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http://salaconvivio.com.sapo.pt Doutrinas e Teorias Políticas Apontamentos de: Clara Palma e Elisabete Barroso Email: [email protected] Data: 2001/02 A Sala de Convívio da Universidade Aberta é um site de apoio aos estudantes da Universidade Aberta, criado por um aluno e enriquecido por muitos. Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor , para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode, de forma alguma, ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes neste documento. Este documento não pretende substituir de forma alguma o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possivel imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuido fora do site da Sala de Convívio da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

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Apontamentos de: Clara Palma e Elisabete BarrosoEmail: [email protected]: 2001/02

A Sala de Convívio da Universidade Aberta é um site de apoio aos estudantes daUniversidade Aberta, criado por um aluno e enriquecido por muitos. Este documento éum texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor , para que possa auxiliarao estudo dos colegas. O autor não pode, de forma alguma, ser responsabilizado poreventuais erros ou lacunas existentes neste documento. Este documento não pretendesubstituir de forma alguma o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão.

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1. Fundamentos da Ciência Política Objecto da Ciência Polít ica - Pressupostos da Ciência Polí t ica Objecto da Ciência Política: os termos mais utilizados quando se estudam fenómenos políticos são: Estado, Governo, Poder, Autoridade, Conflito e de um modo menos frequente: Partido, Lei, Eleição, Justiça e Consti-tuição. Estes vocábulos constituem o núcleo central. Adriano Moreira propõe uma abordagem em dois senti-dos: analisar o ambiente da ciência política (problemas que explicita ou implicitamente, constituem um quadro geral de refererência dos vários temas que se autonomizaram como objecto privativo desta ciência), os componentes deste ambiente são os pressupostos da ciência política e deles deriva a necessidade de criar uma disciplina autónoma; efec-tuar uma análise comparativa de processos utilizados para definir o seu objecto de estudo. O método da enumeração dos temas é considerado o mais capaz de autonomizar a ciência política. As Múltiplas Dependências e Fidelidades - Pressupostos da Ciência Polí t ica A ciência política, à semelhança das restantes ciências sociais e humanas, reconhece a sociabilidade intrínse-ca (pressuposto aristotélico). O que é inevitável é que o homem viva em sociedade, com os outros, e fá-lo também porque encontra nisso interesse, ou seja, uma relação de um homem com uma coisa ou outro ho-mem, relação lhe permite satisfazer uma necessidade. A resposta à posição do homem na natureza implica a consideração do Estado e de Deus como alternativas mais comuns à admissão de algo superior ao homem. As fidelidades a que o homem está sujeito são muitas vezes múltiplas, contraditórias e conflituais. O Totali tarismo e Personalismo Laicos - Pressupostos da Ciência Polí t ica Debate entre totalitarismo e personalismo laicos constitui mais um dos pressupostos fundamentais da Ciência Política. Remonta a Aristóteles a concepção orgânica do Estado, considerando o homem parte integrante do Estado e este como supremo em relação ao homem. Esta soberanização e divinização do Estado continuou com Hobbes, Rousseau e consagrou-se filosoficamente com Hegel. Foi retomada por Marx e Engels e inspi-rou o totalitarismo moderno, soviético e fascista. Ainda no contexto do Estado laico há que distinguir perso-nalismo (carácter imanente e instrumental do Estado, sendo este obra do homem e um meio ao seu serviço) e transpersonalismo (a dependência do homem em relação ao Estado, do qual faz parte e o qual deve servir). Deve também estudar-se a relação entre Sociedade, Estado e Aparelho do Poder. Se é verdade que origina-riamente os pensadores viram o Estado como um conceito e realidade aglutinadores e totalizantes, é também verdade que os acontecimentos históricos influenciaram a análise a ponto do Estado passar a ser visto muitas vezes como imposto do exterior por motivos políticos e militares, o que redimensinou o conceito de socieda-de civil, tornando-o mais lato e abrangente que o Estado, e integrando comunidades familiares, profissionais, económicas, culturais. A distinção entre Estado e Governo ou aparelho governativo não foi assinalada de forma nítida nos autores clássicos do pensamento político; habitualmente o Governo é considerado um órgão, uma estrutura do poder que faz parte do Estado. Dentro das sociedades podemos encontrar ainda aquilo que Weber chama de sociedades párias (comunidades alienadas do poder, dependentes) e estratos sociais párias (não participantes no poder político, carentes e desprotegidos). A relação entre a sociedade civil e o aparelho governativo levanta o problema do conflito entre as fidelidades verticais (decorrentes de uma concepção orgânica do Estado) e as fidelidades horizontais (que se insurgem contra os aparelhos do Poder estranhos ou ofensivos à comunidade e/ou a certos estratos sociais, de que são exemplos o anticolonialismo moderno e a luta soviética contra o capitalismo. Adriano Moreira conclui que em todos estes casos da experiência corrente, o aparelho do Poder autonomizou-se como objecto de estudo, e tende agora a não coincidir sequer com o aparelho governativo do Estado secular, desa-fiado por outros aparelhos do Poder. Por isso, as diversas solidariedades horizontais inscritas nacional ou internacionalmente, favorecem o surgimento de aparelhos do Poder erráticos, que enfrentam e lutam contra os aparelhos do Poder instituídos mas que não almejam dominar o Estado. Origem do Estado, Poder Polí t ico e Governo - Pressupostos da Ciência Polí t ica Duas posições laicas extremas se perfilham: uma que afirma a dispensabilidade do Estado, visto que ele não corresponde a nenhuma necessidade humana fundamental (posição típica do pensamento arquista) e outra que apro-va a condição insubstituível do Estado, visto que ele decorre dos instintos humanos, e tem como adepto o totalitarismo que, entretanto, abandonou a elementaridade da explicação instintiva e passou a considerar a necessidade do Estado e da organização política como uma expressão de uma racional organização de meios para obter certos fins. Na lógica desta posição, a definição de novos objectivos do homem, que excedam a capacidade do Estado como o conhecemos, ou a renúncia às finalidades que o mesmo Estado serve, devem

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implicar uma nova definição da comunidade política. É o que se discute hoje quando se pensa ou concebe o Estado Universal, o Governo Mundial, as autoridades e organizações supranacionais, a cidade planetária, etc. mas que já foram preocupações tidas, noutros moldes por Marco Aurélio e Dante Alighieri. Autonomia do Aparelho do Poder - Pressupostos da Ciência Polí t ica A progressiva complexidade dos Estados e dos Governos foi acompanhada de uma abordagem científica discriminada, autonomizando o aparelho governativo como objecto de análise. Foi reconhecida a especifici-dade dos problemas que dizem respeito ao aparelho do Poder, aos que exercem o poder, aos órgãos que cons-tituem esse aparelhos, às suas funções, etc. e uma das questões básicas é a distinção entre autoridade e poder. Autoridade - obediência e consentimento, decorrente do reconhecimento da legitimidade de quem manda; Poder – capacidade de quem governa obrigar ou forçar à obediência pela coacção, independentemente do reconhecimento da legitimidade dos titulares desse poder e da legitimidade do exercício desse poder. A esta problemática não é estranha a temática da soberania, que originariamente foi entendida como uma reunião entre autoridade e poder. O conceito de soberania, de origem medieval e feudal, relacionava-se com a situação de supremacia do senhor feudal sobre os que dele dependiam, situação essa que não era apenas suportada no poder coercitivo mas também na legitimidade de um poder consagrado pelas leis, tradições e costumes. O conceito de soberania foi ganhando diferentes sentidos à medida que o soberano passou a signi-ficar cada vez mais o Príncipe ou o Estado, ou mais latamente ainda, a comunidade política (Rousseau). É o fenómeno do Poder, sempre conquistado e exercido por uma minoria, que verdadeiramente interessa à Ciência Política. Por isso mesmo muitas das análises politológicas recaem sobre os desvios ao Poder, o Poder corrompido e manipulado, as perversões nas relações entre os diversos tipos de Poder, etc. Os Temas da Cidadania - Pressupostos da Ciência Polí t ica Relacionado com o exercício do Poder está obviamente o destinatário desse Poder, a natureza da coacção exercida e a condição do destinatário que se sujeita ou submete ao Poder ou que dele é titular. Dois termos dão conta das sínteses relacionais que se podem estabelecer com o Poder: camarada - decorre das solidarie-dades horizontais, de uma diferente relação entre o homem e o Estado e da crise e renovação radical do Esta-do e; cidadão – resultado histórico das solidariedades verticais que estruturaram as formas clássicas do Esta-do e a sua modernização. Desde os primeiros pensadores políticos gregos que o conceito de cidadania é tema de reflexão e também uma realidade política que distinguia a vida política grega da de outros Estados e comunidade políticas, signi-ficando desde logo uma restrição ao uso do Poder, de modo a que ele não se tornasse arbitrário, irracional e indiscriminado, e também a capacidade reconhecida ao destinatário do Poder de contribuir e participar no exercício ou configuração do aparelho do Poder. A cidadania é ideologicamente enquadrada pela doutrina dos Direitos do Homem. Representa historicamente uma condição que significa uma determinada posição, ou conjunto de posições, na relação entre os diversos membros da comunidade e entre aqueles e a própria co-munidade. Daí as distinções entre naturais e estrangeiros e entre os primeiros a distinção entre homens livres e escravos ou entre escravo, súbdito e cidadão. Kant (contratualista moderno) foi quem melhor definiu o conceito operacional de cidadania, enquadrando-o juridicamente e especificando-o de acordo com três qua-litativos: liberdade constitucional - direito de apenas obedecer às leis consentidas; igualdade civil – direito de não reconhecer qualquer outro como superior; independência política – direito de pertencer à comunidade política sem dependência da vontade arbitrária de outro. As constituições de tipo liberal distinguiam cidadãos activos e cidadãos passivos, estabelecendo uma desi-gualdade estatutária no acesso à participação no Poder em função de um critério de independência económi-ca, ao qual Kant acrescentou a generalidade dos empregados por conta alheia, os menores e as mulheres. Devemos frisar que esta concepção de cidadão passivo se diferencia qualitativamente da de súbdito, pelo facto daquele num contexto de sociedade aberta poder ascender de uma condição passiva à condição de cida-dania activa. Stuart Mill identifica dois movimentos revolucionários que mobilizam em direcções diferentes o conceito de cidadania. Um deles tem por modelo a Magna Carta, abrange uma parcela da população e estabelece como objectivo o reconhecimento de liberdades ou direitos. Ou outro toma como referência a Declaração de Inde-pendência e a Constituição dos Estados Unidos, que ganhou forma jurídica no constitucionalismo liberal e visou institucionalizar o consentimento dos cidadãos para os mais importantes actos governativos, ou pela intervenção directa do eleitorado, ou por intervenção dos seus representantes. Tratou-se de um passo impor-tante para a configuração ideológica da sociedade aberta, bem como para as conquistas civilizacionais do

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sufrágio universal, desparecimento da distinção entre cidadãos activos e passivos, igualdade entre sexos, abaixamento da idade de voto. Stuart Mill aprova então um aparelho governativo detido pelos homens livres (democracia) onde todos participariam à excepção dos menores e incapazes, e não já só apenas os ricos (oli-garquia). Contrariamente a estas orientações o marxismo propôs revolucionar a vida privada e pública de modo mais estruturado e sistemático, restringindo os direitos políticos e cívicos, e por isso preferindo o con-ceito de camarada ao de cidadão. Ciência e Polí t ica – As Matrizes Teóricas Os problemas atrás enunciados e discutidos suscitaram respostas organizadas em diferentes famílias de pen-samento, identificadas por uma ou por um conjunto de atitudes fundamentais. Essas famílias de pensamento dão o objecto de estudo à história das ideias políticas que recorre ao método comum de estudar autores indi-viduais (Platão, Aristóteles, S. Tomás de Aquino, etc.) agrupando-os depois segundo afinidades teóricas sob a designação de escolas ou correntes de pensamento. Sempre que as ideias políticas ganham expressão e peso social, servindo como instrumento da discussão e acção políticas, ganham o sentido de ideologias (socialis-mo, anarquismo, fascismo). O que importa assinalar é a existência de matrizes teóricas que orientam a inves-tigação, não conduzindo necessariamente a propostas ideológicas. Um dos autores que demarcou o princípio da cientificidade e as fronteiras entre as diversas ciências foi Auguste Comte, esgotando a ciência no conhe-cimento dos factos obtidos e comprovados empiricamente, tese que ganhou o nome de positivismo e que foi mais tarde secundada por Freud. Auguste Comte criou uma nova ciência, a sociologia, a qual tinha por prin-cipal objectivo descobrir leis e regularidades que regem o funcionamento do mundo social, sendo a mais conhecida a lei dos três estados (capacidade humana de organizar o conhecimento científico do mundo e da vida: 1º. o espírito explica os fenómenos atribuindo-os à intervenção de seres ou forças comparávais ao pró-prio homem; 2º. explica metafisicamente os fenómenos invocando entidades abstractas como a natureza; 3º. procura determinar cientificamente as leis que comandam os factos). Este determinismo global reduz a liber-dade humana à possibilidade de acelerar ou retardar o curso inevitável da história e das sociedades humanas. Hans Morgenthau contribuiu para este debate afirmando que as ciências sociais podem, quando muito de-sempenhar a sua habitual função, isto é, apresentar uma série de possibilidades hipotéticas, cada uma das quais podem ocorrer sob certas circunstâncias. Para certos autores (Espinosa, Hume, Freud) o determinismo histórico que caracterizava as ciências sociais constituía um aspecto de uma concepção global da causalidade que explica todos os fenómenos, sejam eles humanos e sociais ou não. Neste sentido se pode incluir também a perspectiva do materialismo dialéctico e histórico de Karl Marx. Para a maioria dos cientistas políticos a liberdade de acção do homem não é totalmente incondicionada nem absolutamente negada, as escolhas e as decisões humanas acontecem não sem relação a um conjunto de constrangimentos sociais, geográficos, eco-nómicos, mentais, políticos, culturais, etc. No contexto das ciências sociais a liberdade do homem não deve ser concebida à margem dessa rede de condicionantes, o que leva a pensar a liberdade como um conceito social, remetido aos costumes, leis, tradições, padrões culturais, e claro está aos valores próprios de determi-nada comunidade, povo, país. O problema dos valores e a sua importância individual e social conduziu ao estabelecimento de fronteiras entre as chamadas ciências da natureza e as ciências da cultura. O mundo perceptível pelos sentidos revela-se em parte susceptível de ser racionalizado segundo leis de regularidade causal, assente na experimentação e permitem antecipar os efeitos a partir das causa. Mas outra parte do mundo que apreendemos não é susceptí-vel de ser racionalizada por essas leis e obriga ao estudo individualizado, mais qualitativo do que quantitati-vo. O método das ciências da cultura é o da compreensão. Max Weber reafirmou mais tarde o carácter histó-rico e relativo dos valores, dependendo dos conflitos e confrontos de interesses e aspirações entre indivíduos e grupos no seio de cada comunidade e sociedade, em determinado momento histórico. Relativamente a estes conflitos há que estabelecer a diferença entre moral de responsabilidade (os fins justificam os meios – a salvação da comunidade obriga ao sacrifício de valores subjectivos ou individuais) e moral de convicção (não subordina nenhuns valores essenciais à salvação da comunidade, mesmo que isso acarrete como consequência a perdição da cidade.) A natureza das matrizes teóricas de investigação diverge também de acordo com as posições básicas já assi-naladas: por um lado o determinismo histórico, por outro a liberdade individual. Isso não impede que diferen-tes matrizes estudem os mesmos problemas, usem instrumentos conceptuais e analíticos comuns. O que per-mite identificar o carácter de uma matriz teórica é a posição em relação ao problema: que tipo de variáveis são dominantes no processo histórico e social?

