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Parte III: Anlise da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)-
Lngua Portuguesa
Por Sheila Byrd Carmichael - Janeiro de 2016
Base Nacional Comum Curricular 2016
Lemann Center at Stanford University
Anlise da Base Nacional Comum Curricular (BNCC):
Lngua Portuguesa1 Sheila Byrd Carmichael, janeiro de 2016
A publicao Base Nacional Curricular Comum, organizada pelo Centro Lemann da Universidade Stanford, uma srie de documentos que analisam a primeira verso da BNCC publicada pelo governo federal brasileiro em setembro de 2015. Traz tambm uma anlise sobre a implementao da Base Nacional uma vez aprovada pelo Conselho Nacional de Educao.
I. Documentos revisados
Os seguintes documentos foram revisados na conduo desta anlise:
Base Nacional Comum: Excertos da Verso Preliminar (traduo no oficial),
Sees Um a Cinco, intituladas:
o Princpios Orientadores da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
o Documento Preliminar para a Base Nacional Comum Curricular
Princpios, Formas de Organizao e Contedo
o Textos introdutrios para a rea de Linguagens
o Textos introdutrios para o Componente Curricular Lngua
Portuguesa
o Objetivos de aprendizagem do Componente Curricular Lngua
Portuguesa1
II. Organizao dos padres
Antes dos padres propriamente ditos, sob o ttulo Objetivos de aprendizagem para o
Componente Curricular Lngua Portuguesa, h muitas longas sees introdutrias
que (1) explicam, de forma geral, os Princpios orientadores para a Base Nacional
Comum (ou seja, para todas as reas de contedo, Linguagens, Matemtica,
Cincias Humanas e Cincias Naturais); (2) descrevem os Princpios, mtodo de
organizao e contedo para todas as reas de contedo; e (3) delineiam uma
abordagem para o estudo das lnguas que no tipicamente observada em conjuntos
de padres do Ingls nos Estados Unidos:
Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a rea de Linguagens rene
quatro componentes curriculares: Lngua Portuguesa, Lngua Estrangeira
Moderna, Arte e Educao Fsica. Esses componentes articulam-se na medida
em que envolvem experincias de criao, de produo e de fruio de
linguagens. Ler e produzir uma crnica, assistir a um filme ou a uma
apresentao de dana, jogar capoeira, fazer uma escultura ou visitar uma
exposio de arte so experincias de linguagem. (pg. 9 da traduo/ pg. 29
do original)
1 O Centro Lemann da Universidade Stanford encomendou esse documento especialista de Linguagem norte-americana Sheila Byrd Carmichael em Janeiro de 2016.
Embora o foco dos objetivos para Lngua Portuguesa, em ltima anlise, esteja de fato
no tipo de contedo e habilidades descritos nos conjuntos de padres para a Lngua
Inglesa nos EUA, o material introdutrio deixa claro que o propsito do estudo de
1 Ao longo desta anlise, a autora manteve precisamente o vocabulrio e a mecnica desta traduo no-oficial.
lnguas neste contexto sua relevncia para a expresso e a interao entre sujeitos
(pg. 10 do ingls/ pg. 30 do original em portugus). O conhecimento das lnguas,
como nos lembram os autores, executado no como um fim, mas como um meio
para uma compreenso mais aprofundada dos modos de se expressar e de participar
no mundo (pg. 10/ pg. 30).
Os padres so apresentados por ano de escolaridade (do 1 ao 12) e em seis
categorias, chamadas de Campos de atuao:
Prticas da vida cotidiana (1 a 8 anos)
Prticas artstico-literrias
Prticas poltico-cidads
Prticas investigativas
Prticas culturais das tecnologias de informao e comunicao
Prticas do mundo do trabalho
Essas categorias parecem desenhadas para reforar o tema da integrao que
caracteriza a abordagem do estudo da linguagem na BNCC. Elas refletem a afirmao
dos autores de que a linguagem um meio de interao entre sujeitos... (pg. 18 da
traduo/pag. 39 do original) e transmite a importncia da contextualizao do
conhecimento escolar (pg. 19/ pg. 39).
Uma srie de objetivos de aprendizagem (adiante referidos apenas como objetivos)
descreve expectativas especficas de cada ano escolar dentro de cada categoria.
