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8 1- INTRODUÇÃO A globalização nos dias atuais trouxe uma enorme acessibilidade das pessoas às tecnologias digitais como a internet, a realidade virtual e bancos de dados, o que provocou uma mudança radical nas maneiras de obtermos conhecimento, de nos comunicarmos e nos localizarmos na sociedade. Alem disso, novas possibilidades trazidas pela tecnologia digital como realidade virtual, realidade mista, personagens e animais de estimação virtuais, avatares 1 , robôs, etc. têm influenciado o conceito de realidade, identidade e vida em escala global. Até onde vão as fronteiras entre o que é arte e o que é entretenimento? A arte japonesa se distanciou da arte ocidental em termos de originalidade e concepções artísticas? Respostas a essas questões e muitas outras serão apresentadas nesse estudo que tem como objetivo maior fornecer uma reflexão para melhor compreensão da cultura digital nipônica no domínio da arte interativa, do design e da percepção da imagem e espaço. O tema foi escolhido por ser de extrema importância dentro da arte contemporânea. Nos últimos anos o Japão foi o país que mais contribuiu com a expansão da arte interativa, segundo dados da SIGGRAPH (Association for computing Machinery’s Special Interest Group On Graphics and Interative Techniques), a mais importante conferência internacional em computação gráfica e suas aplicações. Os artistas nipônicos não estão se destacando só na sua terra natal, mas dominando o cenário internacional através de sua arte midiática. O destaque se deve ao fato das pessoas observarem algo a mais em seus trabalhos, uma espécie de marca distinta. Mas afinal qual essa marca? O que os artistas japoneses fazem de diferente para se sobressaírem? Reflexões como estas estão sendo realizadas nessa pesquisa, com a finalidade de propor respostas, para isso partindo dos aspectos históricos da cultura japonesa. Outras questões como 1 Ícone gráfico escolhido por um utilizador para representar em determinados jogos e comunidades virtuais.

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1- INTRODUÇÃO

A globalização nos dias atuais trouxe uma enorme

acessibilidade das pessoas às tecnologias digitais como a internet, a realidade

virtual e bancos de dados, o que provocou uma mudança radical nas maneiras

de obtermos conhecimento, de nos comunicarmos e nos localizarmos na

sociedade. Alem disso, novas possibilidades trazidas pela tecnologia digital

como realidade virtual, realidade mista, personagens e animais de estimação

virtuais, avatares1, robôs, etc. têm influenciado o conceito de realidade,

identidade e vida em escala global.

Até onde vão as fronteiras entre o que é arte e o que é

entretenimento? A arte japonesa se distanciou da arte ocidental em termos de

originalidade e concepções artísticas? Respostas a essas questões e muitas

outras serão apresentadas nesse estudo que tem como objetivo maior fornecer

uma reflexão para melhor compreensão da cultura digital nipônica no domínio

da arte interativa, do design e da percepção da imagem e espaço.

O tema foi escolhido por ser de extrema importância dentro

da arte contemporânea. Nos últimos anos o Japão foi o país que mais

contribuiu com a expansão da arte interativa, segundo dados da SIGGRAPH

(Association for computing Machinery’s Special Interest Group On Graphics

and Interative Techniques), a mais importante conferência internacional em

computação gráfica e suas aplicações. Os artistas nipônicos não estão se

destacando só na sua terra natal, mas dominando o cenário internacional

através de sua arte midiática. O destaque se deve ao fato das pessoas

observarem algo a mais em seus trabalhos, uma espécie de marca distinta.

Mas afinal qual essa marca? O que os artistas japoneses

fazem de diferente para se sobressaírem? Reflexões como estas estão sendo

realizadas nessa pesquisa, com a finalidade de propor respostas, para isso

partindo dos aspectos históricos da cultura japonesa. Outras questões como

1 Ícone gráfico escolhido por um utilizador para representar em determinados jogos e comunidades

virtuais.

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identidade, originalidade e comunicação, assim como a noção de arte, são

concebidas de maneiras diferentes das ocidentais.

Além dessas questões muitas outras serão levantadas, como

a relação entre os japoneses e a tecnologia, a ponte entre arte, entretenimento

e produtos comerciais, a arte dos dispositivos (Device Art) e alguns paradigmas

artísticos.

O tema “Artemídia Japonesa” foi abordado em três capítulos,

para melhor compreensão. No primeiro capítulo será realizada uma abordagem

geral sobre os “Aspectos Históricos Japoneses que Influenciaram a Artemídia”.

O segundo intitulado: “Aspectos Conceituais da arte Midiática no Japão”. E no

capítulo terceiro- “As produções dos artistas contemporâneos dentro da arte

midiática japonesa”. Cada um desses temas será dividido em sub-temas

relacionados ao tema central de cada capítulo. Em suma uma teoria para a

melhor compreensão da cultura digital, da arte e percepção da imagem e

espaço japonês.

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2- ASPECTOS HISTÓRICOS DA ARTE JAPONESA QUE

INFLUENCIARAM A ARTEMÍDIA

Na história, o termo “arte” está diretamente relacionado ao

uso criativo ou refinado de técnicas. Ernst Fisher (1987, pg. 13) define a arte

como: “meio indispensável para a união do indivíduo como o todo; reflete a

infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de

experiências e idéias”. Hoje as atividades criativas como a arte “aplicada”, bem

como produtos artesanais, de design, entretenimento e comerciais são

consideradas exteriores aquilo que é arte. O paradigma se formou quando a

sociedade moderna se estabeleceu no ocidente.

A arte não pode permanecer independente da sociedade. Os

artistas respondem à sociedade por meio de suas obras, enquanto a sociedade

classifica o que a arte significa. Ao mesmo tempo, a ciência e a tecnologia

influenciam a arte direta e indiretamente. Assim, o que a arte significa para a

sociedade está sujeito a mudanças dentro de uma rede de influencias.

(DOMINGUES, 2009)

A tecnologia da informação teve profundo impacto na infra-

estrutura da sociedade desde a segunda metade do século XX. Significou uma

transição de um sistema no qual a informação imaterial controla a realidade

física. Hoje as tecnologias de mídias digitais têm enfrentado problemas com o

sistema de arte existente, que contradiz com a natureza da tecnologia digital,

que convida a interatividade e cópias de obra de arte, com número ilimitado,

sem falar nas formas de arte que usam mídias “imateriais” como a Web. Ainda,

a fronteira entre arte e seus campos vizinhos já não é mais sólida. Um número

crescente de designers, arquitetos, cineastas e artistas de novas mídias estão

produzindo arte com características comerciais. Como deveríamos classificar

criadores como Philippe Starck ou Chris Cunningham? Suas obras não são

consideradas “arte” por serem produzidas em massa comercial, ou porque

possuem um design que atende determinadas finalidades, ou se servem para

o entretenimento?

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Artistas do passado como Marcel Duchamp e Andy Warhol, já questionavam o

paradigma tradicional, muitos anos atrás, desafiando a fronteira entre arte e

produtos comerciais. Duchamp disponibilizou comercialmente seus Rotoreliefs

em 1920, enquanto Warhol chamou seu estúdio de “A fábrica”.

Performances e happenings, desde os anos 50 conduzidos

por artistas consagrados como John Cage, Robert Rauschenberg, Nam June

Paik e Yoko Ono negavam o conceito de obra de arte com base em objetos

físicos, o que para muitos continuam sendo à base do sistema da arte.

Precisamos de uma nova abordagem para os paradigmas da

arte na era das tecnologias de reprodução das obras. Anos após a análise de

Walter Benjamim (1973), as tecnologias de produção- tanto digitais como

industriais- ainda não encontraram seu lugar adequado no mercado das artes.

Embora Walter Benjamim (1973) levantasse a questão sobre

a “aura” na era das tecnologias de reprodução mecânica, o mercado da arte

respondeu numerando as gravuras e priorizando as “gravuras originais”, dessa

forma negando ou ignorando as possibilidades levantadas pelas tecnologias.

Machiko Kusahara (2009, pg. 368) revela: “Enquanto o

sistema da arte estiver baseado em objetos físicos para serem comprados por

museus ou arte digital não tem muitas chances”. Há cerca de 150 anos,

quando oficiais japoneses fizeram sua primeira viajem a Europa eles ficaram

surpresos com o realismo das pinturas européias. A idéia nipônica sobre

pintura havia evoluído numa direção diferente da ocidental, eles nunca haviam

imaginado que pinturas podiam ser tão próximas da realidade.

Osborne (1978) descreve a tradição pictórica chinesa, berço

de influências japonesas:

O pintor chinês não se ocupava, se não acidentalmente na busca de outras metas, de “imitar” a aparência das coisas, nem de representar as coisas idealmente como gostariam que fossem ou como elas “deviam” ser, nem mesmo de revelar alguma atividade metafísica oculta por detrás da aparência das coisas. Encaravam-se a cultivação e a prática da pintura como atividade ritualística, criadora de uma encarnação de força cósmica da ordem que impregna toda a realidade, a sociedade

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humana e a personalidade individual. Enquanto o artista ocidental visava tipicamente o produzir uma réplica da realidade, real, imaginada ou ideal, o artista chinês- embora pudesse, de fato, fazê-lo- colimava em primeiro lugar, colocar a própria personalidade em harmonia com o principio cósmico. (OSBORN, 1978, pg. 96).

Da mesma forma os europeus fascinaram-se com o teatro de

sombras asiático e acabaram levando-o para seus países de origem, perplexos

por nunca terem tido uma idéia como essas (do uso de sombras para

representação de seres). (DOMINGUES, 2003)

Segundo Kusahara (2003) os japoneses se encantaram tanto

pelos desenhos de perspectiva que passaram a utilizar a técnica nas

xilogravuras (Ukiyo-e). Esses pequenos exemplos mostram que apesar da

incorporação de certos elementos de uma cultura pela outra, as duas

caminharam ao longo da história por caminhos distintos, o que acabou

diferenciando demais suas formas de ver e conseqüentemente representar a

arte.