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A Matriz Marxista – As Matrizes Teóricas Tendo como fonte teórica a visão hegeliana da História, reconhece o determinismo histórico no processo social, não dando autonomia aos fenómenos políticos nem, naturalmente, à disciplina que os estuda, a ciência política. Para Hegel, a História resulta da união entre necessidade e liberdade, de acordo com um processo dialéctico em que o Espírito evolui segundo a necessidade e a liberdade se reduz à consciente vontade do homem, não significando a capacidade de alterar o curso da História. Tolstoi desconsidera o papel e a impor-tância dos grandes homens na alteração do processo histórico, subordinado a uma necessária evolução dialéc-tica. A proposta marxista encontra-se expressa na obra Manifesto do Partido Comunista e Para a Crítica da Economia Política. No prólogo, Marx apresenta uma síntese do materialismo histórico. O texto traduz em grande parte a interpretação económica da História e a própria essência da doutrina marxista; revela uma posição cuja novidade se capta melhor confrontando-a com as respostas dadas aos mesmos problemas por Bossuet, Comte e Hegel. Todos eles consideram o género humano, e não o homem individual, como objecto de análise; todos identificam uma resultante que marca cada época histórica e que não pode atribuir-se à de-cisão de ninguém, de nenhum indivíduo. No caso de Marx essa resultante é explicada pela contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, as relações jurídicas de propriedade e a distribuição dos rendimentos entre os indivíduos e grupos da colectividade. Implicações do pressuposto marxista: o movimen-to da História apreende-se pelo exame das estruturas da sociedade, das forças de produção, e das relações que se estabelecem entre os homens; em qualquer sociedade se distinguem a infra-estrutura económica e a supe-restrutura normativa, valorativa, ideológica; em momentos determinados, as forças de produção entram em conflito com as relações de produção; quando surge o conflito, os homens que estão ligados aos benefícios das relações de produção entram em luta com aqueles que pretendem transformar essas relações em função do desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas – princípio da luta de classes; as revoluções que resol-vem essa contradição das classes – capitalista e proletária – são acontecimentos necessários sempre que o ponto de ruptura se dá, quando a sociedade tem já os meios de resolver os problemas que a evolução lhe coloca e não antes; a consciência dos homens não determina o processo social, é o processo social que determina a consciência dos homens, a resolução das contradições não se dá no espírito, dá-se na realidade social; a história do género humano permitia nessa data distinguir quatro modelos económicos: antigo, feu-dal, burguês e asiático. Da análise dos referidos modelos económicos resultava que: o regime político (parte da superestrutura) é reflexo da luta de classes; as classes são definidas pelo sistema de produção; o sistema de produção depende essencialmente da evolução das técnicas; o fenómeno político é uma consequência das relações de produção. Daqui se confirma o modo de produção antigo é caracterizado pela escravatura; o feudal pela servidão; e o burguês pelo salariado. Modelos conduzidos à extinção por motivo da evolução técnica. Seria também o caso do modelo capitalista, contemporâneo de Marx, que como consequência do progresso técnico e industrial gerador de contradições internas, levaria à supressão da propriedade privada dos meios de produção e à sua substituição pelo modo de produção socialista, com um Estado socialista, o fim da luta de classes e, mais tarde a extinção do Estado. Na obra O Capital, Marx desenvolve as teses expostas no Manifesto, mas seria Lenine a formular o conceito operacional de classe. As classes sociais são, grandes agrupamentos humanos que se diferenciam pela sua posição num sistema histórico determinado de produção social, pelas suas relações com os meios de produ-ção, pela sua função na maneira de receber a sua parte da riqueza social, assim como pela proporção dessa parte recebida. O modelo capitalista simplificou a diversidade dos antagonismos de classe, reduzindo-a a duas: a burguesia e o proletariado. O lucro constitui o motor do modelo capitalista e Marx demonstra no terceiro volume de O Capital, a inevitável falência desse modelo a partir da lei da baixa tendencial da taxa de juro. A matriz marxista suscitou diversas interpretações entre as quais a que reconhece que a análise marxista tem elementos valorativos e não factuais e aceitam, como Mehring, a metodologia marxista mas recusam a sua doutrinação revolucionária. Lenine, por sua vez, sustenta que o homem recebe da realidade social e do pro-cesso histórico simultaneamente os conceitos da sua interpretação e os quadros do pensamento. Crítica: a abordagem marxista omite a análise de um dos modelos de produção considerados, o modelo asiá-tico de produção, caracterizado pela subordinação de todos ao Estado, sem exploração e sem proprietários privados e onde faltariam por consequência os pressupostos da luta de classes.

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A Matriz Liberal – As Matrizes Teóricas Decorre do apogeu do capitalismo moderno, tem ainda hoje grande aceitação pela comunidade de cientistas e políticos, sobretudo europeus e americanos. A concepção marcadamente individualista da ciência política americana conduziu os investigadores a investirem na aquisição minuciosa do comportamento dos indivíduos no seu meio, de acordo com contextos e circunstâncias específicas. O liberalismo americano, de feição reformista, atende aos factos, aceita a orientação kantiana da distinção entre os factos e os valores; idelologi-camente filiam-se nos federalistas, como Madison, que foram os pais da Constituição dos EUA; operacio-nalmente aceitam o pragmatismo de William James como critério de verdade; metodológica são tributários de Max Weber. As matrizes metodológicas liberais assentam na doutrina liberal, que teve duas fontes principais: liberalismo inglês de Locke e o liberalismo francês de Montesquieu. Locke afirma que todo o conhecimento advém da experiência, recusa a existência de ideias inatas, sustenta que a conservação da sociedade e dos indivíduos é um simples facto e que os indivíduos obedecem às leis e constroem uma moralidade social imanente por interesse. É no interesse e na comodidade dos homens que se funda a propriedade, sendo o motor da vida social o indivíduo que juntamente com outros homens livres, deu origem à sociedade política com base no consentimento e com fé na representação. Montesquieu tem maior importância científica e empreendeu a tarefa de racionalizar os diversos usos, costumes, práticas, instituições e governos existentes ao longo da história, na considerada primeira obra de Sociologia Política. Nesta obra define as 3 conhecidas formas de governo: República, Monarquia e Despotismo. Na República o poder pertence ao povo ou a uma parte do povo e regula-se pelo valor da virtude; na Monarquia o poder pertence a um só que se orienta pelo valor da honra segundo leis estabelecidas; no Despotismo o poder pertence a um que se orienta pelo seu arbítrio, im-pondo o terror, o que corresponde à forma valorativa dos regimes degenerados dos clássicos. Montesquieu estabeleceu a relação entre as formas de governo e os tipos de sociedade a partir da dimensão do território. Assim, à República convém uma pequena extensão; à Monarquia um território médio e o Impé-rio exige uma extensão vasta pois implica uma autoridade que tende para o Despotismo. A República funda-se na igualdade virtuosa dos cidadãos, a Monarquia na desigualdade hierárquica e o regime Despótico na igualdade da sujeição. Em relação à resultante social o pensamento liberal não adiantou justificações metafí-sicas ou científicas, adoptando um optimismo sentimental e uma concepção de mercado que o torna como racional e justo. Esta matriz teórica orientou a investigação de Max Weber, que representou a única resposta sistemática e alternativa no domínio científico ao Marxismo. Efectuou estudos sobre a relação entre protestantismo e capitalismo. Através da análise estatística e apuramento e averiguação dos factos, Weber concluiu que a orientação religiosa dos indivíduos tinha uma influência decisiva na sua conduta, e reconheceu existir uma coincidência entre o espírito do capitalismo das sociedades do seu tempo e o espírito protestante, sobretudo o calvinista: ambos procuram o lucro não para o consumir mas para o reinvestir, sendo que o preceito religio-so antecedeu a concepção económica. O propósito de Weber não foi tanto de encontrar um nexo ou relação de causalidade, mas o de compreender o sentido da acção e comportamento dos homens e grupos em função de uma crença e em função de valores. Contrariando a perspectiva marxista, seriam os imperativos religiosos a comandar o desenvolvimento económico e não o contrário. Conclui que as ciências sociais e humanas têm por objecto de estudo a acção dos homens. Para Weber a compreensão da causalidade histórica de um acontecimento concreto conduz à construção de modelos irreais até suspender o processo real, não existindo outra verdade objectiva para lá da probabilida-de. Em relação à causalidade sociológica, ao contrário de Marx, para o qual existe uma relação causal neces-sária entre o sistema económico e o sistema político, Weber reconhece a probabilidade dessa correspondên-cia, sem anular uma margem de indeterminação que faz com que sistemas económicos iguais não corres-pondam a regimes políticos coincidentes. A metodologia de Weber define-se por 4 tipos de acção: (1) racional relativamente a um fim (conceber clara-mente o fim e congregar os meios para o alcançar); (2) racional relativamente a um valor (intrínseca, referindo-se a manter a fidelidade a valores); (3) afectiva ou emocional (reacção emocional perante circunstâncias reflectindo-se nos valores da perso-nalidade de cada indivíduo); (4) tradicional (hábitos, costumes e crenças). Esta tipologia representa um elevado esforço de abstracção e liga-se a uma filosofia de valores de raiz kantiana, enriquecida pela escola neo-kantiana alemã, para a qual a hierarquia dos valores não pode ser demonstrada racionalmente (os valores são uma escolha individual insubstituível). A partir da definição da sociologia como ciência da acção social, Weber formula os seguintes conceitos: ac-ção social – comportamento humano de acção ou omissão, ao qual o agente dá um sentido que o liga ao comportamento de outras pessoas; relação social – desde que haja mais que um agente conduzindo-se reci- 5

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procamente com tal sentido; comunidades – grupos aos quais os elementos sentem pertencer por uma aceita-ção de valores afectivos e tradicionais; sociedades – assentes apenas na partilha de interesses. Estes grupos crescem em complexidade até chegarem à forma em que se caracterizam por possuírem um território, dura-ção no tempo e a presença de uma instância que detém um monopólio ou a supremacia do poder de constran-ger que é o Estado. Este poder supremo de dominar, corresponde a um de três tipos: racional (quando a obe-diência se baseia no reconhecimento da legitimidade do poder), carismático (quando a obediência se baseia no reconhecimento do carisma ou dom do chefe) e tradicional (é próprio das sociedades sem escrita e subsiste nas monarquias hereditárias modernas). O pensamento político de Weber extende-se à interpretação do sentido das sociedades contemporâneas, concluindo que se dirigem para um tipo de organização cada vez mais racional e burocrática, o que o levou a valorizar a preservação dos Direitos do Homem, como a possibilidade de viver humanamente num espaço social dominado pela burocratização. A Matriz Institucionalista – As Matrizes Teóricas Afasta-se radicalmente da perspectiva marxista e aproxima-se, do ponto de vista metodológico, da matriz liberal. O seu primeiro pressuposto é o da liberdade das acções humanas e encontra-se exposto na suma teológica de S. Tomás de Aquino. O institucionalismo está ligado a uma filosofia de valores que abandonou a sua dimensão teológica quando se operacionalizou no domínio da CP, e que não coincide na sua essência e conteúdo com o quadro de valores aprovado pela doutrina liberal. Pelo contrário, a matriz institucionalista responsabiliza a escala de valores liberais pelos vícios sociais que decorreram da implementação do capita-lismo. Do ponto de vista metodológico a observação institucionalista diz que a realidade social mostra duas realidades: o Homem (representa o transitório) e as Ideias (representam o duradouro, podem ser vistas como organismos naturais que por vezes morrem –aparentemente- sendo posteriormente recuperadas), ambas com um carácter de permanên-cia; os homens dão-se continuidade biológica pela reprodução e espiritualmente pelas ideias, que são trans-mitidas e difundidas pelas tradições e memória social. As unidades reais intermediárias entre o homem e a sociedade são as instituições (realidades identificáveis e localizáveis, susceptíveis de ser enquadradas em regularidades prová-veis – universidades, nações que mantém a sua identidade e unidade apesar de modificações funcionais e alterações orgânicas). Este facto da permanência na mudança faz com que o institucionalismo evidencie o valor e o papel das ideias no processo histórico e social. A instituição é uma ideia de obra ou de empresa que se realiza e dura no meio social. É uma acção ou finali-dade impregnada de valores sociais. Em relação à contradição moral de convicção vs moral de responsabili-dade, o institucionalismo não equivale os dois tipos de moral e inclina-se para a primeira. Todavia há que admitir que o fenómeno institucional que, apesar de muito conotado com valores, não coincide sempre com o normativismo jurídico dominante (a matriz institucionalista e a possível contradição entre a instituição e a ordem jurídica estabelecida: ex – igreja enquanto instituição). O institucionalismo não é por definição conservador, indiferente ou hostil à mudança. Pelo contrário, pode ser, quando transposto para a acção, um fermento de reforma ou de revolução. Outro exemplo é o das orga-nizações operárias, o sindicalismo, que pode assumir a natureza institucional de acordo ou em confrontação com a ordem jurídica que o poder sustenta. Institucionalistas como Maurice Hauriou, Marcel Prélot e George Renard, consideram que o acto de fun-dação de uma instituição é fundamental para a compreensão da entidade objecto de estudo. Características gerais das instituições: (1) Clima de Vida Interior (função do objectivo e valores – pressão sobre os indivíduos que a constituem, marca-lhes disposições e comportamento - intimidade); Cria Modelos Normativos (codificam as atitudes recípro-cas e exprimem sentido inteiror de justiça – objectividade); Hierarquiza a Vida Interior (cria um sistema de pilotagem, origi-na autoridade e poder). A base da instituição é a obediência pelo consentimento. Renard afirma que as instituições encontram a sua força vital na pessoa humana, e a pessoa humana reco-nhece-se no seio da instituição. A conotação matriz institucionalista/Igreja Católica é concretizada no denominado catolicismo social. Com atraso em relação ao testemunho marxista (Leão XIII publicou a Encíclica Rerum Novarum) a igreja católica foi durante esse período de fermentação democrática e revolucionária, predominantemente contra-revolucionária e estranha aos valores e ideais democráticos e de progresso social. Todavia, é de mencionar que o institucionalismo veio a inspirar movimentos políticos diversos: corporativismo e democracia cristã. Normas, Factos e Valores – Objecto de Estudo da Ciência Polí t ica O pensamento político, na sua origem, começou por ser normativo. Platão e a generalidade dos clássicos, como Aristóteles, Hobbes, Locke, Rousseau, os teólogos, os monarcómonos, todos os utopistas, procuraram

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doutrinar em função de valores ético-morais, inscrevendo axiologicamente as ideias e a práxis políticas. Aspectos como julgamentos de ordem religiosa ou ética, a posição do homem no mundo e no universo, as recomendações sobre os objectivos e os fins da actividade política, as advertências e propostas das institui-ções religiosas sobre o comportamento político, marcam a dimensão normativa de muitos tratados e reflexões politológicas. Normativismo a que não escapam organizações internacionais como a ONU, portadoras de uma escala de valores com implicações e orientações políticas. Em síntese, todas as perspectivas e análises que estudam a realidade do Estado, tendo em vista o fim ou meta que lhe definem, são normativas ou deontológicas. Este tipo de normatismo não pretende e não deve ser qualificado de científico. O Normativismo Jurídico toma o direito positivo como objecto do conhecimento e caracteriza o que na Europa se chamou Direito Político e depois Direito Constitucional e Ciência Política. Kelsen diz que o Esta-do esgota-se como personificação da ordem jurídica total: o Estado é a Ordem Jurídica. Problemas como partidos, grupos de pressão, governos, voto, sufrágio, são vistos de acordo com conceitos normativos e não como realidades sociais; portanto é da imagem e não da realidade que o investigador trata. (Ex: nos momentos de convulsão social, designadamente a ocupação por forças estrangeiras, a divergência torna-se evidente sem necessidade de profun-das lucubrações. Os órgãos que dão pelo nome constitucional do governo, tomam eventualmente decisões normativas, mas os destinatários obedecem às decisões de poderes efectivos e revolucionários. É neste problema da eficácia que o normativismo de Kelsen se vê obrigado a encarar os factos). O critério normativista alargou-se e tornou-se mais híbrido, ou seja, menos jurídico e mais interdisciplinar, acrescentando novas inquietações ao campo da CP, numa incorporação de aspectos do Normativismo Ético e da Filosofia. Diferente dos normativismos ético, filosófico ou jurídico, é o normatismo instrumental ou aplicado, estando mais próximo da arte política que se traduz na definição dos melhores meios para alcançar certos fins do Governo, sem juízos éticos ou jurídicos sobre a validade dos objectivos. Trata-se de uma actividade neutral e empírica. O normativismo instrumental coloca-se ao nível da acção do poder, surgindo a figura do tecnocrata, herdeiro do burocrata do liberalismo, uma espécie de profissional das técnicas meios-fins, que permanece muitas vezes de um regime político para o outro, participando assim do poder sem responsabilidades éticas, sugerindo meras alternativas de acção política aos que assumem as responsabilidades e os riscos das decisões. A progressiva autonomia da CP conquistou-se na contribuição de diversos campos do saber. Esta utiliza a metodologia das ciências históricas, no que se refere aos princípios básicos e pressupostos da investigação, embora se tenha diferenciado sobretudo no domínio das técnicas de investigação, destinadas a surpreender os fenómenos, exigindo uma criatividade específica. A inventiva dos investigadores ainda desempenha no domínio das técnicas um papel dominante. É verdade que o normativismo, nas suas diversas modalidades, não está totalmente afastado dos modelos políticos concretos. Muitos normativistas entendem que as suas concepções constituem uma intervenção no processo político. Todavia há que notar que o esforço autonómico da CP, núcleo central de pressupostos teóricos e metodológicos, divide-se em dois planos distintos: o normativo e o científico, ou seja, entre valo-res e factos (estes os únicos que interessam à CP). Hoje o debate epistemológico reconhece que ciência, filosofia e religião, sendo formas distintas de interpretar e ver o mundo, não se excluem entre si. São leituras complementares que se subsidiam. Por isso, a tendência em afastar ou excluir o normativismo da CP deve-se a razões metodológicas e não ideológicas. A comunidade dos politólogos tem progredido nas técnicas de investigação e na definição do objecto de es-tudo, independentemente das posições ideológicas que podem assumir-se no âmbito dos pressupostos da CP. Este avanço deve-se especialmente aos utilitaristas do séc. XIX. Toda a problemática das ideologias, parte fundamental do objecto da CP, relaciona valores e ocupa-se deles quando estes passam a evidenciar peso e importância social. Definição do Objecto da Ciência Polí t ica – Objecto de Estudo da Ciência Polí t ica Os problemas que o normativismo trouxe à CP forçaram-na a trilhar o caminho da autonomia, num percurso feito de reivindicações e atropelos com outras CS, como a história de vida mais antiga. Esta é a base de con-frontos e debates epistemológicos na tentativa de traçar fronteiras entre as diversas disciplinas. Um dos pro-blemas levantados resulta da apropriação pela CP do estudo dos valores enquanto estes revelam peso social, pois isto interfere com o objecto da Sociologia e da Antropologia. Foi o estudo casuístico dos aspectos rele-vantes dos fenómenos sociais e políticos que foi agregando trabalhos monográficos e perfilhando um objecto autónomo, até à fundação em 1880, por John Burguess, de uma escola autónoma de CP na Universidade de Columbia de Nova Iorque. Só depois da 1ª. Grande Guerra é que as mais importantes universidades ameri-canas criaram departamentos específicos de CP autonomizando o fenómeno político da História, do Direito e

