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E-BOOK · Licenciado em Matemática pela Universidade de Pernambuco (UPE) - 2011. Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) - 2018. Mestre EM Educação,

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JUAZEIRO-BA2019

OLHARES INTER-TRANS DISCIPLINARES

EM ECOLOGIAS, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

ROSIANE ROCHA OLIVEIRA SANTOS(Organizadora)

E-BOOK

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Diagramação e capa:Rubervânio LimaRevisão Textual:Rubervânio Lima

Rosiane Rocha OliveiraEditoração:

Editora Oxente

[email protected]

SA237o Santos, Rosiane Rocha Oliveira, Org. Olhares inter-trans disciplinares em ecologias, sociedade e educação /Rosiane Rocha Oliveira Santos, Organizadora. Juazeiro-BA: Oxente, 2019.

182 p.; il.

ISBN: 978-85-54891-81-7 1. Educação e Interdisciplinaridade 2. Ecologia Humana - Sociedade - I. Título

CDD: 370.115

Catalogação na publicação (CIP) Ficha Catalográfica

OXENTE - Produção Cultural e Editoração de Publicações

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CONSELHO EDITORIAL

Coordenação:Me. Rosiane Rocha Oliveira Santos (FACAPE)

Membros:Drª. Cláudia Maria Lourenço da Silva Melo (FACAPE)

Drª. Luzineide Dourado Carvalho (UNEB)Me. Fabíola Moura Reis Santos (UNEB)Dr. Adelson Dias de Oliveira (UNIVASF)

Me. Phablo Freire Paiva (FACESF)Me. Manuela Pereira de Almeida (UNEB)

Me. Simone Salvador de Carvalho Meneses (AESA)Me. Deise Cristiane do Nascimento (FACAPE)

Drª. Elnora Maria Gondim Machado Lima (UFPI)Drª. Andréa Alice Rodrigues Silva (UFRB)

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SOBRE AUTORAS E AUTORES

ALEXSANDRA ALVES DE SOUZA

Licenciada em Normal Superior UNOPAR / Universidade Norte Paraná. Acadêmica em Pedagogia - Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional - Faculdades Montenegro. Esp. Em Neuropsicopedagogia. Esp. Em Educação Especial, Esp. Em Libras pela Faculdade Cândido Mendes. Esp. em Neuropsicologia e Psicomotricidade. Formação em Psicanálise pelo Instituto Bergasse (em andamento) Experiência na área de Educação como Professora de Alfabetização, Correção de Fluxo, Séries Iniciais, Atendimento Educacional Especializado - AEE. Instrutora de Libras, Braille e Formadora na área de Educação Especial na rede municipal de ensino de Petrolina - PE. Atualmente é Professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) Juazeiro - BA. - E-mail: [email protected]

ANDRÉA MARIA DA SILVA

Licenciada em Letras. Bacharel em Direito. Especialista em Ensino de Língua Inglesa e em Direito Penal e Processual Penal. Professora efetiva do Estado de Pernambuco. [email protected]

ANTONIO DE SANTANA PADILHA NETO

Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia - FACCEBA. Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE. Professor efetivo da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE. Professor pesquisador do Itinerários Interdisciplinares em Estudos sobre o Imaginário (Itesi) da Universidade de Pernambuco - UPE. Professor extensionista da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE. - E-mail: [email protected]

CLÁUDIA MARIA LOURENÇO DA SILVA

Doutora em Educação e Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; Mestre em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável pela Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco - Universidade de Pernambuco - FCAP-UPE, graduada em Ciências Econômicas (com ênfase em Economia Rural) pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. Professora Adjunta Faculdade de Ciências Aplicadas de Petrolina - FACAPE, ministrando as disciplinas Desenvolvimento Sustentável e Fundamentos de Economia nos cursos de Economia, Administração, Direito e Gestão da Tecnologia da Informação. Coordenou o curso de Bacharelado em Secretariado Executivo da FACAPE (2009-2016). Atualmente, é membro do Comitê Científico da Facape. Representou a Facape no Conselho Municipal de Meio Ambiente de Petrolina - COMDEMA. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Agronegócios, Meio Ambiente e Sustentabilidade. - E-mail: [email protected]

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CARLENICE RUFINO MACIEL Economista pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (Facape).E-mail: [email protected]

DANIEL SOARES VIEIRA

Graduação em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Arcoverde - CESA. Pós-graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo CESA. Membro do Núcleo de Estudos de Gênero e Enfrentamento a Violência contra a Mulher, parceria CESA/ Secretaria Estadual da Mulher. Possui experiência em docência na Rede Municipal de Educação do Município de Caetés - PE. - Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/2142811914750252

DANIELA SANTOS SILVA

Mestra em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental - PPGEcoH/UNEB. Psicopedagoga pela Universidade de Pernambuco - UPE e em Tecnologia Ambiental pelo IF SERTÃO. Pedagoga pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano.

DEISE CRISTIANE DO NASCIMENTO

Possui mestrado em Educação pela Facultad Interamericana de Ciencias Sociales, reconhecido pela Universidade do Vale do Sapucai, é especialista em Gestão da Administração Pública pela Universidade Castelo Branco e graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Maria (2001). Atualmente é professora da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina – FACAPE. Integra o Grupo de Pesquisa Educação Ambiental Interdisciplinar, reconhecido pelo MEC e registrado no CNPQ. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Gestão Pública. Atuando principalmente nas seguintes áreas: microeconomia, trabalho e sociabilidade, políticas públicas, pesquisa e orientação de trabalhos de conclusão. EDSON RODRIGUES DA SILVA

Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação- UNIVASF. Pós-graduado pelo Programa de Desenvolvimento de Executivos Ambev (MBA Executivo Internacional pela Faculdade Instituto de Administração da USP). Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE. Professor efetivo da UNINASSAU-Petrolina. Professor substituto da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE. Consultor empresarial. E-mail: [email protected]

ÉRICA DAIANE DA COSTA SILVA

Mestra em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, Especialista em Ensino da Comunicação, Licenciada em História, Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo em Multimeios. Atualmente integra a equipe de Comunicação do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA e é professora na Faculdade São Francisco de Juazeiro - FASJ. Idealizadora e apoiadora do Coletivo de educomunicação Carrapicho Virtual, Coordenadora do Projeto de Extensão Entrelinhas: enxergando as dizibilidades sobre o Semiárido a partir da educomunicação (FASJ). - E-mail: [email protected]

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FABÍOLA MOURA REIS SANTOS

Mestra em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Especialista em Ensino Superior, Contemporaneidade e Novas Tecnologias pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf); em Ensino da Comunicação Social pela Uneb; e, em Voz pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa). Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em Fonoaudiologia pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professora do curso de Jornalismo em Multimeios do Departamento de Ciências Humanas, campus III, da Uneb. Pesquisadora integrante dos grupos de pesquisa Laboratório de Estudos em Mídia e Espaço (Leme/Uneb) e Comunicação, Economia Política e Diversidade (Comum) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Coordenadora dos projetos de extensão da Rádio Universitária – Programa Eufonia e Programas Experimentais de Televisão da WebTV do Campus III, da Uneb em Juazeiro, além do Projeto de pesquisa Jornalismo contextualizado com o SemiáridoBrasileiro. Coordenadora de programação e jornalismo da TV e Rádio Caatinga da Univasf. - E-mail: [email protected]

JOSEMARIO GONÇALVES DA SILVA

Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Técnico em Agropecuária pela Escola Agrotécnica de Juazeiro. Colaborador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa).E-mail: [email protected]

JURACY MARQUES DOS SANTOS

Doutor em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2010. Atualmente faz doutorado em Ecologia Humana na Universidade Nova de Lisboa (UNL-Portugal). Fez Pós Doutorado em Ecologia Humana na Universidade Nova de Lisboa (UNL-Portugal) e em Antropologia pela UFBA. Atualmente é Professor Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde é professor permanente dos mestrados de Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGECOH) e do de Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA). É membro da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana - SABEH. Seu principais interesses de pesquisa estão centrados na dinâmica da espécie humana e suas relações com o mundo, daí seu destacado interesse pela ecologia humana. Também psicanalista e autor de diversos livros, trabalhou em Portugal, Espanha e estive participando de congressos em diversos países como França, Itália, Grécia, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Cuba, Paraguai, Portugal, Filipinas, entre outros. No geral tem dedicando-se às questões que tocam a dimensão humana na atualidade, particularmente, suas dinâmicas subjetivas e socioambientais.

KELLISON LIMA CAVALCANTE

Mestre em Tecnologia Ambiental (ITEP - 2014), Especialista em Filosofia Contemporânea (Instituto Souza - 2018) e Educação a Distância (UECE - 2018), graduado em Licenciatura em Filosofia (UFPI - 2018), Licenciatura em Biologia (Faculdade de Candeias - 2015) e Tecnologia em Irrigação e Drenagem (2012 - IFCE). Integrante do Grupo de Pesquisa do Sertão Filosófico e do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Meio Ambiente (GRIMA)

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do IF Sertão-PE e do Grupo de Pesquisa Inovações e Tecnologias Aplicadas ao Ambiente Construído do IFPB. Membro do Núcleo de Pesquisas Geoambientais (NuPGeo) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) do IF Sertão-PE e Membro da Red Iberoamericana de Meio Ambiente (REIMA). Professor de Filosofia da rede estadual de ensino da Bahia (SEC-BAHIA). - E-mail: [email protected]

MAÍRA DOS SANTOS SILVA

Graduada em Letras Português e suas literaturas, 2006, UPE, Petrolina-PE. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Especialização em Língua Portuguesa, pelo Segmentum Instituto de Educação, Petrolina-PE. Cursando Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional – FDS (Faculdade Domus Sapiens), Juazeiro-BA. Cursando Especialização em Gestão escolar e coordenação pedagógica, FAVENI (Faculdade Venda Nova do Imigrante). Professora do Colégio Municipal Professora Edualdina Damásio pela Prefeitura Municipal de Juazeiro, Ensino Fundamental – Anos Finais, 2013. Tutora bolsista pela UFPI (Polo UAB de Juazeiro) no curso de Letras Português. - Email: [email protected]

MARCIA REJANE LOPES CAVALCANTE

Especialista em Direito Público pela Faculdade Caruaruense de Ensino Superior - ASCES, Especialista em Gestão Financeira pela Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia - FACCEBA. Bacharel em Direito pela Faculdade Caruaruense de Ensino Superior - ASCES, com inscrição na OAB/PE sob o nº 37806 e Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE. Gestora de unidade da Empresa Campneus do Grupo Pirelli. E-mail: [email protected]

MARIA ROSA ALMEIDA ALVES

Possui graduação em Letras - Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia (2003), Especialização em Cultura e História Afro-brasileira (2013). Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos pela Universidade do Estado da Bahia (2017). Professora efetiva da rede pública estadual da Bahia, atuando na Educação Básica. - E-mail: [email protected]

RAFAEL SANTANA ALVES

Licenciado em Matemática pela Universidade de Pernambuco (UPE) - 2011. Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) - 2018. Mestre EM Educação, Cultura e Territórios Semiáridos pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - 2017. Professor Efetivo da Rede Pública Municipal de Ensino de Juazeiro-BA.E-mail: [email protected]

RICARDO JOSÉ ROCHA AMORIM

Pós Doutorado em Ciência da Computação pela UFPE (2012-2013), Doutorado em Electrónica y Computación pela Universidade de Santiago de Compostela, Espanha (2007) - revalidado como Ciência da Computação pela UFPE (processo nº 009949/2009-SRD), Mestrado em Engenharia de Produção, linha Mídia e Conhecimento, pela UFSC (2002),

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Graduação em Ciência da Computação pela UNICAP (1989). Coordenou vários projetos de pesquisa com financiamentos do CNPq, FACEPE e FAPESB, a partir dos quais publicou uma série de artigos em revistas e congressos internacionais e nacionais de impacto. Atualmente, coordena projeto no INES - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Engenharia de Software, desenvolvendo pesquisas na área de Ciência da Computação com ênfase em Inteligência Artificial, Representação de Conhecimento e Engenharia de Software. Também, pesquisa na área de Informática na Educação, com ênfase em Ontologia Educacional, Padrões de Metadados Educacionais, Objetos de Aprendizagem, Learning Design e Analíticos de Aprendizagem. Atua em mestrados acadêmico e profissional e participa de corpo editorial e como revisor de periódicos e conferências internacionais de grande reputação. - E-mail: [email protected]

ROSIANE ROCHA OLIVEIRA SANTOS

Mestra em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Educação de Jovens e Adultos pela Faculdade Afonso Cláudio (FAAC). Especialista em Educação em Direitos Humanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Possui graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Atualmente é professora e Coordenadora Pedagógica da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE) e Professora Colaboradora dos cursos de Artes Visuais, Pedagogia e Educação Física na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) na modalidade EaD. Atua principalmente nos seguintes temas: Formação de Professores, Educação Contextualizada, Livros Didáticos, Convivência com o Semiárido, Gênero e Inclusão da pessoa com deficiência no Ensino superior. - E-mail: [email protected]

ROSÂNGELA CRUZ SILVA

Licenciada em Letras. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura.E-mail: [email protected]

SIMONE SALVADOR DE CARVALHO

Mestra em Educação Contemporânea pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE (2015). Licenciatura em Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional - UNINTER (2017). Especialista em Programação do Ensino de Geografia pela UPE (2003) e em Educação Profissional pelo ITEP (2007). Licenciatura em Geografia pela Faculdade de Formação de Professores de Serra Talhada - FAFOPST (2001). Coordenadora do Curso de Licenciatura em Pedagogia do Centro de Ensino Superior de Arcoverde - CESA. Professora nos cursos de graduação em Geografia, Pedagogia, Educação do Campo, na Pós-Graduação em EJA Campo e Geografia e Meio Ambiente. Professora na Rede Estadual de Educação de Pernambuco. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino, Aprendizagem e Processos Educativos - GPENAPE, do Núcleo de Pesquisa, Extensão e Formação em Educação do Campo - NUPEFEC / UFPE. Coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Enfrentamento a Violência contra a Mulher do CESA. Coordenadora do Núcleo de Estudos Cultura Política, Educação e Diferenças do CESA, atualmente na coordenação do Grupo de Trabalho: Educação do Campo e Movimentos Sociais. Coordenadora do Subprojeto de Pedagogia do Programa Residência Pedagógica do CESA. E-mail: [email protected]

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PREFÁCIO 14APRESENTAÇÃO 21- CAPÍTULO I -F U N D A M E N T O S D A E C O S O F I A N A FORMAÇÃO HUMANA: UM ENFOQUE NA CONSCIENTIZAÇÃO ECOLÓGICA

23

Kellison Lima CavalcanteRafael Santana Alves

- CAPÍTULO II -PLURIATIVIDADE FEMININA NA AGRICULTURA FAMILIAR: ESTUDO DE CASO DO PROJETO SENADOR NILO COELHO - NÚCLEO 08, EM PETROLINA-PE

36

Deise Cristiane do NascimentoCláudia Maria Lourenço da Silva

Carlenice Rufino Maciel - CAPÍTULO III -EDUCAÇÃO E TRABALHO: O RACISMO AMBIENTAL EM UMA ESCOLA LOCALIZADA E M C O M U N I D A D E Q U I L O M B O L A N O SEMIÁRIDO PERNAMBUCANO

54

Antonio de Santana Padilha NetoMárcia Rejane Lopes Cavalcante

Ricardo José Rocha AmorimEdson Rodrigues da Silva

- CAPÍTULO IV -YORUBÁ: LÍNGUA DE SANTO E DE RESISTÊNCIA NO SERTÃO DA BAHIA

67

Maria Rosa Almeida Alves Daniela Santos Silva

Juracy Marques dos Santos

SUMÁRIO

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- CAPÍTULO V -O OLHAR PEDAGÓGICO SOBRE OS MARCOS HISTÓRICOS DE LUTA NO VALE DO SALITRE – JUAZEIRO-BA

82

Alexsandra Alves de SouzaJosemario Gonçalves da Silva

Maíra dos Santos Silva- CAPÍTULO VI -D I S T O R Ç Ã O E D E S I N F O R M A Ç Ã O N O TELEJORNALISMO SOBRE A ECOLOGIA HUMANA DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO: QUANDO A RESSIGNIFICAÇÃO DETURPADA SE REVELA INTENCIONAL

99

Fabíola Moura Reis Santos- CAPÍTULO VII -E D U C O M U N I C A Ç Ã O E E D U C A Ç Ã O CONTEXTUALIZADA: UM OLHAR SOBRE A I N D I S S O C I A B I L I D A D E A PA RT I R D A EXPERIÊNCIA DO CARRAPICHO VIRTUAL

115

Érica Daiane da Costa Silva- CAPÍTULO VIII -AS REPRESENTAÇÕES DA MULHER NO LIVRO DIDÁTICO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO 4º E 5º ANO DA COLEÇÃO NOVO GIRASSOL

132

Daniel Soares VieiraSimone Salvador de Carvalho

- CAPÍTULO IX -LETRAMENTO LITERÁRIO NO SISTEMA PRISIONAL

151

Andréa Maria da SilvaRosiane Rocha Oliveira Santos

Rosângela Cruz Silva- CAPÍTULO X -OLHARES SOBRE A FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

164

Andréa Maria da SilvaRosiane Rocha Oliveira Santos

Rosângela Cruz Silva

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PREFÁCIO

A dinâmica das relações sociais e culturais da humanidade é movida por conhecimento. Nossa sociedade atual é

chamada sociedade do conhecimento e, no entanto, essa sociedade em sua maioria, desconhece o próprio lugar de onde se anuncia, o chão que pisa, as subjetividades que enredam seus contextos.

Neste livro, autoras e autores reunidos discutem temas inter-transdiciplinares em educação, sociedade e ecologias, porquanto são necessários à construção de olhares sobre esses contextos e suas estruturas. Sendo assim, o livro constitui-se como base importantíssima para quem busca discutir contextualidades, ecologias, educação, sociedade e outros temas que tocam objetos diversos de conhecimento.

Conhecimento inclusive que não pode ser fragmentado, engessado e tampouco simples, mas baseado no conjunto, no dinâmico, no complexo. Nessas características de uma tessitura dinâmica e conjunta encontramos o entrelaçamento de autoras e autores que discutem temas diversos, mas que em sua essência convergem para os processos de complexidade.

Para tanto o texto Fundamentos da ecosofia na formação humana: um enfoque na conscientização ecológica, nos permite compreender a realidade, pois segundo os autores Kellison Lima Cavalcante e Rafael Santana Alves, diante das questões ambientais da atualidade, a Ecosofia consiste no estudo da relação entre a natureza e os seres humanos, propondo discussões entre meio ambiente, homem e filosofia. E, nesses termos, o trabalho reflete sobre a relação do homem com o meio ambiente através dos princípios da Ecosofia fundamentada a partir do pensamento do

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OLHARES INTER-TRANS DISCIPLINARESem Ecologias, Sociedade e Educação

filósofo francês Félix Guattari (1930 – 1992. A Ecosofia proposta por Guattari (2006; 2009; 2015) aborda a nossa compreensão, como parte do meio em que vivemos, e como aprendemos e agimos sobre a problemática ambiental, tendo por base as três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana (mental).

Posteriormente, o texto de Deise Cristiane do Nascimento, Cláudia Maria Lourenço da Silva e Carlenice Rufino Maciel discute a Pluriatividade feminina na agricultura familiar: estudo de caso do projeto Senador Nilo Coelho - Núcleo 08, em Petrolina-PE. No texto, as autoras asseveram que a pluriatividade não é um conceito recente dentro da agricultura familiar, porém vem auferindo ao longo das décadas nova significações, em especial para a mulher. Para tanto, o artigo, que teve como objetivo verificar o perfil da mulher pluriativa integrante do Projeto Senador Nilo Coelho – Núcleo 08 em Petrolina-PE, utilizou uma metodologia essencialmente sistemática de caráter quantitativo. Como resultado, percebeu-se a predominância de mulheres com mais de 40 anos, com mais de 5 membros no grupo familiar, cuja atividade pluriativa consistia na realização de atividades agrícolas como empregadas temporárias em outras unidades de produção, com o objetivo principal de complementação da renda do grupo doméstico. As autoras concluem a partir do estudo que a importância da mulher dentro do grupo doméstico do Campo, como instrumento não somente de manutenção financeira da unidade de agricultura familiar, mas também como elo indispensável à manutenção de toda estrutura educacional e organizacional da família. Verificaram ainda, a importância da pluriatividade como fator delimitador da conquista de autonomia financeira, autoestima e valorização laboral da mulher no mercado de trabalho.

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ROSIANE ROCHA OLIVEIRA SANTOS (Org.)

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Em seguida, Antônio de Santana Padilha Neto, Márcia Rejane Lopes Cavalcante, Ricardo José Rocha Amorim e Edson Rodrigues da Silva, no texto Educação e trabalho: o racismo ambiental em uma escola localizada em comunidade quilombola no Semiárido Pernambucano trazem uma discussão sobre educação, trabalho e racismo ambiental nas comunidades quilombolas. Para tanto, focalizam as implicações de sentido e percepção do racismo ambiental no campo da educação, apoiando-se nos enfoques teóricos de Maurice Merleau-Ponty e Hans-Georg Gadamer. Esboçam ainda, um modelo para compreensão das desigualdades dentro de uma perspectiva fenomenológica.

Já no texto de Maria Rosa Almeida Alves, Daniela Santos Silva e Juracy Marques dos Santos encontramos uma discussão sobre Yorubá: língua de santo e de resistência no sertão da Bahia, no qual apresentam uma discussão sobre a importância da língua yorubá como mecanismo de manutenção da memória e fortalecimento das identidades dos sujeitos afrodescendentes. O objetivo é trazer o yorubá à tona nas discussões sobre pertencimento e africanidade, como língua de empoderamento de pessoas negras. A partir de experiências com povos de terreiros no Semiárido baiano (Juazeiro - Bahia - Brasil), o texto traz informações e impressões de como a língua é vital para que esses homens e mulheres possam exercer o seu pertencimento étnico racial e assim constituir de forma continuada seus vínculos identitários que têm início na comunidade do terreiro, mas não se esgotam nela. O yorubá, segundo o texto, é uma das mais importantes línguas africanas, a mais falada fora da África e reivindicada como a primeira língua da humanidade. De acordo com as autoras do texto essa língua constitui-se como importante patrimônio imaterial da humanidade e devido à sua relevância para o pertencimento étnico dos afrodescendentes precisa ser pautada de

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OLHARES INTER-TRANS DISCIPLINARESem Ecologias, Sociedade e Educação

várias maneiras na academia. Por falar em resistência, o trabalho de Alexsandra Alves

de Souza, Josemario Gonçalves da Silva, Maíra dos Santos Silva apontam para O olhar pedagógico sobre os marcos históricos de luta no Vale Do Salitre – Juazeiro-BA. Assim, buscaram como objetivo do trabalho, compreender os marcos históricos de luta do Vale do Salitre desde o período colonial até a expansão das áreas irrigadas. Para tanto, analisam as lutas enfrentadas pela população do Vale do Salitre ao longo da história, ao mesmo tempo em que traz uma reflexão acerca do modelo de desenvolvimento instalado na região do Salitre, localizado no distrito de Juazeiro-BA, trecho que fica às margens do Rio Salitre, afluente do Rio São Francisco, desde o período colonial sobre a expansão irrigada e suas consequências nos moldes atuais, levando em consideração as questões ambientais, culturais e econômicas.

Na sequência, Fabíola Moura Reis Santos discute a Distorção e desinformação no telejornalismo sobre a Ecologia Humana do Semiárido brasileiro: quando a ressignificação deturpada se revela intencional, assinalando que a visão distorcida e estereotipada sobre o Semiárido brasileiro insiste em predominar nas produções jornalísticas sobre esses territórios. A autora ainda assevera que na televisão, o tratamento da notícia culmina na desinformação e, com o artigo pretende mostrar como a ressignificação de um conteúdo pode alterar completamente a proposta inicial de uma produção jornalística, após a reedição do material para adequá-lo dentro da linha editorial pretendida. A autora analisou duas matérias jornalísticas: uma original, produzida pela TV Caatinga e a versão da referida reportagem reeditada pela TV Cultura. Para tanto, utilizou a Etnopesquisa Contrastiva para aprofundar o fenômeno estudado de forma a compreendê-lo, apreendê-lo em conjunto,

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ROSIANE ROCHA OLIVEIRA SANTOS (Org.)

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criar relações, englobar, combinar e conjugá-lo. Ao fim da análise, observou-se uma adulteração completa da versão original, o que não apenas comprometeu a proposta do conteúdo inicial, como alterou drasticamente seu significado para reforçar uma imagem negativa e deturpada sobre a Ecologia Humana das gentes dos territórios semiáridos.

Também no tocante à comunicação, Érica Daiane da Costa Silva traz uma abordagem sobre Educomunicação e educação contextualizada: um olhar sobre a indissociabilidade a partir da experiência do Carrapicho Virtual, provocando uma reflexão acadêmica sobre a relação indissociável entre educomunicação e educação contextualizada, tomando como referência a proposta de contextualização da educação formal e não formal voltada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro. Essa reflexão é fruto da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia – Uneb em março de 2019. Ao tomar por base a experiência do Carrapicho Virtual, iniciativa protagonizada por adolescentes e jovens de comunidades do Vale do Salitre, área rural do município de Juazeiro (BA), a autora constata tal indissociabilidade, ao tempo que defende a educomunicação como um caminho sem volta.

Trazendo olhares mais específicos na categoria Educação, o texto de Daniel Soares Vieira e Simone Salvador de Carvalho, aborda As representações da mulher no livro didático de ciências humanas do 4º e 5º ano da Coleção Novo Girassol. Desse modo, o texto tem como objetivo geral: investigar as formas e sentidos da representação feminina em livros didáticos de Ciências Humanas do 4º e 5 º ano da Coleção Novo Girassol - PNLD Campo. E, de modo geral, o trabalho aponta que é possível afirmar que as imagens reafirmam, ainda que de forma sutil, a supremacia masculina, reafirmando a condição da mulher como ajudante, esposa, dona

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de casa, mãe. Em algumas situações percebe-se a reafirmação do machismo e patriarcado, invisibilizando a imagem feminina enquanto protagonista e negando a equidade de gênero. Essas concepções ideológicas podem desfavorecer avanços no sentido do reconhecimento e valorização da mulher e da superação das mais diferentes formas de violência e opressão sofridas por quem vive com esse marcador social.

Falando em invisibilidades, temos mais um grupo socialmente marginalizado, que são os jovens e adultos não alfabetizados. Sobre essa temática Andréa Maria da Silva, Rosiane Rocha Oliveira Santos e Rosângela Cruz Silva discutem a necessidade de uma reestruturação nas políticas educacionais para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), com o texto Olhares sobre a formação docente na Educação de Jovens e Adultos a partir de uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa sobre as pesquisas recém publicadas que discutem a formação docente na Educação de Jovens e Adultos (EJA) disponíveis a partir do Portal de Periódicos da CAPES. As autoras fazem um breve resumo sobre o histórico de políticas educacionais ao longo da história do Brasil e discorrem sobre como essas políticas estão atualmente. A análise dos dados aponta que as políticas públicas para a EJA ainda precisam ser revistas, não do ponto de vista mercadológico da preparação do sujeito para o mundo do trabalho, mas como forma de contribuir com o exercício da sua cidadania que se faz e refaz no cotidiano de sua existência e isso toca diretamente na formação inicial e continuada do docente, nos materiais didáticos utilizados e no currículo como um todo.

Ainda no tocante à EJA, a autoras Andréa Maria da Silva, Rosiane Rocha Oliveira Santos e Rosângela Cruz Silva trazem outro trabalho, dessa vez indicando sobre o Letramento literário no sistema prisional. Nessa discussão, o trabalho apresenta resultados

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de um estudo que teve como objetivo descrever a relevância do letramento literário para educandos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no sistema prisional. As autoras apontam que o letramento literário tem grande relevância para a formação crítica do indivíduo que se encontra em privação de liberdade, sobretudo para seu processo de ressocialização, porém as pesquisas acadêmicas ainda são escassas nessa área. O estudo conduz ainda para afirmar que são necessárias políticas públicas de formação inicial e continuada com professoras e professores que atuam no sistema prisional para fomentar a prática do letramento literário na EJA privados de liberdade visando uma aprendizagem significativa, problematizadora e contextualizada.

Assim, o conjunto de textos aqui dispostos contribui para se pensar diversas problemáticas e alternativas a elas e isso requer dizer que não dá pra pensar alternativas às problemáticas sociais, ecológicas e educacionais de maneira isolada, é preciso pensar no contexto e na complexidade, tal e qual a sociedade em que essas problemáticas se inserem.

Desse modo, tenho prazer e gratidão em, mais uma vez poder ler, antecipadamente o coletivo de trabalhos organizados pela amada professora Rosi Rocha e sobre eles tecer alguns comentários, ainda que esses não sejam tão aprofundados como os textos, mas que sistematizam e anunciam a você o reboliço conceitual que está por vir.

José Moacir dos Santos1

Juazeiro/BA, 2019.

1. Pedagogo pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Metodologias participativas aplicadas à pesquisa, assistência técnica e extensão rural pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Coordenador de Projetos Sociais do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA). Presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA/BA).

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APRESENTAÇÃO

Há pouco mais de 30 anos afirmar a produção do conhecimento científico no interior de regiões, como

o Norte e o Nordeste do Brasil era algo impensável, tendo em vista os estereótipos criados sobre as gentes desse lugar em decorrência de um longo processo histórico de estigmatização, silenciamento e negligência política.

Com o passar do tempo, algumas políticas voltadas para a interiorização do ensino e da pesquisa nessas regiões, mudaram esse cenário e hoje temos uma vasta produção de conhecimento científico, poético, artístico, filosófico, etc.

Desse modo, os textos apresentados nesta obra, anunciam lugares, territórios, gentes, saberes, sabores e dizeres que, de maneiras diversificadas, compõem a existência e resistência do povo nordestino, que produz conhecimento e, neste livro, sistematizam algumas de suas produções.

A obra é composta por textos de educadoras e educadores populares, professoras e professores da educação básica e superior que trazem em suas histórias marcas dessa estigmatização e que, no entanto, superam através do acesso ao conhecimento, toda e qualquer inferiorização que foi imposta ao povo nordestino.

Sendo assim, este livro traz uma possibilidade de perceber o Nordeste e, mais especificamente, o Semiárido Brasileiro, sob a perspectiva de sua riqueza humana, ecológica, filosófica como um lugar potencial ao bem-viver. Isso não difere de muitas outras obras e trabalhos de conclusão de curso a nível de mestrado e doutorado,

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nas mais diversas áreas do conhecimento que hoje são possibilidades outras que emergiram insurgentemente contra as paradigmáticas narrativas hegemônicas.

Enfim, a organização deste livro conduz a uma leitura imprescindível sobre a produção do conhecimento nos interiores do Brasil, sobre as formas de se pensar essa produção enquanto disseminadora das inúmeras possibilidades existentes nessas regiões, mas que só se concretizam quando são pauta nas agendas das políticas públicas educacionais.

No mais, convido você a se abrir à leitura deste material e, com ele, tomar partido das discussões, permitindo-se provocar, descobrir, questionar, discordar e acrescer seus conhecimentos no que tange às concepções aqui arroladas, bem como ressignificando suas (in)certezas.

Rosiane Rocha Oliveira SantosOrganizadora

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- I -FUNDAMENTOS DA ECOSOFIA NA FORMAÇÃO

HUMANA: UM ENFOQUE NA CONSCIENTIZAÇÃO ECOLÓGICA

Kellison Lima CavalcanteRafael Santana Alves

Introdução

A crescente ação de deterioração da natureza, provocada pelo homem, reflete nos problemas ambientais da nossa

sociedade na atualidade. Dessa forma, Guattari (2009) afirma que os modos de vida do homem evoluem no sentido de uma progressiva deterioração do nosso planeta. É possível destacar que os problemas ambientais da contemporaneidade são resultados das ações humanas ao longo do tempo, prejudicando o futuro da natureza. Assim, torna-se relevante a discussão da Ecosofia abordada pelo filósofo francês Félix Guattari (1930 – 1992), que procurou concatenar de modo lógico e heterogêneo os conceitos do que é natural e do que é cultural, relacionando natureza e meio ambiente com o humano. Nesse sentido, partimos da problemática da evolução do homem e da sociedade que prevalece sobre a natureza e o meio ambiente. Tendo em vista que, de acordo com o pensamento ecosófico, a natureza e os seres humanos fazem parte do mesmo ecossistema comunicativo. Para Naess (1995), criador do movimento da ecologia profunda, a ecosofia se propõe em ter uma visão total e compreensiva da situação do ser humano incluído no meio ambiente. Dessa forma, procura estabelecer uma relação mútua entre o homem e o mundo em que vive, como parte integrante e não destruidora. De acordo com Guattari (2009), vivemos no planeta sob

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a aceleração das mutações técnico-científicas que podem ser identificadas no tempo atual, onde vivemos uma crise ambiental, de revoluções políticas, sociais e culturais. Assim, a sua proposta ecosófica busca resposta e ações para a problemática ambiental que vivenciamos no cotidiano. Nesse sentido, Guattari (2015) enfatiza que a Ecosofia é um modelo prático e especulativo, ético-político e estético, não sendo uma disciplina, mas sim uma simples e eficaz renovação das antigas formas de concepção do ser humano, da sociedade e do meio ambiente. Maffesoli (2010) destaca que a Ecosofia procura explicitar os motivos da racionalidade humana em relação às ações de deterioração da natureza, postulando soluções possíveis para essa relação. Dessa forma, a Ecosofia torna o homem ativo no debate das questões ambientais e nas suas soluções. Nessa perspectiva, esse trabalho tem como objetivo refletir sobre a relação do homem com o meio ambiente através dos princípios da Ecosofia de Félix Guattari, principalmente na contribuição do pensamento filosófico. Discussão Teórica

Para Guattari (2009), vivenciamos uma aceleração das mutações técnico-científicas e do considerável crescimento demográfico, que nos distanciam de nossas relações pessoais, sociais e ambientais identificadas no mundo contemporâneo pelo trabalho maquínico e pela revolução informática, tornando o nosso meio ambiental vulnerável pela ação do homem. Diante dos novos modos de viver, potencializamos uma crise ambiental derivada do interesse de produção e uso indiscriminado dos recursos naturais necessitando de uma revolução política, social e cultural da humanidade.