Renato Ortiz (2000) revela que o Japão teria conseguido, até

os dias de hoje, se adaptar às diversas circunstâncias históricas segundo a sua

maneira de ser, porém a característica cultural japonesa que temos hoje é

resultado de uma série de encontros entre a cultura japonesa tradicional e as

culturas estrangeiras, través das quais as últimas foram importadas, absorvidas

e misturadas harmoniosamente à primeira... Em vez de rejeitar as últimas, o

japonês preferiu ajustá-las à sua própria estrutura estética, adaptando-as

freqüentemente, de modo bastante criativo, as necessidades nacionais.

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(Fig. 1)- Biombo japonês – origem desconhecida

Fonte: [http://www.gadgetmadness.com]

Na história japonesa as pinturas mais expressivas eram feitas

em biombos e móveis. As xilogravuras eram produzias em massa para serem

consumidas por pessoas comuns. O mundo ocidental desenvolveu fronteiras

entre belas artes e artes aplicadas, artes maiores e menores, arte e

entretenimento ou artes e tecnologias, enquanto a cultura japonesa misturou

tudo.

Existe uma distinção entre artes maiores ou belas artes (arquitetura, pintura, escultura) e artes menores ou aplicadas (todos os gêneros de artesanato): nas primeiras prevaleceria o momento ideativo ou inventivo, na segunda o momento executivo ou mecânico. Mas trata-se de uma distinção válida apenas para as culturas que a estabeleceram, e nem sequer é resolutivo neste caso: existem obras de ourivesaria, esmaltes, tecidos, cerâmicas, etc,. que, artisticamente, valem mais do que obras medíocres de arquitetura, pintura ou escultura. (ARGAN, 1997 p. 14).

Isso não significa que não existiam atividades artísticas no

Japão. Ao contrário, séculos de paz sob o shogunato2 permitiram aos

2 Período da história japonesa, onde o país era governado pelos “shoguns”,uma espécie de rei.

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japoneses desenvolver formas sofisticadas da cultura visual, compartilhada

pelas classes mais abastadas, desde cidadãos mais ricos até senhores

feudais. A apreciação das obras artísticas estava muitas vezes integrada à vida

diária, não sendo considerada nada de especial. Os melhores pintores eram

contratados para pintar biombos e portas de correr para templos e casas de

nobres. O design sofisticado era apreciado em objetos de uso diário, como

aparelhos de jantar.

Edward W. Said em sua obra “Orientalismo” (1990) relata que

a quantidade de móveis limitava-se ao mínimo. A idéia de decoração de

interiores no Japão era muito diferente da do Ocidente, contrastando

especialmente com a decoração de lares vitorianos. Os ocidentais que

visitavam o Japão com frequência se surpreendiam ao ver como as casas

japonesas pereciam modestas. Embora pendurar quadros na parede não

fizesse parte da tradição japonesa, havia um espaço especial numa parede

(em geral com menos de um metro de largura) para pendurar um quadro ou

escrita caligráfica, de acordo com a estação do ano. Esse espaço era chamado

de “toko-no-ma”.

Em meados do século XVIII, o desenvolvimento da tecnologia

de blocos de madeira para impressão fez com que as impressões e romances

ilustrados se difundissem amplamente. Para Kusahara (2003) a intenção era

que fossem consumidos para distração temporal, desempenhando papel

semelhante àquele das revistas hoje em dia, enquanto impressões melhores

eram feitas para apreciação ou usadas para decorar painéis ou caixas para

guardar coisas nas casas.

Como os papéis eram preciosos, eram reciclados de várias

formas. Há o famoso episódio em que pintores impressionistas descobriram

xilogravuras usadas como papel de embrulho, quando o Japão expôs na

Exposição Mundial de Paris, em 1867, pela primeira vez.

Kusahara (IBIDEM) afirma ainda não existir distinção entre

arte, entretenimento e produtos comerciais; para a autora simplesmente não

havia tal categorização. Por exemplo, Hokusai, cujas impressões retratando o

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monte Fuji são hoje conhecidas mundialmente, ilustrava cartas usadas no jogo

de “combinar o poema”, muito famoso na era medieval. O entretenimento visual

estava também intimamente relacionado à literatura na cultura japonesa. Uma

comunidade de intelectuais, incluindo pintores, poetas, e médicos com acesso

a ciência e cultura visual ocidentais, existia no final do século XVIII, quando as

fronteiras do país foram fechadas. A pintura realista ao estilo ocidental já era

conhecida e experimentada entre eles, através dos ensinamentos do pintor

Gennai Hiraga (1728-1779).

Para Xavier Barral I Altet (1990) havia uma cultura visual

colorida, desde as impressões mais comuns com blocos de madeira até os

biombos pintados, reservados aos ricos, antes de a “arte” chegar ao Ocidente.

Kusahara (2009, pg. 371) recentementemente declarou “Arte

não é uma questão óbvia que se desenvolveria automaticamente no mesmo

paradigma em qualquer sociedade. “Arte” como no conceito ocidental não se

formou no Japão.” Em vez de separar belas-artes de artes aplicadas, ou design

do entretenimento, os japoneses englobaram esses campos como uma forma

contínua da cultura visual. Conceitos como “arte superior” ou “arte inferior”

também não existiam. Embora tais distinções tenham sido vistas como

essenciais na história da arte ocidental, possivelmente uma maneira diferente

de ver a arte tenha proporcionado um plano de fundo diferente, como do

Japão.

Atualmente a arte midiática japonesa vem sendo destaque

internacional devido à queda dos antigos paradigmas na arte contemporânea

ocidental. As revoluções do conceito de arte permitiram que inúmeros preceitos

fossem superados, as “fronteiras” da arte ocidental acabaram se diluindo

dentro da arte contemporânea, acarretando um hibridismo dentro da linguagem

artística. Nadja de Carvalho (2007, pg. 32) descreve esse fenômeno como

“múltiplas formas de expressão, estabelecendo infinitas poéticas que

transcendem modalidades e categorias”.

Essa revolução artística ocidental não é novidade no Oriente,

que há muito tempo já convive com o híbrido. O que muda é a abertura do

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cenário artístico internacional para a arte midiática japonesa contemporânea,

que começa a ser vista e compreendida mundialmente.

A natureza global da sociedade midiática tende a dar a ilusão

de que todos vemos o mundo da mesma maneira. Deveríamos questionar o

que é global e o que não é na cultura contemporânea das mídias que nós, de

certo modo, temos em comum. (KUSAHARA, 1997)

Segundo Domingues (2003), podemos definir a mídia como

um veículo ou o meio de comunicação que exerce ação psicológica sobre o

público com fins comerciais, comunicacionais, filantrópicos, educacionais, entre

outros.

Santaella (1996) nos diz que mídia é todo e qualquer meio de

comunicação, as primeiras mídias na história da cultura foram os órgãos da

fala humanos. A evolução da linguagem deu origem ao desenvolvimento da

diversidade de meios de produção de signos. Na história da cultura, cada nova

mídia trouxe mudanças ao seu ambiente social e cultural, mas o advento de um

novo ambiente nunca causou o desaparecimento dos anteriores. Ao contrário,

a história tem mostrado que as mídias são cumulativas e complementares.

2.1-Aspectos Históricos da Tecnologia

Em seu livro Inside the robot kingdom (1988), Frederik Schodt

assinala a diferença cultural entre japoneses e americanos no processo de

introdução de robôs industriais. Geralmente esses robôs são apenas simples

“braços” pesados de metal que não se parecem com seres humanos. Nos

Estados Unidos- na Indústria Automobilística, por exemplo- eles eram tratados

como máquinas para executar certas tarefas razoavelmente simples que

operários humanos costumavam fazer. Ao contrário, nos primeiros estágios da

introdução de robôs no Japão, algumas fábricas convidaram sacerdotes

xantoístas para uma cerimônia de boas vindas aos robôs, desejando-lhes boa

sorte.

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Schodt (1988) também relata que operários japoneses deram

um nome a cada um de seus colegas robóticos. Essa história é conhecida

mundialmente e é também relacionada ao animismo da cultura japonesa

tradicional. Porém, uma compreensão simplificada do tipo “os japoneses tratam

os robôs como entidades vivas por causa do animismo de sua cultura” é tanto

equivocada como problemática. Em vez de analisar a maneira como os

japoneses abordam a natureza, ou a vida artificial, deve-se discutir a atitude

japonesa com relação às máquinas, ou a tecnologia geral.

Analisar como as ferramentas são consideradas no Japão

ajudará a compreender o que a tecnologia significa para os japoneses.

Historicamente, ferramentas profissionais como as facas de

cozinha para os cozinheiros ou as tesouras para os jardineiros eram

consideradas algo especial. Em resumo uma ferramenta não era considerada

um simples meio para se obter um resultado. Na tradição japonesa, o processo

e a maneira de usar as ferramentas são tão importantes quanto o resultado em

si.

Hoje, tal tradição é continuada na rica variedade de objetos e

apetrechos de uso diário, como ferramentas de escritório com design, “cordão”

para telefone celular ou até mesmo cartões de memória em formas nada

usuais, como um sushi. Segundo Kusahara (2009) os consumidores pagam

mais caro por esses produtos, para tornar o cotidiano um pouco mais

agradável, ou para demonstrar o seu gosto e sua identidade.