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da Filosofia. Apesar da incidência e especificidade metodológica das diferentes disciplinas, a perspectiva interdisciplinar é a mais indicada e proveitosa. Interessa à CP questionar não o sistema das normas que subjaz ao direito positivo, mas sim se há uma coinci-dêcia ou diferença entre o modelo normativo de conduta proclamado pela lei e o modelo de conduta adopta-do pelo poder. Essa diferença existe frequentemente e tem o nome de falta de autenticidade do poder. Outro importante fenómeno largamente estudado é a divergência entre a proclamação de um determinado modelo jurídico de conduta, por parte do poder, e a persistência deste em não adequar ou incumprir o mode-lo adoptado juridicamente. Caso elucidativo são as frequentes violações e desvios aos Direitos do Homem por parte de Governos e Estados que proclamam esses mesmos direitos. Tem tudo isto a ver com a simulta-neidade de modelos, o formal e o real, que levantam a questão da imagem que o estado visa manter, mesmo sem corresponder à realidade. Nem todos os modelos relativos à imagem decorrem ou são enunciados atra-vés de preceitos legais, pois acontece que poderes concorrentes ou adversários promovem imagens destorci-das ou falsas de modo a que um Estado autêntico passa a ser visto como inautêntico (é o campo das estratégias de manipulação, intoxicação propagandística, retóricas falsas e enganadoras, que fazem da mentira um instrumento de luta política). O Poder é o objecto central da CP e pode ser analisado segundo um critério tri-dimensional: a sede de poder, a forma ou imagem e a ideologia. A Pluralidade das Formulações – Objecto de Estudo da Ciência Polí t ica Muitos politólogos discutem temas e matérias, sem arriscar a formulação de definições, bastando-se com as acepções dominantes ou consensualmente aceites no seio da comunidade dos cientistas políticos. A CP se-guiu a atitude proposta por Freud, para quem as definições deviam seguir-se às descrições, classificações e relacionamentos entre os fenómenos e não a de Hobbes, segundo o qual toda a ciência devia começar com definições claras. A forma como se resolveu esta aparente contradição foi fazendo o uso da noção de concei-to operacional (carácter provisório, tentativo e pragmático das definições, utilizadas na abordagem e discussão dos temas, espe-cialmente quando estes são recentes, complexos e interdisciplinares, o que leva a CP a recorrer muitas vezes ao método da enumera-ção dos temas). A ideia de Max Weber, para quem a “política significa a luta para compartilhar o poder ou influenciar a sua distribuição, quer entre Estados quer entre grupos dentro do Estado”, é complementada com a acepção de David Easton para quem o “poder é uma forma autoritária de atribuir valores sociais dentro da socieda-de global”. Estas duas concepções fazem parte de uma linha de inspiração sociológica, que contraria os pres-supostos normativistas, o Poder é visto como um facto. Enumeração Pragmática dos Temas – Objecto de Estudo da Ciência Polí t ica Método adoptado entre os investigadores, departamentos de ensino e organizações internacionais. Listagem da Unesco (1948): Teoria Política (teoria política e história das ideias); Instituições Políticas (constituição, governo central, governo regional e local, administração pública, funções económicas e sociais do governo, instituições políticas comparadas); Partidos, Grupos e Opinião Pública (partidos políticos, grupos e associações, participação do cidadão no governo e na administração, opinião pública); Relações Internacionais (política e organização internacional, direito internacio-nal). Listagem da American Political Association: teoria e filosofia políticas; partidos políticos; opinião pública; grupos de pressão; poder legislativo e legislação; direito constitucional e administrativo; administração pú-blica; economia política; direito e relações internacionais; instituições políticas comparadas. Estas temáticas foram objecto de particularizações e especificações de acordo com as sensibilidades teóricas, regiões e países, de que é exemplo a lista de temas elaborada no 8º. Congresso de Ciências Políticas (1970), que correspondeu à necessidade de transformar a CP de ciência contemplativa em ciência de acção. Esta orientação corre o risco de confundir a Ciência com o Normativismo e o perigo do investigador confundir as questões estritamente teóricas e metodológicas com o dever e obrigação moral de intervir, sem esquecermos que o normativismo adoptado pode resultar em tecnocracia, com a perda da neutralidade científica. Como adverte o próprio Adriano Moreira, a práxis política sem mediação reflexiva pode conduzir à irracionalidade.

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2. Métodos da Ciência Política Tendências Individuais e de Grupo – Perspectivas Básicas A acção política tem sempre origem em homens individualmente considerados. Por mais vasto que seja o grupo, o objecto observável é invariavelmente o comportamento dos indivíduos. Jules Kornies, sobre o papel predominante da personalidade individual na vida política, recorrendo a concei-tos psicológicos e sociais e numa linha que remonta a Platão, Aristóteles e Hobbes, propõe o tipo de homem de estado (alguém dotado de sentido de vocação, força de vontade, consciência da responsabilidade, força sugestiva e sentido do dever). Lewis Froman, estabelecendo como pressuposto básico da sua análise, a predesposição de um indivíduo para aprovar ou desaprovar, querer ou repudiar alguns objectos sociais ou físicos, relaciona o comportamento dos dirigentes dos grupos de interesse e a sua concepção do mundo e da vida, atitudes, valores e crenças. Tam-bém Seymor Lipset procura explicar o comportamento dos estratos sociais menos favorecidos e a sua relação com os movimentos sociais de esquerda, tendo por base a sua concepção do mundo e da vida. Independentemente dos seus méritos, estes estudos mostram-nos como a principal insuficiência ou lacuna da perspectiva das tendências individuais está no facto de procurar estudar o comportamento individual por modelos gerais de comportamento que julgam típicos. Mostram também como a perspectiva em causa oscila entre dois caminhos: (1) aceitar que só é possível averiguar tendências individuais e com base nestas partir para a explicação da acção política; (2) aceitar que é possível identificar tendências típicas comuns a grupos maiores ou menores de pessoas, e interpretar o comportamento não só do indivíduo como também do grupo. Esta última orientação parece ser a mais útil e determinou a evolução da perspectiva individualista no sentido da Teoria da Compreensão. Questão controversa da perspectiva de grupo: partindo do pressuposto de que a acção política é basicamente um fenómeno de grupos e não de indivíduos isolados, importa saber se o grupo se reduz a um somatório de indivíduos sem características próprias ou se o grupo assume características próprias que os indivíduos não possuem. A posição mais aceitável é a que reconhece que o comportamento do grupo é específico em rela-ção aos seus elementos. Só assim se compreende que órgãos colegiais como os parlamentos e os governos de coligação, compostos por representantes de grupos divergentes e competitivos, assumam interesses próprios e um comportamento específico no que respeita à sua participação no poder efectivo. A perspectiva de grupo constitui talvez a mais genuína da CP, no entanto está longe de justificar o extremis-mo daqueles que como Arthur Bentley e David Truman, consideraram a acção dos grupos como o fenómeno central da vida política, negando a relevância da intervenção dos indivíduos. No livro “The Process of Governement: a study of social pressures” Bentley propõe desenvolver um estudo realista do processo polí-tico a partir da seguinte constatação: os grupos são os actores mais relevantes da dinâmica do poder, e qual-quer escolha ou decisão governativa depende, tanto a nível nacional como local, das pressões que estes exer-cem sobre os membros da classe política. Perspectiva Racionalista – Perspectivas Básicas Racionalidade Formal A perspectiva descrita anteriormente tem por fundamento a não intencionalidade do comportamento político, a convicção de que a acção política, desenvolvida pelo indivíduo ou pelo grupo, não resulta de uma escolha consciente de objectivos, limitando-se aqueles a agir como intervenientes condicionados. Esta atitude é con-trariada pela secular tradição do pensamento político, a qual, procura explicar o comportamento em termos de objectivos racionalmente seleccionados pelos agentes. Tanto em Hobbes como em Locke, fundadores do pensamento liberal, a transição do estado de natureza para a sociedade civil, é ditada sobretudo pelo exercício da racionalidade de cada indivíduo, seja com o objectivo de garantir a paz seja com o de fazer cumprir a lei natural, os indivíduos celebram um pacto ou convénio com todos, que pressupõe abdicar de parte substancial dos direitos possuídos no estado pré-social, mas que possi-bilita a manutenção dos bens considerados mais valiosos e a conquista de serviços e valores fundamentais para a preservação da vida. Jeremy Bentham diz que o processo político é o resultado de um cálculo sobre os melhores meios para alcançar a satisfação dos interesses prioritários dos indivíduos. Isso implica criar condições em que o pre-domínio das sensações de prazer sobre as sensações de dor fosse maior e mais provável. Ou seja, a “promo-ção da maior felicidade do maior número”. A perspectiva racionalista assume um carácter totalizante, tem em consideração não apenas os objectivos 9

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conscientemente seleccionados, mas inclui também a personalidade básica do indivíduo (ou dos grupos) en-tre os motivos que entram na escolha do comportamento político. Assentando na distinção entre objectivos (in order to) e razões (because of) ela coloca uma das questões mais importantes do ambiente da CP, o pro-blema da criatividade ou livre escolha de objectivos. Esta perspectiva teve a sua origem nos modelos de racionalidade da economia neo-clássica. Neste sentido, o conceito de racionalidade diz sobretudo respeito à adequação dos meios aos fins. Posteriormente, as insufi-ciências de uma tal noção de racionalidade seriam postas a claro por autores como Mancur Olson, que colo-ca o problema da alocução sub-optimal dos bens colectivos e do free riding. Raymond Boudon chama a atenção para os efeitos perversos da acção social. Mancur Olson, em The Logic of Collective Action, adoptando o modelo de racionalidade de tipo económico, assente no binómio custos-benefícios, tipos de mercado e bens produzidos, procurou demonstrar que tanto a participação em organizações que promovem interesses colectivos como as formas de acção colectivas em geral não resultam de uma conduta racional e egoísta por parte dos indivíduos. A própria lógica de interacção em contextos de grupo, fomenta situações em que os actores racionais, mesmo quando a comunidade de interesses é um dado evidente para todos e os meios para a sua promoção estão disponíveis, pesam os prós e os contras da imersão nos esforços da acção colectiva e decidem não participar. Uma vez que os bens produzidos pela acção colectiva são bens conjuntos, isto é, resultam da produção coor-denada dos membros do grupo, e predominantemente públicos, ou seja, estão ao dispor quer dos membros do grupo quer daqueles que estão fora dele, a racionalidade desaconselha claramente todo o envolvimento parti-cipativo, convidando antes ao comportamento de free-riding (comportamento daquele que espera que os outros supor-tem os custos de uma acção colectiva, usufruindo ele, sem contrapartidas, dos seus benefícios). O sociólogo francês, Raymond Boudon em Effets Pervers et Ordre Social, partindo de uma afirmação de Karl Popper, chama a atenção para o problema dos efeitos perversos, para o facto de toda a acção social poder provocar efeitos que não esperamos e que, provavelmente, não desejamos. Racionalidade Limitada: a Formação da Decisão e a Teoria dos Jogos Posteriormente a abordagem racionalista reviu criticamente alguns dos seus conceitos operacionais dando origem ao processo de formação de decisões e teoria dos jogos. As decisões traduzem um juízo final sobre a maneira de obter certos resultados numa dada conjuntura con-creta. Subjacente à ideia de que a decisão constitui o momento principal e até a finalidade do funcionamento do sistema político, encontra-se a noção de ambiente (ou contexto) da decisão (elementos que constituem factores dados pela conjuntura, e que se acham fora da capacidade de alteração ou intervenção do agente político, que ele não controla). Acresce dizer que a decisão é tomada por homens, vários ou apenas um, e que todos eles estão condiciona-dos pela sua concepção do mundo e da vida, dado que esta lhes impõe mapas cognitivos e quadros normati-vos específicos. A complexidade do ambiente da decisão, em que o actor político é obrigado a interagir, conduziu os estudio-sos a reflectir sobre as condições de incerteza, sobre os erros que se podem cometer na avaliação do binómio custos-benefícios, sobre a possibilidade da acção ter efeitos inesperados e até perversos. Uma das consequên-cias desta reflexão foi ter conduzido ao enriquecimento do princípio da racionalidade, entendido agora em termos de razoabilidade ou racionalidade situada. Referindo-se não apenas à relação meios-fins mas aos meios-fins em certa conjuntura concreta, a racionalidade situada ou razoabilidade pressupõe a procura de um equilíbrio de objectivos e valores. Resta sublinhar que o critério de razoabilidade ou racionalidade situada leva a que se assuma como dado fundamental do processo de formação da decisão, as expectativas racionais relativas ao comportamento que será adoptado pelos adversários da decisão. A constatação de que a decisão política tem um oponente que também toma decisões, está na base do desenvolvimento da chamada teoria dos jogos, aplicada hoje em nu-meroso domínios, tais como o militar, o económico, o social, o político. A teoria dos jogos (game theory) é o ramo da matemática que permite estudar as situações concorrenciais caracterizadas pelo facto de dois ou mais indivíduos (decisores) tomarem decisões em situações de incerteza que envolvem conflito de interesses. Embora o estudo de tais situações remonte ao início dos anos vinte, data do primeiro ensaio de Émile Borel – só nos anos quarenta se assistiu aos seu substancial desenvolvimento. Para isso muito contribuiu a obra do matemático John von Neumann e do economista Oskar Morgenstern, The Theory of Games and Economic Behavior, onde a teoria dos jogos é aplicada ao estudo de certos aspectos da formação das decisões indivi-duais em contextos que implicam seja a possibilidade de conflito seja a possibilidade de cooperação. Numa situação de escolha (ou jogo) que pressupõe um conjunto de regras e convenções que devem ser observadas, um conjunto (finito ou infinito) de alternativas estratégicas possíveis, os participantes, procura-

