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6 | VESTIBULAR | SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 3/12/2007 7 | VESTIBULAR | SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 3/12/2007 Apesar da agenda apertada, Sumaia, 22, não tem problemas com as notas MIRELA PORTUGAL [email protected] Quando chamavam Jamile Queiroz de fominha, ela nem se dignava a responder. No máximo, se alguém insistia em criticar, retrucava: "Gosto de aproveitar oportunidades, e daí?", e abraçava o mundo com braços e pernas. Entre calda de morango e de chocolate, um pouco das duas. Entre fazer jornalismo ou algum curso da área de saúde – seu projeto de vida inicial – a moça de 22 anos tornou-se uma feliz estudante de relações públicas e direito. Pela manhã, Jamile faz estágio num escritório de advocacia. De tarde, o curso de relações públicas é feito na Universidade Estadual da Bahia [Uneb]. À noite, mais quatro horas estudando direito na Unifacs. Ela não conseguiu resistir à tentação de transformar sua vida em uma maratona quando foi aprovada nos dois cursos, após quatro anos de tentativas em vestibulares. "Estava cheia de gás, decidi arriscar e ver qual das faculdades teria mais a ver comigo". Fazer duas graduações simultaneamente é uma opção para indecisos, insatisfeitos com a carreira ou com sede de conhecimento. Quem encara a empreitada precisa de doses cavalares de dedicação, planejamento e cuidado. Jamile já chegou a pegar 12 matérias ao mesmo tempo, e teve de reduzir seu sono para quatro horas diárias em semanas de provas mais pesadas. "No final, vira uma questão de administração, de saber organizar seu tempo", ensina. Depois de três anos, finalmente uma certeza para a estudante: direito é o seu futuro. Mas ela não acha que o sacrifício e a correria da jornada dupla foram inúteis: "Noções de escrita e comunicação são sempre importantes. E o RP, no final das contas, é um advogado da comunicação". ESCOLHA – Especialistas divergem se fazer dois cursos ao mesmo tempo vale mesmo a pena. Uns vêem na prática um aprofundamento válido na formação do estudantes, e outros questionam a qualidade de cursos feitos com menos dedicação. Ana Cláudia Gonçalves, orientadora vocacional, não acha que essa é a melhor saída para os indecisos quanto ao futuro. "O ideal é investir só em uma carreira. Boa parte dos estudantes que fazem dois cursos acabam desistindo no meio do caminho, num desperdício de tempo e energia". Mas outros fatores além das dúvidas vocacionais são responsáveis por tornar a graduação dupla uma realidade acessível. Os últimos anos foram palco da popularização do ensino superior, com vestibulares, turnos, locais e mensalidades para todos os gostos e bolsos. Só em Salvador, segundo dados do Ministério da Educação [MEC], são 52 faculdades privadas. Com essa facilidade de oferta, a pressão familiar, outro problema comum entre vestibulandos, parece ser milagrosamente resolvida. Entre a vocação e a vontade paterna, atender ambas parece a saída menos dolorosa. Em seu consultório, não é incomum Ana Cláudia receber estudantes pressionados pelos pais. "Nesses ocasiões, bato nas teclas da afinidade e vocação. Escolhas sob o peso da pressão dos pais quase sempre resultam em profissionais frustrados e infelizes". CONVERGÊNCIA – Se Jamile preferiu uma das carreiras, só a idéia de optar por apenas um caminho amedronta Sumaia Pereira, 22, sexto semestre de jornalismo na Ufba e oitavo semestre de relações internacionais na Jorge Amado. No começo, ela traçou uma estratégia bem clara: ser correspondente internacional. Hoje, apenas sonha com uma carreira futura que permeie as duas áreas, da maneira que for. "Tento direcionar minhas graduações para que eu possa aproveitar os conhecimentos de uma área na outra". Seus trabalhos de conclusão de curso buscam essa intersecção, tratando da notícia na “hegemonia internacional”. Mesmo com a agenda corrida, Sumaia nunca teve problema com notas. Para deixar as matérias em dia, ela estuda nos finais de semana e quando chega em casa. Sumaia lembra, sem saudade, da época que chegou a ter três provas no mesmo dia e pouco sono por noite. "É complicado, quase sempre os períodos de avaliação coincidem nas duas faculdades". Para