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II - Dolo e negligência Para que o agente de um facto criminoso seja criminalmente responsável, é necessário que tenha agido com dolo ou negligência. . Dolo – para que o agente seja subjetivamente responsável, deve este ter agido dolosamente (com intenção). O CP não apresenta o conceito de dolo, mas pode-se definir como “o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito”. Quando o artigo 1 do CP, ao definir o crime faz alusão ao “facto voluntário, exige a lei como elemento integrador de qualquer infracção, um nexo psicológico entre o agente e o facto (…) uma exigência” (Maia Gonçalves) reiterada no nº 1 do artigo 44 ao considerar justificado o facto cometido “sem intenção criminosa e sem culpa”. Disto resulta então que no conjunto da criminalidade o lugar primordial, por mais grave, é conferido à criminalidade dolosa, sendo reduzido os casos da punição de crimes não dolosos. Assim, o dolo é conceitualizado como conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do facto. Existem, assim, os elementos intelectual e o volitivo ou emocional 1 . O elemento intelectual significa o conhecimento dos elementos e circunstâncias descritas nos tipos legais de crime. Pretende- se que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito. Só quando a totalidade dos elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta. Fala-se, então, a este respeito de um princípio de congruência entre o tipo objectivo e o tipo subjectivo de ilícito doloso. 1 Algumas doutrinas modernas defendem que é diferente o elemento volitivo do elemento emocional, considerando este último presente no chamado dolo da culpa.

D.P - Dolo, Neg e Erro

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II - Dolo e negligência

Para que o agente de um facto criminoso seja criminalmente responsável, é necessário que tenha agido com dolo ou negligência.

. Dolo – para que o agente seja subjetivamente responsável, deve este ter agido dolosamente (com intenção). O CP não apresenta o conceito de dolo, mas pode-se definir como “o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito”.

Quando o artigo 1 do CP, ao definir o crime faz alusão ao “facto voluntário, exige a lei como elemento integrador de qualquer infracção, um nexo psicológico entre o agente e o facto (…) uma exigência” (Maia Gonçalves) reiterada no nº 1 do artigo 44 ao considerar justificado o facto cometido “sem intenção criminosa e sem culpa”.

Disto resulta então que no conjunto da criminalidade o lugar primordial, por mais grave, é conferido à criminalidade dolosa, sendo reduzido os casos da punição de crimes não dolosos.

Assim, o dolo é conceitualizado como conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do facto.

Existem, assim, os elementos intelectual e o volitivo ou emocional1.O elemento intelectual significa o conhecimento dos elementos e circunstâncias descritas nos tipos legais de crime. Pretende-se que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito. Só quando a totalidade dos elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta. Fala-se, então, a este respeito de um princípio de congruência entre o tipo objectivo e o tipo subjectivo de ilícito doloso.

Conforme defende Figueiredo Dias, “necessário e suficiente será o conhecimento pelo agente dos elementos normativos, antes que na direcção de uma exacta subsunção jurídica, na de uma apreensão do sentido ou significado correspondente, no essencial e segundo o nível próprio das representações do agente, ao resultado daquela subsunção, ou, mais exactamente, da valoração respectiva”.

O mero conhecimento das circunstâncias do facto (momento intelectual) não é suficiente para a punição do agente. É necessário que o agente tenha a vontade de praticar o facto. É o elemento volitivo.

O elemento volitivo se traduz na direção da vontade do agente. Segundo Figueiredo Dias, é o elemento volitivo, quando ligado ao elemento intelectual requerido, que indica uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento. Trata-se da verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização pelo agente.

No elemento volitivo ou emocional, encontramos:

1 Algumas doutrinas modernas defendem que é diferente o elemento volitivo do elemento emocional, considerando este último presente no chamado dolo da culpa.

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- Dolo directo – segundo Correia, há dolo quando o agente quis o facto criminoso. Assim, no dolo directo o agente deve ter querido um certo facto que conhece, e ter posto a sua realização como fim da sua conduta. Há quem designa de dolo directo intencional ou do primeiro grau.2

Por exemplo, se A ministra um produto venenoso numa bebida e a serve a B para dessa forma obter a morte deste.

