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Em risco Populações tradicionais de MG têm sobrevivência ameaçada Musa Um “museu vivo” no coração da Amazônia E vimos um mundo doente A influência do aquecimento global na ocorrência de epidemias Ano 23 • N° 7 Edição especial janeiro/dezembro 2015 ISSN 2238-6807 Senac Ambiental Ano 23 N. 7 • 2015

E vimos um mundo doente - Departamento Nacional · Av. Ayrton Senna, 5.555, Barra da Tijuca Rio de Janeiro - RJ - Brasil - 22775-004 Conselho Nacional Antonio Oliveira Santos Presidente

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Em risco Populações tradicionais de MG têm sobrevivência ameaçada

Musa Um “museu vivo”

no coração da Amazônia

E vimos um mundo doenteA influência do aquecimento global

na ocorrência de epidemias

Ano 23 • N° 7

Edição especial

janeiro/dezembro 2015

ISSN 2238-6807

Senac Ambiental

Ano 23 N. 7 • 2015

Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Departamento NacionalAv. Ayrton Senna, 5.555, Barra da TijucaRio de Janeiro - RJ - Brasil - 22775-004

www.senac.br

Conselho NacionalAntonio Oliveira Santos

Presidente

Departamento NacionalSidney Cunha

Diretor-geral

A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral produzida pelo Gerência de Marketing e Comunicação do Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em

qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita após consulta aos editores.

Contato: [email protected]

ExpEdiEntE

EditorFausto Rêgo

Colaboraram nesta ediçãoCristina Ávila, Elis Monteiro, Flavia Leiroz, Francisco Luiz Noel, João Roberto Ripper

e Lena Trindade

EditoraçãoGerência de Marketing e Comunicação

Projeto gráfico e diagramaçãoCynthia Carvalho

Produção gráficaSandra Amaral

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Senac ambiental / Senac, Departamento Nacional. – n. 1 (1992)- . – Rio de Janeiro : Senac/Departamento Nacional/Gerência de Marketing e Comunicação, 1992- . v. : il. color ; 26 cm.

Semestral. Absorveu: Senac e educação ambiental. ISSN 2238-6807.

1. Educação ambiental – Periódicos. 2. Ecologia – Periódicos. 3. Meio ambiente – Periódicos. I. Senac. Departamento Nacional.

CDD 574.505

Ficha elaborada pela Gerência de Documentação do Senac/DN.

EmergênciaEditorial

Temos visto uma série de epidemias nos últimos anos.

E o surgimento de vírus desconhecidos, que mobilizam a população e provocam medo. Nesta edição você fica sabendo como as mudanças climáticas

podem contribuir decisivamente para a emergência dessas

enfermidades e para o retorno de moléstias que pareciam extintas.

Falamos também sobre o dia a dia de comunidades tradicionais

como os kalungas, em Goiás, e os geraizeiros, no Cerrado mineiro. Realizada antes do rompimento da barragem da

Samarco no município de Mariana, a reportagem já abordava o

tenso relacionamento entre os moradores e as mineradoras.

Na Entrevista, conversamos com a antropóloga Lucia Helena Rangel a respeito das violências cometidas

contra os povos indígenas. E trazemos ainda um olhar sobre as

plataformas virtuais de mobilização que vêm sendo usadas em nome

da sustentabilidade.

Boa leitura!

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Sumário

16Nova Economia

Capitalismo das multidõesO poder da mobilização virtual

para a ação solidária e a sustentabilidade.

6Capa

Chapa quenteA influência das mudanças

climáticas na emergência de epidemias e na reemergência de

antigas doenças.

22Educação Ambiental

Musa que inspira a vidaA ousadia de manter um

“museu vivo” no coração da Floresta Amazônica.

56Conservação

Resistência ambientalNo Rio de Janeiro, um paraíso

ecológico sobrevive em meio a uma variedade de ameaças.

66Entrevista

Pelo direito de existirConversamos com Lucia Helena

Rangel, coordenadora de um relatório sobre a violência contra os

povos indígenas.

50Populações Tradicionais

Sob as ordens da naturezaComo vivem os kalungas,

descendentes de escravos que permaneceram isolados até

recentemente.

48Notas

78Estante Ambiental

Sumário

30Desenvolvimento Sustentável

Em risco, a sobrevivência dos geraizeiros

O povo das Gerais encurralado por empreendimentos e restrições ambientais.

Capa

Mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global têm papel decisivo no aparecimento de epidemias

e na reincidência de antigas doenças

Flávia Leiroz e Fausto Rêgo

O maior estado da federação enfren-tou, no verão passado, um impres-sionante surto de dengue. No fim de março, de acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil registrava 460,5 mil casos de dengue (220 notifica-ções por hora) – mais da metade em São Paulo, onde, até então, haviam ocorrido três de cada quatro mortes provocadas pela doença em 2015. No estado do Rio de Janeiro, por sua vez, já haviam sido notificados qua-se 53 mil casos até o mês de agosto (729% a mais do que no mesmo pe-ríodo de 2014).

Enredo semelhante já foi protagoni-zado por moléstias como cólera, há alguns anos, e chikungunya, mais recentemente. Existem muitas ex-plicações para que enfermidades como essas tenham se manifestado em forma de surtos epidêmicos nos últimos tempos. Entre elas, as mu-danças climáticas provocadas pelo aquecimento global.

Vetores, os agentes que transmitem o vírus da pessoa infectada para a pessoa sadia, são favorecidos por de-terminadas condições ambientais. Se

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enchentes ou secas tornam-se mais frequentes, o impacto é de tal ordem que pode fomentar o surgimento de novas epidemias ou o recrudesci-mento de doenças então considera-das praticamente extintas. No caso da dengue, por exemplo, o acúmulo de água parada e limpa favorece o inseto transmissor, o mosquito Aedes aegypti, que escolhe ambientes com essas características para depositar seus ovos. O cenário fica ainda mais propício quando adicionamos cresci-mento populacional, falta de planeja-mento urbano e desmatamento.

No Rio de Janeiro, de 2001 a 2009, estudo conduzido pela Escola Nacional de Saúde Pública Ser-gio Arouca, vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), analisou a relação entre as variações climá-ticas e o risco de novos casos de dengue, associando a elevação da temperatura mínima em um grau centígrado ao aumento de 45% das notificações da doença no mês se-guinte. Da mesma forma, a pesqui-sa registrou um crescimento de 6% diante de uma incidência de chuvas dez milímetros superior à habitual.

Em outubro de 2015, o Ministério da Saúde divulgou boletim epidemioló-gico com 1.485.397 casos prováveis de dengue registrados no país du-rante o ano. O impacto já é superior ao registrado em 2013, inclusive com relação ao número de mortes provo-

cadas pela doença – o maior já regis-trado desde que a dengue começou a ser monitorada detalhadamente, em 1990.

Segundo o Ministério, a região com o maior número de casos graves nes-te ano foi a Sudeste. A mesma que sofre com escassez de chuvas ou fortes tempestades, calor extremo e maior índice populacional no Bra-sil. Embora seja difícil demonstrar a relação direta entre padrão de dis-tribuição de doenças transmissíveis e mudanças climáticas, o médico Ulisses Confalonieri, que há 11 anos integra o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), cita malária, dengue e leish-maniose como as mais importantes e admite que a temperatura mais alta e a maior umidade podem de fato acelerar o desenvolvimento biológi-co de patógenos e vetores.

Confalonieri também é veterinário, membro do Comitê de Doenças Infecciosas do Group on Earth Ob-servations, do Comitê de Saúde da Organização Meteorológica Mundial e do Grupo sobre Agricultura, Am-biente e Doenças Infecciosas da Po-breza do Programa de Pesquisa de Doenças Tropicais da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Impacto desproporcional

A publicação “Mudança climática e saúde: um perfil do Brasil” – edita-da em 2009 pela Organização Pan--Americana da Saúde (Opas) e pelo Ministério da Saúde – já alertava para as preocupantes consequên-cias do aumento da temperatura do planeta. Entre elas, “a alteração de ecossistemas e ciclos biológicos, geográficos e químicos, que podem aumentar a incidência de doenças infecciosas, mas também doenças não transmissíveis, que incluem des-nutrição e enfermidades mentais”.

Enchentes favorecem o acúmulo de água, que cria condições para a proliferação de vetores de várias doenças

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O texto adverte ainda que as mudan-ças climáticas têm impacto despro-porcional sobre as populações mais pobres e vulneráveis. O infectologis-ta Eliseu Waldman, da Universidade de São Paulo, ressalta que tais mo-dificações podem ter repercussões adversas, por exemplo, na agricultu-ra, na pecuária e no acesso à água, determinando, em áreas menos de-senvolvidas, processos migratórios: “Isso aumentará o contingente de populações vulneráveis, especial-mente em grandes centros urbanos, podendo, por exemplo, contribuir para o recrudescimento da tubercu-lose nessas áreas”.

A tuberculose se dissemina mais fa-cilmente em áreas com grande con-centração de pessoas e de pobreza, em ambientes fechados, quentes e úmidos, sem luz solar ou circulação de ar. No Rio de Janeiro, a favela da Rocinha, com mais de 100 mil habi-tantes, é um dos principais focos da doença. Com base em dados da pre-feitura, a taxa de incidência é de 372

casos por 100 mil habitantes, 11 ve-zes mais alta que a nacional. O Bra-sil, em 2014, registrou 68.467 casos de tuberculose, ou seja, 33,8 por 100 mil habitantes, ocupando a 17ª posi-ção entre os 22 países que concen-tram 80% dos casos de tuberculose no mundo, segundo a OMS.

