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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE P-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO P ROGRAMA DE P ÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS NATURAIS Frederico Soares Machado ESTRUTURA POPULACIONAL E ETNOBOTÂNICA DAS PALMEIRAS MAURITIA FLEXUOSA L. f. (BURITI) E OENOCARPUS BATAUA MART. ( PATAUÁ), NA AMAZÔNIA SUL- OCIDENTAL, BRASIL Dissertação de Mestrado

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS NATURAIS

Frederico Soares Machado

ESTRUTURA POPULACIONAL E ETNOBOTÂNICA DAS

PALMEIRAS MAURITIA FLEXUOSA L. f. (BURITI) E

OENOCARPUS BATAUA MART. (PATAUÁ), NA AMAZÔNIA SUL-OCIDENTAL, BRASIL

Dissertação de Mestrado

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Universidade Federal do Acre Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais

Estrutura populacional e etnobotânica das palmeiras Mauritia flexuosa L. f. (buriti) e Oenocarpus bataua Mart. (patauá), na

Amazônia Sul-Ocidental, Brasil

Frederico Soares Machado

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de

Recursos Naturais da Universidade Federal

do Acre, como parte dos requisitos para a

obtenção do título de Mestre em Ecologia e

Manejo de Recursos Naturais.

Rio Branco, Acre 2010

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MACHADO, F. S., 2010.

MACHADO, Frederico Soares. Estrutura populacional e etnobotânica das palmeiras Mauritia flexuosa L. f. (buriti) e Oenocarpus batana Mart. (patauá), na Amazônia Sul - Ocidental, Brasil. Rio Branco: UFAC, 2010. 69f.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC.

M149e Machado, Frederico Soares, 1981 - Estrutura populacional e etnobotânica das palmeiras Mauritia

flexuosa L. f. (buriti) e Oenocarpas batana Mart. (patauá), na Amazônia Sul – Ocidental, Brasil / Frederico Soares Machado --- Rio Branco : UFAC, 2010.

69f : il. ; 30cm. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos

Naturais) – Programa de Pós-Graduação Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da Universidade Federal do Acre.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Silveira. Inclui bibliografia 1. Ecologia de populações. 2. Produtos florestais não-madeireiros.

3. PFNMs. 4. Conhecimento tradicional. 5. Manejo florestal comunitário. I. Título.

CDD.: 305.5609811

CDU.: 504.75(811.2)

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Universidade Federal do Acre Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais

Estrutura populacional e etnobotânica das palmeiras Mauritia flexuosa L. f. (buriti) e Oenocarpus bataua Mart. (patauá), na

Amazônia Sul-Ocidental, Brasil

Frederico Soares Machado BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Dr. Evandro Ferreira

INPA

______________________________________________ Dr. Cleber Ibraim Salimon

UFAC

______________________________________________ Dr. Luciano Ribas

EMBRAPA-AC ORIENTADOR

______________________________________________ Dr. Marcos Silveira

UFAC

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AGRADECIMENTOS

Agradeço

Ao Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre – PESACRE por

gentilmente ceder os dados utilizados no desenvolvimento deste trabalho.

Aos comunitários do Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS São Salvador, aos

amigos de Mâncio Lima e do Vale do Juruá e aos companheiros do PESACRE, ao agradecê-

los ressalto que a caminhada que me permitiu chegar até aqui começou muito antes de meu

ingresso no programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da

UFAC, iniciando-se com minha contratação pelo PESACRE, no ano de 2004, para

coordenar as ações desta ONG acreana na parte mais ocidental do estado e do Brasil. Morei

durante quatro anos no Município de Mâncio Lima e tive a oportunidade de viver

profundamente a simplicidade, as tradições e as relações de sua gente com a floresta, sempre

aprendendo muito e crescendo como pessoa. Além das experiências pessoais, foram anos de

trabalho duro e dedicação que permitiram, entre outras coisas, através do PESACRE gerar

os dados que subsidiam esta dissertação.

Ao meu orientador, Marcos Silveira, aos demais professores com os quais me relacionei, a

Djallene de Araújo (Deja) pelos apoios com mapas e aos companheiros de turma. No escopo

desses agradecimentos e seguindo a caminhada iniciada no parágrafo anterior, não posso

dizer que minha entrada no mestrado foi algo planejado, na verdade ela aconteceu como

fruto de um conjunto de coincidências (iluminações) que se sucederam e que de um

momento a outro me retiraram de Mâncio Lima e me trouxeram a Rio Branco. Como quase

tudo que há de bom no caminho acontece de forma inesperada, por mais uma vez aceitei o

fluxo da vida e me entreguei à nova experiência, inclusive com um impensado primeiro

lugar no processo de seleção.

À equipe da UICN (“Unión Internacional para la Conservación de la Naturaleza”) e ao

secretário de florestas Carlos Ovídio (Resende), valendo mencionar que, seguindo os outros

agradecimentos, além do mestrado também tive outras experiências no campo profissional,

como um período de trabalho com a Secretaria de Florestas do Estado do Acre – SEF, a

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publicação de um livro e meu ingresso na UICN, onde a partir de março de 2010 passei à

função de coordenador do Escritório Amazônico de Projetos.

À minha família que, de forma ainda mais destacada, ao longo desta linha do tempo sempre

me incentivou a seguir adiante e onde tenho um lugar seguro e pacífico para dividir

conquistas e alegrias, assim como, dificuldades e ansiedades. Considero que minha esposa

Ana Delfina, meu irmão Filype, meu pai Pedro e minha mãe Rosane têm, cada um a sua

maneira, contribuições expressivas nestas e nas demais vitórias de minha vida e os agradeço

imensamente por seu amor, dedicação e altruísmo.

A Deus por tudo o aqui descrito e, especialmente, por através de suas linhas às vezes tortas

me permitir sempre seguir em frente nesta caminhada, com felicidade.

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RESUMO

O desmatamento e a perda de diversidade biológica na Amazônia estão associados aos

modelos atuais de uso do solo, com forte tendência ao desenvolvimento de atividades

agropecuárias em detrimento do grande potencial florestal da região. O estímulo ao manejo

sustentável de produtos florestais não madeireiros (PFNMs) é uma das alternativas

emergentes no cenário nacional, mas demanda conhecimentos mais profundos sobre padrões

de uso e ecologia das espécies. Este trabalho objetivou descrever a estrutura populacional de

duas palmeiras (Arecaceae), buriti Mauritia flexuosa e patauá Oenocarpus bataua e

documentar suas relações etnobotânicas com comunidades ribeirinhas e extrativistas do

Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre.

Informações sobre estruturas populacionais de ambas as palmeiras foram levantadas a partir

da categorização dos indivíduos em quatro classes ontogenéticas: plântula, jovem I, jovem II

e adultos e da demarcação de nove parcelas amostrais de 50x10m para cada espécie,

dispostas em áreas de ocorrência gregária. O levantamento etnobotânico foi iniciado com

mobilização popular e conduzido por meio de 20 reuniões comunitárias e uma expedição de

campo com 18 informantes-chave, os resultados obtidos foram restituídos às comunidades.

Os indivíduos de buriti e patauá apresentaram dimensões de altura e CAP (circunferência à

altura do peito) próximas aos limites superiores descritos em literatura, mas relação

hipsométrica foi encontrada apenas em patauá. Verificou-se formação de floresta oligárquica

por buriti, com grande densidade (180,0 ±67,1 ind.ha-1) e área basal (22,66m2ha-1) de adultos

e equilíbrio na razão sexual. As populações das duas palmeiras apresentaram distribuição em

forma de J invertido, com indicativo de estabilidade entre mortalidade e regeneração. As

informações etnobotânicas indicaram uso essencialmente de subsistência e grande

importância das duas palmeiras nas seguranças alimentar e nutricional e no uso fitoterápico,

com ampla variedade de produtos originados. As práticas de manejo tradicional não

alteraram as populações das palmeiras, mas carecem de aprimoramento no caso de aumento

de intensidade de coleta e atendimento a demandas comerciais. Os resultados sugerem que

ambas as palmeiras apresentam aptidão ao manejo não madeireiro sustentável no PDS São

Salvador. O manejo pode favorecer a conservação das florestas e de seus serviços e se tornar

uma alternativa produtiva que permita a associação entre geração de renda e manutenção dos

meios de vida das comunidades locais.

Palavras-chave: ecologia de populações. Produtos Florestais Não Madeireiros. PFNMs.

Conhecimento tradicional. Manejo florestal comunitário.

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ABSTRACT

Deforestation and loss of biodiversity in the Amazon are associated with current models of

land use, with a strong tendency toward development of agricultural and animal raising

activities despite the potential of regional forestry. The stimulus toward sustainable

management of non-timber forest products (NTFPs) is an emergent alternative in the

national scenario, but demands deeper knowledge regarding patterns of use and species

ecology. This work aimed to describe the population structure of two palms (Arecaceae),

Buriti (Mauritia flexuosa) and Patauá (Oenocarpus bataua), and to document their

ethnobotanical relationships with extractivist and riverine communities from the Sustainable

Development Project – PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre. Information on population

structure of both palms was obtained through the categorization of individuals in four

ontogenetic classes: seedlings, saplings I, saplings II and adults, with nine sample plots of

50x10m for each specie demarcated in areas of high abundance. The ethnobotanical research

was conducted in a participatory way through 20 community meetings and a forest

expedition with 18 key informants with results returned to communities. The CBH

(circumference at breast height) and height measurements of Buriti and Patauá individuals

were close to the maximum limits described in the literature, but a hypsometric relation was

found only in Patauá. Oligarchic forests were formed by Buriti with a high density (180,0

±67,1 ind.ha-1) and basal area (22,66m2ha-1) of adults, and an equilibrium in the sexual rate.

The two palm populations showed inverse J formations, which indicated stability in

mortality and regeneration. The ethnobotanical information revealed that the two palms were

primarily used for subsistence and were highly relevant to food security and phytotherapy,

with a variety of products originating from the palms. Traditional management practices did

not alter the palm populations, but could be improved in the case of increased collection

intensity and response to commercial demands. The results suggest that both palms are

appropriate for sustainable management of NTFPs in the PDS São Salvador. Such

management can promote forest conservation and related services and become an interesting

productive alternative that permits an association between income generation and

maintenance of local community livelihoods.

Keywords: population ecology. Non-timber forest products. NTFP. Traditional knowledge.

Community-based forest management.

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SUMÁRIO CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO GERAL .................................................................. 12

1.1 Referências bibliográficas .................................................................................... 14

CAPÍTULO 2 PRODUTOS FLORESTAIS NÃO MADEIREIROS (PFNMS):

INFLUÊNCIA NA COLONIZAÇÃO DO VALE DO JURUÁ, CENÁRIO POLÍTICO

E ECOLOGIA........................................................................................................... 17

2.1 O Vale do Juruá e a colonização associada com a ocorrência de produtos florestais

não madeireiros ......................................................................................................... 17

2.2 Cenário nacional de favorecimento ao manejo não madeireiro ........................... 19

2.3 Palmeiras na Amazônia e sua importância na geração de PFNMs ...................... 21

2.3.1 O buriti .............................................................................................................. 22

2.3.2 O patauá ............................................................................................................. 24

2.4 Referências bibliográficas ................................................................................... 26

CAPÍTULO 3 ESTRUTURA POPULACIONAL DE MAURITIA FLEXUOSA L. f.

(BURITI) E OENOCARPUS BATAUA MART. (PATAUÁ), NA AMAZÔNIA SUL-

OCIDENTAL, BRASIL ........................................................................................... 31

3.1 Introdução ........................................................................................................... 31

3.2 Material e métodos .............................................................................................. 33

3.2.1 Área de estudo .................................................................................................... 33

3.2.1.1 Clima .............................................................................................................. 34

3.2.1.2 Pedologia e geomorfologia ............................................................................... 35

3.2.1.3 Vegetação........................................................................................................ 36

3.2.2 Amostragem populacional de buriti e patauá e análise dos dados ........................... 37

3.3 Resultados ........................................................................................................... 40

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3.4 Discussão ............................................................................................................. 43

3.5 Referências bibliográficas .................................................................................... 46

CAPÍTULO 4 ASPECTOS ETNOBOTÂNICOS E MANEJO DAS PALMEIRAS

MAURITIA FLEXUOSA L. f. (BURITI) E OENOCARPUS BATAUA MART. (PATAUÁ), NO

PDS SÃO SALVADOR, ACRE ................................................................................ 51

4.1 Introdução ........................................................................................................... 51

4.2 Material e métodos .............................................................................................. 53

4.2.1 Área de estudo .................................................................................................... 53

4.2.2 Características de ocupação do PDS São Salvador e usos de PFNMs ..................... 53

4.2.3 Levantamento de informações etnobotânicas ........................................................ 54

4.2.3.1 Mobilização popular ........................................................................................ 54

4.2.3.2 Levantamento de informações em grupo............................................................ 54

4.2.3.3 Entrevistas com informantes-chave ................................................................... 55

4.2.3.4 Restituição das informações coletadas .............................................................. 55

4.3 Resultados ........................................................................................................... 56

4.4 Discussão ............................................................................................................. 59

4.5 Referências bibliográficas .................................................................................... 63

CAPÍTULO 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................... 68

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Características morfológicas de Mauritia flexuosa L. f.: A. ilustração da estrutura

aérea. B. flores femininas, C. flores masculinas, D. infrutescência, E. ráquilas com frutos.

Fonte: A) José Francisco Gama da Silva e B-E) Paula-Fernandes (2002). ....................... 23

Figura 2: Ilustrações botânicas de Oenocarpus bataua Mart.: A. estrutura aérea, B. seção

superior do estipe, inflorescência, bainha e folha, C. bráctea, D. ráquila com frutos, E. fruto

em cúpula e F. plântula. Fonte: adaptado de Mori et al. (1997) ...................................... 26

Figura 3: Mapa de localização do PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre. Fonte: Base

Topográfica Digital do Estado do Acre (elaboração: Djallene Rebêlo de Araújo) ............ 34

Figura 4: Mapa de solos do PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre. Fonte: adaptado de

EMBRAPA (2000) ..................................................................................................... 36

Figura 5: Formações vegetacionais ocorrentes no PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre.