Essa atitude positiva do Japão em relação à tecnologia tem

fundamentos históricos. Até meados do século XIX, a paz foi mantida no Japão

por 250 anos, enquanto o país se encontrava sob rigoroso controle quanto ao

uso de novas tecnologias. O desenvolvimento de tecnologia bélica estava fora

de questão e também não era necessário. Novas aplicações para fins

industriais eram também reguladas pelo governo central a fim de evitar que os

senhores feudais aumentassem o seu poder. Em tais circunstancias as

tecnologias mais modernas trazidas pelos holandeses foram usadas

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principalmente para o entretenimento, que era uma indústria importante numa

sociedade estável assim. (KUSAHARA, 2009)

Depois da restauração Meiji3, num rápido período de tempo

iniciou-se a revolução industrial, conduzida pelo governo. Isso significou

modernização e globalização. Conflitos entre os capitalistas e os operários,

como foi descrito vivamente em filmes como Metrópolis, de Fritz Lang, e

Tempos Modernos de Charles Chaplin, foram de certa forma mínimos. O

pesadelo da revolução industrial e da automação não existiu no Japão. Sua

atitude positiva em relação a tecnologia continuou mesmo depois da guerra

que terminou com bombas atômicas atiradas sobre Hiroshima e Nagasaki. A

reação japonesa foi reconhecer o poder da ciência e da tecnologia e esperar

seu melhor uso.

Assim podem ser observadas diferenças históricas entre a

cultura ocidental e a japonesa, nas atitudes relativas à tecnologia. Também é

claro que o uso das tecnologias mais recentes para o entretenimento tem uma

longa história no Japão. A convergência entre arte, entretenimento e tecnologia

no Japão de hoje pode ser mais facilmente entendida a partir desse ponto de

vista. (DOMINGUES, 2009)

2.2-O Conceito de Originalidade no Japão

A internet e as telecomunicações abriram novas

possibilidades para o fazer arte. Os artistas têm novas maneiras de representar

os produtos da sua imaginação por meio de imagens digitais. O design gráfico

abriu um universo novo e inexplorado para a criatividade dos artistas ao

mesmo tempo em que a internet possibilitou a transmissão ou fácil exposição

aos amantes da arte. Dados digitais podem ser copiados ou transmitidos sem

perda de qualidade, o que muda o conceito tradicional de fazer e apreciar arte.

3 Período de 1866 a 1869,quando o Japão adentrou ao cenário internacional,com o final do shogunato e

a restauração do poder imperial

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Na sociedade ocidental criou-se um conceito que acabou

tornando-se universal: o dos direitos autorais, da originalidade absoluta. No

entanto Machiko Kusahara (2009) afirma que com a tecnologia digital o

conceito de originalidade está passando por um momento de transição.

A cultura japonesa sempre pensou diferente sobre

originalidade o que fez com que fosse muito julgada pela cultura ocidental. A

omissão dos direitos autorais e cópias ilegais são comuns no Oriente e

amplamente aceito pelos consumidores sem nenhum sentimento de culpa. Por

trás dessa atitude oriental consideram-se fatores psicológicos relacionados à

formação cultural. Os japoneses têm essa forma diferente de pensar sobre

originalidade e direitos autorais, que difere da idéia tradicional

internacionalmente aceita.

No Japão considera-se ao longo da história poemas

produzidos por pessoas comuns e anônimas, tanto ou mais que poemas

escritos por grandes poetas. Isso porque não há uma fronteira clara entre

aqueles fazem artes e aqueles que apreciam. Citar uma frase ou Poema de

alguém é considerado uma virtude no Japão, não uma apropriação. Citar os

versos de outras pessoas e referir-se a elas são práticas comuns também na

literatura ocidental. Mas os chineses e japoneses desenvolveram essa prática

transformando-a num sistema. Havia até séries oficiais de livros (que serviam

de dicionário de literatura) que foram publicadas tanto na China medieval como

no Japão para essa finalidade. Para um poeta ter seu trabalho citado é uma

honra, podendo ser considerado como uma prova de que seu poema é bom e

popular. O problema de direitos autorais não existia, porque quem não

reconhecesse as frases de outros não podia ser levado a sério como poeta.

Segundo Kusahara (2003, pg. 232): “Um sistema de honras em lugar de um

sistema de direitos autorais, funcionava bem em uma sociedade em que a

literatura não era um negócio”.

Através dessa perspectiva diferente, os artistas japoneses se

sentem muito a vontade rompendo regras e mitos ocidentais de originalidade

através da tecnologia digital. A rede se torna uma ferramenta para integrar

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imaginações diferentes. Esses artistas indagam que finalizar uma obra não é a

meta principal, mas a troca de imaginações e a comunicação entre o artista e

as pessoas em geral. (IBIDEM)

2.3-A história da Arte do Pós-Guerra Japonês Até a Arte dos

Dispositivos

Segundo a crítica de arte Machico Kusahara (2009), artistas

que exploram novas formas de artemídia desafiam o paradigma tradicional do

mercado de arte. De fato, essas questões já foram colocadas e, num certo

sentido, respondidas por artistas como Marchel Duchamp, com seu Rotorelief4,

disponibilizado comercialmente, e artistas do grupo Fluxus com suas Years

Boxes (ver figura 3). Nicolas Schoffer não somente usou seu sistema de

escultura com Luz lumino5 em 1968 numa apresentação, mas também

comercializou-o pela PHILIPS para as pessoas que gostavam de mudar os

padrões de luz em suas casas. Porem essas experiências ainda são

questionadas no campo das artes.

(Fig.2)Grupo Fluxus – “Year Box” dimensão:400x280x28k

Fonte:www.wikipedia.com

Se examinarmos o mundo da arte depois da Segunda Guerra

Mundial no Japão, dos anos 50 até a década de 1970, fica claro que a negação

4 Discos coloridos que quando girados com extrema rapidez, produziam efeitos ópticos.

5 Luz criada por Schoffer com alto poder de iluminação

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da forma de arte tradicional foi praticada de maneira tão radical quanto os

movimentos contemporâneos vistos na America e na Europa.

Artistas Gutai6 participaram ativamente de “ações” nos anos

50, fazendo experiências com “qualquer coisa menos pintura deve ser

preservada”. A ação Gutai era uma intervenção entre material (lama, madeira,

papel, lâmpadas etc.) e corpo. Usavam materiais do dia-a-dia sem mudar sua

natureza (ver figura 4), enquanto novas experiências físicas (para o artista-

performer) e visuais (para o público) surgiam por meio da intervenção.

(Fig.3)Jiro Yoshihara – “Gutai” dimensão:264x198x42k

Fonte:www.jiroyoshihara.com

Em 1956 o líder Gutai Jiro Yoshihara resumiu assim o conceito:

Para a nossa atual consciência, as obras de arte que conhecemos até agora tem para nós em geral, a aparência de falsificações equipadas com afetação... A arte Gutai não muda o material. A arte Gutai transmite vida ao material. A arte Gutai não distorce o material. Na arte Gutai o espírito humano e o material se dão as mãos, ao mesmo tempo em que se confrontam. O material nunca faz concessão ao espírito. O espírito nunca domina o material. Quando o material permanece intacto e expõe suas características, ele começa a contar uma história, e até grita. Fazer uso plano do material é fazer uso do espírito. Ao realçar o espírito, o material é elevado à altura do espírito. (YOSHIHARA, pg. 67. 169)

6 GUTAI BITJUTSU KYOKAI, isto é, associação da arte concreta ,concreta no sentido de materialização

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O foco dos artistas Gutai acabou mudando para pintura-ação,

possivelmente porque o mundo da arte ainda não estava pronto para suas

atividades experimentais e eles buscavam uma conexão internacional.

Kusahara (2009) afirma que mesmo que sua abordagem

tivesse mudado no fim, sua atitude original relativa ao material é digna de nota,

especialmente porque era formada independentemente do ambiente artístico

global. Isso não significa afirmar que o Gutai exerceu uma influência direta

sobre a arte dos dispositivos [Device Art]. Há diferenças claras- na verdade os

artistas Gutai sempre tiveram consciência de que se encontravam no campo da

arte bela e superior, ao passo que a arte com dispositivos desafia a fronteira

entre arte e outros campos. Assim mesmo, o respeito que tinham pelo material

e sua natureza sugerem que há algo na cultura japonesa que ajudou a

constelar a idéia de artes com dispositivos7.Parece haver um mecanismo

cultural subjacente que leva tanto artistas como público a se divertirem com o

material e sua natureza.

Os artistas Mono-ha (sendo que mono significa material e ha

um grupo) nos anos 70 também eram conhecidos por usarem materiais

naturais como madeira e pedras (ver figura 5). O respeito pela natureza de

vários materiais e o uso refinado dos mesmos é uma tradição no design,

artesanato e paisagismos japoneses. Para a autora, esse interesse pelas

formas naturais e sua variedade está em consonância com a atitude tradicional

japonesa em relação á natureza. A natureza e os materiais que ela nos trás

devem ser respeitados como são, e não considerados algo a ser conquistado,

ou mero “recurso” para as atividades humanas. Podemos encontrar formas ou

elementos interessantes entre eles e usados com criatividade para nossos fins,

ou até manipulá-los para intensificar sua beleza natural. Essa atitude para a

cultura japonesa pode ser entendida facilmente, em muitos exemplos como o

paisagismo que usa pedras naturais, a cerâmica que usa pasto natural, ou as

árvores bonsai. O claro contraste entre um típico jardim geométrico europeu e

7 Segundo Kusahara, algo numa obra artística destinado a obter um efeito particular, podendo ser, por

exemplo, um instrumento, ou aparelho tecnológico.

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um jardim japonês sugere a diferença em suas atitudes em relação à natureza.

Porém, é importante introduzir uma compreensão amplamente aceita de que a

chegada um tanto regular de desastres naturais inesperados e inevitáveis,

como tufões, terremotos e erupções de vulcões, provavelmente se encontra na

base da cultura japonesa.