O caso da Rocinha é indicativo de que aquecimento e alterações no clima não devem ser analisados iso-ladamente, apesar de intensificarem problemas já existentes e provoca-rem o aparecimento de novos. Tanto a publicação “Mudança climática e saúde: um perfil do Brasil” como os estudos de Eliseu Waldman e Ulisses Confalonieri – entre outros especia-listas – apontam vários fatores como responsáveis pela emergência e re-emergência de doenças infecciosas: a globalização, o aumento do inter-câmbio internacional, a rápida urba-nização (especialmente em países de grande contingente populacional) e a explosão demográfica no decorrer do século 20, em particular nas regi-

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Com mais de 100 mil habitantes concentrados em ambiente de grande

umidade, a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, registra muitos casos

de tuberculose

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ões menos desenvolvidas. “Outro fa-tor relevante”, acrescenta Waldman, “é a capacidade de os microrganis-mos se adaptarem às condições do ambiente por meio de mutações e recombinações – um processo mui-to complexo e não previsível”.

Na reportagem “Tuberculose na Rocinha expõe o Brasil que estacio-nou no século XIX”, publicada no jornal El País Brasil, o jornalista Fe-lipe Bettim relata que a doença tem sido enfrentada com várias ações conjugadas – como a ampliação do programa Saúde da Família na co-munidade e a associação da questão da saúde com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal, no local. A Rua 4 é um exemplo: era uma via de 500 metros de comprimento e cerca de um metro de largura. A aglomeração era grande e a luz solar não chegava às casas. Não à toa, a via registrava o maior número de casos da doença na Rocinha.

Com a obra, a rua foi alargada e ca-sas substituídas por edifícios. O sol, agora, bate nas janelas e o oxigênio entra nas casas e nos pulmões. O número de casos de tuberculose entre os moradores da rua chegou a zero. Atualmente, em toda a favela, a taxa de cura alcança 81,2%.

Os números dos casos de tuberculo-se, dengue e chikungunya mostram a gravidade da situação. Às ques-tões sociais, estruturais e urbanas, somam-se as ambientais. Talvez por isso os brasileiros se mostrem os mais preocupados com o clima, conforme a pesquisa “A preocupa-ção global sobre a mudança climá-tica — suporte para a limitação das emissões”, feita com 45 mil pessoas de 40 países pelo centro de estu-dos norte-americano Pew Research Center. A mudança climática é “um problema muito sério” para 86% da população nacional. O percentual está acima da média mundial (54%) e é maior que a preocupação dos dois

países mais poluidores do mundo – Estados Unidos (45%) e China (18%).

Na pesquisa, divulgada no início de novembro e realizada entre março e maio deste ano, a opinião dos brasileiros se destaca também em outros pontos: 90% acreditam que as mudanças climáticas já afetam as pessoas (a média global é de 51%); 99% afirmam que os impactos serão sentidos dentro dos próximos cin-co anos (contra 79% do resultado mundial); 89% também acham que as pessoas terão de mudar aspec-tos de suas vidas por causa das mu-danças climáticas (a média geral é de 67%).

Brasileiros também associam des-matamento e mudança climática, o que, para Eliseu Waldman, é algo com que devemos nos preocupar, principalmente em centros urbanos. Segundo o infectologista, cerca de 60% das doenças infecciosas emer-gentes são causadas por agentes que originalmente infectavam ape-nas animais. Com a dispersão de espécies que vivem em ambiente silvestre, ocorre a modificação da forma como mantêm contato com o homem, aumentando o risco da emergência de novas zoonoses.

ImunidadeNesse contexto, os especialistas aqui citados afirmam que mudanças climáticas alteram a vida de todo o planeta e podem atingir a saúde das populações humanas por diferentes mecanismos, pois criam condições que modificam os ecossistemas. “Para mitigarmos essa situação de-vemos buscar políticas intersetoriais que promovam o desenvolvimento sustentável, preservando o meio ambiente, que elevem o nível de edu-cação da população e melhorem as condições de vida e habitação nos centros urbanos. Medidas, portanto, que visem à promoção da equidade social e diminuam as diferenças re-gionais”, afirma Waldman.

Ulisses Confalonieri: preocupação com doenças novas, para as quais não temos imunidade

Eliseu Waldman: promoção da equidade social para diminuir as diferenças regionais

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Ele nos lembra, por exemplo, que não há, até hoje, tecnologias espe-cíficas e eficazes para combater a dengue. A disponibilidade de vacina segura e efetiva ainda pode demorar alguns anos: “A educação voltada para o maior cuidado com o ambien-te e o aprimoramento da assistência médica, no entanto, podem ter um impacto favorável, particularmente, na diminuição da mortalidade pro-vocada pela doença”.

Confalonieri estende a preocupa-ção a doenças também infecciosas recém-introduzidas, “para as quais não temos imunidade”, e à discus-são entre profissionais de saúde com relação a antigas e novas epidemias: “O pessoal da saúde pública discute muito pouco as influências climáti-cas sobre as doenças transmissíveis. Essa conscientização ainda é inci-piente no Brasil”, analisa.

A publicação “Mudança climática e saúde: um perfil do Brasil” mostra que o tema tem envolvido progressi-vamente os setores governamentais, não governamentais e a comunidade em geral e que foi incorporado como uma questão estratégica para o país, subsidiando e promovendo discus-sões sobre seus efeitos em diversas áreas, dentre elas a saúde. O Gover-no Federal, por meio do Decreto nº 6.263, de 21 de novembro de 2007, instituiu um grupo envolvendo a Casa Civil, 16 ministérios e o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas para elaborar a Política e o Plano Na-cionais de Mudança do Clima.

Em 2009, a Lei 12.187 instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima e, em 2010, a elaboração de Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação.

Em março de 2015, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Fiocruz realizaram seminário para finalizar a construção dos Indicadores Subna-cionais de Vulnerabilidade da Popula-ção à Mudança do Clima no Brasil. A

Campanhas educativas procuram conscientizar sobre os cuidados básicos para evitar a contaminação

intenção foi avaliar impactos do efei-to estufa regionalmente e contribuir para o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (Plano Adapta-ção), que está em fase de elaboração sob a coordenação do MMA.

Segundo o Ministério, ações de adaptação se referem a iniciativas e medidas capazes de reduzir a vul-nerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais

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e esperados da mudança do clima. Ou seja, é uma forma de lidar com possíveis impactos e explorar even-tuais oportunidades com a inclusão de ações, metas e indicadores espe-cíficos de redução de emissões, bem como de mecanismos para verificar o cumprimento dessas metas. A ela-boração de uma estratégia de adap-tação envolve, entre outras coisas, a identificação da exposição a esses impactos com base em projeções e cenários climáticos.

MapeamentoOs indicadores levam em conta aspectos de cada região, como a conservação ambiental, os dados demográficos e de desenvolvimento humano, a suscetibilidade a fenôme-nos extremos, como tempestades e secas, e a doenças associadas ao cli-ma, como a dengue e a malária.

A avaliação envolverá também a ex-posição, a sensibilidade e a capaci-dade adaptativa em escala munici-pal. A proposta em elaboração é um avanço, pois tem como base o sis-tema desenvolvido para o estado do Rio de Janeiro em 2011, denominado “Mapa de vulnerabilidade da popula-ção do estado do Rio de Janeiro aos impactos das mudanças do clima nas áreas social, saúde e ambiental”, que teve coordenação técnica de Ulisses Confalonieri.

Alguns indicadores contidos nesse mapeamento englobam a vulnera-bilidade da saúde, com índice de morbidade para dengue, leptospiro-se, leishmaniose tegumentar ameri-cana e mortalidade por diarreia em menores de 5 anos; índice de vul-nerabilidade social da família, que envolve estrutura familiar, acesso ao conhecimento e trabalho, renda, desenvolvimento infantojuvenil e condições habitacionais; e índice de vulnerabilidade ambiental, que ana-lisa cobertura de vegetação nativa e em regeneração, conservação da biodiversidade, ocorrência de even-tos hidrometeorológicos extremos e vítimas, área costeira, além de ano-malias climáticas projetadas.

Desde então, vem sendo aperfei-çoado e está em aplicação nos es-tados da Bahia e de Minas Gerais. A intenção é que seja implantado, inicialmente, também nos estados de Pernambuco, Espírito Santo, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Paraná. O critério para se-leção dos estados foi a presença de instalações regionais da Fundação Oswaldo Cruz, que deverão apoiar na logística e no desenvolvimento do projeto.

Ações adaptativas e o desenvolvi-mento de uma cultura de adaptação estão entre as prioridades no en-frentamento às mudanças climáti-cas. Para Confalonieri, o desafio será determinar como essas informações poderão ser usadas pelo poder pú-blico. O ideal é que seja criada uma ferramenta prática e, para que as po-líticas públicas sejam beneficiadas, quantificar e comparar as informa-ções colhidas.

Informações, aliás, fundamentais para o enfrentamento de novas questões. Por exemplo: o zika vírus foi identificado pela primeira vez no país no fim de abril e confirmado em 14 estados brasileiros, segundo o Ministério da Saúde: Alagoas, Bahia,

Pesquisador examina o mosquito Aedes aegypti (em destaque, no alto da página)

foto: Genilton Vieira - sob licença CC BY-NC

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Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Roraima.

Transmitido pelo mosquito Aedes aegyti, o zika pertence à família dos vírus da dengue e da febre amarela, com sintomas muito parecidos: fe-bre intermitente, erupções na pele, coceira e dor muscular. Até setem-bro, não havia registro de mortes relacionadas à doença, e o vírus era considerado menos agressivo que o da dengue.

No entanto, em novembro, o Minis-tério da Saúde decretou emergência sanitária pela primeira vez desde que o mecanismo foi criado, em 2011. O motivo foi o aumento alarmante – 15 vezes maior que a média nacional dos últimos cinco anos – de casos de microcefalia em recém-nascidos em Pernambuco. Até início de de-zembro, já haviam sido registradas 1.761 ocorrências em 422 municípios de 13 estados e do Distrito Federal.

O estado de emergência sanitária permite que o governo dispense licitações para compras e contrata-ções, além de facilitar a formação de grupos de investigação. Nas crianças e nas gestantes, estão sendo reali-zados exames clínicos, de imagem e laboratoriais, conforme protocolo definido pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Saúde de Per-nambuco. A análise dos resultados é feita pelo Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco e pelo Centro de Pesquisas Ageu Ma-galhães, da Fiocruz. Os casos foram informados à Opas e à OMS.