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rão o resultado que lhes é mais favorável. O resultado final (payoff) depende de todos os participantes no jogo, não sendo possível uma escolha optimal independente: cada jogador deve ter em conta as escolhas à disposição dos seus oponentes, assim como as suas eventuais estratégias de acção. Uma das características especiais da teoria dos jogos é admitir que pode não haver perdedores. Aos jogos de soma nula (soma zero), em que os interesses dos jogadores são diametralmente opostos, e aquilo que uns ganham é exactamente o que os outros perdem, contrapõem-se os jogos de soma variável (soma significati-va) onde os jogadores podem chegar a soluções mutuamente vantajosas, e onde o aumento de utilidade para uns não implica a redução de utilidade para os outros (eleições em que todos ganham ... eh!eh!eh!). Adriano Moreira refere-se à impossibilidade de totalizar antecipadamente o processo de competição ou conflito, pelo simples facto de que nunca se disporá de toda a informação necessária. Estas considerações têm sido atendidas pela teoria dos jogos e ilustradas de forma simplificada a partir de uma matriz de “dilema do prisioneiro”, a qual procura reproduzir a interacção estratégica entre dois actores numa situação estritamente competitiva, que não pressupõe comunicação, discussão ou negociação entre eles, e onde a possibilidade de obter vantagens através da cooperação está afastada. (pág. 67 Caderno) A Perspectiva Funcionalista Noção Geral de Funcionalismo Em oposição ao individualismo, a crítica funcionalista considera que a explicação dos fenómenos políticos será insuficiente sempre que se limite a considerar o comportamento individual dos agentes, ignorando a função por eles desempenhada. O comportamento político é resultante de uma tensão entre as exigências e expectativas que a sociedade global dirige ao agente, e a capacidade de resposta ou acção que este demonstra no papel de direcção que capturou. Função: em alguns casos pode designar a detenção de um emprego ou o exercício de uma profissão (sentido comum). Noutros casos trata-se de mostrar a relação existente entre duas grandezas, de tal modo que a altera-ção de uma implica a modificação da outra, obrigando-a a uma adaptação (sentido matemático). Noutros casos ainda, desempenhar uma função equivale a trazer um contributo para o todo de que se é parte integran-te (sentido biológico). É este terceiro sentido do conceito de função que está na origem do funcionalismo nas Ciências Sociais, sendo a ideia básica esta: à semelhança do organismo vivo, a sociedade forma um todo, uma totalidade, cujos elementos constituintes, interdependentes, assumem certas funções, que correspondem às suas necessidade fundamentais. Os precursores da abordagem funcionalista encontram-se já na sociologia oitocentista. Pode dizer-se que é com Herbert Spencer que se inicia a orientação propriamente funcionalista dos estudos sobre a sociedade. Ainda antes da publicação de Sobre a Origem das Espécies de Charles Darwin, já o sociólogo inglês tinha tentado a síntese de duas grandes correntes de pensamento evolucionistas: transformismo na vida orgânica, de Lamarck, e a ideia de progresso dos filósofos do séc. XVIII. Na sua obra “Princípios de Sociologia”, Spencer estabelece um paralelismo entre a evolução das sociedades e a evolução dos organismos vivos, que se traduziria na passagem de uma homogeneidade incoerente e indefinida a uma heterogeneidade coerente e definida, num processo que deveria resultar numa crescente diferenciação e especialização dos organismos e sociedades. Émile Durkheim utilizou o método funcional em alguns dos seus trabalhos mais conhecidos, onde concebeu a sociedade como uma totalidade orgânica, que por um processo de diferenciação e especialização adaptati-va produz indivíduos diferenciados. O grande aparecimento do funcionalismo nas Ciências Sociais ficaria a dever-se ao antropólogo inglês de origem polaca Bronislaw Malinowski. Ele foi o primeiro antropólogo a estudar in locu a vida dos povos sem escrita. Malinowski depressa se convenceu que, ao contrário da posição sustentada pelos antropólogos evolu-cionistas, cada sociedade se caracteriza e se distingue das outras por uma cultura original e singular. O que confere originalidade a uma cultura determinada é a organização particular dos elementos que a compõem. Cada cultura forma uma totalidade coerente e organizada e cada um dos seus elementos só pode ser com-preendido por referência a esse todo. Os elementos desempenham funções que são indispensáveis à sobre-vivência e funcionamento do todo. Daqui retirou Malinowski o princípio de organização harmoniosa das sociedades, em que tudo o que existe é simultaneamente útil e necessário. A mesma orientação embora mais moderada, foi assumida pelo antropólogo inglês, seu discípulo, Radcliffe-Brown. Reformulação da Teoria Funcionalista A passagem do critério funcional dos domínios da antropologia para os da ciência política foi preparada pela

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crítica e contributos do sociólogo americano Robert Merton. Censurando não a análise funcional propria-mente dita, mas mais concretamente as formas abusivas ou extremas dela, Merton procurou identificar cla-ramente os postulados em que assentava o funcionalismo clássico de Malinowski e Radcliffe-Brown, afim de os poder pôr de parte: (1) o postulado da unidade funcional da sociedade; (2) o postulado do funcionalismo universal; (3) o postulado da necessidade. O que há de abusivo no primeiro postulado é a suposição de uma perfeita e acabada harmonia das socieda-des. Merton mostra que nem todas as sociedades possuem esse elevado grau de integração social. O segun-do postulado diz que todos os elementos culturais ou sociais estandardizados desempenham funções positi-vas. Uma tal explicação deixa de fora uma série de consequências não funcionais das formas culturais exis-tentes, pelo que é conveniente ter em conta, a par do conceito de função, os de disfunção ou não função, ou seja, os contributos positivos, negativos e neutros para uma ordem social. No terceiro Malinowski expressou que em todos os tipos de civilização cada elemento cultural ou social é indispensável ao todo, dado que pre-enche uma função vital e tem uma tarefa a desempenhar. Para isso propôs Merton o conceito de substituto ou equivalente funcional: assim como um só elemento pode desempenhar várias funções, também uma só fun-ção pode ser desempenhada de várias formas e por diferentes elementos. A crítica mertoniana está na origem de quatro novos conceitos: disfunção (exprime o facto de um elemento cultural ou social perturbar a adaptação do sistema a eventuais mudanças); equivalente funcional (o exército que assume funções de governo); funções manifestas (consequências objectivas que, contribuindo para a adaptação do sistema, são compreendidas e desejadas pelos seus participantes); funções latentes (efeitos objectivamente observáveis que, promovendo a adaptação e ajusta-mento do sistema, não são compreendidos nem desejados). Para melhor ilustrar esta distinção Merton estudou a máqui-na política nos EUA (bossismo). (pág. 72/73 Caderno) O Modelo Estrutural-Funcionalista de Gabriel Almond e Bingham Powell Em 1966, com a publicação de “Comparative Politics: A Developmental Approach”, Gabriel Almond, em colaboração com Bingham Powell, propõe-se dotar a CP de um verdadeiro modelo de análise estrutural-funcionalista, análogo ao elaborado anos antes por Robert Merton no campo sociológico. O principal objec-tivo era o de construir uma rede de conceitos analítico-empíricos que permitisse comparar sistemas políticos diversos, tanto de um ponto de vista estático quanto dinâmico. Almond e Powell sugerem que se atenda pri-meiramente às funções de base comuns a qualquer sistema político, e só depois às estruturas que cumprem, e em que medida, essas funções políticas. Em seu entender uma análise puramente estrutural tem um alcance estrito, oferecendo-nos uma imagem falseada da vida política, uma vez que estruturas semelhantes podem ter funções diferentes, conforme a realidade social, económica e cultural da sociedade estudada. Para melhor sublinhar a complementaridade entre a análise estrutural e a análise funcional, os autores pro-põem uma comparação gráfica das funções e estruturas em dois sistemas políticos distintos, nomeadamente ex-União Soviética e Grã-Bretanha. (fig. 2.2. A e B, pág. 75/76 Caderno). Facilmente nos apercebemos que as mesmas funções são preenchidas por estruturas políticas diversas, sendo possível confirmar quase de imedia-to alguma ideias comuns sobre os sistemas políticos em análise. O modelo de análise é dominado por quatro conceitos-chave: sistema político (conjunto de interacções sociais que implicam o uso ou a ameaça de uso da coerção legítima); estruturas; funções políticas; cultura política. Almond e Powell dizem que as estruturas correspondem a funções políticas, e estas últimas podem ser classificadas segundo duas variáveis: grau de diferenciação e especialização dos papéis políticos e autonomia dos subsis-temas. A cultura política é o conjunto de atitudes e orientações dos indivíduos para com o sistema político e comporta uma dimensão cognitiva, afectiva e avaliativa. Estas três dimensões supõem uma cultura política cujos traços variam conforme os contextos nacionais. Assim surgem: cultura paroquial (os indivíduos são pouco sensíveis ao sistema político global, orientando-se para um subsistema político mais limitado – aledia, clã, etnia); cultura de sujeição (consciência do todo nacional, conduta de passividade); cultura de participação (os indivíduos agem como cidadãos conscientes tanto dos meios de actuação disponíveis quanto da possibilidade de influenciar o curso dos acontecimentos políticos). Almond e Powel identificam ainda as funções de base comuns a qualquer sistema político a que correspon-dem diversas capacidades. (pág. 79/82 Caderno)

1º. Nível Funções de Rendimento

2º. Nível Funções de Conversão

3º. Nível F. de Manutenção e Adaptação

Capacidade extractiva Capacidade distributiva Capacidade reactiva Capacidade simbólica

Articulação de interesses Agregação de interesses Comunicação política Elaboração de normas Aplicação de normas

Recrutamento político Sociabilização política

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Execução Judicial das normas Críticas ao modelo de Almond e Powell: sendo que se basearam no modelo de Merton, deixaram cair os con-ceitos de equivalente funcional, disfunção, funções manifestas e latentes, o que faz com que a sua análise seja considerada por vezes vaga e contraditória. Ao sugerirem uma uniformidade funcional dos sistemas políticos não escapam à acusação de etnocentrismo, uma vez que se baseiam no modelo americano, e daí o seu cunho preponderantemente conservador. A Perspectiva Sistémica Origem da Perspectiva: é uma tentativa de síntese das perspectivas anteriores, tem a sua origem na chama-da teoria geral dos sistemas. Com a intenção teórica e empírica de ultrapassar os estudos fragmentários e as divisões rígidas entre as várias ciências, foi desenvolvida sobretudo na biologia e na cibernética. Nos anos subsequentes à 1ª. Guerra Mundial, o biólogo Ludwig von Bertalanffy, retomando os trabalhos sobre a célula e as suas trocas com o exterior recorre à noção de sistema para formalizar essas relações. Após a 2ª. Guerra Mundial, Norbert Wiener funda a cibernética com base no princípio da caixa negra que reage às solicitações, pressões ou exigências que lhe são dirigidas. É também por esta altura que Bertalanffy, fazendo a síntese dos trabalhos realizados no âmbito de várias disciplinas, tais como a biologia, a cibernética, a termodinâmica, a genética, a teoria da comunicação, a ciência das organizações, e outras, lança a fórmula “Teoria Geral dos Sistemas” . Retomando o velho sonho comteano da unificação do saber científico, a análise sistémica assenta na ideia fundamental de que os vários sistemas (físicos, mecânicos, biológicos, sociais) possuem propriedades idên-ticas, ou do ponto de vista estrutural, ou do ponto de vista funcional, o que permite a emigração de conceitos de uma ciência para outra, para além das fronteiras tradicionais. A Contribuição de Talcott Parsons Falar da perspectiva sistémica é sobretudo falar da obra e da sociologia de Talcott Parsons que, de finais da década de 30 a meados da década de 60, foi dominante nos EUA e no conjunto da Europa Ocidental. O ponto de partida da análise parsoniana é o conceito de acção social (toda a conduta humana que é motivada e orientada pelos significados que o agente descobre no mundo exterior – ambiente – e aos quais reage). Esta concepção voluntarista da acção opõe-se muito claramente às tendências behavioristas, que concebem a acção humana como uma resposta a estímulos materiais. Se a acção humana não é uma mera coisa material estudável segundo um esquema estí-mulo-resposta, é porque ela é orientada, dotada de sentido, notando-se aqui a influência anti-materialista e anti-utilitarista de Max Weber. Recorde-se que o primeiro postulado de Merton é o de que a acção humana apresenta os caracteres de um sistema que se inscreve numa rede de relações de interacção entre o agente e a situação na qual este se encon-tra. De acordo com o sociólogo americano, o sistema geral da acção, desempenha quatro funções elementa-res (imperativos ou pré-requisitos funcionais) destinadas a responder aos problemas de ajustamento que se colocam a todo e qualquer sistema: (1) Adaptação (função pela qual o sistema se adapta ao seu ambiente e adapta o ambiente às suas necessidades); Prossecução dos Objectivos (função pela qual o sistema define e alcança os seus objectivos primários); Inte-gração (função pela qual o sistema assegura a coordenação e coerência entre as sua partes componentes, evitando as perturbações e a mudanças bruscas que o ameaçam); Estabilidade Normativa (função pela qual o sistema cria, mantém e renova quer a moti-vação dos indivíduos quer os valores e padrões culturais que criam e mantém essa motivação). Aos imperativos funcionais correpondem quatro contextos (ou subsistemas) analiticamente diferenciados. Às funções de adaptação-realização de objectivos, correspondem o subsistema biológico e o subsistema psicológico ou da personali-dade; às funções de integração-estabilidade normativa equivalem os subsistemas social e cultural. Em virtude da nomenclatura inglesa, este esquema ficou conhecido como Quadro AGIL (adaptation, goal, integration, latence). (Pág. 85/86 Caderno) Parsons desdobra o seu esquema até chegar ao subsistema político. A este nível o Po-der aparece a ocupar o centro das preocupações. Interessando-se exclusivamente pelo comportamento do poder, e não pela definição do seu conteúdo, Parsons procede à sua desmistificação, e propõe que este seja visto como um meio de circulação análogo à moeda: “Assim como a massa dos meios de pagamento em circulação varia constantemente, de acordo com as exigências funcionais do subsistema económico, assim também a massa do Poder em circulação varia em função das exigências funcionais do subsistema político”.As principais críticas à teorização parsoniana dizem que o modelo sistémico só dificilmente poderá ser apli-cado na investigação empírica, dado que não permite apreender os problemas concretos da análise política. Adriano Moreira diz mesmo que o seu valor heurístico é superior ao seu valor explicativo. O modelo sofreria ainda de um enviesamento conservador. Não obstante alguns autores considerarem a proposta parsoniana um divertimento intelectual enfadonho, o professor Adriano Moreira deixa bem claro que esta teve o duplo méri-