Segundo Avila-Pires (1983) de um mero elo nos ecossistemas naturais, como um grande predador, o homem passou a influir decisivamente sobre o ambiente e adquiriu o poder de alterar os processos naturais, inclusive aqueles que regulam sua própria evolução. As constantes mutações do mundo contemporâneo, provocando a subjetivação do homem e as fragilidades das relações

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sociais e ambientais, torna essencial o pensamento racional e lógico sobre as questões e problemáticas ambientais em escala planetária. Diante do exposto, o homem torna-se potencial conscientizador dos problemas advindos de sua própria ação, promovendo a articulação e a participação no entendimento de soluções.

Boff (2015) afirma que a missão do ser humano não é a dominação da natureza, mas o cuidado dela, pois ele é parte responsável de toda a comunidade do Planeta. Pois o homem não vive de forma isolada, ele promove relações sociais e ambientais que precisam de cuidados e merecida atenção. Dessa forma, Hur (2015) corrobora para o entendimento de que para pensar a subjetividade relacionada à sua exterioridade, somada à preocupação da gestão política e ambiental do planeta, deve-se trabalhar de forma articulada os mecanismos do processo educacional.

Nesse sentido, Rocha (2016) ressalta a importância de se discutir a participação do homem no processo de conscientização da ação antrópica e efetiva busca por soluções para a conservação e preservação do nosso planeta. A partir da discussão e da aproximação do homem com a realidade ambiental é possível identificar potencialidades na reversão de problemas ambientais provocados pelo próprio homem.

Dessa forma, o processo educacional torna-se um canal potencial na formação do homem consciente e participante na busca de soluções para os problemas ambientais. Para que a educação promova valores ambientais, Carvalho (2013) ressalta que a mesma deve envolver transformações no sujeito que aprende, em sua identidade e posturas diante do mundo. Assim, a educação deve aproximar o homem da prática constante e na efetiva resolução, através do interesse em compreender as causas, os efeitos, os mecanismos e as ferramentas de controle ambiental.

É importante ressaltar que a educação tem como princípio a formação do homem capaz de compreender o ambiente em que vive e buscar respostas para os problemas de um modo geral, como éticos, científicos, culturais e, sobretudo ambientais. Desenvolvendo habilidades inerentes à sua participação como integrante do meio

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ambiente e não destruidor. Assim, a educação tem como finalidade estimular o homem a observar e compreender o mundo, como sendo parte integrante dele, oferecendo assim, a possibilidade de agir, com respeito e consciência.

Nesse contexto, Carvalho (2013) destaca que no processo de formação do homem através da educação surge o sujeito ecológico que representa um tipo ideal, que possui um conjunto de atributos e valores ecológicos, constituindo um parâmetro orientador de escolhas e estilos de vida. No entendimento de Carvalho (2013), as pessoas que apresentam características do sujeito ecológico aderem a um modo cuidadoso de se relacionar com os outros humanos e não humanos que tomam como boas, corretas, moral e esteticamente admiráveis. O sujeito ecológico torna-se um multiplicador de valores e concepções a cerca da conservação e da preservação ambiental, com características que aproximam o homem da sua relação de cuidar do Planeta e garantir condições para a continuidade do meio ambiente.

Para Campos e Cavalari (2018), para que a educação seja transformadora, ela precisa de uma participação efetiva dos seres humanos nos processos de transformação das relações sociais, a partir de práticas intencionalizadas, que sinalizam as direções dos resultados, ações e mudanças que esperamos. Dessa forma, o homem depende do meio ambiente para sua própria sobrevivência desde a evolução dos seus ancestrais. Porém, como parte integrante da natureza e, sobretudo um ser social capaz de provocar alterações no meio, é possível a partir da Ecosofia, provocar mudanças permanentes para cuidar da natureza através da lógica da totalidade das relações.

Pressupostos Metodológicos

A pesquisa se fundamenta no método dialético com foco na abordagem da formação humana nos fundamentos da Ecosofia. Utilizou-se uma abordagem descritiva, bem como do caráter bibliográfico, no sentido do liame entre a relação do homem e a

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natureza no processo de conscientização ecológica. Nesse sentido, a pesquisa é delineada a partir de uma pesquisa

bibliográfica. Gil (2008) ressalta que a pesquisa bibliográfica parte dos estudos exploratórios em busca ampliar e fundamentar a análise do tema em discussão, com a realização de pesquisas desenvolvidas a partir da técnica de análise de conteúdos. Dessa forma, as fontes secundárias foram obtidas através de consultas em bases de dados disponibilizadas no Portal Periódicos Capes, como SciELO, Scopus e Google Academic, através dos indexadores de ecosofia, ecologia profunda e ecologia humana. Para a análise e discussão, a pesquisa baseou-se nas técnicas de investigação e redação filosófica propostas por Cunha (2013), que destaca a leitura analógica e analítica de textos filosóficos.

Resultados

De acordo com Dodsworth-Magnavita (2012), a Ecosofia é um termo capaz de sintetizar a preocupação da Filosofia recente com as questões ambientais. O conceito de Ecosofia expressa as formas como os sujeitos interagem entre si e com o meio ambiente, a partir do conhecimento de práticas ambientais sustentáveis no processo de inclusão do sujeito no meio ambiente e como parte da natureza, para preservação e conscientização ambiental. No entanto, consiste mais do que apenas um Filosofia da Ecologia e sim um modo de pensar o mundo em que vivemos. De acordo com Guattari (2009) a Ecosofia aborda a nossa compreensão, como parte do meio em que vivemos, e como aprendemos e agimos sobre a problemática ambiental, tendo por base as três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana (mental).

Ecologia do meio ambiente - onde tudo é possível de acontecer, quanto às evoluções flexíveis e quanto às piores catástrofes ambientais; “cada vez mais, os desequilíbrios naturais dependerão das intervenções

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humanas”, principalmente quanto à regulação das relações entre o oxigênio, o ozônio e o gás carbônico; Ecologia social - deve trabalhar as relações humanas, reconstruindo-as em todos os níveis do socius; Ecologia subjetiva ou mental - será levada a reinventar a relação do sujeito como o corpo, a psique (inconsciência) e o consciente (GUATTARI, 2009, p. 52).

A Ecosofia consiste em despertar a condição humana no meio ambiente, enfatizando a formação de um novo ser humano, com base nas três ecologias. Dessa forma, de acordo com Gonçalves (2008), a prática ecosófica aproxima o homem de si mesmo, do outro e da natureza. O enfoque está na necessidade em entendermos e aprendermos sobre a problemática ambiental, sobre as ações que a causaram e suas implicações ou projeções ao longo do tempo. Nesse sentido, Gonçalves (2008) destaca que a Ecosofia promove um dilema na relação da subjetividade com a exterioridade e o social. Assim, põe em discussão a ação do homem no meio ambiente, seu modo de ser individual e social como integrante do mesmo ecossistema natural. Os problemas ambientais são resultados da evolução da sociedade, em seus aspectos econômicos, políticos, sociais e educacionais, que sintetizam a subjetividade da condição humana. Essa subjetividade significa a nossa percepção sobre o mundo em que vivemos e sobre nós mesmos, nosso modo de pensar e agir para preservar e cuidar do meio ambiente. De acordo com Guattari (2015), o que está em questão é a maneira de viver daqui em diante sobre esse planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico-científicas e do considerável crescimento demográfico. Maffesoli (2010) destaca que, com a abrangência das discussões da problemática ambiental, o homem vive um momento de transição de predador da natureza para o que deseja conviver em harmonia. Assim, de acordo com o pensamento ecosófico, o homem procura soluções para a relação com o meio ambiente.

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Assim, ainda de acordo com Maffesoli (2010), a Ecosofia consiste em uma mudança de paradigma, onde o homem tem a consciência que é parte indissociável do meio ambiente. A Ecosofia consiste na compreensão e desenvolvimento de novas práticas sociais e analíticas na busca da criação de novas subjetividades, tornando o homem como um ser capaz de interagir com o meio ambiente. Como afirma Guattari (2006):

Não seria exagero enfatizar que a tomada de consciência ecológica futura não deverá se contentar com a preocupação com os fatores ambientais, mas deverá também ter como objeto devastações ambientais no campo social e no domínio mental. Sem transformações das mentalidades e dos hábitos coletivos haverá apenas medidas ilusórias relativas ao meio material (p.173).

Nessa perspectiva, de acordo com Morente (1980), a Filosofia é o que o homem faz e tem feito. Podendo ser compreendido através do pensamento de Deleuze e Guattari (1992), ao considerarem a função primordial da Filosofia na formulação de conceitos e do conhecimento e a representação da realidade. Dessa forma, a Filosofia insere o homem na concepção da realidade que vivencia, procurando respostas e soluções para os problemas que identifica. De acordo com Devall e Sessions (2004), Sofia vem do grego ‘sabedoria’, o que relaciona com a ética, as normas, as regras e a prática, assim, a Ecosofia implica um deslocamento da ciência para a sabedoria. Assim, o que precisamos no mundo contemporâneo é a expansão do pensamento ecológico em direção ao pensamento da Ecosofia. A condição humana passa a ser um ser integrado no meio, um ser completo, holístico, que conjuga aspectos biológicos, mentais, sociais e espirituais. Como podemos observar no pensamento de Naess (1995):

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A Ecosofia é uma filosofia de harmonia ou equilíbrio ecológico. Filosofia como um tipo de sofia ou sabedoria é abertamente normativa, contém normas, regras, postulados, anúncio de prioridades e hipóteses relacionados à situação do universo. A Ecosofia implica um deslocamento da ciência para a sabedoria (p. 41).

Para Naess (1995), a Ecosofia pode ser compreendida como uma Filosofia de harmonia ou equilíbrio ecológico, como saber referente ao meio ambiente. Assim, insere-se no contexto de uma força potencializadora e/ou uma ação para refletir sobre as problemáticas existentes na relação do homem com o meio ambiente, como destaca Guattari (2009):

A Ecosofia não considera a dimensão do meio ambiente como sinônimo de natureza coloca em igualdade a qualidade das relações sociais, bem como a qualidade da subjetividade humana, construídas a partir das relações do ser humano consigo mesmo, dos seres entre si, com o ambiente planetário (p. 32).

Assim, as condições do meio ambiente não podem ser dissociadas da nossa condição de existência no planeta. Essa condição está associada diretamente a nossa formação ecológica, a nossa formação como um sujeito ambientalmente consciente. O ser humano precisa aprender a desenvolver um pensamento transversal para compreender de fato e implantar em sua essência, a fim de entender as frágeis relações que regem os aspectos globais do nosso planeta, em uma esfera mais abrangente e os aspectos locais e pertinentes ao nosso desenvolvimento. Dessa forma, Naess (1995) destaca que:

A Ecosofia é mais do que uma ética, um processo de amadurecimento que nos coloca

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como parte integrante do Universo. Somos mais um elemento da comunidade natural, mas com a responsabilidade acrescida de termos consciência dos nossos atos e das consequências que daí advém (p.48).

Nesse sentido, a Ecosofia tem como princípio a formação de cidadãos capazes de compreender o ambiente em que vivem e buscar respostas para os problemas de um modo geral, como éticos, científicos, culturais e, sobretudo ambientais. A Ecosofia tem como finalidade estimular o homem a observar e compreender o mundo, como sendo parte integrante dele, oferecendo assim, a possibilidade de agir, com respeito e consciência. Assim, Guattari (2009, p.23) insiste na necessidade de uma subjetivação do ser humano, promovendo articulando o que o filósofo descreve como “uma mutação social e a recuperação de um meio ambiente degradado e irremediavelmente modificado”. Dessa forma, as três ecologias descritas por Guattari (2009) tornam evidentes as problemáticas que estão acontecendo na nossa natureza, que exigem cuidados especiais para poder preservar e criar condições para manter o equilíbrio do meio ambiente. Assim, a Ecosofia se configura como uma necessidade social, criando uma conscientização de que todos devem cuidar e preservar o meio ambiente para as futuras gerações, formando indivíduos atuantes. “A tomada de consciência ecológica futura não deverá se contentar com a preocupação com os fatores ambientais, mas deverá também ter como objeto devastações ambientais no campo social e no domínio mental” (GUATTARI, 2009, p. 41). Dessa forma, torna-se imprescindível a compreensão da formação do sujeito ambiental atualmente, inserido no processo de inclusão nas práticas ecológicas e ações ambientais para buscar soluções para as ações antrópicas de destruição. Assim, sem transformações das mentalidades e dos hábitos coletivos haverá apenas medidas ilusórias relativas ao meio material. De acordo com Guattari (2015), as três ecologias se unificam em um ponto comum, que consiste em liberar as antinomias de

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princípio entre os níveis ecosóficos. Assim, a Ecosofia seria a busca de uma dimensão ecossistêmica e não mais antropocêntrica das relações do homem com o meio ambiente, com a sua mente e com os outros humanos, em busca de respostas para as contradições das nossas ações. Dessa forma, “consiste em compreender em dotar a humanidade de um fator incitador à práxis aberta e infinita, sem moldes, recortes ou singularidades” (GUATTARI, 2015). Nós dependemos do meio ambiente para nossa sobrevivência desde a evolução dos nossos ancestrais. Porém, como parte integrante da natureza e, sobretudo um ser social capaz de provocar alterações no meio em que vivemos, podemos a partir da Ecosofia, provocar mudanças permanentes para cuidar da nossa natureza. De acordo com Gallo (2003), o gênero humano desenvolve de tal modo sua consciência no tempo que chega um momento onde não basta sentir o mundo criando valores (mitos) sobre o mundo. Surge o desejo de descobrir as leis que regem o nosso mundo, a querer entender o mundo de modo racional e procurar soluções para os problemas resultantes de nossas ações. Nesse sentido, é possível destacar que a filosofia se opõe ao mito, pois a consciência filosófica não se limita a sentir o mundo. Assim a Ecosofia tem como finalidade interpretar de modo racional os questionamentos e problemas do nosso meio ambiente para, em seguida, questionar a realidade. Nessa perspectiva, o pensamento ecosófico possibilita a relação do ser humano com a realidade que o produz e o atravessa, em suas múltiplas dimensões. Assim, através da compreensão das três ecologias torna-se imprescindível a nós, como seres humanos e parte indissociável do meio ambiente, a procura da conciliação dessa relação de possibilidade no nosso Planeta para minimizar os riscos de problemas ambientais e intervenções humanas na natureza.

Considerações Finais

A Ecosofia consiste na nossa compreensão, como parte do meio em que vivemos, sobre a problemática ambiental, tendo por base as três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais

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e a da subjetividade humana (mental). Para isso, a Ecosofia de Guattari propôs a observação, através de uma dimensão planetária e totalizante, das problemáticas contemporâneas, provocando uma verdadeira revolução política, social e cultural. A Ecosofia apresenta aspectos fundamentais para desvelar a relação que nós precisamos entender para a conscientização ambiental, garantindo a continuidade do mundo em que vivemos, preservando a natureza e os seres vivos. Foi possível compreender que a Ecosofia é mais que uma reflexão sobre ecologia, natureza e subjetividade humana, é uma busca por ações concretas, levando em consideração a interação do homem com o meio ambiente. Dessa forma, a Ecosofia estimula uma ampla consciência ambiental, possibilitando extrair do campo da aprendizagem e do conhecimento o potencial de nos tornarmos capazes de compreender o que o nosso planeta precisa. Assim, através dos princípios da Filosofia, da sabedoria em perceber a realidade com conhecimento, a Ecosofia se insere como uma maneira de compreender a natureza e de se relacionar com ela e com a sociedade. Com a Ecosofia, podemos compreender que o homem tem grande importância na natureza e na sua preservação, devendo haver uma relação de equilíbrio entre os humanos, a sociedade e o meio ambiente. A Ecosofia nos permite pensar na realidade e procurar, através do conhecimento, soluções para a problemática. Através da atitude ecosófica, em suas três ecologias, é possível despertar a nossa capacidade de pensar, refletir e ponderar sobre a nossa existência e os problemas do mundo, tornando o homem em constante processo de formação e conscientização ecológica.

Referências

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- II -PLURIATIVIDADE FEMININA NA AGRICULTURA FAMILIAR: ESTUDO DE CASO DO PROJETO SENADOR

NILO COELHO - NÚCLEO 08, EM PETROLINA-PE

Deise Cristiane do NascimentoCláudia Maria Lourenço da Silva

Carlenice Rufino Maciel

Introdução

A pluriatividade corresponde às transformações e evoluções ocorridas na agricultura em tempo parcial

(part-time farming). O part-time farming corresponde ao agricultor cuja principal fonte de renda advém da atividade agrícola, trabalhando em caráter parcial em outros locais, sem perda de produtividade. À medida que os demais membros do grupo familiar passaram a também desempenhar ocupações adicionais ao fomento e manutenção dos proventos da família, surge etimologia mais ampla denomiada multiple job holding farm household (MJHFH), no qual, a atividade agrícola não é o foco, mas sim a atividade que demandar mais tempo e, incluem-se nesse modelo, novas modalidades laborais, como trabalhos sazonais, ocasionais ou temporários (SCHNEIDER, 2003).

Ambos os modelos trabalhistas deram origem ao termo pluriatividade. Esta corresponde a todas as atividades agrícolas em sentido estrito, qual seja o cultivo em terra própria ou de forma assalariada, no que se refere ao beneficiamento e a venda da produção. Assim como o termo pluratividade aborda atividades como o turismo rural, indústria, comércio, serviços e trabalho informal na área urbana, que impactam da formação da renda da família.

Com a dinamização e evolução das atividades campesinas, gerando a inserção da família em práticas ocupacionais pluriativas, percebe-se a maior presença e autonomia feminina na dinâmica

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laboral e econômica, transformando a divisão do trabalho e demonstrando a importância da sua presença no campo.

No Nordeste, local onde se encontram os maiores núcleos de pobreza do país, a presença da mulher mostra-se de extrema importância, pois ela, não somente aloca recursos de desenvolvimento da comunidade rural, bem como desenvolve atividades internas capazes de promover e manter a saúde, a educação, a reprodução e produção da agricultura familiar, mesmo que sua presença ainda não seja plenamente visualizada ou prestigiada no meio rural, como ressaltam Staduto; Nascimento; Souza (2017).

Neste sentido, este artigo tem por objetivo verificar a participação pluriativa feminina na agricultura, em famílias residentes no Projeto de Irrigação Senador Nilo Coelho Núcleo 08, de maneira a delimitar o perfil e a importância das mulheres pluriativas que atuam na zona rural de Petrolina-PE.

Do Part-Time Farming à Pluratividade

Para entender pluriatividade na agricultura familiar é essencial fazer a diferenciação e a evolução entre duas concepções que estão intrinsecamente ligadas, mas permeadas de diferenças: o part-time farming (agricultura em tempo parcial) e pluriatividade.

Segundo Schneider (2003), até meados da década de 1980 a diferença entre os dois conceitos era considerada apenas em termos etimológicos, sendo que os termos mencionados eram julgados basicamente como sinônimos. Percebeu-se, no entanto, que as técnicas científicas aplicadas aos estudos científicos sobre os respectivos termos baseavam-se em diferentes critérios de averiguação, principalmente a partir de 1970, quando começa a se tornar expressiva a diversificação das fontes e renda das famílias meio rural.

Part time farming englobava a ideia de que o trabalhador rural laborava em outros locais, em caráter parcial, mantendo a agricultura como atividade econômica central, sem perda de produtividade. A única diferença entre o agricultor em tempo parcial

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e o que se dedicava totalmente à atividade rural, correspondia ao tempo destinado na realização de cada área de atuação (FULLER, 1990 apud COTRIM; MIGUEL, 2008).

Kageyama (1998) apud Cotrim e Miguel (2008) aprofunda essa perspectiva, situando o “trabalho em tempo parcial como a atividade realizada não somente pelo produtor, mas por toda a entidade familiar, a qual, em uma parcela do ano, dedica-se à agricultura, de acordo com as necessidades do grupo doméstico”.

O acréscimo do grupo familiar ao estudo da formação da renda na produção agrícola, em suas mais diversas perspectivas mostrou a necessidade da adoção de uma nova terminologia, qual seja multiple job holding farm household (MJHFH), como sugeriu Fuller (1984) citado por Schneider (2003).

Esta última categoria corresponde à situação em que um indivíduo, possui mais de um trabalho ou gerencia mais de uma empresa durante a semana, sendo que o trabalho principal será aquele que demanda mais horas. Saliente-se, que todas as atividades laborativas devem ser remuneradas. Outrossim, o conceito, a depender da doutrina sofre acréscimos, incluindo trabalhos sazonais, temporários ou ocasionais.

Nesse sentido, sugeria que os estudos sobre a MJHFH incorporassem três características fundamentais das famílias: a composição demográfica, o processo de tomada de decisão e as vontades e interesses dos indivíduos que compõem as famílias, considerando-se suas situações locais e históricas (FULLER, 1984, p.210 apud SCHNEIDER, 2003, p. 76).

Schneider (2003) explica que pluriatividade, corresponde à evolução dos conceitos descritos, ampliando no campo das ciências sociais o objeto de estudo do fenômeno de diversificação das fontes de renda de uma família que possui vinculo com a agricultura familiar, incluindo nesse estudo, concepções sobre agroindústria, a relação entre o produtor e seus familiares com o mercado de trabalho e as transformações socioculturais, em especial as novas relações

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laborais desenvolvidas por homens e mulheres.Conterato et al., (2007), baseando-se nos estudos de Newby

(1987) e Fuller (1990), determina que a pluriatividade corresponde a um gênero, no qual estariam englobados os conceitos de agricultura em tempo parcial e de “multiple job holding”. Transfere-se, portanto, o foco de estudo do produtor para a família e do meio agrícola, para a concepção mais abstrata da ruralidade.

Pluriatividade, portanto, corresponde às atividades agrícolas e não agrícolas que possuem significância na formação da renda da família, incluindo-se nesse prospecto, além atividade agrícola em sentido estrito: a realização de trabalho assalariado em outras propriedades rurais; atividades para-agrícolas, correspondendo ao beneficiamento e processamento da produção in natura ou derivados, realizada na própria propriedade ou adquirida externamente, para consumo próprio e para a venda; atividades não-agrícolas realizadas ou não dentro da propriedade, à exemplo do turismos rural ou, totalmente fora da rotina campesina, atividades laborativas vinculadas ao setor urbano, como a indústria, comércio, serviços, e trabalho informal.

A pluriatividade implica uma forma de gestão do trabalho doméstico em que o trabalho agrícola encontra-se sempre incluído, podendo não ser, no entanto, uma atividade exclusiva ou mesmo a atividade mais importante. Outras atividades podem ser assumidas com o objetivo de sustentar ou de dar suporte à unidade doméstica, podendo também ser motivadas por considerações não-relacionadas à agricultura (SCHNEIDER, 2003, p. 77).

Escher et al., (2014), subdivide a pluriatividade em duas áreas de abrangência: pluriatividade agraria e pluriatividade intersetorial. A primeira representa a combinação das diversas atividades passiveis de ser realizadas dentro do âmbito agropecuário. Por um lado, englobam todas as modalidades complementares à atividade agrícola, balizando-se na modernização e mecanização da

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agricultura. Desse modo, estão inclusos serviços de terceirização, subcontratação, aluguel de máquina e equipamentos, serviços acessórios, entre outros. Por outro lado, inclui também as atividades para-agrícolas, ou seja, um aperfeiçoamento do sistema de produção, para o aprimoramento dos meios de subsistência da família, o que origina as chamadas "agroindústrias familiares rurais".

A segunda, corresponde à conexão ente o setor agrícola e os demais ramos econômicos – indústria, comércio e serviços. Ocorre, portanto a descentralização e flexibilização das relações de trabalho, com a maior incidência de trabalhadores pendulares e sazonais, no sentido rural para urbano. Além disso, a própria estrutura dos demais setores, à exemplo da indústria, passam por realocações, percebendo-se sua existência não somente nas regiões metropolitanas, mas sim nos espaços rurais e periurbanos, fazendo com que haja a ampliação, cada vez maior, dos espaços habitacionais ao redor das referidas áreas (ESCHER et al.).

Pode-se compreender que a pluriatividade, por conseguinte, explica a complexidade da transformação das unidades familiares de produção, desmistificando e transformando os padrões até então cultivados sobre o contexto social e econômico do produtor e seu grupo doméstico, tornando o estudo da constituição dos rendimentos por uma família do meio rural em um panorama multidimensional.

Em um contexto mais amplo, explica Mattei (2007) que a pluriatividade é ainda mais significativa. A pluriatividade demonstra também a evolução da própria função agrícola, que deixa de englobar tão somente a produção de alimentos e a geração de empregos, para fomentar o acúmulo de capital, a preservação ambiental e a dinamização do espaço rural, mostrando-se, deste modo, como um “setor plurifuncional”.

Esta interação entre atividades agrícolas e não-agrícolas tende a ser mais intensa à medida que mais complexas e diversificadas forem as relações entre os agricultores e o ambiente social e econômico em que estiverem situados. Isto faz com que a pluriatividade seja um fenômeno

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heterogêneo e diversificado que está ligado, de um lado, às estratégias sociais e produtivas que vierem a ser adotadas pela família e por seus membros e, de outro, dependerá das características do contexto em que estiverem inseridas (CONTERATO, et al., 2007, p. 4).

Igualmente, demonstra Mattei (2007) que a pluriatividade traz ao prospecto rural uma nova faceta, anteriormente não pensada e não aceita, todavia, essenciais ao desenvolvimento rural na contemporaneidade, bem como da minoração do êxodo rural, vez que introduz uma nova importância e dá um novo sentido ao processo de produção no espaço rural.

Nesse sentido as atividades não agrícolas no meio rural, bem como das ocupações da população rural em atividades não agrícolas, vêm provocando transformações na produção e na economia das unidades de agricultura familiares, nas relações sociais e de trabalho, esse fenômeno, denominado pluriatividade, tem ganhado importância em pesquisas sobre o novo rural brasileiro, assim como a presença da mulher nesse espaço.

Para Silva e Schneider (2010) deve-se destacar o papel da mulher no desenvolvimento destas atividades pluriativas, uma vez que cabe a elas na maior parte das vezes, a responsabilidade quanto à realização dessas atividades, visto que os homens sempre estão atarefados com a lida no campo. Por sua vez a renda relacionada ao desenvolvimento de atividades pluriativas, não tem o mesmo caráter familiar indivisível, como os das atividades de cunho agrícola realizadas nas unidades de produção, sendo que essas últimas são administradas pelo chefe da família. Portanto, a mulher se destaca nesse contexto em função das atividades que desenvolve e da renda auferida.

O Projeto Senador Nilo Coelho (Psnc)

Os estudos sobre a viabilidade de construção de uma área irrigada no submédio São Francisco existem desde a década de 1960,

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em virtude da importância das cidades ribeirinhas de Petrolina-PE e Juazeiro-BA, como rotas comerciais no semiárido nordestino, bem como o notável crescimento econômico das referidas áreas. No entanto, as primeiras obras e o primeiro assentamento de produtores, voltados à agricultura irrigada, somente vieram a ser estruturados entre os anos de 1979 e 1983 e, desde então, está em contínua expansão, gerando oportunidade de negócios e emprego a mais de 90.622 pessoas de maneira direita ou indireta (DISTRITO DE IRRIGAÇÃO NILO COELHO, 2018).

Atualmente, conforme dados da Companhia de Desenvolvimento dos Vale do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), o PSNC conta com uma área irrigável de 20.361ha, dos quais 19.611ha são ocupados. Da área ocupada 12.027ha são formados por lotes familiares e 7.584 ha por lotes empresariais. Há 11 núcleos habitacionais e 3 centros de serviços, dos quais o Núcleo 08 definido como delimitação geográfica deste estudo. Nas áreas adicionais, conhecidas como Maria Tereza, há cinco núcleos de serviço (CODEVASF, 2018).

No tocante à agricultura familiar, os produtores, em geral, são naturais da cidade de Petrolina, dispondo de seis a doze hectares. Quando há comercialização da produção, esta é feita para as cidades circunvizinhas, capitais nordestinas, e algumas cidades das regiões Norte, Sul e Sudeste (ARAÚJO; SILVA, 2013).

Segundo Araújo e Silva (2013), a estrutura e as condições de trabalho das pequenas propriedades são precárias, sem condições de alocação de insumos e instrumentos, bem como sem a presença de equipamentos de proteção individual, conhecimentos técnicos, assim como higienização.

Metodologia

O estudo baseia-se numa metodologia sistemática, a fim analisar, avaliar e interpretar evidências teóricas e empíricas, de maneira a proporcionar um conjunto integral de informações acerca da temática em apreciação, bem como comparando os resultados

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obtidos com a literatura balizada e disponível até o presente momento, preenchendo as possíveis lacunas da bibliografia estudada e informando reflexões futuras.

O método de abordagem será principalmente quantitativo. Com base nesse prospecto, estabelecer-se-á um padrão tipográfico das famílias que vivem no Projeto Senador Nilo Coelho – Núcleo 08, na cidade de Petrolina-PE, baseando-se na renda, nas formas como esta é obtida e na percepção de como as mulheres contribuem, em caráter substancial, para a composição dos rendimentos totais do grupo familiar.

As famílias consideradas pluriativas, nesse contexto, serão todas àquelas que possuam atividades laborais não-agrícolas como fonte de renda, mesmo que nessa situação, a agricultura não seja o principal meio de subsistência. Sob esse ponto de vista, fomenta-se a compreensão de como a globalização vem afetando a estrutura básica do campo, percebendo se há conservação da agricultura familiar sob a conjuntura histórica em que se baseiam as atividades rurais.

A partir dos resultados obtidos, foram indicadas e discutidos as práticas agrícolas e não-agrícolas adotadas pelas famílias e qual o impacto econômico gerado por cada categoria nos proventos do grupo doméstico.

Para a concretização desse artigo, foi realizado a revisão bibliográfica de livros e artigos científicos disponíveis em meio eletrônico, estudo de campo,, estipulando as características gerais da comunidade rural, bem como entrevista, previamente elaborada, que foi realizada com 20 (vinte) famílias integrantes do projeto agrícola, com membros pluriativos, entre os meses de agosto e outubro de 2018. Para tanto buscou-se junto a Codevasf o número total de lotes que fazem parte do Projeto Senador Nilo Coelho - Núcleo 08, o qual é composto por 142 lotes. Desse universo são proprietárias oficiais 26 mulheres, ou seja, 18,30%. Sendo assim definiu-se o universo da pesquisa, ou seja, 26 proprietárias das quais todas foram contatadas para fim de serem entrevistadas, participaram da entrevista 20 mulheres.

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Análise dos Resultados

Com relação a agricultura familiar, esta diferencia-se por certos princípios gerais de funcionamento, nos quais o proprietário acumula as funções de administrador e trabalhador, sendo dono dos meios de produção. Ainda, a mão de obra empregada é eminentemente familiar.

Dessa forma analisou-se a faixa etária das mulheres variou entre 17 e 44 anos, com predominância de pessoas com mais de 40 anos (30,0%) e média de idade de 33 anos, com 5 ou mais indivíduos integrantes do grupo familiar (23,1%).

As propriedades familiares possuem, de forma prevalente, de 5 a 10 hectares (80,0%), com tempo de habitação entre 10 e 20 anos (60,0%), realização o cultivo de frutas e verduras, tendo como finalidade a comercialização (75,0%), conforme tabela 1.

Tabela 1 – Frequência absoluta (n) e percentual (%) da idade, membros do grupo familiar, tamanho da propriedade, tempo de habitação e principal atividade desenvolvida na unidade de produção das mulheres pluriativas no Projeto Senador Nilo Coelho – Núcleo 08, Petrolina, PE, Brasil.

Variáveis n %Idade>18 1 5,0Entre 18 e 30 anos 4 20,0Entre 30 e 40 anos 4 20,0Mais de 40 anos 6 30,0Não informado 5 25,0

Nº de membros na família1 0 0,02 5 25,03 4 20,04 6 30,05 2 10,0MAIS DE 5 3 15,0

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Tamanho da propriedade familiar (em hectares)Até 5 3 15,0Mais de 5 a 10 16 80,0Mais de 10 a 20 1 5,0

Tempo de habitaçãoMenos de 3 anos 5 25,0Entre 3 e 5 anos 1 5,0Entre 5 e 10 anos 1 5,0Entre 10 e 20 anos 12 60,0Mais de 20 anos 0 0,0Não informado 1 5,0

P r i n c i p a l a t i v i d a d e desenvolvida na unidadeAgricultura extensiva 5 25,0Pecuária Leiteira 0 0,0Pequenos cultivos, para consumo

0 0,0

Produção de frutas, verdura, para venda

15 75,0

Integração com empresas 0 0,0

Fonte: elaborado pelas autoras, com base na pesquisa realizada.

