvolveu capacidades cognitivas, com informações, inclusive, “mais

confiáveis que as imagens do olho” (SENNETT, 2012, p.170). Ou seja, o cérebro se

constituiu também a partir das experiências com as mãos (e os braços dos macacos,

que as antecederam). As partes do corpo, incluindo o cérebro, se co-constróem.

Resumindo: a cognição é desenvolvida sempre na relação corpomenteambiente.

Segundo Vieira (1994:111), do ponto de vista sistêmico, a vida só é possível por possuir três características básicas: - a sensibilidade, ou seja, por ser um sistema aberto, sensível ao meio ambiente, com quem troca energia, matéria e, portanto, informações; - a memória, isto é, o sistema tem capacidade de estocar informações, sendo isso que permite ao sistema conectar presente, passado e futuro, fluir no tempo; - e a capacidade de elaborar informações. E é isto que vai criar condições para a cognição. Para que um sistema permaneça no tempo, é condição ontológica que ele venha a conhecer, isto é, que ele seja cognitivo. (VIEIRA, 1994, apud MARTINS, 2002, 57)

Sensibilidade, memória e capacidade de elaborar informação garantem a

possibilidade de existir vida. O corpo, desde sua forma mais simples (unicelular) até

sua forma mais complexa, as emprega para se adaptar, através do fenômeno que

Maturana e Varela (1995) chamam de conduta. Esta, não parte de uma decisão

neuronal ou mental, mas da “conversa”, da relação que se estabelece entre corpo e

19

meio, com as representações que vão sendo formuladas (por uma constituição

neuronal que as formula), que acontecem nas trocas com o meio e nas respostas

que vão surgindo. A conduta está associada à adaptação ao ambiente em que o

corpo está, pois a singularidade de cada ambiente é que pede por certas estruturas

sensóriomotoras e não outras, levando, então, o corpo a realizar aquela conduta e

não outra.

Denominamos conduta às mudanças de postura ou posição de um ser vivo que um observador descreve como movimentos e ações em relação a um determinado meio. [...] Uma vez que as mudanças de estado de um organismo (com ou sem sistema nervoso) dependem de sua estrutura, e esta, de sua história de acoplamento estrutural, as mudanças de estado do organismo serão necessariamente congruentes ou comensuráveis com seu meio, não importando quais condutas ou meios descritos. (MATURANA & VARELA, 1995, p. 167)

A alimentação da ameba, por exemplo, é realizada pelo desenvolvimento

de seus pseudópodes, a partir de substâncias liberadas pelo protozoário/alimento

que provocam sensibilizações na membrana da ameba. Assim, a ameba, numa

sequência de reações químicas, vai criando mais pseudópodes e deslocando-os a

fim de “agarrar” seu alimento/protozoário. Ao exemplificar o mesmo fenômeno com

a estrutura flagelar de outros seres vivos, os autores concluem que

...o que ocorre é a manutenção de uma certa correlação interna entre uma estrutura capaz de admitir certas perturbações (superfície sensorial) e uma estrutura capaz de gerar deslocamentos (superfície motora). O interessante nesse exemplo é que a superfície sensorial e a motora são uma só e, portanto, o acoplamento é imediato (MATURANA & VARELLA, 1995, p. 177)

Nos seres multicelulares, essa relação da superfície sensorial e superfície

motora se dá através dos neurônios, ou seja, diferente dos seres unicelulares, os

multi possuem duas camadas que fazem a mesma função da única superfície dos

uni. A diferença está na presença da rede neural, que liga essas duas superfícies e

conecta as informações necessárias para o reconhecimento do alimento (externo) e

a produção de sucos digestivos para digeri-lo (interno). As células nervosas fazem a

tarefa que as substâncias de reconhecimento do alimento e de sua digestão (no

interior do organismo unicelular) fazem: elas especializam, ou seja, fazem uma

substituição mais eficaz, ágil e objetiva das funções dessas substâncias.

20

Portanto, o sistema nervoso que encontramos hoje nos organismos

complexos é a estrutura responsável por interligar células sensoriais, células

motoras e neurônios. Em termos evolutivos, podemos dizer que o sistema nervoso

surgiu da necessidade de atender às atitudes de conduta do ser multicelular,

especializando a tarefa de transmissão de informação da superfície sensorial e

superfície motora, num enredamento de ações que compõem a tal conduta.

Esse é o mecanismo-chave por meio do qual o sistema nervoso expande o domínio de interações do organismo: acopla as superfícies sensoriais e motoras mediante uma rede de neurônios cuja configuração pode ser muito variada. (MATURANA & VARELA, 1995, p. 187)

Essas superfícies, porém, se conectam com diversos outros neurônios, os

quais estão em contato, simultaneamente, uns com os outros e com outras células

especializadas do organismo, estabelecendo variados tipos de informações. Esse

enredamento, portanto, contribuirá para a conduta adotada pelo organismo, visto

que, além das informações ‘externas’, lida também com as ‘internas’, em um jogo de

probabilidades que resulta na conduta.

Isso ocorre em uma rede adaptativa porque o cérebro possui a

propriedade de ser plástico, segundo Cosenza e Guerra (2011), pois precisa atender

à necessidade de adaptar-se ao ambiente no qual vive. Apesar de possuir

procedimentos padrões na sua formação, a estrutura cerebral é também constituída

pelo modo como este corpo se relaciona com o ambiente e nele se adapta e se

inscreve. Já nos primeiros meses/anos de vida, o ambiente dialogará com os

neurônios, levando-os a se interligarem, de forma a construir um complexo

enredamento entre eles. Assim, neurônios e ambiente vão formulando bases para

conhecimentos mais complexos (conforme o passar da idade).

O que torna os cérebros diferentes é o fato de que os detalhes de como os neurônios se interligam vão seguir uma história própria. É como uma cidade planejada que, à medida que vai sendo construída, vai adquirindo características próprias, podendo ocorrer, inclusive, algumas mudanças no plano original. A história de vida de cada um constrói, desfaz e reorganiza permanentemente as conexões sinápticas entre os bilhões de neurônios que constituem o cérebro. (COSENZA e GUERRA, 2011, p. 28)

21

É o mesmo princípio que opera a adaptabilidade quando, por exemplo,

uma pessoa se torna cega, e passa a precisar da audição e do tato de outros

modos. Os novos exercícios provocarão novas sinapses, tecendo uma nova forma

deste “cérebrocorpo” conhecer o mundo e se relacionar com ele. A esta

adaptabilidade, Sparrow (2015)8 chama de “plastic bodies”.

Plasticity helps us work through many of the questions that arise when we identify the subject with the the body. In the end of the plastic body give us

a fully immanent version of subjectivity without compelling us to grant the body an indeterminate fluidity that would make it difficult to explain how

stability emerges and is maintained. (SPARROW, 2015, p. 179)9

Por esta razão, o biológico e o mental participam da construção dos

processos mentais e das propriedades corporais, num procedimento que se dá em

conjunto, em interdependência. Tanto na escala evolutiva da espécie como na das

capacidades singularizadas em cada corpo, a relação entre corpo propriamente dito

(DAMÁSIO, 2011), funções cerebrais (entendendo que a mente é o cérebro em

funcionamento10), e ambiente se constituem e se interferem simultaneamente.

1.2. CORPAR PARA CONHECER

Quando se trata das questões do conhecimento enquanto formação de

conceitos, aqui não se pensa o conceito desagregado do que, em senso comum, se

chama de corpo. O que se chama atenção aqui é justamente para o fato de que

conceitos acontecem nas estruturas sensoriomotoras, num enredamento impossível

8 Tom Sparrow tem PhD em filosofia pela Universidade de Duquesne e, atualmente, leciona no Departamento de Filosofia da Universidade de Slippery Rock, na Pennsylvania, nos Estados Unidos. Estuda corpos plásticos e vive em Pittsburgh. 9 A plasticidade nos ajuda a trabalhar por muitas questões que surgem quando identificamos o sujeito com o corpo. No fim, o corpo plástico nos dá uma versão totalmente imanente da subjetividade, sem nos obrigar a conceder ao corpo uma fluidez indeterminada que tornaria difícil explicar como a

estabilidade emerge e é mantida. (SPARROW, 2015, p. 179) 10 Para Damásio (2004), o cérebro funciona “em forma de mente”. Ele é parte integrante de um organismo (corpo) e organiza as informações deste corpo para compor sua “base de dados”. Esses dados (ideias) são representações, no cérebro, tanto do corpo (propriamente dito), como do ambiente, que ele denominou de “imagem”. A mente seria, portanto, uma emergência da ação cerebral. Retomaremos esse assunto mais adiante.

22

de ser separado. A partir do que está sendo aqui proposto, não é possível aceitar

que as formulações “mentais” possam ocorrer sem as estruturas sensóriomotoras.

O mundo é o que é, para nós, segundo o quê e como podemos observá-

lo e compreendê-lo, como nos colocam Maturana e Varela (1995). O que há no

mundo ou o que ele é só podemos conhecer e, portanto, descrevê-lo, através de

nossas estruturas cognitivas. O mundo, desta forma, é o que dele podemos

conhecer, e não exatamente o que ele é.

Tendemos a viver num mundo de certezas, de uma perceptividade sólida e inquestionável, em que nossas convicções nos dizem que as coisas são da maneira como as vemos e que não pode haver alternativa ao que nos parece certo. Tal é nossa situação cotidiana, nossa condição cultural, nosso modo corrente de sermos humanos. (MATURANA e VARELLA, 1995, p.60)

Cabe atentar para o risco de pensar esta condição do conhecer

lembrando que as nossas percepções não descrevem o mundo tal qual ele é, mas

que descrevem o mundo que conseguimos perceber. E o que conseguimos perceber

tem a ver com a história co-adaptiva de cada corpo nos ambientes por onde circulou,

circula e circulará. É importante atentarmos para as características de nossas

representações do mundo, as quais são metafóricas e dependem de negociação

com o ambiente. Rengel (2007), em sua tese de doutorado, exemplifica como

lidamos com as representações, a partir do exemplo de um tênis, que trata como

signo11, no sentido peirceano.

Existe um tênis, todos que compartilhamos da cultura do signo tênis sabemos do que se trata. Contudo, o chamado menino de rua tem uma ideia de tênis bem diferente daquela de um garoto que tem vários tênis ou de um idoso que usa tênis por recomendação médica. Isso nos ajuda a entender que, não existe o tênis, o joelho, a mente, a razão... E que cada uma dessas coisas, bem como todas as outras do mundo (os fenômenos) chegam a nós com alguma forma de mediação. O próprio design do corpo é mediador/representador – minha mão, meus órgãos perceptivos, minhas reflexões e pensamentos tocam a textura de um outro corpo de maneira diferente da sua (RENGEL, 2007, p.65)

11 Para Charles Sanders Peirce (1839-1914) “um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo

aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido” (PEIRCE, 2015, p.46)

23

Portanto, o signo tênis, em questão, dependerá do lugar de fala e do

sujeito que o significa, ou seja, a percepção do tênis dependerá das estruturas

sensóriomotoras daquele alguém. O signo tênis não existe por si só e então, não

denota nenhum significado definitivo ou único, pois sua significação depende das

estruturas sensóriomotoras particulares do corpo que o percebe, o qual sempre

media essa percepção, caracterizando uma realidade que só diz respeito àquele

corpo/pessoa.

Outra situação na qual podemos observar a compreensão do mundo

sempre atrelada às funções sensoriomotoras é o fato de que a língua promove uma

compreensão ‘corpada’ do significado que determinada coisa tem. Cabe recorrer a

um exemplo: observando a constância da presença da internet e seus dispositivos

em nossa rotina diária, vamos identificando as novas metáforas que passaram a

povoar o nosso dia-a-dia e vão se ‘corpando’, fazendo com que o mundo on line

escorra também para o mundo off line. Quando queremos dizer que alguém não está

prestando atenção a algo, dizemos muito naturalmente: “fulano está off line”.

Quando estamos com a bateria do celular descarregada, dizemos comumente:

“minha bateria acabou” ou “fiquei sem bateria”. Podemos citar também várias

expressões metafóricas que estão ligadas intimamente ao corpo, mas a utilizamos,

geralmente, como se fossem conceitos extremamente abstratos, como: “subir na

vida”, “consciência pesada”, “hoje estou muito pra baixo”, “estou sem chão”, “quais

os fundamentos desta pesquisa?”, apenas para apontar alguns usos que apagam as

distinções entre o corpo (sempre entendido como corpomente, corpocérebro) e suas

práticas.

This new cognitive science of the embodied mind pays special attention to

neurobiology, since it sees reason as defined by the structure of the brain

and the body together in their interactions with the environment and other

people. (JOHNSON, 1987, p.85)12

Neste entendimento dos objetos corpados na nossa linguagem, é

importante contextualizarmos a estrutura evolutiva apontada por Sennett (2012).

12Esta nova ciência cognitiva de mente “embodied” [“mente” e “corpo” operando como única substância] dá especial atenção à neurobiologia, desde que esta vê a razão definida pela estrutura

do cérebro e do corpo juntos em suas interações com o ambiente e outras pessoas. (JOHNSON, 1987, p.85)

24

Quando o animal (chipanzés, Homo faber e Homo sapiens) consegue passar pelas

três fases/formas de agarrar um objeto, por exemplo, resultando no Homo sapiens, o

qual sabe segurar bem das três formas, acontece então a evolução cultural. A

pinçada (primeira forma), a sustentação (segunda forma) e a pegada côncava

(terceira forma) são ações que executamos com as mãos em relação aos diferentes

objetos que nossos antepassados não executavam tão bem quanto nós (a terceira

forma, nem a faziam). A manipulação que era possível fazer no Homo faber (com a

sustentação) já inicia em nós (Homo sapiens) uma evolução cultural que tem a ver

tanto na própria evolução da manipulação do objeto, quanto no que isso representa

para nós, com a ação de pegar algo ou de ter domínio sobre algo. As expressões,

segundo o autor, “get a grip” ou “come to grip” constróem várias gírias americanas,

que dizem respeito a “pegar algo”, “ter domínio de algo” ou “ter domínio de algum

conceito” (“pegar uma ideia”, “sacar”) e “refletem o diálogo evolutivo entre a mão e o

cérebro” (SENNETT, 2012, p.171).

A partir do momento que o corpo entende o ato de agarrar, de pegar, ele

é capaz de repetir a ação antecipando a intenção de movimento. Quando olhamos

um copo, por exemplo, antecipamos a sua pegada, mesmo sem saber em que

temperatura se encontra tal objeto. Essa intenção e antecipação deste movimento,

segundo Sennett (2012), é o da preensão. “A preensão indica um estado de alerta,

envolvimento e disposição para o risco do mesmo ato de olhar a frente...”

(SENNETT, 2012, p.174). É através dessa sensação intuitiva que associamos este

sentimento ao fato de “pegar uma ideia”. O ato de pegar ou agarrar traz a conotação

de prender algo. No caso do conhecimento, de apreender algo. Essa sensação de

prender ou apreender é uma sensação pelemuscularmente experienciada pelo

cérebrocorpo. Ou seja, a palavra “pegar”, da expressão “pegar uma ideia”, é usada

em seu sentido metafórico, em um procedimento metafórico do corpo (veremos

adiante).

A habilidade de soltar e prender com os polegares também é importante

na compreensão reflexiva que temos sobre nos apegar e desprender de certas

situações ou problemas em nossas vidas. O violinista ou pianista precisa ter essa

habilidade do soltar e prender cordas e teclas com os dedos para desenvolver sua

música, por exemplo. Para Sennett, baseando-se em estudos neuropsicológicos,

25

pessoas que desenvolvem bem este exercício cognitivo tem mais facilidade em

desprender-se de um medo ou obsessão.

É indispensável conhecer a relação entre as estruturas sensóriomotoras e

a construção de conceitos abstratos para poder propor uma Educação baseada no

corpo – objetivo desta tese. Mas se sabe da força da tradição do dualismo, e da

necessidade de enfrentá-la, para sustentar que só é possível conhecer aquilo que

algum sentido do corpo humano tenha experenciado, mesmo se for um conceito

abstrato. Só podemos ter a memória de uma mesa ou da expressão “vamos pôr as

cartas na mesa”, por exemplo, se alguma vez já tivermos visto ou tocado em objetos

que se assemelhem a uma mesa e a uma carta, e tenhamos informação sobre a

experiência de jogar cartas. Porque a proposta aqui é a de demonstrar que a

experiência sensóriomotora é a base de conceitos abstratos complexos e, então, a

experiência sensóriomotora do movimento pode agregar algo importante ao

processo de construir os conhecimentos que a Educação se propõe a realizar.

Nos anos iniciais da vida, o cérebro necessita das informações

sensóriomotoras para construir sua “base de dados” e, posteriormente, passa a

realizar as operações de construção de conceitos através de metaconceitos. A base

já está formada (pelas estruturas sensóriomotoras) e, a partir daí, começam a se

formar conhecimentos mais complexos. Como nem todas as crianças possuem a

mesma qualidade em suas experiências sensóriomotoras, essa diferença estará

presente no jeito como construirão seus conhecimentos abstratos ou complexos.

Para compreender a operação cerebral deste fenômeno, recorre-se a

Consenza e Guerra (2011), que identificam as fases e as estruturas cerebrais que

formam a construção do conhecimento: as áreas sensoriais primárias, as áreas

corticais secundárias e a área terciária temporo-pariental. Cada uma delas faz uma

escala de operações ao longo da vida, que vão dando maturidade ao cérebro e suas

operações mentais. As áreas sensoriais primárias são responsáveis, logo nos

primeiros meses e anos de vida, pelas experiências sensíveis (órgãos dos sentidos e

outros mais, como a cinestesia13, por exemplo), as quais são as primeiras formas de

13 Este sentido passa, além dos cinco sentidos amplamente conhecidos, pela propiocepção muscular

e pelo sistema vestibular, que atuam no nível da inconsciência e, por isso, não são amplamente compreendidos e percebidos, segundo Berthoz (2000). Alain Berthoz é neurofisiologista, especialista

26

conhecimento desenvolvidas no corpo humano. Mais tarde, se desenvolvem as

áreas corticais secundárias, responsáveis por decodificar as informações das áreas

sensoriais primárias. A área terciária temporo-parietal aparece em terceiro nível,

para relacionar as diferentes informações sensoriais e suas decodificações,

integrando-as e dando surgimento a funções mais complexas.

O desenvolvimento de cada uma dessas regiões cerebrais vai

acontecendo à medida que a pessoa interage com o ambiente e vai tendo as suas

experiências, e vai elaborando novas construções.

É por meio das informações sensoriais [...] que tomamos conhecimento do que está acontecendo no ambiente ao nosso redor e com ele podemos interagir de forma satisfatória, de modo a garantir nossa sobrevivência”. (COSENZA e GUERRA, 2011, p. 20)

Damasio (2011) diz que essas construções no cérebro (que ele denomina

de mapas cerebrais) se reconfiguram a todo momento, não sendo, portanto, mapas

fixos, pois o corpo está em constante movimento (uma mudança de posição, um

cheiro ou um sabor que passa, a respiração, o barulho que ouvimos, etc.). Todos

esses mapas são configurados de forma inconsciente na mente como imagens14, e

estas, por sua vez, desenvolvem o raciocínio (consciente). Os mapas, para Damásio

(2011), acontecem em um contexto onde já existe a ação. “Ação e mapas,

movimentos e mente são parte de um ciclo sem fim, uma ideia sugestivamente

captada por Rodolfo Llinás quando atribuiu o nascimento da mente ao controle

cerebral do movimento organizado.” (DAMASIO, 2011, p. 88)

Para Damasio (2011), os mapas cerebrais (capacidade do cérebro de

construir uma ordenação espacial das informações de determinado objeto ou partes

do corpo) fazem parte de uma escala evolutiva, que já possibilita a seres como nós

(homo sapiens) organizar informações sobre nós mesmos - o que facilita a gestão da

em fisiologia integrativa. Suas pesquisas cuidaram do controle multisensorial do olhar, do equilíbrio, da locomoção e da memória espacial. É também professor no Collége de France.

14 Imagens, para Damásio (2011), não são figuras, desenhos ou uma fotografia, mas são a

representação de algo no cérebro. Os mapas mentais e os pensamentos são fluxos de imagens.

27

vida, ou seja, a manutenção de nossa homeostase15. Esses mapas, na nossa

história evolutiva, sempre existiram, mas em proporção menor, desde que a

membrana de seres mais simples começou a desenvolver um mecanismo de

aceitação ou rejeição de determinada substância através dos gradientes de

concentração de sódio e potássio, regulado pelas membranas de suas células. A

mente seria uma emergência desse mapeamento, em forma de imagens, as quais

se constituem de uma representação (chamada também de conceituação) do

ambiente (inclusive do corpo), fazendo com que o organismo tenha o conhecimento

sobre determinada coisa.

... os mapas cerebrais são a base das imagens mentais, o cérebro criador de mapas tem o poder de literalmente introduzir o corpo como um conteúdo do processo mental. Graças ao cérebro, o corpo torna-se um tema natural da mente. (DAMASIO, 2011, p. 118)

E essa experiência ou emergência da mente só pode se dar pelo cérebro,

o qual, por sua vez, precisa mapear primeiramente o corpo (seu tema principal).

“Sem dúvida, é verdade que a mente somente toma conhecimento do mundo

exterior por intermédio do cérebro, mas é igualmente verdade que o cérebro só pode

obter informações por meio do corpo.” (DAMASIO, 2011, p. 121)

A partir do conhecimento do corpo, o cérebro mapeia outras coisas, tendo

o sensóriomotor como mediação. Neste caso, partindo do pressuposto que todo

corpo é corpomidia (KATZ & GREINER, 2005), informações só conseguem ser

mapeadas pelo cérebro tendo o sensóriomotor como base, e lembrando que o

cérebro mapeia conforme a estrutura (anatômica, biológica) que cada organismo

oferece. Como resultado dessa “conversa” corpo/outrascoisas (ou corpoambiente),

ocorre o mapeamento do cérebro sobre essa relação.

Se os mapas são criados a partir da relação do corpo com um objeto,

presume-se que existe uma ação prévia (primitiva) que provoca a criação desses

mapas. A partir disso, os mapas criados dessas relações funcionam para tornar mais

eficaz, com menos dispêndio de energia, as funções que o organismo pretende

realizar. Basta lembrar que antes de organismos vivos terem um cérebro, eles eram

15 Processo de obtenção do estado de equilíbrio do organismo, que consiste em encontrar fontes de

energia, incorporar e transformar produtos fornecedores de energia, etc. (DAMÁSIO, 2004, p. 61)

28

estruturas motoras eficientes. Evolutivamente, esses organismos precisaram de um

órgão que organizasse essas ações, e daí o cérebro foi se tornando o que temos

hoje (como vimos anteriormente, com Maturana e Varela,1995, na evolução dos

seres uni para multicelulares).

Na “Cognição Corporificada” (CC) proposta por Ribeiro (2015), dá-se um

status especial ao corpo no processo cognitivo. A pesquisadora entende por

‘corporificado’ o fato das informações estarem se tornando corpo (algo que não é

corpóreo e se torna corpóreo) em um processo de transição constante entre corpo e

ambiente, e não considera que a informação entra no corpo e lá se aloja, de forma

intacta. “O corpo-mente torna-se o personagem principal, mas que não existe sem

os demais: ambiente e contexto” (RIBEIRO, 2015, p. 47).

Como trabalha com o conceito de corpomídia (KATZ & GREINER),

Ribeiro alerta que para conhecer, é necessário perceber. E a percepção é um modo

de agir (ação, no sentido de intenção do movimento), interagindo com o meio. E a

base da percepção é o sistema sensóriomotor. Para Varela, Thompson e Rosch

(1993), apud Ribeiro (2015), a cognição é uma ação corporificada e não uma

reconstituição ou projeção.

Além disso, Cowart (2004) acrescenta que o termo corporificado refere-se à compreensão de que a maneira como um ser é corporificado, ou seja, se ele possui dois braços, um cérebro de um tamanho específico, pernas ou patas, irá impactar o modo de suas ações objetivadas e também que as suas experiências corporais fundamentarão a formação de conceitos (RIBEIRO, 2015, p. 48)

No contexto da Cognição Corporificada, vemos várias relações que vão

além de uma cognição “mental”. O sensóriomotor participa desta construção em

maior intensidade do que a maioria pode imaginar. Nossa história, enquanto espécie

e enquanto indivíduos, traz várias evidências desses processos.