- Dolo necessário – há igualmente dolo quando o agente previu o resultado criminoso como consequência necessária da sua conduta e tenha pensado como consequência certa da sua actuação. (E. Correia). Refere-se que “a realização do facto surge não como pressuposto ou degrau intermédio para alcançar a finalidade da conduta, mas como sua consequência necessária, no preciso sentido de consequência inevitável, se bem que “lateral” relativamente ao fim da conduta” (Dias, Figueiredo). Designa-se também de dolo directo necessário ou do segundo grau.

É o exemplo de A que coloca um explosivo numa residência para matar o proprietário. Seria dolo direito (intencional) pelo crime de homicídio voluntário simples e dolo necessário pelo crime de fogo posto em lugar habitado.

- Dolo eventual Correia afirma que o agente pode “não ter dirigido a sua actividade à produção de um facto, nem representar como consequência necessária, mas apenas o representar como possível consequência da sua actividade”. São os casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta, não se abstendo porém de o empreender, e conformando-se com a produção do resultado.

Por exemplo, quem põe fogo a um lugar habitado por volta das 23 horas, matando quem se encontrava no seu interior, comete, na forma de dolo directo o crime de fogo posto e, na forma de dolo eventual o crime de homicídio voluntário simples.

- Outras classificações: Dolo alternativo, dolo antecedente e dolo subsequente

Na conexão entre o dolo e a sua realização, podemos identificar o dolo alternativo, o antecedente e o subsequente.

Na verdade, o dolo, como conhecimento e vontade de realização, tem sempre de conexionar-se com um singular tipo de ilícito: um “propósito geral de fazer mal”, ou de “cometer crimes” não constitui ainda um dolo do tipo, mas só o constitui o concreto propósito de matar, de ferir, de violar, de injuriar ou de furtar. (Figueiredo Dias).

Neste contexto se pode situar a questão do chamado dolus alternativus, isto é, “dos casos em que o agente se propõe ou se conforma com a realização de um ou de outro tipo objectivo de ilícito” (Figueiredo Dias). Assim se A se apropria ilegitimamente de uma jóia que encontra no seu quintal, admitindo que ela possa ter caído de uma caixa que B lhe pediu no dia anterior para guardar. (crime do artigo 423 ou do artigo 453 ambos do CP).

Há igualmente uma conexão de índole temporal, entre dolo e a realização típica que deve ser exigida: as duas entidades devem decorrer simultaneamente. Um dolo prévio relativamente à realização típica (chamado dolus antecedens) não é pois ainda um dolo do tipo. Assim, se A

2 Nestes termos, Figueiredo Dias e Fernanda Palma.

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pretenda matar seu inimigo em determinado dia, mas, apenas, posteriormente, o atropela, acidentalmente, matando-o, não poderá responder por crime doloso.

Também a conformação com um resultado típico que já aconteceu não constitui dolo do tipo (o chamado dolus subsequens) se alguém mata por descuido um seu inimigo e depois se conforma com este resultado: neste caso não há homicídio doloso porque se não pode decidir realizar aquilo que já aconteceu, mas simplesmente negligente.

. Negligência – a nossa lei não define a negligência, limitando-se a afirmar no artigo 2º CP que “a punição da negligência, nos casos especiais determinados na lei, funda-se na omissão voluntária de um dever”.

Segundo Maia Gonçalves, “o conceito de negligência ou mera culpa consiste no juízo de censura ao agente, por não ter agido doutro modo, conforme podia e devia”. Reconhece, depois o autor que, o juízo de censura por negligência (ou mera culpa) deve ser considerado uma das questões mais difíceis de definir no direito criminal.

Por seu turno, Eduardo Correia refere que a negligência “é a omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência”. Na verdade, existem diversas situações perigosas que nem por isso são ilícitas, só sendo-o quando haja violação do dever do cuidado imposto, pela própria natureza, aquilo a que se chama de “risco permitido”.

Correia ensina que “objectivamente existe a omissão do dever de diligência apenas quando o resultado seja objectivamente imputável à activdade do agente”, ou seja, quando o agente não usou aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento.

Para a negligência, a doutrina diferencia duas modalidades: a negligência consciente e a negligência inconsciente.

- Negligência consciente – Admite-se que a negligência consciente “vive perto do dolo eventual. Nela, o agente prevê o resultado, mas confia, devendo não confiar, em que o mesmo se não verificará”. (Maia Gonçalves). A negligência consciente significa que o autor reconheceu o perigo concreto mas não o tomou seriamente em conta.