Fonte: adaptado de EMBRAPA (2000)......................................................................... 37

Figura 6: Desenho esquemático da unidade amostral utilizada no estudo de estruturas

populacionais de buriti M. flexuosa e patauá O. bataua no PDS São Salvador, Mâncio

Lima, Acre ................................................................................................................. 39

Figura 7: Distribuição de indivíduos adultos de M. flexuosa e patauá O. bataua em classes

de CAP e altura, em áreas de ocorrência gregária no PDS São Salvador, Mâncio Lima,

Acre ........................................................................................................................... 40

Figura 8: Relação hipsométrica de indivíduos adultos de O. bataua no PDS São Salvador,

Mâncio Lima, Acre ..................................................................................................... 41

Figura 9: Histograma de distribuição de freqüência de indivíduos de M. flexuosa em classes

ontogenéticas no PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre .............................................. 42

Figura 10: Histograma de distribuição de freqüência de indivíduos de O. bataua em classes

ontogenéticas no PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre .............................................. 42

Figura 11: Processo de restituição de formações às comunidades do PDS São Salvador,

Mâncio Lima, Acre, sendo as duas fotos superiores correspondentes a reuniões

comunitárias e as demais aos cursos de escalada em palmeiras ...................................... 63

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LISTA DE TABELAS Tabela 1: Características distintivas entre os três etnotipos de O. bataua definidos pelas

comunidades do PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre ............................................... 57

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO GERAL

Diversos pesquisadores destacam a importância da conservação da biodiversidade da

maior floresta tropical do mundo, a Floresta Amazônica (NEPSTAD et al., 2001;

LAURANCE et al., 2002; FEARNSIDE, 2005; FEARNSIDE et al., 2006; SOARES-FILHO

et al., 2006), alguns deles avaliando o papel que ela desempenha e os riscos que assume com

o quadro de mudanças globais (GITAY et al., 2002; BATES et al., 2008). Porém, em

detrimento da grande importância, ações de uso predatório e conversão de áreas de florestas

em áreas de uso alternativo do solo amazônico são bastante difundidas. O Brasil se coloca

como o país com maior média anual de área desmatada neste início de século, representando

cerca de 40% do total das perdas de floresta em nível global (FAO, 2009).

Com intuito de mudar esse quadro, favorecendo os potenciais florestais e as

populações locais, o Brasil começa a exibir um momento político propício ao

desenvolvimento de atividades de manejo de Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNMs),

a partir de povos indígenas e comunidades tradicionais. Trata-se de um cenário novo e

expressivo que está sendo forjado no âmbito federal, envolvendo ações como:

estabelecimento do Programa Federal de Manejo Florestal Comunitário e Familiar – PMCF

(BRASIL, 2009a; SFB, 2009), definição de preços mínimos e de um conjunto de políticas

públicas voltadas às cadeias de valor de PFNMs (BRASIL, 2008), instituição de marcos

regulatórios federais (BRASIL, 2009b; Alexandre Dias, com. pess.) e implementação de

procedimentos de certificação mais ajustados à realidade da produção não madeireira

(MEDICINAL PLANT SPECIALIST GROUP et al., 2007; FSC BRASIL, 2008; BRASIL,

2009b).

Esse cenário favorável ao manejo de PFNMs, ao se propor a intensificar a coleta e

ampliar as áreas de condução da atividade, pode apresentar como efeito colateral o impacto

sobre as populações de algumas espécies, a exemplo do buriti Mauritia flexuosa L. f. e patauá

Oenocarpus bataua Mart., espécies amplamente utilizadas por populações tradicionais e com

grande potencial de mercado. Ambas as espécies são consideradas com destaque para o

aproveitamento comercial pelo Estado do Acre (CIRAD, 2001), pelo governo federal

(BRASIL, 2008) e por organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas

para a Agricultura e Alimentação – FAO (CLAY e CLEMENT, 1993).

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Nesse contexto, torna-se relevante considerar que o manejo de PFNMs, quando

realizado sem uma boa base de conhecimentos sobre a ecologia das espécies, pode promover

a desestabilização de populações locais e levar espécies à extinção (TICKTIN, 2004) e que,

atualmente, um número grande de recursos não madeireiros é utilizado de forma destrutiva

(PETERS, 1996). Ressalta-se também que a maior parte das espécies ainda carece de estudos

sobre características populacionais para dar suporte a propostas de manejo sustentável

(OIMT, 1993; ENDRESS et al., 2004a; OIMT e UICN, 2009).

Em nível global, em detrimento da importância ecológica, a família Arecaceae está

entre aquelas com o maior número de espécies ameaçadas de extinção devido à exploração

intensiva e insustentável (JOHNSON, 1988).

Vazquez e Gentry (1989), verificaram que a coleta excessiva de frutos de M. flexuosa

eliminou populações em várias partes do Peru. Já Peters et al. (1989), avaliaram que a coleta

destrutiva causou redução na abundância de palmeiras em muitas áreas de uso intensivo na

Amazônia. A exemplo do que aconteceu com O. bataua durante o período da segunda guerra

mundial, quando o óleo extraído de seus frutos era um produto substituto do então escasso

azeite de oliva (PEREIRA-PINTO, 1951). Para outras espécies de palmeira, a coleta de folhas

aumentou a mortalidade e diminuiu as taxas de crescimento (RATSIRARSON et al., 1996;

ENDRESS et al., 2004b).

Uma das premissas para a atenuação dos impactos do manejo é o conhecimento da

estrutura populacional da espécie de interesse (PULZ et al., 1999). Esse estudo permite o

levantamento de informações importantes quanto às forças seletivas que atuam sobre os

indivíduos da espécie, sendo fundamental para a compreensão dos padrões de regeneração e

equilíbrio populacional (KAGEYAMA, 1987).

O Estado do Acre é uma das referências nacionais no manejo de PFNMs e apresenta

grandes áreas cobertas por palmeiras (ACRE, 2006). No estado foram conduzidos trabalhos

pioneiros com estrutura populacional de algumas palmeiras (GOMES-SILVA, 2003;

ROCHA, 2004), mas ao considerar-se a riqueza de espécies da família e a área geográfica

ocupada ainda se verifica grande carência de informações.

O presente trabalho foi conduzido em florestas comunitárias do Projeto de

Desenvolvimento Sustentável – PDS São Salvador, Vale do Juruá, Estado do Acre e está

estruturado em cinco capítulos, sendo o primeiro deles esta introdução geral. O segundo traz

uma contextualização mais ampla, abordando: a região de estudo e sua relação histórica com

os PFNMs, o contexto político atual dos PFNMs, a importância e as ameaças às populações

de palmeiras e a caracterização das espécies pesquisadas. O terceiro capítulo aborda questões

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ecológicas associadas com as populações de buriti e patauá, com intuito de responder as

seguintes perguntas: (i) como se caracterizam as estruturas populacionais de M. flexuosa e O.

bataua em áreas com alta agregação de indivíduos? (ii) Qual a razão sexual e as diferenças

em porte e diâmetro entre indivíduos masculinos e femininos de M. flexuosa? (iii) As espécies

apresentam aptidão ao manejo não madeireiro na área de estudo? Já o quarto capítulo tem

foco nos padrões de uso das espécies, sendo desenvolvido com base nas seguintes questões:

(i) o que há de relações etnobotânicas e formas de manejo estabelecidas tradicionalmente

pelas comunidades ribeirinhas e extrativistas locais? (ii) Quais são suas implicações para a

conservação? Por fim, o quinto capítulo faz uma conclusão geral do trabalho.

1.1 Referências bibliográficas

ACRE (Estado). Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação, Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente. Zoneamento ecológico-econômico, Fase II: documento Síntese – Escala 1:250.000. Rio Branco, Acre, 2006. (Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre). BATES, B. C.; KUNDZEWICZ, Z. W.; WU, S.; PALUTIKOF, J. P. (Ed.). Technical paper VI of the Intergovernmental Panel on Climate Change: Climate Change and Water. Geneva: IPCC Secretariat, 2008, 210 p. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério do Desenvolvimento Social. Seminário nacional cadeias dos produtos da sociobiodiversidade: agregação de valor e consolidação de mercados sustentáveis. Relatório técnico. Brasília, 2008. 175p. BRASIL. Casa Civil. Decreto n. 6.874, de 5 de junho de 2009. Institui, no âmbito dos Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, o Programa Federal de Manejo Florestal Comunitário e Familiar - PMCF, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 jun. 2009. Seção 1, p.1. 2009a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6874.htm>. Acesso em: 13 fev. 2010. BRASIL. Mistério da Agricultura, Pecuária e Abastatecimento e Ministério do Meio Ambiente. Instrução Normativa Conjunta n. 17, de 28 de maio de 2009. Aprova as normas técnicas para a obtenção de produtos orgânicos oriundos do extrativismo sustentável orgânico. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 mai. 2009. Seção 1, p.14. 2009b. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao= visualizar&id=20144>. Acesso em: 1 fev. 2010. CIRAD. Projeto para o fortalecimento das atividades de extrativismo no Estado do Acre (TC-00-030-42-BR). Relatório de Pesquisa. Rio Branco, 2001, 254p.

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CLAY, J. W.; CLEMENT, C. R. (Ed.). Selected species and strategies to enhance income generation from Amazonian Forest. Roma: FAO. 1993. Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/V0784E/V0784E00.htm>. Acesso em: 27 set. 2008. ENDRESS, B. A.; GORCHOV, D. L.; NOBLE, R. B. Non-Timber Forest Product extraction: effects of harvest and browsing on an understory palm. Ecological Applications, v.14, n.4, p.1139–1153, 2004a. ENDRESS, B. A.; GORCHOV, D. L.; PETERSON, M. B. Harvest of the palm Chamaedorea radicalis, its effects on leaf production, and implications for sustainable management. Conservation Biology, v.183, p.822–830, 2004b. FAO. State of the world's forests 2009. Relatório Técnico. Roma, 2009. Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/011/i0350e/i0350e00.HTM>. Acesso em: 09 jan. 2010. FEARNSIDE, P. M. Desmatamento na Amazônia brasileira: história, índices e conseqüências. Megadiversidade, Belo Horizonte, v.1, n.1, 2005. FEARNSIDE, P. M.. Desmatamento na Amazônia: dinâmica, impactos e controle. Acta Amazônica, v.36, n.3, p.395–400, 2006. FSC BRASIL. Padrão de certificação FSC para o manejo florestal comunitário e de pequenos produtores florestais no Brasil: versão para consulta pública. Brasília: FSC Brasil, 2008. 14p. GITAY, H.; SUÁREZ, A.; WATSON, R. T.; DOKKEN, D J (Ed.). Technical paper V of the Intergovernmental Panel on Climate Change: Climate Change and Biodiversity. Geneva, 2002, 77p. GOMES-SILVA, D. A. P. Estrutura populacional e produtividade de patauá (Oenocarpus bataua Mart. – ARECACEAE) na Amazônia Sul-Ocidental, Acre-Brasil. 2002. 88p. Dissertação de mestrado (Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais) – Universidade Federal do Acre, Rio Branco. JOHNSON, D. Worldwide endangerment of useful palms. Advances in Economic Botany, v.6, p.268–273, 1988. KAGEYAMA, P. Y. Conservação in situ de recursos genéticos de plantas. Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais – IPEF, n.35, p.7–37, 1987. LAURANCE, W. F.; ALBERNAZ, A. K. M.; SHROTH, G.; FEARNSIDE, P. M.; BERGEN, S.; VENTICINQUE, E. M.; COSTA, C. D. Predictors of deforestation in the Brazilian Amazon. Journal of Biogeography, v.29, p.737–748, 2002. MEDICINAL PLANT SPECIALIST GROUP. Padrão Internacional para a Coleta Silvestre Sustentável de Plantas Medicinais e Aromáticas (ISSC-MAP). Tradução Natercia L. Moura do Valle. Bonn, Gland, Frankfurt, and Cambridge: BfN-Skripten 195, v.1, 2007. 38p. Título original: International Standard for Sustainable Wild Collection of Medicinal and Aromatic Plants (ISSC-MAP).

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CAPÍTULO 2

PRODUTOS FLORESTAIS NÃO MADEIREIROS (PFNMS): INFLUÊNCIA NA COLONIZAÇÃO DO VALE DO JURUÁ, CENÁRIO

POLÍTICO E ECOLOGIA

2.1 O Vale do Juruá e a colonização associada com a ocorrência de produtos florestais

não madeireiros

No cenário amazônico, o Estado do Acre se destaca tanto do ponto de vista da

diversidade biológica, quanto do quadro de políticas públicas e ações governamentais e não-

governamentais voltadas ao manejo sustentável de suas florestas. Sob o legado de Chico

Mendes, instituições que atuam no estado vêm promovendo a valorização da floresta “em pé”,

a partir de sua utilização racional (ACRE, 2006).

O estado se destaca também por peculiaridades dentro de um gradiente geográfico, no

sentido leste-oeste, havendo distinções em aspectos ambientais e socioculturais entre suas

regionais (conjunto de cinco divisões administrativas instituídas pelo governo do estado),

destacando-se aqui a Regional do Juruá, composta pelos cinco municípios mais ocidentais do

estado, a saber: Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Porto Walter e Marechal

Thaumaturgo (ACRE, 2006).

Do ponto de vista ambiental, a Regional do Juruá é apontada como uma das áreas mais

biodiversas da Amazônia. Apresenta, além da diversidade de espécies típicas do bioma

amazônico, espécies andinas e subandinas e outras de distribuição restrita ao Peru e Bolívia,

que enriquecem sua biodiversidade e a torna uma região única no Brasil (SILVEIRA et al.,

2002). Quanto à conservação, destaca-se o fato da regional manter mais de 95% de sua

cobertura florestal (ACRE, 2006).

Apresenta além da expressiva diversidade biológica, grande diversidade e riqueza

sociocultural, com presença de muitos povos indígenas e comunidades tradicionais

extrativistas e ribeirinhas, que representam quase a metade da população local (IBGE, 2007).