Ao atentarmos para tais entendimentos de uma formação de linguagem e

percepções corpadas (as quais têm raízes na nossa história evolutiva), assim como

para a compreensão de que o cérebro mapeia o corpo para então organizar os

demais conhecimentos sobre o mundo, passamos a observar que, nos termos da

Cognição Corporificada, a construção de conhecimento só acontece com as

29

estruturas sensoriomotoras, ou melhor localizando, com o corpo. E o corpo está

sempre presente, inclusive em sala de aula. Porém, os procedimentos educacionais

o negligenciam quando não levam em conta as suas ocorrências corpadas e

continuam a divulgar práticas dualistas, apoiadas na separação entre corpo e mente.

Quando se identifica a importância do corpo no processo de construção

do conhecimento, torna-se cada vez mais urgente e necessário levar tais

informações para que elas colaborem com a transformação das metodologias

educacionais que ignoram o peso do corpo nestes processos. Os avanços nos

entendimentos de como o corpo funciona não devem continuar a ser ignorados

pelas metodologias educacionais, nos planejamentos pedagógicos, e nas políticas

públicas para a Educação, para que substituam a compreensão do corpo separado

da mente. No campo da Educação, cabe lidar com este corpo o entendendo como o

que a pessoa é, e não como algo que a pessoa tem. Nós não temos um corpo, nós

somos corpo.

1.3. PROCEDIMENTO METAFÓRICO DO CORPO

Met ou meta: antepositivo grego, que expressa as ideias de comunidade,

participação, mistura ou intermediação, sucessão (no tempo e no espaço), no meio de, entre, durante, mudança de lugar ou de condição, interposição, transporte. Phora: pospositivo, também grego, que significa ação de levar,

carregar. (RENGEL in: Arte & Cognição, 2015, p. 119)

Os gestos, a fala, a escrita (seja ela verbal ou imagética) expressam a

compreensão que o corpo tem das coisas ao seu redor, e o sistema sensóriomotor

tem participação no momento de formar a base para os significados que

determinada coisa tem. Enquanto a linguagem verbal é largamente valorizada na

Escola, o corpo ainda não tem a sua importância reconhecida - e isso precisa ser

revisto. Falaremos aqui sobre a construção da linguagem e sobre a expressividade

da fala e do gesto.

Voltemos à sensação de “pegar uma ideia”. O ato de pegar ou agarrar

traz a conotação de prender ou de apreender, como já vimos na p. 24. A palavra

“pegar”, da expressão “pegar uma ideia”, é usada em seu sentido metafórico.

30

Sabemos que a definição de metáfora, na língua portuguesa, é o da utilização de

uma palavra em termos de outra, ou seja, se designa algo tomando como referência

outro algo, que possua característica semelhante. Portanto, a metáfora transpõe

uma coisa em termos de outra.

Diferenciando-se desta definição, que trata a metáfora como uma figura

de linguagem restrita a uma substituição de termos, tratada como uma operação

desagregada do corpo, Rengel (2007), a partir de Lakoff e Johnson (1999)16, propõe

o conceito de procedimento metafórico, o qual seria a base da construção da

linguagem e da compreensão de conceitos pelo cérebrocorpo, como anteriormente

já mencionado. Para Rengel, o corpo opera por procedimento metafórico, e assim,

vai formando os conceitos. As metáforas, portanto, são sempre construídas

baseadas nas estruturas sensóriomotoras do corpo, pois é a partir dessas estruturas

que conseguimos construir algum tipo de entendimento do ambiente que nos cerca,

ou seja, nos tornamos aptos a construir conhecimento.

O proceder metafórico do corpo associa a construção de conceitos às

nossas estruturas sensóriomotoras, pois os domínios sensóriomotor (respirar, sentir,

perceber, tocar, ouvir, etc.) e dos julgamentos abstratos (afetos, julgamentos morais,

juízos de valor, etc.) se “entrecruzam, como um proceder do mecanismo cognitivo do

corpo” (RENGEL in: Arte & Cognição, 2015, p. 117). Compreendemos o mundo e

damos nomes às coisas por conta do procedimento metafórico.

A conceptual metaphor is a conceptual mapping of entities and structure from a domain of one kind (the “source” domain) to a domain of a different kind (the “target” domain). We appropriate our knowlwdge of the source domain to conceptualize and reason about the target domain. In this way the bodily-based meaning of the source domain is carried over into our understanding of more abstract concepts. (JOHNSON, 1987, p.94)17

16 George Lakoff e Mark Johnson, linguista e filósofo, respectivamente, escreveram Philosophy in

the flesh: the embodied mind and it’s challenge to western thought (1999), falando sobre o papel

da cognição na filosofia da mente, e também tratam das metáforas, nesta e em outras obras.

17 Metáfora Conceitual é um mapeamento conceitual de entidades e estrutura de um domínio de um tipo (o domínio “fonte”) para um domínio de um tipo diferente (o domínio “alvo”). Nós apropriamos

nosso conhecimento do domínio fonte para conceituar e argumentar sobre o domínio alvo. Desta forma, o significado da base corpórea do domínio fonte é levado para a nossa compreensão de mais conceitos abstratos. (JOHNSON, 1987, p.94)

31

No ato de construir uma metáfora, Lakoff e Johnson (1999) alertam para o

fato de usarmos uma designação em termos de outra porque ambas as coisas são

semelhantes. Semelhantes designa estar próximo de. Esta sensação de semelhança

ou de proximidade é, mais uma vez, um procedimento metafórico de compreensão,

pois fisicamente, em sensações motoras, ambas as coisas estão “espacialmente”

próximas.

...”Essas cores são similares” [...] similar carrega consigo a experiência de estar ou de ter estado próximo de alguém ou de algo, com o próprio corpo. Ou, alguém, com o gesto de juntar os dedos (por exemplo) ou de aproximar uma cor da outra, nos fez experenciar e entender o que é similar. Para se dizer/pensar similar terá ocorrido um julgamento, ou uma ideia, ou uma reflexão, que aconteceu/acontece junto à experiência sensório-motora de proximidade. Desta feita, concordamos que similar não é conceito metafórico ou metáfora (enquanto figura de linguagem), mas provém do procedimento metafórico. (RENGEL, 2007, p. 80).

A construção da linguagem, portanto, passa pelo procedimento metafórico

do corpo, operando sempre neste trânsito entre sensóriomotor e julgamentos

abstratos nas nossas estruturas cognitivas. Os gestos, por sua vez, operam na

mesma lógica, visto que a linguagem, verbal e não verbal, lida com a capacidade de

expressão do corpo. O corpo, ele expressa a si mesmo. Mas é preciso evitar

entender que expressar é deslocar uma informação que estava no pensamento para

ser “externalizada” no corpo (seja pela escrita, pela voz ou pelo gesto), porque se

continuarmos a fazer isso, não estaremos considerando a cognição do corpo na

perspectiva coparticipativa com o ambiente. A expressividade ocorre por ajustes

continuados no corpoambiente, e seus códigos só podem se fazer comunicativos

nos contextos culturais aos quais estamos ligados.

Berthoz (2010) exemplifica com estudos do neurofisiologista William

Calvin, que nos diz que a linguagem (estrutura que erroneamente se entende ser

uma propriedade exclusiva da mente) se desenvolveu, em termos de lógica de

estruturação, a partir do fenômeno evolutivo do homem de construir seus artefatos

tecnológicos (martelo, moradia, cama, técnicas de cozimento, etc.), encaixando ou

pregando um objeto no outro, um após o outro, numa sequência de ações corporais.

Essa sequência linear resultou nessa necessidade e lógica de construir

comunicação de ideias, onde um som precede o outro, como as sílabas sucedem

32

umas às outras para formar as palavras, e estas em sequência formam uma frase.

Desta forma, as sensações de ação corporal, segundo esses estudos, é que deram

o subsídio para a compreensão da lógica linear de comunicação.

A existência se ata às formas da sua expressividade. Não é possível

compreender o pensamento ou a inteligência sem corpo. Não é possível supor que

qualquer fenômeno “mental” ocorra sem as estruturas sensóriomotoras.

Neste entendimento, a educação que supervaloriza apenas um certo tipo

de linguagem em detrimento de outras, produz consequências graves. Afinal, na

escola, a escrita tornou-se a forma hegemônica de expressão. As metodologias

educacionais, o planejamento pedagógico, as políticas públicas para a Educação

mantêm um entendimento de corpo já superado. É preciso rever conceitos, reolhar

as relações e reolhar o corpo, não só na Escola, mas também para além dela.

1.4. MOVIMENTO

Movimento é aqui entendido como ação propriamente dita, mas no

contexto escolar, se reduz a designar deslocamento, o ato de se mexer mudando de

um lugar para outro - seja corpo ou uma ideia. É a ação de deslocamento, de

mudança, agitação. Moveo, movi, motum, movere: movimento que, em latim, traz

suas raízes nos sinônimos de remexer, volver, dançar, tremer, remover, comover,

assim como nos termos indignar, irritar, transgredir, produzir ou provocar, e até

causar ou originar, ou seja, tudo o que pode provocar movimento. Movimento que

não se opõe ao que sugere Schopenhauer (1788-1860) como “vontade de viver”,

como propósito primeiro para a vida aparecer (entendendo “propósito” nos sentidos

evolutivos já trazidos) e que, para viver, o movimento se faz imprescindível.

Movimento dos corpos, movimento homeostático, movimento “devir”, inércia do

movimento para viver: a vida é a constância do movimento.

Mover, que para Heráclito (540 a.C. a 470 a.C.) era o princípio do

entendimento de todas as coisas, pois tudo “é” no sentido do devir, de sempre vir a

ser, de estar em constante processo e nunca em modelo estático, podendo ser

definido de forma isolada. As coisas só podem ser compreendidas num contexto

33

dialético, onde o “ser” e o “não ser” estão sempre contidos no mesmo objeto,

definindo-o e sempre considerando o seu devir.

Movimento que não cessa. Movimento que permanece, que tem como

principal característica a inércia: a inércia do mover sempre! Como os átomos de

Bohr, que compõem tudo no mundo, o movimento é qualidade primeira para a

existência. Os agitos de seus elétrons, a atração entre positivo e negativo, conferem

ao mundo a lei químicofísica primeira de formação/constituição das coisas. Os

elétrons (que nunca param) estão em constante inquietação de se ligarem a outros

e, assim, ligarem os átomos aos quais pertencem, buscando uma estabilidade que

nunca finda. Os átomos, mesmo nos objetos aparentemente a olho nu, imóveis,

estão em constante inquietação, agindo e reagindo ao ambiente, demonstrando o

desgaste ou deterioração do objeto aparentemente imóvel.

Nesta mesma instabilidade e inquietação estão nossas ações no mundo,

uma ação que é sempre relacional, nunca isolada. Esta ação, este mover, é

constante. Considerando o terreno evolucionista e neurocientífico ora apresentado,

corpomente também são compostos de átomos. Se o mover é recorrente nas coisas

não vivas, de certo é inerente nas coisas vivas: é critério fulcral! Sem movimento,

não há vida. Como tempo que não volta, como a forma das dunas de areia a cada

segundo, como o ar que entra e sai dos nossos pulmões a cada respiração, como o

ferro que se deteriora ao ar livre, como a poeira que senta no instante seguinte em

que a outra é retirada: o movimento atômico se recusa a cessar, é sedento pelo

movimento, fazendo de nós também seres do movimento. Seres que se recusam a

calar quando instigados, que dormem e acordam todos os dias, que têm fome ou se

empanzinam, que enlouquecem ao fazer nada, que mudam de posição na cadeira a

cada minuto, que cansam e descansam. Nosso arcabouço biológicocultural se

recusa ao estático, fazendo com que o movimento seja necessidade e característica

fundamental da condição de existência.

Como na homeostase (Damasio, 2011, 2017), buscas e ações são

definidas por sentimentos18 (que nada mais são que a regulação da vida) e o

18 Sentimentos, para Damasio (2011), são percepções das emoções, ou seja, um reconhecimento do corpo das sensações primárias dele, como raiva, alegria, vergonha e desencorajamento, que provocam sentimentos de mal-estar, bem-estar, equilíbrio e fadiga, por exemplo. Os sentimentos se baseiam nos estados corporais (cognitivos) que se formam a partir das emoções, as quais alteram

34

movimento ocorre para atender tal necessidade. Não à toa, nossas aspirações e

sentimentos são uma expressividade do corpo, lugar onde as necessidades se

virtualizaram em sentimentos e recrutam nossas ações. Assim como o sistema

nervoso de seres multicelulares se desenvolveu a fim de atender uma necessidade

de células unicelulares, primariamente “motoras”, o sentimento se apresenta com a

mesma função: atender e tornar ágil, com menos gasto de energia, as funções

“motoras”.

A orientação dos mecanismos de incentivo passou gradualmente a ser conhecida pelos organismos dotados de mente e consciência como o nosso. A mente consciente simplesmente revela o que já existe há muito tempo como um mecanismo evolucionário de regulação da vida. Mas a mente consciente não criou o mecanismo. A verdadeira história está na contramão da nossa intuição. A verdadeira sequência histórica é inversa. (DAMASIO, 2011, p.73)

É preciso entender que antes desse recrutamento de ações há a origem

desse sentimento no corpo: não se trata do sentimento coordenar o corpo, mas de

cada membrana celular ser responsável (em termos de demandar necessidades)

pelo surgimento do sentimento. Este, emerge num contexto de procedimento

metafórico, de conceito, de significado do corpo para, com o ambiente, manter sua

homeostase.

Os sentimentos são as expressões mentais da homeostasia, e a homeostasia, agindo sob a capa do sentimento, estabelece a ligação funcional entre as primeiras formas de vida e a extraordinária colaboração que se veio a estabelecer entre corpos e sistemas nervosos. Essa colaboração é responsável pela emergência das mentes conscientes e dotadas de sentimentos que, por sua vez, são responsáveis por aquilo que mais distingue a Humanidade: culturas e civilizações. (DAMASIO, 2017, p. 17)

Homeostase esta que está sempre em fluxo, pois, ao ter necessidade, o

organismo já muda sua configuração (muda no momento da necessidade, como

propõe Noe, 2004), o que já aponta para outras satisfações. O movimento ou fluxo

homeostático é o que caracteriza a vida dos organismos, no seu constante devir,

esses estados e a percepção disso é dada como sentimento. Portanto, na inteligência evolutiva que nossa espécie atingiu, os sentimentos são a virtualização dessas emoções, as quais são estados corporais instintivos.

35

corpomidiaticamente (KATZ & GREINER), como a passagem do tempo: só vai... não

volta!

Assim como as células se movimentam para se agruparem, numa ação

de conduta (MATURANA e VARELA), para garantir sua homeostase, os organismos

complexos como nós também o fazem. As células, ao se agruparem, formam o que

identificamos como organismo animal ou vegetal e, desta forma, podem ter maior

durabilidade no ambiente, assim como usufruir melhor dele. Ao nos agruparmos,

humanos regulados pelos sentimentos como somos, nos sentimos mais seguros,

mais fortes e com mais domínio do usufruto do ambiente. Considerando que

anseios, buscas e sentimentos são corpos em movimento, os agrupamentos aos

quais pertencemos ou ora participamos fazem parte do fluxo homeostático da

sobrevivência, da vida. “Corpo docente” e “corpo discente” constituem um fluxo

natural e necessário, que se agrupam por sua funcionalidade comum, e são

movimentos que se complementam sempre na condição relacional de

ensinaraprender.

O movimento, portanto, inerente à vida, se faz presente na forma

primeira e última desta, do formato mais simples ao mais complexo, caracterizando

motoramente a busca pelo estar no mundo. Aos outros acontecimentos que

pretendem estar vivos ou “inseridos” na vida (corpomidiaticamente entendido), só

lhes cabe fazer relação com o movimento.

1.5. MOVIMENTO E O CONHECIMENTO EM REDE

A necessidade de conhecer está ligada à nossa própria estratégia de

sobrevivência, sendo imprescindível que desvendemos seu funcionamento. A

construção de conhecimento passa pela percepção de como nos constituímos

enquanto indivíduo, a partir das experiências que vivemos neste mundo. O

movimento, neste cenário, é um imprescindível agente cognitivo para tal construção,

visto que é a partir do entendimento de como nos movemos sensóriomotoramente

que compreendemos como outras coisas se movimentam ao nosso redor, no sentido

amplo do termo. É importante destacar, neste processo, que é a cinestesia que nos

leva aos metaconceitos, que nos encaminha ao procedimento metafórico e,

36

consequentemente, participa da construção de conhecimentos mais complexos, ou

seja, não se limita a entender somente como as coisas ao nosso redor se

movimentam motoramente.

Não podemos deixar de apontar que dessa construção motora de

conhecimento participa hoje a forma de ver, raciocinar e conhecer que estamos

desenvolvendo em nossas práticas digitais. A forma como hoje conhecemos o

mundo tem a ver com o fato de passarmos muitas horas frente às diversas telas que

nos cercam, e essas novas práticas cotidianas mudam nosso movimento, assim

como as formas como agora construímos conhecimento.

A própria relação evolutiva que se estabelece deixa clara a relação entre

biologia e cultura ser coparticipativa, num entendimento que as bases biológicas e

as bases culturais se constróem e se afetam mutuamente. A internet e as redes são,

portanto, um desenvolvimento (no sentido de consequência) do corpocérebro

biológicocutural, demonstrando a ligação evolutiva entre natureza e cultura. A

internet, que também surge de uma necessidade culturalbiologica nossa, passa a

desempenhar um papel central no nosso desenvolvimento. Nosso corpo se distende,

indo além da ‘extensão do corpo’ que McLuhan (2007) havia apresentado como

característica dos aparatos tecnológicos. Nossos hábitos cognitivos mudam.

Como corpo e ambiente se relacionam em co-dependência, as mudanças

cognitivas produzidas pelo nosso viver on line também passam a funcionar no viver

off line, nos momentos nos quais não estamos diretamente na frente das telas, na

internet. Nosso convívio social com as redes é de tal intensidade que aplicativos e

hardwares estão agora em nós, se corparam. Eles apenas parecem ser externos a

nós, porque as trocas entre corpo e ambiente nos fazem participar da rede de coisas

que criamos e necessitamos (SPARROW, 2015). O corpo é essa capacidade de

conexões com o ambiente, de um tipo que Andy Clark, apud Sparrow (2015), chama

de scaffolding (a tradução literal para a língua portuguesa seria “andaime”)19.

19 Neste entendimento, a mente não se limita ao cérebro humano, ela perpassa todo o organismo, se estendendo ao ambiente. Este último, fornece estrutura para o organismo (computadores, canetas, celulares, etc.) com as quais (re)constrói as suas estruturas cognitivas. Esse tipos de montagem estrutural corpoambiente é o que Andy Clark (2008) chamou de “scaffolding”.

37

O ser vivo, desde sua mais primitiva forma de existir, coevolui com o

ambiente fazendo suas adaptações e, com elas, também vai transformando o

ambiente. Ele se distende no uso dos aparelhos que o cercam. Chamamos de

distensão e não de extensão porque ocorrem mudanças de hábitos cognitivos, isto

é, o corpo vai se transformando de acordo com o uso dos equipamentos. Não se

trata mais daquilo que se acopla ao corpo como uma extensão sua. Essas

extensões todas viram corpo, elas se tornam distensões do corpo, porque o

expandem promovendo outra plasticidade para os nossos neurônios, ossos,

músculos e movimento. E essa outra plasticidade nos traz novas formas de

conhecermos o mundo.

As distensões mudam a nossa capacidade cognitiva. Na evolução das

espécies, nosso cérebro sofreu transformações que nos trouxeram até o Homo

Sapiens, com cérebro capaz de criar outros “cérebros” (como a internet). Criamos a

internet como uma evolução natural da nossa capacidade cognitiva. A internet seria

uma distensão do nosso cérebro, que também distende a sua performance, pois

corpo e ambiente co-evoluem e se co-transformam: “sendo o corpo uma espécie de

mídia, a informação que passa por ele colabora com o seu design” (KATZ &

GREINER, 2001).

Para sustentarmos que ocorre a distensão, precisamos saber como a

informação vira corpo. Como isso acontece? Exemplo: quando estamos com os

dispositivos móveis, permanecemos no mundo on line, independente de onde

estivermos. Esta disponibilidade, de tão praticada, já é natural ao corpo, e não fica

restrita apenas aos momentos de relação com o dispositivo, pois se estende para a

relação com o mundo das coisas e das pessoas. Estamos levando os hábitos

cognitivos produzidos pelo uso frequente dos aparelhos para o convívio cotidiano

(sem as telas) entre nós. Essa nova atitude perante o mundo é o reflexo da

distensão que os aparelhos tecnológicos são em nós. Transferimos para todos os

planos da vida o que construímos cognitivamente no convívio com os dispositivos

digitais.

Porém, segundo Katz (2015), as distensões não aparecem como

fenômeno somente na relação causa/efeito que o aparelho tecnológico provoca na

cognição humana, pois já se fazem presentes no momento que esta cognição tem a

38

“necessidade de” construir tal artefato tecnológico ou aplicativo. No momento em

que o homem sente a “necessidade de”, o aplicativo já ganha sua primeira forma. A

construção cognitiva, denominada de padrão mental (DAMÁSIO, 2011), é fruto da

“necessidade de”, e que, no momento que se desenvolve como ação ou como

função alcançada, materializada, inicia uma nova “necessidade de” que resulta em

um novo padrão mental. Segundo Gabora (1997), apud Katz & Greinner (2001),

...o que está no mundo são informações implementadas que, em algum momento, já tiveram existência apenas como um padrão mental. Uma vez no mundo, tais informações não param de agir, transformando-se novamente em novos padrões mentais e assim por diante (GABORA, apud KATZ & GREINER, 2001, p.68)

Nesse cenário de desenvolvimento cognitivo e de construção de

conhecimento, é importante sublinhar que a abordagem da relação do corpo com os

aparelhos que usa como um fenômeno distensivo nasce da proposta de entender o

corpo em uma perspectiva evolucionista darwiniana. Wilson (in: Goldberg, “The

Robot in the Garden”, 2000) observa que, antigamente, só poderíamos saber da

existência de alguma coisa (conhecer algo) na própria experiência de fisicalidade

com ela, e que aconteceria sem mediações20. Todavia, a presença permanente das

mediações impede a proposta de ter esse tipo de contato fora da ocorrência de

mediação. As mediações convocam os nossos sentidos simulando um contato

direto, que não pode mesmo acontecer porque entre um corpo e o que o cerca,

existe a percepção. Isso nos remete a rever conceitualmente o sentido de

“presença”, pois Malpas (in: Goldberg, “The Robot in the Garden”, 2000) afirma que

não importa se o objeto está ou não presente de fato, mas o que ele representa para

nós. No mundo das telas, tudo se faz presente na mediação das telas, se fazendo

presente a partir do momento que a mesma convoca minhas percepções

sensóriomotoras. Claro que temos que considerar que a forma como as coisas

convocam nossas percepções agora ocorre de uma forma diferente da de tempos

20 Mediação (o meio pelo qual o corpo encontra com a informação), para McLuhan, interfere no

conteúdo da mensagem. Bolter & Grusin propõem o conceito de “remediação”, que nada mais é que

a mediação de uma outra mídia.

39

atrás e que, portanto, somos convocados de outro jeito. Trata-se de uma forma de

construção cognitiva diferente, ou seja, uma forma outra de conhecer o mundo.

Antes, os encontros com as coisas se davam, na maior parte das vezes,

presencialmente. Malpas (2000) chama a atenção para a ligação entre o

entendimento do conhecimento difundido por Descartes, e a construção de

conhecimento que fazemos hoje, dentro das quatro paredes de nossas

salas/quartos, de onde acessamos qualquer informação originada de qualquer lugar

do planeta. A maneira como Descartes construiu sua teoria e formulou os seus

conceitos muito se relaciona, epistemologicamente, com a forma como construímos

nossos conceitos através das telas trancados em nossas quatro paredes.