A microcefalia é uma malformação congênita – transmitida pela mãe ao filho durante a gravidez – em que o cérebro não se desenvolve de ma-neira adequada. Os bebês nascem com perímetro cefálico menor que

Doenças emergentesSão doenças novas, não conhecidas pela população, causadas por vírus ou bactérias nunca antes descritos ou por mutação de vírus. Podem ser provocadas também por um agente que até então só atin-gia animais e passa a infectar seres humanos. A expressão pode de-signar ainda uma doença que chega a uma região onde até então não havia sido identificada.

EbolaOs primeiros registros ocorreram em 1976 e a descoberta do vírus foi reportada em 1977. Macacos infectados com uma cepa asiática do ebola foram importados das Filipinas para os Estados Unidos, em 1989 e 1990, e para a Itália, em 1992. Essa cepa asiática não apareceu ainda como causadora de doenças em humanos.

Hepatite CIdentificado em 1989, seu vírus é a maior causa de hepatite pós-trans-plante no mundo, com aproximadamente 90% dos casos no Japão, nos Estados Unidos e no leste da Europa. É estimado que 3% da população mundial está infectada, sendo quase 170 milhões de casos crônicos com risco de desenvolver a cirrose hepática ou o câncer de fígado.

Encefalite espongiformeRecente exemplo de doença emergente, é uma nova variante da Do-ença de Creutzfeldt-Jakob, que foi primeiramente descrita no Reino Unido em 1996. Emergiu em 1980 e afetou milhares de rebanhos do Reino Unido e alguns outros nas cidades europeias.

Haemophilus Influenza (H5N1)É um conhecido agente causador de infecções em pássaros, mas foi isolado de um caso humano pela primeira vez em 1997.

HIVSigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. Causador da Aids, ataca o sistema imunológico, responsável por defender o orga-nismo de doenças. A OMS estima que a Aids tenha sido responsável pela morte de mais de 25 milhões de pessoas desde que foi identifi-cada, em 1981.

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o normal, que habitualmente é supe-rior a 33 cm. Pode ser consequência de uma série de fatores de diferentes origens (substâncias químicas, por exemplo), agentes biológicos (in-fecciosos) como bactérias ou vírus e radiação (caso a mãe tenha sido exposta durante o período de ges-tação, especialmente no primeiro trimestre, crucial para o desenvolvi-mento do cérebro do bebê).

Em entrevista coletiva concedida assim que o estado de emergência sanitária foi decretado, o diretor do Departamento de Vigilância de Do-enças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, des-tacou que 90% dos casos de micro-cefalia provocam retardo no desen-volvimento neurológico, psíquico e motor. A tendência é que esse atraso de desenvolvimento apareça mais tardiamente, não logo após o nasci-mento.

O pesquisador Pedro Vasconcelos, do Instituto Evandro Chagas no Pará, responsável por comprovar a relação entre o zika e a microcefalia, afirmou em sucessivas entrevistas que não se sabe se o vírus é o único respon-sável ou se há outros fatores. Além disso, diz que a questão é comple-xa porque se conhece pouco sobre o zika: “O importante é controlar os focos de Aedes aegypti e investir pe-sadamente em pesquisa para saber como combater a epidemia”.

Além do Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Guatemala, México, Para-guai, Suriname e Venezuela já regis-traram casos de infecção pelo vírus zika. Esse cenário levou a OMS, em conjunto com a Opas, a emitir alerta epidemiológico mundial para a ne-cessidade de estabelecer medidas de prevenção, diagnóstico e con-trole.

Pacto pelo climaAs mudanças climáticas associadas a questões sociais, ambientais e de saúde tornam o debate e as ações ainda mais urgentes. A Conferência do Clima (COP-21), ocorrida em Paris de 30 de novembro a 11 de dezem-bro, teve como objetivo firmar um pacto entre países, por meio das Na-ções Unidas, para combater as trans-formações pelas quais passa o clima no planeta e alcançar o objetivo de limitar a elevação do aquecimento global em até 20C, comparados aos níveis da era pré-industrial. Em 2015, atingimos a elevação de 10C.

O calor ainda traz outras e novas in-quietações. Segundo Confalonieri, o IPCC tem se mostrado preocupado com a exposição ocupacional ao calor: “Pessoas que trabalham ao ar livre ficam diretamente expostas. Isso pode se tornar algo importante por representar sério risco à saúde, prin-cipalmente em países não tropicais, onde as pessoas são menos adap-tadas a altas temperaturas”, advertiu.

Claudio Maierovitch, do Ministério da Saúde, divulgando boletim sobre novos casos diagnosticados de microcefalia

Larvas do Aedes aegypti

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São aquelas cuja incidência volta a ser expressiva quando já não estavam sendo consideradas um problema de saúde pública. As causas comuns de emergência e reemergência de doenças infec-ciosas são:

crescente número de pessoas vivendo e se deslocando pelo mundo;

rápidas e intensas viagens inter-nacionais;

superpopulação em cidades com precárias condições sani-tárias;

aumento da exposição humana a vetores e reservas naturais;

ampliação do consumo de ali-mentos industrializados, especial-mente os de origem animal;

desestruturação/inadequação dos serviços de saúde e/ou de-satualização das estratégias de controle de doenças;

aprimoramento das técnicas de diagnóstico, possibilitando diag-nósticos etiológicos mais preci-sos;

processo de evolução de mi-crorganismos (mutações virais, emergência de bactérias resis-tentes);

alterações ambientais e mudan-ças climáticas.

CóleraReapareceu em países onde já ha-via sido erradicada, na medida em que as condições de saneamento e alimentação se deterioraram. Em 1991, na América do Sul, mais de 390 mil casos foram notificados, sendo que por um século não se registravam casos de cólera.

DengueEspalhou-se por vários países do sudeste asiático desde a década de 50 e reemergiu no continente americano na década de 1990, como consequência da deterio-ração do controle do mosquito e sua disseminação em áreas urba-nas.

DifteriaReemergiu na Rússia e em algumas outras repúblicas da antiga União Soviética em 1994, culminando em 1995 com mais de 50 mil ca-sos relatados. A reemergência está associada a um grave declínio dos programas de imunização, segui-da de uma “falência” nos serviços de saúde que se iniciou com o co-lapso do comunismo.

Febre Rift Valley (RVF)Caracterizada por febre e mi-algia, pode progredir para reti-nite, encefalite ou hemorragia. Depois de anormal temporada chuvosa no Quênia e na Somália em 1997 e 1998, a RVF ocorreu em vastas áreas, causando febre hemorrágica e morte. A doença está associada a condições climáticas, má nutrição e outras infecções.

Febre amarelaDoença para a qual há várias vacinas pouco disseminadas. A ameaça da febre amarela está presente em 33 países africanos e 8 sul-americanos. É comum em florestas tropicais, onde o vírus sobrevive em macacos. Pessoas infectadas levam o vírus para os vilarejos e a simples presença de um vetor espalha rapidamente a doença, que mata facilmente pes-soas com baixa imunidade.

TuberculoseComporta-se como doença re-emergente devido ao aumento gradativo de casos no passar dos últimos anos. Isto se dá devido ao processo de seleção responsável pela existência de cepas altamente resistentes a antibióticos. Além disso, o HIV contribui largamente para a manifestação da doença.

LeptospiroseZoonose provocada por uma bac-téria eliminada principalmente na urina de roedores. Na ocorrência de enchentes, pode infectar as pessoas que entram em contato com a água contamina-da. A bactéria pene-tra no organismo por meio de lesões de pele ou pelas mu-cosas. Suas manifestações mais comuns são febre, icterí-cia, dores muscula-res e presença de albumina na urina.

Doenças reemergentes

Fontes: Unifesp <www.virtual.epm.br/material/tis/curr-med/temas/med3/t2a _ 2000/doencas> e Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas <www.pbmc.coppe.ufrj.br/pt/organizacao/o-pbmc>

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Capitalismo das multidões

Economia compartilhada, crowdfunding e crowdsourcing

mostram o poder da mobilização virtual pela

sustentabilidade.

Elis Monteiro

Livros de poesias, álbuns musicais, shows, peças de teatro, causas sociais e até uma ferramenta para gestão interativa de consumo de energia elétrica. O que todos esses produtos tão diferentes têm em co-mum? O fato de, neste momento, estarem em busca de investidores – na internet. São projetos em cur-so em sites de crowdfunding, o finan-ciamento coletivo que faz com que pessoas físicas possam colaborar diretamente para o desenvolvimen-to de iniciativas em diversos seg-mentos.

A rede mundial de computadores propiciou o nascimento de novas formas de produção e consumo. Vista como parte significativa do processo de inovação do futuro, a nova Economia das Multidões já é percebida, inclusive, como ameaça ao capitalismo nos seus moldes tra-dicionais. Fenômenos como o reló-gio-smartphone Pebble Time, que já arrecadou mais de US$ 20 mi-lhões no Kickstarter, mais conheci-do portal de crowdfunding do mundo, mostram que há uma (r)evolução em curso. Que pode transformar a forma como produtos são criados e como os adquirimos.fo

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No crowdfunding, indivíduos que se interessem em apoiar um projeto fazem doações via cartão de crédi-to ou boleto bancário – cada um dá o que quer ou o que pode. Em tro-ca, o dono do projeto oferece uma recompensa – se o projeto anun-ciado for um filme, por exemplo, os “investidores” podem receber uma cópia gratuita em primeira mão.

Nos Estados Unidos, o crowdfunding se popularizou no ano de 2008, mas no Brasil a onda só chegou depois do lançamento do popular Catarse, em 2011. Depois dele, foi a vez do movimento Queremos!, primeira plataforma online a permi-tir que fãs de artistas se unissem para trazer seus ídolos para reali-zar shows no Brasil. Os doadores têm o dinheiro revertido em ingres-sos (uma vez que as apresentações tenham sido viabilizadas) ou o dinheiro de volta (caso o projeto não obtenha o financiamento ne-cessário). O Queremos! fez tanto sucesso que foi um dos responsá-veis por reinserir o Brasil no mapa das turnês mundiais de bandas in-dependentes e até de atrações do circuito mainstream.