Fora da propriedade familiar, o desenvolvimento da atividade agrícola, por indivíduos do gênero feminino é predominantemente desenvolvido por empregadas temporárias (61,5%), não sendo verificado dentro do grupo de estudo, arrendamentos, conforme tabela 2.

A principal fonte de renda das mulheres e de seus grupos familiares é proveniente da realização da atividade agrícola (75%) e apenas uma pequena parcela dos indivíduos tem como fonte de proventos Integração (avicultura, fumo,...) (15,0%).

Sob esse ponto de vista, a maior parte das pessoas afirmou não saber ou preferiu não informar qual a renda familiar. Dentre as que informaram a predominância foi de pessoas com renda de 1 a 2 salário mínimo (23,1%). Assim como, 25% não informaram a renda, e 20% mais de 3 salários mínimos, de acordo com a tabela 2.

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Tabela 2 - Frequência absoluta (n) e percentual (%) da forma de desenvolvimento da atividade agrícola, da principal fonte de renda e da renda do grupo familiar das mulheres do Projeto Senador Nilo Coelho- núcleo 08, Petrolina, PE, Brasil.

Variáveis n %Desenvolvimento da atividade agrícolaSomente por membros familiares 2 10,0Arrendamento 0 0,0Empregado temporário 13 65,0Empregado permanente 3 15,0Outros 2 10,0Não desenvolve at ividade agrícola 0 0,0

Principal fonte de rendaAgricultura 15 75,0Pecuária 0 0,0Assalariado Urbano 0 0,0Aposentadoria/Pensões 0 0,0Integração (avicultura, fumo,...) 3 15,0Outros 2 10,0

Renda familiarMenos de 1 salário mínimo 3 15,0De 1 a 2 salários mínimos 7 35,0De 2 a 3 salários mínimos 1 5,0Mais de 3 salários mínimos 4 20,0Não informado 5 25,0

Fonte: elaborado pelas autoras, com base na pesquisa realizada.

Quanto à presença da pluriatividade dentro do núcleo familiar, tabela 3, em todos os casos foram verificados membros pluriativos. Nesse sentido, a atividade pluriativa é predominantemente exercida por 2 integrante da família (50%), motivado essencialmente pela dificuldade de manutenção da renda apenas através da produção

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agrícola (60,0%). Nesse sentido, a maior parte das entrevistadas (95%), alegaram que a necessidade de complemento salarial é o principal agente justificador do desenvolvimento de atividades não agrícolas. A receita familiar provinda da atividade não-agrícola corresponde, principalmente, a menos de 50% dos proventos auferidos por todos os membros pluriativos, conforme tabela 3.

Tabela 3 - Frequência absoluta (n) e percentual (%) da pluriatividade desenvolvida pelas mulheres e demais membros dos grupos familiares do Projeto Senador Nilo Coelho – núcleo 08, Petrolina, PE, Brasil.

Variáveis n %Membros pluriativos da unidade familiar1 membro 7 35,02 membros 10 50,03 membros 0 0,0Mais de 3 membros 3 15,0Não há membros pluriativos 0 0,0

Estímulos à pluriatividadeDif icu ldade de manutenção exclusivamente pela atividade agrícola

12 60,0

Tempo livre na atividade agrícola interna 1 5,0Oferta de uma ocupação (emprego) de fácil acesso 1 5,0Atração pela cidade pelas condições e pessoas 0 0,0Não tem ocupação na unidade em atividades agrícolas 1 5,0

Outros 5 25,0

Percentual de receita provinda de atividade não agrícolaMenos de 50% 9 45,0Aproximadamente 50% 5 25,0Próximo a 100% 1 5,0100% 0 0,0

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Não informado 5 25,0

Renda como principal fator à pluriativadeSim 19 95,0Não 1 5,0

Fonte: elaborado pelas autoras, com base na pesquisa realizada.

A presença de mulheres com idade superior a 40 anos, atuantes no meio rural é justificada em outros estudos, segundo os quais, nas últimas décadas houve uma maior migração de mulheres jovens do espaço rural para o urbano, à medida que, na relação campesina a situação de gênero ainda é marcada pelo patriarcalismo, existindo a submissão feminina nas relações familiares. Como resultado, existe pouco espaço de participação das mulheres na produção, bem dificuldade de acesso à propriedade, diante do ainda persistente contrato social que privilegia o homem na transmissão da terra, gerando, por conseguinte, o maior envelhecimento e masculinizarão nas áreas rurais, tal como destacou FURTADO, 2018).

A presença de grupos familiares com mais de 5 indivíduos ainda é um resquício do modelo tradicional colonial e dos métodos de transmissão da terra. Nesse contexto, nem todos os integrantes da família tem acesso ou oportunidade de trabalhar na propriedade agrícola e acabam exercendo atividades pluriativas. Quando ainda dentro do setor agrário, laboram como empregados temporários em outras unidades de produção, quando não agrícola, migram de forma permanente ou pendular para a área urbana e exercem ocupações nas indústrias, comércios, serviços ou mesmo trabalho informal (LOPES, 2017).

No entanto, como também percebido no estudo de Lopes (2017), o número de integrantes do núcleo familiar está progressivamente diminuindo. Percebe-se um aumento do número de famílias com no máximo quatro integrantes, havendo maior educação e maiores oportunidades aos jovens e às mulheres da família.

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No tocante à propriedade rural, estudo anterior realizado por Araújo e Silva (2013) demonstra uma caracterização bastante regular das propriedades rurais familiares no Projeto Senador Nilo Coelho. Conforme os autores, os pequenos agricultores possuem áreas de 6 a 12 hectares, nas quais cultivam de três a quatro culturas com fins de venda. Esta perspectiva confirma-se na atualidade, vez que a maior parte das mulheres estudadas viviam em áreas com mais 5 até 10 hectares, bem como predominou o cultivo dentro da unidade de produção voltado ao comércio.

Ressalte-se que, a situação em que estão enquadradas as proprietárias, instigam à pluriatividade. Isso ocorre porque as principais culturas cultivadas na região possuem altos custos de produção e maior tempo de acompanhamento, bem como passam por diversos controles de qualidade para atender ao mercado externo. Esta situação faz com que os produtores realizem poucas safras por ano, a fim de não perder a produção, voltem-se apenas para o comércio interno ou terceirizem a venda dos produtos às empresas especializadas, estas que determinam os valores de comercialização, tornando a renda familiar abaixo do necessário à manutenção do grupo doméstico.

O crescimento da pluriatividade feminina justifica-se pela busca por autonomia e autoestima da mulher. Além de complementar a renda da família, o exercício de atividades fora da unidade de produção familiar, indica o surgimento de uma renda individual à mulher, consubstanciando-se numa maior independência financeira, bem como num maior sentimento de reconhecimento e valorização pelo trabalho realizado.

No estudo realizado, percebe-se que o principal fator motivador à pluriatividade feminina consiste na incapacidade da renda auferida apenas com a atividade agrícola ser capaz de manter o grupo familiar, necessitando, pois, de complementação. No PSNC a maior parte das mulheres pluriativas continuaram trabalhando na zona rural, na agricultura, com empregadas temporárias, de maneira oposta ao entendimento de que, em geral, a tendência é de as mulheres envolvam-se em atividades não agrícolas, vez que

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estas exigem bastante esforço físico, bem como, ainda são vítimas de um alto grau de informalidade.

Considerações Finais

A presença marcante da pluriatividade feminina nas famílias integrantes do Projeto Senador Nilo Coelho – Núcleo 08 é o indicativo das transformações constantes às quais está submetida a zona rural da cidade de Petrolina-PE, em especial, à agricultura familiar.

No contexto analisado, a mulher pluriativa é, em geral, com idade superior a 40 anos, que continua trabalhando na zona rural, todavia desempenhando atividades, não dentro do núcleo de habitação, mas em outras unidades de produção, como empregadas temporárias.

O principal objetivo dessa migração laboral do lar ao mercado de trabalho se dá pela necessidade de complementação da renda da família, que como visualizado é incapaz de atender plenamente as necessidades do grupo doméstico. Essa situação é agravada pela dinâmica complexa e custosa de produção e comercialização de safra existente no PSNC, o que dificulta a produção dos agricultores familiares.

Apesar de já presente, a migração feminina para a zona urbana ainda não é tão expressiva nas famílias analisadas, ocorrendo o desenvolvimento de grande parte das atividades e estruturação de proventos dentro da zona rural. Isso não significa que este processo não venha a ocorrer com maior intensidade no PSNC, principalmente diante da dificuldade de garantia de proventos apenas por meio da atividade agrícola.

Outrossim, a pluriatividade feminina surge como um importante fenômeno de valorização do trabalho da mulher que ao exercer outras ocupações, fora do âmbito familiar, adquire não somente independência financeira, mas também ganha prestígio pelos trabalhos realizados e aumenta sua autoestima, estimulando-a inclusive a permanecer no meio agrícola.

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Igualmente, é necessário entender a importância da presença feminina na zona rural. A mulher pluriativa desempenha uma dupla jornada: além de garantir a complementação e manutenção dos proventos da família, ela ainda desempenha um papel integrativo, no qual garante a estabilidade educacional e organizacional do grupo doméstico.

Referências

ARAÚJO, Guilherme José Ferreira; SILVA, Marlene Maria. Crescimento Econômico no Semiárido Brasileiro: O Caso do Polo frutícola Petrolina/Juazeiro. Caminhos de Geografia, [S.l.], v. 14, n. 46, jul. 2013. ISSN 1678-6343. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/ article/view/18291/12824>. Acesso em: 02 jan. 2019.

BRASIL, Ministério da Integração Nacional. CODEVASF. Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho. [online]. Mar. 2018. Disponível em: < https://www.codevasf.gov.br/principal/perimetros-irrigados/elenco-de-projetos/senador-nilo-coelho> Acesso em: 20 dez. 2018

CONTERATO, Marcelo Antonio, et al. Pluriatividade e qualidade de vida dos agricultores familiares no Rio Grande do Sul.XVL Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, Londrina/PR, p.20, 2007. Disponível em:< http://www.sober.org.br/palestra/6/334.pdf> Acesso em: 30 ago 2018.

COTRIM, Décio Souza; MIGUEL, Lovois de Andrade. Pluriatividade: uma noção aplicável em pescadores artesanais?. Encontro de Economia Gaúcha (4.: 2008 maio: Porto Alegre, RS). Anais do evento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. Disponível em: < https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/30323/ 000675647.pdf?sequence=> Acesso em: 08 set 2018.

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- III -EDUCAÇÃO E TRABALHO: O RACISMO AMBIENTAL EM UMA ESCOLA LOCALIZADA EM COMUNIDADE

QUILOMBOLA NO SEMIÁRIDO PERNAMBUCANO

Antonio de Santana Padilha NetoMárcia Rejane Lopes Cavalcante

Ricardo José Rocha AmorimEdson Rodrigues da Silva

Introdução

Este estudo analisa a educação e trabalho, contextualizando com o racismo ambiental frente ao histórico brasileiro

que é marcado por profundas desigualdades, desde a forma de exploração da terra, a exploração do trabalho e da deficiência na educação, tendo quase sempre como pano de fundo o racismo nas relações sociais.

Segundo Pacheco (2016), muitos defensores da justiça ambiental, principalmente os que trabalham a partir de uma ótica mais rígida, tendem a considerar supérfluo o conceito de racismo ambiental. Para eles, a noção de justiça, em si, engloba suficientemente a análise, a denúncia e a busca de superação dos conflitos pautados pela relação entre injustiça social e meio ambiente. Assim, ao enfatizar o conteúdo de racismo existente em muitos casos de injustiça ambiental, estaríamos deixando de lado seu conteúdo mais determinante: o modelo de desenvolvimento e o paradigma civilizatório que é sua origem inicial.

Nesse cenário do trabalho escravo, Diégues (1980, p. 99) afirma que foi particularmente o escravo que influiu na organização econômica e social do Brasil, constituindo a escravidão uma

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daquelas três forças – as outras duas, a monocultura e o latifúndio – que caracterizam o processo de exploração da nova terra portuguesa; e que fixaram igualdade à paisagem social da vida de família ou coletiva no Brasil.

De acordo com Macedo (2015, p. 29)

Na linguagem cotidiana, a palavra trabalho tem vários significados, desde dor, tortura e suor no rosto, até a transformação de elementos da natureza em objetos de cultura. Originada do latim tripalium, instrumento de tortura, a palavra trabalho lembra fardo, sofrimento e dor. No entanto, o trabalho é um símbolo da liberdade humana, através do qual o homem se diferencia do animal, pela habilidade de transformar a natureza não só para satisfazer suas necessidades, mas para se realizar. O homem, para sobreviver e realizar-se, trabalha.

Como afirmam a maioria dos economistas do mundo inteiro, o trabalho é a fonte de toda riqueza. Assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem. (ENGELS,1876 apud MORES, 1999, p. 4).

Dentro deste contexto, percebe-se que o trabalho representa o momento do salto ontológico em que o ser meramente biológico dá origem ao ser social. Nesse sentido, o mundo dos homens se afirma em oposição ao mundo natural, ainda que este seja base condicional à sua existência.

A educação, assim como as demais categorias sociais, possui em sua estrutura fundamental uma relação com o trabalho, e isso pode ser observado no movimento de interiorização e exteriorização que os indivíduos operam no processo de aprendizado.

Contudo, a educação configura-se como um conjunto de preceitos que vão paulatinamente se afastando diretamente da

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relação metabólica do homem com a natureza. Embora tenha seu ponto de partida no trabalho, a educação é uma atividade que extrapola a esfera do reino da produção, tornando-a como uma espécie de base para a formação de um povo e de uma sociedade. Além da apropriação do conhecimento produzido pela sociedade, a educação é um esteio fundamental de justificação da mesma.

Nesse sentido, Bispo (2014, p. 27) afirma que o trabalho inscreva-se como uma relação sóciometabólica do homem com a natureza, e o complexo da educação consiste uma atividade estritamente relacionada ao âmbito da relação social estabelecida entre os homens.

Os educadores que frequentam o “chão da escola”, como é o caso dos educadores de uma escola quilombola, não muito diferente dos seus pares Brasil afora, deparam-se a todo instante com diversas situações e desafios. Nesse contexto, o tema racismo ambiental, analisado dentro de uma escola quilombola, pede um olhar mais apurado em relação ao sentido e percepção por parte dos sujeitos inseridos neste processo diante do desafio da formação de futuros cidadãos em uma sociedade quiçá mais igualitária.

Segundo Selene Herculano (2018), o Racismo é a forma pela qual desqualificamos o outro e o anulamos como não semelhante, imputando-lhe uma raça, colocando o outro como inerentemente inferior, culpado biologicamente pela própria situação. Nesse cenário, percebe-se que toda discriminação reflete a diminuição do sujeito perante um determinado contexto, seja ele político, econômico ou social, carecendo de atenção redobrada dos educadores que devem perceber dentro de seu processo de formação educacional estas nuances discriminatórias que podem refletir em prejuízo na educação desses indivíduos.

Dentro da perspectiva de formação de uma sociedade que deve ter o trabalho e a educação como princípios sociais, torna-se necessário um olhar mais apurado sobre a problematização histórica no Brasil frente ao racismo enraizado nas estruturas de povo e nação.

Desse modo, atualmente no Brasil, percebe-se um novo olhar sobre a perspectiva do racismo, denominada “racismo ambiental”.

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Esse novo tema tem alterado o ritmo de vida de populações como por exemplo: quilombolas, indígenas, ciganos, povos de terreiro, pescadores artesanais, vazanteiros, feirantes, licurizeiros e minorias diversas espalhadas em todo o território nacional.

Pierucci (1999) destacou ser ingênuo o pensamento de que o racismo seria, em sua essência, a rejeição da diferença. Nesta perspectiva, o racismo não seria a negação da diferença, mas a “obsessão com a diferença”. Daí o alerta para o uso contemporâneo de setores progressistas no Ocidente da palavra de ordem do “direito à diferença”.

É exatamente dentro deste contexto que a sociedade deve ficar cada vez mais atenta para que o debate sobre o racismo ambiental na educação e trabalho seja mais evidenciado no plano educacional e social.

Discussão Teórica

A Educação, o Trabalho e o Racismo Ambiental

A educação, como as demais categorias sociais, possui em sua estrutura fundamental, uma relação com o trabalho, e isso pode ser observado no movimento de interiorização e exteriorização que os indivíduos operam no processo de aprendizado.

Para Moreira e Macedo (2012, p. 178), a educação se configura em uma esfera social que surge com o processo do trabalho, enquanto condição mediadora fundamental para a efetivação deste. O complexo educativo, portanto, é ineliminável do ser social, é irredutível ao trabalho e é dele distinto.

Ademais, os segmentos sociais que auferem menor renda, são também os que usufruem de menor benefício das políticas públicas e menor participação política. Esse cenário de desigualdades é observado na educação que, apesar de avanços, ostenta ainda, uma média de anos de estudos baixos: 7,4 anos para a população de 10 anos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018).

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Segundo Marx, o trabalho é consumido como valor de uso e não como trabalho que cria valor de troca. O trabalho improdutivo abrange um amplo leque de assalariados, desde aqueles inseridos no setor de serviços, bancos, comércio, turismo, serviços públicos etc., até aqueles que realizam atividades nas fábricas, mas não criam diretamente valor.

A prática do racismo ambiental inclui, na maioria das vezes, um “preconceito de origem” (ALBUQUERQUE JR., 2007) que deve ser percebido através dos estereótipos que estão internalizados por aqueles que, historicamente, foram subjugados e desterrados em uma “diáspora” imposta pela escravização e comércio do “tráfico negreiro” (FANON, 1968).

Para Pacheco (2007):

O racismo ambiental contempla as injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre etnias e acometendo primariamente as populações mais vulneráveis, não se configurando apenas através de ações que tenham uma intenção racista, mas, igualmente, através de ações que tenham impacto racial, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem. Portanto, o conceito de Racismo Ambiental nos desafia a ampliar nossas visões de mundo, visando um novo paradigma civilizatório, por uma sociedade igualitária e justa, na qual democracia plena e cidadania ativa não sejam direitos de poucos privilegiados, independentemente de cor, origem e etnia.

A precaução para com a tensão entre os temas educação, trabalho e racismo ambiental, que atinge essencialmente as comunidades e populações menos assistidas, faz todo sentido, pois, a despeito do aumento da extrema pobreza que vem ocorrendo, tem-se ainda um país com imensas desigualdades.

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Pressupostos Metodológicos

Literalmente, metodologia científica refere-se ao estudo dos pormenores dos métodos empregados em cada área científica específica, e em essência dos passos comuns a todos estes métodos, ou seja, do método da ciência em sua forma geral, que se supõe universal.

Ciência não é algo que se faça, de qualquer maneira. Quando um cientista realiza uma pesquisa, deve seguir métodos. Método é a junção dos termos gregos meta (além de, após de) e ódos (caminho), sendo definido como o caminho ou maneira para chegar a determinado fim ou objetivo (RICHARDSON, 1999, p. 22).

Tomando como bases lógicas para a investigação do trabalho, foi escolhido o método indutivo, uma vez que permite a verificação da crescente evolução histórica do mundo com as intensas transformações contemporâneas, onde observações de casos concretos da realidade e pequenas situações pontuais poderão ser utilizadas para se obter uma visão mais generalizada e enraizada da tecnologia na vida pessoal e corporativa.

A pesquisa, nesse sentido, pode ser classificada como descritiva e bibliográfica, uma vez que seus elementos se ancoram em recursos e fundamentações bibliográficas (obtenção das informações por meio de livros, artigos científicos, etc.), identificando os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos.

Com o intuito de garantir a objetividade e a precisão dos fatos, foi escolhido o método comparativo-estatístico, fazendo analogias entre o passado e o avanço da tecnologia no presente, com eventuais projeções prospectivas no futuro, tentando entender o comportamento das pessoas, enfatizando-se de dados estatísticos, para uma melhor e mais concreta conclusão dos fatos.

Não raramente, alguns pesquisadores referem-se à pesquisa quantitativa como sendo aquela que trabalha com números, fazendo-se o uso de modelos estatísticos para explicar os dados; e a pesquisa qualitativa como sendo aquela que evita trabalhar com números, buscando as interpretações sociais. De acordo com Richardson (1999, p. 80):

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Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades dos comportamentos dos indivíduos.

Para esta abordagem, opta-se pelo tipo misto, abordando dados quantitativos e qualitativos, coletados das fontes bibliográficas, processados por meios estatísticos e transformados em dados analíticos e contextualizáveis, para conclusão dos fatos.

Reflexões sobre a luta de classes no contexto racismo ambiental

É no bojo das correntes contemporâneas de crítica à modernidade, de mobilização dos chamados novos movimentos sociais que reivindicam políticas de reconhecimento de suas especificidades identitárias e culturais e de atenção para com o viés monoculturalista da globalização (CANDAU, 2002) que vem ocorrendo o debate sobre diversidade no mundo social e na educação escolar.

Imbernón (2000, p. 84) considera mesmo que o termo diversidade seja “novo e pós-moderno”. Não tendo sido cumprida a promessa da “igualdade de todos” no usufruto dos bens materiais e simbólicos produzidos na e pela humanidade; não se vendo reconhecidos na humanidade, segmentos sociais marcam suas identidades específicas como estratégia para ganhar visibilidade e ascender a direitos que lhes são restringidos. Ademais, os novos movimentos sociais – como os étnico-raciais, feministas, entre outros –, reivindicam, também, o reconhecimento de sua singularidade, de sua diferença como um direito em si.

De fato, o tema do racismo ambiental é uma questão que aflige tanto a sociedade quanto o segmento da educação. Diferenciar grupos humanos ou pessoas por atributos classificatórios que

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permitam separar o “eu” do “outro” e o “nós” do “eles” não deve ser a regra básica na construção das identidades culturais.

A história ocidental poderia ser narrada sob a ótica da diferenciação de povos, de segmentos sociais, de grupos religiosos e de pessoas. Como a identidade e a diferença não são dados da natureza, mas criações do mundo cultural e social, usa-se, muitas vezes, marcadores para diferenciar grupos sociais – sexo, idade, cor da pele, língua, configuração do corpo entre outros – que são, também, construções sociais e históricas.

Boa parte das reflexões contemporâneas sobre educação escolar nos tempos complexos ou de incerteza, depositam na educação a missão de salvar o mundo e de ser capaz de “construir” um cidadão crítico, gerando um ser humano não racista, não sexista, não xenófobo, não classista, não “homofóbico”. Isso não quer dizer que a ação de educadores e pesquisadores seja apolítica ou que não deva criar condições para uma postura ética, crítica, que respeite o outro.

Para Bispo (2014, p. 27):

A escola oferecida para a classe operária padecia de problemas crônicos e estruturais, tornando-se muito mais depósito de seres humanos do que um exemplo bem-sucedido de formação da classe trabalhadora. (...) O sucateamento da escola pública faz parte da génese do capitalismo industrial. Ainda assim, a burguesia considerava a educação operária uma ameaça aos seus efetivos interesses, pois o letramento da classe operária poderia desenvolver a consciência de classe para si e constituir-se como possível estopim dum processo revolucionário.

Percebe-se então, que a “lógica” do processo de exclusão racial, faz parte de um arcabouço de alienação dos sujeitos para que os mesmos não acessem informações e consequentemente não busquem seus direitos enquanto cidadãos, materializando-se assim, a máxima do sistema capitalista de exclusão das classes mais pobres em relação às mais abastadas.

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Uma perspectiva de interpretação do racismo ambiental na educação e trabalho em comunidades quilombolas

A Rede Brasileira de Justiça Ambiental (que tem como sua secretaria-executiva o projeto Brasil Sustentável e Democrático) afirma, na Declaração de Princípios que marcou sua criação, em 2001: “Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento, às populações de baixa renda, aos grupos sociais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis”.

O estudo do racismo ambiental, dentro de comunidades quilombolas, pode revelar mais um indicador desse “hiato” entre populações inseridas no contexto educacional, social, político e econômico, em relação ao restante da sociedade.

É importante reafirmar e compartilhar da visão do dever em debater e principalmente conscientizar os sujeitos das comunidades quilombolas, sobre a questão do racismo ambiental que impacta diretamente na comunidade.

A sociedade contemporânea adota a ideologia da superioridade natural dos brancos sobre os demais, inclusive os negros. O racismo ambiental opera abertamente, tendo como base o preconceito racial, considerando os negros como inferiores aos brancos. O racismo ambiental pode por exemplo, está presente quando se reduz a verba para uma escola pública quilombola de educação básica, mesmo que não seja uma ação específica, causando um impacto na manutenção das desigualdades materiais e estruturais em relação a outras escolas.

No Brasil, em decorrência da associação pobreza/negro, as políticas públicas que mantêm ou acentuam as desigualdades sociais, econômicas e educacionais são também políticas racistas, pois vão manter e gerar desigualdades no acesso a bens públicos, afetando principalmente os negros.

Soares (2008), identificou um aumento do número de autodeclarados pretos que não se explica por fenômenos demográficos, mas culturais. Portanto, não sendo um dado da

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natureza e não sendo uma palavra nova, o termo carrega uma polissemia que permite sentidos, valências, usos e propostas políticas variadas. Ou seja, a polissemia não é neutra: aos sentidos se associam posições que tanto valorizam quanto desqualificam o enfoque da diferença humana, nacional, racial, sexual, cultural, etária, física. Assim, a diferença imputada ao outro pode ser justificada para tratá-lo como não cidadão ou não humano, pode sustentar o massacre, a escravização, a barbárie, a segregação.

A peculiaridade, na contemporaneidade, seria a tendência progressista e humanista de atribuir valência positiva à diversidade, especialmente a cultural, simultaneamente ao combate ao “racismo, xenofobia e intolerâncias correlatas”. Porém, se a perspectiva contemporânea procura fixar um sentido positivo ao termo racismo ambiental, em nossas mentes e corações, carregamos tal polissemia, inclusive a persistência na demarcação da diferença associada à inferioridade “deles” e à “nossa” superioridade.

Partindo da perspectiva fenomenológica de Maurice Merleau-Ponty e da hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, é possível tentar elucidar o vivido, via interpretação, para alcançar uma conclusão. Seguindo, também, outra definição de Amatuzzi (2001), considera-se que um estudo desse âmbito consiste numa pesquisa de natureza, já que o pesquisador parte dos fatos para chegar a uma teoria ou conceito, pois uma pesquisa só é verdadeiramente fenomenológica quando: “pretende dar conta do que acontece, pelo clareamento do fenômeno. Não pretende verificar, mas construir uma compreensão de algo” (AMATUZZI, 2001. p. 17). E, nesta compreensão consensual do significado, o intérprete muda sua forma de ver e conceber o mundo.

Considerações Finais

A educação, na medida em que favorece a aproximação da escola com seu entorno social, cria espaços de formação política via participação nas decisões, também deve ser pensada a partir da

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sua especificidade social. Dentro do ambiente do trabalho, inserido no contexto da

educação:, os profissionais da educação, além do domínio dos conteúdos das suas áreas específicas, devem ser formados para a capacidade política de estarem abertos ao confronto, de promover o interesse coletivo pelas questões pedagógicas, sem no entanto perderem a legitimidade do exercício de uma função que exige desses conhecimentos que respaldem suas ações.

Vivemos no mundo de servidão por causa do trabalho! Nós nos alienamos da nossa realidade e verdadeiramente, nos tornamos escravos por conta do trabalho...

O trabalho é o fundamento do ser social porque transforma a natureza na base material indispensável ao mundo dos homens. Atestando dessa maneira que o trabalho é a categoria fundante do mundo dos homens, por isso que as demais categorias guardam uma relação de afinidade com ele no processo de formação do próprio homem e da sociedade em que ele vive.

A tensão gerada pelo racismo ambiental no contexto da educação infantil deve ser trabalhada de modo que haja uma melhor compreensão dos agentes perante aos sujeitos inseridos neste contexto. Enfrentar o tema do racismo ambiental é um desafio para todos nós, independentemente das cores das nossas peles. As raízes culturais que alimentam os nossos preconceitos são profundas, entranhadas nas luzes ofuscantes e enganadoras do “espírito do capitalismo”. Ter clareza desse fato e combatê-lo é base fundamental para a construção do processo democrático e da verdadeira cidadania. É nesse sentido, que devemos gerar cada vez mais esforços para discutir esse tema em nossa sociedade.

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- IV -YORUBÁ: LÍNGUA DE SANTO E DE RESISTÊNCIA NO

SERTÃO DA BAHIA

Maria Rosa Almeida Alves Daniela Santos Silva

Juracy Marques dos Santos

Introdução“O Verbo é capaz de mover montanhas, quando envolto no Asé”. (Ojo-Ade; 2010, p. 48)

Uma língua é um instrumento de poder. Não se pode negar a importância que o colonizador atribui à língua

do colonizado, uma vez que logo procura meios de exterminá-la. O que dizer das línguas de povos que foram trazidos como mercadoria para dar sustentação ao projeto escravista no nascente capitalismo brasileiro? Interessa-nos saber o quanto as línguas africanas foram massacradas ao longo desses quatrocentos anos e em que medida estas ainda resistem, apesar de todas as forças em contrário.

Frantz Fanon, (2008), tratando da presença negra em conflito com os valores da branquitude, lembra-nos que um dos elementos de enfraquecimento identitário é a adoção da língua do colonizador, ou da metrópole, em detrimento da sua língua nativa: “Um homem que possui a linguagem, possui, em contrapartida, o mundo que essa linguagem expressa e que lhe é implícito. Já se vê aonde queremos chegar: existe na posse da linguagem uma extraordinária potência” (FANON, 2008, p. 35).

A partir do que Fanon (GRDON, 2008, p. 15) aponta como “colonialismo epistemológico”, concordamos com ele que “dominar a linguagem é assumir a identidade da cultura.” Por isso, nos é tão cara a discussão sobre as línguas africanas e o seu proposital “apagamento” das nossas referências linguísticas. Portanto, a

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principal intenção ao produzirmos esse artigo é discutir a inserção das línguas africanas, nesse caso específico o yorubá, como pauta nos debates acadêmicos e escolares. Sabemos dos séculos de processo de escravização em que negros e negras foram considerados apenas força de trabalho, em detrimento de todo o potente lastro cultural que trouxeram. Elementos subjetivos dos povos africanos como a língua e a religiosidade ficaram sempre relegados ao esquecimento, e quando são referidos, na maioria das vezes, soam como expressões menores, menos importantes ou até mesmo transformadas em símbolos negativos, devido aos muitos preconceitos sempre envolvidos nessa discussão.

Pensar as línguas africanas como línguas e não “dialetos”, retirar a aura de mediocridade com que se tratam dessas questões são desafios cotidianos na sociedade e nos sistemas educacionais. Conforme lembra Maniacky (2010) é preciso combater os preconceitos que cercam essas línguas; estudá-las, significa contribuir com o conhecimento sobre os povos originários da África, ao qual também estamos vinculados por laços históricos.

Entendemos que como advoga o autor, “é necessário combater os preconceitos: ‘as línguas africanas têm poucas palavras’, ‘são dialetos’, ‘são faladas por poucas pessoas’ ‘são ágrafas ou são muito complicadas e difíceis de escrever’, ‘não tem vocabulário técnico’” (MANIACKY, 2010, p. 65). Essas e outras formas preconceituosas de conceber esses falares resultam em prejuízos culturais de grande monta, uma vez que estes são relegadas a um não-lugar na história e nos espaços acadêmicos.

Preocupa-nos a fragilidade do yorubá – assim como outros idiomas, tais como o banto, o jêje, o ijexá - que aqui no sertão baiano só encontra lugar nos terreiros de candomblé, ambiente no qual adquire um sentido litúrgico, fundamental para que a religião tenha prosseguimento. Entretanto, há uma necessidade de se provocar seu reconhecimento e valorização enquanto patrimônio imaterial trazido pelos povos africanos, e que ainda vive, embora em espaços restritos. Não concordamos que a referência que se faça às línguas dos africanos seja apenas como “influências” léxicas acrescidas ao

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português, em palavras isoladas como “mucambo”, “acarajé”, e outras, como se houvesse apenas uma única língua trazida da África e esta tenha sido tão restrita.

Entendemos que a língua é um instrumento de constituição das identidades e como tal, o yorubá, a exemplo de outros idiomas trazidos por nossos parentes africanos, tem servido ao povo de santo como fator de fortalecimento da sua pertença como família, que evoca a memória da Mãe África. Pertencimento este, que se encontra numa constante elaboração/reelaboração, se considerarmos o contexto de diáspora, a qual ainda está em movimento, numa rede de trocas culturais.

Yorubá: Da África ao Sertão Baiano

Tendo sua origem na região de Ilé Ifé, (Lèfé), a língua yorubá é um sistema linguístico completo, com uma gramática sistematizada e um grau de dificuldade considerável, uma vez que seu sistema é todo tonal, o que leva a uma grande variação nos sons vocálicos. Por isso, são considerados 7 (sete) sons de vogais na língua yorubá. As vogais E e O podem ser pronunciadas com acentuação alta, média ou baixa, nos tons correspondentes às notas musicais Dó, Ré e Mi, tanto que é possível se comunicar utilizando um “apalá”, ou “tambor falante,” cujo som é emitido nas três tonalidades.

