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Estudios sobre las Culturas Contemporáneas Época II. Vol. XVIII. Núm. 36, Colima, inverno 2012, pp. 85-115 85 Duas ou três palavras sobre imagens e palavras que dizemos dizer Nordeste 1 Frederico Guilherme Bandeira de Araujo, Mayco Barroso Rodrigues, Natalia Velloso Santos Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura (GPMC) IPPUR / UFRJ - Brasil 2 Resumo O trabalho constitui-se num dizer e confrontar Nordestes que dizemos presen- tes nas palavras do Manifesto Regionalista –promulgado durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Regionalismo que se reuniu em Recife, durante o mês de fevereiro de 1926– e nas imagens da película silenciosa A Filha do Advogado –lançada na mesma cidade em outubro do mesmo ano. Esse lme é parte do assim chamado “Ciclo de Recife”. Diz um Nordeste urbano, moder- no, cosmopolita, rico, através de trama de costumes no seio de uma elite em que vige a tensão entre a decadência moral e a virtude. Não há conito social nesse Nordeste. Há deslize pessoal em uma tecedura moral conservadora. O Manifesto Regionalista diz um Nordeste que é urbano e rural, através de uma ruralidade que não transborda os domínios dos senhores de engenho. Esse Nordeste, de classes em harmonia, parece ter sua tecedura urdida por quitu- tes e mesuras somente ameaçada por estrangeirismos de toda ordem. Nesse Nordeste sem conitos de classe há apenas a tensão entre o moderno el à tradição dos valores da dominação e o moderno que subverte comportamentos, modos e formas do viver “estrangeirizando” coisas e pessoas. Palavras-Chave: Cinema brasileiro, Nordeste brasileiro, Filmes brasileiros regionais 1 A palavra é usualmente empregada no Brasil para se referir a certa parcela territorial do país que se situa nesta orientação geográca. Nos anos 1940 o termo passou a designar ocialmente recorte estabelecido pelo Estado, passando formalmente a ser então designado como “Região Nordeste”. Mas este é apenas um dos muitos signicados que a palavra carrega. O presente artigo pretende esboçar uma análise sobre algumas outras maneiras de dizer-Nordeste. 2. Trabalho realizado no âmbito do projeto “Construindo a Questão Regional Nordeste: discursos da cinematograa brasileira”, desenvolvido entre 2008 e 2010 por equipe do Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura (GPMC) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Brasil, e coordenado pelo Professor Doutor Frederico Guilherme Bandeira de Araujo. O referido projeto teve apoio nanceiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tec- nológico (CNPq) – Brasil. 85

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Estudios sobre las Culturas ContemporáneasÉpoca II. Vol. XVIII. Núm. 36, Colima, inverno 2012, pp. 85-115 85

Duas ou três palavrassobre imagens e palavras que dizemos dizer Nordeste1

Frederico Guilherme Bandeira de Araujo,Mayco Barroso Rodrigues, Natalia Velloso Santos

Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura (GPMC)IPPUR / UFRJ - Brasil2

ResumoO trabalho constitui-se num dizer e confrontar Nordestes que dizemos presen-tes nas palavras do Manifesto Regionalista –promulgado durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Regionalismo que se reuniu em Recife, durante o mês de fevereiro de 1926– e nas imagens da película silenciosa A Filha do Advogado –lançada na mesma cidade em outubro do mesmo ano. Esse fi lme é parte do assim chamado “Ciclo de Recife”. Diz um Nordeste urbano, moder-no, cosmopolita, rico, através de trama de costumes no seio de uma elite em que vige a tensão entre a decadência moral e a virtude. Não há confl ito social nesse Nordeste. Há deslize pessoal em uma tecedura moral conservadora. O Manifesto Regionalista diz um Nordeste que é urbano e rural, através de uma ruralidade que não transborda os domínios dos senhores de engenho. Esse Nordeste, de classes em harmonia, parece ter sua tecedura urdida por quitu-tes e mesuras somente ameaçada por estrangeirismos de toda ordem. Nesse Nordeste sem confl itos de classe há apenas a tensão entre o moderno fi el à tradição dos valores da dominação e o moderno que subverte comportamentos, modos e formas do viver “estrangeirizando” coisas e pessoas.

Palavras-Chave: Cinema brasileiro, Nordeste brasileiro, Filmes brasileiros regionais

1 A palavra é usualmente empregada no Brasil para se referir a certa parcela territorial do país que se situa nesta orientação geográfi ca. Nos anos 1940 o termo passou a designar ofi cialmente recorte estabelecido pelo Estado, passando formalmente a ser então designado como “Região Nordeste”. Mas este é apenas um dos muitos signifi cados que a palavra carrega. O presente artigo pretende esboçar uma análise sobre algumas outras maneiras de dizer-Nordeste.2. Trabalho realizado no âmbito do projeto “Construindo a Questão Regional Nordeste: discursos da cinematografi a brasileira”, desenvolvido entre 2008 e 2010 por equipe do Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura (GPMC) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Brasil, e coordenado pelo Professor Doutor Frederico Guilherme Bandeira de Araujo. O referido projeto teve apoio fi nanceiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tec-nológico (CNPq) – Brasil.

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Resumen – Dos o tres palabras sobre las imágenes y las palabras que decimos al hablar de Noreste

El estudio consiste en hablar y en confrontar los distintos “Norestes” pre-sentes en el Manifi esto Regionalista publicado durante el Primer Congreso Brasileño de Regionalismo, realizado en Recife durante el mes de febrero de 1926, así como en las imágenes de la película muda A do Advogado (Una hija de abogado), lanzada en la misma ciudad en octubre de ese año. Esta película forma parte del llamado “Ciclo de Recife”, que habla de un Noreste urbano, moderno, cosmopolita y rico, a través de la trama que aborda las costumbres de una elite situada en la tensión existente entre la decadencia moral y la virtud. No hay ningún confl icto social en el Noreste; en su lugar encontramos deslices personales al interior del tejido moral conservador. El Manifi esto Regionalista sostiene que se trata de un Noreste urbano y rural basado en un estilo de vida rural que no trasciende el dominio de los dueños de las plantaciones. Este Noreste, que experimenta armonía entre sus clases sociales, parece tener un tejido social alejado de las fi bras culturales que se ven amenazadas por todo tipo de expresiones foráneas. En el Noreste, sin confl icto de clases, sólo existe la tensión entre una modernidad fi el a la tradición de los valores de dominación, y una modernidad que subvierte los comportamientos, las costumbres y las formas de vida que “extranjerizan” a las cosas y a las personas.

Palabras clave: Cine Brasileño, Nordeste de Brasil, Películas brasileñas regionalistas

Abstract – Two or Three Words about Pictures and Words We Say When We Talk Northeast

The work consists of speaking and confronting the various “Northeasts” present in the Manifesto Regionalista published during the First Brazilian Congress of Regionalism, which met in Recife in February 1926, and in the images from the silent fi lm A Filha do Advogado, launched in the Recife in October of the same year. This fi lm is part of the so-called “Recife Cycle” which speaks of an urban, modern, cosmopolitan, and rich Northeast based on the customs of an elite situated in the tension between moral decadence and virtue. There is no social confl ict in this Northeast; instead, there are personal slips within the conservative moral fabric. The Manifesto Region-alista speaks of a Northeast that is urban and rural based on a rural way of life that does not overlap with the dominion of the landowners. This North-east, which experiences harmony between social classes, seems to have a social fi ber woven out of cultural threads that are threatened by any sort of foreign expression. In this confl ict-free Northeast, there is only the tension

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between a modernity faithful to the tradition of the values of domination, and a modernity that subverts behaviors, modes, and forms of living that “make foreign” people and things.

Key words: Brazilian Cinema, Brazilian Northeast, Brazilian Regional Movies

Frederico Guilherme Bandeira de Araujo: [email protected] (Insti-tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – professor doutor).

Mayco Barroso Rodrigues: [email protected] (Departamento de Historia / Universidade Federal Fluminense (UFF) – graduando)

Natalia Velloso Santos: [email protected] (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – pesquisadora mestre).

Todos, independentemente de outros vínculos acadêmicos, pertencem ao Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura (GPMC) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenado pelo Professor Dr. Frederico Guilherme Bandeira de Araujo.

Palavrório de partida

Rastro constituído problema pelos autores e outros cúmplices, em al-guma tarde de setembro de 2009: os Nordestes do Brasil enunciados

nos anos 10, 20 e 30 do século XX, quase todos promulgados através da pungente marca do atraso, são ideações por muitos ditas fruto de uma certa modernização nacional –abortada na região, mas poderosa no Sul– e de certa crise do paradigma geográfi co naturalista que fundara a primitiva regionalização brasileira, especifi cada pelo par dicotômico Norte / Sul ainda nos tempos imperiais.3 Trata-se Nordestes como retalhamento do antigo Norte, portanto. Mas retalhamento que é também inovação no modo

3 Como assinala Sylvie Debs (2007), Franklin Távora (1842-1888) no manifesto a uma “literatura do Norte” (nomeação dada pelo autor [cf. http://www.coladaweb.com/literatura/autores/franklin-tavora] ao Prefácio da obra O Cabeleira, de 1876, redigido na forma de carta. Cf. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000061.pdf. [obra em versão impressa não encontrada]), estabelece a distinção Norte / Sul que de certo modo perdura até o presente: “Não vai nisto, meu amigo, um baixo sentimento de rivalidade que não aninho em meu coração brasileiro. Proclamo uma verdade irrecusável. Norte e Sul são irmãos, mas são dois. Cada um há de ter uma literatura sua, porque o gênio de um não se confunde com o do outro. Cada um tem suas aspirações, seus interesses, e há de ter, se já não tem, sua política” (5). Nesse Prefácio são explicitamente referidas como “províncias do norte” ou “setentrionais”: Pernambuco, Pará, Amazonas e Ceará.

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de regionalizar. Não mais simples e exclusivamente supostas distinções geográfi cas naturais a determinar especifi cidades localizadas de práticas e idéias dentro de uma fronteira nacional, mas um pensar certo todo nação como determinada cultura própria a instruir cada parte. E isso de tal modo que cada uma dessas partes, cada região, fosse esse todo em uma coloração singular conotada por inventados tesouros naturais e históricos. Não como um jogo harmônico, mas como resultado de disputas sobre o dizer a nação que, a partir de então, pleiteada também através de disputas sobre um dizer regiões, é sempre, portanto, também construção de regiões. Nacionalismos que são regionalismos. Regionalismos que buscam impor a partir de si a nação e suas regiões.

Dos tesouros supostos ao Norte mãe, nesse jogo de invenções e contra(in)venções, os discursos Nordeste do início do século XX lamentaram aos quatro ventos terem herdado alguns de feição perversa: a seca, a raça mestiça, o fanatismo, a violência, o cangaço,4 5 o abandono, a anomia. E brandiram essas mazelas num enunciar de perdas –marcadas pela subordi-nação diferenciada das produções açucareira e algodoeiro-pecuária, e pela crise de mão-de-obra decorrente da abolição, na busca de solidifi cação do que pretendiam agregar como um “nós”– e de ganhos ainda que periféricos frente a seu hierarquicamente distinto álter siamês, o Sul. Este, identifi ca-do como de clima ameno, de raça purifi cada, de religiões civilizadas, de economia pujante, da ordem social.