completar a correria, a estudante buscava um estágio desde o terceiro semestre, mas as bancas de seleção a rejeitavam, diagnosticando "falta de tempo para dedicar-se à função". Ou então, eram serviços de inviáveis oito horas diárias. Só agora conseguiu um estágio, onde pode colocar em prática o que aprende nos dois cursos. Sumaia também se desdobra para cumprir outras exigências extra-curriculares, como horas de extensão. "Dou um jeito. Falto aulas e me inscrevo em seminários e fóruns". Natural que uma hora ela decida simplesmente jogar a toalha. A estudante não abandona as saídas com amigos, festas, namoro. As apostilas e livros são postos de lado antes que lápis, rímel e batom lhe acompanhem no happy hour do final de semana. Durante a semana, complica. O dia ainda tem apenas 24 horas. vidas CAPA Fazer mais de um curso exige dedicação e planejamento Currículo recheado nem sempre abre portas MARGARIDA NEIDE | AG. A TARDE Cansada da correria e de sempre chegar atrasada, Juliana, 22, abandonou fisioterapia e cursa “só” fonoaudiologia Nem todo mundo agüenta o tranco de fazer duas graduações ao mesmo tempo. Juliana Trinchão, 22, abandonou fisioterapia na Escola Baiana de Medicina depois de quatro semestres cursados simultaneamente com fonoaudiologia na Ufba. Um dia, acordou e descobriu que não tinha mais prazer nas aulas. “No fundo, queria mesmo fono. Além disso, o mercado é menos saturado”, diz. A identificação com os dois cursos não resistiu muito tempo à rotina puxada. Com aulas em Brotas e no Canela, Juliana sempre chegava atrasada. “Não dava para suportar por muito tempo mesmo”. Para a psicóloga Cristiane Vieira, Juliana agiu corretamente. Ela acredita que ter duas graduações no currículo nem sempre é sinal de brilhantismo. “Numa seleção de emprego, quem tem vasta formação pode ao mesmo tempo ser considerado superdinâmico ou ser tachado como uma pessoa que não se prende a nada”, aponta. A exceção viria, segundo Cristiane, se as duas formações forem complementares. “Um profissional graduado em pedagogia e letras, por exemplo, tem um nível de qualificação que não passará despercebido“. Ela sugere que o vestibulando que pretende fazer dois cursos analise o que é melhor para o seu perfil. “Quem já está nessa não deve abandonar a vida pessoal”. “PAITROCÍNIO“ – A diversão, mais especificamente as farras com os amigos, está na lista de prioridades de Vítor Reis, 23, ao lado dos cursos de licenciatura em química na Uneb e engenharia industrial elétrica no Cefet. Dividido entre as duas graduações desde 2005, Vítor decidiu usar sua manhã livre trabalhando, para dar conta dos gastos com transporte, livros e alimentação multiplicados por dois. “Muitos amigos na mesma situação têm ajuda dos pais, mas eu acabo me bancando sozinho nas despesas. Não é fácil“. Os gastos e o desgaste, porém, são pequenos diante da satisfação de Vítor de aprender em dobro. “Meu objetivo é licenciatura. Mas a engenharia me dá um diferencial, um embasamento teórico muito útil em sala de aula. Ganho mais do que perco com esse meu arranjo“. Mas, afinal, dá para acompanhar com um bom rendimento dois cursos simultâneos? Vítor acha que dedicação ajuda, mas não faz milagre. “Você nunca será 100% em todos. Ainda mais se as faculdades forem boas realmente e te exigirem muito“. Para tentar aproveitar ao máximo os currículos dos cursos, Vítor diminuiu o número de disciplinas por semestre e abriu mão da formatura em quatro anos. “Prefiro ir com calma, não me sobrecarregar. É um sacrifício, mas não me arrependo.“ Lado bom Os pontos positivos de fazer dois cursos ao mesmo tempo: Ampliação de conhecimentos Amadurecimento profissional e senso de organização Círculo de amizades duas vezes maior Possibilidade de eliminar disciplinas repetidas Diferencial no mercado de trabalho Ajuda em dúvidas vocacionais 2 Lado difícil Os aspectos negativos de encarar duas graduações ao mesmo tempo: Falta tempo para se envolver com projetos extra-curriculares, como laboratórios e monitorias Vida social em segundo plano Gastos com material, transporte e alimentação Dia-a-dia e horários atribulados Não dá para dedicar-se plenamente às duas faculdades Possibilidades baixas de estágio MARCO AURÉLIO MARTINS | AG. A TARDE