Em 2014, o Kickstarter ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão arrecada-dos de 5,7 milhões de pessoas, que

ajudaram nada menos que 135 mil projetos de todos os tipos – que saíram da “garagem” direto para o consumidor, sem atravessadores. Não é pouca coisa, não.

Nova forma de capitalismo

O crowdfunding tem sido visto como uma nova forma de capitalismo e pode ser o segredo para a concre-tização de projetos que antes de-pendiam única e exclusivamente da boa vontade das empresas – e de tempo para que recursos fos-sem liberados com essa finalidade.

Um dos projetos criados pelo canal brasileiro de crowdfunding e crowd-sourcing Benfeitoria, o Rio+ (canal de prototipação de soluções inova-doras para a cidade do Rio de Ja-neiro) recebeu, em 2014, nada me-nos que 1.692 ideias depois de uma convocação feita pela internet. To-das foram analisadas e passaram por uma banca de especialistas, responsáveis pelo estudo de viabi-lidade. Passada esta fase, o público pôde votar, pela internet, nas me-lhores, que foram implementadas sob a supervisão e mensuração da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Uma visita ao site da Benfeitoria re-vela uma diversidade de projetos

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em busca de recursos, sejam fi-nanceiros ou intelectuais – material de divulgação, horas de trabalho, conhecimento etc., tudo que pode ser considerado moeda de troca ou doação está valendo.

O retorno dado aos benfeitores que topem ingressar nos projetos pode vir sob a forma de produto, agra-decimentos especiais ou simples-mente orgulho por ter feito parte da iniciativa. Na era da consciência global, a certeza de “ser da turma que fez” é moeda valiosa.

E nesse novo capitalismo surgem iniciativas que já estão bagunçando o capitalismo estabelecido. Que tal pensar em cooperativas de serviços montadas por indivíduos que têm como interface apenas a tela do celu-lar? Motoristas, profissionais ou não, e clientes se comunicam diretamen-te, sem a ação de intermediários – é o caso do aplicativo de transporte Uber. Pessoas se conectam a outras pessoas para trocar informações so-bre o trânsito extraídas diretamente da fonte, sem passar pela filtragem dos outrora mediadores institucio-nais, autoridades ou veículos de co-municação tradicionais – é o caso do Waze, aplicativo de trabalho co-laborativo no qual cada motorista passa a ser a fonte do outro em prol

de um trânsito melhor e uma maior qualida-de de vida.

O Uber já tem sido vítima de todo tipo de protesto. Em São Paulo e no Rio, cooperativas de taxistas se mobilizam para impedir o exercício dos motoristas que prestam serviços por meio do aplicativo; indignados, os profissionais do volante acusam o app de ser ilegal e afirmam que a concorrência é desleal, uma vez que os motoristas cadastrados no Uber não estão sujeitos à tributação e à burocracia a que se submetem os taxistas. Em breve saberemos como essa luta seguirá seu curso.

Crowdsourcing: união de saberes

A Benfeitoria trabalha recebendo doações de dinheiro (crowdfunding) ou de recursos (crowdsourcing). Outra modalidade nascida na era da cola-boração, a busca por “recursos de multidão” é o processo de obtenção de serviços, ideias ou conteúdos ne-cessários, solicitando contribuições de um grupo variado de pessoas. E pode ser um divisor de águas para o universo dos projetos sociais. Em vez de apenas correr atrás da ajuda financeira de empresas, entidades

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do terceiro setor e até empreende-dores individuais têm buscado apoio diretamente da sociedade. Tal como se dá no crowdfunding, só que com outra mercadoria sendo “negocia-da”: o conhecimento.

Para Peter Diamandis, professor da Singularity University (universida-de patrocinada pelo Google e pela Agência Espacial Norte-Americana, a Nasa) e criador do X-Prize (prêmio mundial que condecora iniciativas que interferem no status quo), a hu-manidade está vivendo um período que pode ser chamado de Crowd-source Genius (Genialidade Com-partilhada). É a inovação propiciada pela união de conhecimentos em prol do desenvolvimento de pro-jetos, produtos e, principalmente, de soluções para questões locais e globais. Por conta disso, acredita--se que o futuro será infinitamente mais... colaborativo!

Crowdfunding socialComo sobreviver sem depender do auxílio financeiro proveniente de empresas ou do governo? Como manter uma instituição de pé sem doações privadas ou públicas? Como captar recursos diretamen-te da fonte? Estas são algumas das muitas questões enfrentadas hoje pelas organizações sociais. Até há bem pouco tempo dependentes, em sua maioria, de captação empresa-rial e governamental, agora as ONGs começam a correr atrás de soluções

baseadas em crowdfunding.

O movimento vem es-q u e n t a n d o desde 2013, quando a Skoll Fo u n d a t i o n

lançou o até en-tão maior desafio i n te r nac i o na l de crowdfunding: o Skoll Foun-dation Social Entrepreneurs

Challenge, que convidou 63 ONGs no mundo inteiro a alcançar o má-ximo possível de doações por meio da plataforma de financiamento coletivo Crowdrise.

Uma parceria entre a Skoll Founda-tion, o jornal The Huffington Post e a Crowdrise se comprometeu a doar US$ 1 milhão, dos quais US$ 250 mil foram repartidos entre as três instituições que mais arreca-daram e US$ 750 mil foram dividi-dos entre as organizações sociais que atingissem as metas dos desa-fios semanais.

Em primeiro lugar no desafio ficou a The One Voice Movement, que arre-cadou US$ 1.217,421; em seguida vie-ram a The Citizen Foundation (TCF), com US$ 1.202.260, e a Pratham USA, com US$ 923,150. As organiza-ções sediadas no Brasil com melhor colocação foram a Saúde Criança, que arrecadou US$ 51.954 (21º lugar) e o Comitê para Democratização da Informática (CDI), que conseguiu pouco mais de US$ 5 mil e ficou en-tre os 50 primeiros colocados.

Organizações como WWF, Greenpea-ce, Médicos sem Fronteiras, GRAAC e AACD, entre outras, já estão mobi-lizando recursos por meio de plata-formas colaborativas online. Na bra-sileira Kickante (www.kickante.com.br), por exemplo, o apoiador pode encontrar informações sobre as ins-tituições e efetivar sua doação. Mais do que reunir pessoas que acreditam na causa e querem fazer parte dos esforços, ao final das campanhas os responsáveis pelas ONGs recebem da Kickante a base de dados dos doadores, para que mantenham a comunicação e o relacionamento. Já o doador recebe certificado de par-ticipação e/ou brindes, variando de acordo com o valor da doação.

Para os Médicos Sem Fronteiras, o crowdfunding foi um passo a mais em um trabalho desenvolvido há muito tempo – a organização não

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governamental depende quase que exclusivamente de doações de pes-soas físicas, com quase 90% de sua base de arrecadação advinda de doações privadas. Em outubro de 2013, a MSF lançou sua primeira campanha de financiamento cole-tivo na Kickante. Batizada de “Ca-lendário Médicos Sem Fronteiras – 2014”, a força-tarefa arrecadou 420% da meta, recursos que vieram de 815 doadores. No total, o MSF conseguiu R$ 54 mil, valor suficiente para adquirir 71.500 sachês de ali-mento terapêutico à base de pasta de amendoim para tratar desnutri-ção severa em crianças. Ou mais de 72.120 vacinas contra o sarampo.

Na cola de tantos bons exemplos, surgiram iniciativas de todo tipo, voltadas para a criação ou manu-tenção de projetos sociais. Benfei-toria, Vaquinha Social, Juntos.com.vc e outras oferecem o meio para que as instituições busquem doa-dores – de dinheiro, conhecimento, recursos em geral, comunicação, entre outras necessidades – e tam-bém novos aliados.

Novos tempos para a velha “vaquinha”

Para quem precisa de uma “for-cinha” em momentos difíceis, o crowdfunding também tem se mos-trado uma opção eficaz. Ir atrás da ajuda de desconhecidos foi a de-cisão de Leonardo Konarzewski, que encontrou no financiamento coletivo uma forma de juntar forças para enfrentar um problema grave e que, a princípio, parecia insolúvel. O programador gaúcho decidiu usar a internet como forma de arrecadar recursos para tratar um linfoma de Hodgkin, tipo de câncer no tecido linfático.

Depois de passar por cinco sessões de quimioterapia, Léo foi informado de que as possibilidades para trata-mento da doença no Brasil haviam se

esgotado e que só havia uma chan-ce para ele: um tratamento médico em fase de testes em uma clínica de Rochester, no estado norte-ameri-cano de Minnesota. O complicador? O preço. Ele precisava, inicialmente, de US$ 15 mil para ser aceito pela clínica. Então Leonardo pegou uma webcam, gravou um vídeo no qual pedia a colaboração dos internau-tas e criou um site de crowdfunding. Resultado? Está nos EUA há meses, com grande parte dos custos ban-cada por doações advindas da in-ternet – e que continuaram chegan-do, já que o tratamento, agora em fase final após um autotransplante de medula, foi estimado em torno de US$ 1 milhão.

“Acredito que as pessoas sempre es-tão dispostas a ajudar, mas depen-de do impacto que se causa na vida delas, da perspectiva que elas vão tomar da situação. Foi difícil recorrer à internet porque sempre fui um cara muito reservado. Tive de me expor por uma necessidade muito grande. Mas vi que a internet ajuda mais a di-fundir e a alcançar um número maior de pessoas. A generosidade já está no ser humano, só precisa ser aflo-rada, e a internet faz muito bem esse trabalho”, conta Léo, diretamente da clínica nos Estados Unidos.

Seja para lançar um produto, con-tratar uma banda, proteger o pró-ximo das “roubadas” no trânsito, oferecer serviços diferenciados e até salvar vidas, a era da colabora-ção mostra que nem só de notícias ruins é feita a humanidade.

