e a interpretação da^Biblia · PDF fileda^Biblia RUSSELL P. SHEDD. A JUSTIÇA SOCIAL E A INTERPRETAÇÃO DA BfBLIA ... Este estudo foi preparado para ser integrado a um livro que

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  • r ^ustiae a interpretaoda^Biblia

    RUSSELL P. SHEDD

  • A JUSTIA SOCIAL

    E A INTERPRETAO DA BfBLIA

    Russell P. Shedd, Ph. D.

  • A JUSTIA SOCIAL

    E A INTERPRETAO DA BBLIA

    Russell P. Shedd, Ph. D.

    SOCIEDADE RELIGIOSA EDIES VIDA NOVA Caixa Postal 21486, CEP 04698, So Paulo - SP

  • Copyright 1984 Russell P. Shedd

    Primeira Edio: 1984 Reimpresso: fevereiro de 1989 Reimpresso: setembro de 1993

    ISBN 85-275-0021-3

    Todos os direitos de publicao reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIES VIDA NOVA Caixa Postal 21486 04698-970 So Paulo-SP

  • PREFCIO

    Na segunda metade do sculo XX tem-se generalizado um forte alarido em favor da humanizao da sociedade.

    A injustia social destaca-se como o inimigo principal tanto dos homens como de Deus. Deve ser combatida ferozmente, com todas as armas que dispomos. Entre as mais poderosas, encontra-se a religio.

    Entre os combatentes na arena da justia social, posicionam-se alguns evanglicos. No incio deste sculo, perceberam a direo que tomava o evangelho social no seio do movimento liberal.

    A luta contra a secularizao do evangelho foi dura e prolongada. Os cristos conservadores retiraram-se do campo de batalha durante dcadas. Agora, renova-se o interesse pela questo de justia.

    Este ensaio apresenta uma breve anlise das posies evanglicas, inclusive a abertura para uma preocupao com a justia na sociedade.

    Todo cristo deve se conscientizar de que a Bblia no nos permite acompanhar indiferentemente a misria dos que so oprimidos por impiedosos dominadores avarentos. Mas, o que fazer? Qual seria a medida que Jesus ou Paulo tomariam diante disso? A direo escolhida pelos telogos da libertao teria fundamento na Bblia?

    Este estudo foi preparado para ser integrado a um livro que a comisso de teologia da World Evangelical Fellowship (WEF) idealizou sobre a hermenutica. Reuniram-se os membros da comisso em novembro de 1982 na Universidade de Cambridge, Inglaterra, para debater intensamente os ensaios e sugerir como poderiam ser melhorados. Em

  • seguida, foram reescritos e editados pelo Prof. D.A. Carson. A publicao da coleo chamada Hermeneutics and the Church por The Paternoster Press, est prevista para junho de 1984.

    Agradeo profundamente o estmulo da WEF como tambm ao conselho dos integrantes da comisso. Desejo externar tambm a minha gratido aos membros da comisso editorial de Edies Vida Nova pela publicao e divulgao deste estudo em portugus.

    Rssel P. Shedd

  • IN TR O D U O

    Segundo Karl Barth a funo da teologia evanglica formular uma pergunta concernente verdade, significando com isso que a tarefa do telogo inquirir se a igreja est compreendendo e comunicando (com sua palavra e sua vida) corretamente o evangelho. 1 possvel crer na Bblia de capa a capa e, mesmo assim, deixar de descobrir a verdade fundamental nela contida. 2 Uma entrega ao Autor e Senhor da Bblia, que produza transformao de vida, assim como uma submisso contnua ao Esprito Santo regenerador, o intrprete divino da Bblia, so pr-condies essenciais quando os desafios da Escritura so ouvidos e atendidos. No obstante, devemos precaver-nos do perigo da cultura obscurecer nosso reconhecimento da vontade de Deus em sua Palavra revelada. A justia social apresenta exatamente este desafio. Os que se apegaram com maior tenacidade ao plano elevado da inspirao bblica, com freqncia sufocaram as exigncias divinas para que o seu povo exemplificasse a sua profunda preocupao com a justia. Isto verdade, embora a justia seja,

    . . . uma das noes mais altamente respeitadas em nosso universo espiritual. Todos os homens, crentes religiosos e incrdulos, tradicionalistas e revolucionrios, invocam a justia e nenhum deles ousa contradiz-la. A busca da justia inspira as exprobaes dos profetas hebreus e as reflexes dos filsofos gregos. Ela invocada para proteger a ordem estabelecida, assim como para justificar a sua derrubada. . . um valor universal. 3A sensvel negligncia em preocupar-se com a justia social por parte

    dos evanglicos, deve ser ento largamente atribuda ao modo como eles1

  • compreendem a Bblia.4 Crer nela no basta, se no for compreendida. O objetivo da interpretao bblica cuidadosa, busca em primeiro lugar estabelecer o significado claro do texto , 5 o senso literalis. Os cristos, porm, interpretam o sentido das Escrituras quanto s questes de f de maneira muito diferente. Os problemas hermenuticos surgidos ao interpretar a Bblia como uma autoridade para a f, no se evaporam quando ela consultada com relao prtica m oral. . . ? Tanto o significado do texto como a nfase dada a certas passagens em detrimento de outras, nos foram transmitidas pelas nossas tradies evanglicas que, por sua vez, moldam nossas convices com respeito ao que certo ou errado na teologia e prtica. Idealmente, a arte da interpretao, a hermenutica, tenta reconstruir o contexto histrico-cultural dos materiais estudados, antes de proceder sua aplicao. 7 Esta a expectativa e o propsito de toda comunicao. A palavra de Deus no nova (embora a nossa situao possa ser), mas continua sendo a mesma palavra original escrita pelos profetas e registrada pelos apstolos. Ela precisa ser compreendida e aplicada com relevncia complexidade das situaes do indivduo e do mundo. Quando nosso discernimento cultural e tradicional observado como sendo oposto s claras regras bblicas, o problema hermenutico se agrava.8