III. Metodologia da anlise
Esta anlise dos padres avalia como eles endeream ou no os critrios especficos
de contedo do ELA2, estabelecidos pelo Instituto Thomas B. Fordham (TBFI, na sigla
em ingls) para o relatrio State of State Standards3, de 2010. Esses critrios esto
distribudos pelas seguintes categorias:
1. Leitura
2. Escrita
3. Ouvir e falar
4. Convenes da lngua oral e escrita
5. Pesquisa
6. Mdia
2 Nota da Tradutora.: Sigla de English Language Arts Artes da Lngua Inglesa, ou seja, Linguagem. 3 O relatrio completo, incluindo os critrios, est disponvel aqui. Ver tambm uma cpia dos critrios no Anexo A.
http://edex.s3-us-west-2.amazonaws.com/publication/pdfs/SOSSandCC2010_FullReportFINAL_8.pdf
Esses critrios (ver Anexo A) orientaram a revisora para examinar os padres e
objetivos nas categorias de linguagem mais comparveis da Base Nacional Comum ou
de certas categorias de linguagem da BNCC, j que estas e as categorias Fordham so
concebidas de maneira bem diferente. Por exemplo, os critrios do TBFI para padres
de Pesquisa orientaram a revisora no exame dos objetivos em pelo menos trs
categorias de linguagem da BNCC (Prticas investigativas, Prticas Culturais das
Tecnologias de Informao e Comunicao ou mesmo Prticas do mundo trabalho),
de forma a poder apurar as diferenas na organizao.
Esta reviso tambm leva em considerao os critrios de Clareza e especificidade
do relatrio de 2010 do TBFI, cujos principais critrios para receber a pontuao
mxima (trs pontos de trs nessa anlise) esto descritos aqui:
Os padres so coerentes, claros e bem organizados.
1. O escopo e a sequncia do material visvel e sensato. Oferecem slida
orientao para os usurios (alunos, professores, diretores de currculo,
desenvolvedores de testes, redatores de textos didticos etc.) sobre o
conhecimento do contedo e as habilidades requeridas para passar nos
exames. Oferecem o nvel correto de detalhe.
2. O(s) documento(s) so escritos em prosa compreensvel para o pblico
geral e no usam jargo. Os padres descrevem coisas mensurveis (ou
seja, que podem levar a resultados observveis e comparveis entre
alunos e entre escolas). Como um todo, os padres ilustram a
expectativa de crescimento atravs dos anos escolares.
Nota: o Instituto Thomas B. Fordham no foi consultado de forma alguma para esta
reviso e nenhum de seus funcionrios foi solicitado a examinar os padres brasileiros
para esta reviso.
Nesta reviso, no foram atribudos pontos; os critrios apenas serviram de parmetro
para a revisora, que ajudou a desenvolv-los e ajuda a manter sua eficcia para avaliar
os padres de Linguagem K-124 nos Estados Unidos. Os resultados da anlise holstica
esto resumidos na seo a seguir (Seo IV).
IV. Resumo dos pontos fortes e fracos
De modo geral, a fora dos padres est na louvvel natureza das metas declaradas,
como estas, por exemplo:
4 N. da T.: A sigla designa os anos escolares que vo da Educao Infantil (Kindergarten) at o 12 ano.
1. Os padres reconhecem a importncia da integrao entre as reas de
contedo.
2. Os padres priorizam a aplicabilidade dos objetivos de cada ano escolar ao
mundo real.
3. Os padres comunicam a necessidade de que os alunos entendam e usem a
linguagem de maneira a promover a boa cidadania.
4. Os padres encorajam a curiosidade, tanto dentro como fora de sala de aula.
Alm disso, os padres brasileiros exibem alguns acrscimos particularmente
interessantes, que no se veem com frequncia nos padres estadunidenses, como
requerer a memorizao e a recitao de obras literrias.
No entanto, muito do que se segue nesta anlise, com relao aos pontos fracos dos
objetivos, concerne o fato de que as altas metas acima e outras declaradas nos
materiais introdutrios no so bem traduzidas em expectativas especficas,
acionveis e mensurveis em sala de aula.
A despeito do reconhecimento de que esses padres so apenas a base comum do
currculo de todas as escolas brasileiras, embora no sejam (...) a totalidade do
currculo, mas parte dele (pg. 6 / 15), eles carecem do m, da coerncia e da
especificidade que deveria caracterizar at mesmo as expectativas mais bsicas e
comuns com relao aos alunos. Sim, os padres afirmam que, base comum, deve
ser acrescentada uma base diversificada,
... a ser construda em dilogo com a [base comum] e com as realidades de cada
escola, em ateno no apenas cultura local, mas s escolhas de cada sistema
educacional sobre as experincias e conhecimentos que devem ser oferecidos aos
estudantes e s estudantes ao longo de seu processo de escolarizao. (pg. 6/ 15)
Infelizmente, esse tipo de linguagem serve apenas para exacerbar o potencial para
inconsistncia na qualidade dos currculos em distritos escolares, escolas e talvez at
mesmo salas de aula.