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to de: romper com o empirismo tradicional, dotando a sociologia americana do quadro de analítico e concep-tual que tanto lhe faltava; aprofundar e generalizar a atitude interdisciplinar, estabelecendo pontos de contac-to entre a sociologia e as demais disciplinas. A Aplicação da Perspectiva Sistémica por David Easton A perspectiva sistémica será aplicada na CP por David Easton e por Karl Deutsh. Nos anos que se seguiram ao pós-guerra, a dupla exigência de conferir unidade à ciência política e de considerar a política como uma realidade autónoma, distinta e separável dos outros aspectos da vida social, esteve na origem da nova ciência política, de que David Easton se considera porta-voz. Easton propõe-se desenvolver uma nova concepção científica, a qual combinando a teoria com o trabalho empírico, deveria promover não só a compreensão da realidade, mas procurar ainda modificá-la através de soluções credíveis para os problemas práticos e premen-tes. A principal aposta veio a ser a construção de um modelo de pesquisa dos fenómenos políticos, simples mas rigoroso, analítico mas também explicativo. O modelo sistémico de Easton situa-se também no âmbito da teoria geral dos sistemas. O autor procura ela-borar um quadro conceptual unificado, que lhe permita compreender a vida política nos seus componentes fundamentais. Easton começa por adoptar uma definição restritiva de política (distribuição autoritária de valores sociais numa dada sociedade). A política é o exercício da coerção física legítima, e é essa coercitividade e autori-dade que constituem o traço distintivo do sistema político (conjunto de interacções políticas pelas quais se efectua a distribuição autoritária de valores num determinado espaço territorial). Importa acrescentar que o sistema político nos é apresentado como um sistema aberto rodeado de meios ambientes diversos (o ambiente intra-societal e extra-societal: o primeiro compreende todos os sistemas não políticos que fazem parte da sociedade global – psico-lógico, biológico, ecológico e social – e o segundo abrange todos os sistemas exteriores à própria sociedade global, com os quais o sistema político está presumivelmente em relação, tais como os sistemas políticos coexistentes, os sistemas internacionais – Nato, Nações Unidas – supranacionais – UE – sistemas ecológicos mundiais). A verdadeira originalidade de Easton está em considerar o sistema político como uma caixa negra. É crucial notar-se que esta opção metodológica traduz uma clara ruptura teórica com a análise tradicional dos sistemas políticos, uma vez que se centra na análise do sistema com o seu ambiente global. Easton resume num diagrama (pág. 90 Caderno) os traços essenciais da estrutura analítica que tenciona desenvolver. Trata-se do modelo simplificado de um sistema político rodeado do seu meio ambiente. A acti-vidade política traduz-se num conjunto de processos de transformação de inputs em outputs, num sistema aberto que se realimenta mediante o mecanismo de feedback (retroacção). Este ciclo cibernético, sem princí-pio nem fim, está em constante movimento. Easton distingue dois tipos de input (exigências e apoios). A contribuição de Karl Deutsch: a comunicação Karl Deutsch em “The Nerves of Government” criou um modelo original de sistema político inspirando-se na teoria da comunicação e na cibernética, onde destaca as noções de comunicação e controlo. A vida polí-tica é concebida como um conjunto de redes de comunicação através das quais os inputs são recebidos e elaborados e os outputs são gerados e lançados no ambiente. O autor compara o sistema político ao sistema nervoso, um sistema de ligação de centros nervosos irrigados pela informação, dotado de sensores que inter-ceptam a informação que, depois de transferida para os centros nevrálgicos do sistema é codificada, seleccio-nada e processada, transformando-a em decisões. Os canais de comunicação são os “nervos do Governo”. Deutsch compara ainda o sistema político a um sistema de pilotagem (pág. 99 caderno). Analisando os pro-cessos de decisão Karl Deutsh faz uma outra imagem, compara-os com caixas d’água ou reservatórios em cascata (pág. 103/104 caderno). Na perspectiva de análise proposta e desenvolvida por Karl Deutsch o Poder aparece não já como o centro do sistema político, mas como o meio de comunicação mais importante nas trocas que se estabelecem entre aquele e os demais subsistemas sociais. O Poder equivale à capacidade de informar; um grupo dirigente pode falhar na execução de uma decisão, seja porque não possui informações suficientes sobre os seus desti-natários, seja porque é incapaz de prever correctamente as suas reacções. Há que reconhecer que a informa-ção precede tanto a coerção como a obediência: se não é possível impor um comando sem saber quem é o seu destinatário, também não é possível obedecer a uma ordem cujo conteúdo se desconhece. A Perspectiva do Poder Principais concepções de Poder Em Hobbes o poder é concebido como uma coisa ou essência que se pode adquirir ou perder, possuir ou exercer, acumular ou gastar. Esta noção aponta para os limites da concepção substancialista do poder. O po-

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poder não pode ser definido como uma coisa, ele apenas existe no interior de uma relação entre dois ou mais agentes, sendo necessário ter em linha de conta os termos existenciais, reais e singulares destas relações. Harold Lasswell declara que este não é uma coisa que se desloca de um lugar para o outro, mas um processo que desaparece quando cessam as circunstâncias do ambiente interno e externo que o apoiam. Para Weber o poder consiste na capacidade de fazer triunfar no seio de uma relação social a sua própria vontade mesmo contra resistências. É uma concepção relacional do poder. Robert Dahl diz que só existe poder quando e na medida em que o seu utente influencia o comportamento dos outros no sentido das suas intenções. Para Adriano Moreira diz que dentro do poder há que distinguir entre manipulação (todos os condicionamentos suscep-tíveis de ser introduzidos no ambiente do destinatário do poder, de modo a orientar o seu comportamento sem declarar a intenção do agente); dominação (anúncio da intenção e a credibilidade do uso da força); e força (consiste no uso dos recursos físicos ao dispor do agente e traduz o estádio final e pleno do uso do poder). O poder como essência e o poder como fenómeno de interacção serviram para orientar a investigação empí-rica e alimentar o debate teórico que contrapôs por quase três décadas, elitistas e pluralistas. Os primeiros tendem a considerar o poder como uma substância ou como um jogo de soma zero, em que o aumento do poder de uns corresponde à diminuição do poder dos outros. Os segundos insistem no carácter relacional do poder, interpretando-o como um processo ou jogo de soma variável, onde o poder de um sujeito pode aumen-tar ou diminuir sem que aumente ou diminua o poder dos outros sujeitos. 3. A Forma do Poder Abordagem Clássica O estudo da forma surge como o mais recuado no tempo. A mais antiga e persistente tentativa de classificar os regimes políticos é a que atende exclusivamente à sua definição normativa ou causa formal. Encontra-se em regra expressa nas Constituições Políticas, não se mostra correspondente à prática real dos poderes, nem coincide necessariamente com as vigências sociais normativas. Logo, a CP deve não só reconhecer essa falta de coincidência, mas sobretudo evidenciar o facto de que, com frequência crescente, o poder político se guia por um normativismo resultante do chamado poder normativo dos factos (Constituição Real), mas insiste em proclamar a validade e a eficácia da constituição escrita (Constituição Formal). Adriano Moreira mostra como a falta de autenticidade põe em causa o estudo meramente formal dos regi-mes políticos, sendo necessário proceder à investigação da sede real do poder político e ao exame dos padrões ideológicos que o orientam. O autor propõe a classificação dos regimes em duas categorias (tipos ideais): regimes monistas (não se consente a circulação da sede do poder nem a alternância ideológica, o que estabiliza facil-mente a forma e encaminha o estado para autoritário ou totalitário) e pluralistas (aqueles em que a revolução legal está prevista de tal modo que a forma torna viável a alternância no poder e a alternância ideológica pelo consentimento expresso da sociedade civil). Há ainda constituições mistas que, como sustentam os liberais de tipo americano, admitem a alternância ideológica e aquelas que como acontece em países do 3º. Mundo não admitem a circulação da sede do poder mas praticam a alternância ideológica. As Classificações Clássicas foram predominantemente formais e radicam em Aristóteles, que as divide em 3 formas correctas ou puras de governo: Monarquia (só um exerce o poder visando o bem comum); Aristocracia (o governo é exercido por alguns, atendendo ao interesse geral); Democracia (o poder é exercido por todos os cidadãos para o bem de toda a comunidade). A cada uma destas formas puras corresponde uma forma desviada ou corrompida: a Monarquia degenera em Tirania (sempre que o homem só que governa o faz em benefício próprio), a Aristocracia dege-nera em Oligarquia (quando os poucos que governam o fazem em benefício dos homens do meio); a Democracia degenera em Demagogia (quando grande número governa em benefício dos homens, sem meios). Em conclusão, nenhuma das for-mas degeneradas visa o benefício de toda a comunidade, mas sim o interesse próprio dos que governam. As formas de governo descritas por Aristóteles são moldáveis e dinâmicas que se sucedem através da reac-ção do princípio oposto (monarquia tirania aristocracia oligarquia democracia ...), sequência consti-tucional, que não é histórica mas estritamente lógica, traduzindo uma construção do espírito. Aristóteles considera que a estabilidade política só poderia ser alcançada através de um governo misto, onde estivessem presentes as formas puras de governo que, controlando-se umas às outras, evitariam os excessos e a degenerescência a que isoladas estavam sujeitas (anacyclosis). O melhor governo seria, no entanto, sempre para cada povo, aquele que maior correspondência tivesse com o seu carácter e as suas necessidades próprias.Também Políbio atribuiu a grandeza de Roma à forma de governo misto, que esta instintivamente descobriu para si. A existência da Constituição Romana tal como vigorava no séc. III resultava de nela se terem combi-nado de forma harmoniosa e equilibrada os princípios monárquico, democrático e aristocrático. Adriano Moreira anota que a forma mista parece facilitar a circulação do poder e é de supor que tenha

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influenciado a teoria da divisão dos poderes de Montesquieu que atende à variável da natureza e governo e caracteriza os princípios que dominam e dão um espírito particular aos regimes políticos. Adoptando uma posição relativista que passa, não por formular juízos de valor ou tecer considerações críticas sobre os regi-mes, Montesquieu alertou para o facto de que as leis e as instituições de um povo não são habitualmente boas para todos, em virtude do que chamou “espírito do povo”, ou seja, uma instituição particular pode ser indi-cada para um regime republicano constituindo factor de prosperidade e sucesso, mas não servir a um despo-tismo ou vice-versa. O Critério do Desenvolvimento Polí t ico O conceito de Desenvolvimento Político surgiu a partir do fim dos anos 50 com a concessão da indepen-dência a quase todas as ex-colónias da África e da Ásia, pondo termo a uma concepção eurocêntrica do fenómeno político. Deve ser percebido quer em termos de uma resposta ensaiada para a emergência das diversas formas de governo que se foram instaurando nos países recém-chegados à independência, quer como uma orientação especial dentro do estudo daquilo que designa por o Processo de Mudança Política (Politi-cal Change). A emergência da abordagem desenvolvimentista nas déc. de 50 e 60 tem sido reconduzida a três principais ordens de razões: científicas, políticas e ideológicas. Do ponto de vista científico, assinala-se a importância da revolução comportamentalista levada a cabo pelos “jovens turcos” da politologia norte-americana, David Easton, Gabriel Almond, Bingham Powell, Carl Deutsch, Robert Dahl, que proclamam a necessidade de renovar em termos de cientificidade e de autonomia disciplinar a CP tradicional, desenvolvendo novos conceitos, teorias, modelos e sobretudo perspectivas de investigação alternativas. Do ponto de vista político, a multiplicação em flecha do número de estados independentes foi entendida como uma oportunidade irrecusável de ampliar o universo ou laboratório da política comparada e ainda de comprovar conceitos, hipóteses, teorias e modelos, cuja validade científica estava até então demonstrada apenas para os EUA e quando muito para os países da Europa Ocidental. Com total abertura e manifesto entusiasmo, a maior parte dos investigadores inseridos no Comitee on Comparative Politics (1966) adere ao convite para estudar modelos políticos externos e afastados da área ocidental, num esforço de compreensão global do fenómeno político, nunca antes ensaiado. Isto vai ao encontro da violenta e incisiva crítica de Roy Mecridis na sua obra “The Study of Comparative Governement”, onde apela a uma radical renovação da política comparada que acusa de: Paroquial (limita-se ao mundo ocidental); Descritiva (dado que é dominada sobretudo por monografias e estudos de caso) e Formalista e Legalista (pois dá especial importância ao estudo das regras jurídicas subs-timando por completo os seus aspectos informais e processuais). Do ponto de vista ideológico podem distinguir-se duas motivações principais: o conceito de desenvolvimen-to (que parece ser feito sob medida para os que partilham uma visão neo-iluminista da ciência); a temática de desenvolvimen-to (que permite abordar o confronto entre liberalismo e comunismo, capitalismo e socialismo, democracia e autoritarismo, tendo por base um aparelho conceptual aparentemente neutro mas que assume quase sempre como modelo de referência as estruturas e institui-ções do mundo anglo-saxónico). As razões de natureza política que favoreceram a sua emergência nos anos 50 e 60 foram os condicionamen-tos ditados pelo clima de Guerra Fria que se instaurou no período subsequente à 2ª. Guerra Mundial. Peran-te a forte atracção do Socialismo como ideologia e do Marxismo-Leninismo como fórmula para conquistar e manter o poder em muitos países do chamado 3º. Mundo, os EUA cedo se empenharam na criação de centros de estudos e na elaboração de programas de ajuda económica, técnica e financeira aos novos estados inde-pendentes, procurando por esta forma oferecer-lhes um modelo ou ideologia de desenvolvimento alternativo. Tendo em linha de conta estas considerações facilmente se compreende porque é que o Comitee propôs uma definição geral de Desenvolvimento Político, baseada nos três elementos ou processos que caracterizam a democracia ocidental: (1) tendência para a igualdade; (2) maior diferenciação das instituições e organiza-ções políticias; (3) aumento da capacidade do sistema político para dirigir a esfera pública. Segundo esta definição, reproduzida por Sidney Verba e Lucien Pye, o desenvolvimento político processa-se a três níveis: (1) população no seu conjunto (passagem da condição de súbdito a cidadão, da cultura de sujeição à cultura de participação); (2) prestações do sistema político e do governo (>capacidade do sistema político para conduzir os negó-cios públicos, controlar pacificamente os conflitos e os interesses); (3) modo de organização dos poderes e das institui-ções (diferenciação estrutural, separação e controle de poderes, integração entre centro e periferia, coordenação entre as múltiplas instituições em que se articula o sistema democrático). Devido ao carácter demasiado abrangente de uma tal definição, assistiu-se a uma proliferação de conceitos, modelos e teorias individuais que vieram demonstrar a clara impossibilidade de conceber o Desenvolvimento Político de um modo unívoco para todos os tempos e todos os lugares. O DP pode ser entendido como: condição para o desenvolvimento económico; política das sociedades indus- 16

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triais; modernização política; construção do estado nação; desenvolvimento administrativo e jurídico; mobilização e participação de massas; construção da democracia; estabilidade e mutação gradual; mobilização do poder e mutação social multidimensional. Em 1987, Samuel Huntington afirma de modo peremptório que o sector está de tal modo apinhado de inves-tigações, modelos e teorias que se torna necessária a criação de uma sub-disciplina autónoma e especializada, destinada à classificação e sistematização dos trabalhos publicados nos últimos 3 decénios. Para isso conside-ram-se três grandes etapas: (1) início de 50 até meados de 60; (2) 1965-1970; (3) 1970-1980. 1ª. Etapa – início de 50 até meados de 60 As teorias desenvolvimentistas são dominadas por uma visão linear e evolucionista do DP. Um processo universal e imanente a todos os sistemas sociais, contínuo e homogéneo, um jogo de soma zero que consagra a afirmação de estruturas modernas em detrimento das de tipo tradicional. Estabelecendo como ponto de partida e de chegada o modelo da democracia anglo-saxónica, os teóricos da primeira geração da Escola de Desenvolvimento Político tendem a postular a existência de certos requisitos económicos, sociais e culturais para o funcionamento do regime democrático. Dentro desta concepção geral destacam-se a teoria da moder-nização de Edward Shils e a teoria funcionalista do desenvolvimento proposta por Almond e Powell, já que daí decorrem tipologias diversas dos sistemas políticos. O aspecto inovador da abordagem de Shils reside sobretudo no facto deste autor não entender o desenvolvi-mento político como um corolário ou epifenómeno das transformações registadas nos campos económico e social, delineando antes uma explicação política dos processos de modernização. Estes parecem-lhe essen-cialmente determinados pelo problema da difícil coexistência e combinação da realidade oligárquica com a aspiração democrática. Shils faz assentar a sua tipologia dos regimes políticos no peso de cada uma das for-mas de articulação de estratégias. Assim, o autor distingue entre: (1) Democracia Política; (2) Democracia Tutelar; (3) Oligarquia Modernizadora; (4) Oligarquia Totalitária; (5) Oligarquia Tradicional. Abandonando a noção de etapas ou estádios Shils chama a atenção para o facto da evolução dos diferentes tipos de regime depender sobretudo das escolhas e das capacidades das elites. O pressuposto básico da tipologia elaborada por Almond e Powell é o de que cada sistema apresenta traços singulares em relação aos demais. A sua classificação assenta em dois critérios fundamentais: a diferencia-ção estrutural e a secularização cultural. Tendo por base o primeiro os autores chamam a atenção para o facto de nos sistemas políticos poderem surgir novas estruturas, a que são atribuídas novas ou velhas funções transformadas segundo uma lógica de crescente especialização. Este processo de especialização é geralmente acompanhado de um progressivo aumento da autonomia dos subsistemas no interior da estrutura política. O segundo critério traduz o processo através do qual os homens se tornam mais racionais, analíticos e empíri-cos na sua acção política, implicando a substituição de atitudes e orientações tradicionais por concepções mais dinâmicas da política. Almond e Powell dividem os sistemas políticos em três classes distintas: (1) Primitivos (funções políticas realiza-das de modo descontínuo e indiferenciado por grupos de parentesco ou estruturas de governo fortemente personalizadas); (2) Tra-dicionais (estruturas políticas e de governo dotadas de uma certa diferenciação caracterizada pelo recurso a uma burocracia mais ou menos especializada); (3) Modernos (infra-estruturas políticas diferenciadas e relativamente autónomas – partidos, grupos de pressão e interesse e OCS). Dentro desta última categoria entre sistema democrático e autoritário. 2ª. Etapa – meados de 60 até 1970 A concepção uniforme e tendencialmente unilateral do desenvolvimento é progressivamente substituída por uma visão mais articulada. Ao optimismo dos pioneiros sucede agora, senão o pessimismo, seguramente o realismo dos estudiosos da 2ª. geração que concebem desenvolvimento político como a capacidade de um sistema de enfrentar e superar um certo número de crises. O conceito de democracia dá lugar à noção de ordem entendida como a ausência de conflitualidade e reali-zação de um elevado grau de estabilidade política. Assiste-se à individualização de uma nova área de estudo: a modernização. No seu livro intitulado “The Politics of Modernization”, David Apter entende privilegiar o estudo da modernização que define como a importação no seio das sociedades tradicionais de novos papéis saídos da sociedade industrial. Considera que a modernização constitui um processo de difusão e consolida-ção das estruturas, papéis, comportamentos, que tornam possível a passagem da sociedade tradicional para a industrial, segundo uma sucessão: (1) declínio do tradicionalismo; (2) passagem para a industrialização; (3) advento da modernização. O processo de modernização desenvolve-se ao longo de três dimensões principais: Normativa (valores que permeiam a sociedade); Estrutural (limites dentro dos quais as escolhas dos indivíduos se efectuam); Atitu-

