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E A INVENÇÃO DO AVIÃO CBPF Henrique Lins de Barros

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E A INVENÇÃODO AVIÃO

CBPF

Henrique Lins de Barros

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E A INVENÇÃO DO AVIÃO

Henrique Lins de Barros

Ministério da Ciência e Tecnologia - MCTCentro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF

Rio de Janeiro, 2006

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PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Luiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DE ESTADO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Sergio Machado Rezende

SECRETÁRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA INCLUSÃO SOCIAL - MCT

Rodrigo Rollemberg

SUBSECRETÁRIO DE COORDENAÇÃO DAS UNIDADES DE PESQUISA - MCT

Avílio Antônio Franco

DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS FÍSICAS - CBPF/MCT

Ricardo Magnus Osório Galvão

COORDENAÇÂO

João dos Anjos (CBPF)

PROJETO GRÁFICO

Ampersand Comunicação Gráfica (www.amperdesign.com.br)

APOIO

Departamento de Popularização e Difusão de C&T - DEPDI/MCTSecretaria de C&T para Inclusão Social - SECIS/MCTVITAE - Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social

Barros, Henrique Lins de

L 769 Santos Dumont e a Invenção do Avião / Henrique Lins de Barros;

- Rio de Janeiro : CBPF, 2006

20 p. : il.

ISBN 85-85752-16-5

Inclui bibliografia.

1. História da Aviação. 2. Santos Dumont. I. Título.

CDU 629.73 (091)

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APRESENTAÇÃO Voar e controlar o vôoforam grandes desafios que

mobilizaram cientistas, enge-

nheiros, inventores, visioná-

rios e aficionados por mais de

dois séculos. As tímidas de-

monstrações do pequeno balão

de ar quente, realizadas pelo jesuíta brasileiro Bartolomeu de Gusmão,

em 1709, mostraram que o sonho de voar poderia se transformar em

realidade. Outro brasileiro, o paraense Julio Cezar Ribeiro de Souza,

conseguiu em 1880 dar um passo na direção da dirigibilidade de

balões. Mas foi somente em 19 de outubro de 1901, quando o dirigí-

vel 6 de Alberto Santos Dumont contornou a torre Eiffel, em Paris,

que o vôo com controle ficou comprovado. No entanto, foi a inven-

ção do avião, em 1906, que produziu extraordinário impacto no ce-

nário mundial. O avião transformou-se no principal meio de trans-

porte transcontinental, alterando profundamente as relações inter-

nacionais e todos os aspectos da vida moderna.

O trabalho do mineiro Alberto Santos Dumont no campo da aero-

náutica é de uma impressionante criatividade. Inventor do primeiro

motor a explosão útil na aerostação e do motor de cilindros opostos,

inovador no uso de materiais até então ignorados, do relógio de pul-

so prático, entre outras muitas contribuições, Santos Dumont culmi-

nou sua carreira ao apresentar o primeiro avião, o 14bis, capaz de

realizar um vôo completo na presença de uma comissão de especia-

listas e do público, e ao inventar, pouco depois, o primeiro avião da

categoria ultraleve, o diminuto Demoiselle.

O processo de criação de Santos Dumont é um raro exemplo no

campo da inovação tecnológica. Projetou, construiu, testou e demons-

trou publicamente seus modelos, motivando outros inventores a se-

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guirem os caminhos descobertos por ele. Os vôos que realizou com

seus balões, seus dirigíveis e seus aviões forneceram elementos im-

portantes para o desenvolvimento subseqüente da aeronáutica.

Santos Dumont teve condições familiares particulares que permi-

tiram com que estudasse e se dedicasse à sua vocação tecnológica;

grande parte de suas atividades inventivas foram realizadas na

Europa, pois não havia condições para o desenvolvimento tecnológico

no Brasil naquela época.

O Ministério da Ciência e Tecnologia integra-se às comemora-

ções nacionais e mundiais do centenário do vôo do 14bis e promo-

ve a difusão, em colaboração com outras áreas de governo e com

a comunidade científica e tecnológica, de informações, materiais

educativos e de divulgação relativos ao acontecimento. É impor-

tante que todos os brasileiros, em particular os jovens, tenham a

possibilidade de conhecer melhor a vida e a obra deste grande com-

patriota, discernir o impacto de seus inventos e entender um pouco

da ciência e do entorno tecnológico que possibilitou seu sucesso.