(Fig.4) Grupo Mono -ha – “The Mono-ha school” (1969) dimensões:350x280x67k

Fonte: www.wikipedia.com

Não há uma relação direta conhecida entre Gutai e Mono e o

que vemos na artemídia japonesa hoje; artistas midiáticos contemporâneos são

tipicamente não influenciados pelos movimentos de arte no Japão dos anos 60

e 70. Em vez disso, Kusahara (2009, pg. 391) afirma “o que encontramos é

uma raiz que cresceu fundo no solo cultural japonês e tornou artistas,

designers e artesãos, bem como os consumidores, conscientes do uso do

material.”

Olhando mais adiante na história da arte japonesa pós-

guerra, as práticas dos artistas da Yomiuri Independent, no inicio dos anos 60,

também oferecem insights interessantes sobre as tendências da arte japonesa

da época. A Yomiuri Independent (1949-1963) era uma exposição anual de arte

em Tóquio, patrocinada pela Yomiuri, a maior empresa jornalística do Japão.

Como não tinha júri, ela se tornou uma vitrine de trabalho de artistas jovens e

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experimentais que, de outra forma, não conseguiram expor em galerias ou

museus. Eram também livres dos paradigmas acadêmicos, o que tinha

influenciado os artistas Gutai de certo modo. O resultado foi o surgimento de

muitos aspectos interessantes, como a utilização de objetos de uso diário

(garrafas vazias ou alfinetes), combinando performance e instalação; e uma

percepção das aparências das mídias.

Esses movimentos dos anos 50 até a década de 1970

compartilharam semelhanças, ou paralelos com o que é proposto pela arte dos

dispositivos hoje. Essas semelhanças- uma atitude específica em relação ao

material, uma abertura com relação à tecnologia, a renuncia ao sistema de arte

vigente- podem ser entendidas pelo menos em parte como resultado de uma

formação comum, isto é, a formação cultural e histórica dos japoneses.

Hoje, tanto arte como entretenimento são consumidos como

parte da cultura popular. A tecnologia digital e a economia “global” mudaram a

relação entre original e cópia, permitindo-nos produzir e fornecer

imediatamente cópias idênticas ao mundo inteiro. A interação entre arte e

tecnologia continuará a se desenvolver. A arte dos dispositivos [DEVICE ART]

é um novo conceito da era digital, mas ao mesmo tempo é uma continuação

daquilo que vimos na arte e na cultura do passado, incluindo os experimentos

dos artistas de vanguarda, tanto do Japão como do mundo inteiro.

(KUSAHARA, 2009).

Segundo Renato Ortiz (2000), entre a civilização nipônica e a

ocidental há assimetria e conflito. Entretanto, no contexto de uma sociedade

globalizada, o que ela apreende como uma relação de exterioridade, Ocidente

x Oriente, deve ser considerada uma expressão de interioridade. A oposição é

superada por tipos de dominação que integram modernidade e mundo. A

hierarquização dos gostos e dos comportamentos, que no caso anterior

pertencia a uma dimensão antitética, torna-se parte de um mundo global (o que

não significa que ele seja homogêneo). Ela se nutre num cotidiano que se

mundializa, classificando e separando as pessoas segundo seus hábitos,

posição de classe poder aquisitivo.

Page 18: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

25

3- ASPECTOS CONCEITUAIS DA ARTEMÍDIA NO JAPÃO

Segundo Kusahara (2009), no final do século XIX, o sistema

ocidentalizado de arte e educação artística se tornou um padrão no Japão.

Depois de mais de cem anos desde então, a tendência predominante da arte

contemporânea japonesa parece ser internacional, sem muitos traços visíveis

de seu passado histórico. Na geração de novos artistas de hoje, porém, existe

uma atenção crescente para aquilo que é japonês no fazer arte. Na arte

contemporânea a “niponicidade”, tem sido associada ao uso de materiais como

papel, madeira ou pedras, ou ao uso de certas formas e cores. Ultimamente

vemos emergir uma abordagem diferente, um misto de originalidade, arte,

entretenimento e produtos comerciais, como aos conceitos duchampianos de

apropriação e ready-made, o já pronto.

Para a autora, o que vem chamando a atenção atualmente, é

a comercialização da arte, com decisões conscientes dos artistas japoneses

com referencia a suas atividades artísticas, não apenas “licenciamento” de

imagens para fabricantes de mercadorias. A abordagem japonesa tradicional

da arte é usada conscientemente no questionamento lúdico da noção ocidental

da arte e seu sistema de valores.

Device Art é um conceito para reexaminar as relações da

arte-ciência-tecnologia tanto em uma perspectiva contemporânea e histórica a

fim de primeiro plano um aspecto novo da arte multimídia. O conceito é uma

extensão lógica de uma mudança no paradigma da arte que já começaram no

início do século XX com os movimentos de arte como o dadaísmo e o

surrealismo. Mais recentemente, a arte interativa redefiniu as formas de arte e

o papel dos artistas. O que chamamos de arte dispositivo é uma forma de

mídia arte, que integra arte e tecnologia, bem como design, entretenimento e

cultura popular. Em vez de considerar a tecnologia como uma mera ferramenta

ao serviço da arte, como é comumente visto, propomos um modelo em que a

tecnologia está no núcleo das obras de arte. Características como interação,

uma relação positiva em relação à tecnologia e diversão estão sempre

presentes, influencias da tradição cultural japonesa. Outro aspecto desse

Page 19: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

26

trabalho é a participação dos artistas em áreas como design, entretenimento

comercial e de produção, o que fica evidente na abordagem de artistas

internacionalmente reconhecidos como Toshio Iwai, Tosa Nobumichi (Maywa

Denki) e Kazuhiko Hachiya. Esta abordagem que é considerada suspeita do

ponto de vista ocidental é realmente uma parte natural da arte japonesa. A

longa história da cultura visual que se desenvolveu independentemente dos

paradigmas ocidentais de arte desempenha um papel importante na cena

artísticas japonesa, oferecendo aos artistas possibilidades mais amplas para

trazer seus conceitos fora do contexto dos museus e galerias. (KUSAHARA.

Device Art: Uma nova forma de Media Art a partir de uma perspectiva

japonesawww.waseda.ipq/top/index-e.html)

3.1- A Arte dos Dispositivos

Segundo Kusahara (IBIDEM), o termo “dispositivo”

geralmente significa um instrumento que serve para alcançar um determinado

efeito, como parte de um processo. No caso da arte, o objetivo tem sido

tradicionalmente, um efeito que o trabalho final tem em seus telespectadores.

Um dispositivo usado para a realização do trabalho não é necessariamente

uma parte essencial de seu conteúdo- apenas desempenha um papel

fundamental no processo de produção. Em outras palavras, o objetivo e o

dispositivo utilizado para realizar a ela pertencem a diferentes níveis

hierárquicos. O dispositivo serve o objetivo.

Isto tem sido verdade para a maioria da arte tradicional. Tinta

a óleo ou escovas não são considerados essenciais para o processo de

apresentação e apreciação de uma pintura, exceto como meio de ferramentas

ou utilizada para sua criação. No entanto, isso deixou de ser verdadeiro quando

se trata de formas de arte, tais como instalações interativas. A escolha da

tecnologia tem um impacto significativo sobre o tema e conceito de artemídia

por diversas razões. Artistas podem usar tecnologias de mídia, a fim de

expressar seus pensamentos sobre o social/ político/ cultural, ramificações da

tecnologia. As experiências proporcionadas por uma obra de arte dependem

também da tecnologia utilizada. No caso da arte interativa, os visitantes e

Page 20: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

27

usuários tocam e manipulam a arte em vez de contemplar um quadro estático

na parede. Os dispositivos são freqüentemente envolvidos na experiência de

uma obra de arte.

Como conceito, a Device Art está enraizada na análise do

papel fundamental que os dispositivos de certos tipos de arte, que envolvem

hardware (dispositivo especificamente para realizar o conceito artístico. O

aparelho em si pode se tornar o conteúdo. A tecnologia não está escondida, a

sua função é visível e de fácil compreensão, enquanto ela ainda traz um

sentimento de admiração e interação entre os usuários, muitas vezes de forma

lúdica.

Para resumir, o dispositivo poderia ser o “corpo” de uma obra

de arte que oferece uma experiência artística para os seus utilizadores/

participantes. Em outras palavras, o “resultado” da experiência não pode ser

separado do dispositivo especificamente projetado ou escolhido para permitir

essa experiência. Produzir múltiplas cópias desses trabalhos e distribuí-los

como um produto comercial torna acessível a um público mais amplo desde

que a peça foi concebida de forma a que qualquer pessoa pode usar e se

divertir. O conceito de um artista poderia tornar-se parte da vida das pessoas

ao invés serem mantidos em museus e galerias.

Curiosamente, estas idéias soam familiares para os

japoneses. As tradições culturais, como a cerimônia do chá são baseadas

nesse entendimento. O objetivo de uma cerimônia do chá não é apenas para

desfrutar de uma xícara de chá, a importância reside em toda a experiência,

incluindo o processo e aos dispositivos utilizados, tais como colheres e tigelas.

Estas ferramentas são funcionais e feitas de materiais adequados, e ainda há

algo a mais para eles do que apenas utilidade, os dispositivos corretamente

escolhidos mudam toda a experiência.

Essa teoria também pode ser aplicada à arte. Não existem

dispositivos separados de experiências, se a experiência só é possível através

do uso de dispositivos conscientemente escolhidos para o seu propósito. Isso

Page 21: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

28

não é só válido para a artemídia japonesa, mas a idéia subjacente é que já

fazem parte da cultura japonesa. (KUSAHARA. Device Art: Uma nova forma

de Media Art a partir de uma perspectiva japonesa www.waseda.ipq/top/index-

e.html)

3.2- A ponte entre arte, entretenimento e produtos comerciais

Segundo a crítica de arte Machiko Kusahara (2009) a arte dos

dispositivos (device art) é um conceito derivado da recente artemídia e do meio

cultural dos japoneses, mas tem um escopo universal que pode nos ajudar a

entender um pouco da natureza da artemídia atual. O termo pode soar

estranho ou controvertido, mas essa é a intenção: o objetivo do conceito é

questionar a noção ocidental tradicional da arte, tão influente na artemídia

contemporânea. A relação entre arte, ciência e tecnologia, bem como entre

arte, design, entretenimento e atividades comerciais precisam ser vistas de um

ângulo diferente.