Verifica-se a ocorrência de dez Terras Indígenas, pertencentes a oito etnias diferentes (ACRE,

2006) – sem computar os povos indígenas insondados –, duas Reservas Extrativistas

homologadas e uma em processo de criação. Há também uma das unidades de conservação

mais biodiversas do planeta, o Parque Nacional da Serra do Divisor – PNSD.

Outro fator que destaca a regional é seu contexto histórico de ocupação por

populações brancas ou não-indígenas, distinto e independente do que ocorreu na porção leste

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do Estado do Acre, apesar do motivador de ocupação ser o mesmo, sendo diretamente

associada com os PFNMs de ocorrência local.

Numa remontagem, de acordo com Almeida et al. (2002), desde 1813 a porção mais

próxima à foz do Rio Juruá, localizada no Estado do Amazonas, era visitada por comerciantes

que navegavam em busca de escravos índios, de salsaparrilha Smilax spp. e de ovos de

tartaruga e, mais tarde, a partir dos idos de 1850, deu-se início à compra do látex de Hevea

brasiliensis Muell. Arg.; produto florestal não madeireiro que mais tarde se converteu no

grande vetor de desenvolvimento econômico e estimulador da ocupação por imigrantes

originários do nordeste brasileiro. Em 1863, a borracha, denominada à época ouro negro, já

representava um terço do valor das exportações da região.

De 1885 a 1895, os imigrantes ocuparam também o Vale do Alto Juruá, região

próxima às nascentes do rio, dando início ao processo de incorporação do território ao Brasil,

avançando sobre terras pertencentes à Bolívia e ao Peru. De forma mais precisa, o processo de

ocupação do trecho acreano por onde fluem as águas do Rio Juruá teve início no ano de 1877,

na chamada corrida por “terras sem dono” (ALMEIDA et al., 2002).

Assim se deu a ocupação branca do Vale do Juruá acreano, salientando-se que a

expansão geográfica da fronteira teve como ponto limitante a foz do Rio Breu, local onde ou

não mais se verificava a ocorrência da seringueira ou sua densidade de ocorrência era

reduzida (ALMEIDA et al., 2002). Dessa maneira, ao que tudo indica, a fronteira política do

Brasil com o Peru, hoje estabelecida na região, coincide com os limites biogeográficos de

ocorrência dessa espécie.

Atualmente, as populações estabelecidas na Regional do Juruá apresentam uma

mistura de hábitos nordestinos e indígenas, num processo de influência direta dos meios de

vida mais adaptados destes sobre aqueles. A importância dessa influência é evidenciada no

grande número de espécies florestais nativas utilizadas para fins de subsistência por

populações locais.

Num levantamento etnobotânico recentemente conduzido no Projeto de

Desenvolvimento Sustentável – PDS São Salvador, no Município de Mâncio Lima, foram

levantadas cerca de 160 espécies utilizadas com finalidades exclusivamente não madeireiras

por populações tradicionais (MACHADO, dados não publicados). Um número bastante

expressivo ao considerar-se que o levantamento envolveu apenas espécies nativas e foi

conduzido em uma única área, não sendo ela sequer indígena.

No mesmo estudo a família Arecaceae apresentou o maior número de espécies citadas

(25) dentre as 54 famílias levantadas, número mais de duas vezes superior à segunda

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colocada, Moraceae (11). A grande variedade de usos e a importância nas seguranças

alimentar e nutricional foram pontos de destaque da família.

2.2 Cenário nacional de favorecimento ao manejo não madeireiro

Com o Decreto 6.874, de junho de 2009, a presidência da república instituiu o

Programa Federal de Manejo Florestal Comunitário e Familiar – PMCF, atribuindo aos

Ministérios do Meio Ambiente – MMA e do Desenvolvimento Agrário – MDA a

competência por sua implementação. Trata-se de um programa ousado e inovador pelo

tamanho da área de intervenção e os recursos associados, incluindo extensa área da Amazônia

e investimentos de 40 milhões de reais já no primeiro ano (em 2010). Esse programa é uma

conquista especialmente do movimento socioambiental brasileiro que, organizado na forma de

um Grupo de Trabalho, construiu a minuta do citado decreto. As ações do programa estão

dividas em distintas frentes, envolvendo: crédito específico (em três linhas do Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Florestal), regularização

fundiária e ambiental, assistência técnica florestal, desenvolvimento de capacidades dentro de

órgãos ambientais de licenciamento – federais e estaduais –, capacitação de manejadores,

além de investimentos na qualificação da gestão de organizações de base social e em infra-

estrutura (BRASIL, 2009a; SFB, 2009).

Em paralelo e desde 2008, o MMA lançou a iniciativa de definição de preços mínimos

para dez PFNMs (dentro da Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM do governo

federal), incluindo o buriti e com possibilidade de ampliação do número de espécies e

produtos a ser contemplados (BRASIL, 2008). Em janeiro de 2010 sete desses produtos já se

encontravam com preços mínimos definidos (MMA, com. pessoal). Ressalta-se que a

definição de preços mínimos estabiliza a oscilação de valores de mercado, talvez o principal

problema nas cadeias de valor de PFNMs (MACHADO, 2008). A iniciativa federal envolve

também a inclusão de PFNMs no Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, o que pode

favorecer sobremaneira o desenvolvimento do manejo de parte desses produtos, devido à

escala de demanda do PAA (BRASIL, 2008).

Outra recente iniciativa do governo federal, a partir de uma articulação entre

ministérios e com participação de instituições governamentais e não governamentais dos

diferentes biomas brasileiros é o estabelecimento do Plano Nacional de Promoção das Cadeias

de Produtos da Sociobiodiversidade (BRASIL, 2008). No plano, a nomenclatura produtos da

sociobiodiversidade trata-se de uma nova terminologia empregada para produtos advindos de

padrões tradicionais de cultivo e extrativismo, a partir de povos e comunidades tradicionais e

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agricultores familiares – PCTAFs. Dentre os produtos da sociobidiversidade, destaque é dado

aos PFNMs, com políticas públicas previstas para todos os segmentos das cadeias de valor de

parte deles, envolvendo: fomento, crédito e incentivos fiscais; marcos regulatórios; assistência

técnica, extensão rural e capacitação; pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação;

divulgação e comunicação. Parte dessa iniciativa vem sendo chamada de Programa de

Aceleração do Crescimento – PAC da Sociobiodiversidade (BRASIL, 2008).

No âmbito federal, foi recentemente promulgada a instrução normativa – IN 17/2009

(BRASIL, 2009b), no marco da lei 10.831/2003 (BRASIL, 2003) e do decreto 6.323/2007

(BRASIL, 2007). Essa IN, denominada IN do Extrativismo Orgânico Sustentável, pela

primeira vez regula a certificação e adição de selos aos PFNMs. Apesar de ser uma

regulamentação apenas para produtores interessados na certificação, do ponto de vista jurídico

a IN se coloca como o único instrumento federal em vigência a estabelecer critérios

específicos para a condução do manejo sustentável de PFNMs.

Quanto a uma legislação de maior abrangência, começa a ser construído um marco

regulatório que define procedimentos para o licenciamento de todas as atividades de manejo

florestal não madeireiro no Brasil. Uma minuta desse marco legal foi recentemente elaborada

e apresentada ao Departamento de Florestas, Secretaria de Biodiversidade e Florestas do

MMA (Alexandre Dias, com. pess.).

Em consonância com o conjunto de alterações em estabelecimento no cenário

nacional, o Forest Stewardship Council – FSC Brasil começa a construir um padrão de

certificação adequado ao manejo florestal comunitário. Um novo padrão no qual há uma

proposta de divisão dos PFNMs em subgrupos, com definição de procedimentos de manejo e

monitoramento específicos a cada subgrupo (FSC BRASIL, 2008). Esta é a primeira vez em

que o FSC se propõe a tal tarefa e o Estado do Acre vem sendo uma das principais referências

em sua construção.

Outro padrão de certificação, ainda mais robusto, o ISSC (International Standard for

Sustainable Wild Collection), vem sendo desenvolvido por organizações internacionais numa

iniciativa que envolve: BfN (German Federal Agency for Nature Conservation), WWF

(World Wildlife Fund), TRAFFIC, UICN (Unión Internacional para la Conservación de la

Naturaleza), Medicinal Plant Specialist Group da UICN e FairWild Foundation. O padrão

está em fase de implementação formal em sete países, entre eles o Brasil, tratando-se do

conjunto mais elaborado de critérios e indicadores para o manejo sustentável de PFNMs até

então desenvolvido. O ISSC está estruturado em seis princípios fundadores, sendo eles: a)

manutenção dos recursos silvestres, b) prevenção de impactos ambientais, c) obediência às

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leis, regulamentos e acordos, d) respeito aos direitos tradicionais, e) aplicação de práticas de

manejo responsáveis e f) aplicação de práticas de comércio responsáveis (MEDICINAL

PLANT SPECIALIST GROUP et al., 2007).

Salienta-se que a atenção ampla e o favorecimento aos PFNMs que notadamente

começam a se estabelecer, estão originados num panorama de muitas incertezas a respeito da

ecologia e da biologia de muitas espécies, com destaque aqui sendo dado às espécies

pertencentes à família Arecaceae (palmeiras), uma das mais relevantes ao aproveitamento não

madeireiro (PERES, 1994; CAMPOS e EHRINGHAUS, 2003). Em alguns casos, o pouco

conhecimento que se tem das palmeiras pode inviabilizar seu manejo e uso sustentado

(HENDERSON, 1995).

2.3 Palmeiras na Amazônia e sua importância na geração de PFNMs

As palmeiras se destacam quanto à ampla distribuição na Floresta Amazônica,

especialmente na Amazônia Ocidental, e também com relação à riqueza de espécies e

abundância de indivíduos em algumas regiões (KAHN e GRANVILLE, 1992; PERES, 1994;

HENDERSON, 1995; HIRAOKA, 1999; CARVALHO et al., 2006; SILVA e FERREIRA,

2006), como o Vale do Juruá no Acre, onde se observam grandes áreas ocupadas por

fisionomias florestais com presença marcante dessa família, denominadas: Floresta Aberta

com Palmeiras, Floresta Aluvial Aberta com Palmeiras e Formações Pioneiras (com buritis)

(ACRE, 2006).

Esse destaque se evidencia no fato de que dos 42 gêneros de palmeiras ocorrentes no

Brasil, 35 estão presentes na Amazônia, sendo 22 deles endêmicos (LORENZI et al., 1996;

LORENZI et al., 2004; FERREIRA, 2005). No planeta são cerca de 200 gêneros e 1.500

espécies, com distribuição predominante em zonas tropicais e subtropicais (HENDERSON,

1995).

De acordo com Peters et al. (1989), outro fator de distinção para algumas espécies de

palmeiras, a exemplo de M. flexuosa e O. bataua, é a conformação de florestas oligárquicas

(do grego oligo=pouco e archic=dominado ou governado por), sendo milhões de hectares de

Floresta Amazônica dominados por apenas uma ou duas espécies. Segundo os mesmos

autores, são condições específicas de habitat que favorecem a dominação, como a ocorrência

de solos sob forte influência de cheias, solos encharcados ou ambientes que freqüentemente

sofrem algum tipo de perturbação, condições essas que podem favorecer a ocorrência

agregada de uma única espécie.

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Em função de sua distribuição, riqueza e abundância, e considerando o volume de

produção de frutos e sua grande disponibilidade de nutrientes, proteínas e componentes

calóricos, a família das palmeiras em muitos casos é fundamental para a alimentação da fauna

(HENDERSON, 1995). Segundo Phillips (1993), em estudo conduzido em três ambientes

florestais na Amazônia peruana, cerca de 60% dos frutos comestíveis encontrados foram

produzidos por palmeiras.

Essa família botânica é também amplamente utilizada de forma tradicional por

populações humanas (DAHLGREN, 1946; BALICK e BECK, 1990; PERES, 1994;

CAMPOS e EHRINGHAUS, 2003) e, algumas espécies, apresentam considerável potencial

de mercado, como as espécies sob o foco deste trabalho, o buriti e o patauá (CIRAD, 2001).

Essas espécies podem conformar florestas oligárquicas e produzir grandes quantidades de

frutos, sementes, óleos e outros produtos de interesse econômico (PETERS et al., 1989).

Ambas as espécies estão entre aquelas consideradas como prioritárias para o

aproveitamento não madeireiro e o fomento de atividades produtivas com finalidades

comerciais no Estado do Acre (CIRAD, 2001)

2.3.1 O buriti

O buriti é considerado a palmeira mais alta da Amazônia, podendo chegar a 40m de

altura. Os indivíduos além de altos são robustos, apresentando diâmetro à altura do peito de

20 a 60cm, quando adultos, estipe cilíndrico, ereto, raramente inclinado e coroado por um

capitel de 20 a 30 folhas, cada uma com 3 a 5m de comprimento e 2 a 3m de largura.

Apresentam, em geral, vida gregária, formando comunidades conhecidas no Brasil como

buritizais. As folhas são persistentes, uma vez que, quando desvitalizadas, permanecem na

palmeira por vários meses (PAULA-FERNANDES, 2002). Ao contrário da maioria das

espécies de palmeiras, o buriti é uma espécie dióica (CAVALCANTE, 1991).

As inflorescências são interfoliares, grandes, com 2 a 3m de comprimento: as

masculinas e as femininas são semelhantes, com ráquis provido de brácteas tubulares e

numerosos ramos secundários que têm em média 70 a 140cm de comprimento, providos de

bractéolas também tubulares, de onde partem eixos menores nos quais se inserem as flores.

Cada inflorescência tem em média 20 a 45 ráquis secundárias, dispostas opostamente. As

flores estão em espigas, dispostas alternadamente em ráquilas. As flores estaminadas são

densamente compactadas, com anteras alaranjadas brilhantes, sépalas com 3,5 a 4,5mm de

comprimento e pétalas lanceoladas com cerca de 1cm de comprimento. Já as flores pistiladas,

possuem sépalas com 8mm de comprimento, com pequena abertura no ápice e pétalas

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lanceoladas, com 6mm de comprimento (PAULA-FERNANDES, 2002). Os principais

polinizadores da espécie são coleópteros das famílias Nitidulidae, Curculionidae,

Mycetophagidae e Cucujidae, além de himenópteros e dípteros (STORTI, 1993; ABREU,

2001).

