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Março de 1939. As tropas alemãs invadem Praga, e começa o terror para os judeus checos. Inicia-se, então, É hora de falar, de Helen Lewis, uma notável e verdadeira história de coragem e resistência durante o Holocausto. O livro foi publicado na Europa em 1992, aumentando a fama e o reconhecimento dessa sobrevivente como escritora, locutora e oradora.
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Helen Lewis
É HORA DE FALAR
Prefácio
MICHAEL LONGLEY
Prefácio da edição de 1992
JENNIFER JOHNSTON
Rio de Janeiro | 2013
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Prefácio da edição de 1992
É difícil apontar um gênero em que se possa classi-
ficar este livro. Acho que poderia dizer que é uma au-
tobiografia, e ponto final; mas ele é um pouco mais
que isso. É uma autobiografia com o formato e o ritmo
de um romance, a ordenação lógica de um romance,
os batimentos cardíacos de um romance cheio de vida.
Todo o cabedal de recursos literários do romancista
se encontra aqui — amor e luto, amizade e traição,
terror e espirituosidade, alegria e desespero, o bem e o
mal, morte e sobrevivência —, mas não há ficção nele,
tampouco nenhum dos artifícios do romancista para
prender a atenção do leitor, nem nada aqui é manipu-
lado tal como o faria um romancista; seu feitio é ine-
rente à própria veracidade intrínseca da obra; nada é
imposto. Helen Lewis não faz especulações, nem jamais
inventa nada; aqui, só existe verdade, o testemunho da
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verdade. Ela conta sua história com assombrosa integri-
dade e, em suas mãos, mais do que um simples relato
ou uma história, ela se transforma numa obra de valor
histórico.
Este livro é o testemunho de uma mulher que so-
breviveu ao que era impossível de sobreviver. Isso, em
si, é um milagre, pelo menos para aqueles que acre-
ditam nessas coisas; já o livro é outra história. É escrito
com tal graciosidade estilística que é impossível acre-
ditar que o inglês não é a língua materna da autora.
Em suas linhas, se entrelaça um misto de perspicácia
espirituosa, ternura e tristeza, mas também de raiva
saudável e moderada, que jamais é expressa em forma
de condenação e rancor.
No transcurso dos anos, muitas pessoas fizeram as
seguintes perguntas: Por que os judeus permitiram que
esse tipo de coisas acontecesse com eles? Por que, apa-
rentemente, foram coniventes com o extermínio de sua
própria gente? Helen Lewis nos dá as respostas a essas
perguntas: a destruição das liberdades civis, o confisco
de depósitos bancários, a apropriação indébita de casas
e apartamentos, além da perda de empregos, foram me-
didas astutas, elaboradas para minar a confiança das
vítimas, gerar ansiedade, isolar o povo judeu de seus
amigos e companheiros. Os judeus foram proibidos de
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frequentar “parques públicos, piscinas, teatros, cinemas,
restaurantes e cafés”, e até a carreira promissora de Helen
como dançarina chegou ao fim quando ela não teve mais
permissão para participar de nenhuma produção artís-
tica. Os carnês de ração dados aos judeus valiam menos
do que os de outras pessoas. Eles tinham de viajar em
vagões e bondes especiais, e isso somente durante certas
horas do dia. Seus rádios foram confiscados. Em toda
parte, havia espiões — pessoas que pareciam ter prazer
em delatar seus vizinhos judeus às autoridades quando
eles saíam da linha ou se comunicavam com amigos não
judeus. A estrela amarela tornou-se o símbolo máximo
de seu isolamento: uma raça inteira, pessoas de todos os
estratos sociais — ricos, pobres, artistas, lojistas, empre-
sários, professores — haviam se tornado párias, pessoas
rejeitadas pela sociedade em cujo seio tinham vivido e
trabalhado. Tudo isso se destinava a isolá-las e desmora-
lizá-las como preparativo para sua deportação.
Mas deportação para onde? Por quanto tempo? As
respostas a essas perguntas se resumiam apenas a boatos
inaceitáveis nos quais ninguém ousava acreditar. Os
judeus embarcavam confusos e amedrontados nos veí-
culos de transporte sem nada levar — nenhum consolo,
pouca esperança e muito despreparados para o que havia
sido providenciado contra eles.
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É fácil demais classificar como monstros os tortu-
radores, os perpetradores de humilhações, os assassinos.
O fato é que devemos sempre nos lembrar de que, em-
bora eles fossem monstros mesmo, a sua maior parte
era de homens e mulheres comuns que tinham família
também. O que desviou esses homens e mulheres dos ca-
minhos da humanidade pode acontecer novamente e é
importante que não nos esqueçamos e que não permi-
tamos que nossos filhos se esqueçam dos horrores que tes-
temunhamos em nossas vidas. O sofrimento de milhões
nos campos de martírio de Hitler e Stálin, nas prisões da
Romênia, da África do Sul e do Chile, dos desaparecidos,
dos desesperados, dos encarcerados por motivação polí-
tica e religio sa e por arbitrariedades políticas jamais deve
ser esquecido, e não apenas por causa de seus tormentos,
mas também para evitarmos que alguém tenha permissão
de fazer essas coisas novamente. A esse propósito, permi-
tam-me citar uma passagem do Eclesiastes:
Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para
todo propósito debaixo do céu:
Há tempo de nascer, e tempo de morrer;
Tempo de matar, e tempo de curar;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de
prantear, e tempo de dançar;
Tempo de calar-se, e tempo de falar.
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Helen Lewis escolheu seu tempo de falar.
Somente os mortos conhecem a verdade integral, e
algumas das testemunhas que sobreviveram assumiram
a responsabilidade de falar por eles. A nós, cabe a tarefa
de escutar e jamais nos esquecermos do que nos tenham
dito.
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