É tanto apropriado como inspirador que Stafford tenha usado

a palavra “dispositivo” (device) para representar uma grande variedade de

artefatos, incluindo objetos naturais reagrupados por seres humanos, que

servem ao propósito de gerar um sentido de maravilha ou milagre (Stafford e

Terpak, 2001). Um dispositivo é considerado um pequeno instrumento ou

mecanismo o que possui uma finalidade particular ou uma função.

Para Diana Domingues (2009), se a arte é destinada a certos

fins ou funções, então deveria ser categorizada como arte aplicada, design,

produto comercial, etc., portanto, por definição, arte e dispositivo se

contradizem mutuamente.

VIDEO BULB, um produto disponível comercialmente e

desenvolvido pelo artista Ryota Kuwakubo. O produto é distribuído por

Yoshimoto Kogyo Co. Ltd., que não tem nada a ver com aparelhos elétricos ou

computadores, mas é uma operadora muito conhecida no Japão por seu papel

Page 22: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

29

dominante no suprimento de comediantes para teatros e programas de TV (

fonte: http: //yoshimoto.co.jp/).

VIDEO BULB é na verdade um dispositivo para memória. Quando é conectado à entrada de vídeo de um monitor de TV, aparece na tela uma seqüência de animação criada pelo artista. Nada poderia ser mais simples. A animação consiste em grandes pixels que representam uma figura humana virtual que dança, corre e pratica outras ações. O artista desenvolve o software de animação também. A idéia surgiu originalmente de um sistema grande de wal-display para performance que Kuwakubo desenvolveu para Maywa Denki, com quem costumava colaborar. A versão em menor escala, que pode ser vestida, também está disponível comercialmente como BITMAN, também da Yoshimoto Kogyo.(KUSAHARA, 2009 p.385)

Segundo Kusahara (2009) há certas características

compartilhadas entre esses “produtos artísticos” como o VIDEO BULB e outros

dispositivos criados por artistas. São de fácil utilização e tornam transparente o

uso que fazem da tecnologia. O design é simples, sem decoração. São usados

materiais industriais como metal e plástico. Eles aparecem simples e práticos,

mas a idéia e a função se originam de seus conceitos artísticos. São

dispositivos que convidam os usuários a descobrirem uma nova forma de

criatividade, um canal inesperado de comunicação ou um ponto de vista

alternativo na compreensão das mídias. Os usuários divertem-se com esses

produtos a sua maneira, a qualquer hora, em qualquer lugar, em vez do acesso

limitado apenas a uma galeria ou museu.

(Fig.5)Ryota kuwakubo-VIDEO BULB 283X221 pixels

Fonte: http://www.gadgetmadness.com

Page 23: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

30

Na era das tecnologias de reprodução em massa, objetos

projetados feitos de plástico ou outro material comum, de baixo custo, são

fabricados em incontáveis cópias, de modo que qualquer pessoa pode

desfrutar dele como parte do seu estilo de vida. As tecnologias digitais

possibilitam cópias idênticas sem distinção entre o que é original e o que é

cópia. A questão que Benjamin (1980) colocou encontra-se agora em um

estágio ainda mais crítico. O que é a “aura” de uma obra de arte na era das

tecnologias de reprodução em massa?

Um artista pode perguntar-se: vender uma obra de arte a um

colecionador (a um preço extraordinário) é um ato respeitoso, correto, por que

seria considerado fora da “arte” entregar muitas delas a jovens entusiastas, a

um preço razoável, através de canais mais acessíveis? E se as obras de arte

pudessem ser reproduzidas e distribuídas amplamente até em lojas de

conveniências, por exemplo? Qual seria a diferença entre arte, design e

produtos comerciais? Para a crítica Kusahara essas não são perguntas fáceis

de responder, mas precisamos encará-las. (KUSAHARA, 2009)

3.3- Arte ou entretenimento? Obra de arte ou trabalho

comercial?

Para a criatividade japonesa nenhuma combinação parece

impossível. No design japonês, assim como na produção industrial, o espírito

lúdico prevalece. Internacionalmente os trabalhos japoneses são considerados

novos e revigorantes, conservando traços da cultura japonesa. Os maiores

destaques estão entre os artistas na criação de personagens virtuais e as

pinturas colaborativas para a PLAYSTATION 2 da Sony. Na ilustração de jogos

e entretenimento virtual destaca-se principalmente Toshio Iwai, um dos artistas

mais bem conceituados (e bem pago) do Japão. Na SIGGRAPH 2005, TENORI

ON, um trabalho criado pelo artista, que desenvolveu um protótipo com a

Yamaha, atraiu muita atenção para suas características únicas e design

refinado. A peça consiste de uma matriz de botões iluminados touch-ativada

Page 24: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

31

(ativada pelo toque) que servem como mecanismo de entrada e saída. Depois

de ter explorado uma idéia semelhante para os anos em diferentes

plataformas, incluindo máquinas de jogos portáteis e telefones celulares, o

artista considera esta a versão final. O trabalho é um dispositivo que permite a

qualquer pessoa reproduzir som e desfrutar da imagem sem qualquer processo

de aprendizagem, é simples, bonita e independente, com interação aberta para

os usuários. Como a peça é feita de acrílico transparente, para tornar os

padrões de luz visível de qualquer direção, a sua função também se torna

transparente. A escolha dos materiais é, portanto crucial para a realização do

conceito do artista. (KUSAHARA. Device Art: Uma nova forma de Media Art a

partir de uma perspectiva japonesa www.waseda.ipq/top/index-e.html)

(Fig.6) – Toshio Iwai – TENORI – ON 430 X 363 pixels

Fonte: http://www.gadgetmadness.com

Esse exemplo mostra uma combinação de interação, a

aplicação do material físico e dispositivos feitos por medida, a tecnologia não é

Page 25: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

32

tratada como algo que deve permanecer escondido por trás de um conceito

artístico, ou algo que instiga o medo, mas sim, é uma parte importante dessas

obras para tornar visível para o público/participantes que a tecnologia tem para

oferecer. No entanto, isso não significa que as tecnologias utilizadas são

idealizadas. Mesmo os riscos que acompanham a tecnologia podem ser

representados de forma lúdica, como no caso do desempenho de Maywa Denki

e feito por instrumentos eletrônicos. Os circuitos, ocasionalmente, emitem

faíscas quando os instrumentos são tocados pelo artista, que comenta, volts

“Cem- muito perigoso”. (KUSAHARA. Device Art: Uma nova forma de Media Art

a partir de uma perspectiva japonesa<www.waseda.ipq/top/index-e.html>)

A estreita ligação entre arte, entretenimento, design e, como

no caso de artistas que criam obras em plataformas de jogos, ou produtos

comercialmente disponíveis, também pode parecer problemático a partir de

uma perspectiva ocidental. Toshio Iwai do TENORI-ON, o qual foi referido

anteriormente, foi desenvolvido com a colaboração da Yamaha. Sua

Electroplankton é uma obra de arte para ser jogada no jogo da máquina de

Nintendo DS. Como no caso de TENORI-ON, o software solicita aos usuários

desfrutar as experiências audiovisuais que eles criam. (IBIDEM)

O domínio japonês da artemídia (segundo dados da

SIGGRAPH) se deve principalmente a avançada tecnologia e contextos

inovadores e surpreendentes, resultado da divertida cultura japonesa de

mixagem e intuição. Os japoneses vendem suas artes comercialmente e não

têm problema nenhum quanto a verem seus trabalhos como produtos nas

empresas. Para eles o importante é por em prática seus conceitos e o

resultado de suas artes. (KUSAHARA, 2003)

3.4- O RENGA e a Criatividade Coletiva

No mercado da arte é comum o uso da frase “assinado pelo

artista”, uma autorização do autor da obra em peças originais. Essa

originalidade vem sendo muito questionada pela arte contemporânea. A

internet e a tecnologia digital vêm mudando o significado do fazer arte, assim

como o papel do artista, essa autorização se torna duvidosa.

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33

O RENGA (“imagem ligada”) é um projeto artístico realizado

por Toshihiro Anzai e Rieko Nakamura desde 1992 e está diretamente ligado a

tradições japonesas. Machiko Kusahara descreve como funciona o RENGA:

No método do RENGA, uma imagem produzida por um artista é enviada a outro artista através da rede para ser modificada e transformada em outra imagem. Ao repetir o processo, uma série de pinturas digitais é criada. Cada pintura é o resultado da interação entre a imaginação de um artista e a de outros que o procederam e influenciaram direta (oferecendo fragmentos para serem usados) ou indiretamente (inspirando o participante seguinte com sua imagem).(KUSAHARA, 2003, pg.233)

O artista Rieko Nakamura (vide figura 1 e 2), no site do

RENGA sustenta idéia que na arte em geral modificar a pintura de outra

pessoa está fora de questão. Mas na arte digital não existe cópia ou original.

Através da imaginação colaborativa do RENGA se chegou a resultados

extraordinários. Os japoneses descobriram que modificar a imagem criada por

outra pessoa não significa apagar uma parte dela, mas compreendê-la, extrair

um pouco da essência do outro. Também notaram que para abrir uma

paisagem nova dentro de uma imagem já existente é preciso muita imaginação.

O projeto intensifica a criatividade ao mesmo tempo em que confronta com a

idéia tradicional da arte.