Francisco de Oliveira, em sua obra Elegia para uma Re(li)gião (Oliveira, 1981), publicada originalmente em 1977, afi rma que o termo “Nordeste” remetido a uma confi guração regional teve como primeira referência, ainda no século XIX, a “ilha” de produção canavieira voltada ao exterior, compreendendo as zonas úmidas litorâneas dos atuais estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, polarizadas por Recife enquanto ponto de referência comercial dessa economia (op. cit.). Em 1919, entretanto, observamos que Nordeste já aparece em discursos institucionais de modo distinto, designando outra área, fundado agora em uma questão de caráter natural / político: corresponde à designação do domínio territorial de atuação da recém criada Inspetoria Federal de Obras

4. O termo “cangaço”, ainda que abarcando diferentes juízos e disputas de sentido, em linhas gerais diz respeito às venturas e desventuras vividas e provocadas por grupos de homens e mulheres em armas que, do fi nal do século XIX ao início dos anos 1940, viviam à margem da lei no interior árido (Sertão) do Nordeste brasileiro.5. O cangaço e as revoltas messiânicas também são fundamentos dos discursos solidários entre parte dos estados nortistas, já que esses movimentos não respeitavam fronteiras e ameaçavam a todos. O combate em conjunto reforçava a idéia de unidade (Albuquerque Junior, 1999). Muitos discursos-Nordeste são marcados pela coexistência destes fenômenos sociais, como a célebre obra do cineasta Glauber Rocha “Deus e o Diabo na terra do sol”.

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Contra as Secas (IFOCS) (Albuquerque Junior, 1999). A mazela da seca a sinalizar um tipo de território que se tornaria emblema de Nordestes mais amplos e diferenciados de si: o Sertão.6 Sertão, assim, visto como espaço de natureza rude que a essa época já incorporava o traço do banditismo rebelde desde O Cabeleira (1876) de Franklin Távora,7 romance histórico segundo o próprio autor,8 pioneiro do projeto em que este propõe uma “literatura do Norte”.9 Sertão que a essa época, com O Sertanejo (1875) de José de Alencar, já se associava à imagem de homens bravios frente a uma natureza severa, paradoxalmente submissos à dominação social.10 Sertão que a essa época já aportava a marca do trágico advinda da narrativa de Euclides da Cunha que conta Canudos,11 publicada originalmente em 1902. Sertão que a essa época já incorporava a marca da obstinação, do fanatismo místico e do cangaço difundidos pela literatura popular oral e escrita. “O sertanejo é antes de tudo um forte” (Cunha, 1938: 114) logo se desdobra no imaginário regional nacional em “o nordestino é antes de tudo um forte”. Mesmo que isso signifi que desconsiderar como tais os raquíticos “neurasthenicos do litoral” (ibidem), tipo tornado por Euclides da Cunha tão outro como o gaúcho,12 este visto como de “feição mais cavalheirosa e 6. O Sertão nordestino é uma parte interior desta região caracterizada pelo clima árido. Mas, como será tratado em seguida, o termo Sertão, assim como Nordeste e Cangaço, é objeto de contínua disputa discursiva.7. “João Franklin da Silveira Távora (1842-1888) nasceu no Ceará, mas viveu em Pernam-buco, onde se formou em Direito, e, a partir de 1874, viveu no Rio e Janeiro. Foi deputado estadual em Pernambuco e funcionário da Secretaria do Império no Rio. Foi além de contista e romancista um grande historiador...” (http://www.coladaweb.com/literatura/autores/franklin-tavora. Acesso em 11/01/2009)8. Cf. O Cabeleira em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000061.pdf. “No Cabeleira ofereço-te um tímido ensaio do romance histórico, segundo eu entendo este gênero da literatura” (Prefácio do autor, p. 4). “... o [personagem] Cabeleira não é uma fi cção, não é um sonho, existiu, e acabou como aqui se diz.” (Posfácio do autor, p. 89). Obra em versão impressa não encontrada.9. “Projeto” expresso no referido Prefácio. Neste, é dito que “têm os escritores do Norte que verdadeiramente estimam seu torrão, o dever de levantar ainda com luta e esforços os nobres foros dessa grande região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus costumes, suas lendas, sua poesia máscula, nova, vívida e louçã tão ignorada no próprio templo onde se sagram as reputações, assim literárias, como políticas, que se enviam às províncias” (op. cit., 4, 5). Além desse fundamento afetivo ao dever designado, Távora considera ainda como motivo a consideração de que o Norte deteria ainda uma aura de pureza de algo imaginado genuinamente brasileiro: “A feição primitiva, unicamente modifi cada pela cultura que as raças, as índoles, e os costumes recebem dos tempos ou do progresso, pode-se afi rmar que ainda se conserva ali em sua pureza, em sua genuína expressão (...) As letras têm, como a política, um certo caráter geográfi co; mais no Norte, porém, do que no Sul abundam os elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, fi lha da terra. A razão é óbvia: o Norte ainda não foi invadido como está sendo o Sul de dia em dia pelo estrangeiro” (idem: 4).10. O romance da fase regionalista de José de Alencar, publicado em 1875, põe em cena o sertão do nordeste brasileiro do século XVIII.11. Guerra de Canudos, ou simplesmente Canudos, é o nome dado à revolta messiânica acontecida no Sertão nordestino no fi nal do século XIX, liderada pelo beato conhecido como Antônio Conselheiro, relatada na obra de Euclides da Cunha “Os sertões”.12. O termo originalmente remete aos vaqueiros da área ganadeira da região Sul do país. Mais contemporaneamente, em acepção mais ampla, diz dos que nasceram nessa região.

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attraente”, fi lho que é “dos plainos sem fi m, affeito às correrias fáceis nos pampas e adaptado a uma natureza carinhosa que o encanta” (idem:117). Sertão que a essa época, para a interpretação referida do fi nal dos anos 1970, já incorporava a marca da economia algodoeiro-pecuária, de relações de produção ditas arcaicas, paradoxalmente possibilitada por vínculos com o capital comercial e fi nanceiro internacional, e também, no âmbito nacio-nal, por políticas de estado e pela dinâmica da então economia mestre, a economia cafeeira do Sul (Oliveira, 1981). Os predominantes discursos Nordeste-Sertão dos anos 10 e 20 então, dizendo Nordeste, dizem de um deslizamento da hegemonia política e econômica regional aos coronéis latifundiários do gado e do algodão em detrimento dos barões do açúcar13 da zona úmida litorânea, alijados do circuito da acumulação da economia cafeeira, e enfraquecidos ainda pela concorrência internacional com a produção caribenha.

A imagem do Nordeste, que as crônicas dos viajantes de fi ns do século XVIII e princípios do século XIX descreveram em termos da opulência dos “barões” do açúcar, e que depois iria inspirar a nostálgica pseudo-sociologia de Gilberto Freyre, começou a ser substituída pela imagem do Nordeste dos latifundiários do sertão, dos “coronéis”, imagem rústica, pobre, contrastando com as dos salões e saraus do Nordeste ‘açucareiro’. Nesse rastro é que surge o Nordeste das secas (Oliveira, 1981:35).

Se Os Sertões de Euclides da Cunha, todavia, diz um Nordeste em que a rudeza da terra sertaneja é base e instigação à heroicidade do homem que aí vive,14 o Nordeste de outro estrangeiro do Sul, o modernista Mário de Andrade,15 construído nos relatos de viagem intitulados “O turista apren-diz”, de 1927,16 nega radicalmente esse fundamento glorifi cador.

Mário, impactado pela desgraça social que constitui objeto a seu olhar viajante, afi rma:

Os Sertões é um livro falso. A desgraça do Nordeste não se descreve. Carece ver o que ela é. É medonha. O livro de Euclides da Cunha é uma boniteza genial, porém uma falsifi cação hedionda. Repugnante. Mas

13. Nessas circunstâncias de subordinação, a economia canavieira, em busca por sobrevivên-cia, aborta seus impulsos de modernização e, inclusive, adota “leis de reprodução que eram próprias do ‘Nordeste’ algodoeiro-pecuário” (Oliveira, 1981:36).14. Também nessa perspectiva de exaltação, cabe destacar obras poéticas de “Catulo da Paixão Cearense (1861-1946): Meu Sertão (1918), Sertão em Flor (1919) e Alma do Sertão (1928)” (Luciana Stegagno Picchio, História da Literatura Brasileira, p. 364, apud Debs, 2007:57).15. Mário de Andrade, ao lado de diversos outros artistas e intelectuais, como Oswald de Andrade, Anita Malfati e Tarsila do Amaral, fi caram conhecidos como ícones do movimento modernista brasileiro cuja referência mais emblemática se constituiu na década de 20, na cidade de São Paulo.16. Somente publicadas em livro no ano de 1943. Cf. Debs, op. cit.: 62.

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parece que nós brasileiros preferimos nos orgulhar duma literatura linda a largar da literatura de uma vez para encetarmos o nosso trabalho de homens. (Mário de Andrade, O turista aprendiz, p. 294,5 apud Debs, 2007:62).

Não estou fazendo literatura não. Eu tenho a coragem de confessar que gosto de literatura. Tenho feito e continuarei fazendo muita literatura. Aqui não. Repugna minha sinceridade de homem fazer literatura diante dessa monstruosidade de grandezas que é a seca sertaneja do Nordeste. Que miséria e quanta gente sofrendo (idem:63).

Rudeza da terra, rudeza do homem. O Nordeste de Mário mostra-se seco como a seca. Não há heroísmo, apenas desgraça e tristeza.

Os Nordestes do período, todavia, não foram somente elaborações de intelectuais exógenos ao Nordeste que diziam. Sem deixar de fazer litera-tura, mas com evidente senso de denúncia dos horrores sociais exacerbados pela seca, o romance A Bagaceira, de José Américo de Almeida, publicado em 1928, é visto como obra seminal da literatura regionalista de fi cção, dando origem ao fi lão que aglutinou aqueles que Jorge Amado designou como romancistas “do Nordeste” (Conversas com Alice Raillard, p. 38, apud Debs, 2007:65). O Nordeste aí traçado tem por fi o condutor tragédia amorosa que se desenrola entre dois marcos temporais sinalizados por eventos climáticos –as secas de 1898 e de 1915– e dois pólos territoriais –o Sertão e a zona úmida da produção de cana e açúcar. A costurar esses marcos, êxodo e retorno, miséria e riqueza, paixão e desencanto, honra e jus-tiçamento, beleza e rusticidade, anomia e ordem, arcaísmo e modernidade. Um Nordeste crivado por tensões sociais fundadas em construções do que seriam o arcaísmo moral do sertanejo, o autoritarismo oligarca terratenente e o espírito modernizador de uma burguesia embrionária.17

Não obstante, os discursos Nordeste de cunhagem regional não se res-tringiram às formas literárias escritas ditas cultas. A literatura oral popular desde muito grassava entre o povo no contar dos contadores, a narrar também agruras e esperanças. E nessa época, já também em forma escrita, como Cordel.18 Mas sobre isso, à época, apenas silêncio dos que detinham o poder de dizer o campo de disputa do dizer Nordeste.