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dinal ou Comportamental (tipos de escolhas e motivos que as determinam). A partir daqui o autor desen-volve uma complexa e sugestiva teoria das alternativas do desenvolvimento político em que a sociedade tradicional é vista como embrião da sociedade moderna, delineando um esquema de classificação bi-dimensional baseado na autoridade (hierárquica e piramidal) e em tipos de valores dominantes ao nível da comunidade (expressivos e instrumentais). Apter propõe 4 tipos de sistema político: Teocrático; de Mobili-zação (Rússia); de Reconciliação (América Latina) e Burocrático (Mundo Ocidental). Destes quatro só os três últimos podem considerar-se potencialmente modernizadores. Samuel Huntington, contesta a associação generalizada entre os processos de modernização e desenvolvi-mento político apresentando o DP como a institucionalização de organizações e procedimentos políticos. Institucionalização: processo pelo qual as organizações e os procedimentos adquirem validade e estabilidade. Sgundo Huntington o nível de institucionalização de qualquer sistema político pode ser medido em 4 elementos fundamentais: Adaptabilidade; Complexidade; Autonomia; Coerência. Combinando o nível de institucionalização com o nível de participação política Huntington traça uma tipologia dos sistemas políticos que se centra na distinção entre sociedade civil (politicamente desenvolvida) sociedade pretoriana (politicamente corrupta). A sociedade civil reconhece-se pela presença de instituições fortes que organizam e disciplinam o elevado nível de participação popular. Na sociedade pretoriana as instituições políticas são débeis e as forças sociais fortes, de tal modo que o típico das sociedades corruptas pretorianas é a ausência da aceitação generalizada das regras do jogo, sendo a oscilação entre acções violentas, legais e ilegais, coercitivas e persuasivas uma constante. Huntington propõe ainda uma segunda classificação, na qual os sistemas políticos são distinguidos segundo o grau de distribuição (concentrada ou difuso) e concentração (mais ou menos restrita/ampla) do poder. 3ª. Etapa – 1970-1980 Marca o abandono da pretensão de fornecer uma teoria geral do DP, passando este de objecto universal e abstracto a objecto singular e concreto. Assiste-se a um regresso à história e a um estudo das condições par-ticulares que presidem à transformação de um sistema político para se descobrirem novas variáveis susceptí-veis de explicar as diferenças e assimetrias entre os diversos sistemas. Os trabalhos de Tilly, de Rokkan e Wallenstein surgem como emblemáticos desta nova abordagem. 4. A Sede do Poder: Grupos de Interesse e de Pressão A Teoria Polí t ica dos Grupos: breve retrospectiva Adriano Moreira distingue Sede de Apoio (grupos, extractos sociais e classes que estão numa relação de obe-diência consentida com o aparelho do poder) e Sede de Exercício (o próprio aparelho do poder). O conceito de Grupo de Pressão está ligado à teoria pluralista e à teoria dos grupos, desenvolvida em espe-cial a partir dos trabalhos de Arthur Bentley. A teoria dos grupos constitui um dos sectores predilectos da CP contemporânea. Só nos anos 20 e 30 alguns politólogos redescobrem a utilidade da análise dos grupos de pressão, procurando saber de que modo e em que medida estes influenciam o processo da decisão política. Peter Odegard, Pendleton Herring e Elmer Schattschneider, privilegiaram a análise empírica sem ter em vista a construção de uma teoria política geral dos grupos. A visão pluralista que se difunde nos anos 50 perde essa forte componente prescritiva e doutrinária, achando-se ligada a um vasto conjunto de questões conjunturais, opções metodológicas e circunstâncias contingentes. Entre as primeiras salienta-se o repensar da democracia ocidental; nas segundas figuram a recusa da CP americana em usar seja o conceito de classe dada a sua origem marxista, seja a imagem forte do poder que se acha associada aos conceitos de hierarquia, estado, burocracia e classe política. Os motivos contingentes criticam o sistema bi-partidário americano. Importa notar que a Group Theory of Politics se desenvolveu através de 4 etapas distintas: a primeira, que coincide com o início dos anos 50, identifica-se com os trabalhos de David Truman e Earl Latham, que reconhecem que a multiplicidade dos interesses e dos grupos organizados condiciona profundamente o go-verno da coisa pública. Porém, estando os interesses numa posição de igualdade, o sistema político no seu conjunto mantém um carácter essencialmente democrático. Na imagem sugestiva de Latham, os perdedores de hoje podem ser os vencedores de amanhã. O governo e as instituições mais não são do que caixas regista-doras das escolhas. A segunda etapa, tem o seu início nos anos 70 e é marcada pelas obras de Elmer Schattschneider, de Mancour Olson e Grant McConnell, que vieram alterar profundamente o tipo de abor-dagem até então prevalecente. Schattschneider e McConnell colocam em causa a imagem de um poder difuso e de uma harmoniosa interacção entre os grupos, sublinhando a dimensão competitiva e conflitual do sistema de pressões. A terceira fase desenvolve-se a partir dos anos 70, tendo como principais autores Robert Sulis-

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bury e Theodor Lowi. Sulisbury propõe um modelo de análise que procura explicar a emergência, o cresci-mento e o declínio dos grupos de interesse a partir das relações de troca entre aqueles que são os promotores do grupo (empresários, organizadores) e aqueles que a ele aderem posteriormente (consumidores, aderentes). Lowi critica a teoria dos grupos concebida por Truman e Latham denunciando o seu carácter ideológico-conservador e negando a sua validade empírica. Embora tendo contribuído para revolucionar a teoria dos grupos de pressão, em muitos aspectos, não se pode dizer que os grupos de Olson (primeiro) e os de Sulisbury e Lowi (depois), tenham alimentado nos anos 70 a análise sobre os grupos e a sua acção no processo político. Só nos anos 80 este importante sector de estudo da CP ganhou um outro ímpeto com o desenvolvimento de novas abordagens, tal como a neo-corporativa e de novas perspectivas de investigação, de que é exemplo o estudo das políticas públicas. Mais do que sublinhar a inevitabilidade das pressões dos interesses sobre as políticas públicas, trata-se de evidenciar as diversas modalidades de acção dos grupos na vida pública, refe-rindo ora a concertação cooperativa (desenvolvida entre grupos económicos e governo) ora o grau de auto-nomia dos grupos organizados face ao Estado e às escolhas estratégicas. Não é de admirar assim a profunda mudança do vocabulário e dos modelos interpretativos: se o neo-pluralismo dos anos 50/60 falava de grupos de interesse, de pressão e de lobbies, o pluralismo dos anos 80 recorre a novas imagens que indiciam a pre-sença de triângulos de ferro, redes políticas, comunidades políticas e redes temáticas. Definição, Classif icação e Funções dos Grupos de Pressão Jacqueline de Celis: grupo de pressão é sempre um grupo de interesses mas um grupo de interesses não é necessariamente um grupo de pressão. A tipologia dos Grupos de Pressão proposta por Almond e Powell, distingue grupos anómicos (expontâneos e efémeros – manifestações, tumultos, revoltas); não associativos (informais, intermitentes e não voluntários, que não têm continuidade de organização – religiosos, étnicos e linguísticos); institucionais (tutelam com continuidade os interesses consolidados promovendo-os através de canais oficiais - partidos, burocracia, exércitos); associativos (base voluntária, especializados na representação, promoção e defesa de interesses particulares – sindicatos, agrupamentos cívicos). Proposta de Jean Blondel: situa os grupos de pressão ao longo de um continuum cujos extremos correspon-dem a dois tipos de organização diametralmente opostos: comunitária (laços afectivos e exclusivos – grupos de parentesco, étnicos, religiosos, castas) e associativo (laços instrumentais e inclusivos, típico de processos de modernização, diversificação e fragmentação social – sindicatos, ordens profissionais e grupos ambienta-lists). Um elemento decisivo na procura de uma definição de GP diz respeito à defesa de interesses específicos. Promovem os interesses particulares e especiais dos sectores que representam, procurando obter do poder decisões que lhes sejam favoráveis. Fazem-no através da pressão que se traduz na definição de Mathiot em toda a acção realizada junto de qualquer autoridade para influir sobre as suas decisões, através dos métodos apropriados, desde a propaganda hábil até aos meios de intimidação. A pressão constitui elemento determi-nante da definição de grupo de pressão, não tem por finalidade obter o acesso directo ao poder político, mas antes influenciar a distribuição autoritária dos valores sociais mediante a possibilidade de recorrer ao uso de sanções positivas ou negativas. Grupos de Pressão e Partidos Políticos: aquele que aceitam a acepção extensiva da Group Theory of Politics, tendem a não estabelecer qualquer separação entre partidos e grupos: os partidos, tal como os grupos, são manifestações particulares de um fenómeno mais geral; aqueles que afirmam ser possível distinguir ambos os fenómenos atendendo à sua natureza específica, definem os partidos como organizações que lutam pela aqui-sição, manutenção e exercício do poder, e os grupos como organizações que procuram pressionar o poder político, sublinhando ainda que se a política é para os primeiros um fim, para os segundos ela não é senão um meio. A realidade dificulta a clareza da distinção. Existem partidos que assumem a qualidade de grupos de pressão, afastam-se ou são afastados duradouramente da competição eleitoral, mas também porque há grupos de pressão que se organizam formalmente como partidos políticos. É por isso que muitos autores propõem que se recorra à análise funcional para estabelecer as diferenças concretas entre partidos e grupos num dado sistema. Almond e Powell, estabelecendo uma verdadeira divisão do trabalho político, atribuem aos grupos de pressão uma função de articulação dos interesses (canalização para o sistema das exigências sociais) e aos partidos a função de agregação dos interesses. Domenico Fisichella separa as funções desempenhadas apenas pelos partidos (competição eleitoral, gestão directa do poder político e de expressão democrática) de todas as que são comuns aos partidos e grupos. A resposta dos funcionalistas a esta questão é sugestiva, por duas

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razões: (1) permite evitar a arbitrariedade inerente a toda e qualquer tentativa de definição; (2) incita ao estu-do da dimensão empírica do fenómeno, mostrando que a linha de separação entre partidos e grupos varia de sistema para sistema. Canais, Recursos e Tipos de Intervenção dos Grupos de Pressão Adriano Moreira reconhece que o aspecto mais importante e específico dos GP é o que se refere ao seu modo de actuação, ou seja, a questão dos canais de intervenção ou de acesso ao poder político. A intervenção exer-ce-se sobre os órgãos do poder, sobre os partidos ou sobre a opinião pública. A escolha do canal depende de um conjunto de factores externos (características do sistema político, grau de consenso social no que toca à acção dos grupos e a aceitação da sua legitimidade) e de factores internos (recursos de que o grupo pode dispôr, grau de coesão e unidade interna, qualidade e amplitude dos conheci-mentos, homogeneidade social dos membros, controlo dos mass media, prestígio de que o grupo goza e habi-lidade política e administrativa dos líderes). As relações entre os grupos de pressão e os órgãos do poder podem ser abertas ou ocultas. No primeiro caso tendem a desenvolver-se através da informação e da documentação dos órgãos de decisão política, da criação de comités, comissões ou conselhos permanentes de consulta. As relações ocultas podem revestir variadas formas como o suborno e a corrupção, constituição de redes de dependências e clientelas (máfia), financia-mento de partidos políticos e de políticos em concreto, sendo estas responsáveis em grande medida pela ima-gem negativa que a opinião pública tem de muitos grupos de pressão. Quanto às relações que se estabelecem entre os GP e os Partidos, podem ser caracterizadas por diversos graus de interdependência: (1) os grupos de pressão controlam e condicionam os partidos; (2) os grupos de pressão são, ao contrário, uma emanação dos partidos apoiando a sua actividade tanto a nível ideológico como a nível da mobilização de aderentes; (3) os grupos de pressão e os partidos são estruturas políticas autónomas, uns tutelam os interesses particulares e sectorais, os outros defendem e promovem interesses gerais e colectivos. Os grupos de pressão podem ainda ter em vista agir sobre a opinião pública no sentido de motivá-la a assu-mir como suas, reivindicações que pretendem desenvolver, obrigando assim os órgãos decisores a ceder perante o apoio favorável dos cidadãos. Esta acção junto da opinião pública pode revestir a forma de cons-trangimento (greves, manifestações de massa) ou de persuasão exercida pela propaganda (conferências de imprensa, aluguer de páginas de jornais, spots de televisão) quer pela informação (controle de órgãos de im-prensa por grupos económicos e financeiros). Grupos de Pressão e Tecnocracia A assunção de crescentes poderes nos vários escalões do Estado e das organizações políticas em geral, por equipas de técnicos e funcionários especializados, leva Adriano Moreira a destacar, dentro da teoria dos gru-pos, o problema da burocracia moderna ou tecnocracia. A tecnocracia pode actuar como grupo de pressão mas também pode ocupar o próprio aparelho no Estado (elite do poder ou da classe dirigente). A compreensão do fenómeno varia consoante nos situemos no âmbito da matriz liberal ou da marxista. A primeira tende a ver com apreensão e até pessimismo, a pilotagem da sociedade civil por cientistas, técnicos e engenheiros, que se negam a qualidade de políticos, mas que exer-cem de facto o poder político, invocando uma legitimidade baseada na competência profissional e na ciência. Quanto à matriz marxista, considera que a burocracia e a tecnocracia são fenómenos que nascem não em separado mas em necessária inter-dependência com o desenvolvimento histórico do estado capitalita. 5. A Sede do Poder: Partidos Políticos

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Breve retrospectiva do estudo dos partidos polí t icos Os partidos políticos começaram a assumir a sua forma moderna, devido à dinâmica dos mecanismos de representação política e aos novos desafios sócio-económicos, a partir de meados do séc. XIX, apresentan-do-se até aí como meras “facções”, mais ou menos estruturadas, com uma duração efémera. As facções polí-ticas foram objecto de forte suspeição por parte de filósofos, ensaísta e homens políticos, que, defendendo uma ideia abstracta do bem comum e rejeitando o movimento de oposição política, criticaram e denunciaram os seus efeitos desagregadores da unidade nacional e coesão do Estado. É assim que os partidos são inconcebíveis na teoria política de Thomas Hobbes (defensor do estado absolu-to), para quem a ideia de um estado forte, capaz de superar a hostilidade e insegurança, implicava que os homens renunciassem aos seus interesses particulares, constituindo a divisão em partidos, “Estados dentro do Estado”, um constante apelo à sedição e guerra civil.