Nesse sentido, os padres de Linguagem da Base Comum parecem emular os
Common Core State Standards (CCSS, padres curriculares nacionais nos Estados
Unidos) para o Ingls nos EUA, que tambm admitem que precisam ser
complementados por um currculo rico em contedo e bem desenvolvido(CCSS,
pg. 6). Nos dois casos, perde-se a garantia de um currculo rigoroso e consistente
para todos os alunos, por causa da mirade de interpretaes e implementaes
possveis desses conjuntos de padres baseados principalmente em habilidades. Isto
posto, os CCSS fazem reconhecidamente mais pela qualidade e complexidade dos
inputs e outputs por meio de suas discusses adicionais sobre complexidade de
textos e leitura atenta, assim como suas Amostras de textos, Amostras de
tarefas de desempenho e Amostras de escrita dos alunos.
As fraquezas da atual verso preliminar da BNCC para Portugus, abordada a seguir,
vm na forma de lapsos, redundncias, idiossincrasias e no conjunto uma falta
generalizada de especificidade e coerncia que torna difcil dizer que a proposta
exemplifique padres de linguagem que garantam currculos rigorosos, coerentes e
implementados com consistncia em salas de aula. De forma geral, os padres
poderiam melhorar notavelmente com a edio do uso excessivo de jargo
acadmico, reorganizao dos objetivos em categorias mais distintas ou eixos; com
mais rigor no contedo (especialmente do 1 ao 8 anos), que deve ser mais
sequencial e mais coerente tanto em cada ano como ao longo dos anos escolares;
com a incluso de uma lista de exemplos de textos e/ou autores; e com a adio de
simples tarefas para os alunos, rubricas a serem pontuadas e trabalhos dos alunos
acompanhados de critrios para dar notas e explicaes sobre porque aquele trabalho
de aluno atende aos objetivos.
Esses refinamentos podem ser implementados sem sacrificar a louvvel meta de
estabelecer um currculo integrado. possvel transmitir o contedo e as habilidades
nicas a vrias reas de conhecimento dentro de um contexto integrado. O eminente
historiador da educao Arthur Bestor observou, h muito tempo, que ... muitas
propostas nas Cincias Humanas e nas Cincias Exatas no conseguiram oferecer a
disciplina intelectual que prometem. Nesse sentido, diz ele, podemos e devemos
treinar os alunos para pensar, por exemplo, como historiadores, crticos literrios,
cientistas e matemticos. Da mesma forma, os alunos podem aprender a usar cada
rea de conhecimento como vantagem a servio da qualquer tipo de desafio
intelectual integrado no futuro. A resposta, confirma Bestor, no banir as reas
de conhecimento cientficas e acadmicas, mas cobrar delas rigorosamente sua
misso5. Seria sbio se o Brasil, em primeiro lugar, considerasse a possibilidade de
fazer com que seus padres de linguagem refletissem mais claramente os aspectos
nicos e importantes da rea de conhecimento do estudo da linguagem, e s depois
considerasse a maneira mais eficiente de integrar essa rea de conhecimento com
outros, medida em que, em seguida, essas outras reas desenvolvam seus
currculos. Da maneira como esto, os padro no transmitem claramente o contedo
e as habilidades mais essenciais e nicas ao estudo do Portugus.
Segue-se um comentrio detalhado (particularmente sobre leitura), organizado
segundo os critrios do TBFI descritos nas pginas iniciais (critrios especficos de
contedo do ELA e clareza e especificidade).
5 Arthur Bestor, Education Wastelands (Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1953), pp. 20- 21.
Critrio 1 do ELA, especfico de contedo
(Leitura)
Aquisio de leitura
Os objetivos para aquisio de leitura so errticos e no so descritos da forma
sistemtica que ajudaria a garantir a qualidade da instruo de leitura na primeira
infncia e nos programas do Ciclo Fundamental I ou no tratamento cuidadoso tanto
dos textos literrios como informativos atravs dos anos escolares.
Uma seo adicionada aos anos 1 a 3, chamada Apropriao do sistema de escrita
alfabtico-ortogrfico e aquisio de tecnologias de escrita, contm alguns objetivos
relacionados aquisio de habilidades de leitura (inclusive algumas expectativas com
relao a aprender a escrever), mas desconexa e desigual em seus detalhes. Por
exemplo, um objetivo importante do 1 ano afirma:
Realizar anlise fonolgica de palavras, segmentando-as oralmente em unidades
menores (partes de palavras, slabas), identificando rimas, aliteraes, observando a
funo sonora que os fonemas assumem nas palavras, relacionando os elementos
sonoros com sua representao escrita.
Este objetivo trata de contedo e habilidades relacionados, mas distintos, que
precisam ser ensinados em sequncias especficas (comeando antes do 1 ano) e
delineadas em detalhes para os professores.
Outros objetivos so estranhos em sua justaposio de contedos e tambm vagos,
como este objetivo, tambm do 1 ano:
Escrever o prprio nome e utiliz-lo como referncia para escrever e ler outras
palavras, construindo a correspondncia fonema/grafema.