O cinema que constituiu Nordestes no mesmo período também parece padecer do mesmo fado imposto ao cordel pelas elites ilustradas: silêncio

17.- http://www.jayrus.art.br/LitBrasil_Modernismo30_prosa.htm. Acesso: agosto de 2009.18. A chamada “literatura de cordel” diz respeito à poesia de origem popular, originalmente parte da tradição oral, mas que se divulgou não somente através da palavra de cantadores, mas também por meio de edições escritas de caráter rústico.

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ou a condescendência do predicado folclore. Mas um outro “silêncio”, aquele do desvio, do dizer de outra coisa, que nada mais é do que um distrair ruidoso, um falar da forma, sem palavra sobre o entendido.

A bibliografi a que trata do tema afi rma com freqüência que nos anos 1920 a produção cinematográfi ca brasileira desenvolvia-se com intensidade surpreendente face à precariedade de recursos técnicos e fi nanceiros. E o fazia não só nos centros culturais, políticos e econômicos de Rio de Janeiro e São Paulo, mas em múltiplas cidades do país, capitais estaduais ou não. Essas produções da época do cinema silencioso foram posteriormente designadas como Ciclos Regionais, mesmo que tenham por referência cidades específi cas e que, por vezes, o “ciclo” tenha se restringido a uma obra (Noronha, 2008).

Tendo-se em conta o que hoje se reconhece ofi cialmente como Região Nordeste,19 à época desenvolveram-se aí vários dos referidos Ciclos Re-gionais: de Fortaleza, João Pessoa, Maceió, Olinda, Goiana (PB) e Recife. Das obras aí criadas, muitas são por nós compreendidas como dizendo Nor-deste. Não como alguns magnânimos senhores do dizer condescenderam: enquanto representações bem ou mal feitas do “verdadeiro” Nordeste, ou como cópias mais ou menos fi éis de ideações Nordeste criadas nos campos refl exivos reconhecidos como tais por eles mesmos, os campos das assim chamadas ciências geográfi cas, históricas, jurídicas, econômicas, políticas, sociais, e da alta literatura. Mas sim como invenções refl exivas, criações densas, enrugadas como qualquer outro tipo de discurso, a compor um campo discursivo temático enquanto cinema, a postular a legitimidade de também disputar a hegemonia do dizer Nordeste e, portanto, de também constituir legitimamente “defi nições verdadeiras” de Nordeste.

A fi lmografi a dos Ciclos indicados, nas formas de documentário e fi cção, constitui seus Nordestes centralmente a partir de tópicas como as da elite urbana moderna e suas contradições (A Filha do Advogado, A chegada do Jahú a Recife, Heroe do Século XX, Aitaré da Praia), do universo praieiro de jangadas e pescas em contraponto ao mundo citadino (Aitaré da Praia), e do mundo sertanejo, de secas, coronéis, vaqueiros e cangaceiros e volan-tes, Padre Cícero e Lampião (Lampião a Fera do Cangaço, Péga do Boi, Filho sem Mãe, Aspectos do Ceará, Juazeiro do Padre Cícero, Sangue de Irmão). E até mesmo da tópica das possibilidades de desenvolvimento industrial (Grandezas de Pernambuco). Mas não do universo rural da cana, dos engenhos, do açúcar, o que talvez possa ser considerado como uma 19. Ofi cialmente o designado como Região Nordeste compreende atualmente os seguintes estados da federação: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Esses estados cobrem uma área de 1’561.177 km² em que vivem cerca de 50 milhões de pessoas.

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expressão perversa da aludida perda de hegemonia dessa economia e da correlata oligarquia terratenente.

Nordestes ditos pelo cinema, Nordestes ditos pela literatura, Nordestes enunciados pela ciência ofi cial, Nordestes do Estado, de suas políticas e instituições, mas também Nordestes alardeados por movimentos da elite intelectual. Nos anos 1920 delineia-se um auto-denominado Movimento Regionalista Tradicionalista, recifense em suas âncoras,20 cujos intérpretes apontam como oriundo da reação à hegemonia da economia cafeeira paulis-ta. E também, dizemos nós, aos valores que vislumbravam criticamente no Movimento Modernista eclodido no Sul. Articulação de elites que institui um Nordeste como totalidade una e homogênea, e ao mesmo tempo, ao molde da época, sua contra-face constituinte, o Sudeste, algoz descrito ameaçador e origem do mal interno. Construção efi caz, cujos inovadores argumentos de tecedura eram, não mais hipotéticos determinismos ratzelia-nos, mas supostas origens e traços históricos comuns, afi rmadas enquanto olvido das diferenças frente ao prenúncio de desvanecimento em uma nação que não seria aquela que poderia e deveria emergir de si.

*Essa trama rococó de discursos e contra-discursos Nordeste do período tomado em conta, positivados, não como dado, mas como dizeres presentes constitutivos desse passado, faz-se rastro vivo no campo de disputas sobre a nação brasileira nos dias de hoje. Rastro permanentemente reconstruído pelo cancioneiro popular, pelo cinema, pela literatura, por planos e ações governamentais, e, especialmente, pela discursividade da massa de mi-grantes que se deslocou e segue se deslocando, perene ou sazonalmente, do campo e das cidades no Nordeste ofi cial a fabulados paraísos nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste. São milhões de pessoas que, movidos por ideações, dramas sociais, tragédias naturais e políticas de governo, do início do século XX até o presente tornaram-se “soldados da borracha”21 na Amazônia, foram em busca de terras ditas úmidas e sem dono no Ma-ranhão, tornaram-se “candangos”22 e construíram Brasília, fi zeram de São Paulo a maior aglomeração de nordestinos fora da denominada região, como “paraíbas”23 verticalizaram o Rio de Janeiro.20. Recife se destacava nos anos 20 como centro comercial, médico, cultural e educacional de todo o Norte. Era onde os fi lhos dos grupos dominantes convergiam para estudar. Desse modo, tornou um local privilegiado para produção de um discurso regionalista a partir do declínio da região e da sensação de marginalização no âmbito nacional. (Albuquerque Junior, 1999).21. Soldados da Borracha é o nome associado aos voluntários, especialmente nordestinos, que se engajaram na política getulista de produção de borracha nativa na Amazônia brasileira durante a Segunda Guerra Mundial.22. O termo Candango designa, nos anos 1950, os trabalhadores, em sua maioria nordesti-nos, que constituíram a mão-de-obra de pouca ou nenhuma qualifi cação na construção de Brasília.23. Paraíba é o termo popular que, no Sudeste brasileiro, designa desde a década de 1950 até

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Qualquer projeto de nação brasileira nos dias de hoje não tem como ignorar essa presença discursiva multiforme que diz Nordeste / nordesti-nos / Brasil / brasileiros enquanto passado e presente, seja em perspectiva conservadora e segregacionista, seja em nome de uma ética da mistura e da não subordinação.

Dentre essa trama de discursos e contra-discursos sinalizada, dois deles nos chamam a atenção, em parte pela originalidade no campo discursivo em que se constituem, mas especialmente pela ambigüidade que vemos em ambos, o que em decorrência, nos permite reconhecer ao mesmo tempo contraposições, identidades e tangências entre eles. Do cinema, trata-se da emblemática produção do Ciclo de Recife, o fi lme silencioso A Filha do Advogado.24 Do Movimento Regionalista, o Manifesto25 redigido por Gilberto Freyre26 e aprovado como declaração do Primeiro Congresso Brasileiro de Regionalismo27 que se reuniu na cidade do Recife em 1926, mesmo ano da produção do fi lme assinalado. Recife, a capital do estado de Pernambuco,28 além de lócus das duas manifestações, é o tema presente em ambos que se evidencia como elo ao olhar que se propõe a compreen-der dialogicamente o Nordeste dito por cada um desses dois discursos de modalidade diversa.

Na busca dessa compreensão dos discursos escrito e audiovisual enfoca-dos, foi usada como base geral a metodologia denominada Hermenêutica Dialógica (Araujo e outros, 2007), inspirada em elaborações de Michael Bakhtin.29 A escolha de discursos de natureza distinta deve-se a duas ques-o presente os trabalhadores nordestinos da construção civil.24. Que, de agora em diante, eventualmente designaremos como AFA.25. Que, de agora em diante, designaremos como Manifesto Regionalista e eventualmente de MR.26. Gilberto Freyre (1900-1987) é o sociólogo, antropólogo, historiador, escritor e pintor brasileiro que, além de ter redigido o Manifesto Regionalista aqui trabalhado, produziu obras consideradas clássicas sobre a formação social do país e a região Nordeste, como, dentre inúmeras outras, Casa Grande e Senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936) e Interpretação do Brasil (1947).27. Em 1925 é lançado O Livro do Nordeste, em comemoração ao centenário do jornal Diário de Pernambuco, já esboçando idéias que seriam explicitadas e desdobradas no Manifesto Regionalista do ano seguinte (Albuquerque Junior, 1999). O Manifesto proclama o Con-gresso Brasileiro de Regionalismo o primeiro do gênero, não só no Brasil como na América (Freyre, 1967:25)28. Dita na época a principal centralidade econômica, política do Nordeste, como será exposto a seguir.29. Essa metodologia, desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa do qual os autores fazem parte (Cf. Araujo, 2007), toma a problemática da linguagem como primordialmente comunicacional, consideração que traz implícita a suposição de que a própria natureza do vínculo social é discursiva. Todo dizer sobre o mundo, então, é considerado discurso porque necessariamente direcionado a um outro sujeito social, constituindo, e sendo constituído por, uma relação dialógica. Dialogismo entendido como uma trama complexa em que cada dizer considera dizeres passados e futuros (imaginados) do próprio sujeito e antecipa possíveis respostas à sua manifestação em construção por parte de destinatários identifi cados ou imaginários, objetivos

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tões de caráter diferenciado. A primordial diz respeito ao entendimento de que a confrontação dialógica entre discursos de constituição díspar, ao contrário de limitar, aporta fertilidade à interpretação dos respectivos enunciados pelo fato de que cada um, por conta da modalidade discursiva que lhe é própria, traz possibilidades inusitadas de interpelação a discurso formalmente diferente. No entanto, ainda que não signifi casse uma alteração da opção aqui adotada, a segunda questão, de ordem prática, diz respeito ao fato de que a novela A Filha do Advogado, do poeta pernambucano Costa Monteiro,30 no qual o fi lme homônimo é baseado, e que seria certamente utilizada na perspectiva de aportar outros elementos ou nuances a análise, simplesmente não foi encontrada pelos autores, seja em bibliotecas, seja em sebos, seja em instituições relacionadas à literatura ou ao cinema brasileiros.31

Duas ou três palavras sobre Nordestesem A Filha do Advogado e no Manifesto Regionalista