In the graphic terms suggested by Descarte’s account in the Mediations,

knowledge, and so our relation to the world in general, arises as a problem in virtue of our imprisonment in the enclosed space of the mind – a space analogous to the room in which the Meditations are themselves presented as

being composed. (MALPAS, 2000, p. 110)21

Se as telas e as práticas digitais alteram nossa percepção e,

consequentemente, nossa relação no mundo, o sentido do movimento, a forma

como a rede cognitiva do movimento se relacionará com o meio também será (já é)

diferente. Para tanto, nossa forma de lidar com a educação desta estrutura cognitiva

também deve ser diferente do que se planejou na modernidade ou antiguidade.

1.6. DISTENSÕES E MOVIMENTO

As práticas do viver on line demandam certos tipos de movimentos e, com

eles, construímos o conhecimento. A partir do momento que deixamos de agarrar

ou pinçar a caneta para escrever, e passamos a deslizar os dedos no touchscreen

ou digitar nos teclados, estamos praticando movimentos diferentes e, portanto,

21 Nos termos gráficos sugeridos pelo relato de Descartes nas Mediações, o conhecimento e,

portanto, nossa relação com o mundo em geral, surge como um problema em virtude de nossa prisão

no espaço fechado da mente - um espaço análogo à sala na qual as meditações são apresentadas como composição. (MALPAS, 2000, p. 110)

40

conhecendo o mundo de outra forma. As mãos agora são mais espalmadas do que

dedicadas aos movimentos de agarrar.

Partindo do pressuposto que o movimento é chave para o conhecimento

de qualquer coisa, cabe refletir sobre o fato do humano estar mudando seu

vocabulário de movimento nas suas práticas com as telas que agora nos cercam.

Mas será que o movimento está mesmo se empobrecendo ao abrir mão de certos

tipos de movimentação ou apenas se transformando (ao invés de folhear um livro,

podemos clicar um mouse ou treinar os olhos a usar um google glass)?

Evidentemente, cada tipo de movimento se liga a certas habilidades cognitivas, e a

supressão de algumas práticas traz consequências, bem como a aquisição das

novas habilidades, que também nos trazem consequências outras.

Movimentos maiores habituam o corpo ao “grande”. Movimentos menores

(como os que usamos em teclados pequenos) nos treinam no “menor”. Telas

pequenas pedem textos mais simples, mais ágeis, menos complexos, mais

objetivos, sem rodeios, sem explicações longas. Não é à toa que nossa tolerância a

grandes explicações diminuiu, e que agora gostamos de informações mais diretas e

curtas, estamos sem paciência para ler grandes textos ou ouvir questões mais

elaboradas.

O movimento participa do processo de desenvolvimento da distensão,

pois aciona as conexões neurais que se fazem e desfazem a todo o momento. E

assim, vai distendendo os hábitos adquiridos nas práticas on line para o

comportamento off line e vice-versa.

1.7. O SENTIDO DO MOVIMENTO

Berthoz22 (2000) aponta para um sentido do corpo pouco explorado,

porém essencial para a compreensão de como formamos os conceitos que nos

guiam. Como já dito, chama o movimento de sexto sentido (sentido do movimento ou

cinestesia), e ele passa pela propriocepção muscular e pelo sistema vestibular, que

22 Alain Berthoz é especialista em fisiologia integrativa. Suas pesquisas cuidaram do controle

multissensorial do olhar, do equilíbrio, da locomoção e da memória espacial.

41

atuam no nível da inconsciência e, por isso, não é percebido da mesma maneira que

os outros cinco sentidos. Estamos retomando essa questão por entendermos que o

movimento, quando aceito como um sentido do corpo, pode atuar de forma diferente

na Educação, colaborando na construção de outras estratégias pedagógicas nas

Instituições de Ensino.

Para compreender de onde parte a ideia de que o movimento é um

sentido, vai ser necessário conhecer como acontece a propriocepção, segundo

Berthoz (2000).

1.7.1. Propriocepção

A habilidade que o organismo tem de perceber a sua localização e ter

consciência corporal é chamada de propriocepção. Refere-se a um conjunto de

sensores de informações “externas” e “internas”, que nos dão a consciência do

nosso estar no mundo, nossa postura, nossas atitudes. É a partir da leitura desses

estímulos (ceptores) que nos são indicadas as necessidades de atitude, a serem

escolhidas por nós. A propriocepção nada mais é que uma organização e

reorganização postural (entenda-se, de atitude), a fim de economizar energia em

qualquer ação que se pretende realizar. São posturas chamadas de “privilegiadas”,

pois são posturas escolhidas, dentre tantas outras, por nós. Seus sensores são os

responsáveis pela “informação” do movimento ou de sua intenção, contribuindo para

que o movimento seja um sentido.

O primeiro desses sensores é o que compõe o sentido da Posição e

Velocidade. Em algum momento, para se movimentar, o músculo (seus sensores e

neurotransmissores) antecipam o movimento, ou seja, planejam o movimento

pretendido, primeiro em forma de simulação para, posteriormente, de fato, executá-

lo. Os músculos antagonistas são os primeiros a participar do planejamento da

antecipação, para que, só depois, o músculo que se quer movimentar (agonista) faça

sua ação. Por uma modulação de propriedades dinâmicas (perceptores de

42

comprimento do músculo, por exemplo), o cérebro é capaz de simular o movimento

sem executá-lo. Nessa ação, os neurônios espelho23 têm um papel importante.

Se o músculo tem a propriedade de compensar o tempo que leva para

alongar-se, antecipando a contração do músculo antagonista (e ele faz isso muitas

vezes), evolutivamente, fomos capazes de desenvolver receptores para as

informações antecipadas, de modo a que hoje tenhamos essa capacidade de

antecipação (ou simulação) da ação. A evolução cuidou de selecionar receptores

que fossem eficientes nesta tarefa, ou seja, de “prever” o futuro.

Berthoz (2000) chama a atenção para a presença do movimento no

sentido do tato. Explica que temos diversos tipos de receptores/sensores táteis, que

são identificados conforme sua qualidade receptora: de força, de pressão, de fricção,

de acarinhamento, de frio, de calor (termoreceptores), de dor. E que tais receptores

são acionados antecipadamente, pela forma como um objeto externo desliza sobre a

pele ou a toca.

Como os receptores são distribuídos desigualmente pela superfície da

pele, assim como no córtex cerebral, quando alguma mudança acontece no corpo

(como um corte no dedo ou uma região é anestesiada), eles se reorganizam em

termos de localização e transmissão, desvelando que esses receptores estão em

lugares fixos no corpo e estanques em uma só posição. Para tal organização, é

necessário o sentido do movimento.

A força empregada para segurar um objeto na mão, por exemplo, é, em

parte, responsabilidade do sentido do tato. Porém, o mesmo não é capaz de

identificar, de distinguir, a diferença da força que a mão requer para segurar a força

que o objeto exerce sobre a mão. Essa distinção é feita pelo sentido do movimento.

23 Baseado em estudos de Giacomo Rizzolatti, neurofisiologista professor da Universidade de Parma

(Itália), que dedicou muito de suas pesquisas à descoberta desse tipo de neurônio e de como

funciona, Damásio (2011) os define como sendo o maior dispositivo cerebral que simula os estados

do corpo. Frisa que uma ação não precisa ocorrer realmente no organismo para que os neurônios-

espelho sejam ativados: eles são ativados na observação de um movimento de outra pessoa,

simulando este movimento no seu cérebro. Ora, se é capaz de simular os movimentos (ou estados

corporais) de outrem, provavelmente também é apto a simular (antecipar) neuronalmente o próprio

movimento.

43

Uma criança, ao ver um objeto qualquer na mão da mãe, por exemplo,

quer tê-lo para si, ou seja, quer pegá-lo. Nesta intenção (que já está imbuída de

percepção, como veremos adiante), as informações visuais já creditaram, nas

informações táteis, a intenção de movimento (a criança olha e tenta pegar o objeto

e, às vezes, chora até conseguir obtê-lo). A mão e os braços esticam, a mão se

fecha e se abre, na ansiedade de dominá-lo, ou seja, ela já percebe tal objeto na

própria mão. Tanto os sensores da visão do tato e do movimento são acionados no

cérebro, mesmo que a criança esteja somente vendo o objeto na mão da mãe.

Depois do tato, vem o esforço. Os receptores chamados de golgi tendon

organs, os quais detectam o esforço exercido pelo músculo, juntamente com o

sensor de comprimento e velocidade do músculo, compõem a ação do esforço. A

“imagem” ou previsão do movimento feita pelo cérebro modifica o esforço executado.

Sendo assim, o esforço realizado não está propriamente na execução física, mas

também na simulação que posso fazer deste esforço. Um corredor, por exemplo,

pode imaginar, para seu melhor desempenho, que está com peso de areia amarrado

nas pernas para intensificar o esforço exercido na corrida, ou seja, correr mais

rápido (se assim tiver tido a experiência em treino).

A propriocepção reúne os sentidos da visão, audição, olfato, tato e

paladar, e atua, segundo Berthoz (2000), no nível da inconsciência. Ela busca não

só a soma, mas a relação entre os sentidos para concluir uma conscientização ou

reação a algo. Ela é multissensorial. É a cooperação entre vários sensores que faz

com que os mesmos se efetivem:

Indeed, to the five traditional senses - touch, sight, hearing, taste, smell – we

must add the sense of movement, or kinesthesia. Its characteristic feature is that it makes use of many receptors, but remarkably it has been forgotten in the count of the senses. [...] A plausible explanation is that it is not identified

by consciousness, and its receptors are concealed. (BERTHOZ, 2000, p. 25)24

24 Com efeito, para os cinco sentidos tradicionais - toque, visão, audição, gosto, cheiro –é preciso acrescentar o sentido de movimento, ou cinestesia. Sua característica é fazer uso de muitos receptores, mas notavelmente, ele foi esquecido na contagem dos sentidos. [...] Uma explicação plausível é que ele não é identificado pela consciência, e seus receptores são escondidos. (BERTHOZ, 2000, p. 25)

44

Numa reação a um tropeço, por exemplo, o corpo é capaz de simular e

prever as consequências de tal ação para se recuperar do acidente em questão.

Segundo Berthoz, não se faz cálculo de tempo ou espaço, mas há a cooperação dos

sentidos, os quais permitem perceber as necessidades de ação do corpo a fim de

não se machucar com a queda. Isso acontece porque no cérebro há pontos de

convergência de informações de duas ou mais fontes dos órgãos sensoriais

(principalmente no cerebelo), fazendo com que o corpo receba (perceba) a

informação em conjunto, o que foi nomeado por Held e Hein (apud Berthoz, 2000)

de “perceptual systems” (sistemas perceptivos). Já no caso de um piloto de avião

que decola em uma neblina, há pouco treino sensorial e, portanto, os acidentes são

mais prováveis, pois os sentidos isolados são, em geral, falhos.

Assim, a resolução de um problema ou qualquer ação que pretendemos

realizar necessita de um trabalho em equipe de nossos sentidos. A propriocepção,

assim como o sistema vestibular, é um ponto chave para o entendimento do sentido

do movimento, visto que é uma forma de percepção evolutiva inteligente e global do

organismo de organizar as informações da consciência corporal no espaço, assim

como resolver problemas de sobrevivência, utilizando sempre um conjunto de

sentidos.

Neste prospecto, admitindo que este sistema (propriocepção) é

fundamental para o sentido do movimento, Berthoz propõe que, apesar deste

sistema ser amplamente conhecido como localizador de posição (reconhecer o lugar

do corpo no espaço), na verdade, ele age como um memorizador de movimento, e

não somente de posição. Em vários testes feitos em laboratório, nos quais o sujeito

é posicionado em relação a um ponto (objeto), que ele identifica e localiza e,

posteriormente, este sujeito é deslocado na completa escuridão, de forma que não

possa ver mais o objeto de referência, observamos a atuação do sentido do

movimento. Em seguida a este deslocamento, o sujeito é convocado a relocalizar o

objeto e, em todos os casos, o sujeito consegue se mover em direção à posição

exata do objeto, mesmo sem ainda ter identificado exata e visualmente onde ele se

encontra, em relação ao objeto. Ou seja, o sujeito desvia o olhar em resposta à

convocação solicitada, mesmo sem ter ou estar revendo o objeto após o

deslocamento. Em outros experimentos, o sujeito, na mesma situação de ser movido

do lugar de origem em relação a um objeto, sem o uso da visão, é convocado a

45

puxar uma alavanca que o reposiciona, ao final do deslocamento, novamente frente

ao objeto. Em todos os casos, a resposta é positiva (o sujeito consegue se

movimentar para localizar o objeto novamente), mesmo que ainda esteja de olhos

vendados ou na completa escuridão.

Localizar algo no espaço e se localizar em relação a ele implica em saber

o quanto ou o que o corpo precisa movimentar para alcançá-lo, ou seja, como

cognitivamente isto ocorre. Berthoz nos diz que é pela necessidade do movimento

(para alcançar algo) que o corpo reconhece, localiza outro objeto e se situa em

relação ao espaço. Ou seja, é no movimento que a propriocepção se concretiza e

nos dá o conhecimento da posição. “To localize an object simply means to represent

to oneself the movements that would be necessary to reach it” (POINCARÉ (1854-

1912), apud, BERTHOZ, 2000, p. 37)25.

Quando avistamos algo e posteriormente fechamos os olhos e

caminhamos em relação a este alvo, geralmente o alcançamos com sucesso, pois

conseguimos perceber, ao olhar, qual a distância necessária para o atingirmos. Esta

noção do espaço e do deslocamento necessário é tarefa da propriocepção,

juntamente com as percepções visuais, táteis, auditivas, etc, que subsidiarão o

sentido do movimento. Este, para Berthoz, se configura como um sexto sentido, pois

é um sentido que veio a ser estudado após os cinco já amplamente conhecidos.

Porém, chamo aqui a atenção novamente que, por ocorrer ainda no nível da

inconsciência e subsidiar a efetivação ou percepção dos demais sentidos, gostaria

de propô-lo como primeiro sentido do corpo.

1.6.2. O Sexto ou Primeiro Sentido

Tomemos, como ponto de partida, a seguinte afirmação: “ação que

pretendemos realizar”. “Pretender” conota algo que antecede, indica a intenção de

fazer. Portanto, pretender, neste caso, é o ato de declarar uma intenção que, ao ser

declarada, indica que está sendo prevista e, quiçá, já sendo antecipada em uma

25 “Localizar um objeto significa simplesmente representar para si os movimentos que seriam

necessários para alcançá-lo” (POINCARÉ (1952), apud BERTHOZ, 2000, p. 37)

46

simulação. Antes de fazer a ação, o corpo já organizou simulações, selecionou

sensores, os quais estão diretamente relacionados com a forma que esse organismo

é, na sua particularidade, ou seja, relacionados com a forma que o mesmo organizou

suas experiências anteriores e, portanto, com o modo como o corpo se comporta e

seleciona tais sensores. Os sensores são selecionados baseados no que o

organismo deseja executar enquanto movimento.

Para o professor do Departamento de Psicologia Social e Institucional da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Ronald Arendt, apoiado no conceito de

enação de Maturana e Varela (1980), “o estudo da percepção é o estudo da maneira

pela qual o sujeito percebedor consegue guiar suas ações numa situação local.”

(ARENDT, 2000, www.scielo.br/scielo.php). Os corredores fundistas, por exemplo,

para executarem sua atividade, selecionarão sensores diferentes de um

mergulhador, pois suas ações, no seu devido ambiente e objetivos, são

completamente diferentes. Os sensores específicos de cada caso são selecionados

antecipadamente, a partir do que cada organismo pretende realizar. Nesta ação de

previsão, a percepção se constitui como uma geradora de suposições, que só nos

permite “ver o que buscamos”. Para tanto, entendamos como a percepção se

relaciona com o sentido aqui abordado.

Para conhecer, é necessário perceber. Para perceber, é necessário sentir.

Para Greiner (2012), a percepção sobre o mundo já é um pensamento, mesmo que

ainda não se configure em um julgamento.

Perceber já é um modo de pensar sobre o mundo ou, em outras palavras, toda experiência, mesmo sem se configurar como um julgamento, é pensável. Ter uma experiência, assim como improvisar, é ser confrontado com um modo possível de mundo. O conteúdo da experiência e o conteúdo do pensamento, em muitos sentidos, são os mesmos. A ignição está no movimento.(GREINER,2012,https://milplanaltos.wordpress.com/2012/07/30/ rediscutindo-a-natureza-da-percepcao)

Assim como os sentidos nos possibilitam a percepção das coisas, e sendo

estes sentidos sempre ativos e não passivos (como veremos a seguir), a percepção

tem relação direta com os sentidos, inclusive com o sentido do movimento.

Percebemos o mundo com a reunião de nossos sentidos e, portanto, com o sentido

47

de noção de movimento que nossas estruturas sensóriomotoras possuem. Temos

percepção da forma das coisas, do movimento delas, de suas dimensões e

tamanhos porque temos o sentido do movimento, segundo Nöe (2004)26.

Ao observar um copo de um determinado ângulo, por exemplo, podemos

ver a linha da boca deste copo em sua forma elíptica. No entanto, sabemos que sua

forma real é circular. Como isso é possível? Para Nöe (2004), temos a consciência

do ângulo do qual estamos observando essa esfera e inferimos que este ângulo não

está na sua posição real de “leitura”, ou seja, precisamos simular uma mudança de

posição deste copo para que vejamos que a boca dele tem a forma circular. É essa

habilidade de simular o movimento para perceber a informação ´real´ que configura o

sentido do movimento, e que me informará também o volume e a tridimensionalidade

dele. Sendo assim, não precisamos pegar o copo e vê-lo de todos os ângulos para

termos a informação sobre ele: a visão de um só ângulo me permite uma experiência

não restrita apenas àquele ângulo. Conseguir supor, a partir da experiência que se

teve, faz parte do conhecimento que será formulado sobre aquilo com o que entro

em contato. É sugerido, portanto, que o ato de perceber envolve estruturas

sensóriomotoras que já pressupõem um conhecimento prático/enativo (Alva Nöe,

2004).

Portanto, a percepção não se limita à interpretação da informação

´externa´ feita pelos sensores. Ela já é um julgamento e uma decisão tomada, sendo

uma antecipação à consequência da ação que irá ser executada.

...perception is more than just the interpretation of sensory messages. Perception is constrained by action; it is an internal simulation of action. It’s

judgement and decision making, and it is anticipation of the consequences of action. (BERTHOZ, 2000, p. 9)27

26 Alva Nöe recebeu seu Ph.D. de Harvard em 1995 e é professor de filosofia na Universidade da Califórnia, Berkeley, onde também é membro do Instituto de Ciências Cognitivas e do Cérebro e do

Centro de Novas Mídias. Ele trabalha sobre a natureza da mente e a experiência humana. Foi filósofo-residente da “The Forsythe Company” e também colaborou criativamente com os artistas de

dança Deborah Hay, Nicole Peisl, Jess Curtis, Claire Cunningham, Katye Coe e Charlie Morrisey.

27 “... percepção é mais que apenas a interpretação de mensagens sensoriais. Percepção é limitada

pela ação; é uma simulação interna da ação.” (BERTHOZ, 2000, p. 9)

48

Berthoz propõe que o esquema de ação e, claro, sua percepção, são

informações relacionadas. São memórias matemáticas, de escolhas pessoais,

experiências anteriores, enfim, uma rede de informações que preditam a ação a ser

realizada. Percepção é ação! Não há como pensar em percepção sem a informação

da ação. A intenção de movimento, seu planejamento, já acontece na percepção,

pois já é uma hipótese sobre o mundo. A percepção é uma intenção da ação! Ao

perceber qualquer coisa, imediatamente a informação de percepção já vem com a

intenção da ação pretendida. Na verdade, ao percebermos as coisas, já

pressupomos a forma como agimos perante as mesmas. Ou seja, as percepções

são atitudes. Cada organismo, em sua história evolutiva, adapta-se a um jeito de

perguntar ao mundo o que precisa dele. Questiona-o, dependendo da forma como

consegue estar nele. Essa ação se liga ao “umwelt” (Uexkull, 2004), uma espécie de

descrição do mundo que o corpo faz, na qual nosso modo de estar no mundo é

sempre conjecturando o que queremos dele (percepção), o que depende da nossa

constituição culturalbiologica.

Neste caso, os sentidos já são ativos, ou seja, já têm uma atitude quando

“sentem”. Como dito anteriormente, para perceber é necessário sentir, mas Berthoz

propõe que a fisiologia da sensação seja substituída pela fisiologia da percepção,

visto que a sensação já é um resultado da ação, do julgamento e da decisão

baseada na ação pretendida de um corpo. Assim, a percepção, no sentido do

movimento, já é a própria sensibilidade que o organismo tem para o mover, que está

carregada de intenção, julgamentos e sugestões. Quando o indivíduo percebe, a

ação já existe, já se configura como intenção e, portanto, já está ocorrendo o sentido

do movimento.

Um exemplo: na velocidade de movimento de um rato percebida por um

gato, é realizada uma antecipação da posição futura do ligeiro rato, para capturá-lo.

Os sensores de movimento do gato são capazes de prever a ação do rato pelas

inúmeras informações dos sentidos da visão, audição, olfato e do movimento deste,

tomado como referência os próprios movimentos, seu tamanho e possibilidades

motoras, já conhecidas, para inferir onde (em que posição) é possível capturá-lo. A

solução é tomada, pois os seres que se mexem são sensíveis ao movimento. E isto

tem mais relação com o desenvolvimento do equilíbrio do corpo (propriocepão), sua

mudança de posição (sua fuga de um predador ou caça), pois um organismo, neste

49

contexto, não possui tempo para fazer cálculos de velocidade e aceleração. A

solução fora encontrada (no viés evolutivo) nos sistemas oculares de adaptação e

nos sensores da endolinfa (localizado na cóclea), responsáveis pela visão e

equilíbrio, respectivamente.

A intenção ou ação pretendida sustenta o movimento como primeiro

sentido. Ao perceber com a visão, audição, tato, paladar ou olfato, a percepção (a

qual já se configura como ação) é conscientemente “printada” com movimento.

Nesta proposta, todas as percepções garantem a passagem pelo movimento no

organismo, visto que qualquer percepção já conota uma intenção (no contexto ativo)

do que e como pretendemos perceber.

Ao ver um pêndulo sobre a cabeça (a frente), a propriocepção

sente/percebe o movimento do pêndulo e causa um desequilíbrio de percepção no

corpo para organizar as estruturas e se equilibrar. Essa sensação de oscilação é o

sentido do movimento agindo, neste caso, pela função da visão (perceiving self-

motion). Este tipo de percepção pode causar uma memória de movimento, e não

uma memória do objeto que se está observando. Essa mesma memória acontece

principalmente nos casos de dirigir na estrada, onde a percepção da floresta e da

pista, que são informações em inércia, causa uma memória de movimento fixa no

cérebro, o qual não é mais estimulado pelas informações externas, pois a memória

inerte bloqueia as informações visuais externas, deixando somente a memória do

movimento. Pode ser devido a esta diminuição das informações encaminhadas ao

cérebro que, nestes casos de dirigir na estrada, a sonolência seja estimulada. No

caso das viagens marítimas essa memória do movimento das ondas do mar provoca

o mesmo processo, o que resulta no efeito de, após os tripulantes terem chegado

em terra firme, parecer ainda em movimento por horas (ou talvez mais de um dia).

As informações visuais de um movimento são importantes também para a

ocorrência deste sentido. As visões em perspectiva, acender uma luz após a outra

em uma linha em efeito cânone28, o panorama de uma paisagem vista pela janela de

um carro em movimento, todos são exemplos de efeitos que a retina cria, pois

possui vários receptores de forma, cor, sequência, luz incidente, que convergem

28 Efeito causado por um movimento que é feito várias vezes por diferentes corpos em diferentes

temporalidades, como a “ola” das torcidas nos estádios de futebol.

50

como informações em um ponto do cérebro, que memoriza o fenômeno, antecipando

a ação (se a ação observada tiver uma constante). Esta antecipação ou “vontade de

ver” percebida pela retina é que dá a percepção de movimento, tanto do movimento

do objeto observado como perceber como movimento o que não está em movimento

(a exemplo das luzes acendidas em sequência, uma ao lado da outra, que dão a

impressão de que uma linha está sendo desenhada, ligando as luzes uma a uma em

sequência).

