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E o rádio novos horizontes midiáticos

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  • 1. E O RDIO? NOVOS HORIZONTES MIDITICOS

2. Chanceler Dom Dadeus Grings Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor Evilzio Teixeira Conselho Editorial Ana Maria Lisboa de Mello Elaine Turk Faria rico Joo Hammes Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jane Rita Caetano da Silveira Jernimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy Presidente Jos Antnio Poli de Figueiredo Jurandir Malerba Lauro Kopper Filho Luciano Klckner Maria Lcia Tiellet Nunes Marlia Costa Morosini Marlise Arajo dos Santos Renato Tetelbom Stein Ren Ernaini Gertz Ruth Maria Chitt Gauer EDIPUCRS Jernimo Carlos Santos Braga Diretor Jorge Campos da Costa Editor-chefe 3. Porto Alegre, 2010 Luiz Artur Ferraretto Luciano Klckner (Organizadores) E O RDIO? NOVOS HORIZONTES MIDITICOS 4. E11 E o rdio? : novos horizontes miditicos [recurso eletrnico] / org. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner. Dados eletrnicos. Porto Alegre : Edipucrs, 2010. 646 p. Modo de Acesso: World Wide Web: ISBN 978-85-7430-959-0 1. Rdio Brasil Histria. 2. Mdia Sonora. I. Ferraretto, Luiz Artur. II. Klckner, Luciano. CDD 791.440981 EDIPUCRS, 2010 CAPA Vincius Xavier DIAGRAMAO Gabriela Viale Pereira REVISO dos autores de cada artigo Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Ficha Catalogrfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informao da BC-PUCRS. EDIPUCRS Editora Universitria da PUCRS Av. Ipiranga, 6681 Prdio 33 Caixa Postal 1429 CEP 90619-900 Porto Alegre RS Brasil Fone/fax: (51) 3320 3711 e-mail: [email protected] - www.pucrs.br/edipucrs 5. SUMRIO Apresentao ......................................................................................................... 8 Doris Fagundes Haussen Sonia Virgnia Moreira Prefcio .................................................................................................................. 9 Luiz Artur Ferraretto Luciano Klckner HISTRIA Memria radiofnica a trajetria da escuta passada e presente de ouvintes idosos................................................................................................................... 11 Graziela Soares Bianchi Rdio Regional e a Cultura Miditica PRA -7 (1924 - 1963) ............................. 28 Daniela Pereira Tincani O primeiro Al! Al! numa rdio em Joinville (SC) foi pronunciado por um alemo, em 1941, quando o Brasil estava sob o domnio do Estado Novo ....................... 43 Izani Mustaf Antnio Maria: o tomba cardisplicente............................................................... 59 Moacir Barbosa de Sousa EAJ-1 Radio Barcelona nos anos de turbulncia poltica (1923 a 1935).............. 77 Antonio Adami ENSINO Radioescola Ponto Com: uma experincia extensionista..................................... 96 Wanir Campelo Metaprogramas como estratgia para o ensino de rdio e para o resgate da memria do veculo............................................................................................ 109 Thays Renata Poletto Em defesa do radioteatro: relato de uma experincia de ensino de rdio na UFSM em Frederico Westphalen RS ........................................................................ 125 Fernanda Kieling Pedrazzi A EMISSORA E O OUVINTE Contratos de leitura: narrativas do cotidiano como estratgia de captura da recepo no rdio............................................................................................... 142 Maicon Elias Kroth O jornalismo no rdio atual: o ouvinte interfere?................................................ 157 Doris Fagundes Haussen Os jovens e o consumo de mdias surge um novo ouvinte ................................ 171 Mgda Rodrigues da Cunha Como jovens jornalistas ouvem rdio................................................................. 187 Marcelo Kischinhevsky 6. Rdio informativo e ecologia da comunicao: o Jornal da CBN como cenrio de vinculao sociocultural ..................................................................................... 205 Jos Eugenio de Oliveira Menezes A voz nas peas publicitrias ............................................................................. 221 Marcos Jlio Sergl CIDADANIA, POLTICA, COMUNIDADE E EDUCAO A programao do rdio brasileiro do campo pblico: um resgate da segunda fase histrica, dos anos 40 ao incio dos 70 .............................................................. 238 Valci Regina Mousquer Zuculoto Um perfil das rdios comunitrias no Brasil ....................................................... 255 Bruno Arajo Torres Imagens em som: o som que se faz ver da radiodifuso comunitria na web ... 268 Gisele Sayeg Nunes Ferreira Rdio Educao maneiras de conjugar........................................................... 286 Adriana Gomes Ribeiro Cincia e tecnologia em rdios universitrias: as experincias de Ouro Preto e Uberlndia ......................................................................................................... 301 Marta Regina Maia Mirna Tonus RDIO, SOM E CRIATIVIDADE Audio slideshow como formato para reportagens multimdia baseadas em som318 Marcelo Freire Rodrigo Carreiro Raa, amor e paixo. Os sons dos estdios de futebol como elementos de vinculao. ......................................................................................................... 331 Rodrigo Fonseca Fernandes Para criar o site Radioforum, em busca de um rdio inventivo... ....................... 344 Mauro S Rego Costa Entreouvidos: sobre Rdio e Arte....................................................................... 354 Lilian Zaremba PUBLICIDADE RADIOFNICA Jingle: narrativa sonora ...................................................................................... 372 Roseli Trevisan Campos Memria musical publicitria: o jingle imprevisvel............................................. 389 Lgia Teresinha Mousquer Zuculoto PROGRAMAO RADIOFNICA Aproximaes aos nveis convergncia tecnolgica em comunicao: um estudo sobre o rdio hipermiditico ............................................................................... 401 Debora Cristina Lopez 7. Radiojornalismo, webjornalismo e formao profissional................................... 420 Carla Rodrigues Creso Soares Jr Rdio e internet: recursos proporcionados pela web, ao radiojornalismo .......... 432 Ana Carolina Almeida Antnio Francisco Magnoni A retoricidade de contexto do Rdio Informativo................................................ 446 Luciano Klckner Radiojornalismo e polifonia: a enunciao do mundo do trabalho no Programa Rdio Livre ......................................................................................................... 464 Nonato Lima Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante A apresentao de histrias fantsticas com a utilizao do radiojornalismo.... 479 Sandra Sueli Garcia de Sousa Radiodocumentrio: gnero em extino ou lcus privilegiado de aprendizado?...................................................................................................... 494 Snia Caldas Pessoa Rdio Nacional do Rio de Janeiro: um estudo dos gneros entretenimento e jornalstico .......................................................................................................... 506 Carina Macedo Martini O revival identitrio no humor radiofnico: mltiplas temporalidades e imaginrios regionais............................................................................................................. 522 Ricardo Pavan FUTURO DA MDIA SONORA Alteraes no modelo comunicacional radiofnico: perspectivas de contedo em um cenrio de convergncia tecnolgica e multiplicidade da oferta................... 539 Luiz Artur Ferraretto O futuro do rdio no cenrio da convergncia frente s incertezas quanto aos modelos de transmisso digital .......................................................................... 557 Nelia R. Del Bianco O rdio diante das novas tecnologias de comunicao: uma nova forma de gesto ........................................................................................................................... 577 Alvaro Bufarah Junior O uso das novas TICs pelas emissoras de rdio: uma anlise dos casos paulistanos e o referencial de Bernard Mige .................................................... 593 Daniel Gambaro A webradio e gerao digital .............................................................................. 611 Nair Prata A questo dos suportes na indstria musical: concentrao, substituio, desmaterializao .............................................................................................. 632 Eduardo Vicente 8. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 8 APRESENTAO Trabalho em parceria e em sintonia Este texto escrito a quatro mos representa bem o esprito que norteia o grupo de pesquisa Rdio e Mdia Sonora abrigado na Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao. Desde a sua formao em 1991, o grupo foi aos poucos reunindo nas vrias regies professores e investigadores dedicados a estudar, documentar e analisar a histria, a evoluo, o ensino, a recepo e a programao do rdio no Brasil. O trabalho colaborativo produziu, alm dos artigos apresentados nos encontros anuais do grupo, edies impressas com temticas variadas e, mais recentemente, edies digitais como este e-book. Em todos os casos constituram sempre exemplos de trabalho em parceria e, principalmente, em sintonia como convm a pesquisadores do meio. E o rdio? Novos horizonte miditicos, organizado pelos professores Luiz Artur Ferraretto e Luciano Klckner, mais um fruto do interesse manifesto do grupo pelos estudos sobre esse meio de comunicao fascinante. H contribuies de 11 estados, mais o Distrito Federal, que abrangem um conjunto de assuntos agrupados neste volume em oito sees temticas: a primeira sobre histria e a ltima trata do futuro, das tendncias, da gerao digital. No meio desses dois vrtices esto artigos sobre ensino, emissoras e ouvintes, criatividade sonora, publicidade e programas. So relatos de pesquisa ou textos motivados pela prpria publicao, sempre conduzidos por um ponto em comum: o entendimento da caracterstica plural do rdio. E, tambm da sua onipresena que o faz mais atual do que nunca, como atesta a sua verso na web e nos celulares. Como diz Castells (2007:395), a tecnologia de comunicao mvel tem poderosos efeitos sociais ao generalizar e aprofundar a lgica em rede que define a experincia humana do nosso tempo. Este livro comprova a