A riqueza do yorubá chegou aos terreiros de candomblé do Vale do São Francisco através dos primeiros yalorixás e babalorixás que deram início aos cultos de matriz africana na região. E na passagem dos conhecimentos entre gerações de povos de terreiro, esse idioma se tornou língua de santo: utilizada nos rituais e nos processos litúrgicos do candomblé, sendo que a pesquisadora Yeda Pessoa de Castro assim indica sua funcionalidade: “palavras que descrevem a organização sócio-religiosa do grupo, objetos ritualísticos, cânticos, saudações e expressões referentes a crenças, costumes específicos, cerimônias e ritos mágicos...” (CASTRO, 1983, p. 4). Diz também que: “cada palavra de Santo é mantida

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dentro da fidelidade ritual do apelo, da denominação dos referentes” (Idem, p. 5).

Isso indica que nos terreiros a língua yorubá é transmitida pela preferencialmente pela oralidade, e embora não haja necessariamente uma “consciência linguística” (acerca dos aspectos sistemáticos do idioma) é nela que estão assentados os conhecimentos da ancestralidade africana, os quais tornam-se fundamento para os cultos do candomblé. Tratando-se do sertão baiano, entendemos, como Marques (2015, p. 19) que “há diferentes diásporas dentro da diáspora africana. A do Sertão do Brasil é uma delas.” Os descendentes dos 3,5 milhões de africanos trazidos para a escravização no Brasil, espalharam-se pelo interior do país e chegaram às margens do São Francisco, como documenta Marques (2015):

A costa brasileira foi o primeiro lugar de chagada do povo africano. Depois foram diversos processos de interiorização dessas pessoas no Brasil. Deveras como escravos, mas entrar dentro do coração do Brasil, nos Sertões, foram passos pela liberdade. As novas moradas feitas pelos negros que fugiram da escravidão era um lugar da esperança, da renovação dos sonhos. A maioria dos quilombos, por exemplo, são encontros por um sentido profundo de experimentar, novamente e em novas terras, a liberdade (MARQUES, 2015, p. 19).

Tendo na língua uma de suas principais marcas identitárias, os descendentes dos africanos permanecem no interior do Brasil através da resistência simbólico-religiosa tecendo esse elo com a memória e a ancestralidade. Assim, acreditamos que “Há um oceano de novos sentidos que separa o Brasil da África e um continente de novos significantes que situa o Semiárido nessa fenda simbólica, metafórica, que separa e liga os terreiros brasileiros a uma ideia mítica de África” (MARQUES et al., 2015, p. 34).

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Yorubá: Uma Breve Descrição

O yorubá é uma das 250 línguas ainda faladas na região da Nigéria e proximidades. Os povos que conhecemos como falantes nativos do yorubá são os que ocuparam e ocupam o território nigeriano e adjacências, com uma população calculada entre 12 e 14 milhões de pessoas, sendo que na fronteira esquerda encontra-se o grupo étnico jeje ou fon, tradicionais inimigos dos yorubá.

Alguns estudiosos apontam que os yorubá reivindicam o reconhecimento como o primeiro povo a habitar o planeta e por isso, querem que essa também seja a língua de referência, ou seja, o primeiro idioma da humanidade, o mesmo que possibilitou que a cosmologia yorubá chegasse ao Brasil.

De acordo com Maniacky (2010), das 6.000 línguas faladas no planeta, as africanas são entre 1.500 e 2.000, representando praticamente ¼ dos idiomas do mundo. Sendo o yorubá uma das línguas africanas mais conhecidas fora do continente; calcula-se que há cerca de 6 milhões de falantes espalhados por diversos países e continentes, inclusive o Brasil.

Esse povo acredita ter na sua origem o mito fundador Odùdùwa que está na base da explicação mítico-filosófica para a criação do mundo, narrativa que inclui a participação de Odùdùwa numa parte do continente que seria a cidade de Ifé, que era a capital do reino de Oyó. Segundo tal explicação, o primeiro rei de Ifé (Odùduwá) é considerado o pai de todos os yorubás e de todos os seres humanos; enfim, pai de tudo o que tem vida, tendo naquela cidade o ponto inicial do povoamento do planeta.

O lendário Odùduwá existiu, conforme se conta nas histórias do povo yorubá. Ele teria sido sequestrado pelo islão quando jovem, conseguido fugir de Meca e voltar a Lèfé, a cidade sagrada, onde então constituiu seu importante reinado. Seus filhos deram continuidade ao governo do pai, tendo iniciado as diversas dinastias yorubás cujo apogeu ocorreu entre os anos 600 e 900 da Era Cristã. Esse povo ficou conhecido por ser excelentes artistas e comerciantes.

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Na África, notadamente na Nigéria, os yorubá transmitem seus conhecimentos oralmente através dos mais velhos, e em relação ao culto, os conhecimentos sagrados sobre as plantas e seu potencial de cura são sistematizados em forma de versos e assim transmitidos, como documentou Pierre Verger (1995) em sua extensa obra sobre os rituais sagrados na África.

A chegada da língua e cultura yorubá ao Brasil data dos últimos séculos do tráfico humano África/Brasil, com os escravizados que vinham das proximidades do rio Níger. No processo de constituição dos cultos de matriz africana em território brasileiro, esse povo (também conhecido como nação ketu e nagô) teve papel determinante. Como afirma Ojo-Ade (2010, p. 45), os nagôs “foram dos últimos a chegar nas sociedades escravocratas da diáspora”.

A Relação Língua/Culto

Na busca por recriar aspectos significativos da sua religiosidade, a partir da convivência dos nagôs com outros povos de grupos linguísticos diferentes, foi possível a elaboração do modelo litúrgico-simbólico que se conhece hoje como candomblé. Nos atuais terreiros, além de outros idiomas, o yorubá é vivenciado nos amplamente nos rituais; em rezas, saudações, cumprimentos, cantigas, oriki (poemas, frases de louvação ao orixá) ou nos nomes das comidas oferecidas às entidades. Conforme explicita Caputo (2007, p. 7)

A língua yorubá está presente tanto nas narrativas de mãe Beata, em quase todos os cantos,como no universo do candomblé de uma maneira geral. Não propriamente como língua corrente, mas como língua ritualística, o que revela uma forma não só de mantê-la viva, mas também de criar/ preservar/atualizar uma pertença étnico-racial.

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É importante também situar a cultura yorubá como aquela que assimila elementos dos povos que os acolhe. Explica Ojo-Adé (2020, p. 55): “A cultura yorubá é conhecida por respeitar todas as outras”. Assim, a cosmologia própria dos povos de nação ketu/yorubá, permanece até os dias atuais num movimento de troca, a partir das interações com outros grupos étnicos - a exemplo dos jeje e dos banto, além dos indígenas, fato marcante também no sertão baiano. Descrevendo a cosmologia do culto yorubá, Beniste (2002, p. 77) considera:

Os yorubá designam as divindades servidoras da humanidade pelo nome genérico de Òrìsà, que é aceito pela modalidade de culto aqui estabelecida com o nome de Candomblé de Kétu ou Nàgó, numa alusão conjunta às suas origens étnicas. Da mesma forma como Olóodùmaré criou o òrun e o àyé, assim como todos os habitantes, igualmente criou as divindades e espíritos a fim de servirem ao seu mundo.

Hall (2009, p. 43), um dos estudiosos da Diáspora Africana, afirma em um de seus trabalhos que “estamos sempre em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar.” Nessa perspectiva, entendemos que os povos africanos e seus descendentes continuam promovendo esse “espalhamento cultural” pelos continentes, assim tendo chegado até o Sertão baiano.

Alguns historiadores descrevem a destinação dos povos yorubá preferencialmente para a Bahia, quando da produção açucareira. Ramos (1979, p. 189) documenta que “a grande massa de negros Yoruba foi introduzida na Bahia e lá tomaram a denominação geral de nagôs, termo que davam os franceses aos negros da Costa dos Escravos que falavam a língua yorubá”1. Afirma que esse povo

1. De acordo com informação oral (Curso de yorubá-Juazeiro-Bahia em 03 a 05 de março de 2017) os povos yorubá e os fon sempre foram inimigos, sendo que “nagôs” era como os fon apelidavam os yorubá. Os europeus (franceses, no caso), registraram esse nome a assim passaram a chamar os yorubá.

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veio em maior número de Oyó e descreve suas características: “os negros nagôs foram desde logo os preferidos nos mercados de escravos da Bahia. Eram altos, corpulentos, valentes, trabalhadores, de melhor índole e os mas inteligentes de todos. Usavam tatuagens ‘marcas de nação’, na face” (RAMOS, 1979, p. 190)

O estudioso africano Ojo-Ade (2010, p. 39), aborda as especificidades culturais dos yorubá, afirmando a sua sofisticação enquanto artistas e construtores, haja vista a cidade de Ilê-Ifé (Lèfé). Afirma que “antes de ficar presa ao enigma do colonialismo, a cultura iorubá tinha se expandido para além do continente africano”. Situados numa faixa de terra entre o deserto e a grande selva, os yorubá valiam-se da água abundante, desenvolvendo sua civilização. Por outro lado, as suas terras localizam-se na rota obrigatória para quem que vai do norte para o oceano, o que favorece as trocas entre vários povos.

O esplendor dessa civilização deu-se entre os séculos 12 e 14, sendo o apogeu da sua capital, que é considerada um centro sagrado, no século 13. Considerando as modificações provocadas pelo “espalhamento” do povo yorubá, Ojo-Ade (2010) preocupa-se com a dispersão e as consequências do que o autor chama de modernidade:

E tudo começa com o Verbo. O Verbo transporta em si o conteúdo da cultura, e os conhecedores da língua atestam da sua adaptabilidade a todas as circunstâncias, e a sua capacidade de expressar noções que são impossíveis de traduzir para qualquer outra língua. Daí o horror de se aperceber que a língua se tem perdido na alienação e na confusão da suposta modernidade (OJO-ADE, 2010, p. 40).

O historiador africano mostra sua preocupação em relação à continuidade da língua yorubá, que por sua vez conduz a cultura, e por isso preza tanto o seu papel como língua viva. Nesse sentido, cabe afirmar a importância dessa e de outras “línguas de santo” serem consideradas vivas e atuais e ao mesmo tempo a necessidade

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de se percebê-las como línguas de resistência, por veicularem conhecimentos e simbologias de uma religiosidade ímpar.

Na ritualística do culto de matriz africana, a fala, os ensinamentos transmitidos oralmente, têm ainda a função de transmitir o axé, pois quando se ensina, num terreiro, estão envolvidos naquele ato outros elementos – que escapam à transmissão através da escrita – por exemplo: a gestualidade, a entonação, a dança, e outros que Castillo (2010) assim descreve, citando Elbein (1984): “aspectos paralinguísticos na produção do sentido semântico”. Dessa forma, percebemos, inclusive no cotidiano dos terreiros, a grande importância que é atribuída à palavra, que conduz o axé.

Resultados e Discussão Em Consonância Com os Pressupostos Metodológicos: A Experiência da Observação Participante em Um Curso de Yorubá Oferecido em Juazeiro - Bahia

Estando como participantes de um curso de yorubá oferecido em quatro módulos abertos ao público, mas tendo nas pessoas de terreiro os potenciais interessados – foi possível vivenciar a aprendizagem prática da língua e aspectos fundamentais da cultura do povo yorubá desde o primeiro módulo.

Enquanto estudantes de dois Programas de Pós-graduação Stricto Senso da Universidade do Estado da Bahia2, Campus III, o que nos moveu a essa participação foi o interesse pelo conhecimento dos aspectos que envolvem as identidades dos afrodescendentes “filhos de santo” e de que maneira as línguas africanas permeiam essa construção/reconstrução constante do fator pertencimento.

Nesse trajeto, começamos a perceber a importância que o yorubá tem e sempre teve para os povos de terreiro, e a necessidade de provocar uma discussão acerca da existência desse idioma como língua viva e que deve ser conhecida e valorizada socialmente, sobretudo nos ambientes escolares/acadêmicos. Nossa percepção foi se desenvolvendo ao longo do curso e as pessoas de terreiros

2. PPGESA (Programa de Pós Graduação em Educação Cultura e Territórios Semiáridos) e PPGEcoH (Programa de Pós Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental).

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foram trazendo suas contribuições, nos fazendo compreender parte desse amplo universo simbólico do candomblé, constituído pelo aspecto linguístico, em grande parte. Tivemos como participantes dessa pesquisa, quatro filhos e filhas de santo de diferentes casas, dos quais um pai pequeno, uma Makota (Mãe da Comunidade) ou Ajibonã (mãe criadora) e duas ekedis3 que participaram da entrevista semiestruturada, através da qual buscamos identificar o significado da língua yorubá para suas vidas e suas práticas religiosas, focalizando os aspectos “Ancestralidade” e “Resistência”. A seguir encontram-se as declarações dos entrevistados/as.

Entrevistada 1 (Makota)

“O yorubá representa um encontro com minha ancestralidade por ser uma das línguas mães do meu povo e comunidade tradicional de matriz africana. No candomblé, a língua tem o papel de manter a memória coletiva apesar de muita coisa ter se perdido nessa trajetória. Sabemos que manter a memória na contemporaneidade é muito complicado”.

Entrevistada 2 (Ekedji A)

“O yorubá na minha vida tem o sentido de resgatar uma memória que vem da minha ancestralidade. E ela está imbutida no meu emocional, no meu espiritual, e isso move a pessoa que sou; os meus valores, as minhas atitudes, o meu sentir e os meus sentidos. A língua e o conhecimento dessa língua e a apropriação dela é esse resgate do que já é meu...é o sentimento de pertencimento. Mesmo que eu não compreenda determinado significado de uma palavra, a sonorização dela me é familiar. E isso me remete ao que sou, desde os primórdios, desde sempre [...]. Então a minha existência já vem trazendo essa sonorização da língua yorubá. Dentro dessa lógica que é espiritual e também psicológica, ela é social, tem um 3. Ekedis são mulheres “não-rodantes”, ou seja, que não incorporam nenhuma entidade, mas sua função é cuidar dos orixás incorporados e dos filhos ou filhas de santo no momento de desencorporarem, dando-lhes toda assistência.

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cunho social: compreendendo de onde viemos é mais fácil dirigir os passos para onde queremos ir.”

Entrevisado 3 (Pai Pequeno)

“A língua yorubá é a lembrança presente dos mais velhos. É como lembrar do que a minha avó falava, não é algo desconhecido. É como pisar num terreno em que eles pisaram primeiro. A palavra lhe envolve nessa aura da memória. A palavra é a própria memória porque a língua é atemporal, permite que se entre nos espaços sagrados. A memória dos nossos ancestrais não está perdida. Nada está perdido, é só pousar os olhos com cuidado. A língua toca a pele da gente, traz as memórias. Não foi você que viveu, mas é um pedaço seu”.

Entrevistada 4 ( Ekedji B)

“Para mim, é o maior prazer aprender essa língua, mesmo que muitas vezes ainda seja difícil compreender todos os significados e entender muitas vezes do que se trata, principalmente para mim que ainda sou muito nova no axé. Para mim que estou começando essa trajetória, está sendo um reencontro, um movimento muito prazeroso e libertário de encontro comigo mesmo e com meus antepassados, e esse movimento, ao mesmo tempo que é individual, é também coletivo. Aprender e pronunciar essas palavras ao mesmo tempo em que ajuda a me fortalecer na minha religião, me fortalece enquanto mulher negra afro-brasileira e traz com isso a responsabilidade de cuidar e zelar como todos nossos irmãos e irmãs para que essas línguas permaneçam vivas, pois isso faz com que nossa cultura e nossa história também permaneça”.

Conforme descrevem os entrevistados, a língua yorubá aparece nas suas trajetórias enquanto elemento de manutenção da memória ancestral que respalda a religiosidade. Essa memória,

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mesmo distante se presentifica através do uso do yorubá, que mesmo quando não se conhece a língua do ponto de vista da tradução e da estrutura linguagem, se conhece, utiliza e vivencia do ponto de vista da funcionalidade, por se tratar de uma língua ritual.

Uma entrevistada relata: “... mesmo que muitas vezes ainda seja difícil compreender todos os significados e entender [...] do que se trata...” (Entrevistada 4), isso não diminui sua alegria e respeito com o idioma, com também afirma o entrevistado 3: “A palavra é a própria memória, porque a língua é atemporal.” Também destacamos o que diz a entrevistada 2: “Mesmo que eu não compreenda determinado significado de uma palavra, a sonorização dela me é familiar. E isso me remete ao que sou, desde os primórdios, desde sempre [...]. Então a minha existência já vem trazendo essa sonorização da língua yorubá”. Essa declaração demonstra o valor simbólico e o respeito atribuída à língua por estar ligada a uma memória ancestral.

De igual maneira, o significado da resistência também aparece, quando as entrevistadas relacionam a língua yorubá à necessidade de referenciar o espaço da mulher negra na sociedade (Entrevistada 4) e tomar o passado como referência para a construção do futuro (Entrevistada 2). Consideramos que essas falas nos remetem à ancestralidade como elemento fortalecedor da resistência afro-brasileira, neste território baiano e sertanejo.

Considerações Finais

Nesse processo de pesquisa e estudos da língua Yorubá no sertão baiano percebemos a importância simbólica, cultural e religiosa desse idioma relacionado à resistência do povo afrodescendente. A língua é uma expressão do inconsciente, a partir dela expressamos os símbolos imagéticos, propagamos os tons das palavras pela via modular do real, do simbólico e do imaginário. Nesse sentido, o Yorubá carrega a memória, a identidade o pertencimento da humanidade, a ligação umbilical com nossos ancestrais.

Esse movimento espiral cruza os enlaces entre passado e

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presente, enquanto se retorce sobre o seu próprio cume em busca da evolução, retornamos as reminiscências vividas e trazemos a tona os resquícios históricos da identidade pela pronuncia, pela escrita, pelo corpo e pela alma. Reminiscências históricas apontam o percurso categorizado nas páginas da comunicação, o colonizador opera decepando todas as raízes identitárias do colonizado, registra os tons da opressão pelo legado de supremacia. Na sociedade a língua é o arcabouço de poder, está vinculada a ancestralidade de um povo, apresenta ramificações ulteriores ao conteúdo vinculado socialmente.

O Yorubá é uma língua de resistência e de sacralidade, seu eco é propagado pelos sons glóticos e gráficos da ascendência africana. Falar yorubá é exalar aromas, sabores, sons, lembranças. O caminho linguístico é poético, profundo, envolvente, nos conduz ao encontro com o semblante do passado e do presente, a mística está contida em cada letra, cada palavra tonifica o pertencimento, a identidade ancestral africana. Portanto, este texto não tem a perspectiva encerrar as discussões sobre essa temática, mas, aflorar as reflexões sobre os vínculos identitários de pertencimento, de memória e de empoderamento dos sujeitos e, sobretudo, do reconhecimento do yorubá como a língua matriarcal da humanidade.

Assim, através da vivência no curso de língua e cultura yorubá, tal como nas entrevistas realizadas, percebemos a importância desse instrumento idiomático na conquista do pertencimento afrodescendente que vem se tornando uma construção contínua no sertão, marcando assim, profundamente, o sentido de resistência negra/religiosa nesse pedaço da Bahia.

Referências

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________,Stela G.Aprendendo Yorubá nas redes educativas dos terreiros: história, cultura africana e enfrentamento da

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- V -O OLHAR PEDAGÓGICO SOBRE OS MARCOS HISTÓRICOS DE LUTA NO VALE DO SALITRE –

JUAZEIRO-BA

Alexsandra Alves de SouzaJosemario Gonçalves da Silva

Maíra dos Santos Silva

Introdução

O presente artigo versa sobre as lutas históricas enfrentadas pelos povos que vivem às margens da bacia do Rio

Salitre que até a década de 80 era perene. Posteriormente, essa região ficou caracterizada pelos altos índices de pobreza e pela escassez de água por causa da expansão da agricultura irrigada (revolução verde), assim como suas consequências nos moldes atuais, levando em consideração as questões ambientais, culturais e econômicas que se fazem presentes no espaço geográfico do Vale do Salitre.

De acordo com Silva (2013) em sua dissertação intitulada Da passadeira ao canal de concreto: a agricultura e as mudanças no modo de vida da população do Vale do Salitre – Juazeiro-BA, os conflitos continuaram por diversas gerações na perspectiva do domínio de diversos recursos naturais encontrados na região contidas nas áreas de sequeiro e às margens do rio.

Isso resultou principalmente na transformação da realidade até então inerente aos povos nativos, o que possibilitou às gerações que se sucederam continuarem a protagonizar diversos outros conflitos tendo como base a disputa pelo poder a partir do domínio dos diversos recursos naturais encontrados na região que mescla a semiaridez das áreas de Caatinga com a fertilidade das beiras de rios (SILVA, 2013, p. 21).

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Nessa perspectiva, podemos notar na fala da autora que essa região sempre foi palco de significativos conflitos por causa da água e por terra, como resultado da degradação ambiental e cultural. Ademais a convivência com esses problemas foi gerada a partir da degradação do rio, fruto da inexistência de políticas públicas ou ações direcionadas para a região, inclusive no que diz respeito às lutas das comunidades pela transformação da atual realidade. Diante desse entendimento, questionamos: Qual a contribuição do pedagogo na reflexão sobre o período colonial e a expansão da irrigação (revolução verde) e suas interferências na vida do povo?

Esses questionamentos foram de encontro aos estudos de vários autores no campo da educação que abordaram sobre a temática. Dentre eles: Freire (2010), Libâneo (1998), Lopes (2012), Martins (2000), Silva (2010 e 2013) entre outros, que foram utilizados na fundamentação teórica deste artigo.

Foi estabelecido como hipótese que uma das maiores contribuições do profissional de pedagogia é a reflexão acerca da invasão desse território como a imposição de culturas e costumes diferentes, do mesmo modo que veio a revolução verde trazendo a expansão da irrigação com a finalidade de impulsionar uma atividade já existente pelos ribeirinhos nativos em outra ótica, sem dialogar com os bens naturais existentes a ponto de provocar seu estrangulamento, ocasionando consequências drásticas na vida da população.

A opção pelo tema deu-se pela possibilidade de compreendermos sobre os impactos existentes no modo de vida da população salitreira, oriundos de um passado de imposição que nos remete a negatividade e que até hoje é recorrente. Nesse sentido, escolhemos o assunto pelo fato de sermos militantes da educação popular e futuros pedagogos, atuando diretamente em escolas do campo e por conhecer parte das mudanças vividas pelos povos ribeirinhos que presenciaram um período em que as águas da bacia deixaram de ser o principal meio de sobrevivência daquela região em que se encontra o Vale.

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O presente trabalho teve como objetivo geral: compreender os marcos históricos de luta do Vale do Salitre no período colonial e na revolução verde e seus reflexos na atualidade. Como objetivos específicos: aprofundar os conhecimentos acerca do contexto histórico do Vale do Salitre; refletir sobre os impactos dos conflitos históricos levando em consideração as questões socioculturais, ambientais e econômicas e evidenciar as transformações no modo de vida da população e sua relação com a expansão da irrigação e analisar o papel de atuação do pedagogo enquanto mediador dos sujeitos no processo de construção do conhecimento acerca dos marcos históricos de luta pela água e pela terra.

O estudo visa contribuir para com educadores das diversas áreas de ensino, para que possam refletir sobre os marcos históricos da região do Vale do Salitre.

Discussão Teórica: Processo de ocupação do Vale do Salitre

É possível voltarmos ao passado ou nos acontecimentos históricos e constatar com base em documentos estudados que os povos originários do Vale do Salitre eram da tribo Cariri, nações indígenas que povoaram o Brasil e que tinham o seu modo de vida próprios adaptados as condições do clima. Eles se alimentavam da caça, pesca e coleta de frutas. Há registros da presença deles desde a região de Serra do Mulato até as margens dos rios Salitre e São Francisco, como cita LOPES (1997).

Os estudos de Lopes (1997) afirmam que com a expansão do gado do litoral para o sertão, os colonizadores fixaram-se na foz do Rio Salitre, precisamente na comunidade de Sabiá e tiveram contato com o nosso povo em 01 de junho de 1676. Esse momento foi registrado como a derrota dos cariris no Vale do Salitre. Eram cerca de 500 pessoas em que os homens foram assassinados e as crianças e mulheres foram escravizadas.

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Os índios Cariris [. . .] enfrentaram os colonizadores. Fizeram do vale do Rio Salitre o marco maior de sua resistência. Ele que era o oásis, o refúgio no refúgio do São Francisco, o símbolo da vida na caatinga, uma referência para todos pelas bandas desta terra, era também o sinal de vitalidade e de amor próprio de um povo. Seus defensores não tiveram nem data de morte e nem tumba. Estão até hoje expostos ao tempo. Sem serem invisíveis, ninguém os vê, ninguém os ouve e seus gemidos ainda retumbam do longínquo da história (LOPES, 1997, p. 39).

Atualmente algumas comunidades têm nomes indígenas como Sabiá, Tapuia, Ocrem, Tapera, Aldeia, como também há várias palavras do vocabulário do nosso povo e possuem pinturas deixadas como recordações e formas de expressão, de comunicação em sua arte. Após esse período ocorreu a miscigenação dos povos e a introdução de novas culturas. Eles deixaram de ser nômades e tornaram-se sedentários e consigo chegaram a descoberta da agricultura às margens do rio e nas capoeiras próximas as serras. Lá cultivavam a melancia, a abóbora, o feijão, a mandioca e a cana de açúcar. Foram instalados vários engenhos para fabricação de rapadura, casa de farinha etc.

Vale salientar que várias comunidades do Salitre eram remanescentes de quilombos. Hoje existem duas comunidades. São elas: Alagadiço e Rodeadouro, reconhecidas como comunidades tradicionais pela Secretaria da Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI).

Destaca-se também a comunidade de Pó Preto (hoje Pau Preto), cujo nome surgiu devido à subida de um pó preto no momento da execução de danças e rituais da época. Nessa comunidade até pouco tempo havia na casa dos senhores um engenho e um tronco que serviam para bater nos escravizados.

Após a colonização, o Vale do Salitre foi habitado por pequenos agricultores que sobreviviam das pequenas irrigações

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de vazantes e criação de animais sustentados pelo rio, como o seu único manancial perene do município e importante afluente do rio São Francisco.

Além disso, com a modernização e expansão da irrigação essa população mais uma vez sofreu com a mudança de atividade econômica e passou a conviver com vários conflitos na região.

Conflitos no Vale do Salitre

Em 1984, na comunidade de Campo dos Cavalos no Vale do Salitre ocorreu o conflito por água para irrigação que ocasionou a morte de empresários, devido ao fato de que estava ocorrendo a suspensão da energia elétrica para desligamento das bombas, meio utilizado pelos pequenos irrigantes para a chegada do líquido que era sugada pelos grandes equipamentos rio acima. De acordo com os estudos de Almacks (2018),

A história se repete, e em 07 de fevereiro de 1984 na comunidade de Campos dos Cavalos, exultório do Rio Salitre no município de Juazeiro, duas vidas foram ceifadas pelo conflito da água no baixo Salitre. De lá para cá pouco foi feito por este povo. O conflito pelo uso da água continua porque o solo da região do Salitre é um solo originário do granito e calcário, com excelente permeabilidade, indicado para atividades agrícolas e pecuárias e especialmente à criação de caprinos. Próximo ao leito do rio e na sua foz o solo é do tipo Bruno não cálcico, possui alta fertilidade natural e é indicado para irrigações. As áreas aluvionares da bacia vêm sendo exploradas desde longa data com agricultura irrigada e com o grande aumento da demanda para fins agrícolas, o que agravou a escassez de água no rio, principalmente no seu trecho final, próximo à cidade de Juazeiro (SILVA, 2018, p. 18).

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Reforçando esse pensamento, como esclarece o autor, percebeu-se que a modernização das práticas agrícolas trouxe para a região do Vale do Salitre novas formas de irrigação. Isso atraiu à atenção de muitos empresários que ocupavam projetos privados de cultura de cebola, melão, tomate etc. Esta ação acentuou-se mais ainda com a chegada da eletrificação rural, conforme divulgou o Jornal Caminhar Juntos, publicado em 1984.

Assim com a chegada da eletrificação aumentou-se a potência das bombas e consequentemente cresceu a retirada de água. O rio é um bem público que estava sendo consumido por meia dúzia de empresários, privando as comunidades de terem o líquido para uso animal e doméstico, provocando o êxodo rural e, após o esgotamento desses bens naturais, os empresários deixaram suas propriedades desativadas e os nativos das comunidades ficaram com um passivo ambiental limitando seu modo de vida praticado historicamente.

Entretanto, as informações da Lei das águas nº 9.433/97 em seu artigo 1º traz os seguintes fundamentos:

- a água é um bem de domínio público; - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;- em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;- a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;- a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

No início da década de 80, a população começou a juntar-se em grupos de base vendo a necessidade de discutir e refletir os problemas enfrentados como também ampliar a formação e

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a necessidade de fundação das associações. Entre elas estava a Associação Comunitária e Agrícola do Médio Salitre localizada na comunidade de Alfavaca. Nesse período o vale já despontava como um polo econômico de produção agrícola e sinalizava a necessidade de implantação de grandes projetos. Dentre eles o Projeto Salitrão, amplamente discutido como uma possível solução dos problemas de água do Vale do Salitre.

No ponto de vista de Silva (2010) a lei de irrigação priorizava para aquisição dos lotes a contemplação dos nativos como futuros irrigantes ou colonos. Contudo, após a implantação do perímetro Salitre, inaugurado em 2010, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com total de 255 lotes para pequenos agricultores, apenas 11 famílias do vale foram contempladas em decorrência da mudança da lei de irrigação que abriu licitação para todo o território nacional, trazendo imensos transtornos para a população nativa ribeirinha, que almejava realizar um sonho construído há décadas.

A obra, avaliada em R$ 900 milhões, segundo dados divulgados pela Agência Brasil, visa a ampliação do agronegócio na região, prática consolidada no Vale do São Francisco por meio da implantação de outros projetos de irrigação. Tais projetos, através do cultivo de monoculturas, têm gerado sérios impactos, como a super exploração da mão-de-obra dos trabalhadores e as agressões ao meio ambiente, o que contribui, de forma direta, para a reprodução das desigualdades sociais, bem como para o aumento do uso utilitarista que o ser humano tem feito dos bens naturais (SILVA, 2010, p. 58).

Diante desse contexto, os dois momentos vividos pelos salitreiros foram impostos sem dialogar com a capacidade de suporte dos recursos naturais existentes nessa região. Nesse contexto, esse modelo de desenvolvimento atualmente tem trazido vários problemas e consequências para as comunidades tradicionais que

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são vítimas e iludidas apenas pelo víeis econômico se compararmos aos prejuízos que comprometem várias gerações.

Pressupostos Metodológicos

O Vale do Salitre localiza-se no Junco, distrito do município de Juazeiro-Bahia. Essa região compreende um dos 09 (nove) distritos da cidade e envolve desde as comunidades de Passagem do Sargento (na divisa com Campo Formoso) até a Boca da Barra, localidades situadas às margens de um trecho da bacia do Rio Salitre, considerado um dos mais importantes afluentes do rio São Francisco, que nasce em Morro do Chapéu e deságua em Juazeiro, percorrendo nove municípios. Nesse espaço geográfico encontram-se as sub-regiões denominadas de bacia do alto, médio e baixo Salitre (UFBA, 2001).

A escolha do tema proposto procedeu de estudo, pesquisa e análise acerca do assunto apresentado, assim como da leitura de diversas produções de vários estudiosos que dedicaram suas ideias a respeito do Vale do Salitre, buscando possíveis respostas para a problemática apresentada.

A abordagem metodológica foi desenvolvida através de pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo, com base no levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos sobre o assunto, que permitiram aos pesquisadores conhecerem o que já se estudou sobre o assunto (FONSECA, 2002).

É importante salientar que por meio dessa pesquisa, os pesquisadores procuram explicar e discutir um tema buscando também conhecer e analisar conteúdos científicos sobre determinado assunto. Segundo Lakatos; Marconi (2001), a pesquisa bibliográfica está relacionada a toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema em estudo e seu objetivo é colocar o pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito e publicado sobre determinado assunto.

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O estudo de natureza qualitativo possibilitou um aprofundamento significativo a partir da leitura, reflexão acerca dos fatos históricos da região do Salitre. Sobre o assunto, Gil (2008) assinala que a análise dos dados é de natureza qualitativa.

Em relação à pesquisa qualitativa, Gil (2008) ainda esclarece que:

Vale-se de procedimentos de coleta de dados os mais variados, o processo de análise e interpretação pode, naturalmente, envolver diferentes modelos de análise. Todavia, é natural admitir que a análise dos dados seja de natureza predominantemente qualitativa (GIL, 2008, p. 151).

Portanto, esse tipo de pesquisa leva-nos a busca incessante por material e, em consequência disso, contribui para a aquisição de mais conhecimento sobre os assuntos abordados.

Resultados

O olhar pedagógico sobre o Vale do Salitre e os marcos históricos de luta

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96 LDB) em seu artigo 1º destaca que a educação desenvolve-se na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Nesse sentido, acreditamos que pensar à educação vai além dos muros da escola enquanto espaço restrito de troca de saberes e conhecimento.

A educação é como uma construção coletiva que impulsiona e nasce nos espaços histórico-culturais da sociedade, capaz de ultrapassar as fronteiras da descoberta de novos significados acerca da existência do sujeito. Assim, é relevante compreendermos que a educação contribui para a formação de uma nova consciência no sentido de promover mudanças de atitudes com relação à maneira de pensar e de agir dentro e fora da escola formal.

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Reis (2004) nesse cenário, aponta que educação está relacionada a condução das pessoas, levando-as para fora de onde estão. Sendo assim, acreditamos que a educação está vinculada a vida concreta das comunidades à medida em que possibilita à troca de saberes e significações humanas. Isto é relevante para a produção de novos saberes.

