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http://apontamentosdireito.atspace.com 1 Enviados por Mariana Melo Enviados a 16 de Setembro de 2011 A tutela cautelar: os procedimentos cautelares nominados 6. Arrolamento Caso Prático: Um indivíduo faleceu no início de Janeiro de 2010 e deixou como únicos herdeiros dois sobrinhos. Um dos sobrinhos (A) vivia com a pessoa que faleceu; o outro herdeiro (B) reside num local distante e receia que o Sr. A faça desaparecer os valiosos bens móveis existentes na casa do falecido. Por detrás do arrolamento temos uma pessoa que receia o desaparecimento de bens que se encontram no poder de outrem. Ao contrário do que se passa no arresto, o requerente do arrolamento não faz valer o direito de se pagar à custa daqueles bens. Ele tem o direito de, num futuro próximo, ficar com parte daqueles bens. É um direito certo e eventual sobre certos bens. Não é um direito de crédito. O sobrinho que está fora daquela casa e receia que o outro fique com os bens intenta uma acção de arrolamento, para ficar com, pelo menos, metade dos bens. O arresto é um meio que visa garantir um futuro pagamento de uma dívida, enquanto o arrolamento visa garantir a futura restituição ou a futura entrega dos bens. Arrolar significa fazer uma lista, um inventário de bens. Como providência cautelar o arresto tem um sentido mais complexo. No pedido faz-se uma discrição, uma avaliação e um depósito dos bens (art. 424.° do CPC). No artigo 426.° designa-se quem vai ficar depositário dos bens. É possível que o requerido seja o depositário dos bens, salvo se houver inconveniente em que estes lhe sejam entregues. E aplica-se o artigo 355.° do Cód.Penal se o depositário fizer desaparecer os bens. Um tribunal para decretar uma providência cautelar tem de estar convencido de que será feita justiça se a providência tiver sido declarada conveniente. Factos demonstrativos de que o requerente é titular de um direito sobre os bens (direito certo e eventual) A vendeu uma valiosa colecção de relógios a B. A certa altura entra nos tribunais uma acção de anulação do contrato (por exemplo por coacção). Aqui é adequado o arrolamento. O direito da pessoa é actual e certo. Basta o fumus boni iuris (art. 423.°).

Dto. Processual Civil II

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1

Enviados por Mariana Melo

Enviados a 16 de Setembro de 2011

A tutela cautelar: os procedimentos cautelares nominados

6. Arrolamento

Caso Prático:

Um indivíduo faleceu no início de Janeiro de 2010 e deixou como únicos herdeiros dois

sobrinhos. Um dos sobrinhos (A) vivia com a pessoa que faleceu; o outro herdeiro (B) reside

num local distante e receia que o Sr. A faça desaparecer os valiosos bens móveis existentes na

casa do falecido.

Por detrás do arrolamento temos uma pessoa que receia o desaparecimento de bens que

se encontram no poder de outrem.

Ao contrário do que se passa no arresto, o requerente do arrolamento não faz valer o

direito de se pagar à custa daqueles bens.

Ele tem o direito de, num futuro próximo, ficar com parte daqueles bens. É um direito

certo e eventual sobre certos bens. Não é um direito de crédito.

O sobrinho que está fora daquela casa e receia que o outro fique com os bens intenta

uma acção de arrolamento, para ficar com, pelo menos, metade dos bens.

O arresto é um meio que visa garantir um futuro pagamento de uma dívida, enquanto o

arrolamento visa garantir a futura restituição ou a futura entrega dos bens.

Arrolar significa fazer uma lista, um inventário de bens.

Como providência cautelar o arresto tem um sentido mais complexo.

No pedido faz-se uma discrição, uma avaliação e um depósito dos bens (art. 424.° do

CPC).

No artigo 426.° designa-se quem vai ficar depositário dos bens. É possível que o requerido

seja o depositário dos bens, salvo se houver inconveniente em que estes lhe sejam entregues.

E aplica-se o artigo 355.° do Cód.Penal se o depositário fizer desaparecer os bens.

Um tribunal para decretar uma providência cautelar tem de estar convencido de que será

feita justiça se a providência tiver sido declarada conveniente.

Factos demonstrativos de que o requerente é titular de um direito sobre os bens (direito

certo e eventual)

A vendeu uma valiosa colecção de relógios a B. A certa altura entra nos tribunais uma

acção de anulação do contrato (por exemplo por coacção).

Aqui é adequado o arrolamento. O direito da pessoa é actual e certo.

Basta o fumus boni iuris (art. 423.°).

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É também preciso convencer o tribunal, nos termos do art. 421.°, da procedência da

acção:

- extravio;

- ocultação;

- dissipação dos bens que se encontram a favor dos outros.

É uma causa de pedir complexa. (Periculum in mora)

No domínio de certas acções, nomeadamente no domínio da acção de divórcio, o cônjuge

que pede o arrolamento por causa do nº 3 do art. 427.° não tem de alegar e provar o receio do

extravio dos bens. No âmbito destas acções o cônjuge que vai a tribunal não tem de alegar

factos tendentes ao periculum in mora. Há uma presunção de risco de extravio dos bens.

Nesta presunção o legislador quer evitar que o conflito se agrave. Por isso é fácil obter

esta providência.

O conflito entre os cônjuges é indiciador deste risco.

Contraditório: o juiz ouvirá o requerido, salvo se houver um perigo na sua audiência. (art.

385.)

7. Embargo de obra nova

Caso prático:

O Sr. A começou a construir uma moradia unifamiliar e no decurso dos trabalhos de

construção derrubou parte de um muro pertencente a B. Para além disto, o Sr. A invadiu parte

do terreno de B, a fim de construir a referida moradia.

O que é uma obra nova?

Uma obra nova é uma construção em geral mas pode ser uma demolição, uma escavação

ou um restauro.

Nova significa que a obra já teve o seu início, uma obra que já saiu do papel mas que ainda

não está terminada. Não faz sentido suspender uma obra que já está terminada.

Que obra nova pode ser suspensa/embargada? (art. 412.°, nº1)

Em primeiro, lugar podemos suspender uma obra que já está a causar um prejuízo, um

dano a uma pessoa e prevê-se que esses prejuízos venham a acentuar-se. É um embargo de

obra nova repressivo.

Em segundo lugar, é possível embargar uma obra que ameaça causar um prejuízo ao

requerente. Aquela obra potencia um prejuízo para o requerente. É um embargo preventivo.

A lei prevê dois embargos: um repressivo e outro preventivo.

Quem pode embargar uma obra? Quem tem legitimidade? (art. 412.°, nº1)

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Em princípio, terá legitimidade o dono do terreno que está a ser invadido. Ou o beneficiário

de uma servidão de passagem, ou um arrendatário – titulares de um direito real de gozo. O

promitente-vendedor pode requerer um embargo de obra nova.

Como se faz o embargo de obra nova?

O embargo faz-se de duas formas:

a) judicial

b) extrajudicial

No embargo judicial o requerente dirige-se ao tribunal cível competente para tentar

suspender a obra. O tribunal ouve ou não o requerido, se tiver ou não tempo para o ouvir. É

um contraditório maleável. E depois o juiz decreta o embargo de obra nova através de

despacho. Ainda é necessário ter em conta o disposto no art. 418.° que nos diz como na

prática se faz o embargo.

O funcionário judicial vai ao local, faz um relatório do que está a acontecer e cumpre o

despacho do juiz dando uma intimação ao dono ou encarregado da obra para este a parar.

O direito de embargar uma obra encontra-se sujeito a um prazo de caducidade, previsto no

art. 412.°, nº 1 do C.P.C. A partir do momento em que se tem conhecimento da obra e do

prejuízo que ela causa, a pessoa tem 30 dias para a suspender. Se não embargar, então perde

o direito de o fazer.

O facto de a obra se encontrar licenciada pela Câmara não é obstáculo ao embargo.

No embargo judicial o requerente dirige-se ao tribunal. O juiz pode ou não ouvir o dono da

obra, o requerido, salvo se isso compromete a eficácia da providência.

Por fim o juiz profere um despacho. Se ele suspender a obra então esse despacho é

importante mas só por si não vale.

Art. 418.° - como se faz ou ratifica o embargo de obra nova.

Art. 420.° - como se reage contra a inovação abusiva

Se a obra for continuada o requerente anterior apresenta uma nova acção e pede a

destruição de tudo o que foi feito depois do embargo.

O embargo extrajudicial implica duas fases ou dois momentos (art. 412.°, nos 2 e 3):

1. A pessoa que está a ser prejudicada pela obra não se dirige ao tribunal. Ela própria faz uma

intimação particular e verbal ao dono da obra no sentido de este a parar imediatamente

(acção directa). Ela tem de ir acompanhada por duas testemunhas (art. 412.°, nº 2).

2. Após fazer aquela intimação a pessoa tem de dirigir-se ao tribunal a fim de obter uma

ratificação judicial do embargo (nº 3 do art. 412.°). Pede a confirmação do embargo.

A pessoa tem 5 dias para se dirigir ao tribunal e obter a ratificação.

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Se a obra continuar, a pessoa prejudicada pode pedir a destruição da obra a partir do

momento em que foi feito o embargo particular.

Ideias fundamentais sobre o procedimento cautelar comum:

Caso prático:

O Sr. A, proprietário de um prédio rústico encravado, intentou uma acção para constituição

de uma servidão legal de passagem contra o Sr. B. Na pendência da acção, o Sr. A quis

proceder à colheita da azeitona mas, como era de esperar, o Sr. B voltou a impedir a sua

passagem.

1.° O procedimento cautelar comum é um meio residual, ou seja, é uma “arma” que

permite combater o periculum in mora sempre que no caso seja impossível recorrer a algum

dos procedimentos cautelares especificados.

2.° O procedimento cautelar comum é um meio aberto (art. 381.°, nº 1), ou seja, enquanto

os procedimentos cautelares especificados apenas conseguem alcançar certas e determinadas

medidas estabelecidas na lei, o procedimento cautelar comum permite alcançar qualquer

medida conservatória ou antecipatória adequada ao caso.

3.° Há um manifesto desvio ao princípio do pedido porque o requerente pode pedir uma

medida concreta e o juiz entende que aquela providência não é a mais adequada ao caso e

tem o poder de conceder outra providência que não foi pedida (art. 392.°, nº 3).

A tutela cautelar que se consegue através do procedimento cautelar comum é uma tutela

muito mais maleável do que a tutela declarativa.

Na tutela cautelar o juiz tem poderes para encontrar medidas menos gravosas para o

requerido.

Que espécies de medidas cautelares são pedidas habitualmente no âmbito dos

procedimentos cautelares comuns?

a) A intimação é uma condenação provisória do requerido a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa, a comportar-se de um certo modo. Um exemplo de intimação de facere é restituir ou

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reparar alguma coisa. Um exemplo de non facere é uma intimação para que o vizinho

requerido não faça ruídos perturbadores a partir das 22 horas.

b)Pede-se ao tribunal que apreenda uma coisa e que a guarde ou mande guardar a um fiel

depositário.