peculiaridade do rdio que, democrtico na sua origem, influencia geraes de pesquisadores que contribuem para o progresso do prprio campo cientfico. Porto Alegre e Rio de Janeiro, vero de 2010. Doris Fagundes Haussen (PUCRS) e Sonia Virgnia Moreira (UERJ) 9. E o rdio? Novos horizontes miditicos 9 PREFCIO Afinal, e o Rdio? A pergunta vai e volta com frequncia. Est presente nas salas de aula das universidades, nas redaes e nos estdios das emissoras, nos escritrios de diretores, coordenadores, chefes... Ganha abrangncia e gera preocupao nestes tempos de internet, globalizao, convergncia... Afinal, e o Rdio? Para onde vai este veculo que h nove dcadas foi chegando de mansinho e ganhando os ouvintes com estardalhao maior ou menor conforme reinava absoluto ou retirava-se para um plano secundrio? A cada ano, os integrantes do Grupo de Pesquisa Rdio e Mdia Sonora da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao renem-se durante o congresso nacional da entidade, procurando, em sntese, responder a esta pergunta. So quase duas dcadas de reflexo pautada na colaborao entre professores e estudantes de todo o pas. Embora uma dezena de obras j tenha sido produzida em conjunto, esta reveste-se de carter especial: pela primeira vez, revisto a partir das observaes dos colegas, publica-se o conjunto dos textos de um destes encontros, o de 2009. Os artigos aparecem organizados em oito sees: Histria; Ensino; A emissora e o ouvinte; Cidadania, poltica, comunidade e educao; Rdio, som e criatividade; Publicidade radiofnica; Programao radiofnica; e Futuro da mdia sonora. Como o rdio, que se adapta aos tempos da internet, ganha divulgao pela rede mundial de computadores por meio deste livro eletrnico. uma forma de se ampliar ainda mais o debate. E de comear a marcar os 20 anos de atividade deste frum de pesquisadores fundado em 1991 por iniciativa das professoras Doris Fagundes Haussen e Sonia Virgnia Moreira. Luiz Artur Ferraretto e Luciano Klckner (Organizadores) 10. HISTRIA 11. E o rdio? Novos horizontes miditicos 11 Memria radiofnica a trajetria da escuta passada e presente de ouvintes idosos Graziela Soares Bianchi1 Resumo: As elaboraes contidas nesse artigo indagam a maneira como os processos de escuta do rdio foram se configurando e participando na conformao de uma memria miditica radiofnica de ouvintes hoje idosos, e constituindo assim parte de suas histrias de vida miditica. Est se refletindo sobre como a cultura miditica radiofnica se desenvolve e gera sentidos, buscando descrever e analisar tais processos de uma perspectiva dos ouvintes. Ao elaborar questionamentos referentes memria miditica, se est falando no de um simples acionamento de uma lembrana marcante, mas da marca de um forte relacionamento histrico e vital com o miditico, que possibilita aos ouvintes desenvolver a capacidade de estabelecer relaes, de realizar comparaes, de configurar competncias radiofnicas e matrizes de gosto, fazendo com que passado e presente de referncias miditicas possam dialogar. Universidade do Vale do Rio dos Sinos(UNISINOS)/RS Palavras-chave: Rdio. Memria. Idosos. Problemtica e contextualizao Como forma de situar os principais aspectos que aliceram a investigao em desenvolvimento, considera-se que a problemtica fundamental da pesquisa est relacionada aos processos existentes na constituio e explicitao da memria radiofnica de ouvintes que acompanharam o desenvolvimento dos processos radiofnicos de meados do sculo XX e que hoje so indivduos idosos, considerando as apropriaes, usos, mediaes envolvidas em toda essa trajetria. So vitais para a pesquisa, desde sua gnese, at sua concluso, os relacionamentos que emanam do entrecruzamento de questes relacionadas, 1 Doutoranda em Comunicao na Unisinos. E-mail: [email protected] 12. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 12 prioritariamente, ao rdio e aos conceitos de memria e recepo, com enfoque em um pblico que atualmente figura como uma gerao de idosos. As elaboraes contidas no trabalho se do no intuito de indagar como os processos de escuta do rdio foram se configurando e participando na conformao de uma memria miditica radiofnica de ouvintes hoje idosos, e constituindo assim parte de suas histrias de vida miditica. Est se refletindo sobre como a cultura miditica radiofnica se desenvolve e gera sentidos, buscando descrever e analisar tais processos de uma perspectiva dos ouvintes. Esse grupo especfico de ouvintes, os idosos, constitui um dos pontos principais na conformao da pesquisa. Esse fato no se d ao mero acaso, e traz consigo um elemento fundamental e intransfervel para a problemtica: os idosos so hoje em nossas sociedades os nicos indivduos capazes de fornecer elementos que nos permitam realizar reflexes e elaboraes acerca de uma memria radiofnica vivida nas ltimas dcadas. Ou seja, se a pesquisa se prope a investigar a memria radiofnica a partir dos ouvintes, so os idosos que detm essa memria. Ao elaborar questionamentos referentes memria miditica, se est falando no de um simples acionamento de uma lembrana marcante, mas da marca de um forte relacionamento histrico e vital com o miditico, que possibilita aos ouvintes desenvolver a capacidade de estabelecer relaes, de realizar comparaes, de configurar competncias radiofnicas e matrizes de gosto, fazendo com que passado e presente de referncias miditicas possam dialogar. o desenvolvimento da histria de vida radiofnica de cada um desses indivduos, e que tem o seu valor tambm como histria miditica, pois vivenciada pelos ouvintes, est inscrita em suas memrias, parte de toda uma experincia vivida com o miditico. a partir de abordagens dessa natureza que o trabalho em desenvolvimento busca se articular, com o intuito de compreender e analisar como os processos de midiatizao radiofnica, a partir de meados da dcada de 30 do sculo XX, foram percebidos, compreendidos, significados, utilizados, relacionados por ouvintes que hoje so considerados idosos, a partir da sua inscrio na memria radiofnica desses indivduos. Com base nessa abordagem principal possvel relacionar uma srie de aspectos que esto presentes nesse 13. E o rdio? Novos horizontes miditicos 13 contexto, e que de certa maneira, se apresentam interligados, como a presena de relaes entre as matrizes radiofnicas relacionadas a programaes de rdio de dcadas passadas e as vigentes na atualidade. So pelo menos duas vertentes bastante ntidas, operando como pontos- chave na investigao: a perspectiva, posio, situao, lugar que ocupa o receptor nesse processo comunicacional radiofnico, por uma parte, e o constante processo de midiatizao que atravessa a existncia dos indivduos, e nesse trabalho em particular, visto na perspectiva do rdio. Importante salientar uma vez mais que os processos radiofnicos interessam pesquisa, em primeiro lugar, do ponto de vista do receptor, ou seja, o rdio e suas configuraes refletidos e representados no mbito da memria miditica que os ouvintes constroem nos processos de recepo radiofnica. Assim, os direcionamentos so dados no sentido de identificar e sistematizar as apropriaes, usos, recusas dos ouvintes realizados a partir da inscrio na memria miditica e tambm pela escuta de programaes veiculadas atualmente, buscando perceber as semelhanas, distines que podem ser expressas e evidenciadas na escuta radiofnica desses ouvintes. De um ponto de vista miditico, busca-se tambm realizar aes de identificao e contextualizao dos principais gneros e formatos radiofnicos do passado e presente, buscando estabelecer suas possveis relaes. Desta maneira, tambm se objetiva compreender como os processos de midiatizao do rdio foram se desenvolvendo, relacionando as referncias construdas na trajetria miditica dos ouvintes. Ainda no vis miditico, a observao e sistematizao das principais matrizes, gneros, formatos, protagonistas radiofnicos como importantes subsdios para se compreender configuraes que se relacionem com a construo da memria miditica a partir da escuta radiofnica. Perspectivas adotadas pela pesquisa Em meio a uma profuso de aspectos relevantes, pertinentes e fortemente justificveis de um ponto de vista miditico, o foco de interesse do campo de estudos ao qual me encontro inserida e vinculada como pesquisadora, sinto que h sentido em alargar, mesmo que momentaneamente, os horizontes para 14. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 14 perceber importantes elementos constitutivos do processo de realizao de uma investigao cientfica. Esse horizonte ampliado, na minha percepo, est fortemente relacionado a um modo de entender o fazer cientfico, de conceber e trabalhar com as prticas envolvidas no processo de construo dessa modalidade de conhecimento. E, partindo desse ponto de vista, existem concepes presentes que, de maneira fundamental, validam ou mesmo amparam essas perspectivas. Jess Martn- Barbero2 , ao realizar uma espcie de re-visita aos caminhos por ele trilhados na sua trajetria como investigador, explicita o seu entendimento acerca de questes envolvidas na maneira como percebe e conduz o seu ofcio. nesse sentido ento que, somente nas prprias palavras do autor, possvel perceber o grau de intensidade e de verdade contidos na suas vivncias de pesquisa: La reaccin vino de la voz escandalizada de un participante que enfaticamente me pregunt:Si todos los otros conferencistas estn hablando del poder de los medios que hoy constituye la tecnologia, ? que hace usted hablndonos de brujas y anarquistas? ? Me quiere explicar de dnde y a qu viene esa obsesin suya con lo popular? Mi respuesta impensada y que me ha dado mucho que pensar despus fue esta: Quizs lo que estoy haciendo, cuando en la investigacin valoro tan intensamente lo popular, es rendir un secreto homenaje a mi madre. El largo silencio que segui a mi respuesta me hizo caer em la cuenta de lo que de profunda sorpresa haba en ella para m mismo. Y a tematizar las razones y los motivos de la relacin entre la desubicacin, que mi posicin terica me acarreaba, y la sorpresa que yo mismo me acababa de llevar, dediqu De los medios a las mediaciones. Largo y difcil trecho pero secretamente iluminado (benjaminianamente) por aquel dicho de Gramsci: solo investigamos de verdad lo que nos afecta, y afectar viene de afecto. (MARTN-BARBERO, 2002, p.22). Talvez no tenha encontrado at o momento palavras mais elucidativas e justas para expressar um ponto de vista do qual compartilho intensa e incondicionalmente. Uma perspectiva que enxerga os problemas/objetos para alm de um recorte cientfico/pragmtico, mesmo que reconhea e trabalhe de maneira detida e responsvel, respeitando, reconhecendo e considerando todo o valor que carregam consigo. De todas as formas, reflito aqui acerca de tais 2 Essas reflexes esto contidas na introduo da obra Ofcio de Cartgrafo travesas latinoamericanas de la comunicacin en la cultura. 