Além da sensação de movimento provocada por diversos fatores de

várias fontes, podemos observar também que, para agir em um ambiente, o corpo

percebe as suas possibilidades de ação nele, assim como as possibilidades de ação

do próprio ambiente. Ao precisar/querer subir uma escada, por exemplo, o indivíduo

não irá calcular os centímetros da altura ou o espaço para o pé de cada degrau. O

corpo perceberá tudo isso com o sentido do movimento, que lhe “avisará” se é ou

não possível subir aquelas escadas, e quanto esforço será necessário para fazê-lo.

A escada, portanto, será percebida pelo indivíduo na capacidade que ele tem de

transpô-la.

Toda essa reunião de informação se relaciona com a memória de

experiências anteriores. Berthoz chama essa memorização (que vai permitir a

predição da ação) de “memória evolutiva”. Os preconceitos (biológicoculturais) que

temos das coisas têm a ver com essa memória, que é uma forma de adaptação da

espécie. Esses preconceitos podem ser motores também, ou seja, são ações

prognosticadas, e muito da sua construção no cérebro tem envolvimento com a

noção espacial, na maneira como representamos o espaço. Não somente a imagem

topográfica que temos dele, mas as sensações de direção que desenvolvemos em

relação ao nosso ambiente, traço que não diz respeito apenas a nós, humanos, mas

a outras espécies também.

Quando se sugere a existência de uma relação entre percepção e sentido

do movimento no conhecer/aprender, encontra-se, neste ponto de encontro, a noção

de que é sentindo que se percebe e é percebendo que se conhece. Sentir e

perceber, como pudemos ver, são atitudes (e não são passivas, como comumente

se define, não são “o que nos acontece”), não somente no que diz respeito ao

movimento muscular, mas a qualquer atitude do corpo.

51

O movimento, entendido como um sentido, reúne, de forma simplexity29,

(BERTHOZ, 2010, apud MILITE et. al., 2013) as informações/sensações do corpo,

no qual o contexto geral de percepção é que faz com que o indivíduo compreenda

as coisas ao seu redor. Berthoz afirma que o caminho para fazer a simplexificação

tem relação com o sentido do movimento, pois é sempre com os sentidos em

relação, uns com os outros, que percebemos o mundo. “The simplexity is therefore a

decipherable complexity because it is based on a rich combination of simple rubs”

(MILITE et. al, 2013, p. 2399).30

Nessa prevalência de percebermos o mundo pelas imagens, o sentido do

movimento é o sentido que primeiro se estabelece para a percepção acontecer e,

por isso, se tem aqui sugerido um “reposicionamento” do sentido do movimento, de

sexto a primeiro sentido. Este primeiro sentido, portanto, pode ser a ignição para o

ato de conhecer, principalmente quando a experiência do movimento consciente é

estimulada. Esta tese parte da urgência em se levar em conta o movimento como

um sentido do corpo para uma reformulação das práticas pedagógicas das

Instituições de Ensino, pois tem como uma de suas hipóteses que a educação, sem

essa compreensão, pode se tornar ineficiente para a função à qual se destina. A

proposta é se considerar o movimento como colaborador do desenvolvimento de um

projeto de educação que se aproxime do corpo e que ele seja trabalhado como um

corpomídia (KATZ & GREINER), sempre em sintonia com o ambiente, com o qual

está sempre em um fluxo inestancável de troca de informação.

Esta tese busca propor o movimento do corpo como um sentido

fundamental para a construção de conhecimento, e torná-lo explicitamente presente

no processo de aprendizagem. Pesquisas e estudos na área da Educação

esclarecem, há muito tempo, sobre a importância do exercício do movimento na

educação dos discentes. Porém, a presente proposta aponta para um exercício do

movimento agregado às práticas pedagógicas tradicionais, no sentido de incluí-lo no

29 Simplexificar, para Berthoz, significa “resumir” o complexo. Porém, não confundir com simplificar, pois a simplexificação depende da compreensão do complexo. Só é possível simplexificar se o complexo tiver sido compreendido. Nosso cérebro, segundo o teórico, é um simplexificador de informações ou, ao contrário disso, não seria capaz de lidar com tanta informação que recebe o tempo inteiro.

30 “A Simplexity é, consequentemente, uma complexidade decifrável porque é baseada em uma rica

combinação de relações em contato simples” (MILITE et. al, 2013, p. 2399)

52

rol de escolhas metodológicas adotadas por professores do ensino fundamental,

seja este de qualquer área de conhecimento, retirando o exercício do movimento do

encargo exclusivo das disciplinas de Educação Física ou Arte/Dança. A Dança já

tridimensionaliza e potencializa o sentido do movimento, pois possibilita um viés de

propriocepção, domínio e consciência do movimento (como veremos no capítulo 3).

Porém, o objetivo é desenvolver uma educação que inclua o movimento (dada à

contribuição cognitiva que ele traz) não apenas em aulas específicas, mas em todo o

programa pedagógico praticado nas Instituições de Ensino.

1.8. MOVIMENTO E EDUCAÇÃO: ESTADO DA ARTE

Olhar para o corpo e para o movimento como imprescindíveis para um

desenvolvimento educacional efetivo tem pouca presença pedagógica e se

apresenta de forma restrita, pois se volta apenas às crianças pequenas ou acontece

somente na disciplina de Educação Física ou Arte/Dança. Em ambos os casos, o

movimento não se relaciona diretamente com os conteúdos do programa escolar,

mesmo que seu estímulo na criança, no início da idade escolar, seja de extrema

valia.

Podemos recorrer a Wallon, LeBoulch, Gardner e Piaget, só para citar

alguns autores das teorias psicogenéticas e educacionais, e notaremos que suas

preocupações em conceber o movimento do corpo nos processos educacionais é de

fundamental importância. Cada um deles tem uma maneira de apontar para a forma

ou para o grau de participação que se deve dar ao movimento, mas todos o levam

em conta. O movimento como base de formação de conceitos, para Wallon; a

expressividade do movimento em oposição ao exercício do movimento ginástico, de

Leboulch; a inteligência corporal-cinestésica de Gardner; e do estágio pré-operatório

ao concreto de Piaget. Todas são proposições de educação que levam em conta a

importância do movimento, porém, se restringem à educação infantil. Argumentam

que nesta fase se dá o desenvolvimento psicogenético, para o qual a criança fará

suas construções psicológicas, de personalidade, sociais, biológicas e abstratas, a

partir do movimento. É no movimento, segundo estes teóricos, que a criança se faz

presente no mundo, conhece e percebe sua autonomia.

53

Há de se considerar, neste contexto, que na idade pré-escolar (das

crianças pequenas) é onde essa formação deva realmente acontecer, sem sombra

de dúvidas. Porém, na fase da adolescência e adulta, esse exercício também se faz

imprescindível, visto ser o humano, em sua integralidade, um ser do movimento, da

experiência vivida. As estruturas sensóriomotoras continuam agindo e existindo

neste corpo e, portanto, constituindo/sendo esta pessoa.

Essa práxis, quase inexistente, envolve toda a grave situação instituída

pela ausência da formação continuada, que se soma à condição de precariedade

que hoje envolve os próprios profissionais da Educação, e esta, infelizmente,

continua retida nos “paradigmas dominantes” (SANTOS, 2002). A tudo isso se ligam

as prioridades em políticas educacionais, nas quais falta o comprometimento com o

corpo (que está mais presente nesses processos do que muitos imaginam). Seja

qual for o motivo, o movimento ainda não se relaciona com o aprendizado integral,

na prática educativa.

Foquemos no movimento do corpo. Movimento este tão presente em

qualquer prática do ser humano, consciente, não consciente, mas sempre presente.

Mexer-se é como respirar: imprescindível à natureza e aprendizado da/na vida. Sem

movimento nós não compreendemos, não nos estabelecemos e nem convivemos

com tudo ao nosso redor. Portanto, as teorias que se preocupam com os processos

educativos, independente do conteúdo a ser ensinadoaprendido, sentem a

necessidade de considerar o movimento quando adentram na busca da

compreensão dos processos cognitivos responsáveis pela efetivação deste

aprendizado. Para tanto, veremos a seguir o estado da arte desses estudos, que há

muito vêm sendo referência no campo educacional.

1.8.1. Henri Wallon e a virtualização da motricidade

Henri Wallon31, segundo La Taille (1992), por exemplo, considera a

influência da “ação motora” na “ação mental”32. Para ele, à medida que a criança vai

31 Parisiense, médico e filósofo, Henri Wallon centrou seus estudos na psicologia ocidental, com a

preocupação permanente com a infra-estrutura orgânica de todas as funções psíquicas que investiga. Para ele, genético abrange a dimensão da espécie, abrindo espaço para a incorporação da

“psicologia histórica”, além de entender que o homem é organicamente social, ou seja, supõe a

54

diminuindo sua capacidade de se mexer, vai gradualmente se concentrando no

pensamento. No entanto, isso não acontece em forma de substituição: o tônus

muscular (do músculo parado ou não) é considerado no momento do pensamento e

é uma intenção, uma predisposição para o pensar. Ou seja, o músculo participa do

processo do pensamento. Neste caso, Wallon diz que o bebê vai progressivamente

adquirindo “domínio dos signos culturais” e “a motricidade, em sua dimensão

cinestésica, tende a se reduzir, a se virtualizar em ato mental” (LA TAILLE, 1992, p.

38).

Além de colocar o movimento como base da formação de conceitos,

considera que o movimento é importante e até fundamental para o aprendizado.

Atenta que é necessário, para adquirir conhecimento, fazer com que as crianças se

movimentem da cadeira, para sair do status do “estar quieto”. É graças a essa

dimensão expressiva do movimento que é permitido com que a criança aprenda. É

no movimento, muitas vezes, que se concebe o fluxo de pensamento, e a

descoberta do seu controle é fundamental. Movimentos como a postura, a apatia, as

posições que mais confortam para o pensamento, a gesticulação quando falam ou

pensam, todos são movimentos a serem considerados e observados.

Para Wallon, existem duas funções musculares para desenvolver a

motricidade: a função cinética (músculo em movimento) e a função tônica (músculo

parado em atitude ou intenção de movimento). A função tônica do músculo, no caso

da virtualização, substitui a função cinética, visto que a alta mobilidade dos dois

primeiros anos de vida vai adquirindo espaços de ocorrência de tempo entre um

movimento e outro cada vez maiores, sendo aos pouco substituídos pela função

tônica. Neste momento, assim como a função cinética enfraquece, a tônica se

fortalece alimentando uma memória do movimento que fica como informação na

intenção do músculo parado (função tônica). A essa idealização de intenção é o que

Wallon denomina de “virtualização do movimento”.

intervenção da cultura para se atualizar. É amplamente considerado entre as teorias psicogenéticas estudadas nos campos da Pedagogia e Educação Física.

32 Wallon apresenta tais ações separadamente e as designa desta forma. Não confundir com a proposta desta tese que é a de trazer esses entendimentos sempre juntos.

55

No antagonismo entre motor e mental, ao longo do processo de fortalecimento deste último, por ocasião da aquisição crescente do domínio dos signos naturais, a motricidade em sua dimensão cinética tende a se reduzir, a se virtualizar em ato mental. (LA TAILLE, 1992, p. 38)

Wallon também destaca que, a partir da fase sensório-motora (como

ainda expressa, em separado), a criança, após um ano de vida, passa a “memorizar”

esses movimentos em forma de imagens que, apesar de qualquer memória ser uma

imagem (segundo António Damásio, 2004, 2011), passam a fazer sentido,

construindo movimentos simbólicos ou ideomovimentos (Wallon). Esses

ideomovimentos são movimentos que contém ideias. Da mesma forma que os

movimentos reflexos nos primeiros meses de vida se virtualizam e se tornam ideias,

na vida adulta, as ideias conduzem ao gesto33, pois tais ideias tem seu “constructo”

no próprio movimento. Para ele, imobilizar uma criança é atrofiar o desenvolvimento

do seu pensamento.

1.8.2 Psicocinética de Jean Le Boulch

Médico, psicólogo francês e educador físico, Le Boulch criou, em 1966, o

método da Psicocinética, que ficou muito conhecido pelos estudos no campo

pedagógico e da Educação Física. O método propõe uma ciência do movimento

humano voltada para o desenvolvimento do indivíduo, partindo do princípio de que o

exercício da psicomotricidade leva a um desenvolvimento integral da pessoa, não só

de suas habilidades motoras ou esportivas. Defendeu uma Educação Física

científica, voltada às necessidades de olhar para o movimento como um propulsor

do sucesso do desenvolvimento da cognição geral do aluno, nos diversos campos

do saber, nos seus aspectos sociais e afetivos.

As primeiras fases do desenvolvimento psicomotor (corpo vivido,

percebido, representado) darão subsídios para a construção do corpo imaginário e

operatório, fases em que a abstração do corpo é demasiadamente solicitada para

33 Este gesto pode estar embebido de significado ou não. Quando gesticulamos ao falar, ele é involuntário, porém sua forma de ocorrer é metafórica, pois ele tanto significa para quem o vê como parte expressiva, quanto para quem fala, como um procedimento metafórico do corpo.

56

realizar ações subjetivas, imaginativas, assim como a compreensão de conceitos

que não permitem mais a presença concreta do objeto ou fato. Sem uma imagem

corporal bem exercitada e experienciada, segundo Le Boulch (1987), não há como a

criança ou o adolescente terem sucesso em suas conceituações subjetivas (ou

mesmo concretas) exigidas na Educação Escolar Primária e Secundária,

ocasionando, assim, um fracasso (ou ao menos uma dificuldade) nos processos de

aprendizagem ao longo da vida escolar. Uma pedagogia que não forneça uma

atenção ao trabalho psicocinético em prol do desenvolvimento da integralidade do

indivíduo compromete toda a sua carreira escolar e acadêmica.

As dificuldades escolares, para Le Boulch, podem ser de ordem afetiva, e

esta, muitas vezes, tem relação com a imagem corporal que a criança desenvolve ou

deixa de desenvolver com qualidade. Ao adentrar o ambiente escolar, a criança é

constantemente confrontada a novas situações que não costumava vivenciar, e uma

delas é a comparação frequente com os demais colegas, no que diz respeito às suas

habilidades expressivas e motoras, o que trará rapidamente implicações afetivas.

Um trabalho bem orientado da imagem do corpo, suas características e

potencialidades, pode proporcionar segurança e autoestima na criança, elementos

base para a afetividade e, posteriormente para sua socialização.

Outro fator destacado como uma dificuldade escolar é a falta de interesse

ou a desatenção do aluno às atividades escolares. A incitação da excessiva

passividade provocada pelas metodologias escolares adotadas merece atenção

para o teórico. A grande importância dada pelos professores à aprendizagem

conteudista, a resultados imediatos, ao desempenho e à competitividade em

detrimento do desenvolvimento natural do aluno e dos métodos ativos, favorece a

perda de interesse dos alunos, que chegam à escola tão excitados. A atenção vai se

esvaindo à medida que os métodos passivos e conteudistas são empregados, e a

atividade necessária ao corpo é negligenciada.

Prontamente este distúrbio da atenção e do controle é acompanhado de um certo atraso escolar, ainda que no plano dos testes intelectuais a criança possa situar-se na normalidade. Decorridos alguns anos, o diagnóstico de desordem de caráter será evocado e se pensará em uma instituição especializada. Entretanto, se a prática da educação psicomotora for suficientemente precoce, pode ajudar na solução deste problema. (LE BOULCH, 1987, p. 30)

57

Ainda propõe que o desempenho na leitura, na escrita e na matemática

pode ser amplamente prejudicado quando não há uma preparação pré-escolar

psicomotora responsável. As dificuldades do grafismo (domínio do lápis, força,

coordenação), da leitura da esquerda para a direita (lateralidade) e de conceitos

quantitativos são, muitas vezes apresentados por alunos que não tiveram seu

exercício psicomotor bem orientado na idade pré-escolar.

O problema é muito mais profundo. Não concerne apenas ao papel perceptivo, mas surge de uma dificuldade muito mais fundamental que atinge a organização de seu corpo próprio. A dificuldade de orientação e o problema de leitura não passam de dois sintomas ligados à mesma causa: a dislateralidade. (LE BOULCH, 1987, p. 33).

Para o teórico, é necessário dar atenção à Educação Psicomotora como

fator primordial ao desenvolvimento do indivíduo. No entanto, reconhece e se

preocupa com os rumos que essa educação tem tomado na escola no que diz

respeito ao desenvolvimento das habilidades motoras em prol de um bom

desempenho desportivo, o qual, para ele, não é o foco da Educação Escolar. A

educação pelo e do movimento que a Educação Psicomotora propõe (e uma

Educação Física escolar deveria propor) é um exercício da formação integral do

aluno, “vincular a educação do corpo aos imperativos do desenvolvimento da

pessoa”. (LE BOULCH, 1987, p. 12).

1.8.3 As Inteligências Múltiplas de Gardner

...nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades; nem todos aprendem da mesma maneira. [...] a segunda suposição é uma que nos faz mal: é a suposição de que, atualmente, ninguém pode aprender tudo o que há para ser aprendido. (GARDNER, 1995, p.16)

Na teoria das múltiplas inteligências, de Howard Gardner34, percebe-se a

efetiva preocupação de se estabelecer que a inteligência do aluno não está na sua

34 Howard Gardner é formado em psicologia e neurologia e foca seus estudos no desenvolvimento

cognitivo e educacional. Ligado à Universidade de Harvard, é conhecido em especial pela sua teoria

das inteligências múltiplas.

58

medição de Q.I. (Quociente de Inteligência), a qual só considera os raciocínios

linguísticos e lógico-matemáticos. Há de se levar em conta aqueles tipos de

raciocínio que não estão nesses dois campos de conhecimento, os quais Gardner

denominou de sete inteligências básicas, acrescentando cinco às outras duas já

consideradas nos testes de QI. As outras cinco seriam: a inteligência espacial,

corporal-cinestésica, musical, interpessoal e intrapessoal. Ao defini-las, considera:

A inteligência espacial é a capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e de ser capaz de manobrar e operar utilizando esse modelo. [...] A inteligência musical é a quarta categoria de capacidade identificada por nós: Leonard Bernstein a possuía em alto grau; Mozart, presumivelmente, ainda mais. A inteligência corporal-cinestésica é a capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos utilizando o corpo inteiro, ou partes do corpo. Dançarinos, atletas, cirurgiões e artistas, todos apresentam uma inteligência corporal-cinestésica altamente desenvolvida.

[...] A inteligência interpessoal é a capacidade de compreender outras pessoas: o que as motiva, como elas trabalham, como trabalhar cooperativamente com elas. [...] A inteligência intrapessoal, um sétimo tipo de inteligência, é uma capacidade corelativa, voltada para dentro. É a capacidade de formar um modelo acurado e verídico de si mesmo e de utilizar esse modelo para operar efetivamente a vida. (GARDNER, 2015, p.15)

Gardner chama a atenção para os testes de QI empregados, os quais

medem se o aluno é mais ou menos inteligente. Observa que há muitos casos de

alunos que têm QI altíssimo, mas sem sucesso profissional, ao passo que outros,

com QI baixo, se destacam em suas profissões. Casos de grandes músicos ou

atletas são exemplificados por ele, para os quais admite existir uma inteligência que

os levou ao destaque, que os testes de QI não detectaram. Ora, a instrução

(referência de inteligência lógico-matemática e linguística) não é tudo: saber o que

fazer com esse conhecimento e gerir a vida faz parte de outra construção inteligente

que agrega outras mais funções da cognição que têm a ver com as cinco outras

inteligências identificadas por Gardner. De certa forma, ele avança nesta visão

cognitiva, mesmo que colocando em caixas estanques, para sair da visão tecnicista

da inteligência.

59

A inteligência espacial tem grande relação com o sentido do movimento.

Como apontado por ele, as pessoas cegas, por exemplo, utilizam de sua percepção

tátil para conhecer as coisas: o tamanho e o movimento das mãos tocando o objeto

é que constroem a informação visual. Não precisamos, aliás, sermos deficientes

visuais para constatar que o sentido do movimento compõe a percepção: ao

observar visualmente a distância (espaço) e a velocidade (tempo) de um carro,

sabemos se será possível atravessar a rua em segurança, por exemplo. O sentido

do movimento reverbera muitas informações de espaço e tempo.

Como seres humanos, todos temos um repertório de capacidades para resolver diferentes tipos de problemas, os contextos em que são encontrados e os produtos culturalmente significativos que constituem os resultados. Nós não abordamos a “inteligência” como uma faculdade humana reificada, que é convocada literalmente em qualquer colocação de problema; pelo contrário, nós começamos com os problemas que os seres humanos resolvem e depois examinamos as “Inteligências” que devem ser responsáveis por isso. (GARDNER, 1995, p. 29)

É importante destacar que Gardner não desconsidera que as sete

inteligências classificadas por ele agem em conjunto no sucesso de uma carreira, ao

longo da vida de uma pessoa, ou mesmo na solução de um problema. Ele prevê

que quando uma parte do cérebro que é responsável por uma inteligência é

comprometida (por acidente ou deformação genética), a(s) outra(s) inteligências, que

estão em área não afetada, funcionam normalmente. Porém, ao longo da vida, o

indivíduo estabelece naturalmente relações cognitivas entre as “suas inteligências”

(uma em maior ou menor grau que as outras), a fim de resolver seus problemas.

Outro fator importante do seu estudo é que reconhece a fragilidade (mas

não a abstinência) da sua teoria, tendo em vista a interdependência entre as

inteligências propostas. Sendo sua pesquisa somente empírica, e dedicada a

identificar as diferentes inteligências, admite que, em um teste psicológico (num

teste cognitivo mais específico) pode ser encontrada a interdependência entre elas e

não a atuação delas em separado.

...a teoria poderia ser parcialmente refutada em alguns pontos mais refinados. Talvez seja descoberto, com base em futuros exames, que uma ou mais das inteligências candidatas não seja adequadamente justificada. Talvez haja candidatas que não considerei. Ou talvez as inteligências não sejam tão independentes quanto afirmamos. Cada uma dessas alternativas pode ser empiricamente verificada e proporcionar meios para refutar ou

60

reformular a teoria, embora no caso de algumas revisões ainda pudesse existir certa utilidade para a teoria em si. (GARDNER, 1995, p.40)

Interessante sua observação sobre existir uma inteligência artística, a qual

é possível se desenvolver em qualquer uma das inteligências, pois ele considera

que tudo que é desenvolvido enquanto expressão pelo indivíduo como sistema

simbólico ou metafórico é artístico, independente da inteligência em questão.

Obviamente tal afirmação precisa considerar o que este teórico define ou entende

como uma habilidade ou cognição artística.

Apesar de reconhecermos várias descrições dualistas sobre mente e

corpo em sua proposta, chamam à atenção algumas das inteligências apontadas,

levando-se em consideração o sentido do movimento proposto por Berthoz (2000):

apesar de terem, segundo Gardner, “funções cerebrais” separadas, quando se

considera o sentido do movimento, estão, ao que parece, unidas na função

cognitiva. Não parece possível que uma inteligência ocorra separada das demais.

Aqui se aponta que o corpo inteiro participa sempre do pensamento, seja em

formulações imaginárias, seja na de raciocínios para resolver problemas

matemáticos ou espaciais. Gardner expõe a inteligência corporal-cinestésica como

um tipo de inteligência que resolve problemas em nível de ação tracionada pelos

músculos e ossos, os quais estão no campo da coordenação motora (que nos faz

desviar de um obstáculo rapidamente ou produzir produtos usando o corpo inteiro).

Ao mesmo tempo em que o indivíduo resolve o problema de se desviar de

um obstáculo, ele também pode aprender, a partir disso, a superar um problema no

trabalho, por exemplo. A inteligência do movimento transcende o fim nele mesmo

porque constitui também os conceitos abstratos. A inteligência corporal-cinestésica

apontada por Gardner, aqui, nesta tese, vai além de soluções motoras, tendo

relação direta com a inteligência linguística.