Os frutos são drupas globosas ou oblongo-elipsóides de 5 a 7cm de comprimento e 4 a

5cm de diâmetro. O epicarpo constitui-se de escamas rombóides, córneas, de cor vinho-

avermelhada e lustrosa; mesocarpo constituído de massa amarelada ou alaranjada comestível;

endocarpo duro (caroço) e semente muito dura com endosperma homogêneo (HENDERSON

et al., 1995; PAULA-FERNANDES, 2002). As infrutescências (cachos) podem apresentar

número de frutos superior a 700 e há indivíduos que possuem até nove cachos, no entanto, é

comum que este número seja inferior, entre 4 e 5 cachos.

Figura 1: Características morfológicas de Mauritia flexuosa L. f.: A. ilustração da estrutura aérea. B. flores femininas, C. flores masculinas, D. infrutescência, E. ráquilas com frutos. Fonte: A) José Francisco Gama da Silva e B-E) Paula-Fernandes (2002).

De acordo com os conhecimentos tradicionais, a frutificação no Vale do Juruá ocorre a

partir do mês de agosto, seguindo até março do ano posterior. Nessa regional é comum a

ocorrência de variação bianual de produtividade, de forma que o ano em que a produção é

alta, é seguido e precedido por anos de baixa produtividade. Padrão parecido foi encontrado

por Hiraoka (1999), com florescimento bianual da espécie.

De acordo com Matthews (1963), em termos fenológicos a periodicidade de produção

de frutos mais comum em regiões tropicais é a bianual. Acredita-se que a maior produção em

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um dado ano faz com que haja uma redução do crescimento vegetativo, o que promove a

redução da capacidade de produção no ano seguinte (KAGEYAMA e PINÃ-RODRIGUES,

1993; PIÑA-RODRIGUES e PIRATELLI, 1993).

Os frutos são apreciados por grande parte dos animais silvestres, incluindo-se ampla

riqueza de peixes, quelônios, pássaros – principalmente araras e papagaios – e mamíferos

(GOULDING, 1989; HIRAOKA, 1999). A dispersão ocorre também através da água que na

vazante carrega consigo os frutos do buriti (HIRAOKA, 1999)

O fruto é oleoso e rico em beta-caroteno (AGUIAR, 1980), sendo considerado por

Mariath et al. (1989) como uma das plantas mais ricas em beta-caroteno da natureza,

enquanto que para Castro (2000) trata-se da maior reserva de caroteno do Reino Vegetal,

sendo também uma rica fonte de proteínas. Os teores de beta-caroteno no óleo extraído do

mesocarpo equivalem a 152.000 µg RAE/100g (SANTOS, 2005), mais de 20 vezes superior

ao encontrado na cenoura, espécie tida popularmente como referência em termos de

concentração de carotenóides.

2.3.2 O patauá

O patauá tem no nome de seu gênero uma alusão à utilização mais tradicional desta

palmeira, a confecção de sucos (chamados regionalmente de vinhos), de forma que,

oinos=vinho e karpos=fruto (BALICK, 1986). Esse nome foi dado por naturalistas há quase

dois séculos, ao observarem a utilização dos frutos dessa palmeira na produção de sucos

nutritivos (WALLACE, 1853).

A espécie tem como principal sinonímia Jessinia bataua. O óleo retirado do fruto é

considerado um produto substituto do azeite de oliva, por apresentar grande semelhança

físico-química e propriedades quase idênticas (BALICK, 1988, 1993).

O patauá, assim como o buriti, apresenta um único estipe, com diâmetro à altura do

peito variando entre 15 e 30cm, colunar ou raramente apresentando intumescência,

freqüentemente com numerosas raízes na base. Apresenta de 6 a 16 folhas pinadas, arranjadas

em forma de espiral, cada uma medindo de 3 a 10m de comprimento (BALICK, 1993). A

bainha da folha, de cor verde-oliva escura, mede de 0,5-1,4 m, com pecíolo de 0,2-1m, é

persistente por longo tempo nos indivíduos mais jovens, mantendo-se na posição vertical – a

raqui mede de 3 a 8m de comprimento. Possui de 120 a 220 folíolos, dispostos a intervalos

regulares em um mesmo plano ao longo da raqui (BALICK, 1993).

A inflorescência possui uma forma peculiar, similar a um rabo de cavalo, classificada

como panícula, robusta, protegida por brácteas caducas, com 135 a 350 ráquilas cada uma,

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medindo de 70 a 120cm de comprimento, com tríades de flores, duas masculinas e uma

feminina (BALICK, 1988). Entre os principais polinizadores da espécie estão coleópteros dos

gêneros Phyllotrox e Anchylorhynchus (Curculionidae) e Mystrops (Nitidulidae) e da tribo

Derelomini (Curculionidae), os quais representam até 97% do fluxo de pólen entre

inflorescências (GARCÍA, 1988; NÚÑES-AVELLANEDA e ROJAS-ROBLES, 2008). A

dependência mútua, o grau de interrelação e a distribuição geográfica similar entre O. bataua

e seus polinizadores, sugere um importante grau de especialização (NÚÑES-AVELLANEDA

e ROJAS-ROBLES, 2008). Considera-se o vento como tendo importância secundária na

polinização, podendo não apresentar relevância alguma (BORGTOFT-PEDERSEN e

BALSLEV, 1993).

Os frutos possuem um formato redondo-ovalado, com epicarpo liso, de cor púrpura

escura quando maduros; medem de 2,5 a 3,5cm de comprimento, conservando na base uma

cúpula endurecida, formada pelo perianto que acompanha o crescimento do mesmo, recoberto

por uma tênue camada cerosa, esbranquiçada. O mesocarpo é suculento e oleoso, de cor

branca, verde ou rosada púrpura e medindo de 1 a 3mm de espessura. A semente unitária

contém um endosperma ruminado recoberto por delicadas fibras achatadas e endosperma

córneo (BALICK, 1988). Muitos animais se alimentam dos frutos de patauá (BALICK e

GERSHOFF, 1981), sendo, assim, potenciais dispersores, porém com alguns podendo atuar

como predadores. Rojas-Robles et al. (2008), verificaram que roedores das famílias Sciuridae,

Dasyproctidae e Echimyidae são importantes dispersores de sementes da espécie. Zona e

Henderson (1989), ampliam esta lista e incluem mamíferos de grande porte, tartarugas e um

conjunto de pássaros, entre eles: jacu, araras, periquitos, papagaios, tucanos, araçaris e curica.

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Figura 2: Ilustrações botânicas de Oenocarpus bataua Mart.: A. estrutura aérea, B. seção superior do estipe, inflorescência, bainha e folha, C. bráctea, D. ráquila com frutos, E. fruto em cúpula e F. plântula. Fonte: adaptado de Mori et al. (1997).

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31

CAPÍTULO 3

ESTRUTURA POPULACIONAL DE MAURITIA FLEXUOSA L. f. (BURITI) E

OENOCARPUS BATAUA MART. (PATAUÁ), NA AMAZÔNIA SUL-OCIDENTAL, BRASIL

3.1 Introdução

A estrutura populacional é a distribuição da população em um dado momento em

estádios ontogenéticos, a partir da avaliação de características quantitativas e qualitativas de

seus indivíduos (GATSUK et al., 1980). Pode ser definida também como a distribuição

numérica de seus indivíduos em diferentes classes de altura, diâmetro ou outra característica

que permita categorização (PETERS, 1996).

Segundo Gatsuk et al. (1980), uma sucessão de estádios morfologicamente

identificáveis, desde o nascimento até a morte dos indivíduos, compõe seu ciclo de vida.

Durante a ontogenia, esses estádios são caracterizados pela adição ou perda de certas

estruturas e propriedades, além de um conjunto de alterações morfológicas, anatômicas,

fisiológicas e bioquímicas. As espécies possuem uma programação genética que define a

duração média de cada estádio ontogenético, entretanto, a variação das condições ambientais

pode fazer com que alguns indivíduos alcancem o mesmo estádio ontogenético com diferentes

idades.

Comparativamente, o estudo da estrutura etária de uma população vegetal é muito

menos relevante do ponto de vista ecológico do que o estudo de sua estrutura de estádios

ontogenéticos (SILVERTOWN e DOUST, 1993). Dessa forma, o emprego de estádios

ontogenéticos para estudos populacionais de palmeiras tem sido muito comum (SILVA-

MATOS et al., 1999; SVENNING, 2002; FRECKLETON et al., 2003; SOUZA e MARTINS,

2005; BERNACCI et al., 2008).

A análise da distribuição dos indivíduos de uma população em classes ontogenéticas

permite inferir sobre o crescimento e a mortalidade das espécies. Considerando-se um

histograma com a distribuição de freqüência de uma população, tem-se que quando apresenta

a forma de jota (J) invertido aproxima-se de uma condição hipoteticamente ideal, ou seja, uma

condição que indica estabilidade ou sustentabilidade da população, havendo equilíbrio entre

as taxas de recrutamento de indivíduos jovens e a mortalidade daqueles em estágios mais

avançados de desenvolvimento (HUBBEL e FOSTER, 1987; REIS, 1995; PETERS, 1996).

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32

O primeiro trabalho quantitativo a considerar classes ontogenéticas em populações

arbóreas, mais especificamente classes diamétricas, foi conduzido em 1898 por De Liocourt

(apud MEYER, 1952). Nesse trabalho avaliou-se comparativamente as variações entre o

número de indivíduos em cada classe diamétrica, estabelecendo a razão entre o número de

indivíduos em uma dada classe e a imediatamente anterior. Tomando como referência o

trabalho de Liocourt (1898 apud MEYER, 1952), Meyer (1952) introduziu o conceito de

floresta balanceada, definido pelo autor como o equilíbrio entre as taxas de mortalidade e de

recrutamento de indivíduos, de forma que a razão entre as classes decresça de forma constante

e em progressão geométrica. Quando a razão é irregular, o recrutamento pode não estar

compensando a mortalidade (MEYER, 1952; FELFILI, 1997).

A partir da avaliação da distribuição de freqüência dos indivíduos nas diferentes

classes ontogenéticas pode-se inferir sobre as estratégias de regeneração e recrutamento,

assim como a respeito das preferências ecológicas das espécies (DENSLOW, 1980).

Complementariamente, de acordo com Stockdale (2005), a estrutura da população reflete o

histórico de regeneração da espécie.

No caso de espécies dióicas, como M. flexuosa e algumas outras palmeiras, como,

Phytelephas seemannii (BERNAL, 1998), Aphandra natalia (BARFORD, 1991),

Chamaedorea tepejilote (OYAMA, 1990), C. bartlingiana (ATAROFF e SCHWARZKOPF,

1992) e C. radicalis (BERRY e GORCHOV, 2004), o estudo de estrutura populacional

permite também que se avalie a razão sexual dos indivíduos (BERNAL, 1998). Essa

informação é relevante, entre outros aspectos, por indicar a proporção dos adultos que tem

capacidade de produzir sementes e promover a regeneração da espécie. Nesse sentido, nos

levantamentos de espécies dióicas, caso não sejam contados em separado machos e fêmeas,

torna-se difícil afirmar que a população encontra-se em situação de estabilidade, por mais que

se constate o formato J invertido. Considera-se que se o número de adultos contados não

apresentar indivíduos femininos (ou apresentá-los em pequena proporção), a população ao

contrário de estar em situação estável, poderá estar sob forte risco de extinção local

(RANKIN-DE-MERONA e ACKERLY, 1987).

Segundo Pulz et al. (1999), o estudo da estrutura populacional auxilia na delimitação

de modelos de produção, sendo um critério relevante na atenuação do impacto da exploração

sobre a espécie e a diversidade da floresta. Quando da definição das espécies a serem

exploradas, esse estudo permite o estabelecimento de ciclos de exploração mais adequados às

populações vegetais e favorece a avaliação de viabilidade econômica. O estudo da estrutura

populacional é fundamental na determinação da aptidão das espécies ao manejo não

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33

madeireiro, de forma que caso não se verifique o formato J invertido a manutenção das

populações pode ser colocada em risco (STOCKDALE, 2005).

Apesar das inúmeras possibilidades econômicas, segundo Cavalcante (1991), o buriti é

uma espécie quase esquecida quanto a estudos que possam viabilizar o manejo de suas

populações. São escassos trabalhos aprofundados sobre estrutura populacional de M. flexuosa

(KAHN, 1988; CARDOSO et al., 2002; SAMPAIO et al., 2008). O mesmo se pode dizer para

O. bataua, em detrimento de suas relevâncias ecológica e econômica (KAHN, 1988;

GOMES-SILVA, 2003).

Considerando a área de estudo, neste capítulo objetivou-se (i) caracterizar as estruturas

populacionais de M. flexuosa e O. bataua, (ii) avaliar a razão sexual e as diferenças em porte

e diâmetro entre indivíduos masculinos e femininos de M. flexuosa e (iii) definir a aptidão das

espécies ao manejo não madeireiro.

3.2 Material e métodos

3.2.1 Área de estudo

O Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS São Salvador é composto por dez

comunidades de ribeirinhos e extrativistas, nas quais vivem 250 famílias, num total estimado

de mil pessoas. Está localizado na Regional do Juruá, em uma área de aproximadamente 53

mil hectares, entre os paralelos 7°35’ e 7°12’ de latitude sul e os meridianos 73°30’ e 73°10’

de longitude oeste, às margens do Rio Moa (Figura 3), afluente do Rio Juruá, entre as Terras

Indígenas Poyanawa e Nukini, na área de entorno do Parque Nacional da Serra do Divisor –

PNSD. O acesso se dá exclusivamente por navegação através do Rio Moa, estando a área

localizada a uma distância de cerca de 80km do centro urbano mais próximo, a cidade de

Mâncio Lima, Acre.