A obra de Libâneo (2001) que trabalha no viés do papel do educador traz um aspecto importante para o nosso estudo a partir do questionamento abaixo:

Quem, então, pode ser chamado de pedagogo? O pedagogo é o profissional que atua em várias instâncias da prática educativa, direta ou indiretamente ligadas à organização e aos processos de transmissão e assimilação de saberes e modos de ação, tendo em vista o objetivo de formação humana previamente definidos em sua contextualização histórica (LIBÂNEO, 2001, p. 161).

A literatura reforça que o pedagogo é a figura mediadora do diálogo entre os sujeitos no processo de construção do conhecimento. Dessa forma entendemos que toda interação discursiva deve partir do contexto histórico de cada ator e atriz envolvidos no processo de aprendizagem.

Nesse estudo, há de se ressaltar que o modo de atuação do pedagogo sobre os marcos históricos de luta ocorridos na região do Vale do Salitre surge a partir da perspectiva de que o educador é um mediador, pois ele consegue perceber que o conhecimento constrói-se de onde as pessoas estão e como elas estão. Libâneo (1994, p. 47) argumenta que, “A característica mais importante da atividade profissional do professor é a mediação entre o aluno e a sociedade, entre as condições de origem do aluno e sua destinação social na sociedade [...]”.

A afirmação do autor reforça o pensamento de que através da mediação o pedagogo em sua atividade profissional consegue

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enxergar os fatos de forma diferenciada, mesmo que seja de fora para dentro porque ele percebe o que tem de construção de conhecimento a partir dos próprios sujeitos que ali estão. Desse modo, cria-se um olhar pedagógico de quem ajuda na organização de um grupo e que consegue dialogar com os conflitos e as diversas formas de vida que existem naquele lugar.

Em se tratando do contexto histórico específico do Vale do Salitre, os processos de educação não podem ser negados à população, pois é necessário que se avalie o presente momento à luz do passado. Compreendendo em todos os aspectos os seguintes questionamentos:

- Quem foram os primeiros habitantes?- Como eles viviam?- Eles ainda moram no Salitre?- O que levou a sua saída?- Sua cultura predomina na região?- O que mudou com a chegada dos colonizadores?- As culturas iniciais permanecem?- O modo de vida das pessoas continua a mesma?- As modernizações ao longo da história contribuíram para

melhoria das pessoas e para as comunidades?- Quem é você nesse contexto histórico?

Levando em consideração o processo de compreensão sobre ação do sujeito no meio ao qual está inserido, cria-se uma interação do homem/sociedade, assim como a emancipação humana firmando-o em todo seu contexto. Dessa forma, constrói-se uma educação de forma participativa dialógica e problematizadora, direcionada a formação crítica dos sujeitos sociais, possibilitando uma reflexão sobre suas condições sociais, históricas e culturais, como forma de resgate das suas origens, bem como nas relações sociais existentes em cada morador buscando a construção de saberes sobre sua realidade.

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Para Freire (2010),

Se a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estar no mundo, associada indissoluvelmente à sua ação sobre o mundo, não existe no ser, seu estar no mundo se reduz a um não transpor os limites que lhe são impostos pelo próprio mundo, do que resulta que este ser não é capaz de compromisso (FREIRE, 2010, p. 16).

Por meio da reflexão do ser estar no mundo apontado por Freire, o olhar do pedagogo deve contribuir para que os sujeitos ao perceberem sua função social, reflitam sobre sua ação e sobre o seu papel no mundo, transformando a realidade na qual eles estão inseridos.

Assim, como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não pode haver reflexões e ação fora da relação do homem - realidade. Esta relação homem - realidade, homem - mundo, ao contrário do contexto animal com o mundo, como já afirmamos, implica a transformação do mundo, cujo produto por sua vez, condiciona ambos, ação e reflexão. É, portanto através de sua experiência nestas relações que o homem desenvolve sua ação - reflexão, com e também pode tê-las atrofiadas. Conforme se estabeleceram estas relações, o homem pode ou não ter condições objetivas para pleno exercício da maneira humana de existir (FREIRE, 2010, p. 8).

Outro aspecto relevante diz respeito à contextualização da educação que perpassa pela discussão do currículo, uma vez que ele pode possibilitar a formação humana na perspectiva de sua emancipação com toda sua bagagem adquirida e construída historicamente. Vale ressaltar a contribuição de Menezes e Araújo

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(2012) quando afirmam que,

Ao falar em contextualização, estamos falando em “identificação da ruptura”, ou seja, estamos rompendo com as grandes narrativas da ciência e da pedagogia moderna que são os princípios da formalidade abstrata e de universalidade, da concepção tradicional e colonizadora da educação, ao mesmo tempo reafirmando que a educação precisa fazer sentido na realidade das pessoas no lugar onde estão (MENEZES; ARAÚJO, 2012, p. 8).

Tais posições das autoras revelam que a contextualização vem na contramão das imposições e negações propostas historicamente. Essa construção permite desvendar os processos educativos com uma visão mais holística. Verifica-se ainda que,

Contextualizar, portanto, é esta operação mais complicada de descolonização. Será sempre tecer o movimento de uma rede que concentre o esforço em soerguer as questões “locais” e outras tantas questões silenciadas na narrativa oficial, ao status de “questões pertinentes” não por serem elas “locais” ou “marginais”, mas por serem elas “pertinentes” e por representarem a devolução da “voz” aos que a tiveram usurpada, roubada, negada historicamente (MARTINS, 2004, p. 31).

Para os propósitos desse artigo, entende-se que o verdadeiro olhar do pedagogo enquanto profissional da educação é atuar em contextos e situações diversas daquele em que a prática educativa acontece, desenvolvendo mudanças significativas na aprendizagem dos grupos sociais, para que cada morador reconheça-se como sujeito de sua própria história e através dela consiga adquirir competências para atuarem na comunidade em que vivem (FRANCO; LIBÂNEO; PIMENTA, 2007).

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Portanto, o olhar do pedagogo sobre qualquer grupo social deve ser aquele que impulsiona os sujeitos a refletirem sobre o mundo que os cercam possibilitando-os a pensar sobre o seu papel nele.

Considerações Finais

Através de pesquisas e leitura de obras de alguns autores que trataram dos marcos históricos de luta enfrentada pela população do Vale do Salitre, buscamos uma compreensão significativa acerca da importância das contribuições do pedagogo frente a essas questões vivenciadas na região.

É essencial que as comunidades salitreiras conheçam sua história e se reconheçam como pertencentes de um legado histórico de acontecimentos que foram impostos pela invasão ocorrida nesse território, que ocasionou uma mudança no modo de vida da população ribeirinha com a imposição de atividades econômicas sem o devido diálogo com os bens naturais trazendo consequências drásticas para a região do Vale do Salitre.

Historicamente, sabemos que o homem é um ser social, pois ele se constitui na sua relação com o mundo. Pensar no ser humano é compreendê-lo em sua totalidade como um sujeito que se constitui na relação que mantém com o outro. Durante o desenvolvimento deste estudo, os discursos dos teóricos revelaram que o conhecimento histórico de cada indivíduo sempre existiu na sociedade. Isso se deu a partir das relações humanas, sociais, culturais, políticas, econômicas, etc.

A pesquisa oportunizou a reflexão de que o pedagogo precisa atuar sobre essa diversidade de conhecimentos que surgem na comunidade, em diferentes contextos sociais, com mais propriedade buscando intermediar os saberes populares almejando a reflexão, análise e comparações com o presente através da realidade local de cada sujeito, como ponto de partida para o conhecimento.

O tema apresentado foi relevante para este estudo porque consideramos a história do Salitre rica em sua essência. Ela precisa

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ser valorizada e estudada, pois reflete a identidade de um povo. Além disso, a região do Salitre é considerada o vale da esperança, rico em bens naturais e responsável por impulsionar a economia local e regional no que diz respeito à produção de hortaliças frutas e legumes.

É nesse âmbito que tal ponto remete-nos enquanto profissional de educação e futuros pedagogos a profunda reflexão na mediação dos diálogos entre os sujeitos sobre os contextos históricos de ocupação, modelo de desenvolvimento sem diálogo com os recursos naturais e os aspectos políticos social, cultural e econômico.

Portanto, através desse aprofundamento bibliográfico, espera-se que este artigo proporcione um conhecimento maior e sirva de fundamentação para o desenvolvimento de um trabalho de base, assim como para as escolas das comunidades poderem contextualizar as histórias aqui expostas porque muitas delas não conhecem os fatos históricos vividos pelo povo do Vale do Salitre.

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UFBA. Plano de gerenciamento dos recursos hídricos da bacia do Rio Salitre. Disponível em: http://www.grh.ufba.br/download/Rel%20Final%20Salitre-%20Res%20Executivo%20-%2025-02-2003.pdf Acesso em 20 jun. 2018

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- VI -D I S T O R Ç Ã O E D E S I N F O R M A Ç Ã O N O TELEJORNALISMO SOBRE A ECOLOGIA HUMANA D O S E M I Á R I D O B R A S I L E I R O : Q U A N D O A R E S S I G N I F I C A Ç Ã O D E T U R PA D A S E R E V E L A

INTENCIONAL

Fabíola Moura Reis Santos

Introdução

Assalto a banco é "Novo Cangaço", crise hídrica é seca, apuração dá lugar à desinformação. A construção textual

é determinada e retroalimentada pelo imaginário marcado pelo clima, quando o território descrito é o sertão.

Não foi a mídia que criou o retrato do Semiárido Brasileiro (SAB) baseado na seca e no flagelo, mas certamente ajudou a consolidá-lo. Com imagens, cores, depoimentos e background1 dramáticos, a televisão continua reforçando a abordagem distorcida e estereotipada sobre esses territórios.

Essa representação equivocada tem prejudicado a emancipação e a dignidade de existências desses territórios das formas mais diversas, sejam econômicas, sociais ou políticas.

Na contramão desse tipo de representação estática e desinformada, o Jornalismo Contextualizado com o Semiárido Brasileiro (JCSAB) surge como uma proposta na área de comunicação de pautar esses territórios sem a limitação do determinismo climático que usa a seca para justificar todas as mazelas e injustiças sociais nesses territórios. De acordo com Santos (2018, p. 25), o Jornalismo Contextualizado com o Semiárido Brasileiro

[...] é uma proposição que investe nas variadas possibilidades de representações sobre esses

1. Música de fundo utilizada no jornalismo de rádio ou televisão enquanto o texto é narrado pelo repórter.

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territórios que se aproximem da realidade, sem omissões e/ou distorções, com uma diversidade de produção de sentidos, temáticas e abordagens, onde o enfoque jornalístico caminha de forma equilibrada com a proposta educativa.

Este conceito se baseia em elementos-chave que orientam a representação contextualizada sobre esses territórios pela mídia a partir, principalmente, do conhecimento sobre as especificidades do Semiárido.

O JCSAB se consolidou como resultado de uma pesquisa de mestrado realizada de 2014 a 2016 e que em 2018, foi publicada em livro. Mas o trabalho de pensar a narrativa jornalística sobre o Semiárido começou bem antes.

Esse tipo de abordagem educativa e sem distorções foi desenvolvida ao longo de doze anos a partir do exercício prático em duas universidades localizadas no coração do Semiárido.

Primeiro, pelos estudantes do curso de Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia -Uneb, em Juazeiro, por meio do Projeto de Extensão Programas Experimentais de Televisão - WEBTV Uneb Juazeiro (2007), na produção de reportagens e programas que já apresentam uma forma diferenciada de abordar esses territórios, com informações precisas e sem utilizar a escassez de chuva como explicação e causa única para todo o descaso histórico que marcou a gestão sobre os povos do SAB.

Em seguida, pela TV Caatinga, TV Universitária da Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf, que ampliou a produção contextualizada para outros formatos, além do jornalístico. Com programas educativos de diferentes propostas, a temática Semiárido é aprofundada e discutida, fomentando outros discursos sobre esses territórios.

Essas plataformas digitais se comportam de forma semelhante ao que Celia Del Palacio Montiel (2009, p. 9-11) observou na imprensa do México. A autora constatou que algumas características regionais, que diferenciam um lugar do outro, também interferem

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em seus processos de produção, distribuição e no conteúdo, por exemplo.

A partir de parcerias com outros veículos de televisão, a TV Caatinga distribui esse conteúdo para outras regiões do Brasil, especialmente para o Sudeste e Centro-Oeste. Ao compartilhar uma diversidade de produtos, com abordagens variadas sobre o Semiárido e a sua população como temáticas centrais, a TV educativa da Univasf propõe outros olhares e reflexões sobre esses territórios em regiões que normalmente produzem e reproduzem discursos sobre o Sertão em que o determinismo climático predomina.

Esse trabalho de envio de conteúdos contextualizados é feito desde 2014, inicialmente para o Canal Futura e, posteriormente, para a TV Brasil, NBR, TV Cultura, TV UFMA, TV Unifor, Canal Saúde, TVE Bahia, TV Pernambuco e TVU, também de Pernambuco. Essas emissoras possuem caráter educativo, sejam elas públicas, estatais ou universitárias e estão em canais abertos de televisão, portanto, como mídia televisiva chegam a uma grande parcela da população.

Dependendo da emissora parceira, o conteúdo pode ser exibido em programas jornalísticos, com reportagens e entrevistas, ou na programação, com programas educativos, ou ainda das duas formas, no jornalismo e na programação.

Com a divulgação sistemática desse conteúdo contextualizado com o Semiárido brasileiro nessas emissoras há pelo menos cinco anos, nos fazemos o seguinte questionamento: como essa mídia está se apropriando e ressignificando esse conteúdo em sua programação?

Dessa forma, o objetivo foi investigar como jornalistas de emissoras de televisão aberta, como a TV Cultura, se apropriam e ressignificam os conteúdos contextualizados com o Semiárido em suas programações, de forma a reforçar ou não a desinformação sobre esses territórios e o povo que nele habita. Uma vez que "a ecologia humana pode definir- se como uma ciência social pluridisciplinar para a abordagem privilegiada das mútuas dependências entre os sistemas sociais e naturais" (PIRES, 2011, p. 3) e ainda, é capaz de enfatizar "os aspectos culturais e tecnológicos de uma gestão dos impactos ambientais suscitados pela

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civilização humana" (p. 3), associou-se essa pesquisa ao campo da Ecologia Humana pela sua contribuição no entendimento da ação mútua entre homem e natureza.

Para buscar respostas, este trabalho analisou o caso de uma matéria da TV Caatinga e uma versão da mesma, reeditada e ampliada, exibida em rede nacional pelo Jornal da Cultura, da TV Cultura, para a verificação da ressignificação do conteúdo original.

Utilizou-se uma metodologia norteada principalmente pela Etnografia Contrastiva, comparando e confrontando "sentidos e significados como dispositivo de objetivação multiexperencial e transingular" (MACEDO, 2018, p. 90). Uma pesquisa que busca uma intercrítica generativa baseada, conforme orienta o autor, numa interpretação formada pelo "encontro entre opiniões, pontos de vista e definições de situações".

Discussão Teórica

A pesquisa está pautada no Jornalismo Contextualizado com o Semiárido Brasileiro, um conceito em construção no campo da Comunicação (SANTOS, 2018). O termo contextualizado, diz respeito à especificidade dos territórios Semiáridos, por tratar-se de uma condição muito singular que tem interferido na representação destes na mídia.

E muito embora sejamos todos nós seres contextualizados socialmente, historicamente, politicamente, economicamente e culturalmente, nem sempre estamos inseridos na nossa realidade, mas na de um centro emanador de um discurso “oficial” (SANTOS, 2018, p. 26 ). Ao se referir à educação, Josemar Martins (2004, p. 4) nos informa que discutir contextualização é também debater sobre sua descolonização.

E agora não se trata mais da relação de colonização de um país sobre outro, mas especialmente de grupos humanos sobre outros, regiões sobre outras, de narrativas sobre outras. Trata-se de reconhecer, portanto, miúdas

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colonizações que não se prendem às grandes oposições, mas estão especialmente embutidas e consolidadas na linguagem cotidiana, na língua oficial, na sexualidade, nas identidades, nas regionalidades, etc. (MARTINS, 2004, p. 4).

De forma semelhante, o jornalismo que se faz sobre o Semiárido brasileiro também é descontextualizado e colonizado, pois insiste em desconsiderar questões muito particulares a esses territórios, como o descaso histórico e as causas da desigualdade social, o que contribui para a desinformação que perdura acerca do assunto.

E como a metodologia em Ecologia Humana é fundamentalmente multidisciplinar para poder explorar as muitas interações simultâneas em sistemas humanos e ecológicos (MORÁN, 1990, p. 119), recorremos ao estudo do campo da comunicação e da produção de sentidos no telejornalismo.

A pesquisa também se pautou em teóricos da Ecologia Humana como Juracy Marques, Felix Gattari e Iva Miranda Pires para refletir de que forma os territórios semiáridos e seus povos estão sendo projetados para todo o país, a partir de uma originalmente abordagem contextualizada.

Considerando que "a sociedade se modifica, ou se mantém através de um processo de participação onde as decisões definem os rumos do econômico e do social" (LIMA, 1984, p. 25), e a partir da questão referida, acredita-se que a exibição contínua de conteúdos contextualizados nesses espaços sediados em outras regiões do país e que se configuram como emanadores de um discurso "oficial" poderá contribuir para a mudança de paradigmas sobre a representação do Semiárido e de seu povo, uma vez que provoca o olhar sobre esses territórios de forma mais diversa e mais próxima da realidade. Protagonizando esse movimento de produção de conteúdos que procuram representar o Semiárido em toda sua dimensão, a TV Caatinga seria pioneira nessa ação que também colabora para a disseminação do conhecimento sobre os referidos territórios.

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Ao tentar compreender como o homem se relaciona com a natureza, a Ecologia Humana também nos ajuda nesse estudo que busca entender como o jornalista a representa na mídia, quando a pauta se refere aos territórios semiáridos. Uma "retratação" congelada no tempo que passa por processos de homogeinização e invisibilização das identidades coletivas criadas por essas estruturas.

Como nos alerta Marques (2012, p. 15) "sempre que tentamos explicar algo a alguém sobre nossa verdade é sinal de que isso é negado", como se evidencia na prática do Jornalismo Contextualizado com o SAB. O autor ainda nos questiona: "como pensar a influência das mídias, dos fluxos comunicacionais entre humanos, coletividades homogeneizadoras, sobre os comportamentos?" (MARQUES, 2012, p. 27). E mais, coletividades estas "sendo alimentadas pelos discursos das individualidades visíveis como semblantes das coletividades invisíveis" (p. 27).

Gattari reforça ao afirmar que as práticas homogeneizadoras devem ser substituídas por processos de heterogênese, para que se desenvolvam as culturas particulares e a singularidade, e a exceção e a raridade "funcionem junto com uma ordem estatal o menos pesada possível" (2011, p. 35).

Na metodologia, os autores consultados foram Jorge Duarte, na definição de entrevista em profundidade e Antonio Carlos Gil no conceito de pesquisa-ação. Ainda no campo da pesquisa em Ecologia Humana, utilizou-se Maria José Araújo Lima, além de Emilio Morán, que contribuiu com a definição de etnoecologia. Roberto Sidnei Macedo foi utilizado na Etnopesquisa Contrastiva.

Pressupostos metodológicos

A pesquisa foi realizada a partir do conteúdo exibido na emissora parceira da TV Caatinga, a TV Cultura. O referido caso foi escolhido por a emissora manter há alguns anos uma parceria de exibição de conteúdos da webtv da Univasf. A empresa de televisão exibe reportagens da TV Caatinga no Jornal da Cultura.

As informações foram colhidas e analisadas a partir

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da Etnografia Contrastiva (MACEDO, 2018), por se tratar de uma "pesquisa multicasos/multiexperenciais" onde o "contraste aparece como um dispositivo significativo, na medida em que se deseja heuristicamente aproximar casos através da criação de um determinado constructo de pesquisa" (p. 87).

Essa "perspectiva contrastiva" do fazer pesquisa proposta por Roberto Sidnei Macedo nos instiga a uma intercrítica generativa ao utilizar uma triangulação ampliada das experiências que podem ser incorporadas por uma "pluraridade/heterogeneidade pertinentes", o que também amplia as possibilidades criativas do estudo do fenômeno pesquisado e as diferenciações relevantes para a sua compreensão (p.88-89).

As perspectivas tanto da plurarização relacional das fontes e das compreensões quanto da triangularização possibilitam o enriquecimento e a robustez heurística de uma Etnopesquisa Contrastiva na medida em que produzem, intercriticamente, o siginificativo esquema de múltiplas vozes (MACEDO, 2018, p. 89).

Contrastivamente objetivou-se compreender o que foi apropriado de forma a gerar conhecimento contextualizado sobre o Semiárido e seu povo na programação da emissora avaliada e o que foi distorcido, consolidando uma visão historicamente deturpada ou, no mínimo, desinformada sobre esses territórios.

Duas reportagens foram analisadas de forma contrastiva. A versão original, produzida pela TV Caatinga sobre um passeio turístico inspirado em Lampião, na cidade de Serra Talhada e a versão reeditada e ampliada pela TV Cultura, que utilizou a matéria original para abordar o que foi chamado de "Novo Cangaço". Ambas reportagens estão disponíveis na internet.

A análise também foi realizada a partir de uma "técnica qualitativa que explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de informantes para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada" (DUARTE, 2011, p. 63).

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Para entender esse processo, que implicou na representação do Semiárido e das populações que nele habitam, recorreu-se à etnoecologia, uma vez que ela

[...] facilita a pesquisa de campo porque baseia-se na coleta de dados linguísticos e dos critérios que diferenciaram um termo linguístico de outro. Assim, o pesquisador pode gradativamente ir descobrindo as estruturas lógicas que compõem a percepção sobre o ambiente físico e social (MORÁN, 1990, p. 90).

Considerando que "a pesquisa-ação tem características situacionais, já que procura diagnosticar um problema específico numa situação específica, com vistas a alcançar algum resultado prático" (GIL, 2010, p. 42), na etapa seguinte, após tomar-se conhecimento da reação dos produtores do conteúdo original, foi feito um contato via e-mail com a redação da TV Cultura, abordando o impacto negativo causado no setor de Jornalismo da TV Caatinga com a reedição da matéria. O e-mail não foi respondido até a conclusão desse trabalho.

Foi uma tentativa, porém, de entender a motivação para alterar o conteúdo pesquisado a partir dos elementos norteadores do Jornalismo Contextualizado com o Semiárido Brasileiro, são eles: combate x convivência + vivência; caminhão pipa é a solução?; a vaca mal assombrada; sementes infrutíferas; emblemático chão; educação sem contexto; acesso à terra, necessidade básica e mídia e viabilidade (SANTOS, 2018, p.154-172 ). Uma ação para contrastar "o saber produzido e a formação experenciada/conquistada pelos sujeitos" (MACEDO, 2018, p. 105) no processo tanto singular quanto relacional da etnopesquisa-formação.

A análise contrastiva das informações coletadas auxiliou a buscar a resposta para a questão que norteia esse trabalho: como jornalistas de emissoras de televisão aberta, como a TV Cultura, se apropriam e ressignificam os conteúdos contextualizados com o Semiárido em suas programações, de forma a reforçar a

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desinformação sobre esses territórios e o povo que nele habita?Por meio da Etnopesquisa Contrastiva pretendeu-se

aprofundar o fenômeno estudado de forma a compreendê-lo no sentido entendido por Roberto Sidnei Macedo (2018), o de apreender em conjunto, criar relações, englobar, combinar e conjugar.

Resultados

Muito se fala e crítica sobre o retrato que se faz do Semiárido no jornalismo. Várias pesquisas já realizaram análises de coberturas jornalísticas durante a seca em determinados noticiários ou mais de uma emissora, apontando falhas na narrativa, marcada pela desinformação e pelo determinismo climático.

Porém, o estudo que propõe o Jornalismo Contextualizado com o Semiárido Brasileiro é o primeiro que traz na prática, a orientação de uma abordagem educativa e mais próxima da realidade desses territórios. O conceito mostra aos jornalistas, de forma direta, como pautar o SAB.

A proposta já saiu da experimentação na Universidade e alcançou emissoras de veiculação nacional através da exibição de produtos contextualizados, mas ainda é necessário investigar como esses conteúdos são recebidos pelos jornalistas dessas emissoras, uma vez que eles são formadores de opinião e multiplicadores de informações que, até então, consolidam o Semiárido da fome, do flagelo, da miséria e de tantas outras mazelas.

Para reforçar a necessidade de aprofundar os estudos sobre esse cenário, vejamos algumas situações que ao mesmo temos nos provocam, intrigam e instigam.

No dia 01/02/2018, o Jornal da Cultura exibiu uma matéria que anunciava os 80 anos da morte de Lampião2. Ainda no texto de apresentação narrado pelo âncora do telejornal, a data de morte de Virgulino Ferreira da Silva foi associada ao "novo cangaço", termo usado para identificar a violência interior do Nordeste que "resiste ao tempo".

2. https://www.youtube.com/watch?v=M0FJ3nRQRag, por volta de 36'46".

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A matéria que se segue foi construída a partir da reedição de um conteúdo produzido anteriormente pela TV Caatinga, webtv da Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf, com o acréscimo de textos, sonoras (entrevistas com fontes) e imagens.

Na matéria original, a TV Caatinga mostrou o roteiro turístico "nas pegadas de Lampião" na cidade de Serra Talhada, terra natal do cangaceiro, que conta a história de Virgulino Ferreira a partir de lugares como a casa onde ele foi criado pela avó e o Museu do Cangaço, que mantém um acervo com objetos que pertenceram ao serratalhadense. A matéria original tem 5 minutos e 12 segundos3 e conta a história de Virgulino para ilustrar a rota turística, mas sem fazer qualquer juízo de valor.

Já o texto da matéria da TV Cultura começa com a pergunta "herói ou vilão?" e segue afirmando que "durante 20 anos lampião e seu bando aterrorizaram o sertão nordestino com saques, roubos e assassinatos. Mais de 100 mortes são atribuídas ao rei do cangaço".

Em seguida entram imagens da matéria da TV Caatinga da casa onde Lampião teria sido criado, seguidas de uma entrevista da matéria da TV da Univasf em que a fonte informa que os turistas são apresentados a pontos históricos para que conheçam o contexto da início da trajetória de Lampião no Cangaço, nas décadas de 20 e 30.

Logo depois, o repórter da TV Cultura narra o texto: "desde cedo o cangaceiro teve o contato com violência, como mostra a repórter Cora Macedo", para encaminhar o trecho da reportagem da TV Caatinga, no momento em que a repórter conta como foi a primeira emboscada sofrida por Lampião, o que seria a razão para Virgulino entrar no cangaço. Na matéria original, uma fonte explica que Lampião não teria sido considerado pela justiça uma vítima da emboscada e que nenhum advogado quis defendê-lo contra uma família rica e poderosa. Essa entrevista que explicaria o real motivo da entrada de Virgulino no Cangaço, foi retirada da matéria da TV Cultura.

Em vez disso, o texto da repórter da TV Caatinga foi seguido pela entrevista de uma fonte que afirma o orgulho dos moradores 3. "Passeio proporciona caminhar nas pegadas de Lampião": http://rtvcaatinga.univasf.edu.br/video/pOD8Nd-Pe3k

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de Serra Talhada de serem conterrâneos de Lampião. Esse depoimento é contestado em seguida, no acréscimo

da matéria da TV Cultura, por uma fala de Moacir Assunção, que escreveu um livro sobre os inimigos de Lampião. O jornalista é categórico ao afirmar que Lampião foi um bandido. Nesse momento a matéria da TV Cultura segue então um rumo completamente diferente quando aborda que o chapéu usado pelos cangaceiros "virou um dos símbolos das tradições nordestinas".

O chapéu é utilizado novamente no texto para fazer uma outra associação, aparentemente sem sentido, quando o repórter da TV Cultura narra: "mesmo sem os cangaceiros de chapéu de couro, cidades do nordeste e de outras regiões do país enfrentam o que 'tá' sendo chamado de um novo cangaço. Bandos armados praticam assaltos e sequestros e usam a população como escudo". As imagens que ilustram o texto são de câmeras de segurança que mostram a ação de assaltantes.

A matéria da TV Cultura termina com a fala do jornalista Moacir Assunção reforçando que "de certa forma esses grupos, eles agem como cangaceiros". E continua sua explicação dizendo que a diferença é que os criminosos não tem o carisma de Lampião, que são ligados a traficantes de drogas e que atuam numa região semelhante a que os cangaceiros agiam. A reportagem teve uma duração de dois minutos e quarenta e sete segundos.

Ao assistir a matéria da TV Cultura nos perguntamos qual a relação que assaltos teriam com o cangaço para a mídia criar o termo "novo cangaço"? Seria apenas a questão territorial, embora a matéria não revele onde os assaltos acontecem? Qual a diferença dos assaltos citados com a ação semelhante de bandidos que explodem caixas eletrônicos e assaltam bancos em outras regiões do país?

Além disso, ao comparar a matéria original da TV Caatinga com a da TV Cultura, podemos observar o quanto a matéria original foi distorcida, uma vez que o conteúdo inicial dava visibilidade a uma rota turística no Semiárido, promovendo um outro olhar sobre esses territórios comumente pautados de forma negativa.

Vale ressaltar que, de acordo com informações da repórter da

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webtv, quando a TV Cultura entrou em contato com a TV Caatinga, solicitou algum conteúdo para lembrar os 80 anos da morte de Lampião em 2018. Em nenhum momento foi dito que haveria uma reedição e associação do conteúdo com o que a emissora chamou de "novo cangaço".

Após tomar conhecimento da reação dos produtores do conteúdo original na ocasião da exibição em rede nacional, foi feito um contato via e-mail com a redação da TV Cultura abordando o impacto negativo causado nas informações apuradas e no setor de Jornalismo da TV Caatinga, com a reedição da matéria. No entanto, o e-mail não foi respondido até a conclusão desse trabalho. Esse comportamento demonstra, no mínimo, uma falta de interesse de se manter um diálogo com a emissora universitária parceira que, desde então, está tentando rediscutir os termos da parceria antes de enviar novos conteúdos para exibição.

Também observa-se uma intencionalidade na modificação das informações para adequá-las a abordagem pretendida, ainda que isso tenha prejudicado o encaminhamento jornalístico da matéria, com associações incoerentes, descabidas e até fantasiosas. Ao que parece, a ressignificação distorcida já estava definida no momento da solicitação da matéria, talvez por isso mesmo a proposta não tinha sido revelada em sua totalidade.

De outra maneira, emissoras como o Canal Futura, TV NBR, TV Brasil e a TV Educativa da Bahia exibem frequentemente conteúdos na íntegra da TV Caatinga que pautam o Semiárido de forma contextualizada.

Entre os mais variados exemplos estão a matéria sobre as quadrilhas juninas estilizadas com um debate sobre a transição entre o estilo tradicional e o atual, que também provocou a realização de um programa temático de 25 minutos de duração, com dois entrevistados no estúdio (Futura, 1.06.18)4; a exibição pela TV NBR de um programa de educação ambiental debatendo a agroecologia praticada por agricultores do Semiárido (18.07.18 e 15.08.18); a TV Brasil que mostrou para todo o país a iniciativa de um casal

4. http://www.futuraplay.org/video/quadrilhas-de-festas-juninas/433057/

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que construiu o que chamou de "casa bioagradável", com materiais reaproveitados e que teriam sido descartados no lixo (27.10.2018)5 e a reportagem sobre mulheres trilheiras que desbravam as estradas do sertão de moto por lazer, exibida no programa de esportes da TVE da Bahia (11.10.18).

Ao observar um tipo distorcido de abordagem em uma emissora mantida pela Fundação Padre Anchieta, que anuncia em seu site que educação, jornalismo, cidadania e cultura são algumas das prioridades em seus veículos, que "têm como princípio dar apoio à produção independente, aos programas regionais e à exibição de obras cinematográficas brasileiras, levando ao seu público o conhecimento e a diversidade cultural"6, e, de outra forma completamente diferente, constatar a exibição por outras emissoras de conteúdos que discutem o Semiárido e seu povo de forma mais contemporânea e mais próxima de sua realidade, ficam alguns questionamentos: até que ponto os conteúdos contextualizados provocam uma reflexão sobre a abordagem distorcida que tem sido praticada nas produções sobre o Semiárido e seu povo? Como esse formadores de opinião, que recebem o conteúdo contextualizado nessas emissoras, apreendem essa proposta? Como eles se apropriam e ressignificam esses conteúdos e como isso se reflete na produção de conhecimento da programação dessas emissoras? Até onde eles aproximam ou se distanciam da proposta original contextualizada? Temas para novos debates.

Essas foram algumas das inquietações levantadas por esse estudo, uma vez que o Jornalismo Contextualizado com o Semiárido brasileiro se constitui como uma proposta educativa no campo da comunicação, que nos provoca a repensarmos a abordagem usual que tem sido feita sobre esses territórios e seu povo.

5.http://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil/2018/10/casa-no-interior-da-bahia-e-chamada-de-bio-agradavel

6. Descrição obtida no site da Fundação Padre Anchieta: http://fpa.com.br/fundacao/

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Considerações finais Uma vez que o homem é produto de autocriação e, por

conseguinte, resultado da ação humana (LIMA, 1984, p. 22), procurou-se entender como quem produz e dissemina informações na mídia compreende a proposta do Jornalismo Contextualizado com o Semiárido brasileiro e se realmente se dispõe a repensar que tipo de representação se aproximaria da realidade desses territórios e de seu povo.