Reforço da tutela cautelar

O nosso legislador após ter regulado a matéria no Cód. de Processo Civil pensou no que

deveria fazer para compelir, para forçar o requerido a cumprir voluntariamente a tutela

cautelar. E há dois meios para o fazer, para o compelir a cumprir, são dois meios de constrição:

1º - meio de natureza civil;

2º - meio de natureza penal.

O primeiro meio encontra-se previsto no art. 384.°, nº 2 do CPC – sanção pecuniária

compulsória, também enunciado no art. 829.°- A do CC.

O requerente da providência, sempre que esta implique a prática de um facto positivo ou

negativo infungível, pode pedir que este seja condenado no pagamento de uma quantia por

cada infracção cometida ou então por cada dia de atraso no cumprimento de uma prestação

positiva. Aqui funciona o princípio do pedido, ou seja, o juiz jamais decretará uma sanção

pecuniária compulsória se ela não for pedida pelo requerente.

Exemplo:

Um ex-inspector da PJ é, através de um procedimento cautelar, intimado a abster-se de

defender em público a tese da morte da pequena criança inglesa em 3 de Maio de 2007. E o

casal inglês ainda pediu que o ex-inspector fosse condenado a pagar àquele casal 1000 euros

sempre que viesse a público defender a tese da morte da criança.

Isto é uma sanção pecuniária compulsória.

O segundo meio que força o requerido a cumprir uma providência consiste na garantia

penal da providência cautelar (art. 391.° do CPC).

A infracção a uma providência cautelar constitui hoje um crime de desobediência

qualificada que, nos termos do art. 348.° do CP, é punido com pena de prisão até dois anos ou

de multa até 240 dias.

O que terá levado o legislador nacional, geralmente tão brando em matéria de crimes e

de penas, a ter a mão tão pesada em matéria de tutela cautelar?

As tutelas cautelares salvam os nossos direitos. Elas evitam que os nossos direitos “morram

na estrada”.

No entanto, há uma incongruência no sistema jurídico. O desrespeito por uma sentença

obtida no âmbito duma tutela declarativa não constitui crime de desobediência qualificada. Ao

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invés, a desobediência a uma providência cautelar decretada com base em meros indícios de

prova, já gera uma infracção, já gera um crime de desobediência.

Em última análise, esta garantia penal da providência acaba com a prisão por dívidas.

Qual é o destino de uma providência cautelar que foi decretada pelo tribunal?

O destino de uma providência cautelar decretada pelo tribunal depende de duas coisas:

1ª - A acção principal é julgada procedente - se a acção é julgada procedente então o benefício

alcançado antes, que era um benefício provisório, transforma-se num benefício definitivo.

Por exemplo a restituição provisória da posse transforma-se, por força da sentença, numa

restituição definitiva.

2ª – A acção principal é julgada improcedente – se a acção improcede, a providência cautelar

caduca (art. 389.°, nº 1, al. c)).

É possível pedir uma indemnização ao requerente pelos danos causados ao requerido. O

requerente mentiu quanto a certos actos e o Tribunal foi levado a acreditar (art. 390.°).

Direito Processual Civil II

Capítulo I – Os pressupostos processuais

1ª Lição – Os conceitos de pressuposto processual e de excepção dilatória

ou processual

Um pressuposto processual é uma condição indispensável para a decisão judicial sobre o

pedido. Se faltar um pressuposto processual um juiz não pode proferir uma sentença sobre o

pedido.

Um pressuposto processual é sempre uma “conditio sine qua non”.

Quando o juiz toma pela primeira vez o pulso ao processo ele tem de analisar os

pressupostos processuais para ver se eles estão verificados ou em falta.

O pressuposto processual é uma condição sem a qual o juiz não vai conhecer o pedido que

lhe foi apresentado.

A competência é um pressuposto processual. Um juiz não vai proferir uma decisão sobre o

pedido se não tiver competência.

Os pressupostos processuais localizam-se a vários níveis. Há pressupostos relacionados com

as partes (o autor e o réu):

1- Personalidade judiciária;

2- Capacidade judiciária;

3- Legitimidade processual;

4- Patrocínio judiciário.

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E há ainda um pressuposto processual que não resulta da nossa lei e que está relacionado

com o exercício do direito de acção e com o pedido e é o pressuposto do interesse processual –

saber se o autor tem interesse no pedido.

Excepção dilatória – uma falha ao nível de um pressuposto processual origina uma excepção

dilatória.

Excepção é uma questão anómala, extraordinária, um desvio à normalidade processual.

Dilatória porque estas falhas necessariamente causam uma dilação. Dilação é um

retardamento, um atraso, um adiamento do conhecimento do pedido.

Convém sempre que possível ultrapassar as falhas dos pressupostos processuais para que o

juiz decida sobre o pedido.

2ª Lição – Os princípios reguladores dos pressupostos processuais

Os pressupostos processuais estão estruturados em dois princípios fundamentais:

– Princípio do conhecimento oficioso dos pressupostos processuais (art. 495.°). Desde o

primeiro momento, o juiz tem o dever de fazer uma verificação, uma análise dos pressupostos

processuais com a finalidade de detectar eventuais falhas.

– Princípio da sanação (art. 265.°, nº 2). Uma vez detectada uma falha, o juiz tem o dever

de dar o primeiro passo e o passo decisivo para que se faça a correcção daquela falha.

O que verdadeiramente interessa à justiça é resolver o litígio.

Mas nem sempre é possível corrigir a falha. Há situações em que ela não é susceptível de ser

ultrapassada. A correcção de algumas falhas exige a cooperação da parte, normalmente o

autor, e este não está disposto a ajudar para combater essa falha.

Nos casos em que não é possível ultrapassar a falha, ou em que a parte não colabora, o juiz

não pode conhecer o pedido e o réu vai ser absolvido do processo. Termina o processo com

uma decisão formal.

Há absolvição do réu da instância e absolvição do réu do pedido (art. 288.°).

3ª Lição – Personalidade judiciária (ou processual)

Caso prático:

O Sr. A, negociante de madeiras, intentou uma acção indemnizatória contra a “Direcção-

Geral de Florestas”, alegando que esta não cumpriu um contrato através do qual se obrigou a

vender-lhe madeira.

Poderia a demandada ser parte no processo?

Conceito:

A personalidade judiciária é a susceptibilidade de ser parte num processo, como resulta do

art. 5.°, nº 1 do Cód.Proc.Civ.. É uma qualidade abstracta que existe independentemente de

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uma acção concreta. É a capacidade que temos de sermos titulares de direitos, deveres e ónus

processuais.

Aferição – princípio da equiparação (nº 2, do art. 5.° do CPC). A lei equipara a personalidade

judiciária e a personalidade jurídica.

Toda a pessoa, singular ou colectiva, dotada de personalidade jurídica goza

automaticamente de personalidade judiciária. Adquire-se personalidade jurídica a partir do

nascimento completo e com vida.

A acção foi proposta contra uma entidade desprovida de personalidade jurídica, logo,

também é desprovida de personalidade judiciária.

Uma Direcção-Geral é um órgão do Estado, é um departamento, um serviço de um

ministério.

Esta acção devia ter sido proposta contra o Estado português. E quem o representaria seria

o Ministério Público (art. 20.° do CPC).

Desvios ao princípio da equiparação:

À personalidade judiciária pode não corresponder a personalidade jurídica.

A título excepcional, o nosso legislador alargou a personalidade judiciária a entidades

desprovidas de personalidade jurídica (art. 6.° do CPC).

a) Herança jacente: é um conjunto de bens ainda não partilhado de pessoa falecida. O art.. 6.°,

al.a) do CPC remete para o art. 2046.° do CC.

Uma pessoa morre, deixa normalmente um património e enquanto os herdeiros ainda não

aceitam e procedem à partilha dos bens, surge a possibilidade de intentar uma acção em nome

ou contra a herança.

E tem de ser intentada por um representante, um herdeiro, um credor. A herança é parte

na acção.

b) Associação sem personalidade jurídica: é uma pessoa colectiva sem finalidade lucrativa e

não constituída por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido.

c) Comissão especial: é um grupo transitório de pessoas singulares que visa alcançar um fim

concreto, isolado e fundamentalmente um fim efémero.

d) Sociedade Civil: é uma pessoa colectiva que prossegue fins lucrativos mas que não pratica

actos de comércio propriamente ditos (art. 230.° do Código Comercial).

e) Sociedade Comercial irregular: é uma pessoa colectiva que visa, através de uma actividade

comercial, alcançar lucros. É irregular quando não é feito o registo dessa sociedade comercial

(art. 5.° do Código das Sociedades Comerciais).

f) Condomínio: é um conjunto de propriedades existente num edifício sujeito ao regime da

propriedade horizontal.

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Num edifício temos propriedades privativas sobre fracções autónomas e uma

compropriedade que se alarga às partes comuns.

A maior parte das acções referem-se às partes comuns. (art. 1421.° do CC)

A Reforma de 1995/96 veio atribuir personalidade judiciária aos condomínios. A acção é

proposta pelo ou contra o condomínio e não tem de identificar-se todos os condóminos

daquele condomínio.

Gozam ainda de personalidade judiciária, sempre que sejam elas a praticar os actos, as

sucursais, agências, filiais ou delegações. Estas são órgãos de desconcentração de uma pessoa

colectiva, destinados a ramificar a actividade da pessoa colectiva pública.

Se ocorrer uma falha ao nível da personalidade judiciária não é susceptível de sanação. Só

é possível ser sanada na hipótese do art. 8.° do CPC.

4ª Lição – Capacidade judiciária

Caso prático:

Em Abril de 2009, Joana, com 20 meses de idade, foi atacada em casa da ama por um

Rottweiler. Do ataque resultaram cortes profundos nas costas, vários hematomas na nuca,

escoriações nas pernas e na face.

Joana podia ser autora de uma acção declarativa indemnizatória?

Conceito:

A capacidade judiciária é a susceptibilidade da parte estar por si só no processo sem

representante ou sem assistente (curador). Está previsto no art. 9.°, nº 1 do CPC.

Aferição:

A capacidade judiciária tem por base a chamada capacidade de exercício de direitos (art.

9.°, nº 2 do CPC).

A capacidade de exercício de direitos é a aptidão para praticar, por si mesmo, actos

jurídicos válidos.

Mas há pessoas que não gozam de capacidade de exercício – são os incapazes.

Incapazes:

a) Menores (art. 122.° do CC);

b) Interditos (art. 138.° do CC);

c) Inabilitados (art. 152.° do CC).

Se eles não podem praticar actos jurídicos válidos é compreensível que também não

possam praticar actos processuais. Por isso, o Código de Processo Civil retira a estas pessoas a

capacidade judiciária.

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De acordo com o artigo 10.°, os incapazes só podem estar em juízo através dos seus

representantes.

Joana é incapaz mas vai ser parte no processo, através de um representante,

normalmente os pais.

Efeitos da falha:

As falhas ao nível da capacidade judiciária são, em grande parte, susceptíveis de sanação

(art. 24.° do CPC).

1. Incapacidade judiciária em sentido estrito

Nestas situações da incapacidade judiciária em sentido estrito, o incapaz encontra-se

sozinho no processo, sem representantes ou, no caso do inabilitado, desacompanhado do

curador.