(Fig.7) Rieko Nakamura,RENGA 640x480x209k ( Fig.8)Rieko Nakamura,RENGA 640x480x209k

Fonte das imagens: http//www.renga.com

Page 27: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

34

Através do método do RENGA os artistas têm seus

horizontes ampliados, pois começam a se dar conta do que eles tinham feito

até então e no que eles não haviam pensado. Os artistas preferem fugir da

originalidade do “assinado pelo artista” em busca de resultados inovadores,

não se limitam a fazer arte tradicional e encontram na interação influência

mútua e inspiração dentro da tecnologia digital. [fontes:http\\www.renga.com]

Outro ponto importante que faz com que os japoneses

estejam no topo da arte contemporânea midiática é mais um aspecto de sua

cultura: a comunicação aberta entre os japoneses. Enquanto o Ocidente tem

características extremamente individualistas, os japoneses tendem a ver o

mundo tanto através de seus olhos como através dos olhos dos outros, o que é

fundamental, pois eles adquirem uma sensibilidade maior em criar uma arte

que nos atinja profundamente.

Outro diferencial é a relação entre os japoneses, os animais e

a natureza, nessa existe uma troca de energia e respeito muito maior que em

outras culturas. Produtos japoneses de entretenimento em vida artificial como o

TAMAGOTCHI e os POKEMONS refletem a tradicional atitude japonesa sob re

a relação entre seres humanos e animais.

O PostPet, software mais vendido no Japão entre 1998 e de

extrema popularidade hoje, também é baseado na vida artificial e possibilita

que um animal de estimação digital viva no computador do usuário. Com

personalidade e vontades próprias de um animal, ele envia emails aos amigos

desse usuário.

Page 28: Duarte, glaucia benini   artemídia contemporânea japonesa a visão de um ocidental

35

(Fig.9)Post Pet – Software 1998 425x312pixels

Fonte:http://www.so-net.ne.jp

A comunicação é a peça chave na arte de entretenimento

nipônica, eles se comunicam mais por entretenimento do que por razões

práticas. E se pensarmos em jogos eletrônicos, percebemos que muitas vezes

eles foram usados como ferramenta para a comunicação entre amigos.

(KUSAHARA, 2003).

Em um país como o Japão, campeão em inovações

tecnológicas e com um dos maiores números de internet banda larga do

mundo, conforme dados da Internet-usage statistics é natural o envolvimento

dos artistas em softwares como o PostPet que acabou se tornando uma obra

de arte e entretenimento em grande escala para o

público.(http://www.internetworldstates.com)

kusahara (2009) defende a idéia de que as “belas-artes” se

friccionam com a cultura do entretenimento, lembrando que os futuristas

usaram um volante de automóvel como objeto-fetiche, e fala dos mutoscópios8

8 Mutoscópio – segundo o dicionário Aurélio, é uma espécie de aparelho cinematográfico de contador, em

que aparece toda uma série de película impressionadas, representando cenas interrompidas, que opera

na retina como um cinematógrafo comum.

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36

e peep shows9 para diversões de teor sexual, numa ligação da arte com a

cultura popular. Kusahara com a modalidade da device art caracteriza a cultura

japonesa por não estabelecer limites entre a arte erudita e arte popular. Sabe-

se que na história da arte, Picasso, Braque, assim como dadaístas e

surrealistas, não fizeram distinção entre arte e não-arte, artista e não artista.

Duchamp e seus ready-mades são exemplificados em extremos do uso de

coisas prontas pela cultura japonesa digital, que nunca teve como premissaa

diferenciação entre arte aplicada ou inferior.a cultura digital é de forte gosto

oriental, como cultura dos objetos, gadgets10 , pets11 dotados de dispositivos

eletrônicos.

Na década de 1970, o exemplo emblemático de Paik traz o

gosto pelo excesso, pela mistura que motivou Cage, Rauschemberg e

Lichtenstein entre outros expoentes do pop a diferenciar o paradigma

tradicional da diferenciação entre produto de consumo e arte, questionando

valores e propondo a arte na vida, no melhor estilo duchampiano.

Reexaminando arte, ciência e tecnologia do ponto de vista dos aspectos

contemporâneos, a device art acentua que a escolha da tecnologia é decisiva

para definir a atribuição do tema e do conceito do projeto artístico. Difere,

portanto, da arte tradicional, em que o conteúdo ou o fenômeno pode estar

separado da natureza da obra. (DOMINGUES, 2009).

Se a arte erudita, arte popular, artesanato ou design se

mesclam sem distinção com a noção final da arte, Kusahara (2009) lembra que

esses valores ocidentais entram na cultura oriental somente no final do século

XIX com o termo japonês para arte, bijutsu, que significa “bela arte visual”,

enquanto geijutsu significa arte em um sentido amplo, como música, cinema ou

9 Segundo a Wikipédia, é uma exposição de fotos, objetos ou pessoas vistas através de um pequeno

buraco ou lupa, dentro do contexto também se refere a uma forma de entretenimento fornecido por

showmans, mais comumente com conteúdo erótico.

10 Em inglês:dispositivo. É um equipamento que tem um propósito e uma função específica, prática e útil

no cotidiano. São exemplos de gadgets dispositivos eletrônicos portáteis como celulares e smartphones.

11 Dentro do contexto, animais virtuais.

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37

teatro. Um período de rápida modernização da cultura japonesa ocorreu depois

da abertura das fronteiras para países estrangeiros e para a influência de

missionários jesuítas. Mas o culto a ferramentas e objetos funcionais, que

sempre primaram pela estética do uso, e que passa a ser a essência da arte

interativa com a experiência humana em foco, homologa a modalidade da

device art. A relação da arte com a indústria e os inventos tecnológicos traz a

confluência natural entre engenheiros, cientistas e artistas, ao mesmo tempo

em que a produção artística ganha o circuito comercial e sai do ambiente

exclusivo da arte. “Transformar a arte em produto comercial é um desafio que

pode render preços mais acessíveis” diz Kusahara (2009, pg. 218), lembrando

que os produtos artísticos e suas interfaces precisam ser mais robustos e

eficientes para o uso de um grande número de pessoas. A familiaridade dos

japoneses com tecnologias no ambiente de trabalho, executando tarefas de

operários é lembrada por Kusahara nos robôs em cerimônias de boas-vindas

aos colegas, reativando o animismo, próprio da criança quando usa brinquedos

digitais, bem como em hábitos japoneses como a cerimônia do chá, que usufrui

esteticamente da tigela, ou os celulares no Japão, cujo cartão de memória vem

em formato de sushi. Isso para reforçar a idéia de que o conteúdo está na

própria forma, como detonadora da experiência vivida, exemplo encontrado em

um robô com uma xícara de chá em suas mãos. Logo, o processo de

automação também está ligado ao prazer dos dispositivos projetados para uma

experiência hoje expandida pela mobilidade e a conexão a rede, de qualquer

lugar, acentuando o ganho no uso popular e a função educativa e cultural.

A visão de Kusahara das tecnologias como elementos

positivos, uma vez que “ser crítico não significa ser negativo” é lembrada com o

exemplo da crítica de Paik ao subverter circuitos de televisão, modificar formas

de apresentação dos aparelhos, entre o irônico e o lúdico, em críticas ao

capitalismo pela incorporação de coisas à margem do uso, tanto cientifico

como técnico, atribuindo-lhes novo conteúdo. A device art inclui não só objetos

manufaturados ou industrializados, mas elementos naturais como frutas e

legumes.

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38

Com seus comentários, Kusahara (2009) colabora para as

intervenções sociais do artista na adequação do aparato tecnológico, apontada

por Benjamim, pelos diálogos do homem com o contexto tecnológico, na perda

da aura e na afirmação da cultura de massa. Os “modos de usar”, ligados a

geração de hardwares e softwares como aparatos especulativos e críticos,

numa função estética além da estética do gosto, traçando especificidades do

gosto japonês, com o conceito de Gutai como manifestação artística

incorporada ao cotidiano permeado pelas interfaces, numa “arte dos S”,

conceito de Bárbara Stafford, trazido por Kusahara, em que características da

cultura japonesa reverberam na arte contemporânea.

3.5- O Papel do Artista Japonês na Artemídia

As recentes histórias de sucesso internacional dos jogos

eletrônicos japoneses, histórias em quadrinho manga e filmes anime

levantaram, a um só tempo, expectativas a uma crescente consciência do

papel que a cultura japonesa pode desempenhar nos campos das artes visuais

e do entretenimento. Também na arte contemporânea os artistas japoneses

têm atraído atenção internacional pela maneira de lidarem com as culturas das

mídias contemporâneas, muitas vezes impressionantes do ponto de vista

visual. Artistas como Takashi Murakami, Kenji Yanobe e mariko Mori já

traduziram a influência da cultura popular japonesa na arte contemporânea.

(KUSAHARA, 2003)

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39

(Fig.10) Murakami – Louis Vuitton – 540x360 pixels

Fonte: http://www.gadgetmadness.com

Kusahara afirma que os temas lidados pelos artistas

contemporâneos japoneses são essencialmente universais, razão pela qual

seus trabalhos são altamente apreciados internacionalmente, muitas vezes o

enfoque que esses artistas adotam mostra certas características únicas com a

fusão de arte, entretenimento, comercialização e tecnologia. Eles trabalham

com a idéia da identidade, a originalidade e a subjetividade em suas obras de

arte têm uma forte relação com o contexto cultural. Num certo sentido, a cultura

das mídias japonesa tem uma forte natureza pós-moderna, refletindo sua

história, no qual os japoneses introduziram diferentes elementos culturais de

vários países, sempre os mixando e reinventando-os.

Ao combinar novas tecnologias e ao encontrar um paradigma

conveniente na cultura tradicional, a cultura japonesa das mídias digitais

parece estar se dirigindo para um novo estágio de criação de uma nova

linguagem visual. No entanto, Kusahara alerta para os problemas que surgirão

desse processo, especialmente quanto à noção da realidade com personagens

virtuais e animais de estimação digitais. De certo modo é papel do artista

expandir a imaginação do seu público. Mas o que acontecerá quando a

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40

fronteira da imaginação estiver sendo questionada em escala global?