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Leonardo Konarzewski buscou no financiamento coletivo

uma forma de viabilizar um tratamento de câncer no

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EduCação ambiEntal

Uma proposta simples e ousada: manter um “museu

vivo” no coração da Amazônia, em área de reserva florestal

Texto e fotos: Lena Trindade

A definição de museu que está no dicionário Aurélio diz o seguinte: “Lugar destinado não apenas ao estudo, mas à reunião e exposição de obras de arte, peças e coleções científicas ou objetos antigos. Que tem valor histórico”. Mas o Museu da Amazônia (Musa) é um pouco di-ferente. Nele não existem obras de arte a serem observadas em silêncio, tampouco animais empalhados ou objetos antigos. A ideia é inverter a matriz usual e levar o visitante a en-trar na Floresta Amazônica para ver, em cores vivas, tudo que ocorre.

Aparentemente simples, a proposta é ousada. Foi pensada e realizada pelo físico e cientista Ennio Candotti. Instalado em Manaus, capital do Amazonas, mais precisamente na Reserva Ducke, o Musa ocupa, desde 2009, uma área de cem hectares. Em ótimo estado de conservação, a Reserva Florestal Adolpho Ducke fica na zona norte do município, possui 10 mil hectares e é exemplar como área de Floresta de Terra Firme – que combina tamanho, fácil acesso, flora e fauna relativamente intactas.

O internacionalmente reconhecido Instituto de Pesquisas da Amazônia

Musa que inspira a vida

Pica-pau-de-barriga-vermelha: espécie belíssima que vive nos ambientes de

mata firme e de várzea

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(Inpa) é parceiro do Musa, onde rea-liza estudos sobre plantas, pássaros e rãs, há mais de 30 anos lançando regularmente catálogos e outras pu-blicações especializadas. A área da reserva não é aberta ao público, mas desde 2009, com a criação do Musa, o visitante ganhou a oportunidade de ver, ouvir e sentir o que é uma floresta viva. Os cem hectares do Musa ficam abertos de terça a sexta-feira, com monitores experientes que guiam o visitante por trilhas, passarelas e uma torre de observação de onde se po-dem ouvir “as conversas” dos pássa-ros, ver cupins e insetos, sentir odo-res, umidade, apreciar o movimento das formigas e conhecer, em seus di-versos aquários, os principais peixes amazônicos dos rios Negro, Madeira e Solimões, como o tambaqui, o pi-rarucu, o tucunaré ou o piramboia, um peixe com respiração pulmonar que sobe à superfície da água para respirar pela boca. Ou ainda o inte-ressante poraquê – ou peixe-elétrico (Electrophoridae) –, espécie amazônica que possui músculos que armazenam e produzem energia elétrica capaz de paralisar suas presas e até matá-las.

O Musa é um espaço para educação, vivência e conhecimento. Acima de tudo, é um local de convivência e ce-lebração da diversidade. Nas palavras do professor Candotti, “um espaço onde os humanos de diversas cultu-ras e a natureza podem colocar em prática o mote ‘Viver Juntos’, símbolo de um projeto de educação e solida-riedade empenhado em promover o convívio dos cidadãos na diversida-de cultural, biológica, social e políti-ca da grande Bacia Amazônica.”

Ao contrário dos outros museus tradicionais, em que peças, mo-delos e objetos estão imobilizados em edifícios e exposições, o Musa oferece a natureza viva, as plantas, os bichos em seu ambiente – flo-resta, lagos e igarapés. Para isso o visitante tem de andar, sentir a umidade da mata, subir os 42 me-tros ou 230 degraus da torre de observação e ver a floresta como um pássaro – do alto, acima da copa das árvores, que na Reserva Ducke alcançam em média 30 a 35 metros. É uma experiência única, e não há quem não se emocione, não saia comovido com a experiência

Fachada do Pavilhão de Exposições

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de “ouvir” o silêncio, ver algumas aves que jamais descem, sentir o vento fresco e a pulsação da maior floresta do mundo assim de per-to, quase ao alcance das mãos. A torre é um “altar”, lugar de trans-cendência onde todos os visitantes se conscientizam da importância e da necessidade de preservação da Amazônia. Um local onde se expe-rimentam novas formas de olhar, sentir e pensar a floresta.

É também onde se realizam me-dições climáticas e climatológicas de grande importância para todo o país, pois, como sabemos, o rio Amazonas compõe a gigantes-ca bacia responsável por 20% das águas fluviais da Terra. No relatório “O futuro climático da Amazônia”, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos Espaciais em 2014, os cientistas mostram essa estreita relação entre a Amazônia e a re-gulação do clima no planeta. Seu desmatamento pode causar trans-formações sérias, como a grande redução de incidência das chuvas. Sem árvores as chuvas podem ces-sar. É uma realidade.

A Amazônia é uma terra de super-lativos, polaridades e extremos, re-pleta de recordes. Lá encontramos a maior de todas as aranhas – Golias (Theraphosa blondi) –, o rio mais vo-lumoso e extenso do planeta (o próprio Amazonas), a maior e mais alta floresta, a maior folha do Brasil (Coccoloba, comum em Rondônia, com 2,5 m de altura e 1,44 m de lar-gura). Só no arquipélago de Anavi-lhanas, um dos maiores do mundo, encontramos mais de 400 ilhas. Ali, em Novo Airão, numa saída de bar-co pelo rio Negro, fui cercada por botos-cor-de-rosa – também cha-mados de botos-vermelhos, pois, quando vistos nas águas escuras do rio Negro, a luz solar reflete em seus corpos uma cor avermelhada. Trata--se do maior golfinho de água doce do mundo, chegando a pesar 185 kg e medir 2,55 m. Em Novo Airão, há um flutuante controlado pelo Ibama de onde se podem observar os bo-tos sendo alimentados. Nas águas amazônicas, nada também o pira-rucu, outro recordista: maior peixe de escama de água doce do mundo, podendo chegar a três metros de

Segundo Candotti, “a Torre é como um templo para meditar e observar a maravilha da natureza” Acima das copas das árvores, o visitante fica próximo de pássaros e outros seres da floresta

As florestas estão sujeitas a inundações periódicas provenientes dos numerosos rios da região

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comprimento. Outra espécie rara, ameaçada de extinção, é o peixe--boi, que é herbívoro, só se alimenta de plantas aquáticas.

Toda essa riqueza e diversidade da Amazônia, assim como sua com-plexidade social, suscitam muitas perguntas. Procurar respostas e criar novas perguntas é a que se propõe o Musa. Que segredos escondem as águas do rio Negro? Como o bi-cho-folha chegou a essa perfeição na arte de se camuflar? Que conste-lações as diversas etnias indígenas identificam no céu? Como um pás-saro se relaciona com a floresta ao seu redor? Será que reconhece cores como nós, humanos?

Para cumprir esse objetivo é preciso adentrar a floresta. Ver os ambientes naturais da Amazônia, aproximar os que vivem na floresta dos que que-rem conhecê-la. Aproximar-se do seu microcosmo – os formigueiros, cupinzeiros etc. Com a ajuda de ins-trumentos como microscópios, lu-pas, câmeras e sensores, os ruídos são amplificados e pode-se ver o que se passa dentro do formigueiro, como as formigas se comunicam e percebem o mundo.

É fundamental conhecer o modo de vida indígena e não apenas as plu-mas e o artesanato. A herança das culturas tradicionais dos povos da região, índios, ribeirinhos e serin-gueiros. Levar a todos o vasto co-nhecimento que esses povos detêm – das plantas, do clima, das águas e da fauna. Dessa forma, a floresta pode ser vista não como inimiga ou algo assustador (o “inferno verde”, cognome da região em parte da im-prensa do Brasil e do exterior, nos anos 1960 e 1970), mas como parte do rico patrimônio da história que vem se formando ao longo de sécu-los. Procurar o conhecimento para que se possa preservar: para isso o Musa dispõe de laboratórios de pes-quisa, viveiro de orquídeas e bromé-lias, serpentário, borboletário, aquá-rios e salas para exposições, além de oferecer oficinas de educação em ciências, cultura e artes para a comunidade e os estudantes. Como diz o professor Ennio Candotti, é um lugar onde humanos e não-humanos podem viver juntos e em harmonia.

No borboletário os visitantes têm a oportunidade de ver todas as fases de vida de uma borboleta amazônica:

Maior golfinho de água doce do planeta, o boto vermelho ou boto-cor-de-rosa é um dos ícones da Amazônia e uma das atrações do ecoturismo sustentável

O sauim-de-coleira é encontrado em apenas três municípios da Amazônia e está entre as espécies mais ameaçadas de extinção

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ovos, larva, lagarta, crisálida e ani-mal adulto. Tudo bem explicado pela entusiasmada (o entusiasmo é a característica notável em todos que trabalham no museu) pesquisadora Tainá, que cuida das borboletas na-tivas da Amazônia e as estuda. Outra jovem que trabalha com grande en-tusiasmo é Fernanda Meirelles. Mes-tre em Ecologia pela Universidade de São Paulo (USP), Fernanda trabalha com mamíferos, mas sua presença se faz sentir em vários segmentos no Musa. É ela, por exemplo, quem cuida do mãe-da-lua-gigante (Nycti-bius grandis), o maior dos urutaus (ave noturna com plumagem de espeta-cular camuflagem). A ave foi deixada no Musa muito frágil, com as asas cortadas e sem capacidade de voo. Fernanda conta que se sentiu atraída pela ideia de trabalhar no Musa por ser apaixonada pela popularização da ciência, objetivo maior do museu. Ela gostaria de ver os moradores de Manaus mais envolvidos com o projeto, mas entende que talvez a localização do Musa seja a grande dificuldade pra que isso ocorra. Ao mesmo tempo, é também seu maior diferencial, pois a reserva é a gran-de chance de o manauara conhecer uma floresta sem precisar sair da ci-dade. “A cada pessoa que consegui-mos encantar, despertando nela um olhar de admiração e respeito pela vida, ganhamos um aliado na con-servação”, observa.