De que maneira os alunos usam seus nomes como pontos de referncia para ler e
escrever outras palavras? Como constroem [o conhecimento de?] a
correspondncia fonema/grafema, e como os professores avaliam essa construo
sem que uma sequncia de fonemas e grafemas seja detalhada nos objetivos?
Muitos objetivos so simplesmente vagos demais para serem entendidos ou para que
seu propsito seja captado, como este objetivo do 2 ano nesta categoria:
Compreender a funo e a importncia dos lugares de armazenamento e circulao
de textos, tais como biblioteca da escola, sites, livrarias, bancas etc.
Tambm est ausente uma progresso visvel do rigor nas habilidades de leitura. Por
exemplo, um objetivo do 1 ano afirma:
Reconhecer que as slabas variam quanto sua combinao entre consoantes e
vogais (CV, CCV, CVV, CVC, VVC, VCC, CCVCC) e que as vogais esto presentes em
todas as slabas.
O objetivo do 2 ano, supostamente pensado para tratar da aquisio de um novo nvel
de contedo e habilidades nessa rea, essencialmente reproduz o mesmo objetivo do
primeiro ano:
Reconhecer que as slabas variam quanto sua combinao entre consoantes e
vogais (CV, CCV, CVV, CVC, VVC, VCC, CCVCC) e que as vogais esto presentes em
todas as slabas.
Mapear os objetivos em categorias mais especficas (por ex., Conscincia fonmica,
Fonologia etc.), lado a lado, como na tabela abaixo, pode ajudar redatores e usurios a
reconhecer e preencher o que falta e a eliminar redundncias dentro de cada ano
escolar e ao longo de todos os anos.
1 ano 2 ano 3 ano 4 ano...
Objetivo 1
Objetivo 2
Tratamento de textos literrios e informativos
Os objetivos para anlise literria e de textos informativos tambm so errticos: s
vezes tratam de gneros especficos e de caractersticas dos gneros (incluindo vrios
dispositivos literrios); s vezes, no. s vezes, detalham abordagens para ler vrios
tipos de literatura ou de textos informativos; s vezes, no. No tratam, de maneira
sistemtica, de como entender e explicar as estruturas de textos literrios ou
informativos; e, acima de tudo, difcil extrair uma progresso coerente de contedos
e habilidades em termos de como analisar os muitos gneros literrios e textos
informativos inclusive textos literrios no ficcionais porque expectativas
sobrepostas esto espalhadas entre as vagas categorias de Prticas artstico-
literrias, Prticas poltico-cidads e Prticas investigativas.
Talvez a categoria de Prticas artstico-literrias seja a mais direta das categorias e
trata alguns aspectos da anlise de textos literrios, embora poucos gneros e seus
elementos definidores sejam delineados em detalhes sistemticos. Nem os
dispositivos estilsticos so discutidos com muitos detalhes, exceto no Ensino Mdio e
mesmo assim esporadicamente. Com mais frequncia, as expectativas so uma
estranha mistura de expectativas muito vagas ou estranhamente especficas, com no
seguinte conjunto para o 4 ano:
Prticas artstico-literrias campo de atuao que diz respeito participao em situaes de leitura/escuta, produo oral/escrita, na criao e fruio de produes
literrias, representativas da diversidade cultural e lingustica, que favoream
experincias estticas.
LILP4FOA004. Ler, apreciar e refletir sobre textos literrios tradicionais, da cultura
popular, afro-brasileira, africana, indgena e de outros povos, compreendendo algumas
de suas caractersticas.
LILP4FOA005. Recontar fbulas, apropriando-se das caractersticas do texto fonte.
LILP4FOA006. Ouvir/assistir, com ateno e interesse, canes, histrias lidas de
maior extenso e encenao de peas teatrais de maior durao.
LILP4FOA007. Recontar oralmente histrias lidas, utilizando-se de alguns recursos
prprios da performance de contadores de histrias (entonao, modulao de voz
segundo personagem).
LILP4FOA008. Recitar textos e poemas, de memria, planejando situaes de
apresentao em saraus e recitais.
LILP4FOA09. Reconhecer, em textos narrativos, recursos para marcar a fala indireta
de personagens.
LILP4FOA010. Produzir narrativa literria, usando adequadamente as marcas de
discurso direto nas falas de personagens.
LILP4FOA011. Inferir sentidos de humor, relacionando textos e imagens, em histria
em tirinhas e quadrinhos.
LILP4FOA012. Apreender sentido de poemas, compreendendo o uso de palavras ou
expresses de sentido figurado.
LILP4FOA013. Produzir poemas, utilizando-se de rimas e recursos de sonoridade.