Inspirados em seu exemplo, devemos estimular a curiosidade, va-

lorizar a criatividade e promover a inovação em todos os setores

da vida social. Um dos desafios atuais dos governos e da sociedade

brasileira é dar condições aos milhões de jovens brasileiros – um

extraordinário potencial humano – de terem uma educação de

qualidade, em particular no domínio das ciências. Quando tiver-

mos conseguido isto certamente teremos muitos outros feitos cien-

tíficos e tecnológicos a comemorar, como estamos fazendo agora,

com justo orgulho nacional, com Alberto Santos Dumont.

Sergio Machado RezendeMinistro da Ciência e Tecnologia

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Infância na fazenda. Alberto Santos

Dumont nasceu em 20 de julho de 1873, em

Minas Gerais, no sítio de Cabangu, próximo

à cidade que hoje leva seu nome. Logo, a fa-

mília saiu de Minas, e os Dumont fixaram-

se, em 1879, na região de Ribeirão Preto (SP),

onde o pai, Henrique Dumont

(1832-1892), iniciou uma bem-

sucedida fazenda de café, bati-

zada ‘Arindeúva’. A infância de

Alberto foi na fazenda, familia-

rizando-se com as máquinas de preparo dos grãos de café e com as

locomotivas, que facilitavam o transporte da produção, uma inova-

ção introduzida no Brasil escravagista por seu pai.

A mecânica é o futuro. O jovem Alberto estudou

por um breve período em Campinas (SP), no Colégio

Culto à Ciência. Em 1892, iniciou um período de for-

mação em Paris, com aulas particulares. Seguia os

conselhos de seu pai: “Em Paris, com o auxílio de

nossos primos, você procurará um especialista

em Física, Química, Mecânica, Eletricidade etc.;

estude essas matérias e não se esqueça de que o

futuro do mundo está na Mecânica. Você não

precisa pensar em ganhar a vida; eu lhe deixarei

o necessário para viver”.

Gênio inventivo. Alberto nunca teve uma forma-

ção regular. Era um esportista, como relatou um amigo

desse período: “aluno pouco aplicado, ou melhor, nada es-

tudioso para as ‘teorias’, mas de admirável talento prático e

mecânico e, desde aí, revelando-se, em tudo, de gênio inventivo”.

AFORMAÇÃO

Santos Dumontem 1901

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AAEROSTAÇÃO

E A FAMA

Brasil e os dirigíveis. Em

1897, Santos Dumont retornou

à Paris e começou a se de-

dicar ao problema da

aerostação, a ciência que

estuda os princípios bá-

sicos dos aeróstatos (ba-

lões e dirigíveis). Aprendeu

a arte do vôo livre e construiu, em 1898, seu

próprio exemplar, o Brasil. Foi um inovador,

procurando soluções novas, utilizando mate-

riais até então desprezados, para obter o menor

peso. O Brasil era o menor balão de hidrogê-

nio, com 113 m3 de gás num invólucro de seda

de apenas 6 m de diâmetro.

Soluções inovadoras. Também em 1898,

construiu um novo balão, o Amérique, capaz de

transportar alguns passageiros, bem como seu

primeiro dirigível, que, no en-

tanto, não apresentava a ri-

gidez necessária para voar.

Esse aparelho, embora não te-

nha realizado um vôo bem-

sucedido – caiu duas vezes –,

apresentou inovações revolu-

cionárias. A mais importante

era o uso de um motor a combustão interna. Foi,

de fato, o primeiro motor a gasolina da aero-

náutica. No ano seguinte, apresentando-se com

seu segundo dirigível – quase igual ao primeiro –,

sofreu um novo acidente. Nesse mesmo ano, con-

seguiu voar com sucesso em seu terceiro dirigível,

que apresentava novas soluções para o vôo.

Acidentes e prêmio. Em 1900, Santos Du-

mont estava disposto a tentar ganhar o prêmio

Deutsch, oferecido ao aeronauta que conse-

guisse realizar um vôo em circuito fechado de

11 km. O trajeto incluía sair de Saint Cloud, nos

arredores de Paris, contornar a

Torre Eiffel e voltar ao ponto de

partida. Tudo em menos de 30

minutos. Fez experiências com

seu dirigível 4, mas abandonou

Em 23 de junho de 1903,Santos Dumont estaciona o N-9em frente ao seu apartamento,no coração de Paris. Pára a Cidade Luz.Depois, realiza inúmeras demonstraçõescom o seu dirigível, chamandoa atenção do mundo todo.