- Negligência inconsciente – Nesta modalidade de negligência, “o agente não previu o resultado mas, ao actuar não tomou aqueles cuidados de ordem geral ou as providências de ordem técnica que podia e devia tomar, para obstar à verificação do evento antijurídico”. (Maia).

Assim, o que distingue a negligência consciente da negligência inconsciente é a previsão ou a não previsão, pelo agente, de facto danoso (tendo-o previsto, é censurado por não ter tomado as devidas precauções para evitá-lo, confiante em que não se produziria; não o tendo previsto, a censura radica na falta de cuidado em prever, como podia, tal facto).

. Distinção entre dolo eventual e negligência consciente

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Para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, a doutrina apresenta uma multiplicidade de critérios.

1. Teoria da probabilidade - De acordo com a teoria da probabilidade, dever-se-á analisar o grau de probabilidade com que o agente representou o resultado, numa perspectiva de que, o dolo não basta a exigência da mera possibilidade de realização, mas requer-se que a representação assuma a forma da probabilidade, ou mesmo de uma probabilidade relativamente alta.

A doutrina da probabilidade não é, no entanto, aceite por duas razões: - Não se consegue determinar com exactidão o grau de probabilidade de verificação do facto necessário à afirmação do dolo do tipo; - O agente pode querer, apesar da improbabilidade de realização do tipo, firmemente alcançá-la.

2. Teoria da aceitação – Segundo esta doutrina se pergunta se o agente, apesar da representação da realização típica como possível, aceitou intimamente a sua verificação, ou pelo menos revelou a sua indiferença perante ela (dolo eventual); ou se, pelo contrário, a repudiou intimamente, esperando que ela se não verificasse (negligência consciente).

3. Teoria da conformação - Parte-se da ideia de que o dolo pressupõe algo mais do que o conhecimento do perigo de realização típica. Essencial se revela que o agente tome a sério o risco de (possível) lesão de um bem jurídico, que entre com ele em contas e que, não obstante, se decida pela realização do facto.

4. Teoria da fórmula hipotética de FRANK – Para a fórmula hipotética de Frank, defendida por Beleza dos Santos e Eduardo Correia, há dolo eventual e não negligência, quando o agente, que “previu o facto como possível da sua conduta, não a teria alterado, para o evitar, mesmo que previsse aquele efeito como necessário”.

Ora, desta análise, pode-se concluir que a distinção entre dolo eventual e negligência consciente (do ponto de vista teórico ou prático) é tão frágil que mal pode justificar diferenças significativas das molduras penais aplicáveis a um e outro caso, ou que muitas vezes o delito doloso seja severamente punível e o negligente pura e simplesmente não seja punível.

. Não exigibilidade – “o juízo de censura em que se estrutura a culpa (…) supõe sempre a possibilidade de se exigir do agente um outro comportamento”, supondo a sua liberdade. (E. Correia).

Nesta vertente, a decisão de executar um certo acto supõe sempre uma certa situação ambiente, constituída por circunstâncias e acontecimentos exteriores, determinando a maneira da sua execução, ou seja, o “se”, o “como” e o “quando” do seu aparecimento. Assim, a conexão entre o crime e o ambiente pode traduzir-se em que este crie uma disposição exterior das coisas para o facto, tornando fácil ou possível a sua execução. (Correia).

Tais circunstâncias podem arrastar irresistivelmente o agente à prática do crime, afastando toda a possibilidade de se comportar diferentemente. “A falta da liberdade do agente para se comportar de modo diverso, ou seja, a não exigibilidade de uma outra conduta”, é um valor limite de culpa. (Correia).

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A não exigibilidade implica que o agente, face a uma alteração do seu estado psicológico, resultante de um forte abalo emocional provocado por uma situação pela qual não pode ser censurado e à qual o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível, conquanto mantenha a imputabilidade, vê limitada ou comprometida a capacidade de posicionamento ético e de controlo dos seus actos, sendo empurrado ou conduzido para o crime.

c) Erro .

O erro em Direito Penal é uma ausência ou falsa representação da realidade, como afirma a doutrina3 e se infere da noção de dolo - que pressupõe uma exacta consciência (intelectual) da situação fáctica do crime - e do âmbito do erro sobre a ilicitude - configurado sobre a actuação “sem consciência da ilicitude do facto”. O objecto do erro relevante coincide com o objecto do dolo ou com o substrato da consciência da ilicitude.