No serpentário o veterinário Ansel-mo explica sobre as cobras peço-nhentas (jararaca e cascavel) e não--peçonhentas (sucuri, jiboia-arco-íris e jiboia), que ficam no recinto exter-no ou nos terrários. As instalações do criadouro de serpentes contri-buem para a divulgação científica, e os visitantes aprendem muito a

O angelim-pedra é a árvore símbolo do Musa, com idade estimada em 500 anos. Esta espécie pode atingir 60 metros de altura

Jibóia-arco-íris sendo isolada para tratamento pelo veterinário do Musa. A espécie tem esse nome devido ao reflexo

brilhante que exibe sob a luz do sol

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Italiano de nascimento, Ennio Can-dotti veio para o Brasil com dez anos de idade e em 1983 natura-lizou-se brasileiro. Formado pela USP, foi professor da Universidade Federal do Rio (UFRJ) e da Univer-sidade Federal do Espírito Santo, além de presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciên-cia (SBPC) por quatro mandatos.

Em 1982, criou a revista Ciência Hoje, da qual foi diretor-responsá-vel até 1996. Criou também a revis-ta Ciência Hoje para Crianças, um grande sucesso. Em 1998 recebeu o Prêmio Kalinga de Popularização da Ciência, concedido pela Unesco. Criador do Museu da Amazônia, é até hoje seu diretor-presidente.

Esta conversa se deu no escritório do Musa, em Manaus, onde vive o professor com sua família.

Senac Ambiental – Como nasceu a ideia de um museu na Amazônia, o Musa?

Ennio Candotti – Em minhas inúmeras viagens a vários países, observei que nos museus se cons-troem reconstituições da floresta amazônica em redomas de vidro. Gastam-se milhões para manter

Ennio Candotti e as verdades observadas

respeito desses fascinantes répteis amazônicos.

Nos aquários os visitantes têm oportunidade de ver de perto espé-cies lendárias da Amazônia, como o peixe-elétrico, o pirarucu, o aruanã, o tucunaré e o piramboia.

Nas trilhas podemos ver os intrigan-tes casulos das cigarras engenheiras (da espécie Fidicina chlorogena), ain-da um mistério para os cientistas que estudam o inseto, pois constroem com argila verdadeiras torres (de aproximadamente 40 centímetros).

Dessa forma o Musa socializa os conhecimentos científicos que pro-duz e forma aliados na defesa da preservação da floresta de maneira por vezes lúdica e atraente. Isso é nítido nos olhos das crianças que visitam o museu e que pela primei-ra vez veem o nascimento de uma borboleta ou conhecem a orquídea--chocolate (que exala de fato um impressionante perfume de choco-late). É o prazer de partilhar o co-nhecimento e perceber como dessa interação entre a comunidade e o museu se constrói o processo de inclusão social, um dos principais objetivos do projeto.

“A floresta amazônica não vai ser salva por lei ou por declarações. Será salva por todo mundo que vive aqui, desde que aprendam que ela vale mais que a terra, o lote ou a madeira cortada”, diz o professor Ennio Candotti.

A aranha-golias, endêmica da Amazônia brasileira, é a maior do mundo. Pode chegar a 30 centímetros

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gação científica e a saúde pública são uma coisa só, se misturam. É preciso entender o desenvolvimen-to científico de forma mais ampla, não apenas nos temas relaciona-dos a física, química e biologia. Incluir os campos sociais e das humanidades nas discussões é de grande importância.

Senac Ambiental – O Musa apre-senta agora a belíssima exposição “Peixe e Gente”, onde tudo isso que o senhor acaba de falar fica muito claro.

Ennio Candotti – Exato! A expo-sição “Peixe e Gente” mostra as práticas e armadilhas de pesca de um povo que vive no Alto Rio Ne-gro. Convidamos representantes de diversas etnias, conhecedores profundos dos segredos da flores-ta, dos peixes e da pesca, exímios construtores das armadilhas para pesca feitas com cipós, talas e outros elementos da floresta. O objetivo é entender como em dife-rentes culturas se construíram os caminhos para celebrar o viver e conhecer a natureza. Para o Musa, defender e divulgar as culturas indígenas não é apenas um im-perativo de convivência solidária entre humanos, mas uma neces-sidade quando queremos decifrar as enigmáticas representações do teatro da natureza, na floresta.

aquelas borboletas alfinetadas e aqueles animais empalhados que naturalmente perdem a cor origi-nal. Sugeri então montarmos ar-quibancadas no meio da floresta e mostrar a todos o grande valor da mata de pé. Mostrar do alto, de baixo, o microcosmo, o que fazem as aranhas, as serpentes, as cigar-ras, os pássaros... Não há no mun-do museu que estude essas intera-ções. Isso é riquíssimo. Precisa ser visto, estudado e, sobretudo, divul-gado. A floresta onde está o Musa é primária, tem dez mil anos, não é uma floresta plantada. Tem muita história, tem segredos. Revelar es-ses segredos não é tarefa fácil, mas é fascinante. Um museu vivo! Esta-mos plantando, demora dez, 20, 30 anos para ter a representação que merece. Mas estamos caminhando bem. A ideia é replicar os museus, os jardins botânicos, os centros de pesquisa, que cada município te-nha seu jardim botânico etc. Pois basta observar, identificar e pros-seguir com pesquisas, o que não é caro e dá resultados melhores do que decorar o que está nos livros. A cada dia vemos se replicarem igrejas, lugares de celebração de verdades reveladas. Precisamos criar lugares de celebração da flo-resta. Em vez de verdades revela-das, verdades observadas. Abrir os olhos, os ouvidos, a mente. A torre de observação é nosso templo, lu-gar de celebração da floresta.

Senac Ambiental – E como o Musa faz para atrair o morador de Manaus, os jovens, enfim, ser de interesse da comunidade?

Ennio Candotti – Não é fácil nem rápido o processo de atração e di-vulgação do conhecimento cientí-fico. Estamos em Manaus, não es-tamos no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que tem uma visitação enorme. No Brasil, a questão do ensino da ciência não ocupa o lu-gar merecido, não ganhou ainda o interesse que tem em outros paí-ses, não encontrou legitimidade política. Até a Índia, lugar de mi-lhões de habitantes com até sete línguas oficiais, tem ações decidi-das, programas de esclarecimento e divulgação do conhecimento. Aqui faltam projetos que deem à floresta o seu real valor. Precisa-mos conscientizar a população não só da necessidade de preservar as florestas como também de levar in-formações aos ribeirinhos, que são gravemente afetados, por exemplo, pela verminose, pela ingestão de água contaminada por causas na-turais – bichos, poluentes naturais da própria floresta e micro-orga-nismos... Aquele caldo rico que vem com as águas é ótimo nutrien-te para a floresta, mas não para os humanos. A qualidade da água, o consumo excessivo de agrotóxico, a preservação das áreas encharca-das e dos mananciais são grandes desafios que mostram que a divul-

Professor Ennio Candotti

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dESEnvolvimEnto SuStEntávEl

Em risco, a sobrevivência dos geraizeiros

No norte de Minas, população tradicional do Cerrado é

ameaçada por mineradoras, madeireiras e restrições

ambientais

Reportagem e fotos: João Roberto Ripper

Texto final: Lígia Coelho

Há décadas encurralados por em-preendimentos de mineradoras e madeireiras que ameaçam seu sus-tento, os geraizeiros, população tradicional que habita, entre outras regiões, o norte de Minas Gerais, vêm sofrendo também, nos últimos anos, com as restrições impostas pela implantação do Parque Na-cional das Sempre-Vivas. A área de conservação ambiental criada pelo Decreto Federal 13/2002 é geren-ciada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e inte-grante do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Apanhadores de flores, pescadores e faisqueiros (trabalhadores que praticam o garimpo artesanal) são alguns grupos que habitam a região das Gerais diretamente atingidos por esses projetos. Habituados à convivência harmoniosa com o

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Cerrado, bioma ao qual estão in-tegrados e do qual sobrevivem, os geraizeiros chamam a atenção pelo modo de vida sustentável, por meio da economia extrativista, na comu-nhão com a terra, seja nas monta-nhas, nas beiras dos rios e córregos ou nas partes planas.

É um povo acolhedor, que expõe seu afeto em uma sucessão de di-minutivos: “cuido da minha horti-nha”, “saboreio minhas frutinhas”, “bonita é minha vaquinha”, “tenho uns gadinhos” e “amo esposa e filhinhos”. Mas também são guer-reiros na luta permanente contra a devastação de suas terras, que sangram pela ação de mineradoras e madeireiras, dos fornos de car-vão que destroem áreas imensas do Cerrado, do reflorestamento predador à base de eucaliptos e da implantação de um parque ambien-tal cuja forma de administração não os reconhece como guardiões da biodiversidade. São projetos que põem em risco a sobrevivência dos geraizeiros, transformando-os em grupos sociais encurralados nas próprias terras, cada vez mais diminutas.

Audiência pública Em vez de assegurar os direitos das populações locais, a implanta-ção do Parque Nacional das Sem-pre-Vivas acabou por ameaçar sua sobrevivência devido às restrições impostas aos habitantes locais.

As 20 comunidades que habitam a região do Parque das Sempre-Vivas estão proibidas de plantar roças de subsistência e de colher flores, atividades que garantem a sobrevi-vência de mais de 500 famílias. Foi o que denunciou, em audiência públi-ca realizada em maio deste ano pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a líder comunitária Maria de Fátima Alves, da comunidade de Macacos, conforme consta no portal da instituição (o texto está disponível em bit.ly/liderdenuncia).

Segundo ela, os estudos para insti-tuição do parque não consideraram as necessidades dos geraizeiros. O movimento não reivindica a extin-ção do parque, mas permissão para que as famílias exerçam suas ativi-dades econômicas como sempre fizeram. Por isso o grupo defende

Disputa pelo acesso à água em regiões que sofrem interferência de mineradoras tem sido um dos pontos de conflitos com a populaçãofo

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que o parque seja transformado em Reserva de Desenvolvimento Sustentável, de forma que as co-munidades da região sejam reco-nhecidas como parte do sistema ambiental a ser preservado. Com o parque classificado como Unidade de Conservação, como é hoje, não é permitida nenhuma intervenção humana dentro de seus limites.