    No passado, os evanglicos no estavam mais cegos aos deslizes teolgicos e aos pecados sociais do mundo do que outros homens sensveis e observadores em qualquer lugar. No final de contas, a contribuio dos evanglicos nas geraes anteriores, no sentido de diminuir a injustia social mediante oposio conjunta ao trabalho de crianas, escravido e totalitarismo, so do conhecimento comum. Os exemplos positivos de melhoria social, tais como orfanatos, hospitais, asilos, alvio da fome e numerosos males, materiais e sociais, no cessaram at hoje.9 Durante as duas ltimas dcadas, a voz quase silenciosa da preocupao dos evanglicos com a justia10 elevou-se novamente em alguns setores, tanto ao norte quanto ao sul do Equador. A contribuio oportuna de Ronald Sider, insistindo junto aos cristos abonados para que vivam com mais simplicidade, foi amplamente aceita pelo mundo de fala inglesa. Ren Padilla, Samuel Escobar, Orlando Costas e colegas menos conhecidos da Fraternidade de Telogos Latino-Americanos procuraram deixar bem clara sua posio, argumentando que o evangelho truncado transmitido pelos missionrios no Terceiro Mundo produziu igrejas indiferentes preocupao fundamental do reino de Deus com a justia. Todavia, a maior parte das igrejas evanglicas mais novas e em crescimento no se convenceram, se foram alguma vez desafia-2

    %

  • das a considerar os argumentos que favorecem o envolvimento em questes scio-polticas ou econmicas num nvel estrutural.

    A maioria das igrejas evanglicas do Brasil tem cuidadosamente evitado o envolvimento poltico direto. Tambm no tomaram uma posio conjunta a favor da oposio ala direita do governo. Elas, porm, apresentam exemplos brilhantes do amor de Cristo aos desvalidos, aos famintos, aos doentes e necessitados. Trs fatores predominantes explicam parcialmente este desinteresse. Primeiro, uma tradicional compreenso antecipada da Bblia, criada pela amarga controvrsia entre fundamentalistas e modernistas que encorajou os evanglicos a reagirem contra o evangelho social e se apegaram tenazmente s promessas de salvao de uma vida perfeita alm-tmulo.11 Segundo, o impacto negativo da aliana socialista com o atesmo exemplificado no desafio marxista a todo tipo de religio e liberdade. Terceiro,,a convico de que a tentativa de ganhar o mundo deve preceder qualquer esforo srio para melhor-lo. De fato, o xito na eliminao da injustia social s pode ser alcanado mediante a converso espiritual sobrenatural. Estas, entre outras razes, levaram os evanglicos a colocarem na lista negra a denncia de opresso e injustia social, assim como apagar de suas agendas tais questes.

    Mas as inmeras viagens, os meios de comunicao de massa, a misria dos favelados e as vtimas da seca, no podem deixar de impressionar nossa sensibilidade evanglica. Mais cedo ou mais tarde, todos ns temos de enfrentar a idia de que talvez sejamos todos responsveis at certo ponto pela evidente injustia no mundo que nos rodeia. Apesar do ativismo e das vozes agudas da esquerda poltica, a justia social parece ser hoje tanto uma miragem como o era h duzentos anos atrs, quando o humanismo radical fez sentir sua presena na revoluo francesa.1 2 Mais tarde, Marx e Nietzsche desenvolveram e disseminaram os germes das ideologias comunista e fascista. As conflagraes subseqentes das guerras e massacres do sculo vinte so suficientemente familiares. O impacto das teorias humanista e evolutiva deixou graves cicatrizes e uma perigosa diviso na opinio mundial, opondo-se ao socialismo e ao capitalismo.

    Os evanglicos hesitam em discutir as questes de injustia social devido sua convico da soberania de Deus.13 Embora admitindo o envolvimento de Deus, mas relutantes em dogmatizar como o santo e onipotente Criador dirige os acontecimentos no mundo, os pontos de vista dos evanglicos continuam revestidos de mistrio. Deus demonstra sua preocu-

    3

  • pao com o mal desumano e o sofrimento experimentado na histria? Caso positivo, como?14 A realidade fragmentada e desesperada de nossa poca confirma a afirmativa bblica de que o mundo inteiro jaz no Maligno (I Jo 5.19)? apropriado ler a Bblia, observar os males sociais, e consolar- nos com a evidncia incontestvel da depravao total? Apesar desta doutrina ter alcanado credibilidade de acordo com as manchetes atuais dos jornais e notcias na TV, somos culpados? A resposta evanglica a tais perguntas sugere que no se pode esperar um comporta