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MAISPESADOQUE O AR

o aparelho. Após introduzir nele novas soluções, partiu para a

competição. Dessa vez, com seu número 5, dirigível um pouco

maior. Em 8 de agosto de 1901, caiu sobre os telhados do Hotel

Trocadero, num grave acidente. Em 22 dias, no entanto, cons-

truiu um novo dirigível, o número 6, e, depois de realizar testes e

sofrer novos acidentes, conseguiu, em 19 de outubro de 1901,

realizar o vôo em torno da Torre Eiffel, o que lhe garantiu o prê-

mio Deutsch, apesar de alguns membros se manifestarem

contrários.

Uma das facetas. Aqui, surge uma das outras facetas de San-

tos Dumont: a generosidade. Antes de realizar o vôo, anuncia

publicamente não ter interesse no prêmio de 100 mil francos e

que, se vier a ganhá-lo, doará metade dele para seus mecânicos

e a outra metade será entregue à Prefeitura de Paris, para ser

distribuída entre os operários desempregados da cidade.

Critérios internacionais. Em 14 de outubro de 1905, a

Federação Aeronáutica Internacional (FAI) foi criada nos mol-

des do Comitê Olímpico Internacional. Sua criação surgiu da

necessidade de estabelecer critérios aceitos internacionalmen-

te para se decidir se um aparelho mais pesado que o ar era

viável de fato. Os critérios eram: a) o vôo deveria ser realizado

na presença de um organismo oficial, habilitado para ho-

mologá-lo; b) o vôo deveria se realizar em tempo calmo e so-

bre um terreno plano e devidamente autenticado; c) o avião

deveria deixar o solo pelos próprios meios, em um ponto pré-

determinado, com um homem a bordo; d) o aparelho deveria

carregar a bordo as fontes de energia necessárias; e) o aparelho deveria voar em linha

reta; f) o aparelho deveria executar uma mudança de direção (viragem e círculo);

g) o aparelho deveria retornar ao ponto de partida.

A prova do vôo dirigido ocorreuem 19 de outubro de 1901, quandoSantos Dumont circundou a Torre Eiffel.

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Mais de 100 metros. Os membros da FAI sabiam que não se poderia esperar que,

num primeiro vôo, todos os critérios fossem satisfeitos. Assim, a federação estabeleceu

um prêmio para o que considerava o primeiro vôo homologado da história, ou seja,

um prêmio em que se mantinham os itens a) a e), deixando, para uma prova pos-

terior, os outros dois itens. Além disso, foi estabelecido que o vôo em linha reta deve-

ria ultrapassar a marca de 100 metros. A FAI analisou os relatos de vôos anteriores à

sua criação e concluiu que nenhum deles satisfazia os critérios.

uma colina, ele conseguiu manter-se no ar, sem, contudo, melhorar seu desempenho.

Abandonou a idéia e voltou ao planador, até morrer num acidente.

Vento e catapulta. Em 1901, o teuto-americano Gustave Whitehead (1874-1927)

anunciou ter conseguido decolar e voar em sua máquina. O feito de Whitehead foi

presenciado por quase 20 testemunhas, mas nenhuma comissão especializada esta-

va presente. Em 1903, os irmãos norte-americanos Orville (1871-1948) e Wilbur (1867-

1912) Wright anunciaram, por telegrama, ter conseguido voar com o Flyer, saindo

de um campo com uma inclinação de cerca de nove graus e com um vento que

beirava os 40 km/h. Nos dois anos seguintes, anunciaram já estarem realizando

mudanças de direção (viragens) e longos vôos em circuito fechado, mas a máquina

deles dependia de condições de vento ou do uso da catapulta para alçar vôo. Outros

relatos corriam, mas todos violavam alguns itens adotados pela FAI.

Relatos anteriores. Muitos relatos já haviam

sido feitos sobre vôos realizados por aviões. Na

década de 1890, o francês Clément Ader (1841-

1926) realizou uma demonstração perante ofici-

ais do Exército francês com o seu Avion III. Embo-

ra o relatório oficial fosse sigiloso, o meio aero-

náutico tinha informações de que o ensaio não

fora bem-sucedido. Na mesma época, o alemão

Otto Lilienthal (1848-1896), que vinha realizan-

do vôos planados com segurança, experimentou

um modelo com um motor. Pulando do alto deSantos Dumont,em 1907,inspecionao N-15,avião quenunca voou.