1. Erro sobre a factualidade típica

Na abordagem sobre o dolo, referiu-se que o agente deve representar o facto típico, ou seja, os elementos constitutivos do crime que pratica. Assim, se faltar ao agente o conhecimento da totalidade das circunstâncias, de facto ou de direito, descritivas ou normativas, do facto, o dolo do tipo não pode afirmar-se.

Reconhece Correia que “o erro do agente sobre qualquer elemento ‘do facto criminoso’ - seja sobre um elemento que preexiste à conduta, seja sobre um dos produzidos por ela - exclui o dolo”.

O erro sobre a factualidade típica ou sobre o processo causal é relevante e exclui o dolo. Por exemplo, é relevante o erro de A que dispara a uma distância e mata B na convicção de se tratar de uma peça de caça. É igualmente relevante o erro de que oferece produto abortivo a uma mulher gravida na convicção de se tratar de açúcar.

- O erro sobre a pessoa ou sobre o objecto (error in persona vel objecto)

No erro sobre a identidade ou objeto, o decurso real do acontecimento corresponde inteiramente ao intentado; só que o agente se encontra em erro quanto à identidade do objecto ou da pessoa a atingir. Não existe pois aqui qualquer erro na execução, mas sim na formação da vontade.

Vejam-se o seguinte exemplo: 1) A, pensando que é o seu inimigo B, dispara contra ele um tiro mortal, verificando-se depois que A confundiu B com C e foi este, um estranho, que matou.

3 Referências em Teresa Beleza e Frederico Costa Pinto, O regime legal do erro (cit. nt. 2), 10 e ss.

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2) A sabendo que B costuma estacionar sua viatura no parque X, subtrai uma viatura de C com as características do carro de B.

Neste caso, o agente representou um tipo de crime e o executou convenientemente, praticando todos os meios para a sua consumação. Apenas errou na pessoa ou no objeto a que sua conduta se dirigia. Não há qualquer motivo para afastar a responsabilidade do agente.

Neste sentido, o artigo 29, nº 3 do CP refere que “não eximem de responsabilidade criminal o erro sobre a pessoa ou a coisa a que se dirigir o facto punível”.

Porém, o problema surge quando os objectos da acção – o intencional e o atingido – são tipicamente diferentes.

Por exemplo, se A mata B pensando que era C, seu inimigo e B é seu pai; se A mantém relações sexuais com B e mais tarde vem a descobrir que é sua filha. Nestes casos, julgamos que não se pode considerar o crime resultante da circunstância especial da pessoa.

Ou se B quer furtar 100.000,00Mt, mas na carteira havia apenas 60.000,00Mt, deve ser punido segundo o prejuízo causado e não o projectado.

Porém, parece esta solução ser contrária ao que dispõe o § 2º, conjugado com o nº 3 do artigo 29 do CP pois, dispõe aquele parágrafo que “o erro sobre a pessoa, a que se dirigir o facto punível agrava ou atenua a responsabilidade criminal, segundo as circunstâncias”.

- O erro na execução (ou aberratio ictus vel impetus)

Os casos de aberratio ictus vel impetus, ou seja, desvio da trajectória ou do golpe são os casos em que, por erro na execução, vem a ser atingido um objecto diferente daquele que estava no propósito do agente.

O nº 6 do artigo 29 do CP “não eximem de responsabilidade criminal a intenção de cometer crime distinto do cometido, ainda que o crime projectado fosse de menor gravidade”.

A título de exemplo: Podem apontar-se como o de A pretender matar B com um tiro, mas este vir a atingir não B, mas C.

Aqui o resultado ao qual se referia a vontade de realização do facto não se verifica, mas sim um outro, da mesma espécie ou de espécie diferente. A acção falha o seu alvo e apresenta por isso a estrutura da tentativa.

A produção de outro resultado, que tanto podia não ter lugar como ser de outra gravidade, só pode eventualmente conformar um crime negligente. A punição deve, por isso, ter lugar só por tentativa ou por concurso desta com um crime negligente. Vale esta teoria mesmo quando haja coincidência típica entre o tipo de ilícito projectado e o consumado.

Para Ferrer Correia, seguido por Eduardo Correia e Figueiredo Dias, entende que o agente deve ser punido pelo crime projectado como se tivesse consumado, ou seja “a solução legal e justa é de submeter ao delinquente que tentou um crime e consumou outro à pena do crime que projectou, como se ele tivesse consumado” (Maia Gonçalvez).

