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Dra. Gisela Untoiglich Forum Infancias Universidad de Buenos Aires [email protected]

Dra. Gisela Untoiglich Forum Infancias Universidad de ... · •Felipe, criança refugiada em um mundo que parecia se fechar sobre si mesmo, um pai preocupado em fazer o certo e uma

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Dra. Gisela Untoiglich

Forum Infancias

Universidad de Buenos Aires

[email protected]

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Como se constitui a subjetividade em tempos de neoliberalismo?

Neoliberalismo eixos: liberação da economia, redução

drástica do gasto público e da intervenção do Estado em favor

dos setores privados. Saúde e Educação: despesas a reduzir

(investimentos transformados em gastos). Interesses privados

intervêm na construção de políticas de Estado.

Subjetividade funcional responde aos parâmetros de

produtividade.

Fracasso: inconveniente individual que há que remediar a

qualquer preço.

Neoliberalismo: gestão empresarial da vida

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“No regime neoliberal da autoexploração, cada um

dirige a agressão contra si mesmo. Esta

autoagressividade não converte o explorado en

revolucionário, mas sim em depressivo”. (Byung-Chul

Han, 2014).

Clínica atual: crianças cada vez mais novas, com

manifestações de sofrimento psíquico cada vez mais

intensas, trazidos à consulta por adultos cada vez mais

exigidos, cada vez mais infelizes, mais preocupados

com si mesmos.

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• Por que nos encontramos, cada vez com maior

frequência, com crianças que apresentam

problemáticas psíquicas mais graves, que se

manifestam cada vez mais precocemente e com o

agravante de que muitos deles chegam já

diagnosticados como autistas?

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• Diagnosticar não responde somente a um recorte

científico

• Ciência é também um construto político-econômico

• “O normal não é uma formulação estática e pacífica, é

um conceito dinâmico e polêmico”. (Canguilhem, 1943)

• Normalidade: construção histórica / epocal

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Prevalência de autismos. Por quê? Para quê?

Entre 1966 e 1991: 4,4/10.000 Autismo de Kanner

Entre 1992 e 1994: 12,7/10.000 Transtorno autista

DSM IV (1994) 1/100 TGD

DSM 5 (2013) 1/88, sendo 1/59 em meninos, TEA

Autism Speaks de Estados Unidos, 1/68

“O câncer, a AIDS e o diabetes pediátricos, somados, são

menos comuns do que a condição de espectro

autista”. (Autism Speaks, 2014)

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Whitaker: Como se constroi uma epidemia?

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• Nos Estados Unidos, o “seguro social por incapacidade”

cresceu de 1/184 para 1/76 entre 1987 e 2007

• Entre as crianças, aumento de 35 vezes nas mesmas duas

décadas.

• A enfermidade mental é agora a principal causa de

discapacidade na infância.

• DSM “formata” subjetividades, a Terapia Cognitivo-

Comportamental as acomoda

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• sinais de alarme diagnóstico

• Signos clínicos de autismo É autista

• Diagnóstico a lápis Profecia autorealizável

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Invenções singulares

• Felipe (3 anos): a escola anota condutas preocupantes: não tem iniciativa para se comunicar com ninguém, tem amplo vocabulário mas não utiliza para dialogar; repete diálogos textuais de filmes ou livros; quando o ambiente é barulhento, tapa as orelhas; evita situações de conflito; entrega os jogos sem opor resistência; não interage com outras crianças; anda sem brincar, “esvoaça” enquanto caminha e emite sons ininteligíveis.

• Pais alarmados. História da criança: em parto complicado, nasce aos 8 meses de gestação, com Apgar 2, precisa ficar no respirador por 8 horas. Neonatologista: falta de oxigênio poderia gerar un dano neurológico irreversível. Durante o 1º. ano, consultas neurológicas frequentes, em cada consulta o profissional reitera que “este menino é um milagre”. Alegria, ansiedade e angústia em uma mistura complexa. Cada logro en el desarrollo esperado, cada pausa temida.

• Criança observada e avaliada permanentemente e um fantasma de morte ou discapacidade sempre à espreita.

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• Felipe, criança refugiada em um mundo que parecia se fechar sobre si mesmo, um pai preocupado em fazer o certo e uma mãe antecipando-lhe as soluções antes do conflito.

• Modos subjetivos de se proteger da dor.

• Frente minhas propostas, ele foi se abrindo, seus pais também. Após um ano de tratamento vincular, Felipe participa ativamente das propostas da escola, convida e é convidado pelos amigos a ir brincar em suas casas, conversa, aceita mudanças

• Algumas crianças se apresentam com “estados autistas” que podem se modificar conforme o tipo de intervenção terapêutica que se realize, a possibilidade de movimento parental e as próprias características dela mesma.

• Muitos colegas o teriam rapidamente catalogado de TEA. Minha aposta foi esperá-lo, acompanhar Felipe e seus pais em um trabalho clínico vincular, armar estratégias conjuntas com a escola.

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• Após 2 anos, o trabalho clínico com Felipe, para este momento de sua

vida, estava concluído. Mãe: “eu não sei o que você fez, mas sei que

fez jogando, e sei que antes de virmos aquí estávamos todos muito

angustiados.