Na rede de drenagem do PDS São Salvador, destacam-se os Rios Moa e Azul e os

Igarapés São Pedro e Timbaúba, além de uma vasta malha de pequenos cursos d’água, em sua

maioria de fluxo de água intermitente ao longo do ano. As cheias ocorrem durante o período

chuvoso – inverno amazônico – e se estendem geralmente dos meses de outubro a maio.

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34

Figura 3: Mapa de localização do PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre. Fonte: Base Topográfica Digital do Estado do Acre (elaboração: Djallene Rebêlo de Araújo).

O PDS São Salvador é o primeiro assentamento humano criado no Brasil dentro da

categoria PDS, no ano de 2001 (INCRA, 2001). Essa categoria visa à melhoria das condições

de vida de famílias rurais, associada com a conservação dos recursos naturais que as cercam.

O PDS São Salvador vem sendo, por repetidas vezes, citado como um modelo de ocupação e

conservação dos recursos naturais pela Coordenadoria Nacional de Meio Ambiente do

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, órgão do Ministério do

Desenvolvimento Agrário responsável pelos assentamentos humanos no Brasil.

3.2.1.1 Clima

O clima do Estado do Acre é do tipo úmido, segundo Thornthwaite e Mather (1955

apud PMACI, 1990). A principal característica da pluviosidade no estado é a diminuição

progressiva de intensidade do período seco, no sentido sudeste-noroeste (Brasiléia-Cruzeiro

do Sul), com três meses secos no setor sudeste – junho, julho e agosto – e menos de um no

noroeste (ACRE, 2006).

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35

A temperatura média anual no Vale do Juruá é de 24º a 25ºC, sendo a máxima em

torno de 34º. As mínimas se dão principalmente durante os períodos de “friagem” e podem

chegar a 8ºC, mesmo que raramente. A “friagem” é um fenômeno climático que provoca

queda brusca de temperatura na região e ocorre durante a estação seca. A média anual de

umidade relativa do ar é de 85% e o período de insolação equivale a 13 horas por dia. A

pluviosidade anual é de 2.166mm, estando entre as maiores do estado (DUARTE, 2006). Os

ventos se formam majoritariamente no sentido nordeste-sudeste, principalmente no período de

verão.

3.2.1.2 Pedologia e geomorfologia

Segundo EMBRAPA (2000), em estudos conduzidos na área equivalente à primeira

demarcação do PDS São Salvador (não incluindo a Gleba Timbaúba, adicionada

posteriormente à porção noroeste do PDS), os principais solos, em termos de área total de

abrangência, são: Alissolos (62,0%); Plintossolos (16,0%); Neossolos (13,8%) e Gleissolos

(8,0%) (Figura 4). Estes solos são de pouca fertilidade natural, resultante dos baixos

conteúdos de bases trocáveis e baixa capacidade de troca de cátions.

Os solos encontrados têm como maior limitação a presença de plintita no horizonte

superficial, que causa limitações físicas no que se refere à drenagem e permeabilidade,

dificultando sobremaneira o cultivo (EMBRAPA, 2000). Dessa forma, no PDS São Salvador

as extensas planícies aluviais têm importância singular, pois se constituem como a base da

produção familiar, uma vez que as comunidades estão localizadas nas margens dos rios e

igarapés (EMBRAPA, 2000).

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36

Figura 4: Mapa de solos do PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre. Fonte: adaptado de EMBRAPA (2000).

A formação geomorfológica predominante no PDS São Salvador é do tipo Colinas,

com relevos de topo pouco convexo, separados por vales em “V” e, eventualmente, por vales

de fundo plano, mapeadas com índice de dissecação muito fraco (ACRE, 2000)

3.2.1.3 Vegetação

No PDS São Salvador são encontradas cinco tipologias florestais distintas, sendo elas,

em ordem decrescente de abrangência: floresta densa (68,4%), floresta de várzea (12,5%),

floresta de várzea alta (baixio) (7,4%), floresta aberta (3,0%) e buritizais (1,0%). Áreas

antropizadas ocupam 7,7% do assentamento (Figura 5).

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37

3.2.2 Amostragem populacional de buriti e patauá e análise dos dados

Tanto no caso de M. flexuosa quanto de O. bataua, foi levantada a distribuição numérica

de indivíduos em diferentes classes de tamanho e diâmetro, correspondentes aos seguintes

estádios ontogenéticos:

• plântulas: indivíduos com até 50cm de altura;

• jovem I: indivíduos com altura total > 50cm e sem estipe;

• jovem II: indivíduos com estipe, porém, sem indícios de ter atingido a fase reprodutiva;

• adultos: indivíduos reprodutivos, apresentando inflorescências, infrutescências ou

vestígios destas.

As classes ontogenéticas adotadas são as mesmas definidas em trabalhos conduzidos

com palmeiras no Estado do Acre, entre eles: Gomes-Silva (2001), estudando populações de

patauá e Rocha (2004), estudando açaí Euterpe precatoria. Adicionalmente, essas classes são

Figura 5: Formações vegetacionais ocorrentes no PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre.

Fonte: adaptado de EMBRAPA (2000).

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38

próximas às definidas por Cardoso (2002) e Sampaio et al. (2008), ao avaliarem a estrutura

populacional de M. flexuosa em áreas de Cerrado.

As informações levantadas foram: número de indivíduos em cada estádio de

desenvolvimento e, entre os adultos: circunferência à altura do peito (CAP), altura total e,

para M. flexuosa, número de machos e fêmeas. No último caso, foram feitas observações das

estruturas reprodutivas, definindo como machos os indivíduos que apresentaram

inflorescências com presença de remanescentes de flores masculinas (que são persistentes),

enquanto que para a definição do sexo feminino foram observadas as ráquilas das

infrutescências, que se apresentavam com frutos ou com os eixos de inserção dos frutos

vazios (considerando a finalização de sua maturação, seguida por queda).

Quanto ao estabelecimento de parcelas amostrais, considerando-se que a agregação é o

tipo mais comum de distribuição de espécies arbóreas tropicais (CONDIT et al., 2000) e que

esse padrão ocorre em função da heterogeneidade ambiental das florestas, com irregularidade

da disponibilidade dos recursos (LEGENDRE e FORTIN, 1989), primeiramente, foram

definidas as áreas de ocorrência agregada de cada palmeira, a partir de conhecimentos

tradicionais e visitação às áreas indicadas pela população local (vide Capítulo 4). Esse

procedimento permitiu o posicionamento das parcelas amostrais no interior de áreas gregárias,

favorecendo avaliar se de fato conformam florestas oligárquicas. Para buriti as parcelas foram

posicionadas na tipologia Floresta Aberta com Palmeiras Aluvial e para patauá em Floresta

Densa mais Floresta Aberta com Palmeira (ACRE, 2006).

O delineamento amostral restrito às áreas de ocorrência agregada favorece o

cumprimento de premissas básicas ao estudo de estrutura de populações, como a relevância

estatística de haver, pelo menos, três ou quatro indivíduos adultos por parcela (ALDER e

SYNNOTT, 1992; STOCKDALE, 1999, 2005).

Para cada população estudada foram demarcadas nove parcelas de 50x10m, nas quais

foram amostrados os indivíduos adultos, jovem II e jovem I, e em cada uma delas foram

delimitadas dez subparcelas de 2x2m, onde foram amostradas as plântulas (Figura 6).

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As parcelas foram posicionadas de forma aleatória, porém, respeitando-se uma

distância mínima entre elas equivalente a 50m, mesmo tamanho do maior comprimento de

cada parcela, garantindo a não ocorrência de pseudorreplicação (HURLBERT, 1984).

As parcelas demarcadas são do tipo permanente, sendo delimitadas com estacas de

PVC de 1m, pintadas de vermelho e fixadas em seus quatro vértices. Todos os indivíduos com

estipe foram plaqueteados e a primeira e última estacas de PVC (de entrada e de saída da

parcela, respectivamente) receberam uma placa metálica (de 5x7cm), identificando o número

da parcela, a espécie estudada e a comunidade humana onde se localiza. Por fim, foram

tomados, sobre esses dois marcos, pontos de GPS para facilitar a localização posterior das

parcelas.

Com o estabelecimento das parcelas permanentes, poderão ser feitas novas tomadas de

dados da estrutura da população em estudos futuros. A repetição da amostragem no tempo

poderá permitir a avaliação da dinâmica das populações no local da pesquisa (PETERS,

1996).

Os dados foram analisados a partir de estatística descritiva, sendo segregados em

classes, correspondentes aos citados estádios de desenvolvimento dos indivíduos. A descrição

foi feita a partir de histogramas de freqüência de indivíduos por classe ontogenética

(STOCKDALE, 2005). O valor das médias é apresentado ao longo do texto seguido por seus

respectivos desvios padrões. A comparação entre médias foi conduzida por meio do teste t de

Student. A análise de correlação entre as variáveis altura e CAP foi realizada a partir do

coeficiente de Pearson (r), avaliando a existência de relação hipsométrica (CALLEGARI-

JACQUES, 2003). As análises foram conduzidas sob 95% de confiança.

Figura 6: Desenho esquemático da unidade amostral utilizada no estudo de estruturas

populacionais de M. flexuosa e O. bataua no PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre.

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40

3.3 Resultados

O valor médio de CAP dos indivíduos de M. flexuosa foi de 124,6 ±17,5cm, com

limite superior equivalente a 187cm (Figura 7) e com variação entre os sexos. Os indivíduos

femininos apresentaram uma média de 128,3cm (±18,3cm), enquanto os masculinos de

120,1cm (±15,6cm), sendo essa variação significativa (GL=79; t=2,11; p=0,038).

A altura dos indivíduos de buriti foi de 27,4m (±5,1m), com limite superior de 38m

(Figura 7), sendo que os indivíduos femininos apresentaram uma média de 27,7 ±5,2m e os

masculinos de 26,9 ±5,1m, não sendo essa diferença significativa (GL=79; t=0,64; p=0,524).

Em O. bataua, o valor médio de CAP foi 71,2cm (±8,6cm) e da altura 22,8m (±5,2m),

com limites superiores correspondendo a 93cm e 29m, respectivamente (Figura 7).

Diferentemente de buriti, não foram conduzidas análises de diferenças entre sexos em função

de tratar-se de espécie monóica.

Figura 7: Distribuição de indivíduos adultos de M. flexuosa e patauá O. bataua em classes de CAP e altura, em áreas de ocorrência gregária no PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre.

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41

Não se constatou a existência de relação hipsométrica em M. flexuosa (r=0,15; GL=79;

t=1,43; p=0,16). Já em O. bataua, as variáveis altura e CAP apresentaram correlação positiva

(r=0,56; n=30; GL=28; t=3,55; p=0,0014) (Figura 8).

O. bataua apresentou área basal equivalente a 2,72m2ha-1e M. flexuosa 22,66m2ha-1,

sendo 13,05m2ha-1 correspondente aos indivíduos femininos e 9,61m2ha-1aos masculinos.

A densidade de indivíduos de buriti nas diferentes classes ontogenéticas equivaleu a

180,0 ind.ha-1 (±67,1) adultos, 80,0 ind.ha-1 (±37,4) jovem II, 148,9 ind.ha-1 (±88,9) jovem I e

1.642,2 ind.ha-1 (±1.148,5) plântulas. Já a densidade de patauá foi de 66,7 (±42,4) adultos,

13,3 (±20) jovem II, 466,7 (±224,7) jovem I e 1.328,9 (±729,5) plântulas.

Ao avaliar-se as densidades médias de indivíduos femininos e masculinos do buriti,

observou-se 97,7 ind.ha-1 (±38,0) e 82,2 ind.ha-1 (±49,4), respectivamente. No entanto, a

superioridade aparente das fêmeas não foi significativa (GL=16; t=0,75; p=0,47).

Quanto à distribuição em classes ontogenéticas, os histogramas de ambas as

populações apresentaram formato de J invertido, com predomínio de indivíduos nas classes

iniciais de desenvolvimento (Figuras 9, 10).

Figura 8: Relação hipsométrica de indivíduos adultos de O. bataua no PDS São Salvador,

Mâncio Lima, Acre.

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42

Figura 9: Histograma de distribuição de freqüência de indivíduos de M. flexuosa em classes ontogenéticas no PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre.

Figura 10: Histograma de distribuição de freqüência de indivíduos de O. bataua em classes ontogenéticas no PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre.

Page 45: E P E P M L f M ), A S O B

43

3.4 Discussão

Apesar do reduzido tamanho das parcelas (500m2) definido no presente estudo,

verificou-se que os dados levantados permitiram a condução satisfatória de análises

estatísticas, apresentando valores de desvio padrão da média inferiores aos de um estudo com

O. bataua com parcelas maiores (GOMES-SILVA, 2003). Por outro lado, ao comparar-se

com o estudo de M. flexuosa conduzido por Sampaio et al. (2008), com parcelas de 5 x 5m, as

parcelas aqui utilizadas são maiores, porém, acredita-se que o desenho amostral do presente

estudo tenha maior facilidade de implementação, sendo uma vantagem associada. Assim,

acredita-se que a proposta metodológica do presente trabalho pode ser oportuna em futuros

estudos de estrutura populacional de M. flexuosa e O. bataua, em condições semelhantes de

agregação de indivíduos.

Quanto ao porte dos indivíduos adultos de M. flexuosa e O. bataua, constatou-se que

regionalmente ambas as espécies se apresentam com medidas de CAP e altura próximas aos

limites superiores descritos em literatura (BALICK, 1993; PAULA-FERNANDES, 2002) e

com elevado valor de médias. Os resultados obtidos foram muito superiores aos encontrados

em outros estudos (CARDOSO et al. 2002; GOMES-SILVA, 2003). Sem distinguir machos e

fêmeas, no Cerrado de Minas Gerais, Cardoso et al. (2002) verificaram para o buriti média de

diâmetro à altura do peito – DAP equivalente a 33,14cm (±10,55cm) e altura média de 10,5m

(±3,0m), com limites superiores das duas variáveis correspondendo a 40,4cm e 17m. Gomes-

Silva (2003), estudando o patauá na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, encontrou

média de DAP equivalente a 22,9cm em terra firme e 22,4cm em baixio, enquanto que as

alturas médias foram de 11,5m e 11,1m, respectivamente.