O primeiro padro sugere que os alunos podem ler qualquer texto de qualquer gnero
e meramente compreender algumas de suas caractersticas no nomeadas em
ltima anlise, um objetivo sem sentido. Embora a memorizao e a recitao sejam
boas iniciativas se o texto valer a pena, os textos no so indicados, de forma que os
alunos podem ser solicitados a memorizar textos de qualidade ou complexidade dbia.
Por que os quadrinhos so considerados dignos de ateno especial? Fbulas podem
ser facilmente exploradas num ano escolar inicial e no se especificam formas
especiais de poesia aqui como em outros anos escolares (para que os alunos as
produzam, no para que analisem). Por que o uso correto de aspas, essa habilidade to
simples (Educao Infantil ou 1 ano), especificado aqui, somente no 4 ano? Onde
est a discusso sobre elementos literrios e sobre os dispositivos estilsticos de
gneros especficos de texto?
As categorias em que se poderia esperar encontrar objetivos relacionados anlise de
no fico literria (por ex., ensaios, discursos, memrias, biografias) no descrevem
uma progresso coerente de objetivos relacionados a essa anlise ou de outros tipos
de textos informativos, como as fontes histricas ou cientficas secundrias. Tanto a
categoria de Prticas poltico-cidads como a de Prticas investigativas oferecem
vestgios de contedo e habilidades necessrios para entender e explicar textos
informativos, mas nenhuma das duas faz justia coerente a essas habilidades
essenciais ou ao contedo que os alunos poderiam extrair desses textos. Em vez
disso, as duas categorias encorajam prticas polticas, como formular um argumento,
sem ter delineado primeiro o que compe um argumento vlido e verdadeiro ou
como analisar um argumento oral ou escrito, de acordo com as leis da lgica. No 6
ano, por exemplo, os alunos so solicitados a:
Responder, por escrito, a perguntas ou enquetes que exijam um posicionamento
crtico, mobilizando argumentos consistentes e utilizando uma variedade lingustica
adequada situao de comunicao.
No 7 ano, os alunos devem:
Reconhecer os pontos de vista e os argumentos que os sustentam em gneros como
entrevista, debate, artigo de opinio, discursos polticos, sermo religioso, charge etc.
No Ensino Mdio, as expectativas nesta rea tornam-se ligeiramente mais especficas
e rigorosas, como nestes objetivos de Prticas investigativas para o 10 ano:
LILP1MOA011. Reconhecer as formas de organizao e os recursos lingusticos dos
gneros relacionados produo de conhecimento, considerando a organizao dos
tpicos (do geral para o particular, do particular para o geral etc.).
LILP1MOA012. Produzir resumos de textos didticos e de divulgao cientfica,
reconhecendo as caractersticas tpicas do gnero resumo, compreendendo que o
resumo, alm de diversos usos sociais, uma estratgia de leitura e de estudo.
LILP1MOA. Criar roteiros para exposio oral de resultados de estudos e pesquisas
em seminrios, feiras de cincias e outros eventos escolares e acadmicos, bem
como avaliar a atuao nas exposies orais prprias e dos colegas.
Mesmo assim, as expectativas poderiam ser mais especficas e mais passveis de
avaliao: como podemos avaliar se os alunos consideram a organizao dos tpicos
ao reconhecer formas de organizao e os recursos lingusticos dos gneros
relacionados produo de conhecimento? Essas sentenas podem estar confusas
por questes de traduo, mas as habilidades necessrias para analisar vrios tipos de
textos informativos devem ser descritas claramente, especialmente para que os
formados pelo Ensino Mdio no Brasil sejam bem preparados para o mundo ps-
secundrio, onde esse tipo de textos onipresente.
Finalmente, no que concerne a leitura, os padres da BNCC para Portugus no
atendem os dois critrios-chave estabelecidos pelo TBFI para leitura: (1) que eles
reflitam a importncia de ler obras da melhor literatura [brasileira]6, apropriadas ao ano
escolar, e que reflitam uma herana comum; e (2) que descrevam o volume, a
qualidade e a complexidade dos textos a serem estudados, tanto literrios como no
literrios, por meio do uso de listas (autores e/ou ttulos), amostras de trechos e/ou
comentrios.
Este objetivo para o 4 ano tpico das Prticas artstico-literrias:
Ler, apreciar e refletir sobre textos literrios tradicionais, da cultura popular, afro-
brasileira, africana, indgena e de outros povos, compreendendo algumas de suas
caractersticas.
Como j observado, esse tipo de objetivo essencialmente diz que os professores
podem ensinar quaisquer textos e que os alunos podem ler, apreciar e refletir sobre
esses textos de qualquer maneira; como essa apreciao e reflexo sero avaliadas?