Na matéria reeditada e ampliada, analisada nesse trabalho contrastivamente com o primeiro conteúdo, observou-se que a nova versão foi uma adulteração completa da reportagem original, o que não apenas comprometeu a proposta da matéria inicial, como alterou drasticamente seu significado para reforçar uma imagem negativa e deturpada sobre os territórios semiáridos.

Como não houve transparência ao revelar a real proposta da matéria solicitada à emissora universitária produtora do conteúdo original, assim como não foi dada resposta ao e-mail enviado questionando a alteração da primeira reportagem, entende-se que a mudança foi realizada de forma intencional e que já estava definida uma ressignificação para reforçar distorções e a desinformação sobre o Semiárido, consolidadas pela mídia de forma recorrente.

Mas se por um lado observa-se comportamentos que reforçam e revelam a falta de informação sobre esses territórios, como no caso estudado nesse trabalho, por outro o estudo também demonstrou exemplos em que o conteúdo contextualizado cumpre seu papel educativo, disseminando conhecimento na programação das emissoras que publicam o conteúdo sem alterações e distorções que prejudiquem a proposta em sua integralidade.

Sendo assim, esse estudo poderá levar a outras reflexões como: que tipo de conteúdo contextualizado está sendo selecionado para exibição na programação das emissoras?; como esses conteúdos são apreendidos pelos formadores de opinião desses canais?; que tipo de conhecimento o conteúdo gera para esses sujeitos?; eles são influenciados de alguma maneira por outra forma de

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pautar o Semiárido?; que tipo de discurso é elaborado por eles, especificamente na cabeça7 das matérias, a partir do contato com o conteúdo contextualizado?

Questões pertinentes e necessárias para os formadores de opinião e produtores de conteúdo na comunicação interessados em produzir informação de qualidade, com apuração mais próxima da realidade dos territórios semiáridos brasileiros e de seu povo.

Referências

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7. Cabeça é o enunciado elaborado pelo editor de texto que será narrado pelo apresentador do programa de televisão, como o telejornal.

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OLHARES INTER-TRANS DISCIPLINARESem Ecologias, Sociedade e Educação

- VII -E D U C O M U N I C A Ç Ã O E E D U C A Ç Ã O C O N T E X T U A L I Z A D A : U M O L H A R S O B R E A INDISSOCIABILIDADE A PARTIR DA EXPERIÊNCIA

DO CARRAPICHO VIRTUAL

Érica Daiane da Costa Silva

Introdução

Apesar da educomunicação ainda não ter o espaço merecido dentro do campo de estudo da educação e da

comunicação, o Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus III, tem valorizado esse novo campo teórico-prático desde meados dos anos 2000, trabalhando-o a partir de disciplinas, projetos de extensão e pesquisas nos cursos de Comunicação Social – Jornalismo e Pedagogia. Porém, tenho me inquietado e buscado problematizar a compreensão que os dois cursos tem deste conceito, visto que é abordado de forma diferente e por vezes, ao meu ver, limitadas.

Essa divergência que parece haver na compreensão, em alguns momentos reduz a ampla concepção que defendemos a partir das contribuições de Soares (2013, 2011), Martín-Barbero (2011) e Schaum (2002). Outro elemento que se soma a isso é a intenção em reforçar o olhar para a relação indissociável entre educomunicação e educação contextualizada, não podendo haver, sob nossa ótica, educomunicação sem contextualização.

Essas observações se materializam a partir da experiência com o Carrapicho Virtual, projeto social que surgiu de uma experiência com a pesquisa-ação na conclusão do curso de graduação em Comunicação Social – habilitação em jornalismo em multimeios pela UNEB em 2010. O Carrapicho nasceu como um informativo

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comunitário impresso que tinha o objetivo de divulgar notícias acerca do Vale do Salitre, interior de Juazeiro-BA, porém não teve continuidade de imediato.

Com o propósito de retomar a produção de notícias locais e estimular a formação política de jovens e sua intervenção na comunidade, em 2015, fruto de oficinas com adolescentes das comunidades de Alfavaca e Baraúna, foi produzida e lançada a segunda edição do Carrapicho. Um ano depois, diante da ampliação do acesso à internet nas comunidades do Salitre e da possibilidade de concorrer a uma premiação organizada pela Brasil Foundation, através do Prêmio de Inovação Comunitária “Outra parada”, vislumbramos o Carrapicho Virtual, projeto que visava estender o informativo para o ambiente virtual e que foi selecionado entre 72 iniciativas financiadas em todo o país.

A partir de oficinas de educomunicação, o projeto ganhou força através da produção de vídeos, fotografias e textos para a página Carrapicho Virtual lançada na rede social Facebook. O novo canal de comunicação da região do Salitre divulga notícias a partir de um processo de produção de conteúdos baseado na responsabilidade com a informação, dando visibilidade a pautas de relevância social para a região, prezando pela função social dos meios de comunicação e contribuindo assim com a democratização da Comunicação.

A gestão compartilhada também se faz presente na proposta do Carrapicho Virtual, que tem como objetivo central a formação política e técnica desses/as sujeitos, bem como o fortalecimento do sentimento de pertencimento à região. Além disso, sessões de Cinema ao ar livre são realizadas nas comunidades, com a participação do grupo em todo processo de organização.

Educomunicação: Mais Que Uma Junção de Palavras

No contexto da educação formal de modo geral, temos percebido certo distanciamento da realidade, o que não é nada novo no modelo de educação convencional, sendo alternativas a essa

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formatação, as chamadas escolas diferenciadas, como as Escolas Famílias Agrícolas, escolas comunitárias, escolas rurais, etc. Temos assistido a uma crescente do que Santos (2002, p. 248) vai chamar de “lógica da produção da inexistência”, que se expressa na “lógica da escola dominante”, sendo

[...] essa não-existência produzida sob a forma do particular e do local. As entidades ou realidades definidas como particulares ou locais estão aprisionadas em escalas que as incapacitam de serem alternativas credíveis ao que existe de modo universal ou global.

Ao nos depararmos com a experiência do Carrapicho Virtual, vemos que faz sentido enxergar o processo educativo como um movimento de emancipação, tanto no âmbito individual quanto coletivo. Para que haja essa emancipação faz-se necessário a consolidação de uma prática educativa que garanta autonomia na construção do conhecimento, considerando a vivência de cada sujeito envolvido, as experiências e anseios.

As experiências de comunicação e educação que se dão nos espaços de educação não formal, a exemplo do Carrapicho Virtual, se processam justamente com base nesta tomada de consciência, à medida que o indivíduo compreende o poder destas áreas no processo de transformação social, na mudança de atitude, ou seja, no caminhar na contramão da “inexistência”. Neste caso, Soares (2003) destaca que se no contexto das duas áreas, há uma relação entre a teoria e a prática, se há uma intervenção social e uma reflexão sobre esta prática, pode-se apontar a existência de experiências educomunicativas.

A educomunicação surge, portanto, com a proposta de questionar o uso das tecnologias em prol de uma real democratização ou apenas em favor da reprodução de um sistema alienante e opressor. A prática educomunicativa se configura como um espaço de discussão para cidadania, que assume posição estratégica de resistência frente às transformações sociais. É, portanto, uma forma

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de enfrentamento às estruturas que manipulam a opinião pública em favor da difusão de uma ideologia dominante, ou seja, em favor dos valores sócio-culturais e do poder econômico de uma minoria. (SOARES, 1996).

A educomunicação é por sua vez um conceito que não se explica apenas mediante a junção de dois termos na escrita, mas que consiste na existência de um novo campo do conhecimento. O termo educomunicador, de acordo com Schaum (2002), teve origem com o argentino Mário Kaplún, que, além de amigo, comungava das concepções de educação do brasileiro Paulo Freire.

Antes de mais nada, é indispensável trazer aqui uma das contribuições de Kaplún (1998) que chama atenção para um tipo de educação comunitária, grupal, através da experiência compartilhada e nunca individual. Uma forma de pedagogia da comunicação que reconhece a criatividade de cada indivíduo, exalta valores comunitários, de solidariedade e cooperação. Em consonância com esta visão, Freire (1998, p. 260) esclarece que “a formulação dessa Pedagogia está alicerçada no conceito antropológico de cultura, onde a comunicação desempenha papel fundamental”.

A partir da necessidade de desenvolver reflexões mais sólidas sobre a relação existente entre a comunicação e a educação, pesquisadores/as brasileiros, tendo forte influência dos estudos já desenvolvidos pelos teóricos já citados, debruçaram-se sobre o tema. No Brasil, os estudos tiveram início a partir de uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Comunicação e Educação da ECA (Escola de Comunicação e Artes) da Universidade de São Paulo, junto a um grupo de especialistas de 12 países da América Latina, contando com a parceria de pesquisadores da UNIFACS/BA.

Em 1999, conforme descreve Soares (2003, p. 266), o governo federal promoveu o Fórum Mídia e Educação tendo como colaboradores fundações e profissionais da comunicação e da educação. Na oportunidade, o NCE/USP apresentou a proposta “no sentido de reconhecer que a relação entre comunicação e cidadania vai além da questão da liberdade de expressão, passando pela universalização do direito à comunicação. A isso se denomina

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educomunicação”. O documento final do Fórum, portanto, reconhece a inter-relação entre a Comunicação Social e a educação, o que resulta em um campo de intervenção social específico que oferece um novo espaço de trabalho, uma vez que exige a emergência de um profissional com um novo perfil, o educomunicador.

Na mesma obra, o autor, pioneiro nos estudos sobre educomunicação no Brasil, enfatiza que a comunicação e a educação sempre andaram muito próximas e muitos projetos já desenvolvidos apontam que essas duas áreas, na verdade, integram-se. Segundo Soares (2010), a prática educomunicativa vê na educação e na comunicação um espaço de discussão e cidadania, que assume posição estratégica de resistência frente às transformações impostas pelo sistema político, social, econômico gerador de opressões e desigualdades.

Apesar da preocupação com o enfrentamento ao sistema normalmente não fazer parte da realidade de boa parte da sociedade, especialmente as pessoas mais jovens, devido à relação íntima com as tecnologias de informação, a juventude é considerada um público potencial com o qual podem ser desenvolvidas experiências de educomunicação. Entretanto, não há restrição para a execução de tal atividade, pois a intenção é desenvolver atitudes e comportamentos, habilidades e conhecimentos a partir das diversas formas de exercer o direito à comunicação.

Nesse sentido, Anna Penido, no texto Educação pela Comunicação aborda a observação crítica, a experimentação, interatividade, inclusão, criatividade, cooperação e a participação como exemplos de princípios fundamentais desta prática. Penido (2008, p. 49) pressupõe a existência de quatro etapas essenciais nesse processo: preparação, planejamento, produção e disseminação. Essas ações geram impactos na vida social das pessoas e das comunidades, que, uma vez mobilizadas,

[...] mostram-se mais participativas, críticas e pró-ativas em torno de questões do seu interesse; valorizam e lidam melhor com a diversidade e as ações de caráter coletivo e possuem maior nível

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de criticidade, acesso e apropriação em relação às tecnologias e os meios de comunicação.

Ao observar a atuação do Carrapicho Virtual, percebemos o interesse dos/das jovens em terem suas ideias ouvidas, o que, conforme vai se delineando o processo de discussão de temas sociais, essas ideias voltam-se cada dia mais para o respeito à diversidade, os direitos essenciais e a valorização da identidade e história local.

Esta observação já se delineia com parte dos ecossistemas comunicativos, os quais entendemos como um fenômeno que acontece a partir da promoção de uma verdadeira "gestão da comunicação em espaços educativos", ou seja, a comunicação precisa ser planejada, administrada e avaliada, permanentemente. Por isso, o ecossistema comunicativo estará sempre, e necessariamente, em construção. Um conceito que para o autor tem legitimado a eficácia desse campo teórico-prático, a educomunicação (SOARES, 2010).

Já Martín-Barbero (2011), tem uma compreensão diferenciada. O autor se refere a ecossistema comunicativo como o sentido dado às novas dinâmicas sociais proporcionadas, sobretudo, pelas tecnologias. Para ele, esse sentido tem sido tão vital que pode ser comparado ao ecossistema ambiental, por exemplo. Ele considera também o universo de possibilidades educativas que as tecnologias promovem, ultrapassando barreiras geográficas e culturais, isto para ele define também a existência desses ecossistemas.

Um dos apontamentos de Martín-Barbero (2011) é que os ecossistemas comunicativos se constituem a partir de duas dinâmicas: a primeira é a relação com as novas tecnologias e a segunda é a possibilidade do saber ser fragmentado e poder “circular fora dos lugares sagrados nos quais antes estava circunscrito e longe das figuras sociais que antes o administravam”, a exemplo da escola (MARTÍN-BARBERO, 2011, p. 126).

No presente estudo, entendemos que o ecossistema comunicativo, conforme Martín-Barbero (2011), é um ambiente favorável proporcionado pelas tecnologias da comunicação e informação. A partir de uma prática educomunicativa, é possível

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haver uma transgressão à medida que tais ecossistemas permitem a construção de sujeitos sociais, conforme acredita Ismar de Oliveira Soares.

Os saberes construídos, desconstruídos e/ou reconstruídos pela intermediação das TIC’s devem ser problematizados, promover a compreensão acerca da necessidade da multiplicidade de saberes, assim como da liberdade de expressá-los. Isto é, neste caso, não basta ter acesso a uma infinidade de canais de comunicação ou deslocar os saberes dos locais historicamente credenciados, mas é preciso, sobretudo, saber o que fazer com essas novas dinâmicas, aproveitando-as como pontos-chaves para uma mudança social. Em outras palavras, na abundância de canais de comunicação, é preciso se questionar o que fazer com eles, a serviço de que eles existem e coexistem.

É inevitável, contudo, pontuar que a globalização promovida pela convergência dos meios de comunicação possui um potencial transformador das condições existenciais na vida contemporânea, vide as ressignificações da cultura, modos de relacionamento, produção e representação política, gostos, etc.

Vemos, neste sentido, a educomunicação como um caminho extremamente importante e necessário, especialmente tomando como referência a evolução das/dos jovens do Carrapicho mediante o envolvimento com as questões sociais locais e globais. É necessária, portanto, uma prática educomunicativa atrelada ao conhecimento, apropriação e problematização das realidades, exatamente o que norteia a proposta de educação contextualizada. Com base nisso temos reafirmado essa inter-relação entre os dois campos.

O Lugar de Fala

As constatações dessa pesquisa foram viabilizadas a partir da metodologia da pesquisa-ação, refletindo portanto uma prática que já vem sendo desenvolvida sob minha coordenação, sem dúvida um desafio para qualquer pesquisador/a, uma vez que a práxis, embora necessária, é rodeada de obstáculos. Tomando como referencia ainda a pesquisa participante e a etnopesquisa formação (MACEDO,

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2006), a coleta de dados foi feita ao longo dos anos de 2017 e 2018 ao acompanhar atividades e ações do Coletivo Carrapicho Virtual e no âmbito da Escola Manoel Nunes Amorim, onde realizei um trabalho de intervenção durante os meses de outubro e novembro de 2018.

A pesquisa se deu no Vale do Salitre, que está localizado no município de Juazeiro, a 30 km da sede do município e compreende todas as comunidades situadas às margens do Rio Salitre, desde a localidade de Passagem do Sargento (divisa com o município de Campo Formoso) até a Boca da Barra, onde o afluente deságua no Rio São Francisco. A região integra um dos oito distritos de Juazeiro, o Junco, denominação associada à existência da planta com esse nome às margens do afluente.

O Vale vive uma realidade de diversos problemas gerados pela falta d’água e/ou mau gerenciamento. O modo de vida camponês nesta região a cada década passou por transformações provenientes do avanço da tecnologia produzido nos centros urbanos. Neste ritmo, aos poucos, e de forma mais agressiva depois dos anos de 1970, a agricultura irrigada passou a ganhar espaço na região, fazendo do Vale do Salitre, inclusive, referência para outras regiões do país no tocante à produção agrícola.

Esse tipo de desenvolvimento, porém, só acirrou as desigualdades e interferiu diretamente no modo de produção camponesa, conforme já analisava Reis (1986). Com o advento do Perímetro Irrigado Salitre, as mudanças culturais passaram a ser mais latentes, devido ao processo de aculturação. Junto com isso, a expansão das descobertas tecnológicas também passa a ser cada dia mais presente nas comunidades, influenciando o dia a dia das famílias, das escolas, organizações sociais e, especialmente, da juventude, construindo assim novas formas de produção da existência.

Nesse contexto, porém, tem-se registrado resistência. As tradições culturais, a exemplo dos festejos religiosos, as festas populares ainda representam características da produção da existência no Salitre. Há ainda as lutas populares, em geral em torno da água, mas tomando como ponto de chegada a organização

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comunitária, o que se dá através das Associações e grupos organizados, sendo o Coletivo Carrapicho Virtual hoje reconhecido como um desses.

Aliás, o Carrapicho se consolida justamente com esse propósito de contribuir com a resistência sócio-cultural no Vale do Salitre, agregando a juventude em torno das lutas sociais, tendo a educomunicação como ponto de partida. Temos constatado com isso a formação de sujeitos desta realidades, onde o pertencimento é a base para o engajamento político na luta popular.

Cabe aqui mencionar a importância de tratar do “lugar de fala”, expressão que tem sido muito usada ultimamente, sobretudo no contexto dos movimentos sociais, porém, sem deixar de constar no discurso acadêmico socialmente comprometido com o rompimento de determinados paradigmas excludentes, em especial dentro das ciências.

Para Ribeiro (2017), a expressão “lugar de fala” surge em meio, principalmente, às lutas feministas, contra a homofobia e a discriminação racial, ou seja, é um elemento forte na defesa da diversidade almejada pelo pensamento decolonial. Assumir um lugar de fala é, portanto, buscar romper com o eurocentrismo, com as negações de direitos que atingem sobretudo, mulheres, homossexuais, pessoas negras, jovens, moradores/as de periferias, do campo ou, no caso do Brasil, diríamos também de regiões estigmatizadas, como Norte e Nordeste. “O falar não se restringe ao ato de emitir palavras mas de poder existir. Pensamos lugar de fala como refutar a historiografia tradicional e a hierarquização de saberes consequentes da hierarquia social (RIBEIRO, 2017, p. 64).

Demarcar essa posição é reconhecer a necessidade de adotar o pensamento decolonial, chamando para os sujeitos sociais a responsabilidade não de superação de um paradigma histórico mas sim enxergar as possibilidades de transgressão e insurgência. Isso implica em problematizar a epistemologia que reproduz aspectos da colonização e por sua vez reproduz opressões e dominação de umas classes ou etnias sobre as outras, por exemplo.

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Não Há Educomunicação Sem Educação Contextualizada

O trabalho com as/os adolescentes e jovens nos tem feito perceber que a educomunicação se faz necessária devido ao distanciamento da escola tradicional do cumprimento de seu papel enquanto propulsora de uma educação dialógica, que, conforme apontava o educador Freire (2000), é um problema que está enraizado na própria construção do país que teve início sem diálogo. Ao fazer uma leitura do método Paulo Freire, Brandão (2005) faz referência a sociedade desigual (colonialista, capitalista e opressora) e sua manifestação do poder que oprime as pessoas e determina inclusive o saber. A educação na visão freireana, conforme a análise do autor, é um instrumento a serviço dessa forma de controle, servindo ao poder da sociedade desigual.

Em geral, os currículos e os planos pedagógicos são desarticulados da realidade local e pouco propagadores da problemática da região, o que faz com que a escola deixe de ter participação mais direta na conquista das necessidades da comunidade. Nas cidades, porém, essa prática não é mais avançada, carece, em geral, de mudanças reais na forma de conceber a educação, sobretudo no âmbito formal.

A prática educomunicativa precisa romper com um modelo pouco democrático, centrado em uma historiografia marcada pelos grandes acontecimentos, com a distância entre a teoria e a prática, bem como entre as culturas, ainda que estas sejam próximas em diversos aspectos. Assim, ao se lançar na construção de um ecossistema comunicativo, é preciso pensar sob a lógica da interculturalidade, que caminha ao lado de metodologias que valorizam o saber local, as tradições, os valores, a cultura de um povo, a qual pode se perder facilmente se não é documentado, registrado, revisitado. A valorização da história local surge então como uma forma de permitir que a história da humanidade possa ser contada por quem viveu os acontecimentos ou teve alguma ligação direta com os mesmos, podendo depois relatar e contribuir com seu registro, bem como com a interação entre as culturas.

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Essa estratégia é parte bastante necessária à proposta de educação contextualizada, uma concepção de educação que integra a lógica da Convivência com o Semiárido1. No trabalho desenvolvido com o Carrapicho Virtual, é possível também identificar esta prática de educação que toma por base a valorização do local, com foco na história da região. Temos experienciado um encontro da educação, comunicação, arte e cultura, formando um campo de intervenção capaz de provocar problematizações e assim contribuir com a formação de novos sujeitos conscientes de sua importância na sociedade, sobretudo onde vivem.

A partir do envolvimento desses/as jovens em eventos culturais como festejos tradicionais, o interesse por novas formas de lazer, o olhar para as possibilidades culturais e educativas que podem ser acessadas nesse universo do “glocal” (global + local) confirmam a eficácia da aliança natural que se forja entre a educomunicação e a educação contextualizada.

É importante ressaltar que as/os adolescentes e jovens que integram o Carrapicho Virtual não estão, sob hipótese alguma, desconectados/as da cultura global, ao contrário, são conhecedores/as de aspectos nacionais e internacionais de áreas como a música, moda eletrônica, influenciadores digitais, etc. O que se quer destacar aqui é a atenção que as/os mesmos começam a dar aos aspectos da história do Salitre, os contos, a história viva, o apego ao patrimônio imaterial que o grupo está fortalecendo à medida que participa de discussões e realiza eventos culturais, principalmente.

Na escola, na maior parte dos casos, percebemos uma enorme dificuldade de trabalhar a história política, cultural, econômica e social das regiões, ficando os conteúdos engessados, baseando-se apenas nos livros didáticos, muitas vezes com informações divergentes das realidades locais. A história oral, contextualizada, contribui com a (des)construção da própria história, estimula a

1. Apresenta-se como compreensão política do conjunto de elementos que viabilizam a permanência humana na região do Brasil que possui clima semiárido, atendando para a necessidade de garantia de direitos como terra e água, educação, produção apropriada, valorização da cultura popular, direito a comunicação, respeito ao meio ambiente, defesa das tradições e costumes desta região, tudo isso aliado a garantia de políticas públicas.

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prática da pesquisa, permitindo um maior envolvimento com o contexto.

Esse trabalho, porém, costuma ser feito pelas Organizações Não Governamentais, o que levou as pesquisas do Núcleo de Comunicação e Educação da USP a apontarem a existência do uso da comunicação e, por conseguinte, a educomunicação, “para colocar temas em debates de problemas sociais. Muitas pessoas em todo mundo, especialmente na América Latina e África, ao desenvolverem esses usos alternativos de comunicação, estavam interferindo tanto na educação, como na comunicação” (SOARES, 2010).

Compartilhando do pensamento de Ismar de Oliveira Soares, Martín-Barbero (2005), chama atenção para o papel estratégico da comunicação na luta dos povos que buscam a renovação de sua cultura, percebendo-a como elemento que proporciona o reconhecimento de determinada comunidade ou fato social.

Assim como constatamos que para configurar-se educomunicação há uma relação inseparável da educação e a comunicação, percebemos, portanto, também uma inter-relação da educomunicação com a educação contextualizada, neste caso, para a Convivência com o Semiárido. Tratamos aqui sobre indissociabilidade, não apenas uma relação de proximidade e semelhança como vem sendo apontada por alguns/as pesquisadores/as.

Toma-se como referência nesse sentido, teóricos/as do Semiárido brasileiro que têm se dedicado a problematizar o “modelo” de educação que se tem nas escolas da região semiárida. Esses estudos têm apontado a existência de uma educação descontextualizada e colonizadora, o que para Martins (2017, p. 02) um dos motivos é a escola se propor a reproduzir o conhecimento produzido em uma ou duas regiões do país, mais especificamente o sudeste urbano. Como uma das causas dessa descontextualização, o autor diz que há “a constatação de que é aí neste sudeste urbano onde atualmente se concentra a indústria editorial e midiática que produz e distribui esta narrativa hegemônica e seus enunciados”.

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Para efetivar essas mudanças na educação, Santos (2013) menciona que as novas tecnologias da informação e comunicação, as quais conectam o local com o global, não podem ser deixadas de lado em hipótese alguma. Refletindo sobre o letramento nesta perspectiva, o autor afirma que a educação contextualizada “não pode ignorar as textualidades ou o fato de que os temas de qualquer tipo de relevância social e cultural estão nas escolas e nas salas de aulas das diferentes realidades por intermédio dos signos (...) que precisam ser organizados em rotinas pedagógicas ricas e produtivas” (SANTOS, 2013, p. 02).

Outro elemento fundante para a defesa da indissociabilidade entre educação contextualizada e educomunicação é a própria experiência analisada, uma vez que as observações já feitas nesse trajeto de existência do Carrapicho permitem apontar para isso. De maio de 2016 a maio de 2018 é visível o empoderamento que esses/as adolescentes e jovens vem conquistando, sobretudo firmando-se e assumindo-se como agentes ativos em um contexto social no qual percebem a importância do relevante trabalho que desenvolvem. Tal crescimento se percebe nas discussões entre o próprio grupo e em outros espaços, muitas vezes dando conta de se posicionarem frente a discussões políticas, especialmente quando se trata de debates de gênero, tolerância religiosa, sexualidade e diversidade de modo geral. A visão acerca do poder da mídia e da necessidade de produzir conteúdo local se confirma a cada discussão a esse respeito ou quando apresentam o projeto em eventos.

O olhar para as possibilidades de notícias que podem ser produzidas também se configura como um dos avanços. Observa-se aqui que isso é um resultado significativo de um processo de educação contextualizada não formal, uma vez que todo esse trabalho fortalece o pertencimento, a valorização dos saberes e cultura local. As pautas propostas pelos/as adolescentes e jovens sempre estão voltadas para as realidades do Vale do Salitre, priorizando a denúncia às injustiças sociais e problemas das comunidades ou dando visibilidade às manifestações populares, as potencialidades da região e organização comunitária.

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É preciso compreender que a realidade hoje vivida pelos adolescentes e jovens do Carrapicho é uma realidade mediada pelos meios de comunicação, especialmente a internet, e esta realidade a escola não pode desconsiderar em seus processos de ensino-aprendizagem. Contudo, apesar de existirem esforços por parte dos sujeitos pedagógicos imbuídos na tarefa de alfabetizar e letrar, é crescente a decadência do uso da gramática, conforme os padrões adotados no país. Isto reflete no processo de formação crítica, especialmente dos/das educandos/as, e que não pode ser reparada com uma ação isolada mas sim deve contar com mecanismos eficientes adotados pelo sistema educacional do país.

No entendimento desses/as jovens, a mídia livre Carrapicho vem para provocar e conscientizar as/os leitores e leitoras acerca da realidade local, como pontua Roseane Santos, de 16 anos, uma das educomunicadoras: “aqui no Salitre tem que ter jornal... temos que falar das estradas, das empresas que estão chegando e destruindo o Salitre...”. Em outra frente de atuação, o apoio da comunidade, Sônia Ribeiro, uma das lideranças da comunidade de Baraúna destaca que esse projeto contribui para que “os filhos do Salitre não esqueçam suas origens e sintam orgulho de ser salitreiros e salitreiras”.

Considerações Atuais

A experiência com a produção de conteúdo disseminado pelas edições impressas do Carrapicho e atualmente com o Carrapicho Virtual só reafirma a necessidade da mídia livre se fortalecer como instrumento de promoção da cultura e da consciência política frente ao monopólio dos meios de comunicação no Brasil. Para Soares (2003), uma vez que se contempla as duas área, há uma relação entre a teoria e a prática, há uma intervenção social e uma reflexão sobre esta prática, pode-se apontar a existência de experiências educomunicativas.

O atrativo da tecnologia deve ser tomado como motivo maior de envolvimento da juventude e a partir disso criar os ecossistemas comunicativos, tornando esses/as jovens sujeitos de seus anseios,

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dos problemas coletivos, da busca por soluções, começando pelo universo do lugar onde vivem, sem perder de vista todo o contexto onde estão inseridos/as, seja a comunidade, o bairro, o município, porém se propondo a enxergar a região, o país, a sociedade.

Com forte tendência à regionalização dos conteúdos, o Carrapicho se estabelece como um canal de mídia livre e conquista seu público que gosta de ser a notícia, que sente-se contemplado ao ver sua realidade (positiva ou negativa) sendo exaltada ou denunciada em uma canal midiático capaz de dialogar com o mundo inteiro através da rede mundial de computadores. Isso nada mais é do que a promoção de uma proposta de educação contextualizada assumida por sujeitos fora da escola, ao tempo em que se vivencia uma prática educomunicativa. Neste caso, reafirmamos a inter-relação entre as duas propostas formativas.

Referências

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- VIII -AS REPRESENTAÇÕES DA MULHER NO LIVRO DIDÁTICO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO 4º E 5º ANO DA

COLEÇÃO NOVO GIRASSOL

Daniel Soares VieiraSimone Salvador de Carvalho

Introdução

O livro didático (LD) é um dos recursos mais presentes nas escolas. Em alguns casos, ele é o principal instrumento

de apoio utilizado por professores(as). Por se tratar de um material elaborado a nível nacional, nem sempre consegue dar conta da imensa diversidade sociocultural brasileira, sendo caracterizado por recortes e opções ideológicas, representantes da visão daqueles que estão no poder. Nessa perspectiva, ele pode suscitar diferentes leituras, aprendizados e reflexões. Daí a importância de sua análise.

Munido dessa inquietação, esse trabalho busca responder: como a mulher é representada no livro didático de Ciências Humanas do 4º e 5º ano da Coleção Novo Girassol?

Para tanto, definiu-se como objetivo geral: investigar as formas e sentidos da representação feminina em livros didáticos de Ciências Humanas do 4º e 5 º ano da Coleção Novo Girassol - PNLD Campo. Como objetivos específicos, pretende-se: Identificar a importância da mulher e de seu trabalho para o desenvolvimento do campo; verificar a presença e/ou ausência da figura feminina no livro didático; analisar como a mulher é representada no LD e quais sentidos se escondem por traz dessa representação.

Como estratégias metodológicas foram utilizadas a pesquisa bibliográfica e a análise documental. A pesquisa bibliográfica possui relevância significativa no âmbito acadêmico, pois é desenvolvida com base em material já elaborado (GIL, 2008). Portanto, trata-

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se de um material com validação acadêmica. Nesta etapa, foram utilizadas principalmente as contribuições de Brumer (2004), Perrot (2011), Arroyo (2012).

Para a análise documental, optou-se pelos livros do 4º e 5º ano de Ciências Humanas, Coleção Novo Girassol – PNLD Campo, por considerar que nestes anos o nível de aprofundamento dos conhecimentos da área exige um olhar mais aprofundado, amplo e específico sobre a realidade das comunidades campesinas e o papel da mulher. Cada volume da coleção inclui conhecimentos de Língua Portuguesa, História e Geografia, de forma resumida e sem integração de saberes entre as mesmas.

Pretende-se com este trabalho contribuir para reflexões sobre a necessidade de se repensar a escolha e o uso do LD, refletindo sobre suas imagens e as visões que o mesmo veicula em relação a mulher campesina.

O Livro Didático e Sua Influência na Leitura de Uma Dada Realidade: Desafios a Educação do Campo

O livro didático é um dos recursos mais comuns em escolas públicas do Brasil. Utilizado como eixo orientador na construção de conhecimentos em diversas áreas, ele representa opções ideológicas daqueles que detém o poder de elaboração/ publicação. Para Fonseca (1999, p. 204):

O livro didático e a educação formal não estão deslocados do contexto político e cultural e das relações de dominação, sendo, muitas vezes, instrumentos utilizados na legitimação de sistemas de poder, além de representativos de universos culturais específicos. [...] Atuam, na verdade, como mediadores entre concepções e práticas políticas e culturais, tornando-se parte importante da engrenagem de manutenção de determinadas visões de mundo (grifo nosso).

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Destarte, é necessário refletir sobre os sistemas de poder que se fazem presentes no LD e as visões de mundo que este pode influenciar. Corrêa (2000, p. 18) afirma que: “Desvendar o livro escolar é também contribuir para fazer a arqueologia das práticas escolares por meio dos materiais que compuseram o trabalho pedagógico desenvolvido na escola ao longo do tempo”.

Sobre a história do LD no Brasil, Sheffer (2007) afirma que antes da vinda da família real havia uma proibição para qualquer tipo de publicação nacional, o que levou a importação de cartilhas em forma de pequenos livros que reuniam apenas o abecedário, o silabário e rudimentos de catecismo. Esses materiais nada tratavam sobre a realidade da colônia e estavam acessíveis apenas para aqueles com alto poder aquisitivo.

Devido ao custo elevado, alguns professores(as) faziam a confecção de seus próprios materiais de trabalho com base em catálogos denominados cartas do ABC. De acordo com Silva (2012) a utilização do livro didático começa no período imperial, no Colégio Pedro II. Uma escola destinada apenas às classes economicamente privilegiadas, cuja referência de educação e cultura era europeia. Apesar da instalação da imprensa por Dom João VI, esta não era considerada apta para a produção e publicação de textos didáticos.

