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Como se constitui a subjetividade em tempos de neoliberalismo?
Neoliberalismo eixos: liberação da economia, redução
drástica do gasto público e da intervenção do Estado em favor
dos setores privados. Saúde e Educação: despesas a reduzir
(investimentos transformados em gastos). Interesses privados
intervêm na construção de políticas de Estado.
Subjetividade funcional responde aos parâmetros de
produtividade.
Fracasso: inconveniente individual que há que remediar a
qualquer preço.
Neoliberalismo: gestão empresarial da vida
“No regime neoliberal da autoexploração, cada um
dirige a agressão contra si mesmo. Esta
autoagressividade não converte o explorado en
revolucionário, mas sim em depressivo”. (Byung-Chul
Han, 2014).
Clínica atual: crianças cada vez mais novas, com
manifestações de sofrimento psíquico cada vez mais
intensas, trazidos à consulta por adultos cada vez mais
exigidos, cada vez mais infelizes, mais preocupados
com si mesmos.
• Por que nos encontramos, cada vez com maior
frequência, com crianças que apresentam
problemáticas psíquicas mais graves, que se
manifestam cada vez mais precocemente e com o
agravante de que muitos deles chegam já
diagnosticados como autistas?
• Diagnosticar não responde somente a um recorte
científico
• Ciência é também um construto político-econômico
• “O normal não é uma formulação estática e pacífica, é
um conceito dinâmico e polêmico”. (Canguilhem, 1943)
• Normalidade: construção histórica / epocal
Prevalência de autismos. Por quê? Para quê?
Entre 1966 e 1991: 4,4/10.000 Autismo de Kanner
Entre 1992 e 1994: 12,7/10.000 Transtorno autista
DSM IV (1994) 1/100 TGD
DSM 5 (2013) 1/88, sendo 1/59 em meninos, TEA
Autism Speaks de Estados Unidos, 1/68
“O câncer, a AIDS e o diabetes pediátricos, somados, são
menos comuns do que a condição de espectro
autista”. (Autism Speaks, 2014)
Whitaker: Como se constroi uma epidemia?
• Nos Estados Unidos, o “seguro social por incapacidade”
cresceu de 1/184 para 1/76 entre 1987 e 2007
• Entre as crianças, aumento de 35 vezes nas mesmas duas
décadas.
• A enfermidade mental é agora a principal causa de
discapacidade na infância.
• DSM “formata” subjetividades, a Terapia Cognitivo-
Comportamental as acomoda
• sinais de alarme diagnóstico
• Signos clínicos de autismo É autista
• Diagnóstico a lápis Profecia autorealizável
Invenções singulares
• Felipe (3 anos): a escola anota condutas preocupantes: não tem iniciativa para se comunicar com ninguém, tem amplo vocabulário mas não utiliza para dialogar; repete diálogos textuais de filmes ou livros; quando o ambiente é barulhento, tapa as orelhas; evita situações de conflito; entrega os jogos sem opor resistência; não interage com outras crianças; anda sem brincar, “esvoaça” enquanto caminha e emite sons ininteligíveis.
• Pais alarmados. História da criança: em parto complicado, nasce aos 8 meses de gestação, com Apgar 2, precisa ficar no respirador por 8 horas. Neonatologista: falta de oxigênio poderia gerar un dano neurológico irreversível. Durante o 1º. ano, consultas neurológicas frequentes, em cada consulta o profissional reitera que “este menino é um milagre”. Alegria, ansiedade e angústia em uma mistura complexa. Cada logro en el desarrollo esperado, cada pausa temida.
• Criança observada e avaliada permanentemente e um fantasma de morte ou discapacidade sempre à espreita.
• Felipe, criança refugiada em um mundo que parecia se fechar sobre si mesmo, um pai preocupado em fazer o certo e uma mãe antecipando-lhe as soluções antes do conflito.
• Modos subjetivos de se proteger da dor.
• Frente minhas propostas, ele foi se abrindo, seus pais também. Após um ano de tratamento vincular, Felipe participa ativamente das propostas da escola, convida e é convidado pelos amigos a ir brincar em suas casas, conversa, aceita mudanças
• Algumas crianças se apresentam com “estados autistas” que podem se modificar conforme o tipo de intervenção terapêutica que se realize, a possibilidade de movimento parental e as próprias características dela mesma.
• Muitos colegas o teriam rapidamente catalogado de TEA. Minha aposta foi esperá-lo, acompanhar Felipe e seus pais em um trabalho clínico vincular, armar estratégias conjuntas com a escola.
• Após 2 anos, o trabalho clínico com Felipe, para este momento de sua
vida, estava concluído. Mãe: “eu não sei o que você fez, mas sei que
fez jogando, e sei que antes de virmos aquí estávamos todos muito
angustiados.
• Logo depois, eu tinha que explicar a Felipe que dentro de pouquinho
tempo já não iria mais vê-lo; então lhe contei que ele começar a vir
quando era muito pequenininho e era difícil para ele se defender e jogar
com os amigos e que eu o havia ajudado com estas coisas, mas agora
me parecia que já não estava precisando de minha ajuda porque ele
podia resolvê-las ou encontrar quem podia ajudá-lo.