61

1.8.4. Desenvolvimento Cognitivo para Jean Piaget35

Piaget foca no processo de desenvolvimento dos estágios psicológicos do

indivíduo na busca pelo equilíbrio que o corpo sempre procura. Tendo ainda um

tratamento dualista sobre o corpo, aborda o equilíbrio motor e o equilíbrio psíquico

em separado. Desta forma, tanto vislumbra que, em ambos os campos (psíquico e

motor), o equilíbrio é buscado, como também alerta que, no campo motor, o

desenvolvimento do equilíbrio é uma crescente (da criança ao adulto, vai

progredindo até um pico que, depois, decresce na velhice), ao passo que no campo

psíquico se desenvolve um “equilíbrio móvel” (PIAGET, 1994, p.14). Este último

cresce, mas com instabilidades, durante toda a vida, e não tende a decrescer na

velhice, mas sim o inverso.

Para tal, não deixa de reconhecer que a intuição ou operações abstratas

(estágio de desenvolvimento mais avançado, em sua teoria) são culminantes,

enquanto inteligência lógica, do estágio de operações concretas. Este depende do

primeiro estágio reflexivo dos bebês, do sensório-motor, juntamente com os

processos de assimilação e acomodação36, para se atingir o equilíbrio, movido pelas

inúmeras necessidades deste corpo.

Mesmo tratando em separado mente e corpo, é visível, em seus

esclarecimentos e forma de expressar, que concebe relação de corpo inteiro. Torna-

se inerente ao esclarecimento de formas de desenvolvimento cognitivo tal

estabelecimento de relação, a qual não consegue ser explicada distante da relação

“uma” com a “outra” (concreto e abstrato), ou seja, distinguindo-as no processo de

ocorrência.

Isto concorda ou caminha próximo à Wallon, que propõe a “virtualização”

do movimento, que se desenvolve progressivamente da infância à fase adulta.

Também caminha paralelamente às funções múltiplas e interdependentes das

35 Doutor em Ciências Naturais (formado em zoologia), suíço, que mais tarde se interessou pela psicologia e focou seus estudos na sistemática da evolução mental da criança, assim como aos problemas epistemológicos referentes a isso.

36 O processo de assimilação e acomodação, no que propõe Piaget, consiste, primeiramente, em incorporar o ambiente ao organismo do indivíduo (assimilar) e, em segundo momento, reorganizar este organismo em conformidade ao que foi assimilado, fazendo uma adaptação do corpo ao meio (acomodação).

62

inteligências de Gardner, bem como o exercício expressivo das funções

psicomotoras da criança, em LeBoulch, para um efetivo desenvolvimento do

indivíduo na carreira escolar.

Tendo montado um diagnóstico e havendo nomeado as teorias que muito

contribuíram para o desenvolvimento do campo educacional, aparece a pergunta:

por que profissionais da educação se mantêm aversos a essas contribuições?

Valeria refletir sobre a força do arraigamento de ideias dualistas, socialmente

construídas e com forte efetividade há séculos.

1.8.5 Paradigmas Dominantes

Mesmo com muitos conhecimentos já desenvolvidos por teóricos

referenciados na Educação, os quais já apontam para uma consideração do

movimento nos processos educativos, esses saberes ainda não se tornaram

presentes em um contexto mais amplo das ações educativas do dia-a-dia. As

habilidades matemáticas ou linguísticas continuam sendo as mais valorizadas no

contexto de ensino, valorizando o verbo (seja escrito, lido ou falado) e os cálculos

“mentais”. Nos processos educativos, se considera a leitura, a oralidade e a escrita

bastando, e o movimento como um tipo de procedimento que não faz parte do

mesmo tipo de educação, muito menos como um sentido do corpo, ou seja, com

ação diferente da audição e da visão.

As dificuldades, desde a disposição das carteiras em sala de aula até as

que se referem aos professores, já citadas aqui, são fatores que colaboram com o

distanciamento do exercício do movimento, mesmo na educação infantil. A falta de

disposição dos professores em reorganizar o espaço da sala (ou fora dela) não

favorece a modificação da metodologia que se consagrou.

Todavia, assim como o conhecimento passa por reformulações

constantes, por conta das descobertas que vão sendo feitas, o mesmo deve suceder

com a Educação, visto que a Escola é o lugar onde esses conhecimentos são

articulados. É preciso ter ciência que os conceitos educacionais estão sendo sempre

revistos nas teorias que vão sendo formuladas, e que boa parte da realidade escolar

63

hoje está arraigada nos princípios positivistas, que afirmam o dualismo e

supervalorizam as ciências naturais - ao que Santos (2002) denomina de “paradigma

dominante”. E esse “paradigma dominante” é estendido para todo o contexto

escolar, desde a logística de organização dos conteúdos em disciplinas até as

metodologias praticadas. Os pressupostos que pregam as disciplinas escolares são

baseados no olhar da modernidade (época em que, segundo Santos (2002), iniciou-

se a formatação deste paradigma), ou seja, com ênfase nas características

tecnicistas.

Neste contexto, Boaventura traz propostas que apontam para um

“paradigma emergente”, e uma delas é a de que “todo conhecimento é total e local”

(SANTOS, 2002, p. 46). O conhecimento que está emergindo pode ser chamado de

transdisciplinar, pois não pretende fragmentar ou especializar o conhecimento, e

sim, globalizá-lo. Santos explica: “A fragmentação pós-moderna não é disciplinar, e

sim, temática. Os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao

encontro uns dos outros” (ibidem, p. 48).

Para além das disciplinas escolares, sistematizadas em conteúdos

estanques, podemos ir à direção da transdisciplinaridade, por ser mais favorável

para se entender o corpo e o movimento na Escola, sem os dualismos de corpo e

mente separados. Portanto, a proposta de se buscar a transdisciplinaridade implica

ir buscando uma compreensão não dualista do corpo e seus movimentos.

Quando se estuda o particular de um fenômeno, não se desconsidera a

sua completude e vice-versa, ou seja, o que se vê no geral está também presente no

local. O todo não é simplesmente a soma das partes, pois, como coloca Morin

(1996), resulta do modo como as partes se inter-relacionam, e elas também

contaminarão o todo com as suas características particulares. O entendimento do

sexto sentido, segundo Berthoz (2000), segue nessa direção, quando diz que o

corpo se utiliza do conjunto de sentidos para dar conta, de forma efetiva, das suas

percepções.

Seguindo com a ligação parte-todo, fica mais fácil compreender a

disciplina como uma espécie de conhecimento local, que só fará sentido ligada ao

todo, do qual faz parte também a vida do aluno na sociedade. Por exemplo, a

64

manutenção, no currículo escolar, dos exercícios mecanicistas de repetição de

movimento, que se dedicam a aprimorar a destreza do próprio movimento, educa o

corpo a não atentar para a complexidade envolvida na relação do movimento com o

conhecimento. Ajuda a não se entender que o movimento precisa estar presente em

todo o processo educativo, nos conteúdos que são abordados em todo o currículo, o

qual também deve contemplar uma estrutura transdisciplinar. É hora de estimular o

“paradigma emergente” de que nos fala Santos, para colaborar com a compreensão

de que somos corpo.

No entanto, como se sabe, as contribuições teóricas mais recentes, já

amplamente conhecidas, não estão presentes no dia a dia da maior parte das

Instituições de Ensino. Para Assman (1994), essa situação mereceria mais atenção

dos educadores, pois, pela realidade observada, ainda não acontece

ostensivamente.

Enquanto o movimento continuar separado do aprendizado que ocorre

nas disciplinas, restrito aos momentos lúdicos ou às aulas de Educação Física, se

manterá exterior ao aprendizado da leitura, da escrita, da matemática, das ciências

biológicas ou da geografia, sem a sua prática nos processos de construção de

significados.

A segregação do corpo na Educação se explicita no lugar ocupado pela

Educação Física, desligado da educação formal. Porém, é necessário que o corpo

ocupe um lugar outro na educação, não apenas no sentido de ser contemplado, mas

de se partir da identificação de que esse aluno, que está em sala de aula, é um

corpo. Assman (1994), mesmo apoiando sua defesa sobre o conceito de

corporalidade/corporeidade, termo não utilizado nesta tese por razões

epistemológicas37, muito contribui para outra perspectiva de corpo na Educação,

frente aos atuais tratamentos deste tema:

A experiência corporal é vista como uma sequência linear de causalidades hierarquizadas (no fundo, mono-causalidades subsequentes). Na criança, por exemplo, a ativação motora chega a ser sequenciada, com pretendida exatidão, em pré-verbal, perceptiva, cognitiva. Mesmo quem captou que é necessário valorizar o enfoque-movimento talvez continue propenso a recortar o conceito de movimento para que passe a significar apenas

37 A tese se apoia no conceito de corpomidia (KATZ & GREINER)

65

deslocamento. Então, fica fácil voltar à ortodoxia, que sustenta que, na base de cada gesto/movimento, há um esquema motórico subjacente, que o determina mono-causalmente; que, no processo de produção desse movimento, estão funcionando fatores principais e fatores secundários etc., etc. Como dá para notar, a espacialidade é vista como um tabuleiro; a dimensão-tempo é medida no ponteiro do relógio; e tudo isso bem amarradinho num esqueleto, e enfiado num saco delimitante chamado pele. Convenhamos, Corporalidade viva é outra coisa, e movimento também é outra coisa. (ASSMAN, 1994, p. 82)

Além da pouca penetração das teorias que consideram o movimento na

educação, ainda existe uma problemática sistêmica maior, que são as demandas

mercadológicas em um mundo capitalista. Neste sistema, que rege as vidas da

maior parte dos habitantes deste planeta, o tecnicismo das habilidades, que regula o

mercado de trabalho, vem sendo adotado como o objetivo de todos os planos

pedagógicos (basta olhar a BNCC38 que está sendo implementada). Ciência e

Tecnologia se tornaram as linhas mestras desta pedagogia, enquanto Artes,

Filosofia e Sociologia são alijadas do Ensino Fundamental e deixam de ser

obrigatórias no Ensino Médio.

Assman (1994) já apontava a tendência que, desde a década de 1980, se

vislumbrava, com o sequestro semântico do termo “Qualidade de Vida”, realizado

pelo mundo corporativo, que o levou para “dentro do mundo dos (seus) valores”

(Assman, 1994, p. 30), fazendo com que não mais designasse a qualidade humana

de vida. Neste mesmo contexto, os planos pedagógicos, já há muito estão a serviço

do mercado, principalmente no que diz respeito à Educação Básica (não é à toa que

a Reforma do Ensino Médio promete “melhorar” sua estrutura colocando os jovens

mais cedo e mais eficientemente no mercado de trabalho, priorizando a formação

técnica sobre a universitária).

Sendo essa a realidade do contexto, não há como encontrar espaço para

o entendimento da importância do corpo no processo pedagógico. É como se o

corpo não pertencesse a este contexto, e a pedagogia que inclui o movimento não

funcionasse nele.

38 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em processo de implementação nos estados

brasileiros, propõe um currículo baseado, prioritariamente, nas áreas de Ciência e Tecnologia da

Informação, ampliando quantitativamente o conteúdo desta área, em detrimento da diminuição das

áreas humanas, inclusive retirando Arte, Filosofia e Sociologia da obrigatoriedade no Ensino Médio.

66

Em contraponto, as teorias psicogenéticas e cognitivas estão em avanços

largos, no entendimento da pessoacorpo e da importância do movimento nos

processos educativos. Se as políticas educacionais são mercadológicas, tendem em

outra direção, que não se interessa em reconhecer a centralidade do corpo e do

movimento na construção do conhecimento, distante do entendimento tecnicista de

corpo. O único corpo que interessa neste modelo de educação é aquele que pode

competir ou ser ovacionado pelo virtuosismo, admirando a violência de superação

deste corpo, visto que é na superação de exercícios e do sofrimento que se alcança

um estado “perfeito” do corpo, restrito a poucos, combinando à lógica de viver

capitalista.

67

CAPÍTULO 2: MOVIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR

A proposta aqui é a de trabalhar o movimento como o primeiro sentido

nos processos de aprendizagem. Já que este sentido participa constantemente da

construção cognitiva, considera-se que o mesmo esteja envolvido no processo do

aprender. Para tal, a tese propõe uma metodologia de pesquisa participante, na qual

realiza dois procedimentos experimentais e uma reflexão sobre a sua inserção em

aulas diversas:

1) realizando movimentos aleatórios com os alunos enquanto assistem

uma aula tradicional, com lousa/professor e sentados nas carteiras, de

frente para a lousa (que é chamado aqui de “movimentos aleatórios

para tática de atenção”);

2) abordando os mesmos assuntos vistos nas disciplinas de outras

formas, como dançando ou sensibilizando o corpo inteiro (que aqui é

denominado de “movimentos relacionados aos conteúdos”).

Como já informado, as aulas elegidas para a aplicação destes

procedimentos foram as de Matemática e Língua Portuguesa, no Ensino

Fundamental II da Escola Estadual de Tempo Integral Francisca Botinelly Cunha &

Silva, da Rede Pública de Ensino, na cidade de Manaus, situada em área fronteiriça

entre dois bairros socialmente bem distintos, na zona centro-oeste da cidade. Esta

foi a escola escolhida para a pesquisa porque seu alunado é proveniente,

majoritariamente, de famílias de baixa renda do bairro do Alvorada, e por ser uma

escola de tempo integral de rede pública, na qual é possível fazer um

acompanhamento mais detalhado e personalizado dos alunos.

Neste capítulo, as intervenções realizadas em cada aula serão descritas à

luz do referencial teórico apresentado no primeiro capítulo, buscando explorar a

relação movimento-conhecimento. Houve necessidade de destacar como o

movimento pode ser um “motivador” da atenção, para que seja efetivamente

construído o conhecimento, supondo que, ao mudar os alunos de atividade

68

(inserindo movimento nas aulas tradicionais), a atenção pode ser estimulada para o

foco principal da aula.

O movimento se relaciona com a atenção (momento em que circuitos

neuronais – centros nervosos reguladores e receptores sensoriais – determinam o

que se tornará consciente para termos atenção). Os movimentos aleatórios

propostos, por exemplo, podem trabalhar a atenção reflexa, a qual, segundo

Cosenza e Guerra (2011), diz respeito aos estímulos periféricos envolvendo a

novidade e o contraste, função que talvez combine com tais tipos de movimento.

Porque são movimentos que propõem ações contrastantes ao que está acontecendo

na aula, enquanto o aluno permanece na sua posição habitual, sentado na carteira,

olhando para a frente, ouvindo/vendo o professor falar e escrever na lousa. Por

vezes, o único movimento estimulado nos alunos, nestas aulas, é o da escrita no

caderno.

...o manejo do ambiente tem grande importância. A minimização de elementos distraidores e a flexibilização dos recursos didáticos, com o uso adequado da voz, da postura e de elementos como o humor e a música podem ser essenciais, principalmente para estudantes de menor idade, mas também para plateias mais maduras. É bom lembrar que a novidade e o contraste são eficientes na captura da atenção. (COSENZA E GUERRA, 2011, p. 48)

Ao mesmo tempo, o exercício da atenção pode ser eficiente também

quando a provocação da postura ativa dos alunos é estimulada com uma

abordagem que seja interessante para a sua vida cotidiana ou que faça parte do seu

universo de interesse. Naquela escola, as danças populares são de grande interesse

da maioria e foram as danças evocadas por atenderem a esse critério, visto que

pertencem ao seu universo cultural, favorecendo a possibilidade de ligá-las ao

conteúdo da Língua Portuguesa estudado (aglutinação e hibridismo).

A pesquisa de campo se pautou na tática de atenção e relacionada aos

conteúdos, da forma descrita a seguir:

a) Movimentos aleatórios para a Tática de Atenção: ao lado do

professor da disciplina, sentada em uma carteira, a pesquisadora ia

propondo (no método da visualização do movimento e repetição pelos

alunos) pequenos movimentos, como levantar um braço ou olhar para

69

os lados, até levantar da carteira ou girar, e os alunos os repetiam

simultaneamente, sem que o professor paralisasse a sua exposição.

Os alunos eram orientados a executar os movimentos, mas sem deixar

de prestar atenção ao professor.

Outra proposta: alternar a atenção entre o movimento e a aula. Neste

procedimento, a aula é interrompida e é proposto para eles algum jogo

em roda, que tenha o movimento como centro da atividade, ou a

repetição da mesma proposta anteriormente já realizada, que agora

será feita com a atenção voltada somente para o movimento

(visualização do movimento e repetição pelos alunos), porque o

conteúdo que estava sendo apresentado está interrompido.

b) Movimentos relacionados aos conteúdos: Neste tipo de proposta, a

ideia é aprender os conteúdos se utilizando também da sensibilidade

do movimento (primeiro sentido). Nesse momento, é proposto aos

alunos trabalharem o conteúdo com o qual estão entrando em contato

na forma de movimento. Os processos de analogia e metafóricos são

muito estimulados neste procedimento, visto que os alunos buscam

estudar o assunto da exposição oral do professor ou das leituras,

associando movimentos a eles.

2.1. LÍNGUA PORTUGUESA (9º ano do Ensino Fundamental)

2.1.1. Movimentos aleatórios para a tática de atenção

A intervenção do movimento, induzido no decorrer das aulas de Língua

Portuguesa e Matemática, foi positiva. Sempre que o movimento diferente do

convencional foi estimulado, a atenção se estabeleceu. Importante assinalar que

essa atenção, seja na Matemática, seja na Língua Portuguesa, é mantida por cerca

de 15’ de aula, após a estimulação do movimento.

70

AULAS INICIAIS – OBSERVAÇÃO (3 AULAS) 9º ANO 1

Adentrando a sala de aula. Semelhante a qualquer ambiente de sala de

aula convencional: carteiras de plástico e ferro para acomodação dos alunos (são 45

delas), dispostas em 42,24 m2 de sala, sendo que, pelo menos, 1 x 5m2 desta sala

são somente do professor, ocupado por uma mesa bem larga e uma cadeira de

madeira. Há também, neste espaço que é destinado ao professor, um armário

encostado na parede, no qual são guardados alguns livros didáticos.

Figura 1 – Sala de Aula vazia (45,24 m2)

Fonte: Prof. Diego Almeida

Movimento, no seu entendimento mais simples e no senso comum, é

associado a deslocamento. Para deslocar-se, é necessário ESPAÇO. É neste

espaço, no qual o corpo (kinesfera39) está presente e o faz presente também, que

ele é visualmente percebido por outro corpo e, podemos dizer, que o movimento

39 Definição baseada em Laban, retirada do Dicionário Laban (RENGEL, 2005): “A cinesfera é

delimitada espacialmente pelo alcance dos membros e outras partes do corpo do agente quando se esticam para longe do centro do corpo, em qualquer direção, a partir de um ponto de apoio. Ela determina o limite natural do espaço pessoal. [...] se o agente se move, mudando sua posição, ele ‘leva’ consigo sua cinesfera e suas mesmas relações de localização” (RENGEL, 2005, p. 32)

71

acontece e é percebido. Para que o movimento aconteça, é necessário que haja

espaço, que a kinesfera de cada pessoa/aluno seja ativada.

O corpo não suporta a inércia por longos períodos. Quando passamos

muito tempo sentados, queremos levantar. Se passamos muito tempo em pé,

queremos descansar as pernas. Se corremos, também cansamos, mas se ficarmos

descansando por muitas horas, vem a vontade de fazer algo. Muito tempo em uma

mesma atividade acaba ficando desconfortável, o corpo busca uma mudança, e isso

é recorrente no dia-a-dia de nossos alunos que, em sala de aula, ficam sentados nas

carteiras. O professor ainda se move, fica em pé, senta, caminha pela sala, mas os

alunos, não! Só lhes é facultado ficarem sentados nos seus lugares.

Vai ficando evidente a necessidade de movimentar-se nesse contexto, no

qual os alunos passam, no mínimo, 50’ sentados nas carteiras (no caso desta

Escola, são 60’), lembrando do pouquíssimo espaço para a ativação da cinesfera

(kinesfera) que cada aluno precisa desenvolver, dada a quantidade de carteiras e

pessoas distribuídas na sala de aula. É notório que o movimento não é estimulado

por essas estruturas que, ao contrário, favorecem o cansaço e o desinteresse pelas

aulas. Sabemos que é possível introduzir metodologias para o aprendizado que

incluam o movimento, porém, a infraestrutura do espaço habitual de sala de aula

não favorece. É preciso ressignificá-lo ou mudá-lo.

Pois bem, adentrando a sala de aula que existe hoje para nela testar as

hipóteses desta pesquisa, o primeiro aspecto que se destaca é justamente o da falta

de espaço adequado. Posicionava-me, em cada aula, ora ao fundo da sala, ora nas

laterais, sentada em uma carteira, de forma que conseguisse ver a maioria dos

alunos presentes. De onde ficava, tanto numa aula expositiva que empregava a

lousa como na expositiva exclusivamente oral, que utilizam o livro ligando professor

e alunos, podia notar o comportamento gestual dos envolvidos nestas atividades. O

professor, em pé, ao lado da lousa, ou lá na frente, com seu livro, se movimentava a

todo momento (alternando entre caminhadas no seu corredor de 1x5m2 e entre as

carteiras, posicionando-se atrás de sua mesa ou apoiando os pés na grade inferior

da carteira do aluno da primeira fila). Os alunos, por sua vez, permaneciam sentados

e mudavam de posição nesta condição de sentados (ora se posicionando mais à

frente da cadeira, ora mais para trás, ora apoiavam a cabeça nas mãos, com os

72

cotovelos nas “mesas”, ora não apoiavam; viravam, sentando de lado, apoiando a

cabeça nas mãos, com os cotovelos nos joelhos; ora apoiavam o livro na “mesa”, ora

nas coxas). Os alunos também se espreguiçam, esfregam os olhos, ajeitam os

cabelos, os que estão na fileira encostada na parede apoiam suas cabeças nela.

Figura 2 – Posição do Professor em relação aos alunos

Fonte: Arquivo da Pesquisadora

Em quaisquer das situações, é perceptível que a mudança de posição é

uma ação organicamente necessária. Porém, nota-se que esses micromovimentos

ainda não dão conta da necessidade que o corpo sente de se movimentar,

recusando o longo tempo em que precisa se manter somente sentado.

Consequentemente, a atenção é desequilibrada, visto que o desconforto é extremo.

73

No caso da aula observada, o recurso que o professor empregava, para conseguir a

atenção dos alunos era a modulação da sua entonação de voz. Alternando, tanto na

fala como na gesticulação, favorecia a atenção dos alunos. Mas, mesmo nesta

situação, os corpos desses alunos “gritavam” a todo momento: “queremos desgrudar

da carteira!”

Neste mesmo contexto, o professor pedia, por vezes, que os alunos

copiassem o material da lousa no caderno. Ao invés de só prestarem atenção na fala

do professor, com a visão voltada para lousa e para ele, agora iriam copiar no

caderno. A mudança de posição visual e a mecânica de pegar a lapiseira ou caneta

para pressioná-la nas folhas do caderno favorece a alternância de atenção,

quebrando mais uma vez a inércia. Os alunos despertam do estado de “sonolência”

que a inércia provoca, ou seja, sempre que há mudança de posição ou de ação, a

atenção é retomada e reforçada.

Durante a exposição do professor, o mesmo provoca os alunos a

participar, respondendo algumas questões ou dando opiniões sobre o assunto

exposto. Os alunos gostam. O assunto lhes interessa (Reportagem e Notícia: o

assunto da notícia era internet e whatsapp) e eles se envolvem na conversa. Apesar

desse envolvimento, o cansaço da mesma posição, sentados nas cadeiras, é

desconfortante.

Figura 3 – Variadas posições dos alunos nas carteiras

Fonte: Arquivo da Pesquisadora

74

AULAS SEGUINTES – INTERVENÇÃO

MODELO 1 DE AULA

Professor na mesma situação das aulas observadas. Na lousa, pede a

atenção dos alunos para a correção do exercício, ou seja, os alunos acompanham a

exposição do professor também pelo caderno. Ele caminha pelas carteiras, imposta

bem a voz e chama os alunos à participação, os quais participam. Alguns deles se

voltam para os cadernos, mas parecem não estar atentos. Não respondem às

questões, não riem nos momentos de descontração. Percebe-se que não estão

acompanhando a conversa entre professor e a turma.