15. E o rdio? Novos horizontes miditicos 15 questes porque as vejo como partes constituintes da maneira como percebo a investigao cientfica e que, de diferentes formas e intensidades, me afetam, como pesquisadora e como ser humano. Estudar ento configuraes miditicas que presentificam aspectos de uma memria radiofnica construda com o passar dos anos buscar refletir sobre o que foi vivido, mas no uma vivncia guardada no passado, e sim a experincia que ainda hoje est presente, pois configura a trajetria do indivduo com as mdias. Essa a perspectiva que busca compreender as configuraes do relacionamento com o rdio a partir da experincia expressa por seus ouvintes no que diz respeito a uma trajetria de escuta construda e que constri, com o passar dos anos, memrias radiofnicas que carregam todo um repertrio de usos, competncias e gostos criados e mobilizados. Na perspectiva da atualidade, do que experenciamos hoje, pode-se dizer que cultura miditica (MATA, 1991) cada vez mais presente nas diferentes sociedades. tambm o reflexo de uma centralidade que os meios foram adquirindo no cotidiano dos indivduos. Pode se dizer que de certa maneira, essa prtica est sendo cada vez mais naturalizada. Nesse sentido que as sociedades so interpeladas a realizarem novos arranjos que deem conta da complexidade que esses formatos impem. A cultura miditica prope un nuevo modo en el diseo de las interacciones, una nueva forma de estrutucturacin de las prticas sociales, marcada por la existencia de los medios (MATA, 1991). E no interior desses arranjos, uma profuso de relaes possveis no mbito dessa cultura, onde o rdio figura como o meio de comunicao que acionou o carter verdadeiramente massivo dos meios de comunicao. A escolha do rdio como o meio de comunicao a ser investigado se d tambm pelo carter popular que traz em si; muito provvel que mesmo em uma residncia de poder aquisitivo muito baixo seja encontrado um aparelho radiofnico. E a questo relacionada ao popular importante na medida em que se reconhece a riqueza e a multiplicidade que sua constituio abarca. Alm disso, a escuta radiofnica um hbito que acaba passando de gerao a gerao; transforma-se, mas em grande parte das vezes, persiste. E justamente o reconhecimento da existncia dessa persistncia, que toma lugar na escuta, e 16. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 16 que em perspectiva de trajetria transformada em habitus de consumo, em usos, sentidos, significaes que a investigao busca compreender. nesse contexto que esta investigao est situada, considerando especialmente as relaes existentes entre o rdio e seus pblicos, buscando compreender as maneiras como se do as manifestaes, apropriaes, usos, recusas, entre outros, com relao oferta miditica radiofnica, por parte dos ouvintes, buscando tambm subsdios para tentar relacionar os modos como se apresentam as configuraes entre a escuta passada e presente e as significaes geradas por indivduos idosos. Dados preliminares Entre os dados obtidos at o momento pela pesquisa, talvez o primeiro ponto a ser destacado o que diz respeito verificao da existncia de uma trajetria de escuta que pudesse ser identificada e tambm expressa. O que se pode dizer, em um primeiro momento, aps um olhar panormico sobre os dados advindos da etapa exploratria da investigao, a multiplicidade de configuraes que, atravs de cada trajetria particularmente construda com o rdio, se percebe a construo de memrias radiofnicas. Existe uma srie de convergncias que encaminham para marcas coletivas de constituio destas memrias. Mas a maneira como se d essa articulao entre o individual, o particular, com o geral, o socialmente articulado, tem se apresentado fascinante. Cabe mais uma vez ressaltar a composio do grupo de indivduos que fizeram parte dessa etapa do trabalho. So pessoas que foram entrevistadas basicamente em dois locais3 O desenho do instrumento para captar as manifestaes acerca dos questionamentos sobre a escuta radiofnica foi realizado de forma que as questes propostas partissem da escuta presente. Sendo assim, foi pensado que, mobilizando as referncias mais prximas, seria mais produtivo obter as informaes sobre um cotidiano de escuta vivenciado na atualidade, bem como ser esta uma possibilidade de entrada para abordar questes sobre a escuta passada. Essa estratgia revelou-se eficaz na medida em que foi possvel realizar de Porto Alegre e que esto na faixa etria acima dos 65 anos. 3 Na Federao dos Aposentados e nas atividades esportivas do Ginsio Tesourinha. 17. E o rdio? Novos horizontes miditicos 17 essa ponte entre o passado e o presente, partindo de referncias da escuta atual. Nesse sentido, so de grande valia as formulaes desenvolvidas por Maurice Halbwachs, Beatriz Sarlo, Paul Ricoeur, que ressaltam que o passado sempre uma construo realizada e mobilizada a partir do presente. Nessas construes da escuta cotidiana presente, expressam-se diferentes modos de se relacionar com o rdio, diferentes gostos construdos, diferentes inseres da escuta no dia-a-dia. Expresses particulares que, como j foi mencionado, participam na conformao de uma cultura radiofnica da recepo. No entanto, existem marcadamente pontos observveis onde possvel identificar fortes convergncias no que se refere a formas de consumo, relaes estabelecidas com a escuta, o papel atribudo ao rdio no cotidiano. o caso de uma preferncia muito forte e marcada no que diz respeito s emissoras de Amplitude Modulada (AM). Em uma poca como a que estamos vivenciando, onde as mudanas ocorrem com muita rapidez e de maneira praticamente constante, pode-se dizer que o rdio no est parte desse processo. Esto em curso mudanas de carter tecnolgico4 e tambm estrutural que dinamizam discusses sobre o meio e oferecem outras possibilidades, outros arranjos possveis. E nesse cenrio est o grupo de ouvintes, idosos, que participam dessa investigao, e que revelam uma preferncia muito marcada com relao ao rdio AM. H tambm a presena de escuta de emissoras em Frequncia Modulada (FM), mas ela bastante inferior na comparao com a AM. Dos entrevistados, houve apenas um caso de escuta exclusiva da FM. J a escuta de emissoras AM aparece no relato de pelo menos 70% dos entrevistados5 E, no interior dessa escuta que tem a AM como principal referncia, encontram-se algumas emissoras que aparecem com destaque. Entre elas esto . Fica ento essa importante marca a ser aprofundada nas prximas etapas da investigao, acerca dessa forte presena da escuta de emissoras AM. 4 Refiro-me aqui implantao do rdio digital no Brasil. 5 Essa escuta pode ser uma mescla entre emissoras AM e FM, ou exclusivamente AM. Os nmeros que esto sendo referendados nessa anlise esto relacionados ao universo de 19 entrevistados da etapa exploratria. 18. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 18 Farroupilha, Gacha, Guaba6 e Caiara7 . So preferncias que esto vinculadas aos gneros que essas rdios ofertam, em alguns casos aos seus apresentadores/comunicadores, mas que so tambm indicativos a serem fortemente explorados pela investigao. E dessas indicaes, alguns pontos j podem ser analisados, mesmo que ainda preliminarmente. o caso do gnero musical. muito interessante a participao que a msica tem no cotidiano dos entrevistados. So praticamente 80% dos ouvintes que tm a preferncia pela programao musical8 As referncias feitas msica esto relacionadas aos estilos e preferncia dos ouvintes, no mbito dos gneros musicais. Vinculam a msica tambm a um outro aspecto que est muito presente nas referncias estabelecidas, onde o rdio, com um destaque especial para a msica, exerce pelo menos dois papis: o de preencher o ambiente, ou seja, o som como uma presena, como um elemento de quase corporificado; e outra a msica como distrao, como a possibilidade de abstrair, de desvincular, mesmo que momentaneamente, da realidade, representando tambm uma oportunidade de relaxamento. Com a no seu repertrio de escuta. Nesse sentido, ela se apresenta como um gnero mais apreciado do que um outro, que historicamente possui grande fora e importncia no rdio, que o noticioso ou informativo. Para esse, a preferncia de 58% dos entrevistados, deixando ainda para trs o esportivo, que tambm representa uma marca da programao radiofnica, com 16%. So apreciaes que ainda carecem de maiores subsdios, que precisam ser confrontadas com outros dados que ainda esto sendo obtidos. Nessa amostra, existe uma porcentagem grande de mulheres, mas nem por isso possvel estabelecer relaes simplistas como, mulheres gostam de msica e homens gostam de esporte porque isso no necessariamente representa a realidade. Tanto que na composio dos que buscam esporte no rdio esto mulheres, e o gosto pelo musical fortemente compartilhado tambm pelos homens da amostra. 6 Cabe aqui um destaque relacionado Rdio Guaba. Das citaes que relatam a escutam de FM, que totalizam pouco mais de 26%, a Guaba FM a mais citada. 7 Essas so as emissoras que mais aparecem, mas ainda foram citadas, com menos referncias, Pampa, Bandeirantes e Rdio da UFRGS, todas AM. 8 Em alguns casos a msica aparece como preferncia nica, mas essa a minoria das ocorrncias. Na maior parte das vezes ela vem acompanhada por outros gneros tambm, como o informativo, o esportivo, etc. 19. E o rdio? Novos horizontes miditicos 19 msica essas caractersticas parecem ficar mais evidentes, mas elas marcam presena nas construes acerca da escuta de rdio como um todo. Fica ento o registro dessa forte marca que precisa ser investigada a fundo para que melhor se compreendam seus sentidos e vinculaes. Como foi exemplificado, a informao, o carter noticioso que o rdio tambm mobiliza foi um componente ressaltado pelos entrevistados. Nesse primeiro momento, diria que esse dado aponta para uma forte caracterstica que se estende pelo tecido social. A informao se converteu e ganha cada vez mais importncia como um bem simblico imprescindvel nos tempos atuais. Ter acesso a um nmero cada vez maior de informaes, preferencialmente no menor espao de tempo possvel, transformou-se hoje em uma necessidade, a qual o pblico entrevistado tambm demonstra compartilhar. Alia-se ento uma caracterstica de gosto pelo meio de comunicao, que permanece com o passar do tempo, a uma necessidade mais contempornea, que a da constante atualizao. Alm disso, vincula-se a essa relao um outro elemento caracterstico da informao radiofnica e bastante apreciado por grande parte dos ouvintes entrevistados: a constante divulgao de dados sobre o tempo/temperatura e a hora. Para os ouvintes, essas so caractersticas imprescindveis, no pensam o rdio sem elas. A construo que transforma a escuta de tempo/temperatura e hora em um habitus incondicional representa uma marca da produo de rdio e um elemento de forte identificao com o ouvinte. Acerca dos gneros referendados na escuta presente, certamente o destaque para msica e notcias. O esporte, como foi citado, um elemento que ainda precisa ser melhor testado, pois reconhecidamente um gnero tradicional do rdio. No necessariamente s por isso uma forte escuta deveria lhe ser atribuda, mas uma questo que precisa ser trabalhada. Com pequena presena apareceram gneros relacionados ao religioso (catlico) e tambm alguma referncia a programas em que h um protagonismo marcante do apresentador. E com relao a isso, tambm chama a ateno o fato da pequena presena de citaes relacionadas a esse tipo de programa, uma vez que se tm referncias de que seriam bem aceitos pela audincia. Talvez um outro perfil de pblico. Tambm um elemento que necessita ser ainda abordado. 20. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 20 A partir das referncias estabelecidas no que se refere escuta presente, ao cotidiano de escuta radiofnica, passou-se a indagar sobre as lembranas relacionadas escuta passada. Nesses relatos ento a presena do rdio desde muito cedo na vida dessas pessoas, geralmente desde a infncia. nesse perodo ento que comeam a ser delineados os gostos, os habitus e as competncias relacionadas ao rdio. Esses movimentos de resgate geralmente so marcados por recomposies de cenrios, recordaes de pocas, de pessoas, de momentos vividos e trazem consigo o radiofnico. E nesse movimento de rememorar, tambm so diversas as formas com que se apresentam. Para alguns, as lembranas se montam quase que instantaneamente, gerando at mesmo expresses como lembro como se fosse hoje. Para outros, as lembranas precisam ser estimuladas, precisam de um incentivo, precisam de mais referncias. Existem outros ainda que j no lembram mais, cada um por suas razes. O que se revela como um ponto quase unnime nas elaboraes que passam a ser feitas sobre o rdio de outros tempos, est relacionado as grandes mudanas pelas quais o veculo passou, transformando-se muito e chegando a ser o que hoje. So mudanas apontadas no que se refere as programaes, aos gneros, os protagonistas, enfim, transformaes muito intensas e que foram percebidas e apontadas por seus ouvintes. Mudanas que para alguns representaram melhorias, mas que na maior parte das opinies so vistas como tendo gerado tambm perdas, e perdas expressivas. Nesse sentido que muitos expressam sentir saudades daqueles tempos do rdio. E essa nostalgia no se vincula s as mudanas pela qual alguns gneros passaram, transformando-se. Mas especialmente por outros que hoje no existem mais, como o caso dos programas de auditrio e dos programas humorsticos9 9 Atualmente existe uma profuso de programas humorsticos, especialmente em emissoras FM de Porto Alegre. Entretanto, um estilo de humor muito diferente daquele a que os entrevistados se referem. Seria preciso uma comparao mais sistemtica entre essas duas formulaes de humor, e especialmente uma confrontao com esses ouvintes, j que eles disseram no terem tanto conhecimento sobre esse novo humor, uma vez que no so pblico de emissoras FM. . Em alguns relatos h uma 21. E o rdio? Novos horizontes miditicos 21 riqueza de detalhes10 Um outro gnero muito relacionado com relao a esse gnero. Foram produtos que marcaram e foram registrados na memria radiofnica. 11 acerca do rdio no passado o das radionovelas. H um saudosismo evidente relacionado a esse tipo de programa que no existe mais no rdio. Com a extino das radionovelas, alguns migraram para as telenovelas. Nem todos, pois nas produes para a televiso no encontram o componente do imaginrio que tanto era trabalhado e mobilizado pelas radionovelas. Foi certamente um gnero marcante e muito presente na trajetria de escuta desses ouvintes. E aparecem ainda as referncias relacionadas aos programas de auditrio, outro marco nas lembranas radiofnicas dos entrevistados. Nesse caso, aparecem diversos relatos entusiasmados12 E estabelecendo uma relao muito forte com o que foi relacionado na escuta presente, a msica tambm tinha um lugar muito importante na audincia daquela poca. Os gneros musicais elencados eram variados, e muitos ressaltam que esse gosto permanece at os dias atuais. Nesse perodo, lembram que tinham a chance de assistir os artistas ao vivo, em ocasies como os programas de auditrio. O que pode se perceber ento que esse gosto pela escuta da msica no rdio permaneceu. um gosto que certamente composto por uma srie de marcas que permaneceram, ao mesmo tempo que negocia com as modificaes que se desenvolveram no tempo. e tambm saudosos de tais vivncias. Alguns relatam como o fato de participar, assistir ao vivo esses programas era um importante evento no cotidiano. Havia toda uma preparao, grupos eram reunidos, existia sempre muita expectativa em torno dessas vivncias. No que se refere s emissoras mais citadas com relao escuta passada, esto Farroupilha, Gacha e Guaba. Em escala bem menor aparecem emissoras do interior do estado, sendo que uma parte dos entrevistados migra para Porto Alegre na idade adulta, e algumas citaes relacionadas s grandes emissoras do 10 Uma das referncias recorrentes diz respeito ao programa O Grande Rodeio Coringa, programa de auditrio que apresentava quadros de humor e era realizado pela rdio Farroupilha. 11 Dos entrevistados, so 47% que fazem referncia as telenovelas como um gnero apreciado na escuta passada. 12 Entre os programas de auditrio mais lembrados est o Clube do Guri, que era conduzido por Ari Rego e tambm realizado pela rdio Farroupilha. H referncias sobre a estreia de Elis Regina neste programa. Um dos entrevistados conta orgulhoso que viu apresentaes da cantora. 22. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 22 centro do Pas, como a Rdio Nacional do Rio de Janeiro e a Rdio Tupi, de So Paulo. Com relao s emissoras de Porto Alegre, h o reconhecimento por parte dos entrevistados das mudanas pelas quais elas passaram ao longo do tempo. Citam, por exemplo, a Rdio Farroupilha, que realizava os programas de auditrio, radionovelas e que hoje, mesmo conservando o nome, uma outra emissora. Em todas essas exposies acerca da trajetria radiofnica possvel identificar a realizao de vinculaes, comparaes acerca dos estilos, dos gneros, da maneira como os programas eram produzidos, as mudanas observadas, o que permanece, o que se distingue. Ou seja, a convivncia cotidiana, com sentidos to fortemente marcados na relao com o rdio, capacita os indivduos a tecerem percepes e tambm anlises sobre o desenvolvimento do rdio, desde a sua perspectiva, a do ouvinte. possvel observar claramente que houveram importantes modificaes nos habitus de escuta dessas pessoas, e isso, pelo menos nesse momento, se mostra a partir de duas vertentes. A primeira delas est diretamente relacionada as modificaes pela qual o rdio atravessou. Nesse sentido, possvel claramente observar as relaes que os processos miditicos instauram. So mudanas implementadas na esfera da produo que encontram uma correspondncia, de acordo com suas lgicas prprias, no mbito da recepo. A segunda vertente mencionada tem relao com as mudanas operadas na vida particular de cada um desses indivduos. No entanto, novamente h nesse aspecto dimenses de carter individual e coletivo. E, coletivamente, possvel dizer que essas pessoas esto vivenciando uma mesma fase de suas vidas, cada qual em sua trajetria, mas todos experimentam o fato de se tornaram ou estarem em vias de ser idosos. Para alguns, essa circunstncia pode ter modificado aspectos estruturais da vida, como o trabalho, implicaes na organizao do cotidiano, etc, sem, no entanto, representar mudanas drsticas. Para outros, essa fase da vida est marcada por desestruturaes completas, pela necessidade de organizar formas de convivncia completamente distintas. So os casos em que se explicitam relatos da vida com os filhos, com netos, da mudana de uma vida centrada em seus gostos e habitus para ter que negociar com outros. Tais movimentos acontecem especialmente em funo de questes de ordem econmica, sendo que ou os 23. E o rdio? Novos horizontes miditicos 23 filhos e netos buscam amparo na moradia desses indivduos, ou ento so eles que precisam o amparo econmico dos familiares. Esses movimentos interessam porque latente o quanto eles promoveram mudanas nas rotinas de escuta radiofnica. Para aqueles que modificaram a sua estrutura de vida, tendo que conviver com outras pessoas, outros gostos, outros costumes, a escuta de rdio tambm precisa ser negociada. H que se cuidar para no fazer barulho, os netos j no gostam dos estilos musicais de sua preferncia, o som dos filhos ou netos interfere na escuta do seu programa de preferncia. Ou seja, importantes transformaes que precisam ser muito bem observadas e analisadas. De todas as formas, mesmo os que experenciam essas adversidades, que implicam tambm no relacionamento com o rdio, fazem questo, de uma maneira ou outra, perpetuar o hbito da escuta. Tambm importante ressaltar que a composio dessa amostra que integra a etapa exploratria foi construda no sentido de privilegiar a diversidade de indivduos no que se relaciona, em primeiro lugar, escuta radiofnica, ao gnero, escolaridade, classe social. O trabalho foi realizado privilegiando os aspectos de relao com o rdio, no entanto, esses outros itens tambm foram considerados. No que se refere escolaridade, observado um fenmeno que ultrapassa outras dimenses, at mesmo como classe social. A grande maioria desses indivduos teve como formao escolar somente o ensino fundamental, completo ou incompleto. Nos que se observa uma classe social mais elevada, chegaram ao ensino mdio, e s uma minoria cursou o ensino superior. Talvez seja possvel nesse momento, em um carter preliminar, dizer que essa relao de pouca escolaridade e gosto pelo rdio tenham alguma vinculao. No sentido que o rdio mobiliza a oralidade, uma forte marca de nossas culturas populares. Sendo assim, a escuta radiofnica poderia estar operando tambm como um possvel espao de reconhecimento e at o lugar onde se busca suprir demandas que a escolaridade formal no atendeu. uma possibilidade que precisa ser considerada. Tambm houve uma preocupao em relacionar indivduos com diferentes idades, mesmo que todos includos em uma faixa etria superior aos 65 anos. Isso porque diferentes idades representam tambm diferentes histrias individuais e diferentes vivncias. No interessa em nenhum momento a essa investigao 24. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 24 considerar idoso como uma classificao homognea. Essa gerao marca um tempo especfico de consumo radiofnico, que repleto de distintas nuances que precisam ser consideradas. Com relao s atividades a que se dedicam no seu cotidiano, h uma diversidade bastante grande. H aqueles que ainda exercem alguma atividade profissional, os que realizam as tarefas domsticas, os que praticam esportes, os que se dedicam a trabalhos voluntrios, os que cuidam dos netos, enfim, nesse aspecto se observam muitas formas de organizar e desenvolver o seu dia-a-dia. Entender essas relaes tambm relevante na medida em que nesses arranjos cotidianos que a escuta presente estar inserida. E alm disso, tambm importante entender como a vida era organizada em outras fases para que se possa compreender que papel o rdio desempenhava em outros momentos e acompanhar tambm as suas transformaes nessa trajetria. Tudo isso para que se possa realmente compreender e analisar usos, habitus e lgicas de consumo radiofnico e vincul-los na formao de conformao das memrias radiofnicas. O que se objetiva ento realizar um trabalho que possa tambm representar uma contribuio aos estudos realizados no mbito do campo da comunicao, especialmente no que diz respeito relao do rdio e seus pblicos. E de uma forma ainda mais detida, seria possvel dizer que o trabalho que a investigao se empenha em desenvolver, nessa busca em compreender elementos que esto relacionados trajetria dos ouvintes com o rdio, promovendo dessa maneira uma articulao entre escuta passada e presente, um esforo que se caracteriza por ser tanto rduo quanto relevante. Especialmente se for considerado o fato de que essa trajetria que se busca compreender, onde so relacionados ouvintes que acompanharam o desenvolvimento do rdio desde o comeo de sua popularizao, em meados da dcada de 1930 e 1940 do sculo passado, s poder ser descrita e analisada na atualidade, nesses prximos anos. Essas memrias radiofnicas que emergem a partir da histria desses ouvintes com o rdio no sero mais possveis de serem acessadas daqui a alguns anos, pois os protagonistas dessa histria, esses ouvintes, no estaro mais aqui para relat-la. 25. E o rdio? Novos horizontes miditicos 25 Dessa maneira, o direcionamento dado nessa investigao um trabalho realizado no tempo presente, que a partir dele tambm olha para o passado, com a preocupao de ofertar tais registros para o futuro, onde poder auxiliar na compreenso de outros processos, com outros protagonistas e suas memrias miditicas e miditizadas. Referncias BACHELARD, G. Devaneio e rdio. In: Teorias do rdio textos e contextos, v.1. 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Este artigo, em seu tema geral, tem por proposta fazer o resgate da memria miditica; como assunto especfico, relata uma parte da histria da primeira emissora do interior do pas2 Optou-se pelo perodo compreendido entre os anos de 1924 e 1963, por abranger as primeiras incurses da emissora (1924 a 1934) e retratar a poca de maior evidncia e expanso da PRA-7 (1945 1963), que culminou com sua venda para a Cruzada Evanglica, ligada Igreja Protestante Norte-Americana. , a PRA-7 Rdio Club de Ribeiro Preto. Sero mostrados entre outros pontos, o aspecto de pioneirismo da emissora ribeiropretana e a influncia cultural que ela exerceu na cidade durante os anos de 1924 a 1963. Para tecer este artigo, que um estudo de caso em mbito local, como fontes de pesquisa usou-se, principalmente, peridicos e documentos da poca. 1 Mestre em Comunicao Miditica pela Universidade Paulista, Graduada em Publicidade e Propaganda PUC Campinas. Professora e coordenadora do curso de Comunicao Social com Habilitao em Publicidade e Propaganda das Faculdades COC Ribeiro Preto. E-mail: [email protected]. 2 Antes da PRA-7, as emissoras licenciadas pelo Ministrio da Viao encontravam-se nas principais capitais do Brasil. 29. E o rdio? Novos horizontes miditicos 29 Foram tambm realizadas entrevistas3 Em relao construo terica, que aborda a cultura, foi desenvolvido por meio da sistematizao de documentos, apoiados conceitualmente nos autores: Lcia Santaella, Nelson Werneck Sodr, Srgio Caparelli, Martn-Barbero, entre outros. com pessoas que trabalharam na emissora e com memorialistas da cidade, alm de serem consultadas obras produzidas por historiadores. A construo do artigo importante, pois possibilita identificar as relaes entre os meios de comunicao, mais especificamente o rdio e a cultura de determinada regio, no caso deste trabalho, a cidade de Ribeiro Preto. A pesquisa bibliogrfica auxiliou na construo do trabalho em trs pontos: Aspectos metodolgicos do trabalho, como: coleta e anlise do material, editorao e documentao da pesquisa. Histria de Ribeiro Preto, para a construo do contexto social, econmico, cultural e poltico da cidade. Fundamentao terica sobre as caractersticas da mdia local/regional, cultura popular e cultura regional. A anlise terica permite que o trabalho de investigao seja levado a efeito e acredita-se que esta pesquisa fornecer bons subsdios para o reconhecimento da importncia do meio rdio e do resgate da memria local. Contexto econmico e poltico Desde o final do sculo XIX, a cidade de Ribeiro Preto desenvolvia-se econmica e politicamente em funo do solo frtil propcio para cultivo de caf, especiaria apreciada pelos brasileiros e, tambm, bastante aceita no exterior, devido s suas propriedades estimulantes. Nesse cenrio favorvel, a cidade participava ativamente da vida poltica brasileira, elegeu presidentes e deputados partidrios do protecionismo do caf. 3 Alm da das entrevistas realizadas pela pesquisadora, recorreu-se a um projeto em vdeo coordenado por Cristina Emboaba que trs outras entrevistas importantes para este estudo. O nome do projeto Memria Oral e pode ser encontrado no Museu de Imagem e Som de Ribeiro Preto. 30. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 30 O caf tambm proporcionou a vinda de transumantes e imigrantes para a cidade, o que levou grande diversidade social e cultural, e tornou a cidade cosmopolita. Apesar de Ribeiro Preto sobreviver do cultivo do campo, a cidade era bastante urbanizada e procurava reproduzir a vida cultural de So Paulo, Rio de Janeiro e Paris. Era comum que peas teatrais estrangeiras realizassem espetculos no Rio de Janeiro, ento capital federal, So Paulo e Ribeiro Preto. Em Paris, Ribeiro Preto era conhecida por meio do caf que a Frana importava e por causa dos seus cabars. Nos cafs cantantes parisienses, havia cartazes que anunciavam a agitada vida noturna de Ribeiro Preto, como descrito por Prisco da Cruz Prates. O Teatro Carlos Gomes apresentava luxuosos espetculos teatrais como a Companhia Clara Della Guardi, Companhia Nacional de Revistas e Operetas, Companhia Arruda e Maresca Weiss e artistas como: Alberto Novelli astro do cinema italiano, Augustin Barrios violonista paraguaio, Eduardo das Neves cantor e violonista portugus, entre outros. Cassoulet ia at So Paulo e Rio de Janeiro e contratava estas companhias teatrais para apresentarem-se em Ribeiro Preto. Alm das peas teatrais trazia conferencistas estrangeiros que estivessem de passagem pelo Brasil. (PRATES, 1975, 25p) O cosmopolita ambiente urbano de Ribeiro Preto fez surgir uma elite preocupada em acompanhar as inovaes tecnolgicas que aconteciam no pas e no exterior. Foi ento que comerciantes e cafeicultores instalaram uma estao de 5 watts de potncia e fundaram o Rdio Club de Ribeiro Preto (PRA-7), o primeiro do interior do pas, conforme registros como no Jornal A Cidade de 1924. Realizou-se na Quarta-feira ltima, no palcio do sr. cel. Francisco Maximiniano Junqueira, uma reunio de elementos de destaque da nossa melhor sociedade, cujo fim primordial a fundao nesta cidade de uma sociedade, destinada a pugnar pelo progresso da radiotelephonia em toda esta zona do interior do estado. Compareceram cerca de cinquenta pessoas reunio dentre as quaes varios capitalistas e agricultores, tendo ficado resolvida a instalao de uma poderosa estao transmissora nesta cidade, com capacidade de 5 watts, e cujo alcance de kilometros (sic), dever ser de 2.000 aproximadamente, isto , capaz de atingir a maior parte do territrio brasileiro. (A Cidade, 1924) 31. E o rdio? Novos horizontes miditicos 31 Assim como em outras cidades, as irradiaes da PRA-7, eram voltadas para a classe mais rica da cidade, a nica com poder aquisitivo e interesse para ter um aparelho receptor. Em meio ao desenvolvimento da emissora, aconteceu a crise de 1929, que abalou o poder econmico e poltico da cidade; porm graas ao investimento pessoal de um comerciante local, Jos Cludio Louzada, a PRA-7 sobreviveu, evoluiu e tornou-se pioneira em diversos aspectos como ser reportado na prxima parte deste artigo. PRA-7: uma emissora pioneira Em Ribeiro Preto, os coronis da poltica e agricultores da cidade reuniram-se em 23 de dezembro de 1924 e fundaram o Rdio Club de Ribeiro Preto, cuja diretoria era composta por Adalberto Henrique de Oliveira Roxo (presidente) Jos de Paiva Roxo (secretrio) e Dr. lvaro Cayres Pinto (tesoureiro). A inteno inicial do grupo era instalar na cidade uma estao transmissora de 5 watts. E quando apenas trs capitais brasileiras, das mais adiantadas usufruam das vantagens (sic) de mais essa conquista do sculo eis que Ribeiro Preto passando a frente do resto do Brasil tambm se incorpora era radiofnica com seu Rdio Clube de Ribeiro Preto PRA-I A Estao do Corao de So Paulo! (SILVEIRA, 1979) O primeiro prefixo da emissora foi SQA-K e depois, para atender aos requisitos do Ministrio da Viao passou a ser PRA-I, pois na Conveno Internacional de Rdio, em 1923 o Brasil recebeu o prefixo PRA e compelia ao Ministrio da Viao dar a cada emissora local a ltima letra do prefixo como identificao da rdio. A princpio, as identificaes eram feitas por letras; a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro era a PRA-A. Foi, ento, que a Rdio Club de Ribeiro Preto recebeu o prefixo I o que remete nona letra do alfabeto e, portanto, a nona a ser fundada. No entanto, segundo Cione (1992) as emissoras que teriam as letras F, G e H tiveram seus requerimentos indeferidos pelo Ministrio da Viao o que torna a PRA-7 a sexta emissora do Brasil e primeira do interior. 32. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 32 Sampaio (2004), por sua vez, afirma que a PRA-7 foi a stima emissora do pas como descrito no trecho a seguir de seu livro Histria do Rdio e da Televiso no Brasil [...] Assim comeava a surgir a Rdio Clube de Ribeiro Preto PRA-7, a stima emissora de rdio do Brasil e a primeira do interior paulista (SAMPAIO 2004). Maranho (1998) tambm concorda com Sampaio: H um reconhecimento tcito a respeito da condio de 1 emissora instalada no interior do pas, atribuda RDIO CLUBE RIBEIRO PRETO. Ela foi fundada em 23 de dezembro de 1924, o que a coloca no 7 lugar entre os prefixos nacionais, fato registrado pela ASSOCIAO DAS EMISSORAS DE SO PAULO AESP, no nmero de abril de 1983 em seu jornal. No por acaso que seu prefixo PRA-7 (MARANHO 1998). No mesmo boletim da AESP, de abril de 1983, o pioneiro Enas Machado de Assis confirma Ribeiro Preto como a 7 do Brasil. (MARANHO 1998). O pesquisador Santiago (2004) considera a emissora a sexta do pas com base em uma relao das emissoras brasileiras de radiodifuso publicada na Revista Carioca em 1936. A PRA-7 Radio Club de Ribeiro Preto, a primeira emissora a operar no interior brasileiro, destaca-se como a sexta do pas na relao de prefixos concedidos pelo governo federal, conforme a Relao das Estaes Brasileiras de Radiodiffuso publicada pela Revista Carioca em 19 de setembro de 1936. (SANTIAGO2004) Mesmo diante destas controvrsias no se pode negar o carter pioneiro da emissora. Por meio do resgate histrico da PRA-7, foi possvel identificar os principais referenciais utilizados pela emissora em dois aspectos: 1. Na construo dos transmissores, as referncias vinham dos Estados Unidos e Alemanha, atravs das revistas importadas por Jos Bueno da Silva. 2. Na elaborao da programao o parmetro seguido era a Rdio Record de So Paulo e, na poca do Auditrio Carlos Gomes, a Rdio Nacional do Rio de Janeiro. Muitas foram as contribuies da PRA-7 para a comunicao nacional; destacam-se: 33. E o rdio? Novos horizontes miditicos 33 a) A construo artesanal dos transmissores, que serviram no apenas para Ribeiro Preto, mas tambm para outras cidades do interior, e b) O sistema de controle publicitrio, utilizado at hoje por algumas emissoras de rdio, j foi usado por emissoras de televiso. (figura 1) Figura 1 Comprovante de irradiao de comunicado da prefeitura municipal de Ribeiro Preto Embora criados simultaneamente por outras emissoras, alguns formatos de programas desenvolvidos pela PRA-7 tornaram-se inovadores, por exemplo: o radiocinenovela teatralizado ao invs de lido; e o Centro de Debates Culturais (figura 2). Figura 2 Participantes do Centro de Debates Culturais: No primeiro plano da direita para a esquerda: Jaime Monteiro de Barros, Seixas, Waldo Silveira e Romualdo Monteiro de Barros. Em segundo plano, Benedito Arantes, Rubem Cione, Sebastio Fernandes Palma, Romero Barbosa, Paulo Barra e Honirato de Lucca. 34. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 34 importante enfatizar tambm as aes realizadas pela PRA-7 para atrair visitantes e investidores para Ribeiro Preto: o uso dos spots que exaltavam as qualidades da cidade e da confeco de folhetos com dados estatsticos que eram enviados para as maiores empresas brasileiras. Isto demonstra a preocupao que a emissora tinha com o desenvolvimento da cidade e a conscincia de que o crescimento de Ribeiro Preto levaria a Rdio Club de Ribeiro Preto ao crescimento tambm. A PRA-7 tinha estreito envolvimento com a comunidade, permitido por causa da proximidade que mantinha com os cidados ribeiropretanos e de outras cidades da regio. O fato de abrir seus microfones para diversas campanhas de cunho social e contribuir com a criao de uma escola primria para pessoas de baixa renda, colocou a PRA-7 como uma mdia local no sentido de pertencente e atuante em Ribeiro Preto e regio. Na dcada de 1960, com o advento da televiso, que atingia principalmente as classes mais ricas, houve a diminuio da audincia. Este e outros motivos acarretaram na venda da emissora para a Cruzada Evanglica, que culminou em mudana radical na programao e estrutura da PRA-7. Na prxima parte deste artigo, sero analisadas as influncias da PRA-7 na cultura regional. Rdio Regional e a cultura miditica Algumas anlises sobre a cultura de massa que foram pesquisadas fazem crticas negativas a ela, principalmente por suas caractersticas de padronizao, que levam a um nivelamento por baixo e falta de uma relao com as identidades nacionais e regionais. Destas anlises, pode-se citar: Bonfim, (1996), Cultura de massas cujas caractersticas essenciais seriam a homogeneidade, a baixa qualidade e a padronizao de gostos, ideias, preferncias, motivaes, interesses e valores. (BONFIM, 1966 apud SODR,1981) Sodr (1981), apresenta sua viso de cultura de massa na dcada de 1980: 35. E o rdio? Novos horizontes miditicos 35 Essa cultura que os meios de massa difundem, no Brasil, hoje: alm de seu baixssimo nvel e de seu teor desumanizante, tende, cada vez mais, desnacionalizao, ao esmagamento de nossa herana cultural. (SODR,1981) Alguns tericos ampliam a discusso sobre cultura de massa. Os americanos, de acordo com pesquisa realizada por Martn-Barbero (1997), veem, na cultura de massa, uma afirmao da democracia: [...] enquanto para os pensadores da velha Europa a sociedade de massas representa a degradao, a lenta morte, a negao de quanto para eles significa a Cultura, para os tericos norte- americanos dos anos 40-50 a cultura de massas representa a afirmao e a aposta na sociedade da democracia completa. (MARTN-BARBERO, 1997) Para a pesquisadora Santaella (2002), o aparecimento da cultura de massa no significa que as culturas erudita e popular tenham se perdido; aconteceram as recomposies nos papis, cenrios sociais e at mesmo no modo de produo dessas formas de cultura, assim como borraram suas fronteiras, mas no apagaram suas existncia. Tendo a dinmica da cultura de massa como base, Lucia Santaella, desenvolveu em 1992, o conceito de cultura das mdias, que se contrape cultura de massa no sentido em que ela produzida por poucos e consumida por muitos. A cultura das mdias, por sua vez, por ser dinmica e por tecer as relaes entre as mdias possibilita a seus consumidores a escolha entre produtos simblicos alternativos. SANTAELLA, 2002) Em relao ao meio rdio, esse foi muito importante na difuso da cultura de massa, principalmente por ser um meio de fcil penetrao em diversos extratos sociais, que no exige a necessidade da alfabetizao, por ser um meio sonoro. A introduo do rdio tambm foi vista, em um primeiro momento como uma ferramenta de difuso de educao e informao, mas acabou por ceder ao entretenimento, o qual, muitas vezes, era e patrocinado por grandes empresas. Antes, instrumento privilegiado da informao, de interpretao e, s em ltimo lugar, do entretenimento, o rdio inverteu a posio e passou condio quase exclusiva de instrumento de lazer. Seu papel de intermedirio entre os acontecimentos e o pblico criou um novo tipo de informao e de interpretao: a informao-lazer e a interpretao-lazer. Os acontecimentos transmitidos passam 36. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 36 condio de curiosidades exticas apresentadas como atualidades, quando um acontecimento atual apenas quando faz parte da micro-histria ou, em outras palavras, s atual o acontecimento que apresenta um antes e um aps histricos. (ENZENBERGER, 1973 apud CAPARELLI, 1986) No Brasil, devido aos altos ndices de analfabetismo, houve uma grande aceitao do meio rdio que acompanhava a tendncia norte-americana, um meio de lazer e difuso de propaganda. Os gneros de programas de maior sucesso, na era de ouro do rdio (19401950) eram os esportivos, humorsticos e musicais que, segundo o autor Virglio Noya Pinto (1989), ganharam as massas e iniciaram a padronizao cultural. Como contribuies do meio rdio, o autor Sodr (1981), ressalta: a criao de novos dolos, a difuso e popularizao da msica, a criao de mercado para qualquer produto, atravs da publicidade, a profissionalizao da msica e do esporte, a gerao de empregos atravs da produo nacional de receptores e a especializao de profissionais da rea tcnica para a produo dos programas. O rdio brasileiro teve grande influncia e importncia econmica e poltica. Na parte econmica, o rdio participou da consolidao do mercado interno, principalmente na criao de um mercado de consumo atravs da divulgao de marcas, modismos e costumes. Alm da economia e da poltica, o rdio favorece a regionalizao da produo e, consequentemente, da mensagem. O rdio possibilita o tratamento de problemas regionais e locais, mesmo que algumas emissoras ainda seguissem o contedo das grandes emissoras situadas nas cidades maiores, o que nos leva a um estudo mais aprofundado da questo local com enfoque na PRA-7. Em relao valorizao dos meios de comunicao em nvel local, na poca estudada e dentro do estudo de caso apresentado, observou-se que existia, por parte da imprensa (figura 3), super valorizao da PRA-7, at por esta ter sido a primeira emissora da cidade e, assim, ter permanecido durante quase 30 anos. Todos os eventos; novidades de programao; comemorao de aniversrio e at depoimentos de pessoas de outras cidades que conseguiam 37. E o rdio? Novos horizontes miditicos 37 sintonizar a emissora, eram amplamente divulgados pela mdia impressa local e regional. Figura 3 Ttulo de um artigo de jornal tombo 475 museu de imagem e som de ribeiro preto. (sl.sd) Por meio dos depoimentos e leitura dos livros escritos por memorialistas locais, tambm foi possvel identificar a relao da populao com a PRA-7. Para Moacyr Franco, a PRA-7 era rdio da famlia de Ribeiro Preto o pessoal freqentava o auditrio, a rdio tinha uma interao muito forte com o ouvinte [...] A rdio era muito mais do que uma rdio, estou fazendo uma comparao com o rdio de hoje, a PRA-7 era tudo, a PRA-7 orientava a populao em todos os sentidos, tudo que era cultural e informativo tinha que passar pela PARA-7 seno a cidade no sabia. (FRANCO, 2005) Com a finalidade de caracterizar a PRA-7 como uma mdia local, ser realizada uma relao entre o estudo apresentado por Peruzzo (2003A) no texto Mdia local, uma mdia de proximidade e a pesquisa histrica realizada para compor este artigo: Peruzzo (2003A) estabelece sete particularidades da mdia local, que esto descritas na parte esquerda da QUADRO 1 a seguir; na parte direita, constam as aes da PRA-7, que a caracteriza como uma mdia local. QUADRO 1 - CARACTERSTICAS DA PRA-7 COMO MDIA LOCAL Particularidades da Mdia Local* Aes da PRA-7 a) Parte significativa dos contedos tende a repetir as mesmas estratgias da grande mdia. Transmisso de esporte local Campanha contra a tuberculose Campanha contra o comunismo Programas com msicos locais 38. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 38 Particularidades da Mdia Local* Aes da PRA-7 b) O meio de comunicao local de propriedade privada uma unidade de negcio que pretende ser rentvel, portanto seus interesses mercadolgicos esto acima de quaisquer outros. Investimento na rea comercial atravs de representantes dentro da cidade e em escritrios na cidade de So Paulo e Rio de Janeiro. Criao de um departamento de controle de publicidade. c) suscetvel ao comprometimento poltico-ideolgico com o staff governamental e legislativo no exerccio do poder, bem como com as grandes empresas na regio. Campanha contra o comunismo Horrio catlico Boletim da prefeitura municipal veiculado gratuitamente na emissora d) Cobre assuntos de foco local e regional que, em geral, no tm espao na grande mdia, exceto quando envolvem uma excepcionalidade. Campanha para arrecadar dinheiro para as vtimas do vendaval em Cajur e) Costuma adotar a estratgia de abordar contedos ligados comunidades e de promover sua integrao local como forma de angariar credibilidade visando ajudar a consecuo dos interesses empresariais. Escola Municipal PRA-7 Futebol para angariar dinheiro para tuberculosos Evento para angariar dinheiro para funcionrios da prefeitura f) Contribui para a difuso e o debate de temas regionais ajudando compreenso da realidade local e no reforo ou formao de identidades culturais. Programa Centro de Debates Culturais g) H uma diversidade de formatos: a mdia local pode ser local tanto no sentido estrito, de pertencer a atuar num dado territrio, como pode ser exterior a ele e apenas lhe oferecer espao para o tratamento de questes locais, em geral produzidos por atores locais ou por pessoas com profundos conhecimentos da regio. Pertencente e atuante em Ribeiro Preto * Adaptado do texto: Mdia local, uma mdia de proximidade, publicado na Comunicao Veredas - Revista do Programa de Ps-Graduao em Comunicao UNIMAR Dentro das particularidades da mdia local, estabelecidas por Peruzzo (2003A), podemos afirmar que a PRA-7, por meios das aes de seus diretores, pode ser considerada uma mdia local. Ao encaixar as aes de PRA-7 para observar a explorao das dimenses propostas por Peruzzo, pode se concluir que, a emissora foi prxima comunidade ribeiropretana, pois alm de ter sido fundada na cidade, participava 39. E o rdio? Novos horizontes miditicos 39 do cotidiano dos cidados ao inform-los sobre assuntos locais; ao atender um pedido musical; ao dar oportunidade aos cantores da cidade de participar de seu cast e ao abrir uma escola para pessoas de baixa renda da cidade. Na dimenso de singularidade, deve-se levar em conta a histria de Ribeiro Preto, no qual identifica-se uma cidade urbana e cosmopolita, catlica, que valorizava a cultura erudita e a msica. A PRA-7 procurou fazer sua programao com base nas caractersticas citadas: programas com o mesmo estilo das grandes emissoras de So Paulo e Rio de Janeiro, boletim catlico, programas com msicas clssicas desde o incio das transmisses at antes de ser vendida para a Cruzada Evanglica. A dimenso diversidade, tambm pode ser identificada em sua programao variada: msica erudita, programas com msicas regionais e populares, jornalismo local, nacional e internacional, agncias de notcias UPI rdio-teatro, radionovela, entre outros que agradavam diversos pblicos. Em relao dimenso familiaridade, importante destacar que a cidade de Ribeiro Preto valorizava (e valoriza) sua origem cafeeira e as personalidades que da surgiram porque, por meio do dinheiro vindo dos cafezais, foi possvel manter a cidade urbana, cosmopolita, aproximada da cultura europeia. Em consequncia disso, o ribeiropretano d grande importncia origem da famlia, o nome e sobrenome que se carrega, uma vez que nesse ponto que se encontra a raiz histrica e cultural em Ribeiro Preto. A PRA-7, fez parte da famlia ribeiropretana, por meio da sua origem, fundada por pessoas importantes da sociedade, e por seu relacionamento contnuo com os nomes de maior destaque em Ribeiro Preto, estes sempre iam participar de debates Centro Cultural de Debates proferir palestras e at fazer discursos polticos. Assim, a Rdio Club de Ribeiro Preto reproduzia a lgica dos grandes meios de comunicao, que uma caracterstica da mdia local, como defende a autora Peruzzo (2003B), mas diferenciava-se por dar ateno aos problemas da regio, atravs de suas aes e programas. 40. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 40 Consideraes finais A riqueza do caf fez de Ribeiro Preto uma cidade de destaque, no cenrio poltico, cultural e econmico do pas, se comparada a outras cidades do interior do Brasil. Dentro ainda da contextualizao histrica, percebe-se que os pases europeus exerciam grande influncia cultural nos grandes centros brasileiros, incluindo Ribeiro Preto, isso ocorria em funo das estreitas relaes econmicas entre o Brasil e aquele continente, principalmente a Inglaterra e a Frana. Por meio da pesquisa tambm foi possvel verificar que o cidado ribeiropretano valorizava as personalidades tradicionais da cidade; estes por sua vez reuniam-se para discutir poltica e cultura, isso, aos poucos, despertou a curiosidade por uma tecnologia que estava surgindo no mundo: a radiodifuso; assim nasceu a PRA-7, que sobreviveu aos efeitos do crash da bolsa, devido garra do comerciante Jos Cludio Louzada, que logo no comeo do radioclube, passou frequentar as reunies e mostrou-se o mais interessado em tocar as experincias na rea da radiodifuso. Mas o que realmente ajudou o desenvolvimento da radiodifuso em Ribeiro Preto e no pas, foi, em 1932, o Decreto que permitia a insero de anncios publicitrios. Desta forma, o Brasil comeou a usar o jeito americano de se fazer rdio. Foi, a partir da comercializao de espaos publicitrios, que as emissoras passaram a ter dinheiro para investirem em inovaes tcnicas e artsticas. No foi diferente com a Rdio Club de Ribeiro Preto, que aproveitou o crescimento do comrcio local e da industrializao nacional para expandir seus negcios. Alm de desenvolver a programao, a emissora tambm realizava aes, locais e regionais, junto comunidade. Cabe ainda ressaltar que existia uma correlao entre a cultura urbana de Ribeiro Preto e a PRA-7. A Rdio Club de Ribeiro Preto no criou esta cultura urbana ela apenas a reforava a partir do seu pblico. Quando a audincia tornou-se mais popular ela no resistiu. 41. E o rdio? Novos horizontes miditicos 41 A PRA-7 foi influenciada pela cultura de Ribeiro Preto, ao ser criada pela elite cafeeira da cidade, e a emissora influenciou a cultura de Ribeiro Preto, a partir do momento em que passou a repercutir em maior escala, a cultura de seus criadores. Mas aqueles que deram origem ao Rdio Club de Ribeiro Preto, a classe alta, foram os que ajudaram na sua queda. Quando a classe mdia e alta trocou o rdio pelo novo meio que chegava, a televiso, a PRA-7, por ter uma programao elitizada, no conseguiu penetrar no pblico que no tinha poder aquisitivo para comprar aparelho de TV, este espao foi ocupado pela principal concorrente da emissora, a Rdio de Ribeiro Preto. Referncias BONFIM, L. C. Imagens, letras e sons dominam o homem. Correio da Manh, Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1966. CAPARELLI, S. Comunicao de massa sem massa. 3 ed. So Paulo: Summus, 1986. (Novas buscas em comunicao). CIONE, R. Histria de Ribeiro Preto. Ribeiro Preto: Summa Legis, 1992. 631p. Vol III. ENZENBERGER, H. M. Culture o la mise em condition. Paris: Union Gnrale d'Edition, 1973. p.30. FRANCO, Moacyr. Entrevista concedida. Ribeiro Preto: 5 de abril de 2005 (via telefone). MARANHO FILHO, L. So Paulo: o rdio de idias 1998. Tese (Doutorado em Comunicao) - Universidade de So Paulo, 1998. MARTIN-BARBERO, J. Dos meios s mediaes: comunicao, cultura e hegemonia. 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Disponvel em: http://www.adtevento.com.br/intercom/resumos/R0811-1.pdf. Acesso em: 12 de maro de 2005. SILVEIRA, A. Louzada-Bueno: No comeo do rdio brasileiro. Jornal Dirio de Notcias, Ribeiro Preto, 26 de setembro de 1979. p-3. SODR, N. W. Sntese de histria da cultura brasileira. 9 ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1981. 136p. (Retratos do Brasil). 43. E o rdio? Novos horizontes miditicos 43 O primeiro Al! Al! numa rdio em Joinville (SC) foi pronunciado por um alemo, em 1941, quando o Brasil estava sob o domnio do Estado Novo Izani Mustaf1 Resumo: Este artigo um recorte da dissertao Al, al, Joinville! Est no ar a Rdio Difusora! A radiodifuso em Joinville/SC (1941-1961), defendida em maro de 2009 no mestrado em Histria da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Trata da formao das trs primeiras emissoras de Joinville (SC). A primeira entrou no ar em 1 de fevereiro de 1941, em pleno Estado Novo (1930-1945), quando Getlio Vargas era o presidente do Brasil, e ficou no ar, sem concorrente, por 17 anos. A ideia de ter uma rdio foi de Wolfgang Brosig, de origem alem. Naquele perodo, estava em vigor a Campanha de Nacionalizao (1937-1945), que provocou perseguies e muitos sofrimentos aos imigrantes e brasileiros de origem alem. Brosig era um idealista. Para obter a permisso para o funcionamento da Rdio Difusora de Joinville (prefixo ZYA-5), Brosig formou uma Sociedade Annima que reunia diversos empresrios. Boa parte deles simpatizava com Getlio Vargas ou era filiado ao PSD ou PTB, siglas que apoiavam o governo getulista. Associao Educacional Luterana Bom Jesus (IELUSC)/ SC Palavras-chave: Rdio. Estado Novo. Poltica. As primeiras experincias em Joinville A formao das pioneiras da radiodifuso em Joinville teve uma trajetria parecida com boa parte daquelas que comearam no Brasil. Infelizmente, no est registrada ou documentada com o devido valor em livros ou documentos oficiais. A histria da primeira emissora a entrar no ar em Joinville, a Rdio 1 Professora das disciplinas terica e prtica de rdio no curso de jornalismo da Associao Educacional Luterana Bom Jesus(IELUSC), jornalista diplomada (UFSM) e mestre em Histria no Programa de Ps-Graduao em Histria do Tempo Presente da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). 44. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 44 Difusora (a segunda a ser fundada em Santa Catarina), ocupa trs pginas na obra Histria do rdio em Santa Catarina, escrita pelos jornalistas Lcia Helena Vieira e Ricardo Medeiros. O livro, lanado em 1999, foi resultado do Trabalho de Concluso do Curso de Jornalismo da UFSC, em 1982, feito por Lcia. O doutor em radiojornalismo pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal) e professor da UFSC Eduardo Meditsch escreveu no prefcio que [...] ecos cada vez mais ntidos deste passado tm chegado at ns, atravs do esforo coletivo de um grupo de jovens pesquisadores. Primeiro foi Lcia Helena Vieira [...]2 O livro citado acima estimulou a autora a buscar outras fontes documentais guardadas em acervos particulares de alguns radialistas que trabalharam e ainda trabalham em rdio. Os registros do Arquivo Histrico de Joinville e os arquivos do jornal A Notcia tambm foram consultados para localizar jornais das dcadas de 1930 e 1940. A pesquisa foi alm e a autora seguiu os mtodos de entrevistas do historiador Paul Thompson na certeza de que a experincia de vida das pessoas de todo tipo pode ser utilizada como matria-prima e, assim, a histria ganha nova dimenso. . Esta autora conseguiu recuperar um pouco da histria do rdio catarinense nas dcadas de 40 e 50 e abriu espao para outros trabalhos na academia. 3 O que se verifica no incio da radiodifuso em diversas cidades brasileiras, nas dcadas de 1920 e 1930, tambm se repetiu em Joinville. O experimentalismo e o amadorismo fizeram parte das primeiras tentativas para que a transmisso de sons ocorresse com boa qualidade e atrasse considervel nmero de ouvintes, geralmente curiosos e interessados no novo meio de comunicao. Um dos primeiros registros da experimentao de transmisso de Segundo o autor, a histria oral assemelha-se a uma autobiografia publicada, mas de muito maior alcance. Alm disso, o resultado dessa forma de abordagem da histria ainda muito questionada e criticada por parte de setores da historiografia pode indicar novos caminhos pesquisa histrica, em funo das evidncias que possam surgir nas entrevistas. 2 VIEIRA, Lcia Helena. e MEDEIROS, Ricardo. Histria do Rdio em Santa Catarina. Florianpolis: Insular, 1999. p. 13 3 THOMPSON, Paul. A voz do Passado: Histria Oral. Traduo de Llio de Loureno de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 25 45. E o rdio? Novos horizontes miditicos 45 sons est no jornal Kolonie-Zeitung4 . Um trecho traduzido pela pesquisadora do Arquivo Histrico de Joinville Hilda Krisch, localizado por Henrique Khne, morador do bairro Vila Nova, foi para o acervo particular do radialista Jos Eli Francisco e virou notcia no jornal dirio Notcias do Dia5 , na edio que circulou em 31 de agosto de 2007. A cpia do texto datilografado descreve um concerto de rdio organizado pelo engenheiro Gustavo Merkel, em agosto de 1927, na Liga de Sociedades. O anncio dizia: O concerto de rdio, que o engenheiro sr. Gustavo Merkel pretende organizar, ser realizado na noite de segunda-feira, na Liga de Sociedades, com durao ininterrupta, das seis horas at a meia-noite e poder ser apreciado a qualquer momento. Sero apresentadas transmisses de S. Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Ayres. Para cobrir as despesas, o empresrio se v obrigado a recolher a importncia de 1$500 por pessoa. O senhor Merkel perito nas reas do rdio e da eletricidade e se encarrega de instalaes no ramo6 . O jornal Kolonie-Zeitung (Jornal da Colnia), de 4 de agosto, noticiou: O concerto de rdio na noite de segunda-feira no se efetuou. Aps o incio, mais ou menos satisfatrio, houve de repente uma interrupo, um defeito, que s pde ser removido altas horas da noite. Mas no intuito de provar a excelncia do aparelho receptor, haver mais um concerto hoje noite, a partir das 7 horas, com entrada absolutamente livre. O sr. Merkel convida, por nosso intermdio, todos os amantes da msica e do rdio para o concerto desta noite7 . Merkel era persistente. Mais uma vez, outra decepo para quem esteve no local do evento e foi um fracasso, como na data anterior, relata o Kolonie- Zeitung de 9 de agosto, mesmo tendo atrado um grande pblico, na quinta- feira. Ouviam-se pouqussimas notas musicais e muitssimos rudos, estalos, ron- 4 O jornal Kolonie-Zeitung foi fundado por Ottokar Doerffel, em 20 de dezembro de 1862, e era escrito em alemo. Circulou durante 80 anos, com algumas mudanas. Entre 2 de setembro de 1941 at 21 de maio de 1942 teve que ser editado em lngua portuguesa com o nome de Correio de Dona Francisca. 5 Jornal dirio da RIC Record que comeou a circular em Joinville no dia 6 de novembro de 2006. 6 Trecho da cpia datilografada, com informaes sobre o concerto de rdio, organizado por Gustavo Merkel, em 4 de agosto de 1927. 7 Idem. Ibidem. 46. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 46 rons, grunhidos, provocados por trovoadas no ar, segundo o empresrio ia explicando repetidas vezes8 , dizia a nota no jornal que tambm aconselhou: Neste caso, se o aparelho possui maior receptividade para trovoadas que ningum quer ouvir do que para as msicas, que todos esperam escutar, seria ento o caso de se propor ao empresrio colocar um bom gramofone ao lado do aparelho de rdio. O pblico, sem dvida, vai preferir as msicas de um bom gramofone, a se deixar fazer de bobo, conforme aconteceu9 . Depois desse episdio, muitas famlias continuaram acompanhando transmisses, com rudos, grunhidos e estalos, emitidos pelos primeiros rdios, colocando-os em varandas, sobre mveis diante das janelas abertas, demonstrando aos vizinhos que possuam um aparelho de som. O que abria margem para a vizinhana e curiosos se agruparem na frente da casa onde havia um rdio em funcionamento, diz a notcia publicada no Kolonie-Zeitung e traduzida por Hilda Krisch. Nessa poca, em todo o pas existiam poucos aparelhos, que eram de galena10 e muito caros. Como diz Renato Ortiz, a dcada de 20 uma fase de experimentao do novo veculo e a radiodifuso se encontrava muito mais amparada no talento e na personalidade de alguns indivduos do que numa organizao do tipo empresarial11 Em 1927, Joinville comemorou 76 anos de fundao e a populao girava em torno de 46 mil pessoas dez mil moravam na regio urbana e os demais, 36 mil, na rea rural, distribudas em cinco distritos: Jaragu, Hansa (hoje Corup), Bananal (atualmente Araquari), Corveta e a prpria Joinville. De acordo com o historiador Apolinrio Ternes, entre 1920 e 1945, o municpio passou pelo seu primeiro perodo de industrializao . A aglomerao na frente ou dentro das residncias s desapareceu medida que as famlias compraram os seus aparelhos de recepo. O pas estava entrando na era da industrializao e os meios de comunicao de massa comearam a se popularizar. 12 8 Idem. Ibidem. . Em 1926, e certamente em 1927, os 9 Idem. Ibidem. 10 Equipamento que era formado por bobina, capacitor, cristal de galena, fone de ouvido, antena e fio terra. 11 ORTIZ, Renato. Op. Cit. p. 39 12 TERNES, Apolinrio. A economia de Joinville no sculo 20. Joinville: Letradgua, 2002. p. 27 47. E o rdio? Novos horizontes miditicos 47 joinvilenses tinham uma boa relao com a imprensa escrita. Alm do Kolonie- Zeitung, circulava na cidade o A Notcia, idealizado pelo jornalista Aurino Soares e fundado em 24 de fevereiro de 1923. Nessa poca era perceptvel a tendncia econmica do municpio para a instalao de indstrias do setor metal-mecnico. No aspecto social, verificamos o predomnio da cultura e do idioma alemo: nas conversas familiares, informais no trabalho e nas ruas e nas escolas. Na imprensa escrita havia o jornal Kolonie- Zeitung. O bilinguismo predominava entre a populao joinvilense que era de origem alem. A cidade tambm abrigava uma escola, a Deutsche Schule, fundada em 1886 pelos prprios colonos e ligada igreja luterana. Depois de 1895, a instituio recebeu dinheiro da Alemanha e pode contratar professores daquele pas. O modelo de educao currculo e didtica tambm era alemo. Durante a Campanha de Nacionalizao, o decreto-lei estadual de nmero 88, de 31 de maro de 1938, imps que apenas as escolas particulares fundamentadas didaticamente no idioma portugus e com professores brasileiros poderiam funcionar normalmente. A Deutsche Schule fechou suas portas. Nas dcadas de 1930 e comeo de 1940, Joinville se mantinha em plena expanso econmica e social, a exemplo de diversas cidades brasileiras. Vivia a sua primeira fase da industrializao, com a instalao de vrios empreendimentos industriais. Um deles a fundao da Fundio Tupy13 , em 9 de maro de 1938, por Albano Schmidt, Hermann Metz e Arno Schwarz. E na efervescncia nacional em pleno Estado Novo e internacional diversos pases da Europa e do Oriente estavam envolvidos na Segunda Guerra Mundial, e com a Campanha de Nacionalizao14 13 Atualmente chama-se Tupy e fabrica componentes em ferro fundido para os setores automotivo, ferrovirio e de mquinas e equipamentos. Produz tambm conexes de ferro malevel, utilizadas em instalaes hidrulicas e outros mecanismos de conduo de gases, fluidos industriais, perfis contnuos de ferro, aplicados em construes mecnicas e granalhas de ferro e ao, utilizadas como abrasivo para limpeza de mquinas e para corte e desbaste de minerais. vigorando (1937-1945), so realizadas em Joinville, em 1938, as primeiras transmisses de som que depois se transformariam na primeira emissora, a Rdio Difusora AM, com o prefixo ZYA-5. 14 Conjunto de medidas criadas durante o Estado Novo. Visava reduzir a influncia das comunidades de imigrantes estrangeiros no Brasil e fortalecer a integrao da populao brasileira. Entre as principais medidas est a proibio de falar idiomas estrangeiros, como o alemo. 48. Luiz Artur Ferraretto, Luciano Klckner (Orgs.) 48 A iniciativa para coloc-la no ar foi de Wolfgang Brosig, que era tcnico em eletrnica, gostava e entendia de equipamentos eletrnicos. Neto do imigrante alemo Otto Boehm, foi um dos proprietrios do jornal Kolonie-Zeitung. O av materno que gostava da rea da comunicao e dirigiu o segundo jornal escrito em alemo mais importante no sul do pas serviu de exemplo para Brosig, afirma o filho Paulo Roberto Brosig. O pai tinha nas veias o gosto pela comunicao, herdado do seu av Otto Boehm15 . Ele define o pai como sendo uma pessoa da comunicao e do rdio, e um inventor porque gostava de fazer coisas diferentes. Se tinha uma coisa que ningum fez era onde ele se pegava. Tanto que quando ps o rdio no ar, vrios amigos dele disseram que estava louco, que no ia dar certo16 Enquanto fazia suas experincias com os aparelhos eletrnicos em casa, Brosig tambm vendia aparelhos de rdio e atendia a clientela em suas residncias. Em algumas edies do jornal A Notcia, no incio de 1938, foram localizados alguns anncios publicitrios sobre a venda