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Já Cavaleiro de Ferreira defendia que a punição é feita em virtude da consumação como se tivesse projectado.

O § 3º do mesmo artigo refere que “a circunstância designada no nº. 6º não pode dirimir em caso algum a intenção criminosa, não podendo por consequência ser por esse motivo classificado o crime como meramente culposo”. Assim, somos de concordar com a posição de Cavaleiro de Ferreira.

Porém, as coisas não são assim tão simples. Imaginemos A que quer matar o cão de B, atira uma pedra que atinge uma criança que estava a brincar ali próximo, morrendo imediatamente.

Nesta hipótese, A será responsabilizado pelo crime de dano em animais (projectado) ou de homicídio (atingido) e nesta última hipótese, seria um crime doloso ou negligente? Segundo a opinião de C. de Ferreira, A seria responsabilizado pelo crime de dano (artigo 479 CP) e não pelo crime do artigo 349 CP.

Correia defende, por isso que, a “ratio” do nº 6 e § 3º do artigo 29 do CP “reside em agravar a responsabilidade do agente - ou ao menos em impedir a sua atenuação – em virtude do erro” cessando a sua razão de aplicação da atenuação.

As modernas doutrinas admitem que a solução passa, no entanto, pela denominada solução de verdade – o agente é punido por dois crimes: tomando como exemplo 1, o homicídio será punido ao nível de homicídio tentado e homicídio consumado negligente.

- Erro sobre o processo causal

No nosso actual sistema penal e na opinião de E. Correia, “é relevante, no sentido de excluir o dolo, o erro sobre o processo causal quando este seja – e só quando ele for – elemento constitutivo da infracção”.

Por exemplo, A pretende envenenar B e enjeita uma penicilina e B veio a falecer por paragem cardíaca, não há que responsabilizar A por homicídio doloso. Está ausente um dos elementos constitutivos do crime do artigo 353 CP).

Se, porém, A quer matar B que está à beira de um precipício e dispara um tiro de arma e, na tentativa de B evitar a bala cai no precipício e morre, A deve ser responsabilizado pelo crime do homicídio voluntário.

Correia defende ainda que, havendo erro sobre as circunstancias modificativas de um determinado ilícito do crime, o erro não afasta o tipo fundamental crime, mas tão somente o respectivo crime qualificado.

2. Erro sobre as proibições

Eduardo Correia admite que o tratamento da problemática do erro sobre as proibições encontramos nos nº 1, 2, 4 e parágrafo 1º todos do artigo 29 do CP. Da leitura desses artigos

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pomos formular que, a ignorância da lei penal, a ilusão sobre a criminalidade do facto e a persuasão pessoal da legitimidade do fim ou dos motivos que determinaram o facto, não excluem o dolo. Tais situações sequer atenuam a responsabilidade criminal do agente.

Porém, parece ser um entendimento generalizado que, de concepção do dolo como o “conhecimento do tipo legal do crime e do seu significado e vontade de o realizar, resulta que, quem não sabia, embora podendo saber, que seu facto era antijurídico, actua sem dolo” (Correia).

Afirma assim o autor que “o erro relevante que exclui o dolo ou recai sobre o conhecimento dos elementos constitutivos do tipo de crime – é um erro sobre a factualidade típica – ou recai sobre o conhecimento do significado antijurídico do conjunto daqueles elementos – é um erro sobre a proibição”. Numa palavra, o erro sobre as proibições é relevante e deve excluir o dolo.

É por causa destas linhas de entendimento que Correia refere que, os casos dos nºs 1, 2 e 4 do artigo 29 do CP não podem estar a tratar na verdade do erro sobre as proibições, afirmando, que o nº 1 refere-se a ignorância da lei penal, pois, e não de erro sobre a proibição, pois naquela modalidade, estamos perante “a ausência no agente, e no momento da actuação, da consciência da ilicitude de uma certa conduta”.

As situações de erro sobre a proibição devem ser encarradas como um problema inerente ao processo de formação do dolo do agente e não como um problema da consciência da ilicitude.

Trata-se dos casos de erro sobre proibições legais que o agente carece de conhecer efectivamente como patamar de acesso à consciência da ilicitude do facto que pratica.

Relevante é que em tais casos não se pode exigir ao agente que conheça a ilicitude penal do facto sem conhecer (intelectualmente) a existência da proibição. Qualquer valoração errada do agente neste domínio tem por base um erro de conhecimento.