A película A Filha do Advogado é freqüentemente interpretada como a principal realização da produtora Aurora Film, e mesmo de todo o Ciclo de Recife,32 seja pelo alcance de sua difusão a um público amplo, tendo ou difusos. Esses álteres, assim sendo, mais do que meros destinatários de um determinado discurso funcionam como co-autores do mesmo, visto que este se constrói a partir de uma ação responsiva esperada. Operacionalmente, a compreensão de um discurso em determinada relação interdiscursiva, passa por dois momentos singulares. Aquele que envolve os tropos objeto, signifi cante e signifi cado, realizados através dos instrumentos da lingüística ou da semiótica (a depender da forma do discurso) na modalidade de uma análise do enunciado em si mesmo (no caso em pauta, para o discurso audiovisual trabalhado foram usados procedimentos tradicionais de análise fílmica). E aquele que se volta à identifi cação do sentido do signifi cado desse enunciado para seus alteres. A realização prática desse segundo momento é feita a partir da especifi cação da Posição de Sujeito –o lugar epistemológico a partir do qual os sujeitos constroem seus discursos– de cada um dos discursos em relação dialógica e do subseqüente julgamento, no contexto em causa, dos signifi cados de cada discurso ao olhar das respectivas Posições de Sujeito dos outros. A Hermenêutica Dialógica tem ainda em conta a possibilidade de que cada discurso não seja monocórdio, mas, sob diversas formas, polifônico.30. Essa indicação aparece nos créditos originais da própria película.31. Particularmente a busca foi realizada nas instituições Biblioteca da Fundação Joaquim Nabuco (FJN – Recife) e Fundação Biblioteca Nacional (FBN – Rio de Janeiro), na editora Massangana (da FJN) e em sebos virtuais de abrangência nacional. A FJN foi responsável pela restauração do fi lme A Filha do Advogado.32. O chamado Ciclo do Recife se sobressai em relação a outros Ciclos similares pela quan-tidade de fi lmes produzidos, mas especialmente pela relevância que o fenômeno tomou na sociedade recifense. Os fi lmes suscitavam profunda agitação entre a elite local, mantendo visibilidade na imprensa mesmo após seus lançamentos. Este destaque estava atrelado ao surgimento de uma estrutura de produção cinematográfi ca que não se deteve em iniciativas individuais (ainda que este fosse um elemento imprescindível para a consolidação do Ciclo), mas permitiu a criação de empresas cinematográfi cas em consonância, ainda que com poucos recursos, ao modelo de cinema industrial americano adotado como modelo. Ao todo, essas empresas produziram 24 fi lmes entre 1924 e 1930, tendo seu declínio associado ao acirra-mento das desvantagens tecnológicas frente à ascensão do cinema sonoro. Nessa atmosfera de determinação e superação, a trajetória da produtora Aurora Film é o maior exemplo das

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sido exibido em diversas cidades do país, inclusive Rio e São Paulo, ou mesmo pela qualidade técnica, em comparação aos demais fi lmes do Ciclo, ou ainda por seu êxito como obra mimética ao estilo melodrama, então dominante no cinema americano. O Manifesto Regionalista não alcança essa amplitude qualifi cada de circulação,33 nem em si constitui objeto estético cujo eventual juízo positivo pudesse fundar por si sua relevância. Sua importância política e cultural é interna ao campo refl exivo sobre identidade regional / nacional, e se dá pela singularidade inovadora em termos da compreensão do que possa ser dito como região e da relação desta com determinada idéia associada de nação.

Enquanto discurso fílmico, como já dito, AFA é adaptação de um ro-mance homônimo. Protagonizado pelo próprio diretor e por atores oriundos do teatro, a trama conta a história de um infl uente e abastado advogado na cidade do Recife, o viúvo Paulo Aragão, que às vésperas de uma viagem à Europa decide revelar segredo a um primo de sua confi ança, o jornalista Lucio Novaes. O fato até então oculto diz respeito à existência de uma fi lha extraconjugal, não reconhecida socialmente, Heloisa, que vive no campo com a mãe, amante do advogado na juventude. Além de fazê-lo portador do segredo, Paulo Aragão pede ao primo que, durante sua ausência, instale as duas em residência na cidade. Mais que isso, pede também que permaneça atento ao comportamento de seu fi lho legítimo, o jovem Helvécio, boêmio dependente fi nanceiramente do pai.

Logo após o embarque de Paulo Aragão, o jornalista, seguindo as orientações recebidas, vai ao interior e traz mãe e fi lha para Recife, instalando-as em aprazível casa. Nesse movimento já se manifesta uma atração recíproca entre a jovem e Lucio. Em paralelo a essas ações, Hel-vécio Aragão é mostrado como um libertino que, inclusive, não escondia seu desregramento nem da própria família da noiva. Licenciosidade aceita sem objeções face ao interesse destes em uma ligação por matrimônio com o rapaz afortunado.

O jornalista apaixonado logo se encarrega de inserir Heloisa no circuito da elite recifense. É neste contexto que ela conhece Helvécio que, sem saber serem irmãos, passa a cortejá-la como mais uma do mundo festivo em que vive. Todavia, como não é correspondido, arma um ardil para seduzi-la. Subornando o empregado da casa, Gerôncio, consegue entrar

condições de realizações durante o Ciclo. Fundada precariamente, tendo por equipamento de fi lmagem um projetor adaptado, a produtora passou por diferentes fases, aproximando-se da falência várias vezes. Ainda sim, produziu diversos fi lmes, dentre eles A Filha do Advogado (1926) e Aitaré da Praia (1926).33. Lido em 1926 no Congresso Regionalista e divulgado parcialmente pela imprensa da época, o Manifesto só veio a público integralmente em 1952. (Cf. Freyre, 1967:25).

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no quarto da jovem. Ao ser surpreendida Heloisa resiste e, com a arma que o pai havia lhe dado para defesa da honra, mata o irmão. Por isso é presa e vai a julgamento. Durante o processo um advogado, que se apresenta como “carioca”, oferece seus préstimos para fazer a defesa. No tribunal ele consegue a absolvição de Heloisa através da confi ssão do arrependido Gerôncio. Imediatamente tira um disfarce e revela ser Paulo Aragão, reco-nhecendo publicamente a paternidade da ré. O epílogo do fi lme acontece “dois anos após”, com seqüência em que Heloisa e Lucio aparecem juntos carregando um bebê, no jardim de uma residência elegante, observados pelo olhar feliz do advogado.

A seqüência fi nal de AFA é composta por oito planos imagéticos, nos quais a referência central são os personagens, com exceção do primeiro plano, que mostra a casa onde a ação que segue acontecerá. A cartela que abre a seqüência explica que as cenas seguintes se passam dois anos após o julgamento que absolveu Heloisa. Sequencia, portanto, “distanciada” do tempo e do espaço das ações centrais, pois a cidade movimentada e moderna, apresentada na primeira seqüência do fi lme desliza do foco para que a calma se estabeleça dentro de um ambiente privado. É no interior de uma casa que a trama do fi lme se encerra. Contudo, pode-se afi rmar que o primeiro plano desta seqüência tem uma dupla função. Pois tanto ele indica que as cenas seguintes se passarão em um ambiente doméstico, quanto mantém o drama ancorado na Recife burguesa do fi lme. O casarão que nos é apresentado por um plano geral, com a câmera em ângulo frontal e estática, segundo o diretor do fi lme (Cunha FILHO, 2006), pertencia a uma importante família recifense, e provavelmente fi gurava entre as referências dos espectadores em relação à vida da elite na capital pernambucana.

Na cena seguinte o espectador “entra” no jardim da casa através de um plano conjunto em que é destacado o casal protagonista. A câmera os acompanha em um passeio onde aparecem segurando um bebê, vestindo roupas elegantes, porém informais. A cena passa toda a calma desta nova rotina. O próximo plano mostra, com a câmera estática, o casal sentando em um banco de jardim. Logo em seguida (plano 4) um enquadramento mais fechado no casal, mostra os detalhes das expressões de ambos e do bebê. O plano médio, com a câmera levemente plongeé nos passa a sensação de uma situação intimista. No quinto plano o enquadramento se expande novamente (plano conjunto) mostrando a criança sendo entregue a uma babá, deixando apenas o casal em cena. Aparece então um plano conjunto do advogado em uma varanda da casa, olhando satisfeito na direção em que se encontra o casal. Ele está usando roupas mais formais e tomando um

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drink. Apesar de a câmera estar posicionada horizontalmente, o ator está olhando para baixo, indicando que se encontra em uma posição superior ao casal. Este plano nos passa a idéia da aprovação do pai diante da situação, além de sua remissão em relação à fi lha agora reconhecida. Já em tom de fi nal, no plano seguinte o casal se levanta e sai do enquadramento. A câmera estática, mostra apenas o banco vazio. O último plano mostra novamente o advogado, na mesma situação que no plano 6, agora aplaudindo o desfecho da história. Encerra-se assim o fi lme, com a fi gura masculina patriarcal, moralmente regenerada, e os valores tradicionais da família preservados frente a ameaças trazidas pela modernização dos costumes.

A descrição da trama torna patente que as relações pessoais privadas têm no fi lme uma centralidade narrativa. A vilania de Helvécio rivalizando com o casal de heróis, o reconhecimento da fi lha ilegítima e mesmo a corrupção do caráter de Gerôncio, são episódios chave ao enredo, permitindo-nos compreendê-lo enquanto um característico melodrama cinematográfi co.34 Pertinência que se evidencia se tivermos em mente a descrição do gênero feita por Ismail Xavier:

Apanágio do exagero e do excesso, o melodrama é o gênero afi m às gran-des revelações, às encenações do acesso a uma verdade que se desvenda após um sem número de mistérios, equívocos, pistas falsas, vilanias. Intenso nas ações e sentimentos, carrega nas reviravoltas, ansioso pelo efeito e a comunicação, envolvendo toda uma pedagogia em que nosso olhar é convidado a apreender formas mais imediatas de reconhecimento de virtude e pecado (Xavier, 2003:39).

Sem ser trama fi ccional formalmente passível de predicação enquanto melodrama, o Manifesto Regionalista não deixa de se utilizar de elemen-tos argumentativos que provocam sentimentos através da exacerbação do sensório, especialmente o paladar. Por intermédio de uma descrição detalhadamente saborosa da culinária regional, vista como decorrente da mistura harmônica de tradições portuguesas, africanas e ameríndias, e apontada como de traço rural e popular, a cultura alimentar opera como feixe emblemático do que seria uma identidade nordestina. Isso sem deixar de trazer também à baila a essa problemática tópicos como os das chama-das belas artes, do urbanismo, da arquitetura, da higiene e da engenharia. Mas é primordialmente através da culinária que é objetivado e destacado o que é visto como um dos problemas cruciais da região e da nação: o

34. Afi rmativa que fazemos em concordância com a rigorosa interpretação desenvolvida por Luciana Araújo no texto Melodrama e Vida Moderna: o Recife dos anos 1920 em A Filha do Advogado (Araújo, 2006), tendo por referência elementos do gênero identifi cados por Linda Willians (Revised Melodrama, In Browne, Nick. Refi guring American fi lm genres. Berkeley/Los Angeles/London, University of California Press, 1998, pp. 42-88).