A correlação positiva entre CAP e altura de O. pataua verificada no presente estudo é

contrária ao resultado obtido por Gomes-Silva (2003), que não observou relação hipsométrica.

Segundo a autora, a inexistência de correlação inviabilizaria inferências sobre a idade dos

indivíduos e o início da época reprodutiva.

Quando avaliada a área basal em suas respectivas áreas de ocorrência, M. flexuosa

apresenta o expressivo valor de 22,66m2ha-1, dos quais 58% correspondem a indivíduos

femininos, enquanto que O. bataua apresentou área basal de 2,72m2ha-1. Kahn (1988), em

trabalhos conduzidos na bacia do Rio Ucayalli, Amazônia peruana, em área denominada

regionalmente como sacha aguajal, encontrou uma área basal de O. bataua equivalente a

2,16m2ha-1 e de M. flexuosa a 6,94m2ha-1, já quando avaliada uma área típica de buritizal

(denominada aguajal) a área basal de M. flexuosa foi de 16,53m2ha-1.

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44

A densidade de indivíduos adultos de M. flexuosa encontrada neste estudo (180,0

±67,1 ind.ha-1), indica que essa espécie conforma floresta oligárquica, conhecida

regionalmente como buritizal, uma vez que, de acordo com Peters et al. (1989), uma espécie

oligárquica deve apresentar densidade superior a 100 ind.ha-1. Estudos conduzidos por

Sampaio et al. (2008) na região do Jalapão-TO, revelaram densidades (ind.ha-1) de 503,5

adultos, 138,5 imaturos, 243,5 jovens, igualmente com formação de floresta oligárquica. O

mesmo não foi observado por Cardoso et al. (2002), que encontraram densidades de 11,9

adultos, 1,8 imaturos e 227,6 jovens. Florestas oligárquicas também foram encontradas em

trabalhos no Peru e na Colômbia, nos quais foram verificadas densidades de buritis adultos

superiores a 100 ind.ha-1 (GONZALES-RIVADENEYRA, 1971; URREGO-GIRALDO,

1987; KAHN, 1988).

Segundo Peters et al. (1989), características locais condicionam a conformação de

florestas oligárquicas e, de acordo com Kahn (1991), os buritis ocorrem preferencialmente em

solos inundáveis caracterizados pela acumulação de matéria orgânica parcialmente

decomposta, com muitos metros de profundidade e água ácida (pH=3,5). A matéria orgânica é

composta principalmente por folhas mortas, inflorescências masculinas e infrutescências

femininas de M. flexuosa. No presente estudo, verificou-se que o buriti tem ocorrência

predominante em locais que passam por períodos de inundação ao longo do ano,

especialmente áreas da categoria regionalmente definida como baixio, onde se formam os

buritizais. Os baixios são ambientes de solo hidromórfico, inundados apenas quando das

cheias mais expressivas dos rios.

Em O. bataua a constatação de ocorrência de floresta oligárquica não é possível, a

densidade de adultos encontrada neste estudo foi de 66,7 ±42,4 ind.ha-1. O mesmo foi

verificado por Gomes-Silva (2003), que utilizou as mesmas classes ontogenéticas aqui

empregadas e encontrou densidades de 26,9 adultos, 18,4 jovens II, 83,7 jovens I e 778,0

plântulas. A autora, ao separar as áreas pesquisadas, encontrou densidades de adultos

equivalentes a 38,0 ind.ha-1 em baixio e 15,8 em terra firme. Outro estudo conduzido no

Estado do Acre (EHRINGHAUS, 2000) tem conclusões que apontam no mesmo sentido, ao

encontrar densidades de adultos de 48 ind.ha-1 em baixio e 14 em terra firme. Estudos

conduzidos no Peru e no Equador também apresentaram densidades inferiores ao do presente

trabalho, variando entre 28 e 38 ind.ha-1 (KAHN, 1988; VASQUEZ e GENTRY, 1989;

BORGTOFT-PEDERSEN e BALSLEV 1993), enquanto que em uma floresta submontana da

Bolívia, Lofgren (1995) encontrou apenas 6,8 ind.ha-1.

Page 47: E P E P M L f M ), A S O B

45

Em contraposição aos citados estudos, Vormisto et al. (2004), em trabalho conduzido

no Peru (região de Iquitos-Pebas) e no Equador (região de Yasuni), verificaram a

conformação de florestas oligárquicas por O. bataua em ambos os locais. A espécie

representou até 50% da abundância de palmeiras na região de Yasuni e, entre as 64 palmeiras

estudadas nas duas áreas, apresentou o maior número absoluto de indivíduos. Rojas-Robles et

al. (2008), em estudo conduzido na Colômbia com o patauá, tem conclusão semelhante, ao

encontrar densidade de adultos de 163 ind.ha-1.

Apesar de não conformar floresta oligárquica na área de estudo, o patauá tem

ocorrência destacada, com expressiva densidade de indivíduos e importância ecológica na

produção de frutos, altamente apreciados pela fauna (ZONA e HENDERSON, 1989).

De acordo com Balick (1988), os patauás ocorrem predominantemente em solos

fracamente drenados, inundáveis pela água das chuvas, com alta luminosidade e altitudes

menores que 950m. O patauá, tem ocorrência mais destacada em ambiente nomeado baboca

pelos moradores do PDS São Salvador e, assim como indicado pelas comunidades do PDS

São Salvador, tanto o patauá como o buriti são pouco freqüentes em florestas altas de solo

bem drenado (KAHN, 1988).

Quando avaliadas as distribuições das populações de M. flexuosa e O. bataua em

classes ontogenéticas, ambas as palmeiras apresentaram densidade na classe adultos maior do

que na classe jovem II (Figuras 9, 10), assim como o observado por Gomes-Silva (2003). Essa

variação na curva de distribuição pode ocorrer com espécies de vida longa, nas quais o

recrutamento de novos indivíduos ocorre de forma distinta ao longo do tempo (HALL e

BAWA, 1993 apud GOMES-SILVA, 2003). Dessa forma, é provável que pelo fato de o

tempo de permanência dos indivíduos dentro da classe adulta ser mais longo quando

comparado com o tempo como jovem II, o número de indivíduos naquela classe tende a ser

superior.

Ao agruparem-se as contagens do número de indivíduos das duas classes definidas

como jovens (jovem I e II), a distribuição de classes ontogenéticas apresentou formato

exponencial inverso ou J invertido, com predomínio de indivíduos na classe plântula e

diminuição progressiva até a classe adulta. Esse resultado indica uma possível condição de

estabilidade entre mortalidade e regeneração da população, numa situação tida como próxima

ao ideal, considerando-se a possibilidade de manejo sustentável da espécie (PETERS, 1996).

A estrutura em J invertido também foi verificada em outros estudos com as mesmas espécies

(KAHN, 1988; GOMES-SILVA, 2003; CARDOSO et al., 2002; SAMPAIO et al., 2008).

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46

Dessa forma, os resultados obtidos, incluindo (i) a constatação de estabilidade entre

mortalidade e regeneração das populações, (ii) a conformação de florestas oligárquicas, no

caso do buriti, ou o forte padrão de agregação de patauá e (iii) o equilíbrio na razão sexual de

buriti, indicam que as populações das duas palmeiras estudadas estão aptas ao manejo não

madeireiro sustentável, podendo oportunamente ser aproveitadas com finalidades comerciais

pelas populações locais.

3.5 Referências bibliográficas

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51

CAPÍTULO 4

ASPECTOS ETNOBOTÂNICOS E MANEJO DAS PALMEIRAS MAURITIA

FLEXUOSA L. f. (BURITI) E OENOCARPUS BATAUA MART. (PATAUÁ), NO PDS SÃO SALVADOR, ACRE

4.1 Introdução

A etnobotânica pode ser definida como o estudo das sociedades humanas, atuais e

ancestrais, a partir de uma abordagem de suas interações ecológicas, genéticas, evolutivas,

simbólicas e culturais com espécies vegetais (ALEXIADES, 1996), tendo em vista que o uso

de recursos naturais é uma prática milenar que supera os obstáculos da história do

desenvolvimento humano e chega até os dias atuais, com aplicação a toda população mundial

(DI STASI et al., 1996).

Desde os tempos dos naturalistas que acompanhavam as expedições colonizadoras e

exploratórias às “terras de além-mar” os usos medicinais e terapêuticos de organismos

vegetais são reportados, entretanto, quase sempre sem informações relacionadas com seu

manejo (PIRES, 1984).

De acordo com Prance (1995), são os estudos de Carl Linnaeus que dão origem aos

levantamentos etnobotânicos, uma vez que, em seus diários de viagens eram registradas

informações não apenas botânicas, como também de aspectos relacionados com os povos,

suas tradições, hábitos e costumes no uso da biodiversidade vegetal da região onde viviam.

Levantamentos etnobotânicos permitem o conhecimento do potencial de uso das

espécies vegetais e favorecem a perpetuação do conhecimento tradicional detido pelas

comunidades. Possibilitam também avaliar a reserva genética da flora de uma dada região e

servem de incentivo ao incremento de sua utilização por parte dos interessados (MING,

1996).

Um estudo voltado a espécies com finalidades não madeireiras pode permitir o acesso

ao conhecimento tradicional de uso destas espécies e servir como base para o seu manejo

sustentável. De acordo com Amorozo (1996), o estudo de plantas silvestres, a partir de seu

emprego por sociedades autóctones de tradição oral, pode gerar muitas informações úteis,

entre outros aspectos, à elaboração de estudos sobre técnicas de produção, com economia de

tempo e dinheiro.

Os conhecimentos e tecnologias tradicionais, enriquecidos pelo conhecimento

científico, podem favorecer o desenvolvimento sustentável tanto no nível local das

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52

comunidades estudadas, como a níveis mais amplos. A interação entre esses dois saberes pode

representar não somente um novo estilo de desenvolvimento mais racional do ponto de vista

ecológico, como também pode ser parte de uma estratégia política para o intercâmbio social

(CABALLERO, 1983).

Campos e Ehringhaus (2003) consideram que informações sobre padrões de uso em

comunidades tradicionais ou povos indígenas são a base para o sucesso de estratégias de

desenvolvimento local, principalmente no que diz respeito ao manejo de recursos naturais.

Ming (2000) avalia que a intensificação de trabalhos etnobotânicos aumenta o conhecimento

sobre as espécies que são utilizadas, podendo ser um instrumento relevante no delineamento

de estratégias de utilização e conservação das espécies nativas e seus potenciais.

Adicionalmente, segundo Stockdale (2005), o manejo sustentável de produtos florestais não

madeireiros pode ser um incentivo à manutenção das florestas e uma contribuição para a

conservação dos meios de vida daqueles que nelas vivem.

De acordo com Elisabetsky e Setzer (1987), a coleta de informações de populações

tradicionais também é fundamental para se obter e resgatar o conteúdo de aspectos culturais,

muitas vezes específicos de cada local e importantes para o uso racional das plantas. Algumas

vezes a utilização de novas tecnologias de coleta de produtos florestais, originadas no

ambiente externo à comunidade, pode acarretar em profundas transformações nas populações

das espécies utilizadas (AGUILAR, 2005).

Ao considerar-se a família Arecaceae, observa-se que há um conjunto relativamente

amplo de trabalhos conduzidos na Floresta Amazônica sob a ótica de sua utilização ou

etnobotânica (SCHULTES, 1974, 1977; BALICK, 1979; BALICK e GERSHOFF, 1981;

VICKERS e PLOWMAN, 1984; BOOM 1986; BALSLEV e BARFOD, 1987; KAHN, 1988;

PADOCH, 1988; BALSLEV e MORAES, 1989; CERON e MONTALVO, 1994; GÓMEZ et

al., 1996; BORCHSENIUS et al., 1998). Esses estudos contemplam um variado número de

palmeiras e apresentam as mais diversas formas de uso do grupo.

A diversidade de populações vegetais que vêm sendo estudadas sob o enfoque

etnobotânico no Brasil demonstra a importância dos trabalhos nesta área para futuros estudos

que envolvam fitotecnia, manejo, extrativismo, cultivo de espécies tradicionais e análises

laboratoriais. Esses estudos contribuirão para resgatar e valorizar o saber popular,

intensificando sua disseminação entre os membros das comunidades estudadas (SANTOS et

al., 2008).

Este capítulo buscou levantar informações sobre relações estabelecidas entre

comunidades tradicionais do PDS São Salvador e as palmeiras M. flexuosa e O. bataua,

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53

objetivando (i) levantar as relações etnobotânicas e as formas de manejo na área de estudo e

(ii) suas implicações para a conservação.

4.2 Material e métodos

4.2.1 Área de estudo

Idem ao Capítulo 3.

4.2.2 Características de ocupação do PDS São Salvador e usos de PFNMs

O PDS São Salvador é composto por dez comunidades, antigos seringais, e cada uma

delas apresenta características particulares no que diz respeito a condições sociais,

econômicas, atividades potenciais e, até mesmo, características culturais, apesar de se

situarem bem próximas umas das outras e comporem uma unidade de assentamento

(GUERRA, 2004). Quando avaliadas individualmente, é comum que as comunidades sejam

formadas por pessoas de apenas um ou dois ramos familiares.

As residências estão posicionadas principalmente em núcleos comunitários,

distribuídos ao longo dos principais cursos d’água da rede hidrográfica local, Rios Moa e

Azul e igarapés São Pedro e Timbaúba. As áreas de uso alternativo, por sua vez, estão

localizadas nas adjacências desses núcleos, enquanto que as áreas de reserva legal estão

agregadas em áreas contínuas de floresta. Assim, como no PDS as famílias têm título de

concessão de uso de uma área de 100ha, 20ha correspondem ao uso alternativo do solo e os

demais compõem a reserva legal comunitária (floresta contínua), não havendo a delimitação

de posses individuais em seu interior. O PDS São Salvador foi um dos primeiros

assentamentos a implementar essa proposta, a partir de um processo de tomada de decisão

participativo com as comunidades, capitaneado pela ONG PESACRE.