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Nenhum vôo real. As condições impostas pe-

la FAI foram consideradas muito severas pelos

membros do Aeroclube da França. Seguindo a tra-

dição da época, o francês Ernest Archdeacon

(1863-1950) estabeleceu um desafio menos rigo-

roso. Mantendo os cinco primeiros itens da FAI,

ele oferecia um prêmio para o inventor que con-

seguisse atingir a marca de 25 metros. Ao mesmo

tempo, Archdeacon e seu compatriota Deutsch de

la Meurthe (1846-1919) propuseram um prêmio

para aquele que conseguisse realizar um vôo de

1 km em circuito fechado. O quadro em 1905 era,

portanto, muito claro: nenhum vôo real de um

aparelho mais pesado que o ar havia sido rea-

lizado até então.

Graves deficiências. Em

Paris, Santos Dumont seguia as

discussões e via que o rumo da

aeronáutica apontava para o

aeroplano. Ele, que havia de-

monstrado a possibilidade de

se dirigir um balão, sabia que o dirigível não poderia competir

com o avião. Apesar das demonstrações com o dirigível 9, em 1903,

terem paralisado o mundo, estava claro que os aparelhos mais

leves que o ar apresentavam graves deficiências.

Helicóptero e monomotor. Em meados de 1906, Santos

Dumont publicou o esquema de dois aparelhos mais pesados que

o ar: um helicóptero e um avião monoplano (monomotor). Num

movimento brusco, alterou seu raciocínio e, em julho de 1906,

estava com o 14 bis praticamente pronto para os primeiros testes.

ALTERAÇÃOBRUSCA DERACIOCÍNIO

Santos Dumont(ao lado)no N-9 em 1903.Deutsch de LaMeurthe foi umincentivador do vôo.Instituiu váriosprêmios paraencorajaros inventores.Cartão postalde Deutsch comdedicatória aSantos Dumont(1901).

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220 metros no ar. Em 12 de novembro de 1906, já no fim

da tarde, com o dia escurecendo, o 14 bis, de Santos Dumont,

correu sobre a grama do campo de Bagatelle, no Bois de Bou-

logne, em Paris. Percorreu alguns metros e alçou vôo. Atingiu

a velocidade de 41,3 km/h, num vôo de pouco mais de 82 metros

de distância. Meia hora depois, Santos Dumont iniciou seu

quarto e último ensaio daquele dia. No ar, percorreu 220 me-

tros, em 21 segundos, a uma velocidade média de 37,4 km/h,

deixando os observadores admirados com o que viam.

Emoção dos presentes. O relatório da comissão do Aeroclube da França, órgão

responsável pela homologação dos vôos, demonstra a emoção sentida pelos presentes:

O PRIMEIROVÔO

HOMOLOGADO

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“A quarta tentativa foi feita no sentido inverso

das três anteriores. O aviador saiu contra o ven-

to. A partida deu-se às 4:45h, com o dia já ter-

minado. O aparelho, favorecido pelo vento de

proa e também por uma leve inclinação, está

quase que imediatamente em vôo. Desfila

apaixonadamente, surpreende os espectadores

mais distantes que não se acomodaram a tempo. Para evitar a multidão, Santos

Dumont aumenta a velocidade e ultrapassa seis metros de altura, mas no mes-

mo instante a velocidade diminui. Será que o valente experimentador teve um

instante de hesitação? O aparelho parecia menos equilibrado, certamente: ele

esboça uma volta para a direita. Santos, sempre admirável por seu sangue-frio

e por sua agilidade, corta o motor e volta ao solo. Mas a asa direita toca o chão

antes das rodas e sofre pequenas avarias. Felizmente Santos está ileso e é aco-

lhido impetuosamente pela assistência entusiasmada, que o ovaciona frene-

ticamente, enquanto Jacques Fauré carrega em triunfo sobre seus robustos

ombros o herói dessa admirável proeza”.

Vôo completo. Pela primeira vez na história, um aparelho mais pesado que o ar

conseguia realizar um vôo completo, decolando, voando e pousando sem nenhum

auxílio externo. Após vários ensaios anteriores, Santos Dumont havia aprendido

a equilibrar e a controlar sua aeronave no ar. Um trabalho de extrema precisão,

com testes e experimentos cuidadosamente realizados e sempre em público.