Outra militante do movimento tam-bém presente à reunião, Elisângela Ribeiro de Aquino, do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas Gerais, argumenta que as comunidades tradicionais vivem ali há centenas de anos: “Esses po-vos protegeram aquela área. Pre-cisamos valorizá-los, permitir que sobrevivam. É injusto dizer que as pessoas apresentam risco para o parque, elas são parte desse terri-tório”.

Universidades, parceiras das comunidades

Parceira importante dos geraizei-ros, a comunidade universitária empenha-se na defesa dos povos tradicionais. A antropóloga Mônica Celeida Rabelo Nogueira, com mes-trado em Desenvolvimento Susten-tável e doutorado em Antropologia Social pela Universidade de Brasília, explica que as populações tradicio-nais mantêm traços culturais parti-culares que se estabeleceram histo-ricamente, mas também mobilizam, conscientemente, uma identidade social reafirmando esses traços.

Ela define como geraizeiros os cam-poneses da porção de Cerrado ao norte de Minas Gerais, paisagem que teve grande parte de sua exten-são convertida em maciços de eu-calipto a partir da década de 1970. O plantio empresarial de eucalipto implicou expropriação de terras e grande impacto ambiental, com

redução da oferta de água, frutos nativos, ervas medicinais e madeira.

Hoje, em aliança com sindicatos de trabalhadores rurais, entidades liga-das à Igreja Católica, organizações não governamentais e articulações socioambientais como a Rede Cer-rado, os geraizeiros reagem à vio-lência sofrida, denunciam o caráter predatório da monocultura de eu-calipto e reivindicam o reconheci-mento de seus direitos territoriais como população tradicional.

“Alguns dos traços culturais parti-culares dos geraizeiros referem-se às suas interações com o Cerrado, um sistema de produção que com-bina agricultura e extrativismo e o manejo de diferentes paisagens: a chapada, o tabuleiro, a vereda, os brejos. Ao longo de gerações, essas interações renderam amplo acervo de conhecimentos e práticas de manejo, o que garantiu a conser-vação de porções importantes do Cerrado no norte de Minas e no oeste da Bahia – sem falar em To-cantins e Goiás, onde podemos su-por que haja também comunidades geraizeiras”, diz Mônica, pesquisa-dora associada da organização não governamental Casa Verde – Cultura e Meio Ambiente.

Vínculo afetivo A antropóloga observa que, além de seus saberes e fazeres, os geraizei-ros adquiriram forte vínculo afetivo com as paisagens. “É o que os im-pulsiona a reagir à devastação gera-da pelo eucalipto, reafirmando sua identidade com o lugar que chamam de Gerais”. Mônica chama a atenção para o fato de que a identidade de uma comunidade tradicional é re-sultado de sua experiência histórica particular e do exercício político de afirmação de outra ética na relação com a natureza.

Em sua tese de doutorado, intitula-da “Gerais a dentro e a fora: iden-

Valdivino Rodrigues: “Disseram que íamos ficar milionários,

falavam em desenvolvimento”

janeiro/dezembro 2015 33

tidade e territorialidade entre gerai-zeiros do norte de Minas Gerais”, Mônica observa que o Cerrado é hoje um dos biomas mais ameaça-dos pelas frentes de agronegócios de larga escala em expansão no país, com destaque para as mono-culturas de soja, cana-de-açúcar e eucalipto. “Tais frentes promovem mudanças profundas nas paisagens locais que compõem a vasta área nuclear do Cerrado, afetando tam-bém populações tradicionais”.

Ameaça no Vale do Rio Pardo

Outro grande apoiador da cau-sa dos geraizeiros é o mestre em Desenvolvimento Social Graziano Leal Fonseca, pesquisador da área de mineração e projetos de reflo-restamento em áreas tradicionais das Gerais. Em sua dissertação de mestrado, intitulada “Mineração do norte de Minas: Gerais e geraizeiros ameaçados em função do Projeto Vale do Rio Pardo, na microrregião de Grão Mogol (MG)”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Univer-sidade Estadual de Montes Claros, ele denuncia mais uma ameaça às populações geraizeiras da região.

Apontando dados do Instituto Bra-sileiro de Mineração (Ibram), segun-do os quais a produção mineral do país teve um crescimento de 550% entre 2001 e 2011 – números que, segundo estima, devem continuar crescendo –, Graziano denuncia o “adensamento da mineração” nas primeiras décadas deste século. A atividade se transformou em um dos carros-chefes da economia bra-sileira e de diversos países da Amé-rica Latina. “No entanto”, acres-centa, “devemos considerar a que preço essa atividade está sendo desenvolvida. No Brasil, os grandes empreendimentos minerários apre-sentam relação proporcionalmente inversa entre desenvolvimento eco-nômico e desenvolvimento social em perspectivas local e nacional”. Se o setor tem proporcionado cresci-mento econômico em escala nacio-nal, em nível local esta atividade tem produzido, nas regiões hospedeiras, um legado de pobreza e subdesen-volvimento. Nesse sentido, afirma o pesquisador, “a mineração atua como um parasita, que promove o crescimento da economia nacional, causando grandes prejuízos às re-giões hospedeiras, com degradação do ambiente local”.

Senac ambiental 34

Prejuízos Entre esses prejuízos ele destaca a supressão de rios e nascentes, a destruição da vegetação, a poluição sonora, do ar e da água, a elevação do custo de vida, a especulação imobiliária, a dependência da eco-nomia local em torno da atividade mineral, o crescimento populacio-nal desordenado e o agravamento dos problemas sociais.

Para Graziano, o discurso desenvol-vimentista tem sido utilizado pelo aparato estatal-empresarial como argumento para a implantação de empreendimentos capitalistas que pouco têm contribuído para a me-lhoria do Índice de Desenvolvimento Humano da região: “São atividades desmanteladoras e desestruturantes das formas tradicionais de organi-zação social, afetando um imenso contingente de comunidades tradi-cionais vazanteiras, veredeiras, ca-tingueiras e geraizeiras”, denuncia.

O pesquisador condena, entre ou-tros, os projetos de reflorestamento conduzidos nos anos de 1970 e 1980 a partir de iniciativas da Superin-tendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) que substituíram a vegetação nativa do Cerrado por

eucalipto e pinus e “se efetivaram a partir de um violento processo de expropriação do território de cente-nas de comunidades tradicionais da região, desarticulando suas formas de organização social e de apropria-ção da natureza”.

Graziano observa que o aparato estatal-empresarial apresenta a atividade mineradora como o novo projeto de redenção do norte do Estado. No entanto, afirma, a ex-periência de diversos empreendi-mentos de mineração em curso no Brasil tem mostrado outra realida-de. Cita como exemplo o Projeto Vale do Rio Pardo, o qual, embora ainda em fase de licença prévia, já se apresenta como potencial pre-dador. O estudo realizado por ele nas comunidades de São Francisco e Lamarão, que se encontram na área pretendida para instalação do complexo minerário, conclui que a mineração deverá desestruturar o universo geraizeiro em toda a região do Vale das Cancelas.

Graziano alerta ainda que a minera-ção a céu aberto em áreas povoa-das “demanda a supressão da flora e das camadas superficiais do solo, com destruição de cursos d’água, alteração dos níveis e da qualidade

Encurralados em suas terras – cada vez menores –, os geraizeiros

lutam pela sobrevivência ao lado de trabalhadores rurais e

articulações socioambientais

janeiro/dezembro 2015 35

Senac ambiental 36

da água, além da poluição do ar e da poluição sonora – processos que tornam inóspitas as áreas vizi-nhas à mina”. É a mesma conclusão do Relatório de Impacto Ambiental do empreendimento:

“Em um empreendimento minerário de grande porte, como é o caso do proje-to Vale do Rio Pardo, é esperado que a maioria dos impactos ambientais identi-ficados sejam classificados como ‘negati-vos’ [sic] em relação ao seu efeito. Isso foi observado para os impactos levanta-dos nos meios físico e biótico, em todas as etapas do empreendimento. Chama--se atenção também para a existência de impactos ‘muito significativos’ que irão ocorrer mesmo com a adoção de medidas mitigadoras e programas, tanto na fase de implantação como na fase de operação (...) com alteração da paisagem, retirada de vegetação, supressão de cursos d’água, nascentes e ambientes ecologicamente importantes” (Rima, p. 15 e p. 16).

Apropriação material e simbólica

O território geraizeiro, conforme o antropólogo, é “um espaço de apropriação material e simbólica, elemento central de identidade dessa coletividade, espaço estru-turado e estruturante do modo de vida desse grupo étnico”. Por isso, esse modo de vida particular é sensível às alterações de seu espa-ço e território.

Há também a perda das referên-cias simbólicas. Para famílias das duas comunidades que se encon-tram na área do complexo minerá-rio, o empreendimento significará o desmantelamento do seu siste-ma de organização social, cultural e material.

O pesquisador prevê que os da-nos socioambientais do projeto afetarão toda a região: “uma das características das diversas comu-nidades que formam a sociedade

geraizeira do Vale das Cancelas é o alto grau de inter-relacionamento entre elas, expresso nas relações de parentesco, casamento, vizi-nhança e trocas”.

Graziano alerta: se os responsáveis pelo projeto e os agentes do Es-tado não reconhecerem os povos da área como tradicionais (dota-dos de direitos pela Constituição e por instrumentos legais que lhes garantem a preservação de sua identidade, seus modos de ser, fa-zer e viver) e levarem adiante esse empreendimento, vão colocar um ponto final na trajetória histórica e sociocultural do grupo.

Para o antropólogo, a ruptura com-pleta e definitiva com o território vai significar o etnocídio dos gerai-zeiros de Lamarão e São Francisco. Ele acredita que esse processo vai criar um vazio cultural e paisagísti-co na região do Vale das Cancelas que impactará outras comunida-des, uma vez que as duas integram um sistema sociocultural mais am-plo e complexo, distinguido pela identidade territorial geraizeira.