Tecnologias como realidade mista, displays grandes e claros, telefones

celulares com imagem e som de alta qualidade, com conexão para a internet e

imagens fotorealistas, que se tornaram padrão em jogos e nos filmes de

Hollywood, tem dissolvido as fronteiras entre o mundo real e a imaginação.

(KUSAHARA, 2003)

Aqui está a questão sobre o papel do artista. Será que os artistas que trabalham com as mídias devem ser conscientemente responsáveis pelas novas possibilidades que eles abrem em nossa cultura visual, ou seu papel é apresentar possibilidades e problemas que se enfrentamos agora com novas tecnologias digitais, e deixar que pensemos numa solução? Não é apenas uma questão que artistas japoneses enfrentariam, mas talvez eles tenham que enfrentá-la antes que ela fique mais séria no resto do mundo. Minha resposta é: não se deveria exigir que os artistas fossem sempre politicamente corretos. Por outro lado, artistas são profissionais na visualização das dimensões ocultas de nossas sociedades, assim como do futuro possível. Eles não são os marginais da sociedade, mas podem desempenhar papéis importantes no projeto de novas formas de comunicação digital, como alguns artistas japoneses citados aqui. E uma tarefa dessas pode se tornar possível com a ligação que eles criam com o patrimônio cultural que está na base de toda sociedade. (KUSAHARA, 2003 p.245)

Segundo Diana Domingues (2009), o papel que a artemídia

desempenha na história da arte ainda não foi completamente explorado, e as

questões levantadas por pessoas como Walter Benjamim, Marcel Duchamp e

Nam June Paik não foram completamente respondidas em um contexto de arte

multimídia. Ainda não se encontrou um paradigma de arte coerente para captar

o impacto da era das tecnologias de reprodução digital.

Santaella (1996), afirma que cada período da história da arte

foi marcado por sua própria mídia específica, o que caracterizou sua produção

artística, por exemplo, a cerâmica e a escultura na Grécia antiga, a pintura a

óleo no Renascimento, a fotografia nos tempos modernos etc. Um dos desafios

que os artistas têm de enfrentar é dar novas formas as linguagens e mídias

herdadas do passado. Hoje, ainda é possível criar esculturas, pinturas ou

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41

fotografias porque os artistas são sempre capazes de produzir uma linguagem

contemporânea das mídias herdadas das artes.

Encontrar a linguagem criativa para a nova mídia e reinventar

as linguagens da arte é a tarefa mais desafiadora que os artistas têm de

enfrentar continuamente. As mídias apropriadas de nosso tempo são

tecnologias digitais, memórias eletrônicas, hibridizações de ecossistemas com

tecnossistemas, e o resultado deste desenvolvimento é uma crescente

sobreposição das artes com a ciência. Os artistas que exploram esses novos

territórios são aqueles que mostram a face humana da ciência e da tecnologia,

uma face sem a qual a arte permaneceria desconhecida. Santaella defende a

idéia de em tempos de mutação científica, tecnológica e cultural, nós temos de

estar com os artistas que estão cientes dessas mutações, prestando muita

atenção ao que estão fazendo. Os artistas que estão explorando a arte, a

ciência e a tecnologia são os que sabem como sentir, no ar do presente, os

ventos invisíveis de criação soprando em direção ao futuro. (SANTAELLA,

2006).

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4- AS PRINCIPAIS PRODUÇÕES DOS ARTISTAS JAPONESES

DENTRO DA ARTEMÍDIA

Nos últimos anos, obras de artistas japoneses têm sido

mostradas amplamente no campo da artemídia. Não apenas obras de artistas

como Toshio Iwai, Kazuhiko Hachiya ou Maywa Denki, mas também uma

grande variedade de trabalhos das gerações mais jovens está sendo exibida

internacionalmente. (KUSAHARA, 2009)

Observa-se com muita freqüência que muitos desses

trabalhos do Japão têm características em comum. Provavelmente a

característica mais notável é a atitude lúdica em relação à tecnologia. O

trabalho de Toshio Iwai serve como exemplo. Os participantes são convidados

a desfrutar de experiências surpreendentes com suas obras, o que é possível

devido às tecnologias que ele desenvolve e combina. Embora as tecnologias

não estejam escondidas e a interação seja transparente- os espectadores

entendem o que está acontecendo-, o resultado é simplesmente incrível, como

no caso de seu recente trabalho MORPHOVISION- distorted house (fig.11).

Nessa peça, uma casa em miniatura e seus arredores (incluindo figuras

humanas simplificadas), sobre uma mesa giratória, ficam distorcidos de várias

maneiras diferentes, à medida que os participantes modificam livremente a

maneira como a mesa gira e o modo no qual a luz estroboscópica pisca ou

pára. Essa transparência da tecnologia pode ser observada na maioria dos

trabalhos de Iwai. O artista projeta suas próprias interfaces baseadas em

hardware para permitir uma grande variedade de interações. Em vez de

convidar os participantes a navegar pelo mundo que o artista criou, cada

trabalho parece-se mais com uma arena na qual as ações dos participantes

determinam o conteúdo do trabalho. Por exemplo, Sound Less (2001) de Iwai

(fig. 12), permite que os participantes transformem dinamicamente padrões de

luz aleatórios (como imagens gráficas coloridas preparadas pelo artista, vídeos

de circuito fechado mostrando os participantes, ou cenas de paisagens) em

seqüências de sons por meio de um circuito optoeletrônico, a medida que

perambulam livremente com seu pequeno dispositivo na mão. O artista

projetou tanto o hardware, como o software (um programa que transforma um

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pouco de luz em som), os quais possibilitam os usuários desfrutar da sua

própria música. (http://www.nhk.or.jp)

(Fig.11) IWAI- MORPHOVISION- distorted house 500x375pixels

(Fig.12) IWAI – SOUND LESS (2001) 350X429 pixels

FONTE:[http://www.art.wakaba.net]

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Essas características não são limitadas a arte de Iwai. Inter

DisCommunication Machine (1993), de Kazuhiko Hachiya, deixa dois

participantes “intercambiarem” sua visão e som por meio de um capacete de

realidade virtual patenteado, projetado pelo artista (fig.13). Cada capacete

possui um sistema sem fio com entrada e saída de vídeo e som- a entrada

visual é enviada do outro capacete. O artista organiza o cenário

cuidadosamente, mas o conteúdo da experiência fica por conta dos

participantes.

(Fig.13) HACHIYA – InterDisCommunication Machine (2009)540X360pixels

FONTE:http://www.petworks.co.jp/hachiya/works/índex.html

Segundo Kusahara (2009), não há duvida que os projetos do

Japão tenham se tornados visíveis ao longo dos últimos anos na exposição

Emergent Technologies (E-Tech) da conferencia Siggraph, a mais importante

conferencia internacional em computação gráfica e suas aplicações. Em 2005,

mais da metade dos projetos selecionados para a E-Tech eram do Japão,

incluindo vários trabalhos de estudantes.

O programa exibe trabalhos e projetos experimentais em

colaboração com a galeria de arte Siggraph, que exibe obras de arte usando

tecnologias digitais. (KUSAHARA, 2009)

O material escolhido é importante para que os usuários se

mantenham em contato com o mundo real. Às vezes, os participantes-usuários

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são convidados a descobrir a natureza inesperada de um material particular,

que se tornou visível por meio da idéia do artista com a ajuda da tecnologia

midiática. Por exemplo, Protrude, flow (2001), de Sachiko Kodama e Minako

Takeno, é uma peça interativa que usa fluido magnético. A combinação de

fluido, campo eletromagnético e sistema de input sonoro criam uma animação

dinâmica em tempo real do fluido preto, brilhante que muda de acordo com o

imput sonoro

(Fig.14)KODAMA E TAKINO – Protrude Flow 1000 x 662pixels

FONTE: [http://cosmos.hc.uec.ac.jp/protrudeflow/works/002/]

Kusahara (2009, pg. 48) afirma que “enquanto as tecnologias

de informação ficam mais invisíveis e ubíquas em nossa vida diária, os artistas

ajudam a revelar o que está acontecendo na caixa-preta da tecnologia”. Nesse

sentido, a device art tem um lado educativo: fazerem as pessoas se

interessarem pela natureza da tecnologia.

4.1- Maywa Denki

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Maywa denki, que significa Maywa Electric Company, é uma

unidade de arte fundada por dois irmãos, Masamichi e Nobumichi Tosa. Depois

de Masamichi se aposentar por idade, Nobumichi assumiu como presidente da

companhia que é formada por músicos profissionais e estagiários.

Comportando-se como se fosse uma verdadeira e típica empresa industrial

menor que produz pequenos aparelhos elétricos, eles apresentam

“demonstrações do produto” dos estranhos instrumentos musicais que

inventam. O título de Tosa é “Ceo” em vez de artista. Durante a performance

eles vestem os uniformes típicos usados por engenheiros elétricos. Os

“produtos” da companhia estão disponíveis comercialmente em forma de

chaveiros de preço acessível ou uma série de apetrechos divertidos ao estilo

de brinquedos, bem como instrumentos robóticos em grande escala. O

“Sindicato dos Trabalhadores da Maywa” publica um boletim de aparência

barata todo mês para seus fãs. O que Maywa Denki torna especial é o status

do artista. Vários anos atrás, os irmãos tomaram a decisão de serem

contratados pela Yoshimoto Kogyo, a maior empresa de produção do Japão no

campo de comédias stand-up. Tosa é oficialmente um humorista que recebe

um salário da empresa, juntamente com comediantes que se apresentam na

TV ou no palco [IBIDEM]. Maywa Denki tomou uma decisão consciente de

deixar clara uma mensagem em vários níveis sobre a relação entre arte,

entretenimento, negócios, comercialismo e sociedade. Suas apresentações

irônicas são sempre muito divertidas e assistidas por fãs

entusiastas.(http://www.maywadenki.com)

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(Fig.15)M. DENKI – knockFamily 408 x 214 pixels

(Fig.16) M. DENKI –Tsukuba 1762 x 1181pixels

(Fig.17) M. DENKI –Colon 409 x 400 mm

FONTE: http://www.gadgetmadness.com

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4.2-Kazuhiko Hachiya

A série de trabalhos de Kazuhiko Hachiya, que pertence a

uma geração mais jovem de artistas que trabalham com mídias, segundo

Kusahara (2003), é o caso mais interessante na cultura das mídias no Japão

atualmente. Em seus trabalhos, o contexto cultural desempenha um papel

importante na criação de uma série de projetos artísticos formidáveis que

tratam a natureza da comunicação. O fato de serem divertidos e

comercialmente bem-sucedidos foi decisivo para conferir vigor e importância a

seus trabalhos.