• Logo depois, eu tinha que explicar a Felipe que dentro de pouquinho

tempo já não iria mais vê-lo; então lhe contei que ele começar a vir

quando era muito pequenininho e era difícil para ele se defender e jogar

com os amigos e que eu o havia ajudado com estas coisas, mas agora

me parecia que já não estava precisando de minha ajuda porque ele

podia resolvê-las ou encontrar quem podia ajudá-lo.

• Me olhou e me pediu meu boneco de Sigmund, perguntando quem era.

Respondi que era o senhor que havia me ensiando todas as coisas que

sei para ajudar as crianças para que fiquem melhor.

• Buscou um dinossauro pequenininho, que não tinha amigos, trouxe para

perto do “dinossauro chefe”, para que o ajude e também uns

dinossauros “briguentos” e Sigmund foi ajudando todos e agora

cresceram e já não precisam vê-lo mais. Mas, se um dia precisarem,

podem chamar!!!!

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• As oportunidades subjetivantes necessitam tempo e um Outro disponível.

• Espera ativa, provocadora de oportunidades, forjadora de cenas lúdicas onde só há repetição do idêntico. Jogar é a oportunidade de constituir o infantil da infância, não há criança sem jogo. No jogo, se constitui a criança.

• Nunca saberemos de antemão até onde poderá chegar cada criança, por isso é fundamental não colocar “tetos” e nos darmos a oportunidade de deixar-nos surpreender com o espontâneo, pois aí é onde encontraremos o subjetivo da criança e de nós mesmos.

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Hikari Oé – Tamura - Akiko Ebi – Argerich – Invenções singulares II

• Em 1994, Martha Argerich deu um concerto no Japão, com Rostropovich e lhe propôs tocar uma peça muito curta, obra de um

compositor japonês desconhecido. Para ela era “música pura”, e a havia descoberto por meio de sua protegida Akiko Ebi, que havia

gravado um disco por influência de sua primeira professora de piano, Kumiko Tamura. A senhoritaTamura tinha deixado de dar

aulas a crianças virtuosas para se dedicar inteiramente a um único aluno, com quem vinha trabalhando há mais de quinze anos. O

aluno era autista, epiléptico e tinha sérias dificuldades motoras. Seu nome era Hikari Oé, filho do Prêmio Nobel Kenzaburo Oé.

• Hikari tinha nascido em 1963, com uma hidrocefalia tão tremenda que parecia ter duas cabeças. Sua única possibilidade de vida

dependia de uam cirurgia muito arriscada e complicada que, no melhor dos casos, o deixaria com danos cerebrais irreversíveis.

Hikari sobreviveu à cirurgia, porém ficou com lesões cerebrais permanentes, epilepsia, problemas de visão e severas limitações

motoras e de coordenação. Seu autismo era total, até que sua mãe notou que sua atenção respondia ao canto de pássaros. O pai

conseguiu um disco em que se ouviam diversos cantos de aves e uma voz masculina que os identificava. Um ano depois, enquanto

era levado pelo pai em uma bicicleta pelo parque, Hikari pronunciou sua primeira palavra: “Avutarda”, ao ouvir o canto de um

pássaro. Ele tinha memorizado os 70 diferentes cantos daquele disco. Com músicas, acontecia o mesmo: quando ao ouvir um

fragmento, era capaz de imediatamente identificar a música.

• Assim, a professora Tamura entrou na vida de Hikari. No princípio, limitava-se a lhe mostrar, no piano, melodias simples que tocava

com um dedo apenas, mas o interesse de Hikari por essas aulas e seus progressos surpreendentes fizeram com que a senhorita

Tamura fosse abandonando seus outros aluns e se dedicasse a ele por completo. Aos pouco, conseguiu que cada um dos dedos de

Hikari trabalhasse de forma separada e ele pudesse encarar progressões harmônicas. Hikari mostrava menos interesse em praticar

peças de Chopin ou Bach que em suas próprias improvisações.

• A senhorita Tamura decidiu, então, começar a explorar junto a Hikari este mundo de sons que ele tinha dentro de si. As sessões à

frente do piano se tornaram diárias e duravam toda a tarde. Raramente apelava à palabra para se comunicar, porém com um simples

cantarolar conseguia expressar o que queria para os pais e os dois irmãos. Hikari foi compondo breves peças nessa linguagem, que

polia e polia. Um dia, a senhorita Tamura recebeu em sua casa a visista de uma ex-aluna, a já célebre Akiko Ebi. Quando ela lhe

perguntou a que havia se dedicado todos esses anos, a anciã se sentou ao piano e lhe mostrou as peças de Hikari.

• Kenzaburo, desde 1963, havia decidido dar voz a seu filho através de seus romances, já que seu filho não podia tê-la. Até que saiu o

disco de Akiko Ebi e, primeiro o Japão, depois o mundo, descobriram que Hikari tinha uma voz própria. Já não necessitava que seu

pai falasse por ele.

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Intervenções subjetivantes:

Desde o espaço terapêutico: acolher angústias primárias,

construir aquelo que nunca esteve, armar limites de contenção

para a criança, seus pais e a instituição escolar.

Habilitar a escuta do sofrimento, dar tempo aos processos com

uma intervenção ativa, inventar um jogo / uma criança. Clínica

da oportunidade

Acolher a alteridade sem arrasá-la.

Trabalho ENTRE-DISCIPLINAS. Prática entre vários

construir futuros possíveis sem tamponar com etiquetas

invalidantes

Temos responsabilidades éticas indeclináveis com nossas

crianças.

Invenções singulares III: El Punto