duas faculdades

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Ampliação de conhecimento s ❚ Amadurecime nto profissional e senso de organização❚ Lado bom Vida social em segundo Círculo de amizades duas vezesmaior❚ Ajuda em dúvidas vocacionais❚ Os pontos positivos de fazer dois cursos ao mesmo tempo: plenamente às Gastos com material, Possibilidade de eliminar disciplinasrepetidas❚ Não dá para dedicar-se transporte e Apesar da agenda apertada, Sumaia, 22, não tem problemas com as notas alimentação ❚ duas faculdades MIRELA PORTUGAL

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Page 1: duas faculdades

6 | VESTIBULAR | SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 3/12/2007 7| VESTIBULAR |SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 3/12/2007

Apesar daagendaapertada,Sumaia, 22, nãotem problemascom as notas

MIRELA PORTUGALm p o r t u g a l @ g r u p o a t a rd e . c o m . b r

Quando chamavam Jamile Queiroz defominha, ela nem se dignava aresponder. No máximo, se alguéminsistia em criticar, retrucava: "Gosto deaproveitar oportunidades, e daí?", eabraçava o mundo com braços e pernas.Entre calda de morango e de chocolate,um pouco das duas. Entre fazerjornalismo ou algum curso da área desaúde – seu projeto de vida inicial – amoça de 22 anos tornou-se uma felizestudante de relações públicas e direito.

Pela manhã, Jamile faz estágio numescritório de advocacia. De tarde, ocurso de relações públicas é feito naUniversidade Estadual da Bahia [Uneb].À noite, mais quatro horas estudandodireito na Unifacs. Ela não conseguiuresistir à tentação de transformar suavida em uma maratona quando foiaprovada nos dois cursos, após quatroanos de tentativas em vestibulares."Estava cheia de gás, decidi arriscar ever qual das faculdades teria mais a vercomigo".

Fazer duas graduaçõessimultaneamente é uma opção paraindecisos, insatisfeitos com a carreira oucom sede de conhecimento. Quemencara a empreitada precisa de dosescavalares de dedicação, planejamento ecuidado. Jamile já chegou a pegar 12matérias ao mesmo tempo, e teve dereduzir seu sono para quatro horasdiárias em semanas de provas maispesadas. "No final, vira uma questão deadministração, de saber organizar seutempo", ensina.

Depois de três anos, finalmente umacerteza para a estudante: direito é oseu futuro. Mas ela não acha que osacrifício e a correria da jornada duplaforam inúteis: "Noções de escrita ecomunicação são sempre importantes. Eo RP, no final das contas, é umadvogado da comunicação".

ESCOLHA – Especialistas divergem sefazer dois cursos ao mesmo tempo valemesmo a pena. Uns vêem na prática umaprofundamento válido na formaçãodo estudantes, e outros questionam aqualidade de cursos feitos com menosdedicação.

Ana Cláudia Gonçalves, orientadoravocacional, não acha que essa é amelhor saída para os indecisos quantoao futuro. "O ideal é investir só emuma carreira. Boa parte dos estudantesque fazem dois cursos acabamdesistindo no meio do caminho, numdesperdício de tempo e energia".

Mas outros fatores além das dúvidasvocacionais são responsáveis por tornara graduação dupla uma realidadeacessível. Os últimos anos foram palcoda popularização do ensino superior,

com vestibulares, turnos, locais emensalidades para todos os gostos ebolsos. Só em Salvador, segundo dadosdo Ministério da Educação [MEC], são52 faculdades privadas.

Com essa facilidade de oferta, apressão familiar, outro problemacomum entre vestibulandos, parece sermilagrosamente resolvida. Entre avocação e a vontade paterna, atenderambas parece a saída menos dolorosa.Em seu consultório, não é incomumAna Cláudia receber estudantespressionados pelos pais. "Nessesocasiões, bato nas teclas da afinidade evocação. Escolhas sob o peso da pressãodos pais quase sempre resultam emprofissionais frustrados e infelizes".

CONVERGÊNCIA – Se Jamile preferiuuma das carreiras, só a idéia de optarpor apenas um caminho amedrontaSumaia Pereira, 22, sexto semestre dejornalismo na Ufba e oitavo semestrede relações internacionais na JorgeAmado. No começo, ela traçou umaestratégia bem clara: sercorrespondente internacional. Hoje,apenas sonha com uma carreira futuraque permeie as duas áreas, da maneiraque for. "Tento direcionar minhasgraduações para que eu possaaproveitar os conhecimentos de umaárea na outra". Seus trabalhos deconclusão de curso buscam essaintersecção, tratando da notícia na“hegemonia internacional”.

Mesmo com a agenda corrida,Sumaia nunca teve problema com

notas. Para deixar asmatérias em dia, elaestuda nos finais desemana e quando chegaem casa. Sumaia lembra,sem saudade, da épocaque chegou a ter trêsprovas no mesmo dia epouco sono por noite."É complicado, quasesempre os períodos deavaliação coincidemnas duas faculdades".