• Me olhou e me pediu meu boneco de Sigmund, perguntando quem era.
Respondi que era o senhor que havia me ensiando todas as coisas que
sei para ajudar as crianças para que fiquem melhor.
• Buscou um dinossauro pequenininho, que não tinha amigos, trouxe para
perto do “dinossauro chefe”, para que o ajude e também uns
dinossauros “briguentos” e Sigmund foi ajudando todos e agora
cresceram e já não precisam vê-lo mais. Mas, se um dia precisarem,
podem chamar!!!!
• As oportunidades subjetivantes necessitam tempo e um Outro disponível.
• Espera ativa, provocadora de oportunidades, forjadora de cenas lúdicas onde só há repetição do idêntico. Jogar é a oportunidade de constituir o infantil da infância, não há criança sem jogo. No jogo, se constitui a criança.
• Nunca saberemos de antemão até onde poderá chegar cada criança, por isso é fundamental não colocar “tetos” e nos darmos a oportunidade de deixar-nos surpreender com o espontâneo, pois aí é onde encontraremos o subjetivo da criança e de nós mesmos.
Hikari Oé – Tamura - Akiko Ebi – Argerich – Invenções singulares II
• Em 1994, Martha Argerich deu um concerto no Japão, com Rostropovich e lhe propôs tocar uma peça muito curta, obra de um
compositor japonês desconhecido. Para ela era “música pura”, e a havia descoberto por meio de sua protegida Akiko Ebi, que havia
gravado um disco por influência de sua primeira professora de piano, Kumiko Tamura. A senhoritaTamura tinha deixado de dar
aulas a crianças virtuosas para se dedicar inteiramente a um único aluno, com quem vinha trabalhando há mais de quinze anos. O
aluno era autista, epiléptico e tinha sérias dificuldades motoras. Seu nome era Hikari Oé, filho do Prêmio Nobel Kenzaburo Oé.
• Hikari tinha nascido em 1963, com uma hidrocefalia tão tremenda que parecia ter duas cabeças. Sua única possibilidade de vida
dependia de uam cirurgia muito arriscada e complicada que, no melhor dos casos, o deixaria com danos cerebrais irreversíveis.
Hikari sobreviveu à cirurgia, porém ficou com lesões cerebrais permanentes, epilepsia, problemas de visão e severas limitações
motoras e de coordenação. Seu autismo era total, até que sua mãe notou que sua atenção respondia ao canto de pássaros. O pai
conseguiu um disco em que se ouviam diversos cantos de aves e uma voz masculina que os identificava. Um ano depois, enquanto
era levado pelo pai em uma bicicleta pelo parque, Hikari pronunciou sua primeira palavra: “Avutarda”, ao ouvir o canto de um
pássaro. Ele tinha memorizado os 70 diferentes cantos daquele disco. Com músicas, acontecia o mesmo: quando ao ouvir um
fragmento, era capaz de imediatamente identificar a música.
• Assim, a professora Tamura entrou na vida de Hikari. No princípio, limitava-se a lhe mostrar, no piano, melodias simples que tocava
com um dedo apenas, mas o interesse de Hikari por essas aulas e seus progressos surpreendentes fizeram com que a senhorita
Tamura fosse abandonando seus outros aluns e se dedicasse a ele por completo. Aos pouco, conseguiu que cada um dos dedos de
Hikari trabalhasse de forma separada e ele pudesse encarar progressões harmônicas. Hikari mostrava menos interesse em praticar
peças de Chopin ou Bach que em suas próprias improvisações.
• A senhorita Tamura decidiu, então, começar a explorar junto a Hikari este mundo de sons que ele tinha dentro de si. As sessões à
frente do piano se tornaram diárias e duravam toda a tarde. Raramente apelava à palabra para se comunicar, porém com um simples
cantarolar conseguia expressar o que queria para os pais e os dois irmãos. Hikari foi compondo breves peças nessa linguagem, que
polia e polia. Um dia, a senhorita Tamura recebeu em sua casa a visista de uma ex-aluna, a já célebre Akiko Ebi. Quando ela lhe
perguntou a que havia se dedicado todos esses anos, a anciã se sentou ao piano e lhe mostrou as peças de Hikari.
• Kenzaburo, desde 1963, havia decidido dar voz a seu filho através de seus romances, já que seu filho não podia tê-la. Até que saiu o
disco de Akiko Ebi e, primeiro o Japão, depois o mundo, descobriram que Hikari tinha uma voz própria. Já não necessitava que seu
pai falasse por ele.
Intervenções subjetivantes:
Desde o espaço terapêutico: acolher angústias primárias,
construir aquelo que nunca esteve, armar limites de contenção
para a criança, seus pais e a instituição escolar.
Habilitar a escuta do sofrimento, dar tempo aos processos com
uma intervenção ativa, inventar um jogo / uma criança. Clínica
da oportunidade
Acolher a alteridade sem arrasá-la.
Trabalho ENTRE-DISCIPLINAS. Prática entre vários
construir futuros possíveis sem tamponar com etiquetas
invalidantes
Temos responsabilidades éticas indeclináveis com nossas
crianças.
Invenções singulares III: El Punto