A BNCC poderia melhorar muito a clareza e o rigor dos padres de leitura ao tornar as
expectativas de leitura muito mais explcitas e ao acrescentar uma lista de autores e
textos que os alunos precisam ler ou no mnimo uma lista de textos e autores
exemplares, o que esclareceria a qualidade e a complexidade dos textos a serem
estudados em cada ano escolar.
Critrio 2 do ELA, especfico de contedo
(Escrita)
Escrever, em suas vrias formas necessrias, no abordado com uma categoria
prpria. Como com a leitura, os objetivos de escrita aparecem esporadicamente na
maioria das categorias, mas sem uma progresso particularmente bvia do rigor
atravs dos anos escolares. Os professores teriam de procurar para encontrar
objetivos de escrita nas vrias categorias e os alunos escreveriam um certo tipo de
poema num ano escolar, desenvolvendo uma narrativa em outro ou criando textos do
gnero argumentativo (usando diferentes tipos de argumentos) em ainda outro
ano. De modo geral, os objetivos no oferecem orientao mnima e/ou propsito
aparente. s vezes, os objetivos tornam-se mais especficos e o propsito claro.
6 Os critrios do TBFI referem-se literatura estadunidense.
No 5 ano, por exemplo, sob a categoria Prticas culturais das tecnologias de
informao e comunicao, os alunos devem:
Produzir e-mails, mensagens, registros fotogrficos e audiovisuais para postagem em
espaos como chats, twitter, blogs, utilizados para atividades escolares.
difcil entender o que exatamente se espera do aluno aqui e por qu. Escrever posts
no tuter o melhor uso possvel do tempo do aluno? No 10 ano, porm, sob a
categoria Prticas investigativas, os alunos so solicitados a:
Produzir resumos de textos didticos e de divulgao cientfica, reconhecendo as
caractersticas tpicas do gnero resumo, compreendendo que o resumo, alm de
diversos usos sociais, uma estratgia de leitura e de estudo.
Este objetivo muito mais especfico e seu propsito claro (embora ele pudesse ser
melhorado com a indicao das caractersticas mencionadas). Recomenda-se mais
consistncia nas mincias e detalhes, e um propsito discernvel.
difcil, portanto, rastrear uma progresso especfica e clara de como se supe que os
alunos devem empregar o processo da escrita a servio dos vrios gneros de escrita
em cada ano escolar. Aprender o processo de escrita propriamente dito no aparece
como expectativa nos padres, nem claramente definido em parte alguma (embora
o material introdutrio o mencione).
Muitos gneros de escrita so mencionados, mas os objetivos seriam muito mais
eficazes e mais fceis de ensinar se delineassem as caractersticas e a qualidade dos
produtos de escrita para cada um dos gneros (por ex., narrao, exposio,
argumento, persuaso) apropriados a cada ano escolar. Seria ideal se os padres
acrescentassem exemplos do tipo de escrita esperada do aluno e anotaes para
explicar porque esses exemplos atendem aos objetivos em cada ano escolar.
Critrio 3 do ELA, especfico de contedo
(Ouvir e falar)
Como com a escrita, tampouco existe um eixo para Falar e ouvir nos padres da
BNCC para linguagem, embora a categoria de Prticas culturais das tecnologias de
informao e comunicao sugira que a categoria trata, entre outras coisas, de
escuta e produo oral... disseminar e preservar informao, experimentao e
criao de novas linguagens e formas de interao social. Em vrios anos escolares,
porm, as habilidades de ouvir e falar no so discutidas de forma alguma nessa
categoria. Em outras categorias, como Prticas investigativas e Prticas da vida
cotidiana, aparecem algumas habilidades de ouvir e falar e, s vezes, habilidades de
apresentao oral e recontao so apresentadas sob Prticas artstico-literrias,
como no 9 ano:
Relatar oralmente o enredo de produes cinematogrficas e teatrais, reconstituindo
os diversos planos e linguagens que constituem a sequncia narrativa.
Os objetivos de falar e ouvir poderiam certamente ser mais detalhadas e organizados
de maneiras mais claras para transmitir as expectativas de discusses em classe, tanto
formais como informais (como os Seminrios Socrticos), assim como para
apresentaes. Os padres s tratam obliquamente dos requisitos para
apresentaes formais e no tratam de forma alguma das expectativas para
discusses informais e das regras gerais que deveriam governar o discursos em sala
de aula.
Critrio 4 do ELA, especfico de contedo
(Convenes da lngua escrita e falada)
Os padres da BNCC no contm nenhum objetivo para as convenes da lngua
escrita e falada. Uma busca pela palavra gramtica revelou apenas um punhado de
referncias incompreensveis (talvez seja um problema de traduo?) nos materiais
introdutrios:
Considera-se a lngua como um polissistema que agrega mltiplas variedades,
conforme a situao social de uso da oralidade, da leitura e da escrita. A conscincia da
variao e das mudanas da lngua e a valorizao de todas as variedades como
possuidoras de uma gramtica eficaz e legtima so, portanto, determinantes para a
forma de conduo do trabalho voltado para os conhecimentos lingusticos pelo/a
professor/a. A valorizao das diferentes variedades da lngua implica a valorizao das
diferentes identidades sociais.