2. Irregularidade de representação

O incapaz não se apresenta sozinho mas encontra-se mal representado ou mal assistido.

Por exemplo, quando só o pai está a representar o filho, a mãe tem que ter consentido

nessa situação.

5ª Lição - Legitimidade processual singular

Caso prático:

O Sr. A é inquilino do Sr. B. C, pai do Sr. A, invocando esta qualidade, intenta uma acção

contra o Sr. B, pedindo que este seja condenado a efectuar obras na casa arrendada por A.

Conceito:

A legitimidade é um pressuposto que não pode ser averiguado fora do contexto de um

concreto processo. É a susceptibilidade de ser a parte certa num concreto processo.

É necessário verificar se o autor tem legitimidade activa e se o réu tem legitimidade

passiva.

A pessoa com legitimidade é a pessoa certa no lugar certo. É o lado activo do processo e o

lado passivo da instância ou relação processual.

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O autor tem legitimidade activa, ou seja, é a única pessoa que tem o poder de exercer o

direito de acção naquele processo. O réu tem legitimidade passiva, isto é, é a única pessoa que

tem o direito de exercer o direito de defesa naquele processo.

“Legitimidade rima com exclusividade.” A legitimidade é uma qualidade que distingue

uma pessoa e exclui todas as outras.

Razão de ser da legitimidade processual singular:

O que sucederá se a lei não previsse este pressuposto, se a lei não exigisse a legitimidade

processual singular?

Se não houvesse este pressuposto, o Direito Processual não impediria que estranhos

viessem litigar do lado activo ou do lado passivo da instância, sobre direitos alheios.

Exemplos: Se não houvesse o pressuposto da legitimidade processual singular e se António,

solteiro, intentasse uma acção de divórcio contra Maria, o juiz não poderia absolver a ré da

instância com fundamento na ilegitimidade do autor, mesmo que fosse evidente o estado civil

do autor em face da petição inicial que deu entrada no tribunal.

Se ele não existisse, um filho podia, em nome da mãe, intentar uma acção de divórcio

contra o pai.

Se alguma das partes aparece no processo como uma pessoa estranha ao litígio, não faz

sentido o tribunal julgar o pedido. O que faz sentido é absolver o réu da instância. É por isso

que está regulado na nossa e na maior parte das legislações este pressuposto.

Aferição da legitimidade singular: (art. 26.° do C.P.C)

Critério do interesse directo em demandar e em contradizer (nº 1)

Um processo tem de correr entre pessoas a quem o objecto diga directamente respeito,

não bastando um interesse indirecto, reflexo ou derivado para se possuir legitimidade singular.

Neste caso o objecto tem interesse directo para o réu (o senhorio) mas não diz

directamente respeito ao autor (o pai do inquilino). Quanto muito ele podia ter interesse

indirecto ou reflexo na causa.

Só A, o inquilino, é que teria interesse directo no processo.

Caso prático:

O Sr. A intenta uma acção contra o Sr. B, alegando que este, na noite da passagem de ano

causou danos num automóvel pertencente ao autor. B defende-se, alegando que os danos

foram causados pelo Sr. C.

A quem assiste neste caso legitimidade passiva?

O autor tem legitimidade activa. Ele diz que o seu automóvel sofreu danos.

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O número 3 do art. 26.° vem dizer que são considerados titulares de interesse relevante

os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.

O juiz, para determinar se o autor e o réu possuem legitimidade singular, activa e passiva,

respectivamente, tem de fazer duas coisas:

1) Ficção – parte do princípio de que o direito do autor existe.

2) Atender à fisionomia da relação material apresentada unilateralmente pelo autor. Ver se no

processo estão as partes interessadas.

O juiz tem de olhar para a história que foi contada unilateralmente pelo autor. O que

importa é o que o autor diz. Ele diz que foi B quem danificou o seu automóvel, por isso, de

acordo com o nº 3 do art. 26.°, B tem legitimidade passiva naquele processo.

O autor é a parte certa, tem a legitimidade activa e o réu (B) tem legitimidade passiva

porque o autor diz que foi ele que danificou o automóvel.

O juiz pode, no entanto, vir a verificar que não foi B quem causou os danos no carro de A.

E se ele chegar a essa conclusão, o juiz vai absolvê-lo do pedido. É uma decisão de mérito, de

substância. Não vai absolvê-lo da instância pois é manifesto que ele tem legitimidade passiva

neste processo.

Sempre que há ilegitimidade de uma das partes que leva à absolvição do réu da instância

essa ilegitimidade não é passível de sanação.

6ª Lição – Legitimidade singular extraordinária

Conceito:

Existem casos em que a legitimidade singular é atribuída pelo legislador a pessoas que são

estranhas em relação ao objecto do processo. Em face do objecto aquela pessoa jamais

poderia fazer parte do processo, mas o legislador atribui a essa pessoa uma legitimidade

extraordinária.

Os interesses que estão por detrás da legitimidade extraordinária são interesses públicos

e privados.

De acordo com o art. 286.° do Código Civil, a nulidade é invocável por qualquer

interessado. A legitimidade para pedir a nulidade de um contrato é invocável por um terceiro,

que seja prejudicado e, no entanto, não foi parte no contrato.

Por exemplo, A é credor de B e B, por sua vez, é credor de C. B não paga a A e está numa

situação de insolvência. Por isso acha que nem vale a pena exercer o crédito que tem perante

C.

A nossa lei permite que A faça valer contra C o direito de crédito pertencente a B. A lei

prevê a acção sub-rogatória. É uma situação clara de legitimidade extraordinária. Ele faz valer

um direito que não é dele.

Tutela dos interesses difusos: é um campo notável da consagração da legitimidade

extraordinária.

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Exemplo:

Uma fábrica situada na região de Ourém, que produz carvão vegetal através da queima de

madeira está a lançar para a atmosfera e para o solo substâncias químicas altamente tóxicas. A

actividade da fábrica coloca em sério risco a saúde pública, a fauna, a flora e o ambiente.

A Direcção-Geral da qualidade do ambiente e outras autoridades, alertadas para o

problema, nada fazem.

Poderá uma pessoa residente em Coimbra, preocupada com a situação, accionar nos

tribunais jurisdicionais a empresa que explora a fábrica, pedindo a cessação da actividade

industrial por esta desenvolvida?

A lei concede o poder de conduzir o processo. A saúde pública, o ambiente, o património,

os direitos dos consumidores são bens jurídicos. Esses bens são bens supra-individuais ou bens

indivisíveis e sobre eles recaem interesses difusos.

A titularidade desses interesses pertence a um número indeterminado de pessoas,

pertence a toda a gente.

Segundo o art. 26.°- A do C.P.C, qualquer cidadão, no gozo dos seus direitos, tem

legitimidade para propor procedimentos cautelares. Este artigo remete para a Lei de Acção

Popular – Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.

Artigo 2.° da LAP: «o direito de acção popular cabe a quaisquer cidadãos no gozo dos seus

direitos e associações e fundações…, independentemente de terem ou não interesse directo

na demanda».

Qualquer um de nós pode propor uma acção, mesmo não tendo interesse directo na

causa, para tutelar a defesa do ambiente. Qualquer um de nos podia reagir contra aquela

fábrica de Ourém que colocava em risco a saúde pública, a fauna, a flora e o ambiente.

Há casos em que se violam estes bens supra-individuais e por isso qualquer pessoa pode

reagir para a sua defesa.

Pedido indemnizatório das acções populares:

Poderá uma pessoa pedir uma indemnização numa acção popular pela violação de bens

pessoais?

Tem-se entendido que não é possível pedir uma indemnização baseada em lesão de bens

pessoais do autor.

O que é possível, nos termos do art. 22.°, nº 2 da LAP, é uma indemnização global que vise

a reparação da ofensa que o réu cometeu. Mas a indemnização tem de ser pedida por um

universo de pessoas, por exemplo, pelos habitantes de Ourém contra aquela fábrica.

Uma pessoa não pode pedir uma indemnização em nome próprio, baseada na lesão de

bens pessoais.

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14

7ª Lição – Legitimidade plural

Litisconsórcio (arts. 27.° e 28.°)

Coligação (art. 30.°)

Litisconsórcio

Litisconsórcio é uma situação processual traduzida numa pluralidade de partes com

unicidade da relação material controvertida ou litigiosa.

Exemplo:

A emprestou a B e a C, com base num único contrato de mútuo, pelo prazo de seis meses,

a quantia de 4.000 €, cabendo a cada um dos mutuários metade da quantia global

emprestada. O dinheiro não foi pago no prazo devido e A accionou B e C.

Existe aqui uma relação material. Há uma pluralidade de partes (dois réus) e por detrás

dessa situação há apenas uma relação material controvertida. Trata-se de uma situação de

litisconsórcio passivo.

Sempre que uma relação jurídica material respeita, em simultâneo, a várias pessoas, em

princípio, não é obrigatório que estejam todas no processo, mas bastam duas partes (um autor

e um réu).

O litisconsórcio é, em princípio, voluntário. A pode propor a acção contra B e C ou apenas

contra B ou só contra C (art. 27.°, nº 1 do C.P.C).

Se ele propuser a acção apenas contra B este só está obrigado a pagar metade do valor

global (2000 €).

Existem situações excepcionais em que o litisconsórcio é necessário (art. 28.° do C.P.C).

A nota característica do litisconsórcio é o facto de o tribunal apreciar uma única relação

material. E há apenas um pedido.

Há um princípio de suficiência da dualidade das partes.

Existem três situações excepcionais de litisconsórcio necessário:

por força da lei;

por força de convenção ou da lei;

natural

Artigo 28.° -A – acções que têm que ser propostas por ambos os cônjuges.

Artigo 419.° do CC – acções de litisconsórcio necessário legal activo

Litisconsórcio necessário legal activo

Art. 1846.° CC - legitimidade passiva

Art. 1052.° CPC

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Exemplo:

A, B e C são comproprietários de um prédio rústico e um deles quer pôr termo a esta

situação de compropriedade e concretizar a sua quota na coisa comum (arts. 1403.° e 1412.°

do CC). Nesta eventualidade, a lei exige que a acção de divisão da coisa comum seja intentada

contra todos os restantes comproprietários. Esta acção visa obter uma sentença que, para

além de dissolver a compropriedade, concretiza a quota do requerente.

Como a sentença, em princípio, só vincula as pessoas que estão no processo, o

comproprietário que ficasse de fora do litígio não iria respeitar a decisão do Tribunal e podia

não ficar satisfeito com aquela decisão, não a respeitando e intentando uma nova.

Litisconsórcio necessário convencional – há um acordo das partes, uma convenção que as

partes fizeram.

Exemplo:

O Sr. A e o Sr. B depositaram uma coisa altamente valiosa no cofre de um banco (CGD).

No contrato, as partes estabeleceram uma cláusula a determinar que o exercício extrajudicial

ou judicial do direito dos depositantes tem de ser feito conjuntamente.

Existe uma situação de litisconsórcio necessário convencional por força do acordo entre o

Sr. A e o Sr. B.

Litisconsórcio necessário natural (art. 28.°) – nestas situações não é a lei concretamente que

impõe aquele prejuízo. Também não há um contrato. O litisconsórcio resulta da necessidade

de a sentença produzir “o seu efeito útil normal”.