Intervenção: Pedi que os alunos se posicionassem em pé, ao lado da

carteira, e fizessem alguns movimentos simples, só para mudarem de posição e

moverem outras partes do corpo. Nas sugestões de movimento (que eu ia

descrevendo e executando, e os alunos iam reproduzindo), fui dirigindo o momento,

propondo movimentos em outras direções que as do ato de estar sentado olhando

para a frente ou para o caderno. A duração da intervenção foi de 2’. Ao voltarem a

se sentar e a prestar atenção à exposição do professor (na lousa), se mostraram

visivelmente mais despertos. Os alunos que estavam quase dormindo, agora se

apresentavam mais atentos. Essa atenção redobrada e mais viva durou cerca de

não mais que 5’. Após esse tempo, a atenção começou a se dissipar novamente.

Essa alternância de atenção e disposição para a aula também foi observada pelo

professor da disciplina, que afirmou nunca ter visto uma atitude tão enérgica deles,

enquanto participação na aula, como a que foi desenvolvida minutos após a indução

do movimento.

75

Figura 4 – Indução do movimento intercalado à aula 1

Fonte: Arquivo da Pesquisadora

MODELO 2 DE AULA

A atividade da aula, neste dia, se concentrou em fazer exercícios no

caderno sobre “Estrutura das Palavras”. A quantidade de exercícios é grande,

demandando muita concentração e tempo, dada a complexidade das questões.

Contudo, a concentração é difícil devido a conversas paralelas, ou seja, alguns se

dispersam e conversam, desconcentrando os demais. Após 20’ da atividade estar

acontecendo, sugeri uma pausa para um jogo rítmico.

Todos levantaram de suas carteiras e fizeram um grande círculo ao redor

delas. Numa brincadeira de noções de pulsação rítmica em contagem de

compassos quaternários, propus, primeiramente, que compreendessem a pulsação

simples da “música”, executada pelo próprio grupo com as mãos (não havia

acompanhamento de som mecânico). Após a pulsação corpada, cada um na sua

medida, começamos a alternar movimentos do corpo dentro dessa pulsação. A cada

quatro tempos se executava um movimento diferente em conjunto, ora proposto por

76

mim, ora pelos próprios alunos. Intercalando entre os vários movimentos

executados, em cada quatro tempos, estava a marcação base com as mãos.

Figura 5 – Exercício Rítmico em roda 1

Fonte: Arquivo da Pesquisadora

O detalhamento da noção rítmica não é indispensável para o objeto

investigado, porém, o jogo rítmico traz uma noção de movimento diferente do que foi

feito até então nesta pesquisa, pois aguça noções de espaço e tempo e

coordenação, interessantes e instigantes para a cognição, sobretudo quando se

trata de adolescentes. Neste sentido, o jogo é interessante, intenso e prazeroso, o

que os faz voltar com mais prazer à aula ou à atividade no caderno. Além disso, o

movimento proposto nesta aula ativa outras atenções, outras redes neurais, que

ativam mais o sentido do movimento e que, ligadas ao prazer, se tornam mais

eficazes, como coloca Cosenza e Guerra (2011). A duração do jogo foi de 5’ e a

atenção e engajamento na resolução da atividade no caderno após o jogo durou, em

termos de energia disponível eficiente para tal, outros 5’. Após esses 5’, a atenção

começa a dissipar novamente.

77

... os órgãos dos sentidos enviam as informações relevantes até o cérebro por meio de circuitos neuronais. Se um estímulo importante, com valor emocional, é captado, ele pode mobilizar a atenção e atingir as regiões corticais específicas, onde é percebido e identificado, tornando-o consciente. (COSENZA e GUERRA, 2011, p. 76)

MODELO 3 DE AULA

Neste encontro, a proposta era manter o foco na aula de exposição

oral/lousa, com adições de movimentação no decorrer da aula. No caso, o professor

mantém sua exposição, ao mesmo tempo em que eu (posicionada ao lado da lousa)

ofereço um comando visual qualquer de movimento. Concomitantemente á

exposição do professor, os alunos se movimentam.

No vídeo realizado sobre esta coleta de dados, nota-se que a

movimentação é proposta a cada 15’, em média, tempo este que não era

previamente calculado, mas que corresponde ao tempo que durava a atenção á

exposição do professor e ao surgimento da inquietação nos alunos, sentados na

carteira. Sempre que se notava uma atitude mais cansada por parte dos alunos,

menos proativa, com a atenção se dissipando (e isso é facilmente notado pelas

posturas corporais ou nos focos do olhar), era proposto ou uma mudança de posição

ou uma movimentação simples.

Figura 6 – Intervenção junto à aula

78

Fonte: Arquivo da pesquisadora

Foi possível perceber que a atenção efetiva se manteve durante toda a

aula (50’), mesmo que fosse só para prestar uma dupla atenção (pois a regra

exposta no início da intervenção foi que os mesmos focassem a atenção na

exposição do professor, que seria contínua, sem pausas). Porém, durante toda a

exposição, os alunos deveriam estar em alerta porque a qualquer momento haveria

a intervenção de movimento e, passariam a acompanhar esses movimentos,

executando-os junto comigo.

A proposta de sempre haver outro corpo dentro da sala de aula (no caso,

o meu, que estava propondo os movimentos), além do professor da disciplina e dos

alunos, pode vir a se transformar em uma reivindicação futura, mas não cabe neste

momento da presente pesquisa como propositura metodológica. O que se pretende,

neste momento, é atentar para a importância do movimento nos processos

educacionais, sublinhando que aconteceu desta forma (com um terceiro corpo) para

viabilizar a investigação da hipótese aqui proposta. Porque o ideal seria que o

próprio professor da disciplina realizasse essas intervenções – o que implica na sua

formação, assunto para uma outra investigação.

79

No decorrer da atenção alternada, a participação dos alunos nas

indagações do professor era intensa, assim como a sua manifestação para o que se

passava na lousa. Digo manifestação me referindo às atitudes que tomavam, pois é

necessário deixar clara a impossibilidade de saber o que os alunos pensam durante

a exposição do professor. Apesar disso, a diferença notada entre a atitude corporal

manifesta com a intervenção de movimento e uma aula sem este tipo de

intervenção, é visualmente nítida!

Um fator que não se pode deixar de mencionar nesse procedimento é o

fato de a comunicação do professor com os alunos ser eficiente. A forma como

expõe o assunto, a linguagem utilizada, e a clareza das suas ideias favorece ou

dificulta a atenção. As exemplificações que eram feitas para compreender as

técnicas de aglutinação ou hibridismo tinham relação com o contexto social dos

alunos, tornando o assunto mais palpável e interessante para eles.

2.1.2 Movimentos relacionados aos conteúdos

Esta foi a proposta que se mostrou mais eficiente, visto que o assunto

estudado por eles na disciplina foi estudado também como dança (cultura corporal).

O hibridismo e a aglutinação (formação) de palavras foram estudados como uma

aglutinação e hibridismo40 de culturas, fenômenos que acontecem também com

todas as outras linguagens, inclusive na dança, que é uma arte do movimento.

Enquanto manifestação popular e cultura corporal, essas formas de dançar também

conversam, se misturam, se reconstroem e se ressignificam pelos povos. Os alunos

fizeram um trabalho prático de sensibilização e puderam perceber vários processos

de aglutinação e hibridismo nas danças populares brasileiras.

40 Aglutinação e Hibridismo são processos de formação de palavras da língua portuguesa, onde a aglutinação seria o processo da formação da palavra por junção de duas ou mais palavras do mesmo

idioma e o hibridismo por dois termos de idiomas diferentes.

80

AULA 4

Nesta proposição, a ideia era que os alunos experenciassem o assunto

da aula de Língua Portuguesa de outra forma. A pauta era hibridismo e aglutinação

das palavras. Nesse momento do planejamento da disciplina, os alunos vêem como

as palavras são formadas, suas origens, seus sufixos e prefixos, numa rede de (re)

significação que vão, como qualquer coisa no mundo, sofrendo semiose41 ao longo

do tempo. Percebeu-se, portanto, que não só as palavras são (re) construídas dentro

das culturas, mas sua expressão corporal (dança) também.

Figura 7 – Alunos assistindo vídeos das danças

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

Vimos, então, através de vídeos

(https://cliptk.com/index.php?url=video/hDEgyXvU4eI/casal-dan-a-muito-forro

/https://www.youtube.com/watch?v=htgciTABTMU/https://www.youtube.com/watch?v

=FtBEACjMjaM), três tipos/estios de dança, ou seja, de expressões culturais, bem

conhecidas pelos adolescentes desta região manauara urbana: forró, boi-bumbá e

danças urbanas (Free Step42). Observamos, nessas três manifestações, os

41 Para Charles Sanders Peirce, é a ação do signo. Este, por sua vez, é um sinal ou uma materialidade qualquer percebida pelos sentidos, o qual, em processo de semiose, significa para o indivíduo. A semiose seria, portanto, o processo de significação e ressignificação do signo. (PEIRCE, 1839-1914)

42 Estilo de Dança Urbana, nascido em meados de 1950, nos contextos urbanos e marginalizados do Brooklyn, que levou essa definição por ser um estilo que não elaborou regras para os movimentos

dos pés: quanto mais acelerado e complexo for, mais habilidoso é o dançarino deste estilo. Movimento livre dos pés.

81

radicais/raízes dessas danças, nos quais misturam-se informações

biológicasculturais. Essas danças manifestam características do dia-a-dia, os

costumes e têm muito a nos dizer sobre aquelas pessoas, as quais não deixam de

ser os próprios alunos.

A cada estilo observado, era convocada uma conversa sobre a

observação dos movimentos de raiz, o motivo do corpo se “comportar” daquela

forma ao dançar, suas posturas e gestos. Eles tanto identificaram tais

características, como se dispuseram a demonstrar o que sabiam sobre elas

(dançaram em sala). No primeiro deles, o forró, perceberam, por exemplo, a

semelhança com a lambada e com a dança arrasta pé nordestina, momento em que

identificaram que nosso Estado teve muita imigração de nordestinos no início do

século XX, com a fase da exploração da borracha no Amazonas. Por serem terras

muito quentes, tanto no nordeste como no Estado amazonense, essas danças muito

elétricas e que usam pouca roupa, têm grande possibilidade de se instalar. Porém,

na região amazônica, a sensualidade e a velocidade na execução de movimentos é

bem maior que no nordeste, sofrendo aí uma alteração.

Já no boi-bumbá, os alunos percebem que, além da movimentação típica

das danças indígenas, com o costume de levantar as lanças, se abraçar e bater

fortemente os pés no chão, o remelexo dos quadris do forró nordestino foi

incorporado à nossa dança do boi-bumbá, se tornando uma característica dessa

dança regional. O bater palmas (movimentação também muito frequente nessas

coreografias) traz também as celebrações indígenas, que agrega ao ritmo musical

marcante e vibrante. Desta forma, comportamentos corporais de negros e índios

fazem a cultura dessa dança.

As danças urbanas são a preferência entre os adolescentes do sexo

masculino, principalmente. Nela, puderam perceber a movimentação de pés (que é a

principal característica do estilo específico observado, free step) muito acelerada e

diversa, o que identificaram como semelhança com o funk, muito dançado nas

capitais norte-americanas e brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro. Buscando

liberdade de expressão e uma forma própria de se calçar (tênis) e de se movimentar

no asfalto, os dançarinos do free step fizeram o estilo ganhar afirmação nas ruas e

82

acompanhar também os ritmos vibrantes e acelerados da moda da indústria musical,

que invade as áreas urbanas.

Para a continuação da pesquisa, foi proposto aos alunos que trouxessem,

no próximo encontro, o estilo que quisessem (organizado em equipes), e

identificassem nessas danças os radicais, sufixos e prefixos das mesmas. Para

tanto, precisariam pesquisar a origem das danças, sua história, os costumes do povo

que a dança, enfim, um arsenal de informações que, de certa forma,

regulamentariam esse repertório corporal e destrinchariam as aglutinações

realizadas. Ambas (formação de palavras e danças) são composições de linguagem

e constituição de cultura.

AULA 5 – APRESENTAÇÃO DAS PESQUISAS

Neste momento, nos dedicamos ao compartilhamento de conhecimentos

em danças, cada grupo com sua especificidade, e suas relações com os hibridismos

e aglutinações feitas de cultura para cultura, seja temporal (através dos tempos) ou

espacialmente (geograficamente) fundidas. Sabemos que os fatores que levam duas

culturas de espaços físicos diferentes se encontrarem são diversos, assim como o

processo de semiose ocorrido dentro de uma mesma cultura ao longo do tempo.

Para tanto, os alunos, em seus contextos, produziram reflexões.

As equipes trabalharam basicamente na decomposição dos passos

básicos de cada dança escolhida. A primeira escolheu o frevo, dança típica de

Recife/PE, com a qual tiveram contato na Festa Junina da escola. Os alunos

identificavam, nos vídeos assistidos pela internet e na coreografia executada na

Festa Junina, que os passos chamados de “tesoura”, “ferrolho” e “engana povo” são

básicos dessa manifestação. Curiosamente, os classificaram como “radicais” dessas

danças, ou seja, fazendo uma ligação com o estudo da Língua Portuguesa,

recorrendo ao processo de formação das palavras, no qual radical é a parte da

palavra que é sua base, sua raiz, e a partir dela vão se acrescentando sufixos e

prefixos, que dão origem a variações dessas palavras. No caso da dança estudada,

puderam perceber que outros passos famosos do frevo, como o “saci”, a

“vassourinha”, a “locomotiva” e a “bailarina” são compostos pelos passos básicos

83

(radicais). Além disso, puderam perceber que o frevo é uma dança que surge e

ainda tem muito sucesso numa região quente do país, onde o carnaval é frenético e

contribui para a permanência dessa dança acelerada naquela região.

Figura 8 - Frevo

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

No estudo do Boi-Bumbá, que é a dança típica regional do estado do

Amazonas, outro grupo de alunos compartilhou a sua pesquisa sobre a história e a

composição dessa dança, que é parte da cultura nordestina trazida para o

Amazonas, na época do ciclo da borracha. Reconhecem a grande contribuição do

povo negro para essa dança, com seus tipos de movimentação e expressão

corporal, assim como dos europeus, que aqui exploraram a mão-de-obra escrava

dos negros trazidos da África. Na história que é contada43, percebe-se os contextos

indígenas, negros e europeus aglutinando-se.

Na execução da movimentação da dança, puderam notar a forte presença

das danças africanas, que acrescenta o remelexo de quadris no passo base da

dança indígena, que não tem este elemento. O passo base indígena consiste na

marcação somente de pés, alternando o peso entre ambos, com ou sem

deslocamento no espaço. Quando os elementos negros aparecem, observa-se um

43 A história encenada na manifestação da dança boi-bumbá é de Pai Francisco e Mãe Catirina, casal de negros que trabalham na fazenda dos senhores de engenho, e esperam o nascimento de seu filho. Catirina, grávida, deseja comer a língua do boi, a qual Pai Francisco consegue, matando um boi da fazenda. Neste contexto, há a filha do dono da fazenda (Sinhazinha), que ama o boi e cuida dele com muito carinho, assim como todos os índios da floresta, os quais fazem um ritual para ressuscitar o boi morto, para satisfazer a Sinhazinha. Na figura do Pajé, essa ressurreição é efetivada.

84

remelexo de quadris, que passa a acompanhar a alternância de peso do corpo nos

pés, caracterizando a dança Boi-Bumbá que dançamos hoje no estado do

Amazonas. O professor de Língua Portuguesa interviu, nesse momento da

exposição da equipe, fazendo alusão ao processo de hibridismo, que é a junção de

palavras de culturas diferentes numa mesma palavra, que não deixa de ser um

hibridismo de culturas também, assim como acontece com as danças.

Figura 9 – Boi-Bumbá

Fonte: Arquivo pessoa da pesquisadora

Os alunos compreendem as questões da linguagem, as

relações/comparações feitas entre dança e estudo da composição de palavras.

Porém, como são exercícios pontuais no semestre, e nem todos os alunos têm o

engajamento necessário para atentar à aula, a efetivação do processo se perde.

Aqueles que se dedicaram, sem sombra de dúvidas conseguiram se sensibilizar, ao

menos. Quando as aulas de dança ocorrem em paralelo às de Língua Portuguesa, a

efetivação do aprendizado tem mais sucesso, pois a sensibilização corporal

acontece em paralelo à exposição exclusivamente verbal de determinado assunto.

Neste tipo de procedimento interdisciplinar com a Língua Portuguesa

percebe-se uma efetividade na apreensão dos conteúdos trabalhados, seja pela

ação cognitiva do movimento, seja no exercício da atenção com o movimento

aleatório.

85

2.1. MATEMÁTICA (7º ano do Ensino Fundamental)

2.1.1. Movimentos aleatórios para a Tática de Atenção

Em geral, essa intervenção apresenta resultados positivos quando

qualquer movimento, que não seja o de segurar o lápis sobre o caderno e que

modifique a posição sentada na carteira, é proposto e estimulado. Alterarando a

atenção, os alunos voltam à aula com maior motivação, como no efeito da atenção

reflexa.

AULAS INICIAIS – OBSERVAÇÃO (3 AULAS) 7º ANO 2

O ambiente físico não difere da disciplina descrita anteriormente, muito

menos a configuração da sala de aula, no que diz respeito à disposição das

carteiras, o espaço dedicado ao professor e a metragem da sala. O diferencial é que

os alunos são mais novos porque estão no ano escolar anterior ao da classe de

Língua Portuguesa, o número de alunos é maior (52 alunos) e, portanto, a proporção

do tamanho da sala para cada aluno é, consequentemente, menor. Tomando isto

como princípio, as observações feitas na disciplina de Língua Portuguesa para o 9º

ano são retomadas para as de Matemática, com o diferencial de que alunos dessa

idade (11 e 12 anos) possuem uma energia e uma necessidade de movimento ainda

maior que a dos alunos do 9º ano (13 e 14 anos), e estão reunidos em um espaço

que se torna proporcionalmente menor. Ao sentar, precisam ficar quase imóveis,

pois ao olhar para trás, esticar o tronco ou esticar as pernas para frente ou os braços

para as laterais, já avançam na kinesfera do colega, não podendo, assim, explorar o

espaço no qual se encontram.

86

Figura 10 – Kinesfera dos alunos do 7º ano

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

O professor tem uma atuação um pouco diferente do anterior. Neste caso,

algumas medidas adotadas por ele como negociação para ganhar a atenção dos

alunos fazem diferença no processo. Essas negociações provavelmente existem

devido ao comportamento dos alunos. O silêncio prevalece durante toda a aula,

talvez por medo, por respeito, ou por apatia, mas alguns realmente mantêm uma

atenção aguçada (isso pôde ser observado quando me sentava ao lado de alguns,

no fundo da sala, podendo observar seus corpos e olhares). São quietos, não

conversam nem olham para outras direções, que não seja para frente, em direção à

lousa, durante as explicações. Livros e cadernos ficam abertos e eles copiam tudo

da lousa. Alguns poucos sabem as regras matemáticas já decoradas de outro

momento, advindas principalmente de contextos metafóricos, os quais o professor

explora muito bem.

Estudavam “Frações e números decimais” e, em certa aula, estava sendo

ensinado o m.m.c. (mínimo múltiplo comum). Para encontrar o mmc dos números

propostos no exercício, o professor chamava sempre este número mmc de

“matador”, argumentando que este número é um número comum, capaz de eliminar

ou de reduzir tanto o denominador quanto o numerador da fração. Em seguida, na

resolução da expressão numérica contendo as frações, relembrava também as

contas feitas com números de sinais opostos (como -2 +3, por exemplo), onde dizia,

87

para lembrá-los, que o irmão maior (no caso, o 3) sempre “bate” no menor (o 2),

expressando que o sinal do número de maior valor é o que prevalece no resultado.

Sem adentrar nas questões implicadas nessas metáforas, percebe-se,

neste caso, que as referências utilizadas para efetivar a compreensão dos

procedimentos e caminhos de solução são corporais (motores). A ação de matar ou

de bater são sensações/ações de corpo familiares aos alunos - caminho encontrado

pelo professor para fazê-los compreender com mais efetividade e clareza a

resolução do problema matemático. Nem todos os alunos, porém, conseguem.

Alguns não lembram ou não compreendem as regras básicas, e, portanto, não

resolvem as questões mais complexas. São sempre os mesmos alunos que

respondem às perguntas, que levantam a mão quando o professor pede para

sinalizar quem acertou. Os demais olham para o professor e para a lousa, mas não

se manifestam, inclusive não resolvem as equações nos próprios cadernos, deixam

em branco.

Uma das ações do professor para manter a atenção dos alunos, quando

percebe que se dispersam, é o uso de uma régua de alumínio, que bate com força

sobre sua mesa quando acha necessário. Os cadernos, enquanto recurso, auxiliam

na concentração, porque a repetição dos exercícios implica em escrever, ação que é

mais ativa do que só ouvir o professor e olhar a lousa. O horário da manhã (1º e 2º

tempos) são os mais favoráveis para a concentração. Quando esta aula acontece

em outros horários, a turma já está mais agitada, e, portanto, se torna mais

necessário ainda o exercício do movimento.

AULAS SEGUINTES – INTERVENÇÃO

AULA 1

A proposta pensada para a tática de atenção para a Matemática seguiu a

mesma adotada na Língua Portuguesa, visto que o que se intenta, neste momento,

é uma mudança de padrão de movimento, já tradicionalmente colocada na

metodologia carteira/lousa/caderno.

88

Intervenção: No momento em que o professor de Matemática dá a

instrução aos alunos para fazerem uma bateria de exercícios no caderno, antes que

eles iniciem, proponho que deixem os lápis e cadernos sobre a carteira e proponho

que levantem os braços, mexam os dedos e a cabeça, e olhem para outras direções

que não a da lousa. Sugiro os movimentos, os descrevo e mostro, e os alunos

reproduzem. Também sugeri que levantassem e fizessem os mesmos movimentos

de pé. Durou 2’ e depois, solicitei que voltassem para as carteiras e retomassem os

lápis para resolverem seus exercícios matemáticos no caderno. A movimentação foi

realizada com atenção e concentração, porém a transferência desta atenção para o

caderno não ultrapassou 15’, momento em que iniciaram pequenas conversas e

mudanças de posição.

Figura 11 – Indução do movimento intercalado à aula 2

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

A hipótese é a de que o exercício com o movimento seria necessário a

cada 15’, durante uma aula de 50’. Seria uma forma de adaptação à metodologia

tradicional, que submete o aluno a mesma posição por horas. Seria o mínimo

necessário, confirmado em outra intervenção, proposta na aula seguinte, num curto

período próximo aos 50´ da sua finalização, obtendo o mesmo aproveitamento.

AULA 2

Sendo este já o terceiro momento com a mesma natureza de intervenção,

pensamos, ao invés de movimentar no intervalo entre um exercício e outro, propor

mudanças nas posições dos corpos em relação à sala e aos colegas. O professor da

disciplina deixou uma tarefa independente para os alunos, que consistia em uma

89

lista de exercícios com expressões matemáticas. Ele se ausentou da sala de aula e,

então, pude ter um momento privado com os alunos. Solicitei que mudassem suas

carteiras de posição e sentassem nessas novas direções, nas quais uns colegas

ficavam de costas para a lousa, outros de frente, outros de frente para o colega. A

ideia era que a mudança de direção mudaria o campo de visão tradicional e a

novidade pudesse mantê-los mais tempo fixados no caderno.

Figura 12 – Mudança de campo de visão concomitante à atividade

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

A capacidade de atenção e concentração nos exercícios a serem

realizados no caderno não foi diferente da aula anterior (cerca de 10 a 15’), com as

conversas paralelas se iniciando cerca de 5’ depois da finalização do exercício. Os

alunos, quando questionados a respeito dessa sensação, manifestaram não terem

ficado mais concentrados do que quando na dinâmica tradicional de estarem sempre

sentados na mesma formação, visto que a nova posição, inclusive, abria margem

para uma maior propensão a conversas paralelas com os colegas.

Acredito que o novo, neste momento, não garantiu efetividade para os fins

esperados, visto que a escrita no caderno era o principal foco, e esta atividade

continua não sendo atrativa por si só. É importante destacar, neste momento da

aula, que esta acontece no horário seguinte ao do recreio, tempo em que os alunos

estão um pouco mais agitados e, como a escola também não tem uma boa acústica

nas salas e tampouco boa distribuição do espaço, a interferência sonora das outras

salas desconcentra os alunos. Acredito que a alternância de atividades

90

(movimento/caderno/lousa) seja mais efetiva (como nas primeira e segunda aulas)

com o desprendimento da metodologia da escrita (caderno) para a metafórica, como

veremos mais adiante.