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estrangeirismo imposto sem nenhum respeito pelas peculiaridades físicas e sociais dos domínios nacionais e regionais. O outro problema enunciado, também enquanto ameaça à nação, é o da divisão federalista do país, em detrimento do que seria sua partição natural por regiões.

Mas o pecado maior contra a Civilização e o Progresso, contra o Bom Senso e o Bom Gosto e até os Bons Costumes que estaria sendo come-tido pelo grupo de regionalistas a quem se deve a idéia ou a organização deste Congresso, estaria em procurar reanimar não só a arte arcaica dos quitutes fi nos e caros em que se esmeraram, nas velhas casas patriarcais, algumas senhoras das mais ilustres famílias da região e que está sendo esquecida pelos doces dos confeiteiros franceses e italianos, como a arte – que é, no Nordeste, o preparado do doce, do bolo, do quitute de tabuleiro, feito por mãos negras e pardas com uma perícia que iguala, e às vezes excede, a das sinhás brancas (Freyre, 1067:45).

As negras de tabuleiro e de quitanda como que guardam maçonicamente segredos que não transmitem às sinhás brancas do mesmo modo que entre as casas ilustres, umas famílias vêm escondendo das outras receitas de velhos bolos e doces que se conservam há anos especialidade ou segredo ou singularidade de família. Daí o fato de se sucederem gerações de quituteiras quase como gerações de artistas da Idade Média: donas de segredos que não transmitem aos estranhos (ibidem).

Dos velhos engenhos da região é raro o que não tenha tido sua especia-lidade culinária mesmo modesta (...) Tradição, essa de casa de engenho de mesa farta, vinda de época remota (...) Também alguns sobrados do Recife, para os quais, nos fi ns do século XVIII foram se transferindo das casas-grandes do interior e dos sobrados decadentes de Olinda, os requintes culinários da civilização regional, fi caram famosos pela fartura e pelo primor de suas mesas (idem:46).

Raras são hoje, as casas do Nordeste onde ainda se encontrem mesa e sobremesa ortodoxamente regionais: forno e fogão onde se cozinhem os quitutes tradicionais à boa moda antiga. O doce de lata domina. A conserva impera. O pastel afrancesado reina (idem:59).

“Toda essa tradição está em declínio ou, pelo menos, em crise, no Nor-deste. E uma cozinha em crise signifi ca uma civilização inteira em pe-rigo: o perigo de descaracterizar-se. As novas gerações de moças já não sabem, entre nós, a não ser entre a gente mais modesta, fazer um doce ou guisado tradicional e regional. Já não têm gosto nem tempo para ler os velhos livros de receitas de família. Quando a verdade é que, depois dos livros de missas, são os livros de receitas de doces e de guisados os

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que devem receber das mulheres leitura mais atenta. O senso de devoção e o de obrigação devem completar-se nas mulheres do Brasil, tornando-as boas cristãs, e, ao mesmo tempo, boas quituteiras, para assim criarem melhor os fi lhos e concorrerem para a felicidade nacional. Não há povo feliz quando às suas mulheres falta a arte culinária. É uma falta quase tão grave como a da fé religiosa” (idem:60).

A Filha do Advogado não toma esse caminho de problematização explícita do que é entendido como nacional ou regional. Não obstante o fi o condu-tor melodramático apontado, ao mesmo tempo e em parte por intermédio dele, o fi lme nos diz Nordeste fundamentalmente por meio do dizer uma Recife moderna, lócus de uma elite formada por profi ssionais liberais. Não como dois planos (o melodrama, a cidade como seu ambiente) que remetem um ao outro enquanto externalidades, mas ao modo de uma tota-lidade orgânica, posto que os dramas privados tematizados no melodrama caracteristicamente se constituem como metáfora à própria sociedade, particularmente à sociedade burguesa, urbana e moderna da qual o gênero é produto (Xavier, 2003). No caso de AFA, ao fazer isso o fi lme qualifi ca a sociedade recifense exclusivamente sob essa dimensão, na medida em que é omisso em relação a outras dimensões imagináveis, como as do universo popular, da elite terratenente, etc. De modo distinto, a Recife do Manifesto, dita uma “velha metrópole regional” (Freyre, 1967: 27) –região associada explicitamente aos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão, Alagoas e Ceará–, é apresentada como síntese de um Nordeste mescla de povo e elite. Elite de senhores de terra do açú-car, mas também do gado e do algodão. Povo de “negras de tabuleiro”, de cantadores de modinhas, de babalorixás e ialorixás,35 de “doutores” em ervas e plantas regionais, de sábios arquitetos matutos a criar mucambos36 e confortos de ruas estreitas, de sagazes estilistas a inventar trajes próprios ao clima inclemente, de engenheiros sem escola a desenhar impossíveis jangadas, de capoeiras.37

Essa regionalidade consignada no Manifesto, que harmoniza povo e elite mantendo todos nos seus devidos lugares sociais, também se pretende su-peradora de identidades estaduais, como expressão identitária “talvez mais lírica que geográfi ca e certamente mais social do que política”, todavia sem isso implicar em separatismo. As regiões teriam fundamento natural ao qual 35. Ialorixá (mãe de santo) e babalorixá (pai de santo) são, respectivamente, as fi guras sacer-dotais feminina e masculina do Candomblé (religião de origem afro).36. Mucambo é “a ‘casa do caboclo’, a (...) casa de palha dos pescadores das praias (...) o mucambo se harmoniza com o clima, com as águas, com as cores, com a natureza, com os coqueiros e as mangueiras, com os verdes e os azuis da região como nenhuma outra cons-trução” (Freyre, 1967:37).37. Capoeiras é a forma que designa os praticantes da capoeira, luta que escravos africanos trouxeram para o Brasil, mais tarde popularizada e praticada como esporte.

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se teria sobreposto o social. O Manifesto fala da nação através da região: “O conjunto de regiões é que forma verdadeiramente o Brasil. Somos um conjunto de regiões antes de sermos uma coleção arbitrária de ‘Estados’, uns grandes, outros pequenos, a se guerrearem economicamente (...) num jogo perigosíssimo para a unidade nacional” (Freyre, 1967:32-33).

Talvez não haja região no Brasil que exceda o Nordeste em riqueza de tradições ilustres e em nitidez de caráter. Vários dos seus valores regionais tornaram-se nacionais depois de impostos aos outros brasilei-ros menos pela superioridade econômica que o açúcar deu ao Nordeste durante mais de um século do que pela sedução moral e pela fascinação estética dos mesmos valores (...) Como se explicaria, então, que nós, fi lhos de região tão criadora, é que fôssemos agora abandonar as fontes ou as raízes de valores e tradições de que o Brasil inteiro se orgulha ou de que se vem benefi ciando como de valores basicamente nacionais? (Freyre, 1967: 34-35).

... o Nordeste tem o direito de considerar-se uma região que já grandemente contribuiu para dar a cultura ou à civilização brasileira autenticidade e originalidade e não apenas doçura ou tempero (...) Apenas nos últimos decênios é que o Nordeste vem perdendo a tradição de criador ou recriador de valores para tornar-se uma população quase parasitária ou uma terra apenas de relíquias ... (idem: 35-36).

... neste Nordeste em que vêm se transformando em valores brasilei-ros, valores por algum tempo apenas subnacionais ou mesmo exóticos. (idem: 67).

Pois o Brasil é isto: combinação, fusão, mistura. E o Nordeste, talvez a principal bacia em que se vêm processando essas combinações, essa fusão, essa mistura de sangue e valores que ainda fervem: portugueses, indígenas, espanhóis, franceses, africanos, holandeses, judeus, ingleses, alemães, italianos. (ibidem)

A Recife do Manifesto então, vista e projetada como síntese regional e de um almejado Brasil de determinada ordem, contrasta e aproxima-se da Re-cife de AFA, emblema de ordem harmônica sem povo a espelhar idealizadas metrópoles de outra ou qualquer região, de outra ou qualquer nação.

A tradição melodramática que identifi camos em AFA nos remete a uma pedagogia moralizante burguesa, tanto no fi lme, como no Manifesto. No fi lme a narrativa incorpora, em sentido de apaziguamento ou superação, práticas paradoxais, contraditórias e cínicas face à moderna ética humanista supostamente reinante. O MR, por seu caráter intrínseco de proclamação, afi rma de modo que se instrui apodítico valores e práticas da dominação como se fossem universais.

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Em ambas as obras sob enfoque a tensão entre o que poderia ser visto como tradição pré-moderna e o moderno propriamente dito é reinscrita como tensão entre dobras constituintes do próprio ethos moderno. É dentro de um moderno assim delineado, complexo, enrugado, não homogêneo, que o melodrama AFA se desenrola. Nele, “soluções” e omissões em relação a questões manifestas ou sugeridas: a condenação moral ao comportamento de Helvécio e a regeneração da honra de Heloisa coexistem com o não questionamento das atitudes passadas do advogado. Mesmo que ao fi nal da história a atitude condenável do pai com a fi lha seja formalmente corrigida, o caráter do advogado parece redimido desde o momento que partilha o segredo com o primo. Mas talvez ainda mais do que isso, a falta ética e jurídica de Paulo Aragão em nenhum momento é sugerida condenável, a não ser, indireta e sutilmente, pelo fato de ter sido mantida em segredo. No Manifesto a tradição popular a ser preservada é aquela entendida como tal, fi ltrada e apropriada pela elite. Os valores societários da dominação e das próprias relações entre os grupos no poder são objetos de cuidado. Ambos ameaçados pela intrusão moderna de estrangeirismos desarticu-ladores. Mas, ainda assim, não há no Manifesto rejeição plena do novo de origem exógena. Numa verdadeira pedagogia da conciliação, propõe a convivência do que afi rma como reconhecida necessidade do moderno com o tradicional julgado positivo, ou seja, o moderno combatido deveria ser apenas aquele julgado pelos regionalistas como correspondente a “mau cosmopolitismo e ...falso modernismo” (Freyre, 1967:73) praticado por setores da própria elite.

... o mucambo [‘casa do caboclo’, (...) casa de palha dos pescadores das praias] se harmoniza com o clima, com as águas, com as cores, com a natureza, com os coqueiros e as mangueiras, com os verdes e os azuis da região como nenhuma outra construção. Percebeu-o o orientalista francês (...) Com toda a sua primitividade, o mucambo é um valor regional e por extensão, um valor brasileiro, e, mais do que isso, um valor dos trópicos (...) O mucambo é um desses valores. Valor pelo que representa de har-monização estética: a da construção humana com a natureza. Valor pelo que representa de adaptação higiênica: a do abrigo humano adaptado à natureza tropical. Valor pelo que representa como solução econômica do problema da casa pobre: a máxima utilização, pelo homem, na natureza regional, representada pela madeira, pela palha, pelo cipó, pelo capim fácil e ao alcance dos pobres (Freiyre, 1967: 37-38).O mesmo poderia alguém dizer das velhas ruas estreitas do Nordeste. Bem situadas, são entre nós, superiores não só em pitoresco como em higiene às largas. As ruas largas são necessárias - ninguém diz que não, desde que exigidas pelo tráfego moderno; mas não devem excluir as estreitas (idem: 39).