Diante disso, até o final do século XIX eram constantes as queixas sobre falta de livros didáticos e outros recursos na maioria das escolas, ficando a cargo de professores(as) a produção de materiais simples, como cartilhas com métodos tradicionais de alfabetização, sem nenhuma preocupação com as questões socioculturais da época. (SILVA, 2012).

Essa situação só começa a mudar no período republicado, a partir de 1930 durante o Governo Vargas, com Francisco Campos a frente do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP). Com a necessidade de formação específica, a indústria editorial brasileira passa por um vasto avanço em sua produção, voltando-se a disponibilizar literatura específica ao público jovem (SILVA, 2012).

Segundo Bittencourt (1993) com a instalação do Estado Nacional os livros didáticos passaram a despertar a atenção dos

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poderes públicos para análise das questões ideológicas presentes nos mesmos. Durante o Estado Novo foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), responsável por controlar toda a produção destes materiais a nível de país. Conforme Ferreira (2008, p. 10):

Após a CNLD foram criadas outras duas comissões de caráter nacional para controle da produção didática no país: uma na década de 1960, durante o regime militar, resultado dos acordos MEC/USAID, a partir dos quais, se instituiu a Comissão do Livro Técnico e Didático (COLTED) e responsável pela análise do material escolar de acordo com normas estabelecidas e extinta em 1971. E em 1996, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), subordinado à Secretaria do Ensino Fundamental do MEC e responsável pelo processo de avaliação pedagógica dos livros didáticos do Ensino Fundamental. O programa segue em andamento e, no âmbito da Secretaria do Ensino Médio, está em curso, desde 2005, o Programa Nacional do Livro Didático para Ensino Médio.

Essas estratégias de controle por parte do governo demonstram não apenas a preocupação em uniformizar a produção deste material a nível de país, mas em conhecer e controlar o seu conteúdo. É nessa lógica que, historicamente, as classes menos favorecidas, a diversidade de sujeitos, culturas e a realidade conflituosa existente no campo brasileiro, vão sendo negadas enquanto possibilidade de conteúdos de LD.

A partir da década de 1980, inspirando-se no Movimento de Educação Popular, ocorre o fortalecimento da luta dos povos do campo por uma educação específica e diferenciada, que tem por protagonista os movimentos sociais do campo e seus sujeitos, na busca pela implementação de políticas públicas e programas que pudessem dar conta de suas especificidades, capazes de resgatar e valorizar seus saberes, formas de vida, trabalho e organização social.

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Portanto, é preciso compreender a Educação do Campo a partir da dinâmica que a origina: o modelo de desenvolvimento hegemônico para o campo e as lutas contra hegemônicas na tentativa de enfrentamento ao mesmo. Um processo dinâmico que contempla três aspectos distintos, simultâneos e integrados:

A Educação do Campo é negatividade – denúncia/resistência, luta contra – Basta! de considerar natural que os sujeitos trabalhadores do campo sejam tratados como inferiores, atrasados, pessoas de segunda categoria; que a situação de miséria seja seu destino; que no campo não tenha escola, que seja preciso sair do campo para frequentar uma escola; que o acesso à educação se restrinja à escola, que o conhecimento produzido pelos camponeses seja desprezado como ignorância...A Educação do Campo é positividade – a denúncia não é espera passiva, mas se combina com práticas e propostas concretas do que fazer, do como fazer: a educação, as políticas públicas, a produção, a organização comunitária, a escola...A Educação do Campo é superação – projeto/utopia: projeção de uma outra concepção de campo, de sociedade, de relação campo e cidade, de educação, de escola. Perspectiva de transformação social e de emancipação humana [...] (CALDART, 2008, p. 75).

Entende-se, portanto que se a ênfase é pelo empoderamento, reconhecimento e valorização dos sujeitos e suas diferentes formas de vida, é essencial que o trabalho da mulher campesina seja evidenciado tanto quanto o trabalho masculino. Que o patriarcado e a opressão a mulher tornem-se elementos de estudo e reflexão, favorecendo a superação e não naturalização da violência ainda sofrida por estas e que seja construído, desde a escola, um projeto de igualdade e respeito entre homens e mulheres.

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Na trajetória do Movimento da Educação do Campo, Meneses (2015) aponta a conquista de importantes marcos normativos, tais como: a Resolução Nº 01/2002 (BRASIL, 2002) que institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo; a Resolução 02/2008 (BRASIL, 2008) que estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo, o Decreto Nº 7.352/2010 dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA (BRASIL, 2010); que eleva a Educação do Campo ao patamar de política de Estado.

Com o Decreto, a Educação do Campo torna-se política pública, passando a assegurar outras conquistas, dentre elas, a Resolução nº 40, de 26 de julho de 2011 (BRASIL, 2011) que institui o Programa Nacional do Livro Didático do Campo (PNLD Campo) para as escolas do campo, que em seu Art. 1º (BRASIL, 2011, p. 1) determina a necessidade de: “Prover as escolas públicas de ensino fundamental que mantenham classes multisseriadas ou turmas seriadas do 1º ao 5º ano em escolas do campo com livros didáticos específicos no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático do Campo”.

Assim, trata-se de uma importante conquista, tendo em vista que um LD específico, que contemple a realidade do campo e de seus sujeitos, estabelecendo um diálogo permanente com outros espaços e realidades, pode contribuir para superar mecanismos perpetuadores das relações sociais de poder, de preconceitos, de visões estereotipadas, de relações patriarcais, etc., impostas pelas classes dominantes ao longo da história. Entretanto, a aprovação da resolução em si não assegura que autores(as) contemplem os fundamentos e princípios da Educação do Campo, o que justifica o presente estudo.

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Mulher Campesina: Enfrentamentos e Resistência

A história de luta, resistência e enfrentamento das mulheres não é algo recente. Pesquisas apontam que estas sempre se organizaram contra as imposições do contexto patriarcal e opressor predominante na sociedade. A exemplo disso, verifica-se que apesar de uma das formas mais contundentes de dominação ocorrer por meio da religião:

[...] Ao longo da história ocidental sempre houve mulheres que se rebelaram contra sua condição, que lutaram por liberdade e muitas vezes pagaram com suas próprias vidas. A Inquisição da Igreja Católica foi implacável com qualquer mulher que desafiasse os princípios por ela pregados como dogmas insofismáveis (PINTO, 2010, p. 15).

Graças a persistência e capacidade de organização feminina, a luta por condições de igualdade de direitos foi, ao longo dos anos, garantindo-lhes importantes conquistas. Entretanto, ao analisar a história dos povos do campo no Brasil e a situação da mulher, é possível perceber que nesse espaço o processo de dominação e o modelo de educação patriarcal, contribuíram de forma bem mais acentuada para a negação de sua importância e contribuições no desenvolvimento sociocultural e econômico, uma vez que:

No campo, a autoridade do chefe de família – do pai ou do marido – extrapola o espaço doméstico e muitas vezes impõe-se, negando a participação das mulheres nas decisões, nas cooperativas, nos bancos, nas associações de produtores e nos sindicatos (GIULIANI, 2007, p. 646).

Assim, apesar de sempre existirem mulheres à frente de funções tidas culturalmente como masculinas, há uma omissão da sociedade quanto ao seu trabalho. Historicamente, aquelas

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que assumiram posições de liderança, sofreram tentativas de invisibilização. Seu trabalho, por diversas vezes, não era remunerado ou recebiam valor bem inferior ao seu serviço prestado por homens. Para Brumer (2004, p. 02):

Mesmo quando realiza atividades voltadas para o fim produtivo da agricultura, designadas geralmente como “masculinas”, a mulher é vista como uma “ajudante” e normalmente recebe baixa remuneração (ou mesmo nenhuma remuneração) por seu trabalho. As atividades agrícolas exercidas por elas são vistas como uma extensão intrínseca às suas atribuições de mãe e esposa.

Nesse contexto Lunas (2015, p. 48) destaca que:

No campo, a divisão do trabalho se estrutura a partir das tarefas da casa e as do roçado e na hierarquia entre as tarefas realizadas por mulheres e homens nestes espaços. A separação entre os espaços do roçado e da casa define o que é considerado trabalho pesado e trabalho leve ou ainda, trabalho e não trabalho. Desvalorizar o trabalho doméstico e de cuidados sempre foi uma forma de desvalorizar, controlar e oprimir as mulheres.

Nesse sentido, percebe-se a negação das contribuições da mulher através do seu trabalho, seja ele doméstico ou no roçado. Infelizmente, há um esforço no sentido de negar seu potencial produtivo e esconder o processo de exploração sofrido por muitas delas, que chegam a desenvolver triplas jornadas diárias, sendo em muitos casos, considerada apenas como ajudante de seu companheiro.

Apesar dessa injusta realidade, há aquelas que movidas pelo desejo de justiça, equidade e coletividade conseguem desafiar as amarras culturais, a exemplo de mulheres como Elizabeth Teixeira

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e Margarida Alves. Elizabeth Teixeira foi casada com João Pedro Teixeira, líder

das Ligas Camponesas1 assassinado em 1962. Viúva jovem, com onze filhos e correndo riscos de ser também assassinada, assume a liderança desse importante movimento de libertação e luta por melhores condições de vida no campo. Enfrentando um contexto arcaico e conservador, imprimiu características próprias e ousadas para a época. (TARGINO MOREIRA e MENEZES, 2011).

Margarida Maria Alves ou simplesmente Margarida Alves, foi a primeira mulher a ocupar a presidência de um sindicato de trabalhadores e trabalhadoras rurais, em Alagoa Grande (PB). Ela permaneceu no cargo durante 12 anos, sendo brutalmente assassinada em 12 de agosto de 1983. Um grande símbolo da luta das mulheres por terra, trabalho e igualdade, justiça e dignidade. Rompeu padrões tradicionais de gênero e sua trajetória é marcada por indagações de enfrentamento ao machismo pertinente na sociedade.

A frente do sindicato, ela fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural. Sua trajetória sindical foi marcada pela luta contra o analfabetismo, as injustiças, e a exploração da terra, reforma agrária (LUNAS, 2015). Hoje, seu nome foi imortalizado por meio da Marcha das Margaridas, que ocorre anualmente reunindo mulheres de todo país em Brasília.

São duas histórias que ilustram bem o quanto a mulher campesina é forte e perseverante. Para Perrot (2011, p. 202):

As mulheres não são passivas, nem submissas. A miséria, a opressão, a dominação, por reais que sejam não bastam para contar a sua história. Elas estão presentes aqui e além. Elas são diferentes. Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos.

A opressão que insiste em permanecer na sociedade não 1. As Ligas Camponesas foram associações de trabalhadores rurais criadas inicialmente no estado de Pernambuco, posteriormente na Paraíba, no estado do Rio de Janeiro, Goiás e em outras regiões do Brasil, que exerceram intensa atividade no período que se estendeu de 1955 até a queda de João Goulart em 1964. Disponível em <https://direitos.org.br/o-que-foram-as-ligas-camponesas/> Acesso em 01 de jul/2018.

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foi suficiente para silenciar a voz das margaridas que germinaram das sementes lançadas por ela uma vez que sua história de vida tem inspirado outras tantas mulheres. Deste modo, desde o ano 2000 ocorre A Marcha das Margaridas, realizada em Brasília/DF, levando às ruas milhares de mulheres de todos os Estados brasileiros, representantes de suas comunidades.

Conforme Sales (2010, p. 427):

Durante a década de 1980 as mulheres camponesas começaram a se organizar. As principais reivin dicações tratavam do reconhecimento civil, trabalhista, pelo direito de ter o título da terra e por participação política. O reconhecimento desta luta se deu durante a Constituição de 1988, com a inclusão das propostas referentes aos direitos das mulheres.

Ainda sobre o referido momento histórico, vale salientar que:

Na década de 1980, na efervescência dos movimentos sociais no Brasil, surgem movimentos de mulheres trabalhadoras rurais e agricultoras autônomas em vários estados. Várias organizações populares já tinham mulheres militantes e, neste contexto, surgiu a Organização da Mulher da Roça. As mulheres da roça, já militantes da classe trabalhadora camponesa, estabeleceram dois objetivos estratégicos: (a) lutar por melhores condições de vida e trabalho na roça, e; (b) lutar, na qualidade mulher, pela própria valorização (IICA , 2003, p. 83).

Outro marco nesta luta é a Marcha Mundial das Mulheres. Uma mobilização contra todas as formas de preconceito e machismo, que reúne mulheres das áreas rural e urbana contra a pobreza e violência (LUNAS, 2015).

A persistência da mulher campesina é um marco na conquista

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de diversas políticas públicas específicas. Além disso, as mulheres dominam com êxito as práticas de cultivo da terra, a produção de alimentos saudáveis, a administração da propriedade, entre outros. Fernandes apud Thomaz Júnior; Valenciano (2002, p. 26) ao abordarem o papel da mulher no Movimento dos Trabalhadores/ Trabalhadoras Sem Terra (MST) destacam:

As mulheres compuseram a organização e iniciaram os trabalhos para a formação da Comissão Nacional das Mulheres do MST. Em março de 1986, conquistaram o direito de receberem lotes na implantação dos assentamentos, sem a condição de serem dependentes de pais ou irmãos. Nesse período, nos Estados, as mulheres sem-terra organizaram encontros para reflexão e avaliação das formas de participação na luta. (THOMAZ JÚNIOR; VALENCIANO, 2002, p. 26)

É possível perceber a força feminina na busca de uma sociedade mais justa, com intuito de estabelecer paridade de gênero entre homens e mulheres e assegurar os direitos postos desde a Constituição Federal de 1988, que garante igualdade de direitos entre os sexos.

Esse movimento se espalha pelo campo brasileiro e toma diferentes espaços. Assim, em 2016, a Central única dos Trabalhadores(as) comemorou 30 anos de organização da mulher trabalhadora e efetivou a paridade nas eleições de sua diretoria. Percebe-se que há um esforço dos movimentos sociais e sindicais do campo na tentativa de construir espaços paritários e lutar por políticas públicas voltadas as mulheres, na tentativa de superar a desigualdade histórica.

Os eventos protagonizados e que se fortalecem na década de 1980 trazem a educação como uma das principais bandeiras de luta. Portanto, se o exercício do magistério, principalmente na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental tem sido exercido, em sua maioria por mulheres, é essencial destacar o papel destas

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na consolidação da Educação do Campo, que de forma articulada a outros direitos (saúde, transporte, infraestrutura, segurança, acesso à terra, etc.) buscam assegurar condições dignas de vida aos povos que vivem no/do campo (MENESES, 2015).

Para os povos do campo, além das legislações específicas, é preciso garantir formação inicial e continuada dos(as) profissionais da educação, melhoria das condições de infraestrutura e funcionamento das escolas do campo, contemplando merenda, transporte escolar, material didático específico, entre outros. (ARROYO; FERNANDES, 1999). Assim, para que o LD cumpra seu papel nesse processo, ele precisa contemplar a realidade do campo brasileiro em suas diferentes dimensões. Daí emerge a necessidade de analisar como este importante recurso didático mostra a imagem da mulher campesina.

A Imagem da Mulher no Livro Didático: Quais as Formas e Sentidos de Sua Representação?

A partir das questões anteriormente apontadas, encaminhou-se a análise documental. Inicialmente, foi realizado um levantamento quantitativo, por meio do qual identificou-se que no livro do 4º ano em 46% das imagens aparecem pessoas dos dois sexos. As imagens apenas com pessoas do sexo masculino equivalem a 42% do total, enquanto as do sexo feminino são apenas 12%.

Situação semelhante foi encontrada no livro do 5º ano, no qual em 46% das ilustrações aparecem os dois sexos. Entretanto, imagens apenas com o sexo masculino equivalem a 41%, enquanto imagens apenas da figura feminina somam 13%.

Estes dados demonstram o quanto a figura masculina ainda é predominante nas obras analisadas. Conforme Silva (2009, p. 58):

[...] há uma ausência quase que absoluta, nas páginas dos livros didáticos, de referência explícita às mulheres. [....] a inserção da História das Mulheres é feita, vez por outra, por intermédio de leituras complementares

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que abordam o cotidiano feminino em algumas sociedades. [...] ou a participação feminina nos processos históricos é simplesmente ignorada ou a mulher é tratada de modo acessório e episódico, em textos “especialmente” selecionados para de quando em quando lembrar aos alunos que as mulheres também fazem parte da história vivida e ensinada.

A próxima etapa foi a análise das atividades e/ou funções desempenhadas pela mulher nessas imagens. Foi possível identificar uma disparidade em relação as profissões/ funções do sexo masculino e feminino. A única profissão que aparece nos dois livros para ambos os sexos é agricultor/ agricultora. Doméstica, dançarina, costureira, rendeira, professora são profissões/ tarefas exclusivamente para mulheres. Outras como: rei, peão de boiadeiro/ vaqueiro, artesão, comerciante de escravos, líder comunitário, marceneiro, metalúrgico, motorista, operário, pescador são exclusivamente masculinas. Infelizmente, são ilustrações que contribuem para reforçar o machismo e perpetuar práticas excludentes quanto ao papel, espaço e participação das mulheres no campo.

Dessa forma, é possível perceber que apesar da luta por reconhecimento de seu trabalho e das inúmeras conquistas ao longo da história, a referida obra acaba por perpetuar uma visão que inferioriza e nega ou minimiza o papel das mulheres. Conforme afirma Giuliani (2007) trata-se de uma lógica que confirma a autoridade do homem como chefe da família, negando a participação das mulheres nas decisões e ações fundamentais ao desenvolvimento do campo.

São, portanto, na visão de Arroyo (2012) critérios de validação presentes na produção de conhecimentos que produzem sujeitos inexistentes e invisíveis, colocando o LD como instrumento de negação e reprodução da invisibilização da mulher e do valor do seu trabalho.

É possível perceber uma hierarquia em que cargos e funções ocupados pelas mulheres aparecem de forma desvalorizada e acabam

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por negar sua relevância no contexto socioeconômico e cultural como tão bem afirma Lunas (2015). A imagem que se perpetua é a do sexo feminino associado ao meigo, frágil, em muitos casos até incapaz. Um discurso que, ao se fortalecer, busca inviabilizar a participação e o protagonismo da mulher na sociedade, exercendo formas de controle e opressão.

Por mais que a história registre uma participação efetiva das mulheres a frente as diferentes dimensões do desenvolvimento do campo brasileiro, a maioria das imagens reafirma uma representação fragilizada, com ênfase na mulher idealizada em uma sociedade de séculos passados, apenas como apta para atender as necessidades domésticas (cuidar do marido, da casa e procriar).

Essa representação fica nítida em algumas imagens, a exemplo do livro do 5º ano, capítulo 1, unidade 3 – Geografia (CARPANEDA, et al., 2014, p. 126) que ao tratar sobre o abandono do campo pelas famílias, utiliza a obra Retirantes de Cândido Portinari, reafirmando o estereótipo da mulher parideira. Imagens assim fortalecem no imaginário social a posição de submissa, reforçam visões machistas e patriarcais, colocando-a apenas como aquela responsável por atender as vontades e às necessidades do seu companheiro.

Algumas ilustrações abordam a mulher no campo, numa visão bucólica, harmoniosa e submissa, como aquela que é a ajudante do homem. Um exemplo disso é a imagem que se encontra na unidade 2 de Geografia do 4º ano, (CARPANEDA, et al., 2014, p. 115), com o tema Terra, trabalho e renda. Além disso, não há referência a história de luta de tantas delas que estão inseridas em movimentos sociais e sindicais, o papel das mulheres nesse contexto histórico frente a cargos e funções tidos para sociedade como lugar de homem.

Destarte, confirma-se os estudos de Brumer (2004) ao afirmar que mesmo quando realiza atividades na agricultura, a mulher é tida como ajudante, ou apenas uma extensão de suas atribuições como mãe e esposa.

Ainda no livro do 4º ano (CARPANEDA, et al., 2014, p.

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181) há uma figura de um encontro de associação comunitária. Num primeiro olhar, aparentemente, temos um momento de equidade. Entretanto, uma análise mais precisa revela diferenças sutis: a) a cadeira do centro ocupada por um homem. b) a observação dos presentes revela cenas de algumas mulheres desatentas, diferentes dos homens que estão todos centrados.

Essa visão, que parece algo simples, pode fortalecer o estigma da mulher que deve está em torno do homem (figura central do processo) e que, em espaços de decisão é aquela que se dispersa facilmente ou não tem interesse por certos espaços, uma vez que seu papel seria cuidar da casa e dos filhos. Entretanto, Perrot (2011) afirma que as mulheres nem são passivas nem submissas, estando presentes em diferentes espaços e contextos, afirmando-se por palavras e gestos.

A análise das obras sinaliza processos sutis de negação da história das mulheres do campo, principalmente aquelas ligadas aos movimentos sociais, que atuam em ONG’s, sindicatos, associações, desenvolvem um trabalho de líderes comunitárias, desbravando o contexto patriarcal, conforme exemplos de Margarida Alves, Elizabeth Teixeira e tantas outras.

Sendo o LD um importante recurso na construção de conceitos e modos de pensar, é possível concluir uma predominância ideológica capaz de perpetuar o machismo, o patriarcado e as diferenças entre homens e mulheres. Apesar do esforço dos movimentos de mulheres, principalmente campesinas, bem como do movimento feminista, a forma como a obra é organizada não favorece o despertar de meninos e meninas para a necessária valorização e reafirmação da igualdade e respeito entre os sexos.

Considerações Finais

A necessidade de investigar as formas e sentidos da representação feminina em livros didáticos de Ciências Humanas do 4º e 5 º ano da Coleção Novo Girassol - PNLD Campo demonstra que a representação desta ainda é um pouco fragilizada. Por vezes, há

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uma predominância de uma visão machista que nega a importância da mulher no contexto social e econômico do campo.

Os autores que abordam a importância da mulher e de seu trabalho para o desenvolvimento do campo revelam que há muito tempo elas se fazem presentes à frente de organizações e movimentos sociais, apesar de uma breve referência à Marcha das Margaridas e às Ligas Campesinas, o livro não traz nenhum aprofundamento às especificidades destes acontecimentos no contexto sociocultural e ao protagonismo das mulheres.

A análise das imagens demonstrou que existe uma disparidade quanto às representações da mulher. Há demonstrações, embora muitas vezes sutis, de uma supremacia masculina e seu poder de inferiorização do sexo feminino, colocando-a com maior frequência na condição de ajudante, dona de casa, mãe. Poucas ilustrações mostram-nas como líderes. Portanto, o LD nega suas contribuições na luta pelo desenvolvimento do campo.

Em relação à investigação sobre os sentidos que se escondem por traz dessa representação, ocorre uma perpetuação do machismo e patriarcado, invisibilizando a sua imagem enquanto protagonista e negando a equidade. As ideologias presentes neste importante recurso didático, disponibilizado para as escolas do campo de todo país, podem desfavorecer avanços no sentido do reconhecimento e valorização da mulher e da superação das mais diferentes formas de violência contra a mesma.

Portanto, faz-se necessário o desenvolvimento e a socialização de mais estudos na área, além de um processo de formação docente que permita aos professores(as) que atuam em escolas do campo uma leitura crítica sobre a obra, bem como, a implementação de um currículo que favoreça a crítica sobre ela.

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- IX -REFLEXÕES SOBRE O LETRAMENTO LITERÁRIO NO

SISTEMA PRISIONAL

Andréa Maria da SilvaRosiane Rocha Oliveira Santos

Rosângela Cruz Silva

Introdução

Os destinatários da aprendizagem proveniente da EJA são cidadãos historicamente excluídos e colocados

à margem do sistema. Esses carecem de uma educação que lhes proporcione uma formação crítica e reflexiva, que os possibilite agir com autonomia na sociedade. Essa educação precisa ser embasada em leituras, pois toda leitura enriquece, produz algum conhecimento.

O texto literário, por sua vez, amplia o conhecimento de mundo do educando. Como afirma Coutinho, “através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana." (COUTINHO, 1978, p. 27). Além disso, a leitura literária permite que o educando se aproxime ainda da riqueza e a beleza da linguagem artística, possibilitando o “prazer estético”.

Podemos compreender a partir daí, que a leitura do texto literário possibilita uma fruição artística, um olhar crítico e consciente sobre a realidade e o desenvolvimento de diversas outras competências e habilidades no educando. A leitura a partir do gênero literário promove uma experiência de aprendizagem significativa potencializando a união de aspectos cognitivos e afetivos. É nesse sentido que Zilberman (1990), afirma que na leitura do texto literário, o leitor amplia os limites do conhecimento, absorvendo os textos através da imaginação e decifrando-os com suas capacidades intelectivas.

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Tudo isso implica dizer de uma concepção outra do ensino de literatura, ou seja, diferente do habitualmente praticado na escola, na qual são privilegiados apenas os aspectos teóricos e exigidos os significados textuais padronizados. É nesse contexto que Martins (2006) denuncia a excessiva valorização das “intenções do autor”, deixando de lado o caráter dialógico dos sentidos instaurado entre autor-texto-leitor. Para tanto, segundo Martins (2006), “A literatura torna-se, assim, um objeto impenetrável, indecifrável, e o aluno-leitor não se conscientiza de sua participação como co-enunciador do texto, pois seu papel na recepção textual não é privilegiado” (MARTINS, 2006, p. 93).

Partindo de tais pressupostos o presente trabalho revela a necessidade de uma prática educativa que parta do letramento literário de modo a promover tais capacidades no educando, principalmente por se tratar de educandos na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no contexto do sistema prisional. Destarte, o objetivo da pesquisa realizada foi: descrever a relevância do letramento literário para educandos da EJA no sistema prisional.

Para atingir tal objetivo, consideramos as orientações de pesquisadores da área de metodologia da pesquisa científica (GIL, 2010), (GERHARDT; SILVEIRA, 2009) segundo os quais toda pesquisa científica deve seguir um método especificamente definido para atingir os resultados dos questionamentos propostos na realização da investigação.

Esse método é composto por um conjunto de características que direcionam a realização da pesquisa. Sendo elas, a natureza, a abordagem, o objetivo, os procedimentos de coleta de dados – bem como as técnicas e procedimentos – e os procedimentos de análise de dados.

Nesse diapasão o trabalho apresenta resultados de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa, cujo procedimento de coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica e o procedimento de análise dos dados a análise de conteúdo. Para tanto, foram utilizadas as bases teóricas de (GIL, 2010), (GERHARDT; SILVEIRA, 2009), MINAYO (2008).

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É nesse contexto que as seções que seguem discorrem sobre os resultados teórico-práticos da pesquisa, suas contribuições para a EJA e o trabalho com educandos no sistema prisional a partir da proposta do letramento literário.

Eja no Sistema Prisional

Que a educação em todas as suas instâncias é um direito humano fundamental, é algo indiscutível. Em seu capítulo II – Da Educação, da Cultura e do Desporto, a Constituição Federal brasileira (BRASIL, 1988) apresenta, seção I afirmando que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL,1988). Além disso, o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, deve ser ofertado inclusive “para os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 1988) sejam esses sujeitos crianças ou adultos; livres ou em privação de liberdade.

A educação no sistema prisional resulta de lutas historicamente desenvolvidas por um conjunto de sujeitos individuais e coletivos da nação brasileira. Desse processo de lutas, respaldadas por dispositivos legais diversos, foram alcançadas conquistas. E, no bojo dessas conquistas, temos uma das primeiras leis criadas com vistas a garantir a educação no sistema prisional, a Lei de Execução Penal - Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984 em seu art. 11. Que afirma que a assistência deve ser: I – material; II – à saúde; III – jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa.

A educação é especificamente tratada na Lei de Execução Penal, na Seção V, Da Assistência Educacional, que diz que:

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 18. O ensino de 1° grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa. [...]

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Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos.

Nesse sentido, tanto é direito de qualquer pessoa ter acesso à educação como a promoção da educação, bem como o seu acesso sem qualquer tipo de discriminação é um dever do Estado em consonância com os mais diversos dispositivos legais nacionais e internacionais. Dito desse modo, as políticas públicas que resultam das lutas dos movimentos sociais de direitos humanos e de Estado no domínio da educação visam “o acesso à cultura, ao patrimônio histórico do mundo, à autonomia na dimensão social, profissional e cultural da cidadania, promovendo a democratização da educação” (PROENÇA, 2015, p. 24).

Essa democratização precisa ser acessível a todos, inclusive aos indivíduos em situação de privação de liberdade. É nesse sentido que o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001/2010, aprovado pelo Congresso Nacional e instituído pela Lei 10.172, em 9 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001), estabeleceu metas para as políticas e ações governamentais no campo da educação brasileira no período de dez anos. Dentre as metas estabelecidas, a modalidade de ensino para a EJA pressupõe “implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim como de formação profissional (BRASIL, 2001).

E, desse modo, a responsabilidade de fomentar políticas públicas de Estado no domínio da educação nas prisões, é do governo federal. Bem como de estabelecer parcerias necessárias junto aos Estados, Distrito Federal e Municípios (PROENÇA, 2015).

No contexto do sistema prisional vale destacar que este agrega uma proposta de ressocialização e inclusão social para

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os detentos e egressos. Por isso, a EJA desenvolvida no sistema prisional, precisa de uma formulação de propostas pedagógicas que atendam às reais necessidades dos alunos enriquecendo suas referências culturais, familiares, etc., mas principalmente que potencialize o processo de ressocialização do indivíduo. Para tanto, é de fundamental importância que sejam consideradas as especificidades dos educandos dessa modalidade, de modo que seus conhecimentos prévios sejam o ponto de partida para suas aprendizagens, bem como que sejam atendidos seus interesses e necessidades.

Vale ressaltar que o planejamento da educação no sistema prisional é resultado também da atuação do Ministério da Educação e do Ministério da Justiça, que buscaram ao longo desses anos humanizar o sistema prisional brasileiro visando à garantia do direito a educação a todos os indivíduos que estão em situação de privação de liberdade.

O que requer dizer que a educação contribui, positivamente, para a ressocialização do indivíduo, promovendo o seu desenvolvimento social e cognitivo. Nesse aspecto, a Lei 12.433/2011, que alterou a Lei de Execução Penal 7.210/1984, foi crucial ao normatizar a remição da pena por estudos, asseverando que “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena” (BRASIL, 2011, p. 1). Sendo assim, o quantitativo de tempo de estudo é computado, para efeito da remição, “de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar ─ atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante ou superior, ou ainda de requalificação profissional ─ divididas, no mínimo, em 3 (três) dias” (BRASIL, 2011, p. 1).

Nesse processo de institucionalização da educação no sistema prisional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assegurou a Recomendação 44/2014, que dispõe sobre o oferecimento de atividades educacionais complementares para efeito de remição da pena e estabelecendo critérios para validação dessas atividades na condição do apenado ser autodidata, no intuito de aprovação no

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Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou, ainda, a remição pela leitura daqueles que não têm assegurado o direito ao trabalho, à educação e à profissionalização (BRASIL, 2014), PEREIRA (2018).

Ao considerar tais aspectos e visando que esses educandos atinjam uma formação integral e contextualizada o letramento literário é de sua importância, pois a fruição de textos literários poderá auxiliá-los no seu desenvolvimento em diferentes aspectos.

Letramento Literário

Nas discussões acadêmicas no Brasil ao longo da década de 1990 diversos termos na educação ganham destaque, dentre eles o termo letramento. É nesse contexto que emergem os estudos de Kleiman (2001) e Soares (2004) contribuindo com suas publicações, que acabam por repercutir nacionalmente.

Com essas e outras obras que propunham discutir sobre o assunto, ganhou corpo o movimento chamado Novos Estudos de Letramento (NLS). “Diferentemente do que se deu em outras nações, o letramento ganhou terreno em um embate justificável, em se tratando de dois conceitos que têm lugar na língua materna: ‘letramento’ e ‘alfabetização’” (PROENÇA, 2015, p. 47). Nesse diapasão a discussão fez emergir outras questões que desde então, suscitam posicionamentos diversos. Para Soares (2004 apud PROENÇA, 2015, p. 47) o fenômeno letramento supera:

[...] o mundo da escrita como as instituições o concebem, sendo a escola uma importante agência de letramento, que se preocupa com ele, porém, lhe falta a prática social. A alfabetização como processo de domínio de códigos (alfabeto e numérico). Esse processo é geralmente concebido em termos de sua relação direta com uma competência individual, imprescindível ao êxito e à promoção no contexto escolar. (SOARES, 2004, p. 94).

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Desse modo tal abordagem de letramento discute sobre como ensinar a decodificar sinais escritos, promovendo a mobilidade social e sob a ótica de um ensino funcional, uma vez que o letramento está determinado pela sociedade e suas culturas, tendo para grupos diferenciados significados também diferenciados. Nesses termos, concepção de letramento denomina-se autônomo (STREET, 2003, 2014; GEE, 2005; DIONÍSIO, 2007 apud PROENÇA, 2015).

O letramento literário “permite compreender os significados da escrita e da leitura literária para aqueles que a utilizam e dela se apropriam nos contextos sociais” (BRASIL, 2006, p. 80), além disso, segundo Cosson; Souza (2011, p. 102):

O letramento literário faz parte dessa expansão do uso do termo letramento, isto é, integra o plural dos letramentos, sendo um dos usos sociais da escrita. Todavia, ao contrário dos outros letramentos e do emprego mais largo da palavra para designar a construção de sentido em uma determinada área de atividade ou conhecimento, o letramento literário tem uma relação diferenciada com a escrita e, por consequência, é um tipo de letramento singular.

Dito dessa forma, é tão plausível quanto necessário propor o contexto literário como foco do universo educativo que vise à plena participação do indivíduo na sociedade. É nesse sentido que Freire (1988, p. 5) vai afirmar que a leitura:

[...] não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.