Há casos em que é necessário a sentença decidir definitivamente o litígio. É a única forma

de a sentença pôr “uma pedra sobre o assunto”. A lei não impõe esta forma. Nem é imposta

por acordo. Ela impõe-se naturalmente.

Exemplo:

O Sr. A, proprietário de um prédio encravado, pretende constituir uma servidão legal de

passagem sobre o prédio X. Acontece, porém, que este terreno, através do qual é possível o

acesso à via pública, pertence a B e a C que são comproprietários.

Poderá ficar de fora da acção um dos comproprietários do prédio por onde o autor

pretende constituir a servidão de passagem?

Para resolver o problema a acção tinha de ser dirigida contra B e C porque há um

litisconsórcio necessário natural.

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Se a acção for proposta apenas contra um dos comproprietários estamos perante uma

situação de ilegitimidade.

A ilegitimidade pode ser sanada por dois modos:

- através da intervenção forçada do terceiro (art. 269.°, nº 1 do CPC), intervenção provocada –

ele é chamado ao processo pelo autor ou reconvinte. Se ele for chamado e não quiser intervir,

a sentença vai ser imposta contra ele. Mas se ele não for chamado ao processo a sentençao

não pode ser imposta contra ele.

Coligação

Exemplo:

Em Dezembro de 2008, em determinado posto de abastecimento de combustíveis

situados em Braga e explorado pelo Sr. A, alguns automobilistas, após abastecerem aí as

respectivas viaturas, ficaram com estas avariadas e paradas, em virtude de o combustível

(gasóleo) se encontrar deteriorado. B, proprietário de um Mercedes sofreu um prejuízo de

5100 euros; C, proprietário de um Peujaut alegou danos no valor de 2000 euros e D,

proprietário de um Audi queixou-se de um prejuízo de 3000 euros.

B, C e D intentaram uma única acção declarativa condenatória contra A. Em termos

processuais isto seria admissível?

Estamos perante a figura da coligação.

Enquanto o litisconsórcio se traduz numa pluralidade de partes, baseada na unicidade da

relação material controvertida, a coligação é uma pluralidade activa, passiva ou mista de

partes que assenta na multiplicidade de relações materiais litigiosas e também na

multiplicidade dos pedidos.

Aqui temos três relações materiais e o Sr. B quer que o Sr. A lhe pague o prejuízo de 5100

euros. E C e D querem também que A lhes pague os danos que causou com o combustível nos

seus veículos.

Requisitos de admissibilidade da coligação:

A admissibilidade da coligação não é livre. Ela deve preencher determinados requisitos

para que o juiz a aceite:

1 – requisito material;

2 – requisitos processuais

1 – Requisito material (art. 30.°, nos 1 e 2)

Tem de haver um nexo, uma ligação material entre os pedidos daquele processo.

Situações em que a coligação é admissível:

a) quando a causa de pedir é a mesma (total ou parcialmente);

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b) quando o juiz vai ter que aplicar naquele processo as mesmas normas de direito substantivo

para resolver o processo

Estas situações não são cumulativas.

2 – Requisitos processuais (art. 31.°)

a) Forma – igualdade de forma do processo. A todos os pedidos deve corresponder a mesma

forma do processo, salvo se a diferença entre formas assentar única e exclusivamente no

diverso valor dos pedidos.

A forma de B era sumária.

A forma de C era sumaríssima.

A forma de D era sumaríssima.

Apesar da forma ser diversa nos três pedidos, o processo seguiria a forma sumária e já

seria admitida a coligação.

Aqui a forma só varia por causa do valor do pedido e, por isso, é admissível a coligação.

b) Competência do tribunal – Para ser admissível a coligação é necessária a competência

absoluta do tribunal para julgar os pedidos:

- competência em razão da hierarquia;

- competência em razão da matéria;

- competência internacional.

Na coligação o juiz tem o poder de rejeitar a acção se entender que já um inconveniente

grave a que as pessoas sejam julgadas num mesmo processo (art. 31.°, nº 4).

8ª Lição – Patrocínio Judiciário

Patrocínio judiciário - consiste na assistência técnica prestada às pessoas por profissionais

do foro. Ela é exercida por advogados inscritos na respectiva Ordem.

Nas acções em que não é obrigatória a constituição de advogado:

- o réu pode actuar sozinho, sem representação técnica;

- as partes podem fazer-se representar por advogados estagiários ou solicitadores (art. 34.°)

Os litigantes, em geral, são desprovidos de conhecimentos técnicos para actuarem num

processo sozinhos. As pessoas, em regra, não têm a indispensável ou necessária serenidade.

Há neste pressuposto um interesse público da boa administração da justiça.

Situações em que é obrigatória a constituição de advogado (art. 32.°):

a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso

ordinário – nas acções declarativas cujo valor exceda a alçada dos tribunais de 1ª instancia

(5000€).

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b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor. Por

exemplo, nas situações previstas no art. 678.°, nº 3, al. a) – acções de despejo – é sempre

admissível recurso.

c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.

d) Nas acções raríssimas que são propostas imediatamente nos Tribunais Superiores (ex.,

acção de revisão de sentença periódica - art. 1095.°).

Quando falha o pressuposto do patrocínio judiciário (art. 33.°) o juiz notifica a parte,

marca um certo prazo para esta sanar o problema.

Se o autor deixa passar o prazo para constituir, o réu vai ser absolvido do processo.

Se é o réu que aparece no processo sem advogado, ele não vai ser absolvido da instância,

mas a sua defesa fica sem efeito.

Quando o juiz notifica o réu que tem de constituir advogado, ele também o informa de

que se não o fizer a sua defesa não vai produzir qualquer efeito.

9ª Lição – Interesse Processual

Exemplos:

1. O Sr. A, vítima de um esbulho violento, pede através do procedimento da restituição

provisória da posse, a restituição do imóvel e ainda pede, no mesmo procedimento, o

arrolamento dos bens móveis que se encontram no imóvel (art. 392.°, nº 3).

2. O Sr. A pede a declaração judicial de que adquiriu por usucapião o direito de propriedade

sobre certo prédio, mas sem imputar ao réu qualquer oposição à titularidade do direito de

propriedade.

Este pressuposto é um pressuposto fora do catálogo dos pressupostos processuais. Ele

não está expressamente consagrado no CPC.

Mas a nossa doutrina e jurisprudência entendem que existe este pressuposto processual –

o interesse em agir.

Há uma norma do CPC (art. 137.°) que diz que não é lícito praticar actos inúteis num

processo. Mas neste artigo não há uma consagração expressa deste pressuposto.

O legislador tinha dúvidas sobre este pressuposto. Antunes Varela, no seu projecto do

CPC, consagrou este pressuposto mas o seu projecto não foi passado para a realidade.

Há correntes no estrangeiro que negam a existência do pressuposto do interesse

processual (Salvatori Salta).

E há outra corrente que aceita o interesse processual mas entende que não tem grande

importância prática (Redenti).

Em Portugal o interesse processual existe, ainda que fora do catálogo. Mas não interfere

com o mérito da acção.

As excepções dilatórias previstas no art. 494.° não são taxativas. Há outras excepções. É

possível aceitar pressupostos processuais fora do catálogo.

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O interesse processual não se confunde com o conceito de interesse directo, consagrado

no art. 26.°, nº 1, do CPC, que tem a ver com a legitimidade singular das partes.

Interesse processual é um pressuposto relacionado em especial com o exercício do direito

de acção, com o pedido que se faz. Este pressuposto deve ser visto do lado do autor, do lado

activo.

Independentemente do seu fundamento, o pedido é processualmente útil ou proveitoso?

O exercício do direito de acção é, no caso concreto, apropriado ou adequado?

Quando o juiz está a apreciar uma acção tem de formular estas duas questões e só uma

resposta afirmativa às duas questões mostra que existe interesse processual.

Não há interesse processual quando, bem vistas as coisas, com distanciamento, o efeito

que o autor pretende alcançar através da acção é um efeito inútil. Trata-se de um interesse no

resultado.

Resolução dos exemplos:

1) Em princípio, uma pessoa que pede a restituição provisória da posse não tem interesse em

pedir o arrolamento dos bens móveis. O arrolamento pede-se quando há perigo de perder as

coisas. Aqui não há interesse processual.

2) Neste caso também falta o pressuposto do interesse processual. Não alega nenhuma

situação de incerteza grave em relação ao seu património. Se o autor não mostrar ao tribunal

que já uma incerteza grave, então não há interesse processual.

O legislador português não só não tem ideia do que é o pressuposto do interesse

processual, como comete um erro no nº 2 do art. 496.°. A questão da utilidade não tem a ver

com o interesse processual. Posso ter legitimidade e interesse directo e não ter interesse

processual.

O exercício do direito de acção é adequado ou apropriado?

Está em causa o facto de saber se via judicial é a via apropriada ou adequada à tutela do

direito. E se não for o caminho certo, também falha o interesse processual.

Exemplo:

A, empregador, invocando certo comportamento culposo de um seu trabalhador,

intentou contra este uma acção pedindo que o tribunal decretasse o despedimento do réu.

Objectivamente falta interesse processual ao empregador. (art. 41.° do Código do

Trabalho). O exercício do direito de acção não é o meio adequado à causa.

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A parte pode ter legitimidade processual mas não ter interesse processual.

O interesse processual não existe sempre que, objectiva e manifestamente, o exercício do

direito de acção seja inútil.

O interesse processual não existe sempre que, objectiva e manifestamente, o exercício do

direito de acção é, no caso concreto, inapropriado. É um meio proibido.

A falta de interesse processual é insuprível (insusceptível de sanação) e pode conduzir ao

indeferimento liminar da petição inicial. Depois de terminadas todas as fases, o juiz vai

absolver o réu da instância.

10ª Lição – Competência

Exemplos:

a) O Sr. A, titular de uma servidão de aqueduto, destruída por uma obra pública, pretende

accionar um município e uma junta de freguesia, pedindo o reconhecimento judicial da

servidão e a condenação destas entidades na reparação do prejuízo.

Qual o tribunal competente para julgar o pedido do Sr. A?

b) O Sr. B, residente em Viseu, pretende intentar uma acção de despejo contra o Sr. C.

Sabendo-se que o imóvel arrendado se situa em Coimbra e que a acção tem o valor de €12

500, qual o tribunal competente para julgar o pedido do Sr. B?

c) O Sr. D, residente em Coimbra, pretende intentar uma acção de divórcio contra E, sua

mulher, presentemente domiciliada na cidade da Guarda.

Qual o tribunal competente para o julgamento desta acção de divórcio?

A primeira excepção dilatória presente no art. 494.° é a incompetência do tribunal.

Cada tribunal tem competência para verificar a sua própria competência.

A competência é uma fracção de jurisdição que pertence a um concreto tribunal. A

jurisdição civil é exercida pelos tribunais judiciais (art. 211.° da CRP).

Que espécies de tribunais judiciais existem e como se encontram implantados no

território nacional? (organização judiciária)

Lei nº 3/99 – Velha Lei de organização e funcionamento dos tribunais judiciais

Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto – está em vigor a título experimental, em três comarcas do

país:

• 1ª Comarca do Alentejo Litoral: Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém.