Com seu Mega Diary, cem participantes carregam seus diários na rede por um período de cem dias e compartilham suas vidas sem nem mesmo se encontrarem no espaço real. È um projeto contínuo que acontece cem vezes, cujo resultado deverá ser um “megadiário”. Em cada sessão do Mega Diary os participantes ficam conhecendo em detalhes a vida de cada um deles durante três meses através de seus diários. O projeto mistura a vida diária de uma pessoa com as vidas de outras pessoas, e remove psicologicamente as fronteiras entre elas. Uma comunidade virtual é formada na rede quando uma pessoa compartilha (pelo menos até certo ponto) sua privacidade com a privacidade dos outros, mais do que uma família de verdade o faria. Na instalação interativa de Hachiya, Seeing is believing,(fig.18) baseada no Mega Diary, os visitantes podem ler esses diários através de um sistema de codificação/ decodificação óptica desenvolvido pela própria artista. (KUSAHARA, 2003, pg. 240)

No Japão, contudo Hachiya é mais conhecida tanto do

público como da indústria como a inventora do software PostPet, já citado nos

capítulos anteriores.

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(Fig.18)HACHIYA - Seeing is believing ,(1996), instalação

FONTE:http://www.art.wakaba.net

4.3- Takashi Murakami

O artista contemporâneo Takashi Murakami questiona

parâmetros tais como a originalidade e autenticidade de imagens através do

processo de produção e distribuição de seus trabalhos. O artista cresceu lendo

história em quadrinhos e depois foi treinado na academia de pintura japonesa

tradicional. Seu trabalho reflete essas duas tradições visuais em vários níveis.

(KUSAHARA, 2009)

(Fig.19) MURAKAMI – Daruma 375X298 pixels

FONTE: http://www.art.wakaba.net

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Os trabalhos de Murakami são produzidos por meio de um

sistema fabril, com pintores assistentes e estudantes internos, enquanto suas

esculturas como meninas com seios grandes e olhos exagerados-

representando o gosto típico de anime (animação japonesa)- são

encomendadas a modeladores profissionais. Esse tipo de sistema de fábrica

era padrão tanto na pintura tradicional Kano-ha como na impressão com blocos

de madeira, e é usado atualmente por artistas populares de histórias em

quadrinhos e por estúdios de animação. O sistema de produção de Murakami é

seu comentário sobre “arte”, referindo-se tanto as noções japonesas de arte,

originalidade, entretenimento e produtos comerciais, como aos conceitos

duchampianos de apropriação e ready-made, o já pronto. (IBIDEM)

Murakami foi um passo alem em 2003, ao publicar versões em miniaturas de dez de suas esculturas, incluindo Ms.Ko2(fig.20) e Hiropon. Modelos redimensionados foram criados pelos mesmos modeladores profissionais que fizeram os “originais”. Isso significa que são igualmente trabalhos originais de Takashi Murakami, se as versões originais em escala natural também o são. A diferença é que as miniaturas (fig.21) foram produzidas em quantidade (quinze mil peças de cada, numeradas), cada uma delas enumeradas numa caixa lacrada, como um brinde, com um chiclete, e vendida exclusivamente em lojas de conveniência ao preço de 350 ienes (em torno de R$6,00). Oficialmente apresentada como uma extra ao chiclete, vendida na mesma prateleira com outras guloseimas, esvazia-se a identidade de uma miniatura como objeto de arte- embora se torne imediatamente objetos colecionáveis. Já que os clientes não podem saber que personagem encontrará numa caixa lacrada, acabam comprando muitas caixas até conseguirem todos os personagens. Assim a arte chegou à cultura das coleções, do acaso e do comércio. (KUSAHARA, 2009, pg. 372)

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(Fig.20) MURAKAMI – Ms.Ko2 192x374 cm

(Fig.21) MURAKAMI – As dez miniaturas

FONTE: http://www.art.wakaba.net

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Segundo Kusahara (2009), uma série de bolsas Louis Vuitton

com personagens de Murakami (fig.22) é outra forma extrema de

comercialização da arte. Enquanto a ironia deve fazer parte desse conceito-

Louis Vuitton se tornou sinônimo de “marca” entre jovens japonesas-, o artista

conscientemente revive a tradição da arte aplicada.

(Fig.21)MURAKAMI – Arte aplicada nas bolsas da grife Louis Vuitton, 480x351 pixels

FONTE: http://www.louis-vuitton-review.com

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CONCLUSÃO

Durante as pesquisas levantadas ao longo do curso de Artes

visuais, o tema escolhido: Artemídia contemporânea japonesa- foi o movimento

que mais me cativou pela valorização da criatividade, o desprendimento e

inovação dos artistas japoneses.

Estamos vivendo um período de intensas inovações

tecnológicas e se o papel do artista, como destacou Ernest Fisher é

“representar seu tempo e a humanidade em consonância com suas idéias e

aspirações”, pode-se dizer então que os japoneses estão cumprindo seu papel

com êxito.

Após uma longa série de pesquisas dentro do tema abordado

posso destacar alguns pontos fundamentais: Primeiro, artistas japoneses que

trabalham com as mídias trataram muitas vezes das questões que seus

colegas ocidentais também trataram, no entanto as pessoas observam um algo

a mais em seus trabalhos, uma espécie de marca distinta japonesa que se

deve a raiz cultural do país. Segundo; o que era considerado valor óbvio em

cada cultura perdeu sua estabilidade. Por sua vez, elementos embutidos em

cada cultura desempenham um papel importante na maneira como a cultura

digital evolui. O terceiro ponto é a mudança dos paradigmas que a artemídia

vem trazendo, a produção artística ganha o circuito comercial e sai do

ambiente exclusivo da arte. Essa transformação da arte em produtos

comerciais, chave da artemídia japonesa, é um desafio que pode render preços

mais acessíveis, lembrando que os produtos artísticos precisam ser mais

robustos e eficientes para o uso de um grande número de pessoas.

Sabe-se que artes das mídias se constituem ainda em um

cenário de experimentação, os artistas contemporâneos estão absorvendo a

cultura da globalização e desenvolvendo novas formas de fazer arte dentro das

novas possibilidades dos avanços tecnológicos. Sinto-me privilegiada por

compartilhar dessas pesquisas e por ter alcançado respostas a minhas

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indagações e buscas dentro do tema, ainda que nem em todas eu tenha obtido

êxito, pois muitas questões levantadas ainda estão em formação na atualidade.

Hoje as tecnologias de mídias digitais estão mudando nossa

vida e cultura, sendo assim o paradigma de arte não conseguirá permanecer o

mesmo, os conceitos estão mudando e nós somos co-participantes desse

processo.

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REFERÊNCIAS

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CARVALHO, Nadja. Arte contemporânea em questão. Joinvile, SC: UNIVILLE, 2007. Pg. 32.

DOMINGUES, Diana. Arte, ciência e tecnologia. São Paulo: UNESP, 2009. Pg. 45 a 52.

FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. 9º Ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. Pg. 13 a 17.

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______. Device Art: Uma nova forma de Media Art a partir de uma perspectiva japonesa <www.waseda.ipq/top/index-e.html> acesso em

______. Estudo sobre a arte midiática contemporânea japonesa. In: DOMINGUES, Diana (org.) Arte e vida no século XXI. São Paulo: UNESP, 2003. Pg. 225 a 245.

______. Sobre a originalidade e a cultura japonesa. São Paulo: UNESP, 1997. Pg. 147 e 148.

ORTIZ, Renato. O próximo e o distante: Japão e modernidade- Mundo. 1ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 2000.

OSBORNE, Harold. Estética e teoria da arte: uma introduçao historica. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1978. 96 p.

SAID, Edward W. Orientalismo; o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Letras, 1990.

SANTAELLA, Lúcia. Cultura das Mídias. 2º Ed. São Paulo: Experimento, 1996.

SCHODT, F. Inside the robot Kingdon: Tóquio: Kodansha Publishing, 1988. Pg. 46 a 49.

YOSHIHARA, Jiro. O manifesto Gutai. Geijutsu Shincho, 1956. Pg. 169.

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CURRICULUM

Dados Pessoais:

Nome: Glaucia Benini Duarte

Data de nascimento: 29/09/1988

Endereço: Rua Feldspatos, 208

Estado civil: solteira

Naturalidade: Campo Grande, MS

Contato: (67) 8462-3077 / 3387-3730

Email: [email protected]

Formação Acadêmica:

Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Ano de conclusão do curso: 2010

Experiência profissional:

Estágio na área de criação na agência M3 Marketing / Ano: 2009 /

fone: (67) 3342-0002

Jornalista atuante no Jornal de Domingo/ fone: (67) 3029-7778

Cursos relacionados:

Informática básica- CEDASPY

Inglês- CCAA

Capacitação em Artes e Cultura 2010: Oficina de Curadoria e Montagem de

Exposição e de Manipulação de Materiais- Fundação de Cultura de MS.

2010

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