AULA 3

Caminhando.. caminhando... para caminhar rumo a variadas formas de

movimento, diferente da ação de escrever. Greiner (2005), referenciando-se nos

estudos de Rodolfo Llinás sobre o movimento como sendo a base do pensamento,

afirma que a “mente44 [grifo nosso] é produto de diversos processos evolutivos que

ocorrem no cérebro, mas apenas das criaturas que se movem” (GREINER, 2005, p.

65). Neste encontro com a turma de alunos, o professor de matemática demandou

uma lista de exercícios, os quais deveriam ser resolvidos até o final daquele tempo

de aula. Ao perceber que era uma extensa lista e que iriam permanecer ocupados

com ela os 50’ destinados ao tempo de matemática, foi proposto que, assim que

fossem concluindo a resolução do primeiro bloco de exercícios (estipulado um tempo

máximo de 10’), ficassem de pé, ao lado de sua carteira. Quando, enfim, já havia

cerca de 10 deles na sugerida posição, foi pedido para que caminhassem, em

silêncio, entre as fileiras de carteiras, onde os demais colegas estavam ainda

resolvendo suas expressões numéricas.

Figura 13 – Caminhada intercalada às atividades

Fonte: Arquivo da pesquisadora

44 Entendendo que a mente, neste caso, é uma forma de chamar a atenção para o ato de pensar, o que não significa dizer que este ato está isento de movimento. Como já vimos anteriormente, sensoriomotor e julgamentos abstratos se entrecruzam.

91

Com o tempo esgotado, no qual nem todos os alunos conseguiram

concluir as atividades, solicitei que os que estavam caminhando sentassem, para o

primeiro bloco de correção dos exercícios na lousa, feito pelo professor de

matemática. Neste momento, eles retornam a sentar nas carteiras e corrigem com a

máxima atenção, olhos e corpos espertos, participativos na fala, com o professor

dinamizando as perguntas, sem responder às questões sozinho na lousa. A

dinâmica foi repetida no segundo e terceiro blocos de exercícios, permanecendo os

alunos alegres e atentos até o fim da atividade proposta pelo professor.

2.2.2 Movimentos relacionados aos conteúdos

No caso da matemática, este tipo de intervenção é mais difícil, talvez pela

alta abstração do conteúdo específico da disciplina. Para tal, seria necessário um

conhecimento mais especializado para atingir um sentido metafórico do movimento.

Os exercícios rítmicos propostos foram positivos, no sentido de construírem

conceitos matemáticos quantitativos. A sensibilidade de rápido e lento no corpo

talvez seja mais uma forma de compreender as noções de quantidade. No caso do

conteúdo estudado, que consistia em frações numéricas, cabia perceber que 1/8 de

tempo rítmico é bem mais rápido que ½, ou seja, que 1/8 tem um valor menor

(menor quantidade) que o valor de ½. Apesar dos processos de analogia ou

metafóricos do movimento com a matemática serem mais difíceis de estabelecer, é

possível, por exemplo, apontar para uma interlocução entre as noções de espaço e

tempo e o movimento como um primeiro sentido, pois o sentido do movimento

reverbera muitas informações de espaço e tempo. Essas noções, partindo do

pressuposto que as estruturas sensoriomotoras são a base dos metaconceitos do

corpo, são estruturas importantes na construção de conhecimento de qualquer

natureza.

AULA 4

Exercícios Rítmicos baseados nos exercícios de música e movimento de

Thelma Chan e Thelmo Cruz, no seu material intitulado “Divertimento de Corpo e

Voz”, foram explorados neste momento, com a intenção de experimentar uma

92

coordenação rítmica com os alunos. Primeiramente, usei a pulsação de uma música

quaternária para que pudessem sentir o “coração” da música. Em seguida, propus

uma variação nesta pulsação rítmica, onde os tempos básicos iam sofrendo

divisões, o que pode ser denominado de contratempo:

(imaginário)

Onde,

(semibreve) vale uma unidade inteira de compasso

(semínima) vale ¼ de uma unidade inteira de compasso ou coração

vale 1/8 de uma unidade inteira de compasso ou metade do coração

vale ½ de uma unidade inteira de compasso ou o dobro do coração

vale 1/32 de uma unidade inteira de compasso ou ¼ do coração

Essa unidade inteira de compasso corresponde ao espaço imaginário45

existente, o qual é dividido em 4 (quatro) partes iguais, num espaço de tempo

45 Imaginário, no caso desta atividade, pois o tempo inteiro de compasso quaternário, no caso a

semibreve, é utilizado nas composições e execuções musicais corriqueira e normalmente. Porém não

93

equivalente entre uma batida e outra (pulsação ou coração da música). Cada tempo

desse, nos quais é dividido o compasso, corresponde à semínima46, nota que tem o

valor (pelo motivo já citado) de ¼ de compasso. Este tempo da semínima dita o

coração da música, ou seja, um pulso (espaço de tempo entre uma semínima e

outra, que compõe a batida principal – coração – da música) corresponde a uma

unidade inteira de tempo.

A sonoridade era composta com palmas, batidas de pés e movimentos de

braços, aos quais era designado uma sequência de ritmo e movimento para cada um

deles. A música, então, era composta pelos sons do próprio corpo, exercitando

assim a coordenação rítmica. Além disso, foi explicado que essa divisão de valores

temporais entre as notas e entre um compasso e outro era fundamental para a

compreensão do que vinha a ser uma fração numérica e sua função no

entendimento do que seria fracionar alguma coisa, dividir uma unidade. Apesar da

noção cognitiva desenvolvida pela experiência do movimento não ser discutida com

eles, nesta aula foi possível iniciar uma noção rítmica, imprescindível para a

realização do próximo encontro, somente com os alunos que apresentavam maior

dificuldade com o assunto da disciplina em andamento.

AULA 5

Para acompanhar o andamento pedagógico, para fins desta pesquisa, foi

necessário um momento de seleção dos alunos envolvidos, ficando a atividade

dedicada somente para os que apresentavam uma necessidade de reforço das

aulas de matemática. Nestes encontros, havia a presença de, no máximo, 20 (vinte)

alunos, sentados nas carteiras dispostas em “meia-lua”, com a outra metade do

círculo composta pela lousa. Neste momento, só eu estava presente com os alunos.

O professor principal não participava.

é executada neste exercício, somente para efeito de se conhecer o espaço total que um compasso quaternário ocupa.

46 Nome designado para a nota musical, nos estudos de Teoria Musical, que tem valor do que chamam, nesta área de conhecimento, de “1/4 de tempo”, apesar de, na verdade, ela ter um valor matemático efetivo de ¼ do valor do compasso (uma semibreve).

94

Para iniciar o encontro, foi proposto que os alunos aprendessem um

exercício musical47 em roda e em duplas, no qual a variação de tempo e

contratempo é bastante trabalhada, assim como o ritmo e o movimento. Em cerca de

5’, o exercício foi realizado para efeitos de introdução do assunto do reforço, no

caso, as frações numéricas. Em seguida, buscamos resolver algumas expressões

numéricas em grupo, expressões estas passadas pelo professor de matemática na

lousa, para que todos pudessem acompanhar em grupo. Cada aluno resolvia uma

parte da expressão na lousa, enquanto os demais opinavam, quando o colega que

estava à lousa tinha alguma dificuldade. Durante tal resolução, algumas dúvidas

surgiam, e iam se ajudando, ao passo que as noções de rápido e lento praticados no

exercício inicial vinham à memória, lembrando que as frações de denominador

maior, com mesmo numerador, tinham um valor menor e, portanto, brincavam que

poderiam ser executadas num movimento mais rápido, pois eram mais curtas.

Figura 14 – Exercício rítmico em roda 2

Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora

A cada 10 minutos de resolução de exercícios, repetíamos o exercício em

roda, de pé, no centro da sala. Este procedimento, além de alternar a atenção,

reforçava as experiências corporais e, consequentemente, conceituais. As regras

matemáticas de resolução, como combinação de sinais em adição e multiplicação e

quais operações deveriam ser resolvidas antes de outras, foram dificuldades para as

quais não foi possível promover um auxílio mais efetivo. Esse modelo de aula foi

47 Música trabalhada “Bate-Bate”, de Divertimento de Corpo e Voz, de Thelma Chan e Thelmo Cruz.

95

realizado em 4 (quatro) repetições, com as quais foi possível uma transformação e

um amadurecimento do exercício cognitivo.

Um aspecto relevante nesta experiência motora foram os meus gestos,

para os quais os alunos atentavam com alegria. As expressões corporais que

designavam o lento e rápido ou o baixo e o cima, eram sentidas e expressadas

pelos alunos em suas carteiras, com seus olhares e intenção de movimento

(neurônios espelho), no momento da sua verbalização e execução pela interventora.

Figura 15 – Verbalização e intenção de movimento

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

Como bem coloca Cosenza e Guerra (2011), a emoção é um pilar

imprescindível neste processo, pois desperta, além da atenção, a reunião das

sensibilidades do corpo. A emoção não se atém à motivação no processo de

aprendizagem, mas ao enredamento cognitivo de informações que subsidiam, ou

melhor, participam efetivamente da compreensão de algo. Portanto,

96

O conhecimento fornecido pelas neurociências pode então indicar algumas direções, ainda que não exista uma receita única a ser seguida: o ambiente escolar deve ser estimulante, [...]. Usando o andamento dos tempos musicais como metáfora, podemos dizer que o ideal é que o ambiente na escola seja allegro moderato, ou seja, estimulante e alegre, mas que permita o relaxamento e minimize a ansiedade. (COSENZA E GUERRA, 2011, p. 84)

Tais experiências metafóricas, nestes momentos, tanto quando nas

estórias contadas pelo professor de matemática (nos exemplos do número “matador”

ou do irmão maior que “bate” no menor), como nas forças gestuais presentes na

minha expressividade (ao entonar as ações que acontecem nas expressões

numéricas), nada mais são que relações cognitivas que se enredam em um

significado padrão (padrões mentais), que servirão como uma “base de dados” para

vários conceitos que se formarão. Quando menciono “vários” conceitos, proponho

que sejam realmente conceitos de variadas coisas distintas, que vão desde a

“consciência corporal” ao significado de “cidades satélite”, os quais dependem, por

vezes, de uma experiência motora padrão.

As noções espacial e temporal atuam diretamente na imagem (DAMÁSIO,

2011) ou padrão mental de qualquer coisa. Estudiosos como Piaget, Wallon e

Vigotski, do campo pedagógico e cognitivo, já traziam há muito essas noções, como

abordado no capítulo anterior, contaminando teóricos outros, como Le Boulch, em

sua preocupação com o valor cognitivo do movimento, o qual surge, em grande

parte, dessas duas noções. Segundo Berthoz (2000), a noção espacial funciona

através de um modelo conceituado por Droulez, chamado “dynamic memory” ou

“dynamic updating”, afirmando que as noções espaciais não são calculadas

cartesianamente a todo momento em exatidões matemáticas, mas experenciadas

pelo corpo inteiro em suas funções cognitivas de automação, que são

constantemente atualizadas e dadas à interpretação, em níveis gerais de corpo.

Como colocado anteriormente, o corpo inteiro percebe as noções espaciais,

utilizando todos os sentidos disponíveis naquele organismo e, desta mesma

maneira, raciocina e significa com o corpo sensível. Consequentemente, as noções

espaciais participam de outras noções, assim como outras experiências se enredam

na constituição da noção espacial. Nenhuma experiência ou sentido é dado

isoladamente.

97

... the brain does not need to calculate spatial coordinates of the targets

toward which saccades are made. Automatic mechanisms that use the

motor command itself update the neural maps on wich the image of the

target is projected. (BERTHOZ, 2000, p. 213)48

Assim como nas experiências com focos visuais,

...orienting movements or movements of capture can be achieved with the eye only, or with the head, the trunk, or even the whole body. The model predicts that the orienting movement can be specified in terms of velocity in a rather general way, before it is executed by the eye, head, or a limb, owing to local integrators that determine changes in position of the efector based on its biomechanical characteristics. This property is very general, since it is easy to write a letter using a finger, hand, or foot. (BERTHOZ, 2000, p. 213)49

Esses esquemas de sentidos enredados são formados a todo momento

durante a vida, desde o nascimento, dando forma a padrões que vão acompanhando

aquele corpo durante toda a sua vida. Isso pôde ser verificado por Stern, segundo

Berthoz (2000), quando observou a memória de bebês que chuparam um bico de

seio e uma chupeta, de olhos vendados e, após terem sido desvendados,

reconheceram o bico do seio com os olhos, ou seja, o sentido da visão foi acionado

pela experiência tátil. Essa experiência demonstra que as informações entre os

sentidos são imbricadas e o bebê forma um significado da sensação, tanto que

passa essa imagem (significado) para outros sentidos.

Na infância, entre 2 e 7 anos, a memória do movimento é gerada pela

intensidade de movimento que a criança executa. Após os 7 anos, essa memória é

utilizada para maiores abstrações, em vários níveis, não só para reproduzir uma

memória de uma prática fixa (aprender que com um pulo pode-se alcançar um objeto

proibido de manipulação, o qual a mãe suspende para que a criança não possa

alcançá-lo), mas para construir a “dynamic memory”. Este modelo de memória levará

48 ... o cérebro não precisa calcular as coordenadas espaciais dos alvos para os quais são feitas as

sacadas. Mecanismos automáticos que usam o comando motor atualizam por si mesmos os mapas neurais nos quais a imagem do alvo é projetada. (BERTHOZ, 2000, p. 213)

49 ... movimentos orientadores ou movimentos de captura podem ser conseguidos apenas com o olho,

ou com a cabeça, o tronco ou mesmo com todo o corpo. O modelo prevê que o movimento de orientação pode ser especificado em termos de velocidade de uma maneira geral, antes de ser executado pelo olho, cabeça ou membro, devido a integradores locais que determinam mudanças na posição do efetor com base em suas características biomecânicas. Essa propriedade é muito genérica, pois é fácil escrever uma carta usando um dedo, uma mão ou um pé. (BERTHOZ, 2000, p. 213)

98

a criança à seleção de algumas ações em detrimento de outras, ou à mudança

precisa no foco do olhar50, assim como à formação de conceitos, significados. O

padrão mental criado pelo exercício do movimento não fica somente na reprodução

visível desse movimento: ele se enreda junto às demais experiências, construindo

uma “dynamic memory” para compreensão de conceitos abstratos.

No momento em que a criança (desde bebês) se movimenta, ela cria uma

espécie de “base de dados” com os ideomovimentos (Wallon) que compõem a

Cognição Inconsciente51, assim como a “dynamic memory”, os quais são

imprescindíveis para a consciência. Os movimentos realizados ou sentidos pelas

crianças são inconscientes, espontâneos e, portanto, participam do processo

inconsciente de formação de algumas estruturas de raciocínio. As noções

coordenadas de movimentos, temporais, espaciais, que levam o bebê/criança a

atingir determinados objetivos de ação, as faz sentirpercebertranspor essas

sensações físicas/motoras em valores subjetivos, à medida que acrescem seu

tempo de vida, amadurecendo e complexificando tais informações.

Quando se descreve, em bibliografias que tratam do desenvolvimento e

da educação infantil, que o movimento ou o jogo são fundamentais na construção da

autonomia do aluno, é sobre este procedimento cognitivo que se está chamando a

atenção, e não somente sobre uma autonomia para o mover, com fim no próprio

movimento. Este movimento dá subsídios, monta a “base de dados” da

criança/indivíduo, para que a subjetividade (e o que o domínio do movimento

autônomo significa para si) aconteça.

50 muda-se o foco de um objeto para o outro no espaço, ignorando outros que estão entre esses dois

focos, ou seja, não se percebe os outros objetos, somente o ponto final e inicial focado

51 Segundo Lakoff & Johnson (1999) em Philosophy in the flesh: the embodied mind and it´s challenge to western thought, Cognição Inconsciente é uma expressão que designa que, diferenciando-se do que a filosofia tradicional costuma chamar de cognitivo (somente aquilo que pode ser verificado na consciência), a cognição já acontece no nível da inconsciência, ou seja, as informações e estruturas formadas no nível da consciência só podem ocorrer a partir da inconsciência (aquilo que não damos conta de ter domínio consciente no momento da ação ou conceituação). Por exemplo, quando discursamos, temos que retomar fonemas, estruturas gramaticais, concordâncias, gestos, semânticas, seleção de palavras e termos, construir imagens, antecipar quais rumos a conversa irá tomar, planejar o que se irá responder, etc. para efetivar o discurso. Porém, todas essas ações ocorrem no nível da inconsciência, e são imprescindíveis para que a ação discursiva ocorra com sucesso. Apontam também que esse nível de cognição tem o corpo como elemento fulcral.

99

The body is crucial at this level, because all of our cognitive mechanisms and structures are grounded in patterns of bodily experience and activity, such as our spatial and temporal orientations, the patterns of our bodily movements, and the ways we manipulate objects. Mental images, image schemas, metaphors, metonymies, concepts, and inference patterns are all tied, directly or indirectly, to these bodily structures of our sensorimotor activities. (JOHNSON, 1987, p.82)52

Essas experiências de espaço e tempo subsidiam as subjetividades no

momento em que tais experiências passam a ter um significado para o indivíduo

experiente, ou seja, a experimentação do movimento significa, transpõe, solidifica o

conceito abstrato. E isso ocorre no nível da inconsciência, pois é a cada experiência

sensoriomotora de atingir a longitude ou a altitude ou em determinada velocidade

que o valor alcançado na tarefa é interpretado, sentido e significado.

Quanto mais fontes de aprendizado pudermos oferecer aos nossos

alunos, mais eficiente será este processo. Além da experiência oral, leitura e escrita,

a expressividade do mover o corpo inteiro não pode ser negada, sendo todos os

circuitos do sentido do movimento aflorados, conectando sinapses outras que

enredarão outros circuitos não motivados nas experiências tradicionais. Apesar

dessas linguagens do dia-a-dia escolar não se desprenderem cognitivamente do

sentido do movimento pelas implicações metafóricas, as quais possuem nas

estruturas sensoriomotoras a base para significarem para nós, o movimento, quando

conscientemente estimulado, traz informações, como a movimentação ampla dos

membros, a coordenação rítmica e o formato dançante, para uma qualidade de

presença para os alunos que cultiva formas neuromusculares de pensamento

passíveis de outros gatilhos de significação e de contato com o organismo (aluno).

Estes diferem dos gatilhos tradicionais e, portanto, sugerem um efeito de

aprendizado, ao menos, distinto do que ocorre todos os dias nos ambientes

escolares, possibilitando caminhos para tentarmos acompanhar pedagogicamente

as mudanças cognitivas (entendamos corporais) em curso, para as quais as formas

tradicionais estão cada dia mais sufocantes.

52 O corpo é crucial neste nível porque todos os nossos mecanismos e estruturas cognitivos são fundamentados em padrões de experiência e atividade corporal, tais como nossas orientações espaciais e temporais, os padrões de nossos movimentos corporais e as maneiras como manipulamos os objetos. Imagens mentais, esquemas de imagens, metáforas, metonímias, conceitos e padrões de inferência estão todos ligados, direta ou indiretamente, a essas estruturas corporais de nossas atividades sensório-motoras. (JOHNSON, 1987, p.82)

100

Construir conhecimento considerando que a elaboração de conceitos

necessita de várias ações, até se formar uma ideia de algo, é colocar as sinapses

em movimento. É possibilitando experiências, diferentes enredamentos neuronais,

imaginando possibilidades, que os conceitos vão significando e ressignificando

(semiose) para nós e, desta forma, estabelecendo um eterno movimento sináptico

do organismo, durante toda a vida. A ação de mover, seja visível ou não aos olhos

de outro organismo, ocorre a todo momento, sem pedir licença, permissão ou

mesmo ser consciente. O movimento sináptico, ao acontecer, movimenta todo o

organismo, todo o arcabouço culturalbiologico que o mantém em constante

construção, inclusive, de sua expressividade, elemento chave para mantermos a

comunicação e a semiose nos processos educativos. A dança, neste lugar, como

ação do movimento complexa e imbricada na expressividade, indica uma proposta

de movimento rica em semioses e, consequentemente, em construção de

conhecimento, o que a coloca em uma posição privilegiada, pois viabiliza uma

experiência do movimento de coordenação motora e metafórica que, dificilmente,

outras experiências do movimento consciente oportunizam. Neste contexto, se

sugere, a seguir, experiências em dança capazes de compor outros caminhos para

processos educativos pelo movimento na escola.

101

CAPÍTULO 3: DANÇA E APRENDIZAGEM

Não se trata de um corpo que pratica uma atividade chamada pensamento (pensar sobre algo). Há que se entender que quando a dança acontece num corpo, o tipo de ação que a faz acontecer é da mesma natureza do tipo de ação que faz o pensamento aparecer. O pensamento que se pensa e o pensamento que se organiza motoramente como dança se ressoam. (KATZ, 2005, p. 39)

Até então, falamos de movimento do corpo como um sentido, e um

sentido primeiro, se considerarmos que as informações deste sentido estão

imbricadas nos demais, para que ocorram com efetividade. Neste capítulo, pretende-

se pensar na possibilidade da construção do conhecimento pelo movimento artístico

da dança.

3.1. QUE DANÇA É ESSA?

Os estudos neurocientíficos e artísticos têm se interessado em propor que

o corpo é um complexo não só de ossos e músculos conduzidos pela biomecânica,

mas também por uma cognição/inteligência sensóriomotora formada culturalmente.

Vale destacar a tese de Edna Sílmor (2018), que faz um breve retrospecto sobre a

Dança como área de conhecimento no mundo e aqui, no Brasil, citando Maxine

Sheets-Jonhstone (dançarina, coreógrafa e pesquisadora em filosofia da dança),

que aborda a formação do pensamento a partir de conceitos cinésio-táteis;

passando pelo neurocientista António Damásio (já citado na presente tese), assim

como Wayne McGregor (com projetos de BrainDance e Coreography and Cognition)

e William Forsythe (com seus estudos para descobrir novos acionamentos corporais

relacionando dança e ciência); até pesquisadoras brasileiras como Katz e Greiner

(com a Teoria Corpomídia). Acrescento a este bloco brasileiro Lenira Rengel (com o

conceito de corponectividade, apoiado nos estudos de Lakoff e Jonhson para

formular o procedimento metafórico nos processos educacionais em dança), Adriana

Machado (com a ideia de que o corpo opera por imagens e que é a partir dessas

imagens que a dança acontece) e Helena Katz (quando propõe que a dança é o

pensamento do corpo). Em todos esses estudos há uma preocupação em

102

compreender os estados do corpo e que rumos essa linguagem artística (dança)

estabelece em relação a outras áreas de conhecimento, as quais tanto subsidiam

como se alimentam deste fenômeno “dança”, pois a expressão ocorrida nela é de

uma qualidade particular sobre outras ocorrências do corpo. Não distante disso,

estão as 36 (trinta e seis)53 que têm o Ensino Superior em Dança no rol de seus

cursos, um reflexo do que vem ocorrendo no mundo inteiro no que diz respeito à

necessidade e quali/quantidade de características próprias da área a serem

estudadas.

Sendo a Dança a arte do movimento, juntam-se dois elementos (ou dois

campos de conhecimento) para a sua ocorrência, imprescindíveis para a construção

de conhecimento a partir dela: arte e movimento. Esta tese foca no movimento, sem,

no entanto, esquecer do movimento que se qualifica como artístico, como o

movimento de que é composta a dança. A partir do momento que o movimento é um

componente da dança, torna-se indispensável compreender como ele percebe as

coisas no mundo (vide capítulo 1) para, então, constituir linguagem.

De certo que o movimento comunica. Movimento este que, além dos

aspectos motores do corpo a ele relacionados (movimentos reflexos, rítmicos e

voluntários), também se adapta ao ambiente por seu caráter comunicativo, pois a

cada gesto ou reação, o corpo dialoga com o meio. A dança realiza esta

comunicação quando o movimento produz a natureza metafórica da linguagem.

Além do corpo compreender o mundo de forma metafórica (como visto na p. 30), ele

possui uma maneira, um jeito de organizar essas informações que, a depender da

intenção metafórica empregada, se constitui em comunicação em dança ou

linguagem da dança.