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• 2ª Comarca do Baixo Vouga: Ovar, Mortosa, Estarreja, Aveiro, Águeda, Oliveira do Bairro e

Anadia.

• 3ª Comarca da Grande Lisboa: Mafra, Sintra e Amadora.

Existem tribunais de 1ª instância, de 2ª instância (Relação) e o Supremo tribunal de

justiça, que se integram numa pirâmide.

O STJ tem sede em Lisboa.

As Relações situam-se no Porto, Lisboa, Évora, Coimbra e Guimarães.

E os tribunais de 1ª e 2ª instância têm uma alçada que serve para fixar um limite dentro

do qual o tribunal julga sem admissibilidade de recurso. Só é possível recorrer para o STJ se a

acção tiver um valor superior a € 30 000.

Os tribunais judiciais são diferentes na designação e diferentes na função que exercem.

Todos os tribunais aplicam o direito aos factos. A grande diferença entre os tribunais judiciais é

que a alegação dos factos, a dedução da defesa por parte do réu, a apresentação e a produção

de provas faz-se, em princípio, nos tribunais de 1ª instância. A função das Relações e o do STJ é

apenas verificar se o tribunal de 1ª instância aplicou bem o direito aos factos.

As Relações podem e devem conhecer os factos supervenientes que têm relevância para

o caso (art. 713.°, nº 2 do CPC).

As Relações aceitam documentos supervenientes (art. 712.° do CPC).

As Relações podem admitir a renovação da prova sempre que isso seja absolutamente

indispensável para a descoberta da verdade.

Divisão judicial do território nacional:

É uma divisão que se faz, à partida, através dos distritos judiciais: Porto, Coimbra, Lisboa e

Évora.

Em cada distrito judicial o legislador implantou um Tribunal da Relação (Relação de

Lisboa, Évora, Coimbra e Porto, dentro do qual ainda se insere o Tribunal da Relação de

Guimarães).

Dentro dos distritos judiciais encontramos as comarcas.

A comarca é a célula base da organização judiciária. É uma circunscrição territorial e

judicial que abrange, em princípio, a área do Concelho. E na sede de cada comarca implantou-

se um tribunal judicial de 1ª instância.

Os Arquipélagos dos Açores e da Madeira pertencem ao distrito judicial de Lisboa.

Como determinar em concreto o tribunal competente para o julgamento de um processo e

qual o efeito da falha de competência?

A determinação do tribunal competente verifica-se com base na lei. Vale o princípio do

juiz legal ou do juiz natural.

A acção pertence ou cabe na competência dos tribunais judiciais? (art. 209.° da CRP).

Em caso de resposta afirmativa, a que concreto tribunal judicial pertence a coisa?

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No exemplo a) aplica-se o art. 66.°.

Nos exemplos b) e c) essas acções pertencem à jurisdição dos tribunais judiciais.

Ambas as causas cabem na competência dos tribunais judiciais.

A nova Lei nº 52/2008 reduziu as comarcas para 39. Não passa a haver 39 tribunais de 1ª

instância. Ao invés, as comarcas passam a abranger um território mais vasto.

Determinação do tribunal internamente competente:

É necessário saber se a acção cabe nos tribunais judiciais ou nos tribunais administrativos.

Critérios:

1. Matéria;

2. Hierarquia;

3. Valor;

4. Território.

Exemplos 2 e 3:

Mesquita entende que tem de haver uma reordenação lógica daqueles critérios. Deve

começar-se pelo critério da hierarquia (arts. 70.° e 71.° do CPC e art. 19.° da LOFTJ).

O tribunal hierarquicamente competente para julgar a acção de despejo e a acção de

divórcio é um tribunal judicial de 1ª instância.

O nosso sistema assenta no princípio segundo o qual as acções cíveis,

independentemente do valor que tenham, são intentadas no tribunal judicial de primeira

instância.

O STJ e as Relações só em casos excepcionais funcionam como tribunais de 1ª instância.

Se houver uma infracção desta regra existe uma incompetência gravíssima, absoluta,

prevista no art. 101.° do CPC. Esta incompetência é do conhecimento oficioso do tribunal e

tem como consequência a absolvição do réu da instância (art. 105.°, nº 1).

O segundo critério que se impõe é o da repartição da competência em razão do território.

O art. 21.° da LOFTJ trata da competência territorial. E é o nº 3 deste artigo que indica os

factores que determinam o tribunal territorialmente competente.

Critérios:

Especiais:

a) foro da situação do imóvel (art. 73.°)

b) foro obrigacional (art. 74.°)

c) foro do domicílio do autor (art. 75.°)

Geral:

a) Domicílio do réu (art. 85.°) – actor sequitor forum rei

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a) Art. 73.° do CPC – são acções relacionadas com imóveis

Acções de reivindicação

Acções de despejo

A acção deve ser proposta na comarca onde se situa o imóvel, para ser mais fácil a

verificação de provas, para se o juiz necessitar de ver o imóvel.

Exemplo 2:

O tribunal competente para julgar a acção de despejo era um tribunal da comarca de

Coimbra. Os tribunais de Viseu não eram competentes para julgar tal acção.

Sempre que esteja em causa o cumprimento de uma obrigação então o art. 74.° prevê o

foro obrigacional.

O nº 1 do art. 74.° diz respeito à responsabilidade contratual. E em princípio, o tribunal

competente é o tribunal do domicílio do réu.

O nº 2 art. 74.° diz respeito aos casos de responsabilidade extracontratual. O critério aqui

é o do lugar onde ocorreu o facto danoso. Para que a justiça seja bem feita é normal que seja o

tribunal mais próximo a julgar o caso porque pode ser necessária a deslocação ao local.

b) Foro do domicílio do autor (art. 75.°) – para as acções de divórcio ou de separação de

pessoas bens.

Exemplo 3:

A acção de divórcio teria de ser intentada num tribunal de 1ª instancia e teria de ser

proposta no tribunal da comarca de Coimbra.

A ideia subjacente a esta escolha é que o legislador partiu do princípio de que o cônjuge

que pede o divórcio é normalmente, pelas regras de experiência, o cônjuge que está inocente

e que, neste sentido, justifica a protecção.

Art. 83.° do CPC – critérios de determinação do tribunal territorialmente competente ao

nível dos procedimentos cautelares.

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Não havendo critério especial para determinação do tribunal territorialmente competente

utiliza-se um critério geral - art. 85.° - domicílio do réu.

Por exemplo uma acção de investigação de paternidade ou uma acção de reivindicação de

coisas móveis deve ser intentada no domicílio do réu.

E se a acção de despejo, em vez de dar entrada no tribunal de Coimbra, desse entrada no

Tribunal de Viseu?

Temos uma ilegitimidade ao nível do território. Não é tão grave como a violação da

incompetência de hierarquia. É uma ilegitimidade relativa, que pode ser requerida pelo réu. O

juiz pode e deve conhecê-la oficiosamente nos casos previstos no art. 110.° do CPC.

E tal acontecer, o juiz ao absolve o réu da instância. Envia-se a acção para o tribunal

competente.

Existirá na comarca territorialmente competente um tribunal de 1ª instância especializada

para o julgamento da acção?

O CPC, no art. 67.° remete-nos para as Leis da Organização Judiciária (Lei nº 3/99, de 13

de Janeiro) - art. 64.°, nº 2.

- tribunais de trabalho;

- tribunais de família e menores; art. 78.° da LOJ

- tribunais de comércio.

Em certas comarcas o Estado criou, ao lado de tribunais de competência genérica,

tribunais paralelos de competência especializada.

Exemplo 2:

Não há tribunais de competência especializada para julgar acções de despejo.

Exemplo 3:

Em Coimbra, há o tribunal de família e menores, de competência especializada, para

julgar a acção de divórcio (art. 81.° da Lei nº 3/99).

Aquilo que está projectado na Nova Lei de Organização Judiciária é que ela visa o

alargamento a todo o país da especialização dos tribunais de 1ª instância. Haverá uma

profusão dos juízos de competência especializada.

Se houver uma violação do critério da competência em razão da matéria, já uma

incompetência em razão da matéria. E esta incompetência é gravíssima, ou seja, é uma

incompetência absoluta (art. 101.° do CPC). Dá lugar à absolvição do réu da instância.

Art. 105.°, nº 1 – o legislador pretende que as partes tenham um cuidado redobrado na

definição do tribunal competente.

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25

Se a acção couber num tribunal de competência especializada, o problema fica resolvido.

Mas se não houver, é necessário tentar aplicar um quarto critério.

Critério da competência em razão do valor/forma

- Lisboa - Sintra

- Porto - Funchal

- Coimbra - Loures

- Setúbal - Vila Nova de Gaia

- Guimarães - Braga

Arts. 68.° e 69.°; art. 64.°, nº 2 da Lei nº 3/99

• Varas Cíveis - art. 97.° da LOFTJ; art. 128.° da Lei de 2008 – são denominadas juízos de

grande instância;

• Juízos Cíveis - art. 99.° da LOFTJ; art. 129.° da Lei de 2008 – são denominados juízos de média

instância cível;

• Juízos de pequena instância cível - art. 101.° da LOFTJ; art. 130.° da Lei nº 52/2008

Se a acção tiver valor superior a 30.000 euros (forma ordinária), é julgada nas varas cíveis.

As acções sumárias (maiores de 5.000€ e menores de 30.000 €, ou menores de 5.000€

mas com fins diferentes dos da acção sumaríssima) são julgadas nos juízos cíveis.

Os juízos de pequena instância cível só julgam acções com a forma sumaríssima (menores

de 5.000€ e com fim específico).

Exemplo 2:

A acção deveria ser julgada num tribunal de 1ª instância, da comarca de Coimbra e devia

ser dirigida para os juízos cíveis, porque é uma acção sumária.

Em Coimbra não existem juízos de pequena instância cível. Para os juízos cíveis entram

igualmente as acções sumaríssimas.

A violação da competência em razão da forma ou valor é uma incompetência relativa –

gera a remessa do processo para o tribunal competente mas não a absolvição do réu do

processo (art. 108.°).

Em que condições um tribunal nacional é competente para julgar um caso relacionado

com um ordenamento jurídico estrangeiro? (competência internacional dos tribunais

portugueses)

Exemplo 1:

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26

O Sr. A, cidadão português domiciliado em Coimbra, foi ferido numa caçada em Évora

pelo Sr. B, cidadão brasileiro, domiciliado em Espanha, na cidade de Sevilha. Na eventualidade

de surgir um litígio entre o Sr. A e o Sr. B assistirá aos tribunais portugueses competência para

o julgamento do caso?

E se B tivesse o respectivo domicílio na cidade do Rio de Janeiro?

Trata-se de um caso de um litígio transfronteiriço. Os tribunais portugueses não têm

competência para julgar todos os litígios do mundo. Mas há litígios internacionais que

pertencem à esfera de competência dos nossos tribunais.

Hoje temos um regime dualista. Por um lado temos um Regulamento (CE) nº 44/2001, de

22 de Dezembro, e por outro o Regulamento de Bruxelas 1 e os arts. 65.° e 65.°-A do CPC.