(e)
A abordagem de categorias gramaticais (fonticas/fonolgicas, morfolgicas,
sintticas, morfossintticas) e de convenes da escrita (concordncia, regncia,
ortografia, pontuao, acentuao etc.) deve vir a servio da compreenso oral e
escrita e da produo oral e escrita, e no o contrrio. Dessa forma, os aspectos
lingusticos abordados em atividades de leitura, escrita e oralidade podem ampliar os
conhecimentos dos/as estudantes em relao a variedades que eles/as no dominam
ainda, sem desqualificar as variedades de origem. Conforme o avano na escolaridade,
esperado um aumento gradativo do nvel de sistematizao e de utilizao de
categorias gramaticais, sempre na perspectiva de USO-REFLEXO-USO, e no, vale
repetir, da acumulao de um rol de contedos desconectados das prticas
sociodiscursivas da linguagem.
Embora esta revisora no esteja familiarizada com a lngua portuguesa, ela certamente
governada por regras de gramtica e de uso (a despeito das variaes e mudanas
consideradas legtimas aqui) que os alunos precisam internalizar e articular de forma a
compreender bem obras escritos, criar textos prprios coerentes, comunicar-se
eficazmente ao falar, formal ou informalmente. Delinear essas expectativas a servio
compreenso oral e escrita e da produo oral e escrita perfeitamente factvel e
necessrio para o letramento. Incluir uma categoria e expectativas especficas para
entender a gramtica do portugus deveria, portanto, tornar-se uma prioridade na
reviso dos padres.
A propsito, o desenvolvimento de vocabulrio tambm parece ser inexistente nesses
padres, embora seja discutido brevemente no material introdutrio. O vocabulrio s
mencionado ocasionalmente, como neste objetivo de Prticas poltico-cidads
para o 7 ano:
Compreender textos das esferas poltica, jurdica e reivindicatria, como abaixo-
assinados, o Estatuto da Criana e do Adolescente, analisando a organizao do texto
(artigos, incisos, captulos etc.), os recursos morfossintticos e a seleo do
vocabulrio.
Este objetivo (e outros que mencionam vocabulrio) nos padres da BNCC para
linguagem parece lidar com o vocabulrio somente em sua relao com a dico. O
desenvolvimento de uma profunda compreenso de etimologia e morfologia, por
outro lado (especialmente de como a morfologia se relaciona com a gramtica),
ajudar os alunos a aumentar seus vocabulrios imensamente e com confiana,
medida em que eles encontram novas palavras com razes e afixos previamente
aprendidos.
Critrio 5 do ELA, especfico de contedo
(Pesquisa)
Para estabelecer compreenso e fiel execuo do processo de pesquisa, os padres
precisam identificar pesquisa como um eixo em si mesmo, embora ele permanecesse,
evidentemente, como uma proposio transversal, j que sabemos que h muitas
maneiras de apresentar achados de pesquisa, seja oralmente, por escrito ou atravs
de mdia mista. Da forma como est, os padres de Portugus atribuem as habilidades
de pesquisa categoria Prticas investigativas. Mesmo assim, os objetivos no fluem
logicamente a partir dos primeiros anos escolares, onde o processo de pesquisa deve
ser introduzido, at chegaram a tipos sofisticados de pesquisa, conduzida
independentemente e com resultados especficos explicados para a sua
apresentao.
Aqui esto, por exemplo, os padres de pesquisa para o 6 ano:
LILP6FOA015. Planejar e apresentar exposies orais sobre temticas diversas, a
partir de fontes de estudos fornecidas pelo professor, adequando a linguagem
(escolhas lexicais e estruturais) situao de produo escolar.
LILP6FOA016. Selecionar informaes em textos diversos nas atividades de pesquisa,
identificando temas e ideias principais e apresentando essa compreenso sob a forma
de apontamentos.
LILP6FOA018. Elaborar enquetes sobre temas relativos s diversas reas do
conhecimento e divulgar os resultados sob a forma de listas e tabelas.
Nenhum dessas padres relaciona-se obviamente com os que aparecem nos anos
escolares anteriores e subsequentes, nem detalham quaisquer componentes
requeridos para exposies orais proficientes, apontamentos, listas e tabelas ou
listas e grficos. Sem mais orientao, qualquer jeito de apresentar resultados deve
ser suficiente aqui.