Ferdinand Ferber (1862-1909), capitão do Exército francês e um dos mais im-

portantes inventores no campo da aeronáutica, afirmou logo após o vôo de 12 de

novembro: “Santos Dumont avançou para a conquista do ar passo a passo, salto

a salto, vôo a vôo”.

O 14bis (página ao lado) chegaa Bagatelle em 12 de novembro de 1906.Nesse dia, ele realizou o primeirovôo homologado da história (à direita).

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Peso atenuado. O 14 bis foi construído rapidamente: em

cerca de dois meses. Não se sabe bem quando Santos Dumont

iniciou o projeto. O certo é que, em fins do primeiro semestre

de 1906, o aparelho já estava concluído. De fato, em 18 de

julho daquele ano, Santos Dumont inscreve-se no Aeroclube

da França para disputar duas provas de aparelhos mais pe-

sados que o ar: a taça Archdeacon e o prêmio Aeroclube da França para o aparelho

que realizasse um vôo de mais de 100 metros. Logo realizou experimentos com seu

protótipo ligado ao invólucro do dirigível 14, criando um aparelho mais pesado que o

ar, mas com o peso atenuado devido à força ascensional do balão.

Diário de um valente experimentador. • 18 de julho de 1906: O aparelho

concluído. • 19 a 29 de julho: Testes com o avião preso ao balão 14 e pendurado num

cabo inclinado. • 21 de agosto: Testes no campo de pólo. • 22 de agosto, 4h: O 14 bis

chegou a se levantar do solo. Santos Dumont verificou que o motor de 24 cavalos-

vapor (CV) era insuficiente. • 3 de setembro: Novo motor de 50 CV foi instalado. • 4 de

setembro, Bagatelle, 5h: O 14 bis correu, mas Santos Dumont não conseguiu manter o

controle. • 7 de setembro, por volta das 17h: Atingiu uma altura de cerca de 2 m. Às

18h55: O 14bis deslizou no chão. Às 19h20: Nova tentativa, sem sucesso. • 8 a 12 de

setembro: Alterações no projeto. • 13 de setembro, 7h50: O 14bis correu 350 m no solo.

Alterações no aparelho. • 8h40: Nova tentativa e percorreu cerca de 7 m no ar. • 23 de

outubro, 9h15: corre em Bagatelle. O 14bis havia sido envernizado para aumentar

OS VÔOSDO 14 BIS

Fotogramasdo filme do vôodo 14bis de12 de novembrode 1906.

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a sustentação, e alterações foram

feitas na carcaça da nacela (espa-

ço do piloto) para reduzir o peso.

Às 16h45: O 14bis decola e percor-

re 60 m numa altura de cerca de

3 m do solo. Santos Dumont ga-

nha a taça Archdeacon. • 12 de no-

vembro: Santos Dumont instalou

um aileron (dispositivo para con-

trolar a inclinação lateral) octo-

gonal. Quatro ensaios, cada um

com uma série de vôos: i) 10h: Voou cerca de 40 m; ii) 10h25: Dois vôos, um de 40 m e

o outro de 60 m. iii) 16h09: Dois vôos, um de 50 m e o outro de 82,6 metros, em 7,2 s,

com velocidade média de 41,3 km/h; iv) 16h45: 220 m percorridos em 21 s, a uma

velocidade de aproximadamente 37,4 km/h.

O último vôo. Santos Dumont fez alterações no 14 bis, depois dos vôos de 12 de

novembro de 1906. A mais importante foi a mudança do aileron octogonal situado

no meio das células externas das asas. Ao mesmo tempo, construiu um novo avião,

o invento de número 15, alterando profundamente a configuração. Em 4 de abril de

1907, ocorre o último vôo do 14 bis, em Saint Cyr. Voou cerca de 50 m e caiu. Santos

Dumont não tentou consertá-lo.

O 14bis (acima)em Bagatellecorre paradecolar no dia23 de outubrode 1906e ganhar aTaça Archdeacon,ao realizarum vôo de60 metros.

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O invento número 19. Santos Dumont sabia que o

14 bis não era um avião prático. No período de menos de

um ano, idealizou, construiu e testou cinco novos inventos.

Em novembro de 1907, testou o primeiro Demoiselle, seu

invento de número 19. O Demoiselle tinha como fusela-

gem uma única haste de bambu. Embora tenha consegui-

do decolar e voar cerca de 200 metros, era claro que esse novo modelo de avião

tinha graves problemas estruturais.