O Regulamento (CE) nº 44/2001 só se aplica em detrimento do CPC, se o réu,

independentemente da sua nacionalidade, tiver o seu domicílio ou sede (se for pessoa

colectiva) num Estado da União Europeia.

No domínio da justiça cível, para além dos tribunais judiciais existem tribunais sui generis

designados por Julgados de Paz – Lei nº 78/2001, de 13 de Julho.

Julgados de Paz

1. são tribunais estaduais, mas não judiciais – não integram a pirâmide judiciária

2. São tribunais, de acordo com o art. 8.°, com competência para o julgamento de acções

declarativas cíveis de valor inferior a 5.000 euros e cuja matéria esteja prevista expressamente

no art. 9.°.

Os tribunais que se criam são alternativos ou optativos. É uma justiça menos formal, mais

próxima. Lá encontram-se mediadores, que tentam fazer com que as partes cheguem a um

acordo.

11ª Lição – Os articulados: o processo como um jogo de ataque e defesa

Petição inicial

Acção declarativa ordinária

A petição inicial é a peça processual através da qual se exerce o direito de acção. A

petição inicial é um articulado. (art. 151.°)

O advogado, ao alegar os factos, tem de fazer uso de uma técnica especial (nº 2 do art.

151.°). Os factos, a história têm de ser expostos através de parágrafos, ou artigos autónomos e

numerados.

Através desta técnica especializada dos articulados, a percepção da história torna-se

muito mais nítida para o juiz e para o advogado da outra parte.

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A petição inicial concretiza-se num verdadeiro articulado porque ela tem de respeitar o

que está estipulado no art. 151.°, nº 2 do CPC. O advogado, ao expor a história, deve fazê-lo de

modo sequencial.

Os articulados estão sujeitos a um numerus clausus – as partes só podem apresentar os

articulados previstos na lei.

O autor, em certos casos, pode ainda apresentar uma réplica e o réu pode, nesses casos,

apresentar uma tréplica.

Art. 506.° - Articulados supervenientes

A petição inicial é a peça de ataque por excelência. E obedece a um esquema legal

predefinido no art. 467.°.

Estrutura da petição inicial:

1. Endereço: designação do tribunal competente para a causa (resolução do problema da

determinação do tribunal competente). (Exemplos: Exmo. Senhor Doutor Juiz do Tribunal da

Comarca de Celorico da Beira; Exmo. Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Mista de Coimbra

ou do Tribunal de Trabalho de Coimbra).

2. Cabeçalho: identificação das partes e da forma da acção.

3. Narração ou fundamentação: exposição da causa de pedir e dos fundamentos jurídicos

(«razões de Direito»).

4. Conclusão: pedido.

5. Indicações complementares: valor da acção; meio da citação do réu para a eventualidade

de se frustrar a citação postal; indicação do domicílio profissional do advogado.

6. Assinatura do advogado

***

7. Junção de documentos (art. 467.°, nº 3; art. 523.°)

O substrato da petição inicial está na narração ou fundamentação (substrato factual e o

substrato jurídico da acção declarativa ordinária).

No substrato factual, que corresponde à narração, encontra-se a causa de pedir, ou seja, a

história concreta, juridicamente relevante.

A narração espelha o estilo do advogado que a faz.

• Teoria da substanciação – relacionada com a causa de pedir. O autor tem de substancializar

a causa de pedir na petição inicial (art. 264.°, nº 1). É necessário levar para a petição inicial

factos concretos, factos da vida.

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Na Alemanha alguns autores defendiam outra teoria – teoria da causa de pedir abstracta.

Acabou por ser consagrada, na maioria dos ordenamentos, a teoria da substanciação, que

tem de ser sempre aplicada na petição inicial.

Quando, na petição inicial, não aparece a causa de pedir ou aparece de forma totalmente

abstracta, a petição inicial é nula (art. 193.°). A petição inicial é inepta. A ineptidão gera a

nulidade de todo o processo.

A ineptidão é uma excepção dilatória (art. 494.°, al. b)) e a consequência é o

indeferimento liminar da petição, ou a absolvição do réu do processo.

A nossa lei permite a alegação tardia de alguns factos. A primeira espécie de factos que o

legislador permite que sejam apresentados mais tarde são os factos supervenientes (art. 506.°

e 663.°) – são factos que ocorrem ou que somente são conhecidos pela parte após a

apresentação do articulado.

Além dos factos supervenientes, o juiz aceita os factos instrumentais, ou factos indiciários

ou factos probatórios (art. 264.°, nº 2).

Factos instrumentais: são factos secundários, em regra alegados nos depoimentos, no

decurso da audiência, pelas partes e pelas testemunhas e que, indirectamente, por via

travessa ou lateral indiciam o seu, ao presumir com base nas regras de experiencia efectiva

existência ou inexistência dos factos fundamentais ou principais do processo.

Art. 394.° - Presunções judiciais

Exemplos:

1. Uma acção de despejo, baseada no art. 1083.°, nº 2, al. d) do CC. Na fase da audiência, uma

testemunha diz o seguinte: a ré já não vivia no locado há mais de um ano, pois rodas as suas

plantas secaram.

Outra testemunha diz que a pessoa não estende a roupa no quintal a que tem direito.

Isto é um facto instrumental.

2. O autor lesado de um acidente de viação alega que o réu ia a uma velocidade não inferior a

80 kms/h. E há uma testemunha que diz que chegou mais tarde ao acidente, e que não viu

bem mas garante que antes do acidente sentiu um barulho excessivo do motor do carro. E

neste caso, ou o carro está avariado ou então era porque vinha em excesso de velocidade.

Isto também é um facto instrumental.

Factos complementares: permitiu-se a alegação de factos instrumentais com a reforma de

95/96.

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Muitas vezes, a causa de pedir é complexa. Não se reduz a um simples facto. E o

advogado tem de alegar uma série de factos que integram a causa.

Art. 500.° do CC.

Se o advogado se esqueceu de alegar um facto na petição inicial, temos uma causa de

pedir deficiente.

Antes da reforma não era possível alargar tardiamente os factos e o autor perdia o

processo.

Mas a reforma processual de 95/96 veio permitir esta alegação tardia de factos relevantes

para o processo.

Na nossa lei está claramente consagrada a teoria da substanciação.

Na al. d) do nº 1 do art. 467.° está consagrado o substrato jurídico (as normas de direito

substantivo).

A omissão do substrato jurídico não implica a ineptidão da petição inicial.

Art. 664.° - princípio do conhecimento oficioso do Direito

Art. 657.° - Discussão do aspecto jurídico da causa

A omissão do pedido (que é a conclusão da petição inicial) gera a ineptidão dessa petição.

A petição inicial, uma vez concluída, é enviada para o tribunal competente (art. 150.°). Ela

chega à secretaria do tribunal.

O art. 474.° prevê a possibilidade, em casos taxativos, de a secretaria do tribunal recusar o

recebimento da petição inicial porque ela apresenta deficiências formais, como por exemplo,

não estar indicado o valor ou a forma da acção (als. a) a i) do art. 474.°).

Se a petição é recebida pela secretaria isso quer dizer que não apresenta nenhum vício

formal.

Depois segue-se a distribuição. Se existe mais do que um juiz competente, faz-se um

sorteio para distribuir o processo. De seguida, há citação do réu, o tribunal chama o réu.

Citação (art. 228.°, nº 1): é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta

contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.

Tem de se fazer chegar ao réu a petição inicial e os documentos que lhe foram anexos, o

tribunal onde a acção está a decorrer.

A citação não é um articulado. Mas é um elo de ligação entre a petição e a contestação,

que são articulados.

A citação pode ser pessoal ou edital (art. 233.°, nº 1). A citação pessoal é, por regra, feita

por carta registada, com aviso de recepção. (art. 236.° - citação por via postal). Mas este não é

um meio muito eficaz de citação. Por isso, o legislador prevê outros meios mais eficazes para a

citação do réu (art. 239.°).

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A citação edital também está prevista no art. 233.°, nº 6. Utiliza-se esta via quando a

pessoa se encontra em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar, quando não

se sabe quem são as pessoas a citar.

A citação feita por qualquer daquelas formas gera determinados efeitos, desde logo,

efeitos processuais:

a) Contagem do prazo para a apresentação da contestação (art. 236.°, nº 1).

b) Estabilidade do objecto do processo e das próprias partes (art. 451.°, al. b) e art. 258.°).

Podem, no entanto, ocorrer modificações subjectivas (art. 270.°) ou objectivas (art. 272.° e art.

273.°).

c) Proibição do réu propor uma acção com o mesmo objecto (art. 481.°, al. c); 497.°, nos 1 e 2;

498.° e 499.°) – proibição da litispendência.

Mas a citação provoca também efeitos materiais:

a) Interrupção dos prazos da prescrição e da usucapião (art. 323.° nos 1 e 2 e art. 1292.° do

CC.)

b) Cessação da boa fé do possuidor (art. 481.°, al. a)) – a partir do momento em que é citado,

o possuidor passa a ser considerado de má fé.

c) Constituição do devedor em mora (art. 805.°, nº 1 do CC): a citação é um mecanismo que

coloca o devedor em mora.

Em Portugal existem caso em que o réu nem sequer chega a ser citado. Aqui há uma

nulidade gravíssima – a falta de citação, prevista no art. 195.° do CPC. Pode ser arguida em

qualquer fase do processo e, segundo o art. 194.°, se o réu não for citado para o processo, é

nulo tudo o que se processa depois da petição inicial.

E se já houver uma sentença que condena o réu, há um meio que permite destruí-la,

porque resultou de um processo que desrespeitou o princípio do contraditório – recurso de

revisão (art. 771.°).

12ª Lição – A contestação

O réu é citado para um processo e tem um prazo para preparar estratégias. Uma dessas

estratégias é não contestar, colocando-se numa situação de revelia.

A contestação é a peça que o réu apresenta no tribunal contra a petição inicial. Também a

contestação tem de seguir a forma de articulados, para a tornar mais perceptível para o juiz e

para a parte contrária (arts. 150.° e 151.°).

Espécies de contestação (art. 486.°):

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1) Defesa

Na contestação reconvenção, o réu deduz um pedido contra o autor. Na contestação

defesa o réu limita-se a defender-se.

O art. 489.° prevê o princípio da concentração da defesa na contestação – ele conduz a

um ónus, um encargo para o réu.

Se não o fizer pode perder a oportunidade de se defender. O réu deve apresentar na

contestação todos os meios de defesa de que disponha.

A defesa reveste duas modalidades: por impugnação e por excepção (art. 487.°).

Defesa por impugnação:

O réu quando esta a impugnar avança para o terreno onde o autor se colocou. O réu vai

fazer uma oposição factual ou de natureza jurídica.

Na oposição factual, o réu vai impugnar os factos alegados pelo autor. Ele põe em causa a

veracidade dos factos alegados pelo autor na petição inicial. E esta oposição pode ser frontal,

directa, em que o réu se limita a negar a veracidade dos factos ou motivada (per positionem),

em que ele diz que não é verdade e avança justificação para o provar.