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Para o pai da democracia moderna Jean-Jacques Rousseau, os partidos são corpos estranhos ao estado, e a sua formação um sintoma da ruína da comunidade. Bolingbroke, mentor dos tories, Edmund Burke, líder do movimento reformador dos whigs defendem a necessidade dos partidos numa comunidade livre e, adop-tando uma definição de partido baseada num interesse comum, projecta toda a sua ira sobre a facção. James Madison, um dos fundadores do partido republicano dos EUA, depois de advertir contra os perigos da divi-são do eleitorado em facções e partidos, acaba por reconhecer a sua inevitabilidade, considerado-os o preço a pagar pela liberdade real – “liberdade é para o espírito faccioso o que o ar é para o fogo”. História do estudo dos partidos políticos: obras clássicas de Bryce, Ostrogorski e Michels Bryce (The American Commonwealth) desenvolveu uma análise realista do sistema político norte americano, apontando a profissionalização da actividade partidária e o spoils system, como principais responsáveis pelo desvirtuar da formula democrática. Ostrogorski (Democracy and the Organization of Political Parties) estudou a relação entre o desenvolvimento dos par-tidos modernos e o funcionamento da democracia na Grã-Bretanha e no EUA, para concluir que as regras do jogo democrático eram falseadas em ambos os países pela presença de elementos cesaristas e plutocráticos: se no caso inglês, a “máquina de partido” concorria para o domínio quase absoluto dos líderes políticos (“cesarismo popular”); já no caso americano ela tendia a favorecer a emergência de governos oligárquicos ou mesmo autocráticos. Este autor defende a substituição das organizações partidárias permanentes, com pesa-dos programas omnibus, por simples agrupamentos ad-hoc. Michels (Sociologia dos Partidos Políticos e da célebre Lei de Ferro da Oligarquia), parte da experiência para si paradig-mática, de que nem sequer a social democracia alemã do seu tempo, que defendia a transformação da demo-cracia formal burguesa numa democracia social real, conseguira escapar às tendências antidemocráticas ima-nentes a qualquer organização. Sem democracia nos partidos, é posta em causa a democracia nas sociedades. Maurice Duverger dotando a ciência política de um estudo global e sistemático sobre os partidos políticos, suscitou um amplo e aceso debate, sobre a tipologia das organizações partidárias. Nos anos 60/70 a investigação assume a aparência do que Thomas Kuhn, qualifica de estado científico “re-volucionário”, que destaca a importância dos processos de construção nacional e de industrialização na géne-se dos partidos e sistemas partidários na Europa. Na década de 80, autores como Hans Daalder, Peter Mair e Klaus Von Beyme ensaiam algumas tentativas de síntese de alcance mais totalizante, onde se procura analisar o fenómeno partidário em todas as suas face-tas, designadamente posição ideológica, estrutura organizativa e actividade exterior. Nesta altura, surge o importante estudo do italiano Angelo Panebianco, (Modelos de Partido), depois de reconhecer os méritos da investigação sociológica e politológica sobre os partidos, o autor chama a atenção para o que julga ser uma grave lacuna nesta área, nomeadamente o abandono do estudo dos partidos políticos enquanto organizações. A definição e a génese dos partidos polí t icos Reflectindo o comportamento individual do homem político, também o partido tem como principal ambição ocupar o poder, ou porque julga ter uma solução para o interesse público (forma autentica), ou porque julga satisfazer inte-resses sectoriais ou privados (forma degenerada). Joseph Lapalombara e Myron Weinerr – para estes autores a existência de um partido político pressupõe 4 condições: (1) organização durável (esperança de vida política superior à dos seus dirigentes); (2) org. local bem esta-belecida; (3) vontade de tomar e exercer o poder; (4) apoio popular. O Prof. Adriano Moreira sublinha, a importância do ambiente parlamentar das sociedades liberais sobre a organização, as funções assumidas e o comportamento geral dos primeiros partidos modernos. O primeiro estádio deste processo é marcado pela criação dos grupos parlamentares, simultaneamente unitária pela referência à totalidade da comunidade política e pluralista pela contraposição de opiniões. A formação de comités de apoio aos eleitos e a sua posterior conversão em comités eleitorais, assinalam o segundo estádio do processo que conduz à criação dos partidos modernos: quanto > é o n.º de eleitores me-nos os candidatos podem remeter-se à espontaneidade social e às redes de amizades e influências de outrora Este processo de formação dos partidos políticos completa-se com a fusão dos GP e dos comités eleitorais, a qual reveste 2 facetas: (1) fusão vertical (cada GP começa por estabelecer relações regulares com o conjunto dos comités eleitorais que trabalham, a nível local, para os parlamentares membros do grupo) (2) fusão horizontal ( instituem-se relações continuadas entre os diversos comités eleitorais que partilham o mesmo objectivo). O sistema parlamentar e o sufrágio universal determinaram a criação das primeiras formações partidárias, mas os fenómenos não coincidiram na maioria dos países. Os grupos liberais, que favoreceram o estabeleci-mento do governo parlamentar, estavam, de uma maneira geral, contra a extensão do direito do sufrágio 21

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(Grã-Bretanha, Bélgica, Dinamarca, Itália e Noruega). Enquanto que os sistemas relativamente autoritários, sem governo parlamentar, introduziram (Bismark na Alemanha) ou mantiveram (Napoleão III na França) por razões demagógicas o sufrágio universal. Há ainda que considerar os “Partidos de criação externa”, nascidos fora do ambiente parlamentar e alheios ao projecto liberal. Estas formações políticas, de que são ex. os parti-dos socialistas, agrários e os confessionais, provêm de organizações de natureza socio-profissional preexis-tentes, sendo amiúde representativo de estratos sociais párias, isto é, de classes sociais afastadas da cena política do estado liberal. O carácter inovador desta categoria de Duverger não se resume à sua génese, exterior às instituições vigen-tes, alargando-se também a outros aspectos: em comparação com os partidos nascidos em ambiente parla-mentar por mediação eleitoral, os partidos criados por acção externa apresentam uma estrutura orgânica mais centralizada e uma maior coerência e disciplina interna. Na compreensão da dimensão genealógica dos partidos, no estudo de Seymour Lipset e Steine Rokkan, atendendo à história da Europa, Rokkan identifica 3 momentos cruciais: revolução nacional (e religiosa); revolução industrial e a revolução internacional, que, assumindo intensidade distinta e combinando-se de diferentes formas, explicam em grande parte as semelhanças e as diferenças que se observam nos sistemas partidários europeus. Do processo de construção nacional emergiram duas clivagens fundamentais: Centro-periferia (esteve na origem de conflitos aos estados, e que opôs, a tentativa de hegemonização das elites políticas centrais à resistência das populações periféricas); Estado-Igreja ( traduz os conflitos resultantes dos esforços de autonomização do poder secular da tutela religiosa, através da restrição dos privilégios tradicionais detidos pelas igrejas e do controlo eclesiástico da vida social). Destas duas cliva-gens resultaram os partidos laico-liberais (do lado dos construtores da nação) e os partidos confessionais e/ou regionais (do lado dos grupos periféricos e das confissões religiosas). A segunda fase crucial na história europeia é a revolução industrial de que emergem duas outras fracturas ou clivagens para a estruturação dos sistemas de partido: (1) opõe os interesses urbanos, comerciais e indus-triais, aos rurais e campesinos, dando lugar a um conflito entre os sectores primário e secundário; (2) con-trapõe os trabalhadores industriais aos proprietários e patrões e marca o início dos conflitos de classes. Na primeira clivagem surgem os partidos agrários, na segunda surgem os socialistas. O ultimo momento crítico à revolução internacional (Rev. Russa-1917) que, determina a fractura entre o socialismo e o comunismo, ou seja, o conflito entre as lealdades nacionais e internacionais no seio do ultimo dos estratos a ser integrado formalmente no estado-nação, o dos trabalhadores rurais e industriais. Tais frac-turas, e os autores principais que se formaram em seu redor, agregaram-se e combinaram-se amiúde entre si, dando lugar a alianças distintas, o que explica a pluralidade dos sistemas partidários europeus. A tipologia e as funções dos partidos polít icos É hoje impossível prescindir dos tipos ideais na teoria política e sociológica. A análise dos partido políticos é particularmente devedora do Método Tipológico, iniciado com Max Weber. Das distinções de tipo ideal sugeridas por este autor, aquela quer exerceu uma maior influência sobre a reflexão sociológica posterior foi certamente a que opõe os “partidos de notáveis” aos “partidos de massas”. Na sua célebre conferência intitu-lada A Política como Vocação, os primeiros caracterizavam-se por um pessoal político constituído essen-cialmente por caciques ou influentes locais que, graças à sua situação económica, se dedicavam à acção partidária como ocupação secundária (vivem para e não da política); os segundos, filhos da democracia e do direito de sufrágio, caracterizavam-se por uma organização forte e hierarquizada, constituída por um pes-soal político e profissional e tem como principal objectivo não já a constituição de um capital de notoriedade mas, antes o recrutamento maciço de membros. Esta distinção seria retomada por Maurice Duverger que, atendendo à unidade organizativa de base, lança a sub-distinção dos partidos de massas em socialistas, co-munistas e fascistas. Tal como Weber também Duverger associa o desenvolvimento deste novo modelo de partido à extensão dos direitos democráticos, já que é a introdução do sufrágio universal a determinar a substituição do sistema de comité pelo de secção, e a do “partido de quadros” pelo “partido de massas”. Este segundo tipo de organização encontra-se sobretudo entre os partidos de esquerda, certo é também que se alastrou rapidamente aos partidos de centro e de direita, que tiveram de mudar os seus “métodos de trabalho” para assim poderem competir com as formas organizativas dos partidos operários. Este “contágio de estrutu-ras” é ditado não apenas por razões de eficácia política mas, também pela necessidade dos conservadores de legitimar as suas estruturas, ainda que isso significasse terem de se submeter ao processo de “democratiza-ção” do qual queriam defender o Estado. “A adopção da secção pelos partidos de direita tem o mesmo signi-ficado que a adopção do sufrágio universal e do regime parlamentar por nações iletradas e feudais: um sacrifício às ideias do século” escreve Duverger. (pág. 165) Como sublinha o Prof. Adriano Moreira, a classificação binária de Duverger, seria posta em causa pela 22

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posterior evolução dos “partidos de massas” e reorganização dos “partidos de quadros”, que, nos aos 70 favo-receram a emergência e consolidação de um novo tipo de partido político: o “partido de eleitores”, “partido de reunião” ou “partido eleitoral de massas”. Esta metamorfose das formações partidárias operada nos países a caminho de pós-industrializados, é reco-nhecida por autores como OttoKirchheimer que, anuncia o fim da “idade de ouro” dos partidos de massas e o início de uma nova fase tendente à generalização catch all people’s party. Esta transição do clássico “partido de massas” para o actual “partido de eleitores” é bastante mais problemá-tica do que a descrita nos anos 50 por Duverger, porque se encontra associada a transformações ideológicas e organizativas que parecem implicar, o declínio, do sistema dos partidos enquanto forma dominante de par-ticipação de massas. São elas as seguintes: (1) desideologização do partido (imposta pela preocupação elei-toral que obriga a pescagem indiscriminada de eleitores); (2) reforço do poder organizativo dos líderes (+ sensíveis às flutuações da clientela eleitoral do que aos interesses dos filiados); (3) desvalorização do peso político dos inscritos e militantes de base (considerados resíduo histórico); (4) adopção de uma estratégia interclassista (destinada a abarcar toda a população); (5) maior abertura do partido à influência dos grupos de interesse (de quem depende o financiamento); (6) enfraquecimento das relações entre partido/eleitorado (deixando estas de depender da existência de uma forte implantação social do partido ou de subculturas políticas sólidas e compactas). Kirchheimer mostra-se apreensivo quanto ao triunfo do novo modelo de partido. Constata não só a crescen-te vulnerabilidade da organização do partido, como antevê sérios riscos para a democracia. A análise de Kirchheimer reitera que a implementação generalizada dos “partidos de eleitores”, coeva à passagem da democracia conflitual à actual democracia consensual, arrastou consigo a crise ou declínio dos partidos. Angelo Panebianco, fala do enfraquecimento dos partidos, considerando que a autonomia do partido peran-te o seu ambiente reduz-se e, simetricamente, aumenta a autonomia do eleitor face ao partido; cresce o peso político dos grupos de interesse; reduz-se a coerência estrutural da organização. Muitos partidos tendem a desaparecer mas, a reconfiguração do velho “partido de massas” em “partido de eleitores” não afectou de modo igual todos os partidos, como bem observa Penabianco, o ritmo e intensidade de uma tal transformação dependem tanto do grau de institucionalização alcançado pelo partido no período anterior quanto do grau de fragmentação do sistema de partidos ¾ . Os processos de mudança social que se registaram ao atenuar as divisões sócio-económicas e culturais tradi-cionais, obrigaram os partidos a redefinir o seu “território de caça” em face de um eleitorado cada vez mais heterogéneo, instruído e informado, mas também extraordinariamente individualista e atomizado, pouco sen-sível às solidariedades colectivas e/ou redes organizativas. A televisão, transformou de modo significativo os mecanismos de acesso à informação política, permitindo aos líderes partidários um contacto directo e regular com os cidadãos, onde o apelo carismático dos primeiros é factor determinante para a mobilização dos se-gundos. As novas técnicas de marketing e publicidade conduziram a uma redefinição do mapa de poder dos diversos partidos, tendo o peso político-organizativo dos funcionários e militantes sido substancialmente reduzido. As mudanças operadas no financiamento dos partidos, que em regra passaram a depender mais das subvenções estatais e menos da quotização dos seus membros e de outras formas, fomentaram a sua crescente aproximação a Estado. Peter Mair fala-nos da emergência de um novo modelo de partido, o “partido Cartel”, que, acentuando algumas das tendências estruturais e organizativas do catch all party, volta a colocar a questão da crise ou declínio dos partidos. Porque a sua afirmação, se faz acompanhar da incorporação dos partidos no Estado e do consequente enfraquecimento dos laços tradicionais com a sociedade civil. Actuando mais como agentes do Estado e menos como intermediários entre a sociedade civil e o poder, os partidos Cartel parecem configurar uma situação contraditória. Se é certo que são instituições mais fortes e privilegiadas, não é menos verdade que são também entidades mais remotas e menos legitimadas ¾ o que explica o sentimento anti-partidário que caracteriza hoje a política de massas. Para Peter Mair, este aparente desequilíbrio entre privilégio público e descrédito popular que justifica a actual crítica dos partidos políticos, encontram um paralelo histórico na situação descrita por Alexis de Toc-queville em “O Antigo Regime e a Revolução Francesa”. Na politogia norte americana os partidos são tra-tados cada vez mais como “navios vazios” (empty vassels). A chamada crise das ideologias ou apaziguamento ideológico (para Leibnitz “a paz dos cemitérios”), levou a ser irrelevante ou mesmo inútil continuar a dividir o universo político segundo o critério das ideologias opostas, isto é de acordo com o continumm esquerda/direita. Ideia que ganhou, aliás, um n.º crescente de adeptos após os acontecimentos de 1989 que extinguiram os regimes comunistas do leste. Há ainda outros motivos para declarar gasta e rejeitar a díade dta/esq., e o seu carácter profundamente simplificador: o uni-