Enquanto os alunos so solicitados a considerar vrios tipos de fontes, como no
objetivo para o 12 ano, protocolos especficos para julgar a credibilidade das fontes,
to crticos para uma pesquisa responsvel, no so includos:
Analisar em textos argumentativos orais e escritos o uso estratgico de recursos
persuasivos, como a elaborao do ttulo, a explicitao ou a ocultao de fontes de
informao, o uso de recursos de assertividade ou atenuao de posicionamentos
assumidos.
Os padres poderiam melhorar com o mapeamento de um roteiro do processo de
pesquisa a partir do 1 ano e at o 12 ano, e que seja inicialmente mais dirigido pelo
professor, gradualmente liberando os alunos para conduzir pesquisas independentes,
estabelecendo e refinando as perguntas da pesquisa, localizando e avaliando a
credibilidade das fontes, e requerendo que os alunos apresentem o resultado
oralmente, por escrito ou por meio de mdia mista, sempre empregando protocolos
consistentes e responsveis de citao.
Critrio 6 do ELA, especfico de contedo
(Mdia)
Como no caso de outros eixos, muitas expectativas relacionadas a mdiae referidas
nos critrios precisam ser caadas nos padres da BNCC, nas categorias de Prticas
investigativas ou Prticas culturais das tecnologias de informao e comunicao.
Na maioria dos casos, os objetivos para analisar, avaliar, criar e apresentar trabalhos
multimdia so to vagos como nas outras categorias. Segue-se um exemplo para o 6
ano:
Mobilizar recursos multimodais na recepo e na produo de textos em diferentes
mdias (jornal falado, programa radiofnico, blog etc.).
No mundo de hoje, essencial que os alunos saibam reconhecer e avaliar a
credibilidade das fontes, identificar vieses potenciais e tcnicas especficas de
propaganda na mdia impressa e no impressa, e aprendam a apresentar informao
por meio de multimdia de maneira responsvel e eficaz.
Em vez disso, os objetivos so vagos e, com frequncia, no necessariamente
relevantes para propsitos acadmicos, como este objetivo do 11 ano:
Analisar as prticas que envolvem o leitor como navegador virtual, a partir dos
mecanismos de busca e a seleo de links de visitao, diante dos diversos servios de
informao (acervos artsticos e literrios, bibliotecas e museus virtuais), bem como a
realizao de variadas aes sociais cotidianas (comprar, namorar), considerando a
natureza multimodal predominante na linguagem digital.
difcil imaginar exatamente como ou porqu os alunos precisam desempenhar em
um contexto acadmico essas atividades vagamente definidas.
Os padres no discutem algumas das tcnicas especificamente mencionadas que
so usadas em alguns formatos multimdia, como os efeitos de vrias tcnicas visuais
e aurais, ou como e porqu a informao impressa difere da apresentada em outras
mdias.
V. Concluso
Para resumir, os padres da BNCC para a lngua portuguesa contm muitos dos
elementos bsicos para slidos padres; simplesmente precisam ser reorganizados
para que as caractersticas essenciais das vrias subdisciplinas da linguagem sejam
claramente tratadas. Essas caractersticas tambm devem ser especificamente
explicadas, de maneira a demonstrar uma progresso lgica do rigor para cada
subdisciplina em todos os anos escolares. As metas ostensivas de categorias
integradas (embora bizarramente artificiais), como Prticas poltico-cidads, ainda
podem ser atingidas se forem substitudas com simples subdisciplinas do estudo da
lngua: neste caso, por exemplo, um exo relaciona anlise e produo de um texto
informativo poderia ser suficiente, junto com o tratamento de algum material num eixo
para a linguagem oral (ou eixo Falar e ouvir).
Conforme discutido at aqui, estas so algumas das recomendaes mais urgentes:
1. Enxugar e apagar repeties relacionadas leitura e em outros eixos.
2. Garantir que o contedo essencial no seja negligenciado (por ex., o
sequenciamento da aquisio de habilidades de leitura), mas seja includo em
todas as reas de contedo.
3. Refinar os verbos que introduzem os objetivos para que sejam mensurveis e
observveis.
4. Acrescentar uma lista de leitura ou outros exemplos de leitura (de preferncia,
com comentrios) para ilustrar a qualidade e a complexidade da leitura que se
espera seja feita em todos os nveis.
5. Enumerar especificamente a literatura brasileira ou em traduo que os alunos
precisar ler e entender em todos os nveis.
6. Acrescentar amostras da qualidade e complexidade da escrita em todos os
nveis, tratando especialmente das diferenas entre argumentos, escrita
informativa/explicativa e apresentao de resultados de pesquisa em vrias
mdias.
7. Incluir objetivos para gramtica e desenvolvimento de vocabulrio.
Finalmente, e acima de tudo, usar linguagem direta e sem jargo tanto quanto possvel,
de forma que professores e alunos entendam o que se espera deles e porqu.