A partir desta altura, os factos alegados pelo autor são controvertidos, sobre os quais

recaem dúvidas. O autor passa a ter o ónus da prova. Mas se o réu não impugnar, o facto dá-se

como provado (nº 2 do art. 490.°). Recai sobre o réu o ónus da impugnação factual.

Defesa por excepção:

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A excepção é um meio ou instrumento defensivo através do qual o réu introduz no

processo uma questão nova: de natureza processual, adjectiva ou de natureza material ou

substantiva.

A questão substantiva assenta em factos novos, que o réu alega para o processo.

Na defesa por excepção, o réu coloca-se num plano diferente daquele em que o autor se

colocou ou posicionou.

Excepção dilatória (art. 494.°; 487.°, 493.°, nos 1 e 2) – é uma defesa que introduz no

processo uma questão relativa a uma falha de natureza processual ou adjectiva.

Nos termos do art. 495.°, estas falhas são do conhecimento oficioso do juiz. E deve tentar

supri-las porque, como refere o art. 288.°, nº 3, as excepções dilatórias só existem enquanto

não forem sanadas. O juiz tem o dever de conhecer estas excepções dilatórias e deve também

tentar saná-la. Se não for possível, o réu vai ser absolvido da instância. Quando há uma

incompetência em razão do tribunal competente, deve haver remessa para esse tribunal.

Excepções peremptórias (Dr. Mesquita considera que deviam chamar-se excepções

materiais ou substantivas) (art. 493.°, nº 3). Os contrafactos podem ser impeditivos,

modificativos ou extintivos.

É um meio defensivo, por via do qual o réu introduz no processo os denominados contrafactos,

com a finalidade de destruir ou modificar o pedido. O alvo da excepção peremptória é o

pedido.

1) Contrafactos impeditivos: são ocorrências, factos novos que o réu alega para o processo e

são factos anteriores ou contemporâneos dos factos alegados pelo autor. Eles impedem o

nascimento do efeito jurídico pretendido pelo autor ou podem obstar ou impedir o válido

nascimento do direito.

2) Contrafactos modificativos: são temporalmente posteriores e vão alterar o direito do autor.

Podem alterar os termos do nascimento do direito do autor ou os termos do exercício do

direito do autor.

3) Contrafactos extintivos: são temporalmente posteriores aos factos alegados pelo autor e

são factos que ditam o fim, a extinção do direito do autor.

Por exemplo, quando o réu diz que já pagou a dívida; quando diz que o direito de desejo

do senhorio já caducou; etc..

Na definição das contestações usa-se um critério finalístico-temporal.

As excepções peremptórias são, em regra, do conhecimento oficioso do tribunal (art.

496.°).

Se o réu não invocar a excepção peremptória, o juiz pode invocá-la.

A prescrição não pode ser arguida oficiosamente pelo juiz. É uma excepção àquela regra

(art. 303.° do CC). A caducidade também tem de ser invocada pelo réu (art. 333.° do CC).

2. Reconvenção

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Exemplo:

O Sr. A pede que B seja condenado a restituir-lhe um terreno avaliado em €25 000. O réu,

por sua vez, pede que o autor seja condenado a ressarci-lo de uma série especificada de

benfeitorias necessárias que se viu obrigado a fazer no terreno e no valor de € 6000.

Há contestações de pura defesa, outras contestações mistas (que são de defesa e de

reconvenção) e outras puramente reconvencionais.

Arts. 501.° e 274.° do CPC

• Reconvenção: é a acção do réu. É a acção declarativa (condenatória, constitutiva ou de mera

apreciação) intentada através da contestação, pelo réu contra o autor.

É o direito de atacar o autor, deduzindo pedidos. A

reconvenção tem de ser feita de forma destacada na contestação.

Segundo o art. 501.°, nº 2, o réu reconvinte, na contestação reconvencional, tem de

apresentar o valor da reconvenção.

A reconvenção justifica-se à luz do princípio da igualdade de armas e do princípio da

economia processual. Através do mesmo processo o juiz vai resolver dos litígios.

Admissibilidade de reconvenção:

A reconvenção é livremente admissível no mesmo sistema. Há requisitos de

admissibilidade do pedido. Há a necessidade de se preencher um requisito material (art.

274.°).

Exemplos:

a) Causa de pedir: A intenta uma acção contra B, alegando um contrato de compra e venda de

um automóvel e pede o preço. B, na contestação, diz que comprou o automóvel e não o

pagou mas que ele também não foi entregue, por isso pede a sua entrega.

Factos da defesa: A acciona B e pede o pagamento de um relógio. B confirma que comprou

mas diz que foi vítima de coacção moral quando o comprou.

b) Benfeitorias e despesas: o réu serve-se da contestação para pedir as benfeitorias (que

visam a conservação, o melhoramento da coisa), ou despesas (relacionam-se com efeitos

transitórios).

Compensação de créditos: A compensação é uma forma de extinção das obrigações, de

dívidas. É uma forma anormal, extraordinária pois a forma normal é o pagamento, o

cumprimento (arts. 847.° e segs. do CC).

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I) 1. A pede o pagamento de €40.000 e B arroga-se titular de um contra-

crédito no valor de €40.000.

2. B alega o contra-crédito de €20.000

II) 3. O réu invoca uma quantia superior à pedida pelo autor

Tem de fazer-se uma interpretação correctiva da lei (art. 274.°, nº 1, al.b))

1. O réu pretende ser absolvido do pedido porque o seu contra-crédito é igual ao pedido do

autor.

2. O réu pretende a sua absolvição parcial do pedido. Não quer pagar a totalidade mas apenas

€ 20.000.

O meio processual que o réu deve usar não é uma reconvenção mas antes uma excepção

peremptória. O réu alega um facto extintivo do direito do autor, logo, a reconvenção não é o

meio adequado.

3. O réu quer ser absolvido do pedido. Mas tem direito a um saldo, a um excesso de €10.000.

A reconvenção faz sentido neste caso para o réu pedir a condenação do autor no valor de

€10.000.

Em primeiro lugar, através de uma excepção peremptória, ele pede a sua absolvição do

pedido (de €40.000). E depois, através de uma reconvenção, pede a condenação do autor a

pagar-lhe os €10.000.

A reconvenção é admissível quando o réu se propõe obter o saldo (ou excesso) resultante

do encontro de contras, ou seja, da denominada compensação.

Requisitos processuais

a) Igualdade de formas do processo da acção e da (nº 3 do art. 274.°)

b) Competência absoluta do tribunal – o tribunal onde a acção é proposta tem de ser

competente (art. 98.°, nº 1).

• Exemplo: A acção está a correr num tribunal de competência genérica e o réu intenta um

pedido reconvencional que devia ser verificado num tribunal de competência especializada (de

família, de trabalho, etc.).

Se a reconvenção não for admissível, porque não há possibilidade de reconectar a

reconvenção à acção, há absolvição do auto da instância principal. A reconvenção afasta o

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autor da acção principal (art. 308.°, nos 1 e 2 do CPC). Soma-se ao valor da acção ao valor da

reconvenção. Há uma alteração.

No exemplo da página 32 a forma da acção alterou-se. A partir da reconvenção passou a ser

uma acção de forma ordinária, quando antes era sumária.

Arts. 97.°, nº 3 da LOFTJ (99); art. 128.°, nº 3 da LOFTJ (2008); art. 98.°, nº 2 – ao nível da

competência terá que haver remessa de um tribunal para o outro.

13ª Lição – A denominada revelia (arts. 483.°; 484.° e segs.)

Numa percentagem considerável de casos, o réu não reage. Não apresenta dentro do

prazo qualquer contestação. Pode dizer-se que a revelia vai dar a vitória do processo ao autor.

A própria acção que foi contestada não apresenta os fundamentos jurídicos.

A nossa lei fala em duas formas de revelia:

1 – Absoluta (art. 483.°)

2 – Relativa

1 - Art. 484.°, nº 1 – a revelia absoluta em que o réu não preenche à chamada, está alheio ao

processo.

Alberto dos Reis diz que na procuração o réu perde a vida no processo.

O tribunal tem de verificar que a acção é feita com as formalidades legais.

2- A revelia relativa não é uma reacção de um momento específico.

Efeitos da revelia:

1 – Efeito imediato (art. 484.°, nº 1): os factos alegados pelo autor ficam provados, o autor já

não precisa de fazer prova sobre eles. Há uma condição de facto.

2 – Efeito mediato (art. 484.°, nº 1): o processo, na sua tramitação, dá um salto enorme, ou

seja, já uma série de factos na fase de instrução. Não se faz o julgamento porque os factos já

estão provados. Passa para a alegação escrita, de matéria de direito.

Nem sempre a falta de contestação gera estes dois efeitos. O art. 485.° refere as

excepções, como a revelia inoperante – a falta de contestação não gera os efeitos normais.

Como por exemplo, quando o réu é incapaz.

14ª Lição – Os articulados eventuais e os articulados superveniente

O réu pode defender-se por excepção ou por reconvenção.

O legislador dá ao autor a possibilidade de se defender contra uma excepção ou contra

um pedido reconvencional.

•Réplica:é o articulado que serve para o autor se defender contra a excepção ou reconvenção.

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O autor serve-se da réplica para fazer alterações ao pedido e à causa de pedir. E pode

também servir-se dela para levantar uma excepção contra a reconvenção. E o réu pode servir-

se da tréplica (art. 503.°).

• Articulados supervenientes: regulados nos arts. 506.° e 507.° do CPC. São articulados

extraordinários através dos quais ambas as partes têm o direito de alegar factos novos, factos

supervenientes, factos que ocorreram depois da apresentação dos factos normais –

superveniência objectiva. Quanto aos factos que só foram conhecidos mais tarde pelas partes

trata-se de superveniência subjectiva.

15ª Lição – “A entrada em cena do juiz”: o despacho correctivo (ou

correccional) – fase de pré-saneamento; a audiência preliminar; o despacho

saneador

O juiz é ausente na fase dos articulados.

O processo vai concluso ao juiz, o processo foi entregue ao juiz, mesmo não estando

concluído.

Pode haver uma fase correctiva – de pré-saneamento. A seguir o juiz pode marcar uma

audiência preliminar. E na fase correctiva o juiz tem de fazer o despacho saneador.

O pré-saneamento dá lugar ao despacho correctivo, ao despacho-convite (art. 508.°). Este

despacho tanto pode dirigir-se ao autor, como ao réu, ou a ambos. Este despacho tem a

função de se conseguir, através dele, o suprimento da falha ao nível de um pressuposto

processual. E visa ainda o aperfeiçoamento do pedido ou da causa de pedir.

No artigo 508.°, nº 3 o juiz apresenta-se com imprecisões ou insuficiências e para isso

utiliza o despacho para supri-las. É um poder discricionário.

• Audiência preliminar (art. 508.°- A e 508.°-B): é uma reunião exterior à fase dos articulados

entre o juiz e os advogados.

O juiz aprecia se tem uma acção simples ou uma acção complexa. Visa derrubar uma

“parede de vidro” entre os juízes e os advogados.

Mas a maior parte dos juízes esquiva-se à audiência preliminar.