Na área de floresta comunitária, assim como nos remanescentes florestais das áreas

onde é permitido o uso alternativo do solo, é conduzida a caça de subsistência (FRAGOSO e

SANTOS, 2000) e são muitas as espécies vegetais nativas que vêm sendo utilizadas pelos

comunitários com fins não madeireiros. Em levantamentos recentes (MACHADO, dados não

publicados), verificou-se a utilização de cerca de 160 espécies nativas, pertencentes a 109

gêneros e 54 famílias.

As finalidades de uso descritas são bastante variadas, sendo: 79 espécies medicinais,

75 alimentares, 35 com usos tecnológicos locais (p. ex.: calafetagem, impermeabilizante, fibra

para amarrar peças de edificações, etc.), 20 utilizadas para confecção de utensílios (p. ex.:

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54

cestos, abanos, cadeira, chapéu, etc.), 9 para fins cosméticos, entre outros usos. A família das

palmeiras (Arecacea) foi aquela com o maior número de espécies citadas, 25 no total.

4.2.3 Levantamento de informações etnobotânicas

4.2.3.1 Mobilização popular

Inicialmente, foi conduzido um processo de mobilização popular, com o intuito de

apresentar o projeto e suas linhas temáticas às comunidades e de mobilizar a população local

para os momentos de levantamento de informações em grupo. Adotou-se esse como o

primeiro passo ao considerar-se que a mobilização popular constitui-se em uma fase

importante para qualquer trabalho que trate de questões de cunhos etnometodológicos

(COULON, 1995) e etnoecológicos (POSEY, 1987).

A mobilização envolveu a veiculação de mensagens pelas rádios mais escutadas no

PDS São Salvador, Rádio FM Juruá e Rádio Verdes Florestas AM. As mensagens informaram

sobre o conteúdo, as datas das oficinas nas 10 comunidades e formalizaram o convite a todos

os moradores, favorecendo a participação do maior número possível de pessoas. As

mensagens foram veiculadas ao longo de dez dias, com três repetições diárias em cada uma

das rádios.

4.2.3.2 Levantamento de informações em grupo

Foram utilizadas técnicas de pesquisa social qualitativa (MAY, 2001) para o

levantamento de informações etnoecológicas e etnobotânicas, em grupo. Esse levantamento

foi conduzido a partir de duas oficinas realizadas em cada uma das 10 comunidades do PDS

São Salvador. O primeiro conjunto de oficinas contou com a participação de 80 comunitários

e o segundo com 53. As oficinas foram conduzidas utilizando-se de metodologias

participativas (GEILFUS, 1997; MALLA et al., 2001; EVANS e GUARIGUATA, 2008).

Durante as oficinas foram levantadas as seguintes informações: i) local de ocorrência, ii) local

de maior ocorrência, iii) usos não madeireiros e iv) práticas de coleta e manejo empregadas.

As duas primeiras informações foram utilizadas na localização das áreas de ocorrência

gregária das espécies, em procedimento de zoneamento de áreas apresentado no Capítulo 3.

Na condução das oficinas, em consonância com Patzlaff e Peixoto (2009), o

pesquisador buscou olhar a comunidade como um espaço de aprendizagem e, de modo geral,

procurou mostrar que lá estava para aprender e trocar conhecimentos.

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55

4.2.3.3 Entrevistas com informantes-chave

Foram selecionados 18 informantes-chave através de definição amostral não-

probabilística intencional (ALENCAR e GOMES, 1998), com seleção sendo feita pelos

conhecimentos etnobotânicos demonstrados por esses informantes quando das oficinas

comunitárias. Dentre os selecionados, 72% apresentaram idade superior a 40 anos.

Com base nas informações obtidas nos espaços em grupo, foi realizado um

levantamento de campo (expedição etnobotânica) nas florestas comunitárias, em companhia

dos informantes-chave. Durante a expedição os informantes-chave auxiliaram na localização

das áreas de ocorrência das espécies sob estudo e no aprofundamento das informações

levantadas durante as oficinas comunitárias. Na coleta de dados foram utilizadas técnicas de

entrevista semi-estruturada (MINAYO, 1994; RICHARDSON, 1999), além de técnicas de

observação participante (EVANS-PRITCHARD, 1978; GEERTZ, 1998). As entrevistas

foram conduzidas, em separado, com cada um dos informantes-chave.

De acordo com Triviños (1987), a condução de entrevista semi-estruturada constitui-se

em uma técnica que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses

que interessam à pesquisa e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto

de novas informações que surgem à medida que se recebem as respostas dos informantes. Já a

observação participante, é uma técnica na qual um investigador estabelece um relacionamento

multilateral e de prazo relativamente longo com uma associação humana na sua situação

natural, tendo o propósito de desenvolver um entendimento científico daquele grupo (MAY,

2001).

4.2.3.4 Restituição das informações coletadas

Considerando o levantamento etnobotânico como uma via de mão dupla do

conhecimento, podendo as duas partes (pesquisador e comunidade) se beneficiarem

mutuamente (MARTIN, 1995), quando da organização dos resultados obtidos foi conduzido

um amplo processo de discussão pela ONG PESACRE, envolvendo reuniões comunitárias e a

condução de atividades de campo e cursos em temas prioritários definidos pela população

local para o manejo de palmeiras.

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56

4.3 Resultados

As relações etnobotânicas estabelecidas entre as comunidades do PDS São Salvador e

as duas palmeiras sob estudo, M. flexuosa e O. bataua, são bastante relevantes, sendo

direcionadas basicamente à subsistência, não havendo comercialização significante de

produtos delas advindos.

Ao considerar-se a ampla gama de finalidades de uso de M. flexuosa, tem-se que a

principal estrutura aproveitada é o fruto. Na alimentação, o mesocarpo é usado na produção

de vinho e óleo. O mesocarpo é também comido in natura, após permanecer de molho em

água morna para hidratação e amolecimento. O vinho é o principal produto utilizado,

tratando-se de suco nutritivo preparado a partir da extração do mesocarpo, também após

molho em água morna. Já o óleo é extraído a partir do cozimento do vinho em fogão a lenha

por período de duas a três horas, até que o óleo se separe da água e da polpa por diferença de

densidade, sendo retirado à superfície do líquido fervido. O rendimento equivale em média a

1L de óleo para 50kg de frutos. Segundo os informantes, o rendimento varia em função do

período de coleta, de forma que os primeiros cachos a amadurecerem apresentam menor

rendimento do que os do final do período de frutificação.

O óleo, como medicamento, é utilizado como contraveneno de picadas de cobra e

artrópodes, para dor auricular, no tratamento de queimaduras e como cicatrizante de umbigo

de bebês. O óleo é utilizado também com finalidades cosméticas, como: tônico para pele e

cabelos, bronzeador e protetor solar.

As folhas também são aproveitadas, sendo extraídas fibras utilizadas na confecção de

diferentes utensílios e materiais, a exemplo de: gaiolas, redes de descanso, cordas, soga para

enrolar tabaco, forro de prensa de massa de mandioca na produção de farinha, entre outros.

No caso de O. bataua, as relações não são menos importantes, sendo utilizado com

fins: alimentício, cosmético e medicinal. Assim como em M. flexuosa, o fruto é a principal

estrutura aproveitada, dele se derivando o vinho e o óleo de patauá. As preparações do vinho e

do óleo são semelhantes às do buriti, porém com um rendimento maior de óleo, pouco mais

de duas vezes superior (2,2L a cada 50kg de frutos), mas com variação entre os diferentes

etnotipos classificados regionalmente como: patauá-roxo (caldo-de-feijão), amarelo e branco

(Tabela 1), com rendimento decrescente de óleo na mesma ordem.

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57

Tabela 1: Características distintivas entre os três etnotipos de O. bataua definidos pelas comunidades do PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre.

Etnotipo Características distintivas

Patauá-roxo (caldo-de-feijão)

Apresenta as menores dimensões de folhas e infrutescências. A polpa tem coloração arroxeada e sabor adstringente. Quanto ao vinho, seu sabor é o menos apreciado quando comparado com os dois outros etnotipos e, durante sua preparação, é comum que talhe.

Patauá-amarelo Tem o melhor sabor de vinho entre os três tipos e apresenta, quando comparado com o patauá-roxo, infrutescência maior e frutos mais alongados e delgados.

Patauá-branco É definido como o tipo com as características mais distintivas, tendo o menor fruto e as mais compridas folhas e pinas, assim como a maior infrutescência.

A utilização do fruto na produção do vinho de patauá é a mais destacada. O vinho é

utilizado tanto para o consumo direto, como no preparo de pratos elaborados da culinária

regional, a exemplo do cozimento de carnes de jabuti, macaco e outros animais silvestres.

Quanto ao óleo, o uso culinário é o mais destacado, sendo utilizado para fritar carnes de

animais silvestres, peixes e ovos, assim como no preparo de farofas. O óleo é também usado

como cosmético, no tratamento capilar para fortalecimento e brilho, além da fabricação de

sabão. Os usos medicinais do óleo envolvem: tratamento de dor auricular, cicatrização de

feridas, analgésico de uso tópico para picadas de vespas ou em contusões por pancada, sendo

nos dois últimos casos acompanhado por massageamento terapêutico do local afetado.

Eventualmente, o óleo é utilizado também com finalidade anti-ferruginosa, especialmente na

manutenção de armas de fogo utilizadas na caça de subsistência. As folhas da palmeira

também são aproveitadas, sendo usadas na confecção de japás (esteiras).

De acordo com os informantes, o período de frutificação do patauá se estende por todo

o ano, com pico entre os meses de março a maio, não havendo aparentemente variação na

produção de frutos entre anos. O mesmo não se pode afirmar para M. flexuosa que apresenta

variação bianual na produção, com período de maturação dos frutos restrito aos meses de

agosto a fevereiro. Uma menor parte dos entrevistados afirmou que quando em um ano a

produção de buriti é demasiadamente grande, os dois anos seguintes apresentam produção

ínfima, o que pode indicar que eventualmente haja variação trianual.

A respeito das técnicas de coleta, nos casos de ambas as palmeiras foram relatadas

duas formas, (i) por escalada com uso de peconha (casca flexível de árvore, trançado de

folhas, tecido ou saco de ráfia que amarrado aos pés das pessoas facilitam a escalada) e (ii)

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58

por derrubada das palmeiras com uso de machado. A escalada pode ser feita tanto de forma

direta através do estipe das palmeiras, principalmente no caso de O. bataua, ou com a

utilização de árvores adjacentes que permitam o acesso ao cacho das palmeiras. Quando os

indivíduos são baixos, até cerca de 10m, para M. flexuosa é comum também a derrubada de

árvores finas (com 10 a 20cm de diâmetro) e a utilização de seu tronco, apoiado no capitel de

folhas do buriti, como suporte de escalada até o alcance dos cachos da palmeira.

O risco de queda durante a escalada foi o principal perigo associado à atividade pelos

entrevistados. Outros riscos estão relacionados com o deslocamento até a área de coleta,

sendo eles: picada ou ferroada de animais peçonhentos (cobras e artrópodes), queda de ramos

e frutos de árvores de grande porte sobre o coletor, feridas e infecções ocasionadas por

espinhos, queda de pontes improvisadas e lesões musculares ou ósseas por deslizamento e

queda dos coletores quando o caminho está úmido. No caso de M. flexuosa, os entrevistados

indicaram também haver riscos durante a escalada, de forma que quando há algum animal no

capitel de folhas da palmeira (principalmente: cobras, artrópodes e mamíferos), os escaladores

podem ser atacados numa situação de muita vulnerabilidade.

Avaliando-se a divisão dos papéis dentro da família, quando da coleta e preparação

dos frutos (e derivados), observa-se que normalmente a coleta na floresta cabe ao pai ou aos

filhos mais velhos, enquanto que a preparação do vinho e óleo compete à mãe e,

eventualmente, às filhas e aos filhos mais jovens.

Do ponto de vista do manejo das espécies, não se observou o emprego de certas

medidas precautórias ou de mitigação de impactos, por exemplo: (i) não foi verificada a

prática de plantio de sementes e mudas para a reposição da regeneração das espécies,

considerando a diminuição da oferta de frutos pela coleta e o impacto causado pelo corte dos

adultos; (ii) não são observados métodos de prevenção de incêndios florestais, não havendo

manutenção de aceiros entre áreas de uso agropecuário e florestas comunitárias ou o emprego

de qualquer outra técnica de prevenção e (iii) não é conduzido qualquer tipo de registro de

coleta com fins de monitoramento ambiental.

Por outro lado, como formas de atenuar impactos, observou-se que (i) para a coleta é

utilizada apenas uma pequena proporção das áreas de ocorrência das palmeiras (inferior a

20%); (ii) há uma pequena intensidade de uso e baixa freqüência de visitação às áreas e, em

função disso, quando da coleta muitos frutos já foram dispersados, favorecendo a regeneração

natural e o uso pela fauna e (iii) são utilizados majoritariamente caminhos antigos como

acesso às áreas de coleta, evitando a disseminação do impacto.

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59

4.4 Discussão

Entre os informantes-chave deste trabalho, 72% apresentaram idade superior a 40

anos, havendo, assim, indicativo de que as novas gerações estejam começando a se distanciar

das tradições locais. O menor domínio de conhecimentos tradicionais por novas gerações

sobre o uso do patauá também foi constatado por Aguilar (2005), em levantamentos

conduzidos com o povo indígena Huaorani, na região de Yasuni, no Equador. De acordo com

Elisabetsky e Setzer (1987), em alguns casos os conhecimentos tradicionais estão ameaçados

pela modernização, pelas expectativas com relação a novos meios de vida por parte das novas

gerações e pelo desinteresse com relação à história oral de sua comunidade, podendo o

levantamento etnobotânico ser um meio de resgate e valorização do saber local.