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Reconheçamos a necessidade das ruas largas numa cidade moderna, seja qual for sua situação geográfi ca ou o sol que a ilumine; mas não nos esqueçamos de que a uma cidade do trópico, por mais comercial ou industrial que se torne, convém certo número de ruas acolhedoramente estreitas nas quais se conserve a sabedoria dos árabes, antigos donos dos trópicos... (idem: 40).

O fi nal feliz da história de AFA positiva-se por meio de uma purifi cação do mal que conspurcava efetiva ou aparentemente os protagonistas: o vi-lão Helvécio é eliminado, o traidor Gerôncio se arrepende, o assassinato praticado por Heloisa é justifi cado, o advogado reconhece socialmente a fi lha “ilegítima”. Ao Manifesto não cabe propriamente falar de um fi nal feliz (ou mesmo infeliz). Sua narrativa como um todo é marcada por certo sentido de ventura que se manifesta de diversos modos a partir da suposição constituinte do Nordeste aí afi rmado, a suposição da harmonia reinante naquilo que fundamenta a região: consonância entre as classes, consonância entre os mundos social e natural.

No caso de AFA, é a estruturação melodramática o que permite que costure determinada visão da sociedade burguesa com certo propósito moralizante. É desse modo, através de um drama privado, que poderia se desenrolar aparentemente em qualquer cidade moderna do século XX, que o fi lme constrói o particular, o Recife dos anos 1920 que idealiza a partir de uma certa visão de mundo. Diversas seqüências têm um apelo docu-mental, provocando ao espectador a sensação de um “existir” determinada Recife como cidade moderna. Efeito similar é obtido no Manifesto por meio das detalhadas descrições de alimentos e seus modos de preparação, e de imagens e sensações olfativas que emergem em perambulações do autor pela cidade.

Um exemplo dessa situação em AFA é a primeira seqüência. Essa primeira unidade narrativa do fi lme cumpre a função de apresentação do espaço em que a história narrada se desenrola.

É composta de seis planos imagéticos, introduzidos e fi nalizados por cartela. Há também um letreiro intermediário entre o terceiro e o quarto plano. Os dois primeiros textos funcionam informando e enaltecendo a cidade (Recife, nomeada explicitamente) das imagens apresentadas na seqüencia. Sob certo aspecto, sublinham o exposto visualmente. O texto do fi nal opera como um encerramento à apresentação da cidade e anuncia a natureza do que será narrado tendo por lócus aquele espaço urbano.

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Os planos, separados por cortes secos, a sugerir uma multiplicidade sincrônica de olhares, podem ser agrupados em duas unidades: a dos três primeiros e a dos planos subseqüentes, ambos mostrando imagens diurnas da cidade. A primeira unidade mostra Recife através de planos gerais, com câmara fi xa, em plongée, enquadramento frontal e grande profundidade de campo. A sensação geral provocada é a de uma cidade ampla, densa, bela e moderna em suas formas arquitetônica e urbanística. O distanciamento da câmara do primeiro e do terceiro planos é quebrado pela maior aproxima-ção existente no segundo, o que permite tênue percepção da vida urbana, sinalizada por intermédio da visão do movimento de veículos e pessoas. Ainda que de modo sutil, posto que não há fi gura em primeiro plano, as formas do casario, o vestuário das pessoas e os tipos de veículos indicam um espaço de elite. Essa percepção através das imagens é já sugerida e, de certo modo, conotada, pelo letreiro introdutório que fala em “berço de heróis” e “beleza que empolga e enobrece”. No terceiro plano destaca-se, não por realce particular na imagem, mas por quantidade, a presença de igrejas, a sugerir a marca da tradição e dos valores cristãos na cidade.

O segundo grupo de planos funciona como um mergulho à vida na cidade antes vista a distância. Introduzido pelo texto “Com suas ruas mo-vimentadas e o ‘footing’ ao entardecer”, o que aparece levemente traçado anteriormente é agora explicitado por imagens ora em plongée acentuado e enquadramento fechado, ora em posição horizontal a destacar perspecti-vas de ruas. A dinâmica urbana aparece claramente e em maior plenitude. Torna-se evidente o cosmopolitismo da Recife apresentada, no qual a própria película se insere, não só pelas imagens que privilegiam moderni-dades (bonde, carros, ruas largas, rede elétrica, trânsito intenso, vestuário da moda, arquitetura elaborada), mas também pelos escritos sofi sticados e permeados de anglicismos (footing, fi lm). As fi guras humanas, reiterando o urbano moderno, aparecem enquanto multidão, sinalizando, como as próprias imagens da cidade em geral, o campo em que a narrativa irá se desenrolar: o das relações humanas. O letreiro fi nal dessa seqüencia de abertura esclarece isso. Afi rma que naquela cidade de coisas e seres mo-dernos também acontecem sofrimentos, tragédias e “romances passionaes, como o que ides ver no desenrolar deste fi lm”.

Em conjunto a primeira seqüência diz o espaço da trama, uma Recife cosmopolita em sua arquitetura, urbanismo e modos de vida, marcada pela presença da Igreja, ensolarada, amena, sem sombras de problemas sociais e políticos a conspurcar seus habitantes. A estes restariam, todavia, os sofrimentos das paixões.

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No Manifesto, mostram-se exemplares as seguintes passagens:Raro um Pedro Faranhos Ferreira, fi el; em sua velha casa de engenho –infelizmente remodelada sem nenhum sentido regional– aos pitus do Rio Una. Raro um Gerôncio Dias de Arruda Falcão que dirija ele próprio de sua cadeira de balanço de patriarca antigo o preparo dos quitutes mais fi nos para a mesa imensa da casa-grande –quase um convento– que herdou do Capitão Manuel Tomé de Jesus, lembrando à cozinheira um tempero a não ser esquecido no peixe, insistindo por um molho mais espesso no cozido ou por um arroz mais solto para acompanhar a galinha, recordan-do às senhoras da casa, as lições de ortodoxia culinária guardadas nos velhos livros de receitas da família. Rara uma Dona Magina Pontual que se esmere ela própria no fabrico de manteiga que aparece à mesa da sua casa-grande: a do Bosque. Rara urna Dona Rosalina de Melo que faça ela própria os alfenins de que não se esquecem nunca os meninos que já passaram algum fi m de ano no Engenho de São Severino dos Ramos. E o professor Joaquim Amazonas me recorda o famoso mingau-pitinga do Engenho Trapiche: delicioso mingau do qual parece ter se perdido a receita (Freyre, 1967:59-60).Quando aos domingos saio de manhã pelo Recife - pelo velho Recife mais fi el ao seu passado –e em São José, na Torre, em Casa Amarela, no Poço sinto vir ainda de dentro de muita casa o cheiro de mungunzá e das igrejas o cheiro de incenso, vou almoçar tranqüilo o meu cozido ou o meu peixe de coco com pirão. Mais cheio de confi ança no futuro do Brasil do que depois de ter ouvido o Hino Nacional executado ruidosamente por banda de música ou o ‘Porque me ufano do meu país’, evocado por orador convencionalmente patriótico (idem:60-61).

Esse modo de construção imagético utilizado por AFA se insere como sustentáculo da estrutura melodramática e ancora a organização narrativa característica do que Deleuze denomina de “cinema clássico” (cf. Deleuze, 1992, 2004 e 2005): a sucessão de planos encadeados e um sistema linear de causa e conseqüência, de questão e resposta, dialogam explicitamente com o “real documentado”. Daí justamente o efeito de “identifi cação” –provocado pelas características próprias da imagem cinematográfi ca (Metz, 2006) e ainda reiteradas através do apelo emotivo do melodrama– ser acompanhado de um efeito de “legitimação” do que é mostrado na tela.38 A cidade Recife narrada por A Filha do Advogado, como já dito, é 38. Como afi rma Ismail Xavier (2003), o melodrama está associado à vertente que compreende o advento do cinema como “coroamento” do projeto de representação ilusionista da realidade, advinda do teatro popular do século XIX. Segundo esse autor, essa vertente entende o cinema como um meio de excelência para a criação de ilusão da realidade, já pretendida no teatro infl uenciado pela crítica de Diderot, que demandava um modo de expressão onde os aspectos visuais (cenário, gestual, fi gurino) compusessem a constituição das cenas, tanto quanto o texto. O melodrama do cinema seria uma potencialização do objetivo herdado do teatro, de “elaboração de um jogo cênico que, dando ênfase à expressão dos sentimentos trazida pelo gesto e pela fi sionomia, crie a ilusão de realidade das emoções sugeridas pelos atores, faça palpável aqui e agora o conjunto de situações vividas pelas personagens” (Op. cit.:63).

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cosmopolita, moderna e burguesa. Outras possíveis e imagináveis Recifes, sincrônicas ou diacrônicas, ou mesmo ubíquas, não constituem referên-cias ou contrapontos à trama.39 O Manifesto, ainda que sinalizando em uma única e exclusiva passagem a desigualdade social e territorial do que designa Nordeste, não deixa de fazer prevalecer uma construção monista de Recife e Nordeste.

Procurando reabilitar valores e tradições do Nordeste repito que não julgamos estas terras, em grande parte áridas e heroicamente pobres, devastadas pelo cangaço, pela malária e até pela fome, as Terras Santas ou a Cocagne do Brasil. Procuramos defender esses valores e essas tradições, isto sim, do perigo de serem de todo abandonadas, tal o furor neófi lo de dirigentes que, entre nós, passam por adiantados e “progressistas” pelo fato de imitarem cega e desbragadamente a novidade estrangeira (Freyre, 1967:33-34).

Ao espelhar de maneira exemplar as características do gênero hegemônico da produção cinematográfi ca americana de sua época –o melodrama–, A Filha Advogado realiza dois desempenhos discursivos: valoriza a cultura estrangeira através da forma cinematográfi ca e inscreve dramas morais na cidade/sociedade da época por meio do argumento narrativo. Essas ca-racterísticas são as que, em nossa visão, conotam a peculiaridade do dizer Nordeste aí constituído. É dessa forma, distanciando-se dos Nordestes predominantes seus contemporâneos –aqueles Nordestes do universo rural, da rudeza de homens e coisas, de senhores, servos e rebeldes, do heróico, do fanatismo–, que tece o seu próprio Nordeste. O universo de AFA é urbano, cosmopolita. Os personagens centrais são profi ssionais liberais e/ou fazem parte de famílias de traço burguês moderno. Padrões estéticos em relação ao vestuário e à música remetem diretamente a esse tipo de cultura.