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É essa relação entre texto e contexto que se fazem necessárias no fazer pedagógico do educando em situação de privação de liberdade, pois para além do estudo que lhe garanta uma remissão, as horas de aprendizagem escolar precisam estar carregadas de sentido e significado para esses educandos, visando inclusive boas expectativas para o seu processo de ressocialização.

Para tanto, Silva (1976, p. 108), afirma que estudar a partir da literatura “é compreender a própria sociedade e as mudanças de perspectivas ao longo do tempo”, o que corrobora com a perspectiva de que o letramento literário é indispensável para consolidar um conjunto de ações político-pedagógicas que foquem na educação contextualizada para a cidadania sob a égide de um letramento literário.

Procedimentos Metodológicos

Para o alcance dos resultados, bem como dos objetivos propostos na realização da pesquisa, foi necessário o desenvolvimento de uma metodologia que direcionasse os procedimentos a serem realizados. Ou seja, os resultados doravante apresentados só puderam ser alcançados por seguirem uma estrutura de planejamento e execução das ações, porquanto não são avulsos, mas seguem uma linha de orientação proposta para a realização de trabalhos acadêmicos.

Nesse sentido, as sessões que seguem apresentarão o caminho para a coleta e análise dos dados e os dados alcançados, dialogando com perspectivas teóricas, bases sob as quais tecemos nossas considerações.

Como dito na introdução deste trabalho, a pesquisa acadêmica deve ser composta por um conjunto de características que direcionam sua realização. Essas características estão classificadas segundo Gil (2010), sendo elas a natureza, a abordagem, o objetivo, os procedimentos de coleta de dados e os procedimentos de análise de dados.

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Do ponto de vista da natureza, a pesquisa realizada constitui-se como pesquisa básica, uma vez que não buscou apresentar soluções para um problema existente, mas sim compreender uma determinada realidade e como esta se apresenta no contexto em que se insere (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). No tocante à abordagem, optamos pela pesquisa qualitativa, pois essa apresentou-se como possibilidade coerente a ser utilizada para direcionar a realização da pesquisa. Porquanto é adequada “aos estudos da história, das representações e crenças, das relações, das percepções e opiniões, ou seja, dos produtos das interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como constroem seus artefatos materiais e a si mesmos, sentem e pensam” (MINAYO, 2008, p. 57).

Outro elemento importante e necessário a ser explicitado sobre a pesquisa ora apresentada refere-se aos objetivos gerais como um dos pressupostos do trabalho. Nesse caso, realizada uma pesquisa descritiva, porquanto buscou descrever o fenômeno estudado e suas características (DOXSEY; DE RIZ, 2002).

Resultados e Discussão: A relevância do Letramento Literário na EJA no Contexto do Sistema Prisional

A partir das condições propostas pela metodologia da pesquisa, partimos para a busca de trabalhos acadêmicos disponíveis que discutissem sobre o tema proposto, publicados nos últimos 5 anos, ou seja, entre 2014 e 2019. Utilizamos a sentença-chave “letramento literário no sistema prisional” visando localizar trabalhos nessa área. Para tanto, os buscadores utilizados foram: Portal de Periódicos da CAPES; Scielo; EBSCO Discovery Service e Google Acadêmico. A proposta inicial era fazer uma triagem lendo os resumos dos trabalhos para garantir que discutiam o tema proposto.

A partir da busca no Portal de Periódicos da CAPES, Scielo e EBSCO Discovery Service não encontramos nenhum trabalho que atendesse às exigências propostas pela pesquisa (tema, período). Já no Google Acadêmico conseguimos localizar. Todavia apenas 1 (um) trabalho pôde ser avaliado, tendo em vista que foi o único disponível

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nos buscadores com esse tema e no período proposto (2014-2019).O trabalho localizado é da autoria de Débora Maria Proença,

como dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestra em Ensino do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, no ano de 2015. Em seu trabalho, Proença (2015) aponta que a leitura deve ter papel contributivo na construção de novos pensamentos dos educandos da EJA em situação de privação da liberdade, especialmente que encontrem “no letramento literário suas potencialidades na leitura crítica, vinculado à dimensão da funcionalidade da escrita em suas diversas linguagens e funções sociais de uso na comunicação” (PROENÇA, 2015, p. 46).

O trabalho de Proença, sem dúvida, contribui no sentido de provocar diversas reflexões sobre o tema. Porém, é necessário avaliar que poderiam e deveriam existir outros trabalhos que pautassem essa problemática e apontassem a relevância do Letramento Literário na vida das pessoas em privação de liberdade, não só das que estão inseridas nas escolas regulares. Dizemos isso, porque uma busca rápida pela palavra chave “letramento literário” no mesmo período proposto (2014-2019) e nos mesmos buscadores nos trazem aproximadamente 200 trabalhos publicados entre teses, dissertações, artigos científicos, etc.

É válido destacar, a partir do que já foi apontado, enquanto elemento relevante na construção teórica sobre o letramento literário, que essa prática passa a despertar no sujeito concepções críticas e significativas em sua vida, contribuindo para o seu processo de ressocialização. Porém, tendo em vista o resultado da pesquisa, questionamos o quão distante pode estar a preocupação acadêmica da formação crítica de pessoas em privação de liberdade.

Para tanto, apontamos que o letramento literário não pode ficar restrito ao ambiente da escola regular, o letramento literário precisa ser trabalhado em outras modalidades de ensino, como, por exemplo, a EJA no sistema prisional. Para isso, no entanto, são necessárias políticas públicas de incentivo a essas práticas, sobretudo de formação inicial e continuada às professoras e

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professores das redes públicas de ensino que atuam como docentes no sistema prisional, bem como de inserção de materiais literários nas bibliotecas prisionais.

Considerações Finais

O estudo apontou o grande valor do letramento literário enquanto prática relevante à formação de qualquer indivíduo, especialmente os da EJA que estão em privação de liberdade, sobretudo para a ampliação de sua visão de mundo e seu processo de ressocialização. Indicou ainda que no período dos últimos 5 anos apenas 01 (um) trabalho foi publicado nos buscadores selecionados e que, portanto, são necessárias políticas públicas de valorização dessa prática, porquanto favorece significativamente uma aprendizagem significativa e criativa. Ao mesmo tempo em que teceu críticas sobre a ausência de outros trabalhos que divulgassem resultados de práticas de letramento literário na EJA e sua relevância para pessoas em privação de liberdade. Aos trabalhos posteriores, deixamos os questionamentos que podem nortear novas pesquisas: as pesquisas sobre letramento literário no sistema prisional são escassas nos últimos anos por desinteresse dos pesquisadores ou pela ausência na prática docente desse campo? As professoras e professores do sistema prisional têm conhecimento da relevância desse tema? Que políticas públicas podem ser desenvolvidas para fomentar a prática do letramento literário no sistema prisional? Desse modo, o presente trabalho compreende-se enquanto discussão estritamente necessária para o levantamento de outras pesquisas, busca por novas compreensões acerca do tema e incentivo a professoras e professores, de modo que possam pautar sua atuação docente no sistema prisional percebendo seus educandos como destinatários de uma educação de qualidade e com valor para sua ressocialização.

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Referências

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COSSON, R.; SOUZA, R. J. de. Letramento literário: uma proposta para a sala de aula. Caderno de Formação: formação de professores, didática de conteúdos. São Paulo: Cult. Acad. v. 2, p. 101-108. 2011.

GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de pesquisa. Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

DOXSEY J. R.; DE RIZ, J. Metodologia da pesquisa científica. ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil, 2002-2003. Apostila.

KLEIMAN, A. (Org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

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PEREIRA, A. A educação de jovens e adultos no sistema prisional brasileiro: o que dizem os planos estaduais de educação em prisões? Ver. Temp. e Esp. em Educ., São Cristóvão, Sergipe, Brasil, v. 11, n. 24, p. 217-252, jan./mar. 2018.

PROENÇA, D. M. Remição pela leitura: o letramento literário ressignificando a educação na prisão. 2015. 183fls. Dissertação

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(Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Londrina. 2015.

SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2004.

ZILBERMAN, R. Sim a literatura educa. In:___; SILVA, E. T. da. Literatura e pedagogia: ponto e contraponto. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

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- X -OLHARES SOBRE A FORMAÇÃO DOCENTE PARA A

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Andréa Maria da SilvaRosiane Rocha Oliveira Santos

Rosângela Cruz Silva

Introdução

O histórico da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil remete aos tempos coloniais. Ao aportarem

aqui, os portugueses empreenderam de imediato a catequização dos índios para convertê-los à fé católica. A educação, portanto, durante muito tempo teve um caráter predominantemente religioso cujo fim era converter os índios e dar instrução para servir a fins práticos, como, por exemplo, utilizar a mão de obra indígena para servir aos portugueses.

Com a reforma realizada pelo Marquês de Pombal, então ministro do estado, os jesuítas foram expulsos do país e a responsabilidade pela educação passou–se para o estado. Isso indicou, a princípio, uma desestruturação da educação, pois, os jesuítas, embora com propósitos específicos de atuação, foram os responsáveis por mais de dois séculos, pelo ensino e instrução de jovens, adultos e crianças.

Posteriormente, a partir do século XIX aumentam-se as discussões sobre os rumos da educação no país, diante do grande contingente de pessoas não alfabetizadas, já nesse momento, composta por pessoas escravizadas.

A constituição da república de 1891 dá prosseguimento à lógica de condicionamento entre o voto e o analfabetismo, ou seja, estes, na condição de não alfabetizadas essas pessoas não podiam votar. Da mesma forma, também continuava dando aos estados parte da incumbência para esforçar-se para acabar com o analfabetismo.

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Estes fatores que indicavam a uma centralização, da educação já presente no Ato Adicional de 1834, estava, de certo modo, embalado pelo/no discurso do liberalismo, inclusive procurando mobilizar os analfabetos para que eles pudessem reivindicar seus próprios direitos, como é próprio do individualismo liberal (SOARES, 2002).

Os adultos adquiriam seu aprendizado fora dos espaços formais, em particular, as pessoas escravizadas que, por conta de suas ocupações em espaços urbanos, por exemplo, algumas vezes diante do seu papel a ser desenvolvido, ou que desenvolvia, enquanto escravizadas terminavam por serem alfabetizadas. Ademais, o ensino formal, destinava-se predominante aos filhos da elite, ficando a população fora do acesso ao ensino. Para Soares (2002, p. 44), “num país pouco povoado, agrícola, esparso e escravocrata, a educação escolar não era prioridade política e nem objeto de uma expansão sistemática”. Para os adultos, por exemplo, o direito de voto era restrição, inclusive amparada legalmente pela constituição de 1891 – gerou descontentamento por parte alguns intelectuais culminando depois com reivindicações e mobilizações por parte destes.

Mais tarde, já no século XX a educação é palco de inúmeras mudanças que pautam a necessidade de uma formação própria para a orientação do modelo pedagógico-didático, principalmente pelo respaldo no Movimento da Escola Nova, “posto que para os representantes desse movimento não havia como construir um projeto inovador no campo da educação se não fosse priorizada a formação dos profissionais docentes.” (LIMA, 2011, p. 19).

Foi nesse momento que se concretizaram duas iniciativas importantes de criação de institutos que visavam não só o ensino, mas também a pesquisa que foram o Instituto de Educação do Distrito Federal em 1932, instituído por Anísio Teixeira e dirigido por Lourenço Filho; e o segundo foi o Instituto de Educação de São Paulo em 1933, implementado por Fernando de Azevedo.

Posteriormente Anísio Teixeira transformou a Escola Normal em Escola de Professores, e em seguida Fernando de Azevedo fez o mesmo e com algumas reformas pelas quais passaram os institutos, que iam assumindo ao longo do tempo características mais

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genéricas, profissionalizantes e posteriormente adotando caráter de ensino superior, foi perdendo “sua referência de origem, cujo suporte eram as escolas experimentais às quais competia fornecer uma base de pesquisa que pretendia dar caráter científico aos processos formativos” (SAVIANI, 2006, p. 05). Sobre essas novas características na pedagogia Brzezinski (1996, p. 43) expõe que:

As práticas pedagógicas pragmáticas, tecnicistas e sociologistas reduziram a pedagogia, no Brasil, a uma área profissionalizante, descomprometida com a produção do conhecimento, isto é, descartou-se a elaboração da teoria para enfatizar a prática da experiência, do treinamento, do domínio da técnica, do domínio da metodologia, do engajamento prático na organização coletiva.

Assumindo esse papel, a formação docente passa a se enquadrar numa perspectiva instrumentalista, com estudos superficiais, colocando de lado a reflexão e a criticidade no processo formativo, bem como esquecendo-se de inferir a necessidade das aproximações entre teoria e prática para o exercício docente.

Lima (2011) corrobora que dois momentos foram significativos para o prevalecimento dessa atuação na pedagogia, compreendido entre as décadas de 1930 e 1970: o primeiro refere-se à visão tecnicista que ancorava-se nos pressupostos desenvolvimentistas e econômicos do país; o segundo compreende as três últimas décadas, pois operavam governos militares que tencionavam um sistema rígido, impositivo e controlador das práticas pedagógicas. Esse mesmo governo militar, com a intenção de continuar com a proposta tecnicista foi quem assinou os acordos MEC/USAID, criou a COLTED e provocou a criação de “materiais didático-pedagógicos voltados para o desenvolvimento de uma pedagogia técnica e prática, com viés autoritário, em que os professores e seus alunos eram condicionados a seguir os manuais e as normas estabelecidas pelo sistema.” (LIMA, 2011, p. 21).

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Somente depois dos 21 anos da ditadura militar é que a consolidação do direito dos jovens e adultos à educação acontece, pois decorre do processo de democratização do país na transição dos anos 1980 e 1990. Essa democratização promoveu uma nova Constituição, a de 1988, que deu um enorme passo para a garantia dos direitos sociais. Para Di Pierro; Haddad (2015, p. 199) esse passo acontece no Brasil igualmente como em outras partes do mundo, cuja “realização desses direitos foi limitada pelas políticas de ajuste macroeconômico e redefinição do papel do Estado”.

Porém, as questões que tocam a formação docente para a atuação na modalidade da EJA ainda precisam passar por avanços, tendo em vista as especificidades desse público e o histórico processo de marginalização nas políticas educacionais ele dispensadas.

Partindo de tais pressupostos, o objetivo do presente trabalho é, a partir de uma pesquisa bibliográfica, discutir a formação docente na Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas publicações (2014-2019). A pesquisa foi desenvolvida sob a abordagem qualitativa embasada em Sena (2016) e contribui para os estudos sobre formação docente na área da EJA demonstrando quais as discussões mais recentes nesse campo. Ainda no tocante à sua classificação, como prevê Gil (2008), a pesquisa caracteriza-se como pesquisa descritiva e de natureza básica.

Discussão Teórica

Os primeiros anos do Século XX, mais especificamente até o período de 1930 é marcado pela estruturação do Brasil urbano-industrial que, desestabilizando, em certa medida, as elites rurais, reconfigurou as estruturas econômicas do país. Segundo Almeida; Corso (2015, p. 1285) esse processo trouxe mudanças significativas às exigências “referentes à formação, qualificação e diversificação da força de trabalho”.

De modo especial, houve adaptação ao trabalho em fábrica, “para difundir uma concepção favorável a uma concepção de mundo atrelada às novas exigências da acumulação do capital” (ALMEIDA;

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CORSO, 2015, p. 1285). E isso exigia à elite brasileira, a garantia mínima de educação a todos, na observância, porém, de não se arriscar a perder o controle ideológico e a exploração exercidos sobre a classe trabalhadora.

Essas e outras mudanças chegaram a influenciar, até mesmo, na elaboração da Constituição de1934, que trazia uma nova concepção no campo educacional. Essas novas concepções promoveram um Plano Nacional de Educação, advertindo ao Estado que era seu dever promover e desenvolver a educação.

Nesse contexto, a nova Constituição propôs um Plano Nacional de Educação, esse era:

Fixado, coordenado e fiscalizado pelo governo federal, determinando de maneira clara as esferas de competência da União, dos estados e municípios em matéria educacional: vinculou constitucionalmente uma receita para a manutenção e desenvolvimento do ensino; reafirmou o direito de todos e o dever do Estado para com a educação; estabeleceu uma série de medidas que vieram confirmar este movimento de entregar e cobrar do setor público a responsabilidade para a manutenção e pelo desenvolvimento da educação (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 110).

Foi essa constituição que validou a preocupação do Estado com a educação e promoveu um ensino primário gratuito e de frequência obrigatória para os adultos não alfabetizados que não tiveram oportunidade de estudar anteriormente. Findando, todavia, a década de 1940, a EJA foi considerada contraproducente e, sobre ela emergiu um discurso de que deveria ser extinta imediatamente.

As campanhas de Educação de adultos vão tornando-se mais intensas, contudo, as reflexões que giravam em torno do adulto, remetiam que o analfabetismo deveria ser visto enquanto causa, ou seja, o analfabeto era julgado por ser analfabeto, o mesmo era visto como causa das circunstâncias sociais econômicas e culturais

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do país. O adulto analfabeto era tido como uma chaga social, um incapaz, inculto e marginal, sendo tratado até mesmo como uma criança.

Para essa problemática então, é lançada a Campanha Nacional de Educação de Jovens e Adultos, cuja meta principal era “erradicar” o analfabetismo, que inicialmente apresentou resultados relevantes e expandiu-se para várias regiões do país. Entretanto, nos períodos seguintes os resultados foram tornando-se insatisfatórios e os efeitos já não eram significativos. Posteriormente, acontece a realização do Segundo Congresso Internacional de Educação de Adultos, onde aparece a figura principal da representação da EJA no Brasil, com a proposta de alfabetização de adultos.

Freire lança uma proposta de um programa permanente de educação de adultos, entretanto, com o golpe militar em 1964, os programas de alfabetização e educação popular, poderiam desenvolver-se enquanto ameaça à ordem, sendo que seus precursores foram severamente punidos e repreendidos. Porém, os adultos não “sofreriam perdas” na concepção do estado, pois fora lançado o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, onde nesse programa de alfabetização era realizada apenas uma alfabetização assistencialista e conservadora, restringindo a aprendizagem do aluno apenas a desenvolver a capacidade de ler e escrever. Entretanto uma leitura apenas de códigos, não de significados dos mesmos, falo de uma leitura crítica, como propunha Freire (1996, p. 24) “inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado que não foi apreendido não pode ser realmente aprendido pelo aprendiz”.

Durante a década de 70, o MOBRAL fora crescendo pelos estados e cidades brasileiras, expandindo-se assim por todo o território nacional diversificando sua atuação. Em meio a muitos outros programas, um dos mais destacados e importantes foi o Programa de Educação Integrada - PEI, que seria o antigo curso primário. Outros grupos ainda continuaram a elaborar e aplicar outras experiências isoladas, mas com propostas de caráter crítico,

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aplicando os “métodos” de Paulo Freire. Que na época exilado, desenvolvia seus trabalhos no Chile e em países africanos.

Na perspectiva de Freire, as campanhas e trabalhos que vinham acontecendo com a Educação de Adultos eram similares a atitudes de uma pessoa que vai a um banco e deposita algo de seu interesse. Nisso consistia a concepção bancária altamente criticada por ele, ou seja, que considerava o analfabeto um sujeito ignorante e sem opinião própria. Freire criticava tudo isso por fundamentar seu método na leitura que perpassava o ato de ler e escrever para simplesmente codificar e decodificar letras, palavras.

Ele enfatizava esse contexto por acreditar na probabilidade do educando adotar e impor-se no papel de sujeito de sua própria aprendizagem, sendo capaz e responsável. Ele também acreditava e concretizava a possibilidade de um processo de ensino-aprendizagem, com efeito, uma vez que este processo partisse da problematização da realidade, do contexto do convívio do próprio aluno.

Dessa forma, Freire apresentava suas críticas aos métodos de uma educação apenas reprodutiva que era aplicada aos jovens e adultos, como as cartilhas de repetição de palavras como: Eva viu a uva, o boi baba, a ave voa, dentre outros. Mas além das críticas, Freire também proporcionou um novo método de se trabalhar com esse público, método esse que ficou conhecido como Método Paulo Freire. Ele propôs a alfabetização de adultos através de passos de fácil acesso ao educando, uma vez que todo o conteúdo trabalhado deveria ser do convívio diário do aluno, onde o mesmo seria coautor de sua alfabetização.

Além do método Paulo Freire, muitos foram os programas e meios criados pelos governos federais, estaduais, e municipais a fim de compensar as épocas aqui citadas nas quais adultos que ainda não sabiam ler ou escrever eram recriminados e marginalizados pela sociedade. Inclusive a criação do Programa Alfabetização Solidária – PAS em 1996, pelo Conselho do Comunidade Solidária. Campanha essa com parceria entre os poderes federal, estadual e municipal, empresas, organizações da sociedade civil, fundações empresariais entre outros, que visava (como na maioria dos programas criados

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para esse público), a erradicação do analfabetismo, principalmente como público alvo inicial as populações do Norte e Nordeste do Brasil, que apresentavam altos índices de desescolarização.

Após essa população alvo, o programa passou a atuar em outras regiões do país. Infelizmente a criação dessas políticas não visava o direito à educação do ser humano. Por isso é importante agora uma tomada de consciência e um refazer do olhar sobre os jovens e adultos que se encontram em situação de alfabetização. É preciso reconfigurar esse olhar sobre os jovens e adultos, como cita Arroyo (2007, p. 23):

Sem dúvida que um dos olhares sobre esses jovens e adultos é vê-los como alunos (as), tomarmos consciência de que estão privados dos bens simbólicos que a escolarização deveria garantir. Que milhões estão à margem desse direito. Que o analfabetismo e os baixos índices de escolarização da população jovem e adulta popular são um gravíssimo indicador de estarmos longe da garantia universal do direito à educação para todos.

É importante inclusive, que as velhas perspectivas e os velhos paradigmas sejam deixados de lado ao se trabalhar com jovens e adultos nos quais esse direito à educação que foi citado, lhes fora negado. É necessário que os jovens e adultos ainda não escolarizados sejam vistos além dos liames de suas carências, necessidades, situações. É necessária uma reconfiguração do olhar sobre os jovens e adultos não alfabetizados e, a partir desse novo olhar, são necessárias políticas que efetivamente garantam os direitos desse grupo.

Na virada do século temos de imediato uma virada política partidária, o que acarretou uma distinta concepção de política pública para a EJA, porquanto a coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) foi eleita em substituição ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Já nessa primeira fase, a EJA foi reconhecida como dívida social e prioridade nacional, compondo o

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rol de medidas de combate à pobreza agrupadas aos programas de transferência de renda e participação popular.

É certo que diferentes motivos mantiveram a EJA na agenda das políticas educacionais no início do século XXI e que esse cenário contou com as políticas criadas nos anos anteriores em que o acesso à escolarização e formação para o trabalho tornaram-se uma imposição da Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 9.394 de 1996, reconheceram o direito público subjetivo dos jovens, adultos e idosos ao estudo (DI PIERRO; HADDAD, 2015).

Porém o primeiro programa de alfabetização de jovens e adultos, chamado Programa Brasil Alfabetizado (PBA), criado pelo governo petista vem contrário às discussões contemporâneas e progressistas sobre a EJA. Assim:

[...] o PBA foi desenhado como ação setorial, nos moldes das campanhas de alfabetização de massa do passado, com curta duração e baixo custo, estruturando-se em paralelo aos sistemas de ensino, improvisando alfabetizadores que recebem modesta ajuda de custo, escassa orientação e supervisão, e são responsáveis por recrutar os candidatos a compor as turmas (DI PIERRO; HADDAD, 2015, p. 207).

O PBA e outras agendas da EJA foram criadas nessa época, encabeçadas por diversos programas como Saberes da Terra, Proeja, Escola de Fábrica, Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCEJA), Consórcio Social da Juventude, Juventude Cidadã, Plano Nacional de Qualificação, Agente Jovem, Soldado Cidadão, Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

No bojo dessas políticas o que se percebe, no entanto, é mais uma intensificação do investimento na Educação Profissional, do que na alfabetização dos adultos, além disso, a iniciativa privada continua a ser beneficiária dos recursos públicos para seus investimentos, em detrimento das demandas mais urgentes da população que ainda carecia de alfabetização.

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Em contrapartida, visando integrar a educação profissional à educação básica na modalidade da EJA, o governo cria o PROEJA e o institui como programa educacional por meio do Decreto n° 5.840, de 13 de julho de 2006 para todas as esferas de ensino estadual, municipal e federal.

Já no segundo mandato do Presidente Lula, a EJA recebeu um novo impulso no desenvolvimento das políticas educacionais, pois foi incluída, embora de maneira secundária em relação às demais etapas e modalidades da educação nacional:

[...] nas políticas estruturantes do sistema de educação básica, que passaram a ser organizadas em torno ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Dentre as 28 diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, pelo qual os Estados e Municípios aderem ao PDE, consta apenas a manutenção de um programa de alfabetização de jovens e adultos, trato este que sequer é monitorado. Os estudantes da EJA não foram incluídos nos sistemas de aferição de desempenho instituídos pelo Inep para a composição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), fazendo com que os resultados de aprendizagem na modalidade estejam fora do campo de atenção dos gestores e da opinião pública (DI PIERRO; HADDAD, 2015, p. 207).

Enfim, diversas políticas foram criadas, algumas mudanças necessárias, outras, obrigatórias ocorreram ao longo dos governos petistas. Os recursos disponibilizados são maiores que aqueles com os quais a modalidade contava até então e inegavelmente isso melhorou com a assunção do governo progressista.

Pressupostos Metodológicos

Para alcançar os resultados propostos pela pesquisa seguimos um conjunto de técnicas e procedimentos. Sendo assim, a primeira

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etapa do trabalho foi a estruturação do projeto, delineando o problema, os objetivos e a justificativa. Posteriormente fizemos as leituras teóricas pertinentes ao problema, a saber o que as publicações acadêmicas de 2014 a 2019 revelam sobre a formação docente na EJA?

Como definições preestabelecidas de pesquisa na literatura pesquisada, observamos que essas devem ser classificadas pelos seus objetivos mais gerais, a natureza e a abordagem, segundo as orientações de Gil (2008).

Nesse diapasão, a opção metodológica foi de realizar uma pesquisa descritiva, de natureza básica e abordagem qualitativa. O procedimento escolhido para a coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica e, nesse caso, optamos por fazê-la no Portal de Periódicos da Capes.

Após a elaboração do projeto da pesquisa, do levantamento teórico para a fundamentação do trabalho, realizamos a busca pelos dados no portal. A busca por trabalhos publicados, no período de 2014 a 2019, foi feita a partir de sentenças-chave, que estivessem de acordo com o tema proposto. Sendo assim, acionamos os filtros para excluir trabalhos em desacordo com a proposta. Bem como avaliamos ano de publicação, título, idioma e que estivessem em periódicos revisados por pares. Com a aplicação dos filtros de busca no portal de periódicos, localizamos poucos artigos em concordância com a nossa proposta e que discutem, sob olhares diferentes a formação docente na EJA.

Em posse dos artigos em mãos, fizemos a leitura dos resumos para filtrar ainda mais os trabalhos que porventura não dialogassem com a proposta do trabalho. Posteriormente, utilizamos a técnica da análise de conteúdo para levantar os dados e descrevê-los. Sendo assim, a seção a seguir apresenta alguns resultados da pesquisa realizada.

Nesse contexto, as seções a seguir apresentam o percurso metodológico com maior clareza e explicitam os resultados e a discussão provenientes do trabalho desenvolvido.

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Resultados e Discussão

Com a criação da LDBEN nº 9.394/96 a formação docente é, sem dúvida, um campo que tem recebido bastante atenção nas pesquisas acadêmicas de modo geral e isso revela o abismo entre o que é suscitado enquanto discussão acadêmica e o que é feito enquanto política pública. Pois, apesar das denúncias da marginalização da educação voltada aos jovens e adultos do país, pouco se tem feito para qualificar os docentes, os materiais didáticos, a estrutura física das escolas, enfim, o currículo escolar de modo geral.

Nos últimos 10 anos, são diversas publicações, teses, congressos, seminários, etc., preocupados com a formação docente no Brasil, desde o nível mais elementar da educação básica até o nível superior e esse conjunto de atividades acadêmicas denuncia as precárias condições em que os docentes estão desenvolvendo seu trabalho na educação (CAMARGO, 2017). Porém, na EJA a discussão ainda não é intensificada, mesmo que não exista “uma formação adequada para os profissionais da educação que nela atuam” (CAMARGO, 2017, p. 1568). Essa ausência de investimento e qualificação docente fica clara na descrição da pesquisa de Camargo (2017, p. 1577), que assevera:

Como não existem cursos específicos, os professores da EJA precisam encontrar por eles mesmos estratégias para trabalhar com os alunos e fica de certa forma subentendido que qualquer coisa que façam já está ótimo, tendo em vista a falta de subsídios estruturais, política educacional para a formação e para a execução do seu trabalho pedagógico.

Como vimos na introdução deste trabalho a EJA acontece praticamente durante toda a história “civilizada” do Brasil, ou seja, desde o seu período colonial. Dito isto, é, sem dúvida, lastimável perceber que, apesar de anos em que se desenvolve a EJA no Brasil,

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a garantia dos direitos básicos para essa modalidade ainda está ‘engatinhando’.

Isso porque, segundo Camargo (2017, p. 1582) “os professores estão desprovidos de um processo de formação inicial específico e formação continuada que embasem suas atuações” e essa formação deficitária se depara ainda com a necessidade de uma “revisão da destinação de recursos para a EJA” (BRAGA; FERNANDES, 2015, p. 186), porquanto é necessário pensar recursos materiais e humanos para essa modalidade com a mesma preocupação e empenho que se pensa as demais modalidades da educação básica, tendo como pressuposto a necessidade de do currículo “relacionar os conteúdos entre si e com os saberes dos educandos” (BRAGA; FERNANDES, 2015, p. 186).

Sobre isso, Lambach; Marques (2014, p. 92) afirmam que os objetivos propostos em “uma aula para EJA são cumpridos quando o aluno consegue relacionar os conteúdos escolares com o seu cotidiano” e, para tanto, essa motivação em transpor os conteúdos escolares em conhecimento prático e útil à vida do educando deve ser promovida em espaços formativos constantes.

Sobre isso, Guedes; Leitão (2016, p. 40) destacam que as e atitudes motivadoras refletem positivamente no comportamento dos educandos, pois demonstram mais interesse “pelos conteúdos, posicionamento crítico, interação com os colegas da turma e prazer em participar”. É necessário para tanto, que haja a organização de uma formação docente diferenciada do que está posto, do modo que o estado assuma, enquanto política, uma formação permanente e contínua “em que o professor planeja sua ação, a desenvolve com os alunos e reflete sobre ela coletivamente com outros professores, além de ter a academia como parceira” (LAMBACH; MARQUES, 2014, p. 92).

Essas dificuldades em pensar uma nova organização da EJA, em suas diversas facetas podem, por exemplo, ter origem nas condições estruturais do sistema público de ensino, tais como a pesada carga horária docente em sala de aula, além do cumprimento das atividades fora da sala ou as difíceis questões econômicas

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“como os baixos salários e a pouca destinação de recursos para a infraestrutura educacional, o tempo necessário de afastamento do professor de suas atividades escolares para se dedicar à formação e a sua consequente substituição” (LAMBACH; MARQUES, 2014, p. 92).

Dito isto, as políticas públicas para a EJA ainda precisam ser revistas, não do ponto de vista mercadológico da preparação do sujeito para o mundo do trabalho, mas como forma de contribuir com o exercício da sua cidadania que se faz e refaz no cotidiano de sua existência e isso toca diretamente na formação inicial e continuada do docente, nos materiais didáticos utilizados e no currículo como um todo.

Nesse sentido, a formação docente precisa ser feita de modo qualitativo, visando o desenvolvimento de uma educação que promova a equidade e a justiça social, e não somente visando a inserção desses jovens e adultos num emprego, mas a inclusão de quem teve um direito negado historicamente, ficando à margem da sociedade e de outros direitos fundamentais. E isso não deve ser novamente repetido, ou então, a EJA não passará de um engodo de quem busca atender às exigências de organismos internacionais.

Considerações Finais

Por certo, na realização das pesquisas acadêmicas algumas modalidades educacionais recebem mais atenção que outras, e a partir da pesquisa realizada, podemos assinalar que a formação docente na EJA não é, necessariamente uma área que tem recebido tanta atenção. Isso pode ser assinalado tendo em vista que localizamos apenas 06 trabalhos acadêmicos no período de 2014 a 2019 que discutem essa temática. Sendo assim, apontamos que é necessário repensar pesquisa acadêmica sobre esse tema.

Mais necessário ainda, é repensar a formação docente para a EJA enquanto política pública, pois esse é fator fundamental na qualificação dos docentes que atuam nessa modalidade, pois quem exerce a docência na EJA não pode apenas adaptar suas práticas do ensino regular.

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Tampouco os professores devem ser aqueles professores de “final de carreira”. São necessárias políticas efetivas de formação e qualificação docente; elaboração de material didático apropriado; implementação de materiais de consumo apropriados; revisão curricular.

Em suma, a educação dos nossos jovens e adultos sempre foi colocada à margem das políticas públicas e, para mudar essa realidade, sua qualidade só será efetiva quando esses jovens e adultos forem vistos como sujeitos de direitos que direta ou indiretamente contribuem com a força do seu trabalho, com suas diferentes visões de mundo, com seus mais simples e, ao mesmo tempo, complexos saberes para a constituição da diversidade do nosso país.

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