Para completar acorreria, a estudantebuscava um estágiodesde o terceirosemestre, mas asbancas de seleção arejeitavam, diagnosticando "falta detempo para dedicar-se à função". Ouentão, eram serviços de inviáveis oitohoras diárias. Só agora conseguiu umestágio, onde pode colocar em práticao que aprende nos dois cursos. Sumaiatambém se desdobra para cumpriroutras exigências extra-curriculares,como horas de extensão. "Dou umjeito. Falto aulas e me inscrevo emseminários e fóruns".

Natural que uma hora ela decidasimplesmente jogar a toalha. Aestudante não abandona as saídas comamigos, festas, namoro. As apostilas elivros são postos de lado antes quelápis, rímel e batom lhe acompanhemno happy hour do final de semana.Durante a semana, complica. O diaainda tem apenas 24 horas. vidas

CAPA ❚ Fazermais de umcurso exigededicação eplanejamento

Currículo recheado nemsempre abre portas

MARGARIDA NEIDE | AG. A TARDE

Cansada da correria e de sempre chegar atrasada, Juliana, 22, abandonou fisioterapia e cursa “só” fonoaudiologia

Nem todo mundo agüenta o trancode fazer duas graduações ao mesmotempo. Juliana Trinchão, 22,abandonou fisioterapia na EscolaBaiana de Medicina depois de quatrosemestres cursados simultaneamentecom fonoaudiologia na Ufba. Um dia,acordou e descobriu que não tinhamais prazer nas aulas. “No fundo,queria mesmo fono. Além disso, omercado é menos saturado”, diz.

A identificação com os dois cursosnão resistiu muito tempo à rotinapuxada. Com aulas em Brotas e noCanela, Juliana sempre chegavaatrasada. “Não dava para suportarpor muito tempo mesmo”.

Para a psicóloga Cristiane Vieira,Juliana agiu corretamente. Elaacredita que ter duas graduações nocurrículo nem sempre é sinal debrilhantismo. “Numa seleção deemprego, quem tem vasta formaçãopode ao mesmo tempo serconsiderado superdinâmico ou sertachado como uma pessoa que nãose prende a nada”, aponta.

A exceção viria, segundo Cristiane,se as duas formações foremcomplementares. “Um profissionalgraduado em pedagogia e letras, porexemplo, tem um nível dequalificação que não passarádespercebido“. Ela sugere que ovestibulando que pretende fazer doiscursos analise o que é melhor para oseu perfil. “Quem já está nessa nãodeve abandonar a vida pessoal”.

“PAITROCÍNIO“ – A diversão, maisespecificamente as farras com osamigos, está na lista de prioridadesde Vítor Reis, 23, ao lado dos cursosde licenciatura em química na Uneb eengenharia industrial elétrica noCefet. Dividido entre as duasgraduações desde 2005, Vítor decidiuusar sua manhã livre trabalhando,para dar conta dos gastos comtransporte, livros e alimentaçãomultiplicados por dois. “Muitosamigos na mesma situação têm ajudados pais, mas eu acabo me bancandosozinho nas despesas. Não é fácil“.

Os gastos e o desgaste, porém, sãopequenos diante da satisfação deVítor de aprender em dobro. “Meuobjetivo é licenciatura. Mas aengenharia me dá um diferencial, umembasamento teórico muito útil emsala de aula. Ganho mais do queperco com esse meu arranjo“. Mas,afinal, dá para acompanhar com umbom rendimento dois cursossimultâneos? Vítor acha quededicação ajuda, mas não fazmilagre. “Você nunca será 100% emtodos. Ainda mais se as faculdadesforem boas realmente e te exigiremmuito“.

Para tentar aproveitar ao máximoos currículos dos cursos, Vítordiminuiu o número de disciplinas porsemestre e abriu mão da formaturaem quatro anos. “Prefiro ir comcalma, não me sobrecarregar. É umsacrifício, mas não me arrependo.“

Lado bomOs pontos positivos de fazer doiscursos ao mesmo tempo:

Ampliação de conhecimentos ❚Amadurecimento profissional e sensode organização ❚

Círculo de amizades duas vezesmaior ❚

Possibilidade de eliminar disciplinasrepetidas ❚

Diferencial no mercado de trabalho ❚Ajuda em dúvidas vocacionais ❚2Lado difícil

Os aspectos negativos de encarar duas

graduações ao mesmo tempo:

Falta tempo para se envolver com

projetos extra-curriculares, como

laboratórios e monitorias ❚

Vida social em segundo plano ❚

Gastos com material, transporte e

alimentação ❚

Dia-a-dia e horários atribulados ❚

Não dá para dedicar-se plenamente às

duas faculdades ❚

Possibilidades baixas de estágio ❚

MARCO AURÉLIO MARTINS | AG. A TARDE