Seqüência exemplar sobre isso é a da festa de aniversário de Olga, a noiva do vilão Helvécio. Trata-se de unidade narrativa intermediária, parte do que se poderia entender como apresentação do ambiente so-cial dos protagonistas e, em especial, do tipo de comportamento, nesse ambiente, daquele que encarna o mal na história. É composta de treze planos imagéticos, introduzidos e fi nalizados por cartelas. Há também uma entre o oitavo e o nono plano. A cartela introdutória –“Como se aproveita a liberdade”– afi rma a festa mostrada em seqüencia como modo de vivêncida liberdade. A forma sintática impessoal, inclusive, sugere um universalismo a esse modo. Mas concretamente as imagens apresentadas são de uma festa de elite, portanto, confrontando texto e imagens, poderia dizer-se que se trata de um modo particular da elite ‘aproveitar a liberdade’, marcado pelo requinte do local (amplo salão

39. Uma certa “Recife dos mangues” aparece no fi lme pejorativamente marcada, de forma indireta e sutil, através do apodo de “pescadora de lamaçais” atribuído pela noiva do vilão à heroína Heloisa durante o julgamento desta.

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com pé direito alto, paredes com grafi smos, longas cortinas em janelas), pela banda de jazz (explicitada pelo termo “Jazz” escrito na bateria, por certo tipo específi co de instrumental –banjo, saxofone– e pelo ges-tual dos músicos), pelo vestir a rigor (homens de smoking e mulheres de longo, fortemente maquiadas e algumas com arabescos na cabeça), pelo serviço oferecido (garçons, também vestidos a rigor e com luvas, oferecendo bebidas e comidas). Todavia, um duplo modo de “aproveitar a liberdade”, posto que, sob um fundo lúdico comum, duas formas de comportamento são mostradas na mesma festa: uma, seguindo o padrão da moralidade e das convenções sociais burguesas, em termos de formas e modalidades de dança, do relacionamento homem / mulher, do comer e do beber; a outra, em franca contradição com esse padrão. O letreiro intermediário cumpre duas funções. Primeiramente, afi rma aquele tipo de festa como algo comum à “sociedade recifense’40, ou seja, à elite da cidade, na medida em que não há qualquer presença popular nas cenas, à exceção, talvez se possa considerar, dos músicos e serviçais, mas que, entretanto, não estão ali presentes “aproveitando a liberdade”. A outra função é relembrar ao expectador a questão que fundamenta a trama41. Seqüência exemplar sobre isso é a da festa de aniversário de Olga, a noiva do vilão Helvécio. Trata-se de unidade narrativa intermediária, parte do que se poderia entender como apresentação do ambiente so-cial dos protagonistas e, em especial, do tipo de comportamento, nesse ambiente, daquele que encarna o mal na história. É composta de treze planos imagéticos, introduzidos e fi nalizados por cartelas. Há também uma entre o oitavo e o nono plano. A cartela introdutória –“Como se aproveita a liberdade”– afi rma a festa mostrada em seqüencia como um modo de vivência da liberdade. A forma sintática impessoal, inclusive, sugere um universalismo a esse modo. Mas concretamente as imagens apresentadas são de uma festa de elite, portanto, confrontando texto e imagens, poderia dizer-se que se trata de um modo particular da elite ‘aproveitar a liberdade’, marcado pelo requinte do local (amplo salão com pé direito alto, paredes com grafi smos, longas cortinas em janelas), pela banda de jazz (explicitada pelo termo “Jazz” escrito na bateria, por certo tipo específi co de instrumental –banjo, saxofone– e pelo gestual dos músicos), pelo vestir a rigor (homens de smoking e mulheres de longo, fortemente maquiadas e algumas com arabescos na cabeça), pelo serviço oferecido (garçons, também vestidos a rigor e com luvas, oferecendo bebidas e comidas). Todavia, um duplo modo de “aproveitar a liberdade”, posto que, sob um fundo lúdico comum, duas formas de comportamento são mostradas na mesma festa: uma, seguindo o padrão da moralidade e das convenções sociais burguesas, em termos de formas e modalidades de dança, do relacionamento homem / mulher, do comer e do beber; a outra, em franca contradição com esse padrão. O letreiro intermediário

40. “Incontáveis foram as festas realizadas pela sociedade recifense...”41. “...entretanto, apesar dos murmúrios dos ‘fi lhos da candinha’, permaneceu intacto o grande segredo do advogado”.

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cumpre duas funções. Primeiramente, afi rma aquele tipo de festa como algo comum à “sociedade recifense’,42 ou seja, à elite da cidade, na medida em que não há qualquer presença popular nas cenas, à exceção, talvez se possa considerar, dos músicos e serviçais, mas que, entretanto, não estão ali presentes “aproveitando a liberdade”. A outra função é relembrar ao expectador a questão que fundamenta a trama.43 O texto de encerramento, uma fala do vilão,44 marca o fi nal da festa e introduz a seqüencia que segue. Os planos, separados por cortes secos, e, alguns, de curtíssima duração, realçam o caráter frenético da festa mostrada. Em todos esses planos a câmara está fi xa, posicionada horizontalmente na altura dos olhos de alguém em pé. Mas, exatamente por sua fi xidez, não se pode considerar que indique o olhar de um efetivo participante do baile. Sugere mais a visão de um observador presente, todavia distanciado, atento a tudo, com destaque aos desregramentos de certo grupo dentro da festa. Esse relevo, que soa crítico, é reforçado pela interpretação caricata do vilão e seus amigos nessa seqüencia, e também pela ação destes dife-rencialmente ousada (beijos na boca), desregrada (personagens sentados sobre mesas, bebendo diretamente de garrafas, embriaguês) e machista (noivo da aniversariante em sedução se acha graça tal tipo de ação). A crítica do narrador aparece ainda mais destacada na medida em que a grande profundidade de campo de todos os planos permite ver ao mesmo tempo os dois tipos de comportamento. O desregramento aí presente é ainda sugerido no âmbito da própria composição dos planos, pela ruptura causada em um plano que foca estaticamente a banda e é “interrompido” pela passagem frente à câmara do vilão e parte de seu grupo dançando fora do compasso dos outros. Toda essa forma imagética da seqüencia traz à tona outro aspecto que pode ser entendido como parte da crítica moral que marca essa unidade narrativa. Os personagens que agem dentro dos padrões na festa, a maioria, não evidenciam nenhuma reprovação dos atos do grupo do vilão, sinalizando certa condescendência no seio da elite. Isso fi ca ainda mais evidente no plano fi nal da seqüencia, em que a família da noiva aniversariante despede-se do noivo em perfeita harmonia. Em conjunto, a seqüência diz do ambiente social em que a trama se desenrola, destacando contradições comportamentais desse am-biente, ainda que esses paradoxos que se constituem na ordem moral não sejam explicitados enquanto tais pelos personagens. Esse aspecto merece especial destaque em relação ao todo da película, como certa imagem síntese do éthos exposto, na medida em que o protagonista “guardião da moral”, o pai/advogado, é portador de um “pecado original” (uma fi lha bastarda, mantida em segredo), supostamente redimido ao fi m, que funciona como mote e fi o condutor do melodrama.

42. “Incontáveis foram as festas realizadas pela sociedade recifense...”.43. “...entretanto, apesar dos murmúrios dos ‘fi lhos da candinha’, permaneceu intacto o grande segredo do advogado.”44. “Vamos todos em minha limousine”.

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A estrutura e a dinâmica urbana mostradas em AFA dizem ainda mais di-retamente uma Recife desterritorializada. Ruas retilíneas e largas, tomadas por postes e fi ação, intensamente ocupadas por gente, comércio e veículos de transporte modernos –carros e bondes elétricos–, associada a uma ar-quitetura imponente, remetem a traços haussmannianos, às cidades ícone da modernidade européia, mas também ao imagético de um Rio já trans-formado por Pereira Passos45 e uma São Paulo ideada, posteriormente, por Prestes Maia.46 Não há, portanto, nenhum apelo a supostas singularidades regionais a caracterizar essa Recife de AFA como, ao inverso, é feito no Manifesto Regionalista –as ruas estreitas, os mucambos, a presença nas ruas das “negras de tabuleiro”, os dores da cozinha regional, etc. A Recife cons-tituída no fi lme, a um estranho àqueles enquadramentos e ângulos, poderia ser tomada como qualquer outra cidade que se inscrevesse no perfi l urbano moderno da época. Contudo, esse aparente desenraizamento da cidade é exatamente, a nosso ver, o que a (re)territorializa e a torna predicado do Nordeste constituído no discurso AFA. É como urbe similar a Paris, New York, Rio de Janeiro ou São Paulo que essa Recife regionaliza a partir de si, capitaneando e sobredeterminando um mundo rural, deslizando da representação tradicional que a diz dominada pelo campo enquanto pólo comercial de economias rurais.

A Recife emblema do Nordeste constituído no Manifesto é distinta e intrinsecamente crítica a uma Recife como a de AFA, ainda que ambas possam ser ditas como trama de legado e novidade. Mas para o fi lme a marca da tradição, ainda que conotada como moderno, não extrapola ao campo dos valores morais regentes das relações societárias, seja no âm-bito do privado (enquanto domínio do afeto), seja no âmbito do público (enquanto domínio das relações de trabalho, das relações jurídicas, das práticas religiosas, da produção e da transmissão dos saberes, etc.). Ao olhar fundado nas posições expressas pelo Manifesto essa perspectiva da construção fílmica poderia ser dita limitada e determinante de desvio con-denável. Limitada porque não teria em conta a complexidade mais larga e profunda, emergente da história social e das relações com a natureza, que constituiria Recife e Nordeste. O desvio condenável a que isso levaria seria a de considerar a cidade e a região como puramente um espelho do que lhe é exógeno, sem ter em conta que o novo que daí advém é amoldado numa diversidade cultural harmônica, fusão de legados europeus, africanos e nativos, traduzida objetivamente nas formas e modos de sociabilidade, como a família patriarcal, o personalismo nas relações políticas, o não

45. Francisco Pereira Passos foi prefeito do então Distrito Federal entre 1902 e 1906.46. Francisco Prestes Maia foi prefeito nomeado de São Paulo no período 1938-1945 e prefeito eleito no período 1961-1965.

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monetarismo pleno nas relações de trabalho, os modos de apropriação e transformação da natureza, a arte culinária, a música, a dança, etc. Enfi m, constituindo um estrangeirismo como modo da modernização que implica em desvalorização do que é próprio em função do que é cosmopolita.

Como ponto de interrupção de todo este nosso palavrório, sulcados por A Filha do Advogado dizemos o Manifesto Regionalista como um discurso que afi rma Nordeste por meio da lógica da perda costurada por uma estética da nostalgia e uma ética da dominação. E, em sentido inver-so, sulcados pelo Manifesto Regionalista, dizemos A Filha do Advogado como um discurso sintonizado acriticamente com o novo, afi rmando uma Recife e um Nordeste de valores morais conservadores através de uma estética modernista.