Sempre que o juiz marca uma audiência preliminar ele tem de dizer quais as finalidades

da audiência.

Os fins são alternativos ou cumulativos:

1. Tentativa de conciliação (art. 508.°, nº 3) – isso só é possível nas acções relativas. Tem de

haver cedências recíprocas. E depois o juiz vai homologar o acordo que as partes fizeram.

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2. Debate (I) sobre excepções dilatórias, peremptórias ou sobre o mérito da acção – é

importante quando o juiz se depara com uma excepção dilatória insuprível. Antes de decidir, o

juiz ouve os advogados das partes.

3. Debate (II) sobre os factos, a história da acção – quer esclarecer os factos da acção.

4. Despacho saneador – mesmo quando o juiz não marca esta audiência preliminar, ele tem de

fazer este despacho.

Quando não há uma audiência preliminar, o juiz tem de elaborar um despacho saneador.

Este é uma peça fundamental na estruturação do processo. Serve para o pôr na ordem,

prepara os caminhos para o processo.

O juiz faz um julgamento sobre excepções dilatórias e sobre as nulidades processuais. Em

muitos casos o juiz considera inexistentes as excepções dilatórias e noutros casos essas

excepções são insupríveis.

No despacho saneador o juiz afasta do processo as excepções e as nulidades. E pode

servir, em casos raros, para julgar o pedido ou excepções peremptórias procedentes ou

improcedentes.

O juiz está convicto de que, em face dos factos que já estão provados e em face do

direito, é possível proferir naquele momento uma decisão acertada sobre o pedido ou sobre

uma excepção peremptória. No fundo, o juiz tem plena consciência de que é inútil “prosseguir

viagem”.

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Condensar é reduzir ao indispensável, é fazer um conjunto, reunir, seleccionar os factos

relevantes para o julgamento da causa. O juiz tem de colocar numa lista os factos provados e

noutra os factos não provados (controvertidos).

Antes da Reforma de 95/96, a lista de factos provados denominava-se “especificação”.

Podem inserir-se nos factos provados os factos que foram expressa ou tacitamente

confessados, factos admitidos por acordo e factos provados por documento (art. 490.° do

CPC).

Artigo 511.°, nº 2

O juiz coloca na base instrutória os factos controvertidos sobre os quais existe uma

dúvida. E antes da Reforma de 95/96 a base instrutória chama-se fase do “questionário”.

O juiz, nesta fase, só pode colocar questões sobre factos. Em segundo lugar, ele deve

fazer uma filtragem dos factos e deixar de fora os factos irrelevantes, impertinentes.

O despacho saneador é constituído por duas partes. A primeira serve para eliminar

quaisquer problemas que surjam.

A base instrutória só pode conter questões de facto. Não pode ter questões, conceitos de

direito.

A primeira tarefa do tribunal é reconstituir a realidade, aquilo que se passou. E a segunda

razão pela qual o juiz só nela coloca questões de direito prende-se com o facto de que a base

instrutória funciona como um autêntico guião de questões a colocar às testemunhas na fase

da audiência final. As testemunhas, na maior parte dos casos, são leigas em assuntos de

direito.

Se, numa acção fundada num acidente de viação, a vítima que sofreu os danos alega que

o réu que causou o acidente ia a falar ao telemóvel, na contestação este facto é impugnado – o

réu nega este facto. Este é um facto de natureza controvertida que deve fazer parte do

despacho saneador e, dentro deste, da base instrutória na sua segunda parte.

Só na sentença final, com base nos factos que se provaram, é que o juiz vai resolver as

questões de direito.

16ª Lição – A audiência final

Esta audiência passa-se num tribunal colectivo. É decidida por 3 juízes. Mas isto só

acontece se houver acordo dos advogados das partes (art. 646.°, nº 1).

Basta que o advogado de uma das partes faça um requerimento para que a audiência seja

gravada para que não haja intervenção do tribunal colectivo e que a acção seja decidida por

um juiz (art. 646.°, nº 2, al. c)).

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39

1º A instrução destina-se à produção das provas;

2º A discussão da matéria de facto serve para cada advogado, após a instrução, faça uma

dissertação oral sobre a posição em que ficou o seu cliente/constituinte em face da prova

produzida;

3º No julgamento da matéria de facto, o tribunal vai responder às questões que estão na base

instrutória. O juiz faz um despacho (se for um tribunal colectivo, fazem um acórdão).

Artigo 653.°, nº 2

4º Artigo 653.°, nº 5 – os advogados podem chegar a acordo sobre a matéria de Direito.

Há dois princípios que estão na base da audiência final:

Princípio da publicidade – a audiência é pública, não deve correr à porta fechada, para

evitar o secretismo do processo. O processo tem de ser transparente, salvo por razões de força

maior (art. 656.°, nº 1).

Princípio da continuidade da audiência (art. 656.°, nº 2) – as sub-fases (1º, 2º, 3º e 4º)

devem ser realizadas sem grandes interrupções para optimizar a reconstituição dos factos.

1º Instrução (art. 513.° a 645.°)

A instrução é uma fase que visa a produção das provas. Essas provas visam a

demonstração da existência ou inexistência dos factos controvertidos.

A prova documental, nos termos do art. 523.°, tem de ser apresentada nos articulados

(em fase anterior à fase instrutória). A lei prevê no art. 521.° a produção antecipada da prova.

• O que é a prova? É um instrumento que visa convencer o tribunal da existência ou

inexistência dos factos controvertidos.

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40

O fim normal da prova não é o de alcançar a certeza absoluta sobre a realidade factual. Ao

invés, as provas visam alcançar a alta probabilidade da existência ou inexistência dos factos

controvertidos.

• O que é o objecto da prova? São os factos controvertidos. A prova vai incidir sobre estes

factos.

• Quem tem o ónus, o encargo de provar? É o encargo das partes. São elas que têm de levar as

provas para o processo.

No sistema processual português, o juiz tem o dever discricionário de ordenar a produção

das provas – princípio do inquisitório (art. 265.°, nº 3).

Por outro lado, vale também o princípio da aquisição processual (art. 515.°) – as provas

apresentadas pelo autor podem acabar por beneficiar o réu e vice-versa.

O advogado formula para si próprio duas questões:

1ª “Que factos o meu constituinte vai ter de provar para ganhar a acção?”

2ª “Que provas poderei no caso apresentar ou produzir?”

Exemplo:

A alega que vendeu a B um automóvel. O réu vem na contestação alegar que já pagou o

referido automóvel.

1ª – O autor, para vencer este processo, tem de provar que vendeu a B o automóvel e terá de

provar também que o réu não lhe pagou o preço.

Durante o século XIX era o juiz que dizia ao autor ou ao réu que deviam provar algum

facto.

O art. 342.° do CC dispõe sobre o ónus da prova – consagra o critério geral e abstracto

a teoria da acção excepção. O autor tem o ónus de levar os factos que traduzem a hipótese

normativa, na qual assenta, ou da qual deriva o seu direito.

A tinha que provar que vendeu a B o automóvel. É o facto que tem de provar. E o réu tem

de provar os contrafactos impeditivos, extintivos e modificativos. O réu tinha de alegar, como

facto extintivo, o pagamento. É mais fácil provar o pagamento do que o não pagamento.

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O autor tem de provar os factos constitutivos e o réu os contrafactos.

O ónus da prova tem uma função distributiva e também uma função decisória. Esta

função funciona como um critério do julgamento – o juiz decide a acção contra a parte que

não provou aquilo que tinha de provar.

No critério do julgamento, perante a falta da prova dos factos, o juiz não pode suspender

o processo. Quando falta a prova, ele tem sempre de decidir a favor do autor ou do réu (art.

8.° do CC).

Espécies:

1. Prova por presunções: art. 349.° e segs. do CC.

2. Prova por confissão: art. 352.° e segs. do CC; art 522.° do CPC;

3. Prova documental: art. 362.° e segs. do CC; art. 523.° do CPC;

4. Prova pericial: art. 388.° e segs. do CC; art. 568.° do CPC;

5. Prova por inspecção: art. 390.° e segs. do CC; art. 612.° e segs. do CPC;

6. Prova testemunhal: art. 392.° e segs. do CC; art. 616.° do CPC.

6. Prova testemunhal: é a mais segura. No exemplo em que A vende a B um automóvel, a

prova testemunhal pode ser fundamental para resolver o caso.

Testemunha é um terceiro chamado pelas partes ou pelo juiz, que responde a questões

sobre factos controvertidos. A testemunha narra factos passados ao tribunal. Quanto a factos

presentes, faz mais sentido a prova por inspecção

O art. 616.° do CPC dispõe sobre quem pode ser testemunha – basta a chamada aptidão

física e mental (as crianças podem ser testemunhas).

Se o facto exige a prova documental, então não é possível usar prova testemunhal (art.

364.°, nº 1 do CC).

As testemunhas depõem na sala de audiências (art. 621.°), mas o juiz pode inquiri-las no

local.

De acordo com o art. 396.°, o juiz vai apreciar livremente o depoimento das testemunhas.

5. Prova por inspecção: consiste num exame de coisas, de pessoas, de lugares levado a cabo

pelo juiz. É um exemplo típico de prova directa. Nos termos do art. 615.°, o juiz tem de fazer

um auto, um relatório da inspecção.

4. Prova pericial: baseia-se num exame elaborado pelo especialista na matéria controvertida.

O perito é um técnico dotado de conhecimentos especializados e vai responder a questões

técnicas, vai emitir juízos técnicos, juízos de valor. Segundo o art. 389.° do CC a prova pericial é

apreciada livremente pelo juiz. E este pode divergir do perito. Diz-se que o juiz é o “perito dos

peritos”.

3. Prova documental: há um conceito restrito de documento – é um escrito que corporiza uma

declaração de vontade ou de ciência. Mas há também um conceito amplo, como por exemplo,

fotografias, documentos, um CD ou um desenho, etc.

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2. Prova por confissão: a confissão é o reconhecimento no processo de um facto desfavorável

à parte (art. 354.°, al. b)).

1. Prova por presunção: baseia-se numa dedução ou inferência. Da prova de um facto que é

conhecido, deduz-se a existência de um facto desconhecido, que fica provado.

Há presunções legais absolutas, presunções relativas e ainda presunções naturais ou

judiciais (art. 349.°). O juiz apoia-se em factos instrumentais e convence-se da existência de

factos

17 Lição – Julgamento final

Depois da audiência final, o juiz tem 30 dias para lavrar a sentença (art. 658.° e 659.° do

CPC).

Quando a sentença não é susceptível de recurso ou a parte vencida não recorreu, ou

quando se esgotaram os recursos possíveis, a sentença transita em julgado – forma-se o efeito

do caso julgado (art. 677.°). Sobre aquela decisão nasceu um escudo protector. E essa decisão

não pode mais ser alterada. Forma-se sobre o pedido e a causa de pedir.

Há duas hipóteses:

1. A acção procedeu, ou seja, o autor ganhou a acção – formou-se caso julgado (que protege o

autor contra argumentos defensivos que o réu podia ter usado);

2. A acção foi considerada improcedente – o caso julgado protege o réu. Nenhum tribunal

pode julgar o réu com base no mesmo pedido ou causa de pedir.