Neste momento, pretende-se trabalhar a Dança enquanto fenômeno de

construção de linguagem e investigar a sua relação com a percepção em ação

estudada por Noe (2004) e Berthoz (2000). Quando se improvisa em dança (Martins,

2010), passa-se por um curto momento de percepção, que logo culmina na ação.

Esse momento de “construção” da ação acontece no corpo, não só para resultar em

dança, mas também como um processo (se assim estimulado) de construir qualquer

53 Fonte: http://emec.mec.gov.br/, consulta em 22.04.2019.

103

conhecimento. Ou seja, o sentido do movimento com a dança pode ser estimulado

em qualquer aluno de forma consciente e, através dele, se tornar mais uma forma de

conhecer aquilo que se pretende ensinaraprender.

Corpo é cultura. Nele, a cultura não se inscreve depois do corpo existir,

uma vez que ela está neste corpo constituindo-o. Quando concebemos que natureza

e cultura vivem em semiose, entendemos que o corpo não está fora da cultura. A

dança é entendida como uma forma do corpo se pôr no mundo, diferente de outras

ações corporais. As informações da natureza e da cultura ali presentes, se

organizam motoramente como dança, de forma a apresentar, no seu modo de

existir, a coleção de informações que constitui esse corpo no momento em que

dança.

Não se trata apenas do pensamento e, muito menos, do entendimento

mais comum de pensamento como um raciocínio mental. Seguiremos com Katz,

para propor a dança como pensamento do corpo (2005): “O pensamento que se

pensa e o pensamento que se organiza motoramente como dança se ressoam”

(KATZ, 2005, p. 40)

Pensamento entendido como um geral, um hábito que determina a possibilidade da dança se tornar existente. Pensamento, portanto, exilado da tirania da exclusividade da mente humana e do reino verbal. Como o que está e se desenvolve em todo o mundo físico. Aceitar que o pensamento age em toda a natureza significa aceitar o evolucionismo. (KATZ, 2005, p. 52)

A autora ainda aponta que a dança tem ignição (inicia) num processo de

abdução. Abdução, em Peirce54, como o circuito neuronal que dispara ideias novas,

e que se diferencia dos outros dois estágios, o da indução e o da dedução.

Fenômeno que geralmente fica no nível do indescritível, para Peirce, apud Katz

(2005), a abdução seria uma forma de raciocínio, na qual os neurônios se organizam

de forma a servir de ignição para outros mais. Neste ambiente, surge o fenômeno

dança.

54 Charles Sanders Peirce dedicou seus estudos a definir semiótica (considerado o pai da Semiótica),

onde estuda sobre signo e seus componentes e estágios.

104

O fenômeno perceptivo se associa com o fenômeno dança no momento

em que, tendo o caráter do movimento, a dança já acontece na forma de percepção

em ação. Enquanto se toma consciência dos fenômenos perceptivos pelo

cérebrocorpo, a dança já acontece, e o movimento visível por outrem ocorre

simultaneamente.

O cerebrum se forma no desenvolvimento da percepção (neurônios sensoriais) e da ação (neurônios motores). A dança também se forma assim. Mas a sua conexão percepção/ação ocorre de um modo sui generis.

Dominantemente cinética. Nela, a ação condiciona a existência, uma vez que para ser dança, a dança precisa estar sendo feita. (KATZ, 2005, p. 87)

Assim como as amebas, os seres mais simples, o movimento foi o

primeiro processo de existência corporal, ou seja, a primeira característica de um

corpo vivo. “... o movimento pode ser decifrado como a matriz cinética do

pensamento do corpo” (KATZ, 2005, p. 128), tendo em vista que ele mesmo (o

movimento) é, desde nossa origem evolutiva, o próprio pensamento. Foi ele que

sempre sentiu e que escolheu para onde ir, o que comer, o que não fazer. Sempre

foi o movimento e somente através dele, que o corpo se estabeleceu enquanto tal. A

imprescindibilidade do movimento no corpo nos faz relacionar o pensamento com o

movimento de forma equivalente, em termos de plasticidade neuronal, ou seja (que o

circuito neuronal que faz o movimento acontecer é o mesmo que também faz o

pensamento ocorrer).

A dança que aqui se propõe é a que se equipara ao pensamento do

corpo, proposto por Katz (2005). Essa dança que surge da organização neuronal

natural de se conceber o pensamento. A dança do movimento que se faz dança

quando se organiza numa teia de percepções e ocorrências biológicas do corpo, em

sensibilidade e comunicação com o meio, tornando-o visível ou não.

105

3.2. DANÇA NA CONTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

3.2.1. Sentindo o texto no corpo: uma proposta de criação

Um ponto parágrafo, uma vírgula, um ponto seguido, reticências... de

repente: uma exclamação! Ah, será que podemos esquecer da interrogação? Os

textos escritos, sejam eles em livros, cartas ou uma mensagem em mídia digital, são

construções de ideias que dependem de uma ortografia, gramática e pontuação

adequadas para seu esclarecimento, sua boa compreensão. No caso dos

adolescentes em idade escolar, é recorrente que tenham dificuldade com a

compreensão/interpretação de texto, devido à falta de respiração na pontuação, no

momento da leitura, fato observado quando leem em voz alta. Percebe-se a falta de

entonação e a falta das devidas paradas, ao longo do texto, que fazem com que,

mesmo sabendo o significado e a concordância gramatical das palavras, o aluno não

tenha compreensão do conteúdo do texto lido. O mesmo texto, quando lido pelo

professor ou por alguém que o faça na pontuação correta, passa a ter clareza para o

aluno ouvinte.

Este fenômeno foi observado quando, nas aulas de Língua Portuguesa, o

professor demandava que os alunos lessem em grupo, em voz alta, um texto

projetado na lousa, ou que lessem individualmente, também em voz alta, um texto

do livro didático. Após a leitura, realizada na sua maior parte sem as pausas

necessárias de pontuação, tanto o aluno leitor como os ouvintes não haviam

compreendido um texto simples, de conteúdo de fácil acesso. O professor, em

seguida, refazia a leitura e, após isso, a turma conseguia debater sobre o assunto do

texto, agora tendo o esclarecimento do seu conteúdo. A questão chamou a

atenção de tal forma, que uma proposta de criação em dança foi pensada a partir da

sensibilização de tensões musculares que poderiam ser experenciadas de uma

forma diferente da verbal, ou seja, propondo movimentos visíveis osseosmusculares

(partindo do entendimento, claro, que os movimentos não se originam somente

nessas estruturas) que os fizessem experimentar tais pontuações nesta ignição,

diferente da visão das palavras no papel ou da oralização.

106

Qual a tensão muscular produzida por um ponto parágrafo? Que intenção

de movimento pode produzir um ponto seguido? A vírgula, por exemplo, é uma

pausa mais suave e, portanto, tem mais leveza que a intenção da fala e dos

músculos da fala? A interrogação ou a exclamação possuem mais energia e tônus,

por serem momentos do texto onde se expressa uma emoção mais forte e uma

pausa mais demorada entre as duas sentenças que separam?

Dispostos em círculo, lhes reapresentei os principais sinais de pontuação

utilizados em qualquer texto: a vírgula, pontos parágrafo e seguido, pontos de

exclamação e interrogação. A proposta era que eles sentassem nas suas cadeiras

com os cotovelos sobre as coxas e as mãos ficassem livres. À medida que eu falava

o nome de cada ponto, eles deveriam tensionar mais ou menos os músculos dos

braços e mãos, assim como os faciais, os quais poderiam expressar sentimentos

também.

Figura 16 – Tensões musculares e pontuação

Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora

Ponto Parágrafo.

Ponto seguido. Exclamação! Vírgula, interrogação? A cada palavra iam

expressando suas tensões e relaxamento nos seus corpos, mas cada uma a sua

maneira, o que fazia com que uma vírgula, por exemplo, não tivesse a mesma

107

reação em todos os corpos. As tensões, as quais se estendiam para movimentos

outros, expressivos, ganhavam visibilidade de movimento diferentes, distintos em

cada aluno, levando-os a diversos contextos metafóricos de expressividade. A

princípio, a intenção era de que experimentassem somente diferentes tensões e

pausas, porém a expressividade do corpo inteiro se mostrou inerente ao processo,

fazendo com que os alunos significassem a intenção de cada ponto e assim a

expressassem.

Em seguida, a leitura em voz alta: li o texto “Assunto: Nada” (ANEXO A)55

e, a cada pausa, os alunos iam fazendo suas interpretações, expressando-as

corporalmente, ainda sentados, concomitantemente à minha leitura. Eles não tinham

conhecimento de qual pontuação estava acontecendo durante a minha leitura, só

tinham como tarefa expressar o que cogitavam que era. Isso diversificou mais ainda

as ações desenvolvidas e, neste contexto, a leitura foi repetida mais três vezes,

suficientes para que eles pudessem refazer e ressignificar as pontuações e a própria

interpretação do texto.

Figura 17 – Leitura do texto

Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora

Após a experiência expressiva, sem oralização, foi pedido que alguns

alunos, escolhidos aleatoriamente, lessem o mesmo texto. Apresentaram a leitura de

forma clara, com alguns poucos problemas de pontuação, com fácil compreensão

pelos colegas ouvintes. Ao final da leitura, relataram que, com o exercício, puderam

55 Texto retirado livro “P.S. Beijei”, com o qual o professor de Língua Portuguesa estava trabalhando

na área de literatura, e tinha sucesso na aceitação pela turma, por ser um livro que dispunha de cartas trocadas entre duas adolescentes contando as suas primeiras experiências amorosas.

108

perceber o quanto é importante a respiração para fazer uma boa e correta

apreensão do texto através da leitura, feita com calma e pausadamente. No

momento do experimento, os alunos se apresentavam envolvidos, pois é um

exercício não convencional para eles, e que exige muita concentração e

disponibilidade para a sensibilidade.

Mais movimento... mais e mais!! Fomos em direção a um momento no

qual pudéssemos nos expressar com maior amplitude de movimento. Num próximo

encontro, foi proposto um aquecimento das articulações, e pudemos experimentar

ações do dia-a-dia (correr, andar, saltar, encolher, expandir, deitar, rolar,

espreguiçar, etc.), ainda sem fazer referência às intenções de dança. O exercício

das ações corporais ia se diluindo por entre os sinais de pontuação, os quais iam

sendo ditos aleatoriamente, durante a movimentação dos alunos, que os iam

expressando nas suas ações. Não diferente do encontro anterior, as expressões

eram diversas, brincando com o tempo e a tensão, de forma a construírem variados

contextos metafóricos.

Figura 18 – Ações corporais e pontuação

Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora

Mais um texto: “Assunto: Kisses”, do mesmo livro (ANEXO B). O texto foi

lido primeiramente por mim, em voz alta e, em seguida, os alunos se agruparam em

duplas, nas quais um fazia a leitura em voz alta para que o outro pudesse

acompanhar, se expressando com o corpo no ritmo da pontuação da leitura, que era

feita diversas vezes e, neste momento, o texto ia ganhando forma de dança nos

alunos que se propunham a se movimentar. As pausas das pontuações eram

109

sempre destacadas, amadurecendo a cada repetição. Ao final do encontro, cada

dupla se dispôs a apresentar sua produção no centro da roda, para que os colegas

pudessem apreciar. Tanto as falas como as ações corporais sofriam uma

retroalimentação de seus pares, como em semiose: a cada repetição, os corpos (que

dançam e que falam) conversavam e se ressignificavam uns para os outros nas

ações comunicativas.

Figura 19 – Leitura em dupla

Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora

A construção da linguagem, portanto, passa pelo procedimento metafórico

do corpo, operando sempre no trânsito do sensoriomotor e dos julgamentos

abstratos. Os movimentos, por sua vez, operam na mesma lógica, visto que a

linguagem verbal e não verbal são manifestações do corpo. O corpo, ele mesmo, é

expressão de si mesmo, conta como está naquele momento. Mas é preciso atenção

quando se fala em expressão porque ela não se refere a uma informação que estava

no pensamento e depois se “externa” no corpo (seja pela escrita, pela voz ou pelo

gesto). Esse entendimento não considera o corpo como uma cognição

coparticipativa com o ambiente, não considera que a expressividade se dá no

corpoambiente na forma de um acontecimento. No caso da “dança” executada pelos

alunos no último encontro aqui descrito, composta por respostas e perguntas entre

corpo e voz, não houve uma representação estática do que está sendo ouvido: como

110

os significados são metafóricos e transitórios, estão sempre em fase de experiência

e de devir, estabelecendo conexões e enredamentos sensoriomotores de

conhecimento, que ressignificam e se refazem a cada momento.

De acordo com Johnson, o modo como pensamos e agimos, o que experimentamos e o que fazemos em nosso cotidiano, tudo isso é sempre matéria metafórica. Como a comunicação se baseia no mesmo sistema conceitual que usamos para pensar e agir, a linguagem verbal se torna uma fonte importante de evidência do funcionamento do sistema. Importante, porém não única. (GREINER, 2005, p .131)

No encontro seguinte, a dança começa a se dar a ver quando os alunos

experimentam contar as próprias histórias. Dentro da temática da paquera e do

primeiro beijo proposta pelos textos do livro já trabalhado, começaram a relembrar

fatos marcantes de suas primeiras paqueras. Esses fatos, além de lembrados, foram

registrados de forma escrita para que pudessem atentar para a pontuação do texto -

ação que tiveram dificuldade de fazer corretamente. Após escrito, o exercício era o

de ler em voz alta para um colega (em dupla), de modo que a história fosse

compreendida pelo ouvinte. Enquanto liam, percebiam que a pontuação registrada

por escrito não correspondia às pausas feitas pela expressão da fala. A partir de tal

observação, foram fazendo as correções por si mesmos.

Corrigida a escrita, o exercício passava a ser o de experimentar falar a

sua história para o colega com mais naturalidade e envolvimento emotivo, sabendo,

obviamente, que a emoção de se contar uma história como essa, neste momento,

não é a mesma que quando a mesma aconteceu. No entanto, algumas memórias

eram retomadas e a atenção da pontuação faz com que eles se envolvam nas

entonações e, consequentemente, na expressividade.

111

Figura 20 – Registro das histórias e compartilhamento

Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora

Então, finalmente, a dança: ainda com as falas, os corpos ganham maior

expressividade no gesto, no movimento, numa proposta de apresentação cênica. Os

alunos contam suas histórias oralmente, um ao lado do outro, ao mesmo tempo,

para a frente, simulando um palco italiano56. À medida que vão contando suas

histórias, são convocados a deixar reverberar por todo o corpo as emoções trazidas

dessas narrativas, dando destaque aos momentos de pausas, respirações, inflexões,

os quais correspondem às pontuações. Neste momento, a composição em dança

começa a aparecer, pois ocorre um pensaragir em níveis metafóricos, que se

sobrepõem uns aos outros, do cognitivo inconsciente ao consciente artístico que,

após organizados em dança, em gestos artisticamente articulados, passam a

sobrepor níveis também de enredamento de conhecimento sobre, no caso, os

56 Estrutura de palco para apresentações cênicas artísticas onde o público tem visão da cena pro uma única frente, diferente de um teatro de arena, por exemplo, no qual o público se acomoda em volta do

palco e não somente em uma frente única.

112

significados de cada pontuação utilizada no texto, ressignificando e reforçando o teor

do próprio texto.

Os sentimentos possibilitam a atentar-se para aquilo que acontece no corpo propriamente dito, sendo assim fundamental para os processos de construção de conhecimento corporal. Portanto, experimentar uma prática corporal artística vai além de realizar movimentos no espaço-tempo. A prática corporal no contexto da arte depende do corpo-mente que associa, de modo consciente, sentimentos, emoções e cognição ao fazer músculo esquelético. (RIBEIRO, 2015, p.63. In: Arte e Cognição, 2015, Katz e Greiner (orgs.)57

Para compor a cena, foi acrescida uma dinâmica: além de expressarem o

texto com todo o corpo, no fundo do “palco”, aleatoriamente, cada aluno poderia

caminhar até a frente, no ritmo que achasse apropriado para a sua expressividade,

brincando com o volume das vozes à medida que caminhavam para frente ou para

trás. Na cena, cinco alunos falando seus textos ao mesmo tempo, e alternando suas

caminhadas, de forma que o público aprecia várias vozes, expressões e volumes ao

mesmo tempo, fazendo com que, a cada momento, uma história se destaque mais

em detrimento das outras. Não era possível ouvir todas as histórias na íntegra, mas,

para efeitos estéticos da cena, era possível perceber que algumas histórias eram

contadas, que eram histórias íntimas, ora tristes, ora felizes, tímidas ou rancorosas e

que, apesar de estarem sendo contadas juntas, ao mesmo tempo, eram histórias

muito solitárias. A mesma composição foi também experimentada sem voz, somente

com o movimento, momento em que a consciência do movimento é destacada, de

modo a experimentar uma memória cinética do texto, na qual imagens diferentes são

formadas e, portanto, construídas distintivamente da oralidade.

57 Para Damasio (2011) emoções e sentimentos têm essências distintas no organismo, são processos

distintos. As emoções têm a ver com os estados corporais instantâneos, instintivos, como medo,

raiva, alegria, nojo (emoções primárias), entusiasmo, bem e mal-estar, apreensão, desencorajamento,

etc. (emoções de fundo) e vergonha, culpa, ciúme, compaixão, inveja, etc. (emoções sociais) e

podem ser conscientes ou não conscientes. A partir do momento que são mapeadas pelo cérebro, o

processamento do mapeamento das alterações que a emoção provoca no organismo constitui o

sentimento. Este sentimento é uma imagem percebida pelo corpo, o qual já compreende

conscientemente a emoção sentida e decide expressá-la ou não, pois, no nível do sentimento, a

consciência já permite um controle social. No caso das emoções, é mais difícil controlar.

113

Figura 21 – ensaio e execução da cena

Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora

114

Mas, como se sabe, voz é corpo. A ênfase corporal e a entonação são, na

maioria das vezes, o que mais importa na palavra dita. A intenção da fala, ou seja,

sua entonação e a intenção de movimento, na maioria das vezes dizem mais do que

a própria palavra. O “como” você diz tem mais força do que “o que” você diz. Por

isso, vale enfatizar aqui a relação da voz e do corpo.

A metodologia proposta partiu do entendimento de que o objeto elencado

para estudo (a pontuação) levaria os alunos para a dança, em um exercício de

interdisciplinaridade com os conteúdos da disciplina Língua Portuguesa.

O corpo faz parte do processo de aprendizagem e deve ser considerado a

ele integrado. A afetividade, emoções, sentimentos não estão fora da compreensão,

pois instauram processos cognitivos, enredam circuitos nervosos e também

redirecionam tanto a atenção como significações. Ou seja, também ensinam!

Ensinam quando as memórias das histórias dos alunos são evocadas e contadas

por eles mesmos, quando reproduzem, quando escrevem, quando falam e quando

dançam. Espinoza (1632-1677) já dizia: “As afecções do corpo, positivas ou

negativas, interferem na potência de ação desse corpo” (GLEIZER, 2005, apud

RIBEIRO, 2015, p. 56) e, portanto,

Considerar que o modo como um corpo é afetado interfere na maneira como ele conduzirá sua ação reforça a continuidade corpo-mente-ambiente e a importância da experiência do sujeito no processo de construção de conhecimento (RIBEIRO, 2015, p. 56).

No momento das recordações, das memórias evocadas, emoções e

sentimentos são as primeiras manifestações, até porque darão o “tom”, ou seja,

selecionarão as memórias registradas nos escritos. A expressividade presente na

organização das respirações das pontuações reverbera na escrita, na oralidade, na

busca do gesto e na dança. Ao ouvir o colega contando sua história, a semiose

continua ocorrendo e, quando este organismo dança, está significando e

experienciando o conteúdo de outra forma, incluindo outras afetividades e, portanto,

outras aprendizagens. Ora, se a afetividade é um caminho de sensação, de

percepção e, portanto, cognitivo, consequentemente é também um caminho de

aprendizagem. Para Ribeiro (2015), os sentimentos, neste contexto da memória (os

115

quais desencadeiam estados corporais que provocam mais significados), estão

extremamente concatenados com a ideia de Cognição Corporificada, visto que a

cognição depende dos estados corporais e, portanto, o conhecimento está

diretamente atrelado ao entendimento corpo-mente-ambiente, nele corpado.

Isso posto, consideramos que ao dançar podemos acessar sentimentos do corpo, sendo tanto os sentimentos corporais específicos provenientes dos mapas proprioceptivos quanto sentimentos de emoções que podem acometer o corpo no momento da dança. Desse modo, a dança promove sentimentos e pensamentos que constituirão o conhecimento construído por meio dessa prática artística. (RIBEIRO, 2015, p.64)

Quando se dança, é possível experimentar o movimento envolvido em

muitos significados, a partir de uma rede cognitiva (desde a sua constituição

biológica, passando pelas emoções, memórias, até alcançar a expressividade desse

corpo) completamente imbricada na experiência do ensinoaprendizagem. As redes

de significação que provêm do movimento de dança se enredam em uma espécie de

tecido cognitivo corporal, nos quais as informações sentidas e vividas eclodem em

uma emergência de ideias que só podem ter valor e significar para o indivíduo na

maneira que ele é, que ele vive e que constrói memória. A cada repetição, a cada

novo gesto, a cada dança, o indivíduo se refaz, se ressignifica, aprende. Aprende

não só a dançar, mas tudo ao que a experiência do movimento (artístico ou não)

está atrelada.

116

OU SEJA...

Conhecer conta com o perceber e a percepção é ativa no ato cognitivo,

expondo nele a importância do movimento, aqui proposto como sendo o primeiro dos

seis sentidos do corpo. Ao perceber, o corpo escolhe como e o que quer perceber a

partir de sua estrutura culturalbiológica. Desta forma, conhece, aprende! Estruturas

sensóriomotoras do movimento participam do ato cognitivo, realizando escolhas e

‘corpando’ informações. Experenciar o movimento é trazer à consciência este

sentido perceptivo, assim como exercitar tais estruturas sensóriomotoras, aguçando,

consequentemente, os demais sentidos, os quais demandam, para a sua ocorrência,

de sensores do movimento.

O sentido do movimento não acontece somente no momento visível do

exercício do movimento, como evidenciou a pesquisa de campo, mas ocorre sempre

concomitante com qualquer outro sentido em ação. Se trabalho um texto depois de

ter experimentado o mesmo conceito na forma de movimento de dança, não é

provável que tenha um aprendizado mais efetivo? Quanto mais sentidos provoco,

quanto mais sinapses diferentes realizo, quanto mais crio imagens, mais

probabilidades de alcançar efetividade no ensinoaprendizagem de um número maior

de alunos ou de possibilitá-los a apreenderem melhor.

Tendo mais experiências como as que aqui apresentamos, é possível

pensar numa educação mais sensível, mais democrática, menos dualista e mais

capaz de promover a aprendizagem de alunos carentes de atenção (tanto no

exercício individual como da atenção do sistema de ensino), de motivação e de

alternativas para aprender. O que poderia ser uma educação voltada ao exercício da

inteligência, sem a prática do movimento acaba sendo uma educação reducionista,

tecnicista, conteudista, que muito pouco auxilia na formação de um indivíduo capaz

de lidar com seus anseios no mundo ou em fazer escolhas de acordo com seu

arcabouço culturalbiológico.

Depois de compreender a cognição como um sistema não dualista, o

exercício do sentido do movimento se faz urgente e imprescindível. A compreensão

de corpo e das metodologias da modernidade não cabem mais neste momento, no

117

qual a lógica digital reina, produzindo novos hábitos cognitivos, que transformam o

corpo e os ambientes. E é esse outro corpo que agora circula em sociedade que

também está na escola, seja como aluno, professor, coordenador, diretor ou como

funcionário administrativo. Nesse ambiente, as trocas ecoam as recentes mudanças

e demandas do corpo, tornando evidente a importância do movimento nos

processos educacionais. Quando as consequências dessa falta se tornarem uma

evidência para muitos, o objetivo desta tese estará mais próximo da sua realização.

118

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123

ANEXO A – Texto “Assunto: Nada” (Livro: PS Beijei)

124

ANEXO B – Texto “Assunto: Kisses” (Livro: PS Beijei)