Brechas, dobras, teceduras(ou palavrório de saimento)

Os traços primordiais desses dizeres Nordeste, enunciados cerca de oito décadas atrás, trespassaram o tempo até a atualidade polarizando novas invenções de região (Nordeste) e, mediatamente, de nação brasileira. Um caso exemplar da presença de certos tipos dessas marcas é a construção Nordeste, presente no Relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvi-mento do Nordeste (GTDN), documento analítico-propositivo do governo brasileiro do fi nal dos anos 1950, que viria, pouco tempo após, dar ensejo à criação da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SU-DENE), instituição de fundamental importância à ação governamental até o início dos anos 1990. Do mesmo modo, ainda que construída em outra linguagem, por um tipo de agenciamento completamente distinto e visando outro universo de socialização, é também exemplar a cinematografi a que se inicia com O Cangaceiro (Lima Barreto – 1953) e norteia obras cruciais do chamado Cinema Novo, no início da década de 1960, como Vidas Se-cas (Nelson Pereira dos Santos – 1963), Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha – 1964) e Os Fuzis (Ruy Guerra – 1964). Esses últimos desdobram ainda o Nordeste rural, oligárquico e de perda que respectiva-mente constroem em uma perspectiva de revolução nacional.

Não obstante, na atualidade, para além de discursos que simplesmen-te ainda reiteram desdobrando como alteridades esses traços, outros se constituem por meio de uma ética e de uma estética da mistura –presente destacadamente no cinema nacional produzido desde os anos 1990 no

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processo que vem sendo denominado corriqueiramente de “retomada”,47 e que em parte traz de volta a produção descentralizada de Rio de Janeiro e São Paulo dos antigos Ciclos Regionais– que têm conspurcado a nitidez das fronteiras entre os dizeres Nordeste do rural, da tradição e da perda, e aqueles do urbano e do moderno conservador. São destaques da cine-matografi a fundada nessa perspectiva os fi lmes Central do Brasil (Walter Salles – 1998), Amarelo Manga (Cláudio Assis – 2003), Árido Movie (Lírio Ferreira - 2005), Cinema, Aspirinas e Urubus (Marcelo Gomes – 2005), O Céu de Suely (Karim Aïnouz – 2006) e Viajo porque preciso, volto porque te amo (Marcelo Gomes e Karim Aïnouz – 2010).

Outras formas de manifestação artística também têm transitado sem mesmo reconhecer a fronteira aludida. Mais que isso, fazendo da mistura sua militância política e estética. Talvez a mais signifi cativa expressão disso tenha acontecido com o movimento surgido nos anos 1990 em Recife, conhecido como Manguebeat. Originado no âmbito da música, tramando ritmos regionais nordestinos com o pop internacional, zabumbas com gui-tarras elétricas, temas sertanejos com modernidades urbanas, cangaço com guerrilha, rapidamente espraiou-se a outras formas de expressão cultural como o próprio cinema, a moda e as artes plásticas.

A atualidade da construção de uma problemática nacional brasileira, embalada em perspectiva regional (nordestina) mas, paradoxalmente, borrando as tradicionais fronteiras regionais e também nacionais, borrando as diferenças rígidas entre espaços e culturas, entre indivíduo e coletivo é, assim, também ancorada em manifestações presentes nos diversos campos da cultura e não apenas em discursos da academia ou dos diversos âmbitos estatais.

Essa problemática, se no Brasil tem um momento de dobra no período concernente às duas obras abordadas dialogicamente neste trabalho, é algo inerente a própria concepção dos modernos estado-nação. O ideário nunca realizado de um estado, uma nação e, portanto, um território, gerou tensões veladas e guerras abertas desde o século XVIII até o presente, tanto na Europa quanto na América. Essa dobra, não obstante, objetivou-se conotada por situação política internacional singularmente tensa em função de consequências da 1a Guerra, da Revolução Soviética de 1917, do rastilho revolucionário que se seguiu na Europa e seus efeitos na Amé-rica Latina.

47. A chamada Retomada do cinema brasileiro indica, a partir de meados da década de 1990, a volta a uma produção cinematográfi ca mais signifi cativa em termos qualitativos e quanti-tativos, depois de uma década de minguamento.

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Nesse continente as primeiras décadas do século passado foram um caldeirão de eclosões sociais, políticas e culturais, marcadas pela herança colonial e pelos vieses ideológicos anarquista, socialista e comunista. Desse caldeirão destacamos no México a Revolução que se estendeu de 1910 ao correr dos anos 1920, cuja problemática nacional ecoa no campo artístico destacadamente com o muralismo de Rivera, Siqueiros e Orozco,48 e com o cinema, em particular no período revolucionário que vai até 1917, através de intensa produção documental sobre acontecimentos no campo de batalha. Essa vertente social e política de expressão, se obscurecida pela eclosão imediatamente posterior da produção de películas de fi cção, ao padrão hollywoodiano, e o subsequente encolhimento da atividade cinematográfi ca ao longo dos anos 20 (Maza, 2006), será retomada emblematicamente, no início da década de 30, com a fi lmagem no país de “Que Viva México” pelo cineasta soviético Sergei Eisenstein.49 Obra que não somente marcou o campo cinematográfi co de viés social no país, mas espraiou seu modo de visão a outras áreas, de certo modo pressagiando o clássico literário O Labirinto da Solidão, de Octavio Paz, já nos anos 1950 (Renó, 2007).

Na Argentina os controversos anos de governo Radical de Yrigoyen (1916-1922 e 1928-1930) e Alvear (1922-1928),50 se por um lado abriram espaço a conquistas liberais –como a Reforma Universitária– e populares –como a adoção de direitos trabalhistas–, ao mesmo tempo reprimiram violentamente mobilizações de trabalhadores da cidade e do campo. Não obstante, houve também espaço no período à emergência de manifestações culturais em interpelação ao clima social e político (Romero, 2006). Nas artes plásticas, em traço estético nitidamente marcado pelas vanguardas européias, Xul Solar talvez seja a expressão mais radical dessa perspectiva. O cinema expandiu-se esboçando um caráter industrial, todavia tendo na vertente de cunho social uma de suas expressões mais fortes e de ampla repercussão. Emblemático dessa conjuminação é a película “Juan sin Ropa” (Héctor Quiroga – 1919) que trata da repressão à insurreição anarquista conhecida como Semana Trágica em 1919 (Getino, 1998).

48. O muralismo é a pintura sobre paredes, em geral de dimensões grandiosas, de tradição milenar. No México, constitui no início do século XX, uma forma de expressão artística fortemente associada a perspectivas populares e revolucionárias. Aí a temática central é o povo, sua vida, sua história e seus valores. As personagens emblemáticas na origem desse movimento artístico são José Clemente Orozco, Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros.49. O cineasta soviético Serguei Eisenstein, já famoso durante a década de 1920 por seu fi lme O Encouraçado Potemkin, propõe-se a realizar no início dos anos 30 Que Viva México, obra voltada à história e à cultura do país. A película não chegou a ser concluída, mas mesmo assim deixou rastros à arte mexicana.50. O chamado radicalismo argentino refere-se ao partido União Cívica Radical (UCR), partido fundado no fi nal do século XIX. No século XX vincula-se à Internacional Socialista. Suas fi guras históricas de maior referência são Hipólito Yrigoyen e Marcelo T. de Alvear, ambos presidentes eleitos nas décadas de 1910 e 1920.

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No Brasil inúmeros episódios iriam fundamentar o caldo de cultura mais direto em que o Manifesto Regionalista e o fi lme A Filha do Advogado foram elaborados e vieram a público. Destacamos aí, especialmente pela pertinência com a temática regional ou nacional tratada no trabalho, as rebeliões de traço messiânico de Canudose do Contestado,51 as grandes greves operárias na nascente indústria de São Paulo e Rio de Janeiro, realizadas por trabalhadores maciçamente emigrados da Europa, o movi-mento liberal militar conhecido como “tenentismo” e a Coluna Prestes.52 No âmbito cultural, sem dúvida a Semana de Arte Moderna de 1922 é o ponto nevrálgico com manifestações de artes plásticas, literatura, arquite-tura e música, cujo sentido geral procurava ancorar o moderno em raízes e problemáticas sociais nacionais. Sentido que ecoou nos referidos Ciclos Regionais de cinema e nas manifestações regionalistas que marcaram os anos 20 não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina.

Nesse continente as criações das vanguardas européias foram absorvidas antropofagicamente problematizando questões que se constituíram como nacionais e/ou regionais, e fundando uma linguagem, ainda que de formato múltiplo, capaz de expressar as inquietações políticas e as provocações estéticas próprias daqueles que de diferentes maneiras buscavam promover acima de tudo o novo, no novo mundo (Capelato, 2005).

**Os Nordestes brasileiros que vemos nos discursos dos anos 1920 aqui trabal-hados –A Filha do Advogado e Manifesto Regionalista–, e que procuramos mostrar no que antecede, ainda que sem qualquer cunho revolucionário e alusão latino-americanista, mas respectivamente potências enquanto imagens e palavras, traduzem, cada um a seu modo, a tensão entre legado 51. A denominada Guerra do Contestado foi um confl ito armado que ocorreu na região Sul do Brasil, entre 1912 e 1916. Envolveu cerca de 20 mil camponeses que enfrentaram forças militares federais e estaduais. Esses camponeses, que haviam perdido suas terras por conta da construção de uma linha férrea por empresa norte-americana, foram liderados pelo beato José Maria que pregava a criação de um mundo de justiça e prosperidade, regido pelas leis de Deus. O governo, de modo similar a como agiu frente a Antônio Conselheiro, líder de Canudos, passou a acusar o beato de ser um inimigo da República. A repressão do exército e de forças estaduais terminou com a morte de milhares de camponeses.52. O Tenentismo foi um movimento de caráter político-militar que ocorreu no Brasil nas décadas de 1920 e 1930. Contou com a participação de tenentes e outros militares de baixa patente do exército que contestavam a ação dos governos representantes das oligarquias terratenentes. Embora tivessem uma posição conservadora e autoritária, defendiam reformas políticas e sociais. Os tenentistas chegaram a promover revoltas como a que fi cou conhecida como a dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922, e a chamada Revolta Paulista, em 1924. Do movimento emergiram lideranças que, em função da derrota nas insurreições, acabaram por constituir um contingente revoltoso que percorreu, entre 1925 e 1927, cerca de 25 mil quilômetros pelo interior do país pregando suas idéias e sofrendo constante combate das forças governamentais. Esse contingente móvel fi cou conhecido como Coluna Prestes em função de ter como um de seus líderes o então tenente Luiz Carlos Prestes. Prestes, mais tarde, tornou-se o líder máximo do Partido Comunista Brasileiro até sua morte em 1990.

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e mudança na construção da nação brasileira como imbricação entre raízes e labirinto.53 Tensão que se replicou enquanto problemática nacional no Brasil ao longo do século XX, similarmente ao que se desdobrou em outros países do continente.

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A Filha do Advogado (1926). Direção de Jota Soares, p&b, original em 35 mm, 92 min, silencioso, Recife. Cópia em DVD, Funarte / Fundação Joaquim Nabuco, Recife, s/d.

Recibido: 21 de febrero de 2011 Aprobado: 9 de diciembre de 2011

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