Decolagem e manobra. Em 13 de janeiro, o francês Henri Farman (1874-1958)

conseguiu realizar o primeiro vôo de 1 km em circuito fechado. As duas questões

básicas – ou seja, a decolagem e a capacidade de manobrar – estavam demonstradas.

A primeira por Santos Dumont, em 12 de novembro de 1906; a segunda, por Farman,

em 13 de janeiro de 1908.

Grandes distâncias. Em meados de 1908, a questão básica do vôo havia mudado.

Era preciso demonstrar que era possível voar grandes distâncias. A decolagem caía

para segundo plano. E aí os irmãos Wright voltaram a voar. Só então divulgaram

ODEMOISELLE

O primeiroDemoiselle em16 de novembrode 1907.

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vavelmente, começava a sentir os sintomas da esclerose múlti-

pla, que o perseguiria até o fim da vida. O Demoiselle foi vendido

para um aspirante de piloto que, mais tarde, seria uma dos mai-

ores ases da Primeira Guerra Mundial: Roland Garros (1882-1918).

Divulgador da aviação. Santos Dumont publicou os planos

do Demoiselle 20 e permitiu que ele fosse construído por algumas

firmas. O aparelho foi copiado e tornou-se um modelo popular.

Após abandonar o campo de provas, Santos Dumont passou a

se dedicar à socialização do vôo, mostrando que este era seguro

e que transformaria as relações entre nações. Participou de con-

ferências e alertou as nações americanas para a necessidade de

se ter uma frota de aviões voltada à defesa daquele continente.

Estava preocupado com o papel dos aviões na guerra.

as fotos do vôo de 17 de dezem-

bro de 1903, as especificações

de seus aparelhos e voaram

publicamente na França e nos

Estados Unidos. De fato, o Flyer

III, um aparelho muito dife-

rente do de 1903, era capaz de

atingir marcas espantosas.

Em fins de 1908, Wilbur, na

França, realizou um vôo de 124

quilômetros.

O primeiro ultraleve. Em

1909, outro francês, Louis Blé-

riot (1872-1936), consegue

atravessar o Canal da Mancha,

mostrando a importância mi-

litar dos aviões. Naquele ano,

Santos Dumont apresenta seu

último invento aeronáutico:

o Demoiselle 20 é o primeiro

ultraleve da história. Com ape-

nas 115 kg, diminuto, enver-

gadura de 5,50 m e compri-

mento de 5,55 m, era aciona-

do por um motor de 24 CV.

Ás da 1a Guerra. Em 1910,

Santos Dumont anunciou sua

intenção de parar sua vida no

campo de provas. Estava can-

sado, exausto e debilitado. Pro-

Plano do último Demoiselle, de Santos Dumont, publicadona revista Popular Mechanics de 1910.

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Contribuição de vários.O avião surgiu da contribui-

ção de vários inventores.

Contribuíram para a inven-

ção dele os vôos planados e

as experiências incipientes de

Lilienthal utilizando moto-

res; a invenção dos planado-

res de duas asas (biplanos) e

de estruturas leves e rígidas,

ainda no final do século 19; o desenvolvimento

dos planadores realizados por muitos, entre eles

Orville e Wilbur Wright. Ao mesmo tempo, foi

preciso se entender o que era um aparelho mais

pesado que o ar e definir critérios que garantis-

Líder dos pilotos. A partir da década de 1920, Santos

Dumont está mudado. Aflige-se com os acidentes e queixa-

se de sua saúde. Homenageia aviadores intrépidos como

os portugueses Sacadura Cabral (1881-1924) e Gago Coutinho

(1869-1959), que conseguem realizar a primeira travessia

aérea do Atlântico Sul, em 1922. É homenageado, pelos intré-

pidos pilotos, como o líder de todos eles.

Deprimido e aflito. Santos Dumont, porém, sente-se doente,

deprimido e aflito. Queixa-se aos amigos. Provavelmente, vivia

um quadro de depressão causado pela esclerose múltipla. Um qua-

dro tão intenso e duradouro que, em 23 de julho de 1932, levou-o

ao suicídio, aos 59 anos, num quarto de hotel em Guarujá (SP).

VIVENDO OCONFLITO

sem que um determinado in-

vento satisfazia as expectativas.