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verso político da sociedades democráticas actuais (complexo); as forças políticas em jogo são multiplas, sen-do possíveis as mais variáveis combinações entre si, (ex. as denominadas “3ªs vias” de Anthony Giddens.) A transformação contínua da sociedade ao gerar uma “nova e inesperada tabela de conflitos”, levou ao aparecimento de actores políticos que não se inserem, ou não se julgam inseridos no esquema tradicional da oposição entre dta e esq., confirmando o seu anacronismo (ex. partidos de contestação). Nascidos sobretudo da perda de conteúdo programático das máquinas partidárias clássicas e do destaque de novas questões políticas (ambientalistas), considerados como formações transversais, isto é, que atravessam os blocos antagónicos da dta e da esq. passando indiferentemente de um para outro. Um outro tipo de abordagem dos partidos políticos é a análise funcional, que procura determinar quais são as principais funções dos partidos nas sociedades modernas. Adriano Moreira refere que as funções dos partidos variam de acordo com o tipo de ambiente em que nasceram, aparecem como variáveis dependentes do quadro sócio-político a cujas exigências tiveram de dar resposta. Os partidos nascidos do ambiente par-lamentar, assumiram funções relativamente circunscritas, ligadas sobretudo à consolidação dos mecanis-mos políticos que estiveram na sua origem. Os partidos nascidos fora do ambiente parlamentar, tiveram de se confrontar com exigências muito mais complexas. Tendera para se moldar nas formas do poder colonial expulso, assumindo a imagem do próprio Estado monopolista que se propunham substituir. De entre todas as instituições políticas, os partidos são aquelas que se caracterizam por uma maior funcionalidade, condição cinequanon para o funcionamento da democracia moderna. A função mais importante atribuída tradicionalmente aos partidos é a estruturação do voto. A função pro-gramática constituí o corolário lógico da actividade partidária, tornando possível aos cidadãos não só uma escolha mais consciente nas eleições, mas também o controlo preventivo dos governantes. A segunda função é a selecção dos candidatos. Esta designação pode ser efectuada segundo diferentes procedimentos, cuja oposição repõe grosso modo a distinção entre partidos de quadros e de massas. Os candidatos podem ser ou coopetados pelos órgãos dirigentes ou eleitos pelas bases do partido. No primeiro caso há a propensão para a oligarquia interna. Por forma a evitar este perigo, os EUA introduziram o sistema de “eleições primá-rias”, em que os aspirantes à presidência são designados pelos eleitores, e onde é possível o controlo popular em todas as etapas do processo electivo e não apenas na fase final. Salienta Adriano Moreira, que a distinção entre coopetação e eleição pelas bases nem sempre é fácil de estabelecer, já que o resultado tende para ser em ambos os casos a substituição do conservadorismo dos regimes com partidos, que mantém os notáveis no poder em vista da origem familiar e da posição dominante na sociedade civil. O enquadramento dos eleitos constituí a terceira função reconhecida aos partidos políticos. Os eleitos reú-nem-se agora em GP, devendo estes apresentar-se disciplinados nas suas intervenções e votação. A disciplina de voto pode ser rígida ou flexível, o certo é que é hoje geral. Os partidos constituem os principais elemen-tos de mediação entre o Estado e a sociedade e desta função derivam outras: (1) mobilizar a opinião pública (tornando possível a participação política); (2) integração e legitimação do sistema político (criam laços de comunicação e cooperação entre os indivíduos e os grupos integrando-os na ordem política existente; (3) articulação e agregação dos interesses (auscultar interesses e integra-los em programas para posterior legislação); (4) formar, dirigir e controlar acção do governo; (5) organização e composição do parlamento (GP protagonizam a função legislativa de controlo político e, indirecta/, de nomeação de outros órgãos do Estado. O modo como os partidos desempenham a diversas funções converteu-se num dos principais indicadores da sua relevância no contex-to da vida democrática. Essas funções são desempenhadas também por um n.º crescente de organizações, grupos e associações de natureza não partidária. 6. O Exame da Estrutura do Poder Bem Comum e Teoria dos Confli tos Adriano Moreira diz que este problema é tributário de duas atitudes: (1) entende o Estado como uma inteira comunidade, onde todas as pessoas estão unidas pelo interesse ou bem comum, sendo o conflito entendido como uma enfermidade ou acidente e nunca como a tónica do fenómeno político; (2) tende a encarar o Esta-do como forma mediadora de conflitos de interesse que caracterizam qualquer relação entre indivíduos ou grupos e, como tal, constituem o fulcro essencial da Política. A noção de Bem Comum e a convicção de que sem este critério a vida social e política seria ininteligível, corresponde à tradição mais antiga da CP. Tem o seu início com Aristóteles. No seu tratado clássico diz-nos que a comunidade perfeita ou pólis, tem por finalidade garantir a “vida boa”, sendo a obediência ao poder constituído um dever do “bom cidadão”. Cabendo a S. Tomás de Aquino a definição dos elementos essen-ciais da doutrina do Bem Comum, esta unidade substancial é correspondente à minimização dos conflitos e é 24

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quebrada por Maquiavel para ser progressivamente abandonada pelo pensamento político posterior. Tomando como referência a síntese proposta por Klaus von Beyme, Adriano Moreira faz notar que todas as correntes ideológicas acabaram por adoptar o ponto de vista do conflito de interesses, relegando para segun-do plano o critério tradicional do Bem Comum. Liberais – o Estado é a soma de interesses individuais e de grupos concorrentes entre si. Marxistas – oposi-ção de classes em que o Estado é o representante exclusivo da classe dominante, acabará absorvido numa sociedade civil que se auto-regula sem necessidade de poder político. Conservadores – conflito entre a elite e as massas. Para Adriano Moreira assume-se aqui claramente a concepção schmittiana da política, entendida como o confronto existencial entre Amigo e Inimigo, o que deve ser salientado é que a CP está enformada pela ideia de conflitualidade. Três conceitos operacionais em que se articula a teoria da estrutura do poder: Classes, Grupos, Elites. A Teoria das Eli tes: formulações clássicas Quem governa? A resposta a esta pergunta remete-nos para a consideração da origem, natureza e papel das minorias ou grupos dirigentes, que agem nos diversos contextos históricos ou ambientais a que se tem cha-mado Elites. A oposição entre uma maioria que detém o poder e a massa daqueles que são governados, tem sido geralmente atribuído a Maquiavel, que é considerado por muitos o fundador da Escola Elitista, que não só revolucionou a compreensão do fenómeno político ao dissociá-lo da argumentação teológica e das consi-derações éticas e morais, como fixou aquele que é o postulado básico da teoria das elites: em todas as socie-dades a desigualdade política é a regra e o poder um privilégio de poucos. Nos últimos decénios do séc. XIX, em reacção contra a ideologia democrática e a teoria marxista, um grupo significativo de pensadores, de onde se destacam Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca e Robert Michels, recupera a distinção clássica entre elites e massas e coloca no centro da sua argumentação o tema do domínio de uma minoria dirigente sobre a maioria da população. Se é certo que no âmbito destas teses gerais do elitismo há entre os clássicos diferenças assinaláveis, a uni-los estão alguns princípios fundamentais: (1) afirmação da possibilidade de uma ciência objectiva do político do social; (2) afirmação da inevitabilidade de um grupo restrito de pessoas que não só monopoliza o poder como determina os modelos de conduta política; (3) afir-mação da impossibilidade de controlo democrático da maioria sobre a minoria dirigente; (4) afirmação da natureza substancial do poder que é entendido como uma coisa ou essência que se pode adquirir ou perder; (5) afirmação do primado do voluntarismo na política e a demonstração de que as variáveis económicas, em-bora importantes, não são as determinantes causais do processos social. A Perspectiva Psicológica de Vilfredo Pareto (Tratado da Sociologia Geral) A concepção e definição do fenómeno político giram em torno de 3 ideias centrais: a da elite política; a da oposição entre as acções lógicas e não lógicas (predomínio das primeiras); política como manipulação dos sentimentos semi-conscientes. Para Pareto, a elite assenta numa dupla convicção, designadamente a da soci-abilidade natural do homem e a da heterogeneidade social. Formemos assim uma classe daqueles que têm índices mais elevados no ramo em que exercem a sua actividade e demos a essa classe o nome elite. Pareto distingue dentro da elite, os mais capazes nas funções que a sociedade descrimina, a Elite Governan-te, composta por todos aqueles que exercem directa ou indirectamente um papel de relevo no governo da sociedade; da Elite Não Governante, que compreende todos os que não têm encargos governativos. Por sua vez há que recortar no conjunto da população, dois estratos distintos: o Superior a que corresponde a Elite (ou classe eleita) e o Inferior composto pelos elementos não qualificados (classe não eleita). Tanto a inevitabilidade do domínio da elite governante como o devir histórico, são explicados por Pareto, através da teoria da acção social a qual constitui o fio condutor do seu sistema teórico. Traços fundamentais: as acções humanas podem ser de dois tipos – lógicas em que existe uma adequação dos meios aos fins, cor-respondendo a um comportamento racional e não lógicas que são aquelas em que os actores não se regem nem por princípios racionais nem por cálculos de optimização mas antes por sentimentos e instintos. Estas últimas assumem um peso decisivo na vida social e política dado que as acções humanas têm um fundamento não lógico (os homens procuram dar às suas acções não lógicas um fundamento pretensamente lógica), a que Pareto chama derivações. Estas derivações sofre uma constante variação no tempo e no espaço, já os comportamentos observáveis que Pareto designa de resíduos (e que não se confundem com os sentimentos e instintos uma vez que se traduzem num significado social) são constantes e imutáveis. Responsáveis pela imutabilidade da natureza humana, os resíduos convertem-se no elemento central da

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explicação do equilíbrio social. Pareto estabelece uma tipologia de seis classes de resíduos, a que parecem corresponder dois princípios: (1) o contraste entre individualismo e colectivismo; (2) as tendências progres-sistas e conservadoras. Na linha de Maquiavel é possível distinguir dois tipos de elites: a da Raposa (predomínio do instinto das combina-ções – são hábeis, pouco escrupulosos e manipuladores, governando segundo a astúcia) e a dos Leões (supremacia do instinto da persistência dos agregados – constituída por políticos dominados por sentimentos de lealdade, solidariedade e zelo, governando se-gundo a força). Pareto considera que a circulação das Elites é benéfica e cíclica. A Perspectiva Organizacional de Gaetano Mosca e Robert Michels Gaetano Mosca A divisão entre uma classe de governantes e uma classe de governados é inevitável. O poder político só pode ser exercido por uma minoria organizada, a que Mosca chama Classe Política ou Dirigente. No que toca à composição da Classe Política estes possuem algumas qualidades particulares, as quais conferindo-lhes uma certa superioridade material, intelectual e até moral, permite a sua elevação à classe política. Estas qualidades estão longe de ser imutáveis, correspondendo em cada momento histórico às forças sociais pre-dominantes em cada sociedade. Gaetano Mosca identifica três tipos de classe política: (1) Aristocracia Sacerdotal; (2) Aristocracia Militar; (3) Aristocracia do Dinheiro. As duas primeiras são típicas das sociedades pré-modernas e a última própria dos modernos estados burocráticos onde a posse de riqueza constitui o principal recurso para o acesso ao poder. A estas classes acrescenta ainda uma hipotética Aristocracia Intelectual, que corresponderia a um tipo de sociedade em que a força social e política dominante seria uma Classe Média, autónoma em termos eco-nómicos, educada e culta e íntegra do ponto de vista da moral pública. A classe política não é uma realidade homogénea. Nos lugares mais elevados encontra-se o Núcleo Duro ou Estrato Superior, constituído pelos Bosses dos partidos políticos, ou como Mosca lhe chama “Os Grandes Eleitores” que dirigem as campanhas eleitorais dos partidos e controlam o parlamento. Os lugares de menor destaque são ocupados por figuras secundárias que garantem a estabilidade e o funcionamento normal da máquina do estado. Garantem ainda a comunicação entre uma minoria que toma as decisões políticas (Vérti-ce Minúsculo) e o resto da sociedade (Base Gigantesca). Para Mosca a classe política é uma realidade dinâmica, tendo no seu interior uma tensão constante entre os elementos de perpetuação e permanência (herança) e os factores de mudança (que resultam da penetração na classe de elementos novos oriundos das massas). Quanto à formação classe política, Mosca identificou dois princípios no que toca à sua organização: (1) Princípio Liberal (quando o poder é conferido aos governantes pelos governados – sentido ascendente); (2) Princípio Autocrático (quando o poder é instituído do vértice da hierarquia política pelos próprios dirigentes – sentido descendente). Mosca preocupou-se ainda com a questão da degenerescência do poder, sustentando que só a defesa jurídica que impõe o governo segundo a lei é capaz de proteger os governados dos abusos dos pode-rosos. Esta é uma das razões que explica a sua rejeição do fascismo italiano, o qual dando espaço a uma só força política e a um só princípio inspirador implicava a supressão dos mecanismos de defesa jurídica. Robert Michels É o terceiro representante do elitismo clássico, dado que a sua obra “Sociologia dos Partidos Políticos” é claramente tributária da teoria das elites de Pareto e da doutrina da classe política de Mosca. Escolhendo como campo de investigação os Partidos Socialistas Europeus e em particular o Partido Social Democrata Alemão, Michels propôs-se demonstrar a impossibilidade do governo democrático em toda e qualquer forma de organização, sustentando a inevitabilidade do domínio da minoria dirigente. Michels diz que toda a representação partidária traduz um poder oligárquico fundado sobre uma base de-mocrática. Nas suas próprias palavras “a tendência para a oligarquia constitui uma necessidade histórica, uma das leis de ferro da história”. Características das Massas: (1) substancial indiferença pela coisa pública; (2) inaptidão para tomar decisões; (3) necessidade de veneração dos líderes e culto ilimitado dos heróis; (4) natureza emocional sugestionável e irresponsável; (5) conservadorismo. Perfil Psicológico e Conduta Própria dos Líderes: (1) instinto para a transmissão hereditária do poder políti-co; (2) tendência para desenvolver uma espécie de direito consuetudinário à delegação; (3) inclinação para identificar a sua vontade pessoal com a vontade do partido – o partido sou eu. À teoria de circulação das elites de Pareto e Mosca, Michels contrapõe a tese da amálgama ou fusão das eli-tes, de que resulta uma concepção profundamente pessimista do processo histórico e político. 26

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Doutr inas e Teorias Pol í t icas

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Perspectiva Económica de James Burnham Ensaia uma espécie de síntese entre duas teorias e tradições de pensamento que se queriam incomunicáveis: a marxista, que partia do primado da infra-estrutura económica sobre a super-estrutura ideológica, e a elitista que partida do primado do factor político sobre os factores económicos. Burnham inscreve-se na tradição neo-maquiavélica. Burnham descreve uma Revolução Gestionária que se traduz num sistema capitalista tradicional e, com ele, a burguesia que foi a elite política do séc. 19 que poste-riormente se extinguiu dando origem a uma nova elite política (dos Gestores). Burnham sublinha que a pro-priedade dos meios de produção não determina apenas a riqueza mas também o poder político e o prestígio social. Elitismo, Pluralismo e Elit ismo-Pluralista Quem governa? A esta pergunta surgem duas respostas alternativas. A resposta elitista aponta para uma elite com carácter unitário e monolítico; o modelo de poder é monocêntrico e a imagem da sociedade é fixa e pi-ramidal (modelo elitista). A resposta pluralista fala numa pluralidade de grupos de interesse e de pressão que se confrontam e harmonizam num processo de negociação e compromisso constantes (modelo pluralis-ta); afirma ainda a existência de uma multiplicidade de elites heterogéneas que se recortam no vértice dos vários grupos sociais (modelo elitista-pluralista). Nas suas duas acepções o pluralismo diferencia-se do elitismo quanto: (1) à concepção do poder (não o en-tende como uma coisa ou substância mas antes uma relação ou interacção, assumindo por isso um carácter instável e multiforme); (2) ao modelo de distribuição do poder (policêntrico; imagem piramidal é substituída por imagem labiríntica). (pág. 211 caderno). Charles Wright Mills em “Power Elite” descreve a estrutura do poder americano, numa perspectiva institu-cionalista. Para ele o poder é um fenómeno institucional; a composição da elite depende da detenção pelos seus membros de funções estratégicas na estrutura social; dentro desta estrutura as principais instituições são a económica, militar e política. Nos vértices destas três hierarquias institucionais encontramos a elite do poder e é da sua elevada coesão que resulta o processo de decisão. Para Mills as massas comportam-se como um agregado de indivíduos passivos, subordinados, manipulados e incapazes de agir responsável e conscientemente, ainda que o queiram. Mills diz que o triângulo do poder controla a vida quotidiana do homem-massa, denunciando o mito americano de uma sociedade aberta, lem-brando uma oligarquia. David Riesman, também em sobre a sociedade americana, este pluralista romântico fala numa multidão soli-tária, composta por indivíduos incapazes de julgar e controlar o próprio destino. A Era do Consumo trouxe um novo tipo humano, frágil, influenciável, disperso e dependente, presa fácil e apetecível para os grupos com sede de poder. Para Riesman o poder apresenta uma natureza amorfa e indefinida e está fragmentado e disperso por pequenas organizações, que apesar de incapazes de impôr a sua vontade per si, se consideram grupos de veto. (pág. 215 caderno) Robert Alan Dahl (elitista-pluralista) procurou refutar as conclusões radicais de Mills dizendo o seu modelo elitista carece de adequada comprovação empírica. Dahl diz que se só pode falar de elite dominante se esta coincidir com um grupo bem definido (Mills definiu três); não se pode falar em domínio da elite quando o que se verifica é a apatia das massas, que não confrontam a elite com uma oposição real e actuante. À oligarquia de Mills, Dahl contrapõe o termo poliarquia uma vez que o “tal triângulo de poderes” se limita a estabelecer coligações efémeras entre os seus vértices, ditadas pela defesa dos seus interesses individuais e daí a importância da negociação e do compromisso. Robert Dahl acaba por dizer que as elites coexistem, cada uma na sua esfera própria de actuação.