Os usos diversos dados ao buriti e ao patauá pelas comunidades locais são

essencialmente de subsistência e evidenciam a importância de ambas as espécies em questões

relacionadas com as seguranças alimentar e nutricional e ao uso medicinal fitoterápico. As

palmeiras também são utilizadas na fabricação de objetos e utensílios, através do

aproveitamento de suas folhas. Os resultados corroboram a afirmativa de que populações

tradicionais têm como hábito utilizar grande parte da riqueza de palmeiras de suas florestas

(LÉVI-STRAUSS, 1950; BRAUN, 1968; BALICK, 1979; BOOM, 1986; KAHN e MEJIA,

1987) e, de acordo com KAHN (1988), a maioria dessas palmeiras tem importância apenas na

subsistência.

Pio Corrêa (1926 apud PAULA-FERNANDES, 2002), registrou que tribos esperavam

e saudavam alegremente a aparição dos frutos maduros do buriti, realizando, suas melhores

festas e celebrando, simultaneamente, os casamentos ajustados. De acordo com o mesmo

autor, o buriti é uma palmeira de uso bem variado, constituindo-se em uma das mais

importantes do grupo e talvez aquela que, desde tempos pré-históricos, populações

tradicionais vêm tirando maior proveito.

Uma abordagem mais ampla a respeito dos usos descritos em literatura sobre o buriti

pode ser encontrada nos trabalhos conduzidos por Castro (2000) e Paula-Fernandes (2002) e a

respeito de patauá em Gomes-Silva (2003) e Aguilar (2005).

Quanto ao rendimento de óleo de buriti, em contraste com o resultando aqui

verificado (1L de óleo a cada 50kg de fruto), Altman (1964) verificou uma produção média de

2,25kg de óleo a cada 50kg de frutos.

Já com relação à variação observada no rendimento de óleo de O. bataua, em função

da existência de diferentes etnotipos da espécie, a mesma constatação foi obtida por Aguilar

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60

(2005), na região de Yasuni, no Equador. A autora indica ainda que um indivíduo da espécie

pode produzir maior volume de óleo que uma oliveira.

De acordo com Gomes-Silva (2003), em estudo realizado no Acre, a população local

também confere diferenciação na produtividade de óleo entre tipos diferentes de patauá. A

produção média encontrada pela autora, sem diferenciação dos tipos, é de 150mL de óleo a

cada lata de frutos (13,7kg de frutos), com variação entre 45 e 515mL. O valor médio obtido

pela autora é cerca de quatro vezes menor do que o apontado pela população do PDS São

Salvador.

Pesce (1985) avalia que o mesocarpo do patauá corresponde a 40% do peso total do

fruto e apresenta concentração entre 12,4 e 18,2% de óleo. Assim, em cada 50kg de frutos

haveria entre 2,5 e 3,6L de óleo. A concentração superior pode ser função da técnica de

extração utilizada no citado estudo.

A constância de produção de frutos ao longo do ano e entre anos pelo patauá,

verificada no presente estudo, foi também observada por Aguilar (2005), porém com picos de

produção entre janeiro e fevereiro e, em seguida, entre julho e setembro. O continuum da

produção aumenta a importância da espécie nas seguranças alimentar e nutricional das

populações, assim como na alimentação dos animais silvestres.

Já M. flexuosa apesar de também ter grande importância para a população do PDS São

Salvador, não apresentou constância na produção de frutos nem ao longo do ano, nem entre

anos. Padrão parecido foi encontrado por Hiraoka (1999), com indicação de que a palmeira

tem florescimento bianual.

Quanto à predileção das áreas de estudo ao manejo, verificou-se a conformação de

floresta oligárquica (PETERS et al., 1989) pelo buriti e elevada densidade de indivíduos de

patauá (vide Capítulo 3). De acordo com Peters (1996), M. flexuosa e O. bataua conformam

florestas oligárquicas e, em termos de densidade e produtividade, podem competir com muitas

plantações comerciais, tendo o aproveitamento de recursos relativamente facilitado pela

proximidade dos indivíduos. Esse quadro pode favorecer o desenvolvimento de programas de

manejo sustentável das espécies.

No tocante às técnicas de coleta empregadas, as comunidades extraem frutos por

escalada ou por derrubada das palmeiras. A primeira técnica implica normalmente em técnica

sem danos ao indivíduo, mas pode provocar o abatimento de indivíduos de outras espécies,

quando utilizados como suporte à escalada de buritis de menor altura (até cerca de 10m).

Assim, apesar de não implicar em danos diretos ao buriti, pode prejudicar as demais

populações que compõem a comunidade dos baixios.

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61

A segunda técnica empregada, a partir da derrubada das palmeiras, foi constatada

como a mais utilizada localmente para a coleta de buriti, promovendo a desvitalização dos

indivíduos femininos da espécie. Essa técnica pode provocar, em longo prazo, a inviabilização

das populações da espécie, num processo de extinção local não evidente em um primeiro

momento (BRUNA, 2003), em função de haver abundante ocorrência de machos adultos na

área.

Mesmo com predominância da citada técnica, no presente trabalho não foram

observadas diferenças significativas entre o número de machos e fêmeas nas populações de

buriti (vide Capítulo 3). O mesmo não se pode afirmar para as áreas adjacentes de Iquitos, no

Peru, onde Kahn (1988) verificou que as populações de buriti apresentavam expressiva

disparidade na razão sexual, havendo casos em que machos correspondiam a mais de 80% da

população. Segundo o autor, naquela região o corte da palmeira é a técnica de coleta mais

comum e a intensidade de exploração é bastante alta, sendo que na cidade de Iquitos se pode

comprar frutos e produtos derivados do buriti em cada esquina.

Já no estudo de O. bataua, de acordo com Aguilar (2005), observou-se alto impacto

antropogênico no estado de conservação da espécie, devido à falta de reposição de frutos e ao

corte das palmeiras para coleta. Segundo a autora, o corte da palmeira é a técnica mais

empregada pelas novas gerações indígenas. Cerca de 60% da população estudada admitiu

cortar as palmeiras para a coleta de frutos.

Aguilar (2005) avalia ainda que em função da grande resiliência de O. bataua, não foi

evidente a diminuição das populações nas áreas estudadas. O estudo verificou que o uso da

espécie é de baixa intensidade e basicamente voltado à subsistência, o que contribui para a

manutenção da população.

No presente estudo também não foi constatado impacto das técnicas de coleta sobre as

estruturas populacionais das duas palmeiras (vide Capítulo 3). No entanto, no caso de M.

flexuosa, considerando que o corte das fêmeas adultas é a principal técnica empregada,

acredita-se que a manutenção da estrutura em forma de J invertido se deva, principalmente, à

existência de baixa intensidade de exploração nas áreas estudadas. Dessa forma, havendo

aumento de intensidade, por exemplo, para o atendimento a demandas de mercado, a técnica

de coleta a ser utilizada deve ser de menor impacto (MACHADO, 2008).

Avalia-se que em um processo de aumento da intensidade de exploração e evolução

das práticas atuais de manejo, seria interessante que as comunidades passassem a considerar

aspectos como: i) definição de boas práticas de coleta, excluindo práticas predatórias; ii)

estabelecimento de salvaguardas ambientais e medidas mitigadoras de impacto, através de,

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62

por exemplo: rotação de áreas de coleta, definição de áreas de proteção (sem eventos de

coleta), limitação da coleta a um percentual da produção, restrição de tempo dentro do

período potencial de coleta, reposição da regeneração, utilização de caminhos florestais já

existentes, entre outros; iii) construção de aceiros para impedir incêndios florestais e iv)

definição de um adequado procedimento de monitoramento de impactos (TICKTIN, 2004;

MEDICINAL PLANT SPECIALIST GROUP et al., 2007; MACHADO, 2008).

Seguindo ao sugerido por Caballero (1983), o atual levantamento se colocou a serviço

das comunidades como fonte de informações úteis ao seu desenvolvimento, não sendo apenas

um exercício acadêmico. As informações coletadas foram restituídas de diferentes formas,

sendo a principal delas a partir de reuniões para reflexões em grupo sobre o modelo de coleta

atualmente empregado, valorizando o conhecimento tradicional e as práticas atuais de

atenuação de impactos, mas sensibilizando quanto à necessidade de aprimoramentos. Essa

restituição, assim como o trabalho como um todo, foi conduzida pela ONG PESACRE e

envolveu, além das reuniões, a realização de inventários participativos das duas palmeiras e

cursos de escalada para coleta de frutos, com oferecimento de kits de escalada a cada uma das

dez comunidades do PDS São Salvador (Figura 11).

Avalia-se ainda que a participação marcante dos comunitários ao longo de toda a

pesquisa foi uma importante oportunidade de troca de saberes. Assim como sugerido por

Martin (1995) e Jorge e Morais (2003), o estudo etnobotânico foi um instrumento para a

valorização dos recursos naturais e a maior sensibilização da população local quanto à

importância da conservação das espécies.

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63

Figura 11: Processo de restituição de formações às comunidades do PDS São Salvador, Mâncio Lima, Acre, sendo as duas fotos superiores correspondentes a reuniões comunitárias e as demais aos cursos de escalada em palmeiras.

4.5 Referências bibliográficas

ALENCAR, E.; GOMES, M. A. O. Metodologia de pesquisa social e diagnóstico rápido participativo. Lavras: UFLA/FAEPE, 1998, 102 p. ALEXIADES, M. Selected guidelines for ethnobotanical research: a field manual. New York: New York Botanical Garden, 1996, 306p. ALTMAN, R. R. A.; CORDEIRO, M. M. C. A industrialização do fruto do buriti (Mauritia vinifera Mart. ou M. flexuosa L.f). Manaus: INPA, Química, Publicação, n.5, 21p, 1964.

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CAPÍTULO 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os conhecimentos tradicionais das comunidades do PDS São Salvador

e em consonância com dados de pesquisa, populações gregárias de buriti e patauá têm

ocorrência fortemente relacionada com solos encharcados periodicamente e pobremente

drenados que geralmente são inadequados às atividades agropecuárias. Esses solos cobrem

grandes áreas do Vale do Juruá e limitam seriamente o desenvolvimento desse tipo de

atividade, contudo, oferecem grande oportunidade de geração de renda às famílias locais

através do manejo não madeireiro sustentável das duas palmeiras.

Essa aptidão das áreas ao manejo é fortalecida pela constatação, a partir deste trabalho,

da conformação de florestas oligárquicas por M. flexuosa e da forte agregação de indivíduos

de O. bataua sobre solos com as características antes mencionadas no PDS São Salvador.

Quanto maior é a concentração do recurso de interesse, menores são seus custos de produção

e maior pode ser sua competitividade de mercado, sendo esse, inclusive, um dos princípios da

domesticação de espécies.

Outro fator que fortalece a indicação de aptidão ao manejo das áreas estudadas é a

provável estabilidade local das populações das duas palmeiras, constatada a partir da

observação do formato de J invertido no histograma de distribuição de freqüência de classes

ontogenéticas.

O potencial de manejo das espécies é ainda favorecido pelo histórico de relações

etnobotânicas e pela relevância de ambas as palmeiras quanto às seguranças alimentar e

nutricional, usos medicinais e demais formas de utilização pelas comunidades do PDS São

Salvador. A existência de um conjunto de práticas tradicionais de manejo e o conhecimento

local da fenologia, de técnicas de extração de óleo e da produtividade das espécies corrobora

esse potencial.

No entanto, considerando o aumento na intensidade de coleta e na escala de produção

e visando à sustentabilidade da atividade, durante a estruturação de um possível programa de

comercialização dos PFNMs das duas palmeiras, devem ser adicionados determinados

procedimentos e técnicas às práticas atuais de manejo, sendo eles relacionados com:

monitoramento socioambiental do manejo, fortalecimento da organização social e produtiva

das comunidades, adoção de técnicas de escalada de menor risco, utilização de equipamentos

de proteção individual – EPIs, emprego de métodos de prevenção de incêndios e adoção de

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salvaguardas ambientais e medidas mitigadoras de impacto (incluindo, entre outras, a

manutenção de parte dos frutos para a regeneração natural e a alimentação da fauna).

Outra prática que pode ser adotada é a de enriquecimento das florestas através da

semeadura ou plantio de mudas das palmeiras, entretanto, se adotada deve ser conduzida com

cautela, uma vez que quando a população de uma espécie é favorecida com esse tipo de

intervenção, outras podem ser afetadas negativamente.

Avalia-se que o processo de inserção dos referidos procedimentos e técnicas nas

práticas de manejo atuais pode encontrar ambiente favorável à sua apropriação por parte das

comunidades do PDS São Salvador, ao considerar-se que na conclusão do presente trabalho

foi realizada uma ampla restituição das informações levantadas, incluindo discussões sobre

boa parte dessas conclusões. Complementariamente, as parcelas permanentes estabelecidas

para a avaliação das estruturas populacionais neste trabalho podem ser utilizadas

periodicamente no estudo das dinâmicas populacionais das duas palmeiras, numa perspectiva

de monitoramento adaptativo do manejo.

Numa abordagem mais ampla de favorecimento ao manejo, que vá além das

comunidades sob estudo e que envolva as cadeias de valor como um todo dos PFNMs

advindos de buriti e patauá, são importantes esforços direcionados a uma maior agregação de

valor e rastreabilidade da produção, a avanços no controle de qualidade e ao aumento da

eficiência e da produtividade do manejo. Entre os caminhos para o alcance dessas metas

estariam o desenvolvimento tecnológico das técnicas de beneficiamento, o estabelecimento de

linhas de crédito específicas, incentivos fiscais e assistência técnica florestal qualificada, a

construção de marcos regulatórios e os investimentos em infra-estrutura comunitária de

produção e escoamento e em campanhas de difusão dos produtos advindos de ambas as

palmeiras.

Conclui-se que a condução do manejo não madeireiro em bases realmente

sustentáveis, considerando o conjunto de adequações sugeridas neste trabalho, pode favorecer

a conservação das florestas sob estudo e de seus serviços, assim como dos benefícios que as

comunidades do PDS São Salvador extraem das palmeiras buriti e patauá, podendo tornar-se

uma alternativa produtiva que possibilite a associação entre geração sustentável de renda e

manutenção dos meios de vida tradicionais das comunidades locais.

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