Primeiro avião do mun-do. O primeiro avião do

mundo – ou seja, o primeiro

avião capaz de realizar um

vôo completo, incluindo a de-

colagem, o vôo propriamen-

te dito e o pouso – foi o 14

bis, de Santos Dumont. Seu

vôo de 12 de novembro de 1906, realizado

em Bagatelle, às 16h45, quando seu avião

atingiu a marca de 220 m, foi o

primeiro vôo homologado da his-

tória e é, ainda hoje, considera-

CONCLUSÕES,INVENÇÕESE LENDAS

Santos Dumont e Gago Coutinho(à direita) na década de 1920.

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do pela FAI como o primeiro recorde de

distância de um aparelho mais pesado

que o ar. Seu vôo anterior, quando atin-

giu a velocidade de 41,3 km/h é o primeiro

recorde velocidade reconhecido pela FAI.

Mercado lucrativo. Em 1907, vários inven-

tores já realizavam suas demonstrações e, no ano

seguinte, quando o avião já voava e fazia ma-

nobras no ar, houve uma transformação na

idéia do vôo. Se antes a decolagem pelos pró-

prios meios, sem qualquer auxílio exter-

no, era uma condição essencial que pro-

vava que seria possível construir um

avião, depois dos avanços obtidos

nesses primeiros anos o que passou

a interessar foi a permanência no

ar e a distância alcançada. Aí

apareceram no cenário os ir-

mãos Wright, com o seu Flyer III,

um avião totalmente diferente

do primeiro Flyer, de 1903, reivin-

dicando a primazia. Mas aí outros in-

teresses estavam em jogo e, em parti-

cular, questões nacionalistas passaram a

construir uma nova versão dos fatos. En-

fim, o avião abriu um lucrativo mercado.

Relógio de pulso. Santos Dumont foi

um gênio inventivo. Foi de uma conversa

dele com o dono de uma das mais impor-

tantes firmas de relógios, Louis Cartier (1875-

1942), que surgiu a idéia de se fazer o re-

lógio de pulso para facilitar a medida do

tempo de vôo. Não que antes já não ti-

vessem sido feitos relógios de pulso, mas o

Cartier Santos, um modelo sofisticado, usado

por uma personalidade do porte de Santos

Dumont, despertou o interesse de uma sociedade

ávida em novidades.

Degraus alternados. Sua casinha em Pe-

trópolis, A Encantada, construída em 1918, é

um outro exemplo de sua capacidade de criar.

A entrada se dá por uma escada muito íngre-

me, mas confortável de se subir. Santos Dumont

construiu-a com degraus alternados, facilitan-

do a subida. O primeiro degrau força o visitante

a usar o pé direito. Terá feito isso propositalmen-

te? Vista com um olhar ingênuo, parece ser im-

possível alguém morar lá. Mas a casa é o seu

lugar de repouso e de retiro. Um espaço reserva-

do. Do outro lado da rua do Encanto, ainda exis-

te a casa onde ficavam os seus serviçais.

Histórias e fantasias. Em torno de Santos

Dumont existem histórias e fantasias.

E fatos ainda pouco falados, como

as suas relações com as americanas

Lurline Spreckels em 1903 ou Edna

Powers, que aparece como

sua noiva no ano seguinte.

Ou Yolanda Penteado...

isso na década de 1920.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Fontes (em ordem alfabética):

LIVROS

BARROS, H. L. de. Santos Dumont (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2003)

JORGE, F. As lutas, as glórias e o martírio de Santos Dumont (McGraw Hill do Brasil, São Paulo, 1977)

SANTOS DUMONT, Os meus balões (Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro, 1973)

SANTOS DUMONT, A. O que eu vi e o que nós veremos (Edição do autor, Rio de Janeiro, 1918)

VILLARES, H. Dumont. Quem deu asas ao homem (MEC, Rio de Janeiro, 1957)

REVISTAS

L´Aerophile, 1900-1910

Líllustration, 1890-1919

La Nature, 1870-1920

ACERVOS

Museu Aeroespacial do Campo dos Afonsos (Musal, Rio de Janeiro, RJ)

Museu Casa de Cabangu (MG)

Museu Paulista, da Universidade de São Paulo (Museu do Ipiranga, São Paulo)

Brigadeiro Lavenere-Wanderley/Sophia Helena Dodsworth Wanderley

Museu Casa de Santos Dumont - “A Encantada” (Petrópolis, RJ)

CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS FÍSICAS

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