Como exemplo, cita as comunida-des de Morro Grande e Diaman-tina, vinculadas às primeiras por relações de parentesco e vizinhan-ça, bem como por ecossistemas interligados, o que pode provocar migração para os centros urbanos. “Aqueles que permanecerem na re-gião, como no distrito de Vale das Cancelas, por exemplo – muitas vezes na expectativa de preservar o que lhes resta do seu círculo de relações sociais –, ainda assim te-rão perdido suas referências paisa-gísticas e seus meios tradicionais de reprodução. No futuro”, imagi-na, “poderão sofrer com a poluição sonora, do ar e com a falta de água, além do alto custo de vida, tendo ainda de conviver com altos índi-ces de violência e déficits na edu-cação e na saúde”.

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Quando esta reportagem foi feita, ainda não havia ocorrido o desastre de Mariana, que concretizou, como um pesadelo de dor, as preocupações de todos aqui ouvidos. No dia 5 de novembro, a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, se rompeu, despejando 50 toneladas de resíduos no povoado de Bento Rodrigues. Controlada pela Vale, a maior mineradora do Brasil, e pela anglo-australiana BHP (a maior do mundo), a lama do rejeito da produção de minério de ferro da Samarco percorreu 850 quilômetros ao longo do Rio Doce até chegar ao mar, no estado do Espírito Santo.

O rastro da lama deixou 16 mortos, três desaparecidos, mais de 600 desabrigados e 500 mil sem água potável, além de uma devastação ambiental sem precedentes. Pesquisadores e biólogos afirmam que a onda de lama, que tem densidade e forma uma liga quando em contato com água, pavimentou o caminho por onde passou – o leito do curso d’água e as margens, chegando a uma faixa de 50 a 100 metros para além da borda do Rio Doce. As comunidades que estavam no caminho perderam suas propriedades e seus meios de vida.

O Governo Federal e os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo anunciaram a intenção de processar Samarco, Vale e BHP para que arquem com 20 bilhões de reais para as despesas de recuperação dos danos e revitalização das áreas atingidas pela tragédia. Mesmo com doações de todo o país, algumas cidades, como Governador Valadares, conseguiram, por meio de decisão judicial, que a Samarco fornecesse à população 550 mil litros de água potável por dia.

Muitos já começam a captar a água do Rio do Doce e tratá-la, no entanto os danos e as possibilidades de recu-peração ainda não foram efetivamente calculados. Mesmo assim, a Comissão Especial do Desenvolvimento Na-cional aprovou, no dia 25 de novembro, o Projeto de Lei 654/2015, que acelera a liberação de licenças ambientais para grandes empreendimentos de infraestrutura. Na prática, projetos considerados estratégicos pelo governo passarão por licenciamento ambiental especial, mais rápido, sem a obrigatoriedade de audiências públicas e pro-cessos de consulta. Assim, uma licença ambiental única seria expedida no prazo de até oito meses para projetos de extração de minério, estradas, ferrovias, aeroportos, hidrelétricas, portos e linhas de comunicação.

A catástrofe chamou atenção para as demais barragens mantidas por mineradoras, muitas delas em situação preocupante. Conforme dados de 2014 consolidados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia – e divulgados pelo projeto jornalístico Aos Fatos (www.medium.com/aos-fatos) –, 29 barragens de rejeitos de mineração do país estão em situação ainda mais precária que a de Fundão. E 18 delas têm potencial para provocar dano semelhante ou de proporções ainda maiores.

O desastre em Mariana

Senac ambiental 38

A disputa pelo acesso à água nas regiões que sofrem interferência de grandes empreendimentos ligados às mineradoras tem sido um dos pontos de conflitos e tensões no Vale do Alto Rio Pardo e nas en-costas da Serra Geral.

Nessa região, a instalação de mine-roduto e a localização da barragem de rejeitos da mineração de ouro em afluentes do Rio Gorutuba têm trazido prejuízos às comunidades locais, como denuncia o pesquisa-dor Rômulo Soares Barbosa, dou-tor em Ciências Sociais pela Uni-versidade Federal Rural do Rio de Janeiro, professor da Universidade Estadual de Montes Claros e autor do artigo “Mineração no norte de Minas Gerais: tensões e conflitos pelo acesso e uso da água”.

Com uma área de mais de 120 mil quilômetros quadrados, a região corresponde a 20,7% do território de Minas Gerais, habitada por uma diversidade de populações tradi-cionais. A partir de 2008, com a descoberta de enormes jazidas de ferro na região e a exploração de ouro em Riacho dos Machados, a mesorregião norte de Minas Ge-rais, inserida no Semiárido, passou a ser reconhecida como nova fron-teira mineral do estado. Em pro-cesso de licenciamento ambiental, esses empreendimentos têm sido alvo de contestação por organiza-ções da sociedade civil.

Modernização e empobrecimento

Rômulo lembra que, a partir de 1965, quando a região foi inserida na área de atuação da Superin-

Tensões e conflitos pela

água

tendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), iniciou-se um processo de modernização por meio de linhas de financiamento como o Fundo de Investimento no Nordeste e o Fundo de Investimen-tos Setoriais. Nesse processo, ele destaca cinco pilares: agricultura/fruticultura irrigada, monocultura de eucalipto, pecuária extensiva, monocultura de algodão e incenti-vos à industrialização de algumas cidades.

Contudo, o pesquisador denuncia: “Se, por um lado, isso provocou a modernização de processos pro-dutivos, por outro implicou o em-pobrecimento dos agricultores, a degradação dos recursos naturais e a manutenção da concentração fundiária, além da criação de bol-sões de pobreza”. Assim são gera-dos fenômenos como as “viúvas da seca”, as “comunidades fantasmas” e os “escravos do carvão”, devi-do, sobretudo, ao deslocamento

Plantio de eucalipto no norte de Minas tem grande

impacto ambiental

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sazonal de agricultores familiares para trabalharem nas lavouras de café e cana-de-açúcar no sul de Minas e no interior de São Paulo. Ele também aponta a utilização da mão de obra familiar regional em condições sub-humanas pelas reflorestadoras nos seus fornos de produção de carvão.

“A tensão social e os conflitos de-correntes se fundamentam, princi-palmente, nos riscos relativos ao acesso à água disponível nos cur-sos d’água da região, à devastação de mananciais, à contaminação de águas represadas para consumo humano e animal e para as lavou-ras irrigadas”, explica Barbosa. Há ainda o clima da região, inse-rida no semiárido, caracterizado por precipitações anuais concen-tradas no verão, variando entre 700 mm e 1.200 mm, e isso refor-ça a preocupação com o abaste-cimento humano e agropecuário, especialmente em anos de baixa precipitação, como nos dois últi-mos. Nesse sentido, trava-se na região uma movimentação social contrária à exploração de minério de ferro e de ouro.

Área de mineração da empresa Carpathian Gold no município de Ouro Fino

No Projeto Vale do Rio Pardo, além da brasileira Vale e da canadense Carpathian Gold Inc., estão insta-ladas na região a Sul Americana de Metais (Grupo Votorantim), cujo in-vestidor principal é o grupo chinês Honbridge Holdings, e a Mineração Minas Bahia (Miba), que tem no Grupo do Cazaquistão Eurasian Na-tural Resources Corporation (ENRC) seu principal parceiro.

Somam-se a isso os riscos à conta-minação de lençóis freáticos e cursos d’água, como o Rio Gorutuba, e a Barragem do Bico da Pedra, em razão da atividade minerária, bem como a intenção declarada no projeto da Sul Americana de Metais de construir um mineroduto conectando a planta de Grão Mogol ao porto de Ilhéus, na Bahia, o que representaria uma de-manda adicional de água para com-por o transporte do minério no duto.

Dessa forma, diz o professor, a água do semiárido, bem precioso para o desenvolvimento da agricultura, da pecuária e para a qualidade de vida das pessoas, transforma-se em força motriz para a exportação de riqueza mineral.

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Adair Pereira de Almeida tem 40 anos, nasceu no Vale das Cancelas, distrito de Grão Mogol, norte de Mi-nas. Nenzão, como é chamado pe-los amigos, está muito preocupado com a situação local e alerta que 80 municípios já vivem um processo de desertificação provocado pela ação das mineradoras.

O líder comunitário diz, assim como os antropólogos, que o geraizeiro se define pelo seu modo de vida e so-brevivência, que se caracteriza pela produção de suas roças. Suas casas são construídas nas baixadas, nos tabuleiros, no início do morro e pró-ximo aos rios. O Vale das Cancelas é banhado pelo Rio Lamarão e pelos córregos das Cancelas, dos Vales, da Batalha e da Jiboia. A produção de frutos e plantas é consorciada, de forma que um protege o outro no sistema agroecológico.

“As frutas nativas ficam nas cha-padas, o gadinho vive solto e mis-turado, em cima dos morros; nas chapadas, os bichinhos de toda a comunidade pastam livres. O boi serve de alimento e produz ester-co que serve de adubo”, explica Nenzão, acrescentando que em um único hectare de terra o geraizeiro produz 500 qualidades de plantas

medicinais. Nas roças, destaca-se a produção de vários tipos de feijão, como o andu, o catador, a fava, o feijão-de-corda e o feijão-de-ar-ranca, além de milho, mandioca, amendoim, batata-doce e gergelim. No quintal, frutas como jabuticaba, manga, banana, goiaba, coco ma-caúba, carambola, laranja, abacate e melancia. É muito rica também a variedade de frutas nativas, como pequi, mangaba, fruta-de-leite, cagaita, grão-de-galo, coquinho--babão, coquinho-catolé, babão--nanico, gabiroba, caju-caseiro e caju-do-mato.

Da mesma forma, é grande a varie-dade de madeiras, como a canela, a taboca (um tipo fino de bambu), o tinguá, o jatobá, a macaúba, o rufão (que produz óleo), a pinha-de-rapo-sa, a pinha-seca, a panã ou arati-cum e ainda o imbu, originário da Caatinga. “E olha que não falamos nem um quarto das frutas e árvores daqui”, diz, orgulhoso, lembrando que o povo da região também gosta de criar galinhas, perus e porcos.

Contaminação Amigo de Nenzão, Hailton Moraes Silva, um geraizeiro de 64 anos, tam-bém morador no distrito de Vale das

Geraizeiros e suas histórias

janeiro/dezembro 2015 41

Cancelas, conta que contraiu câncer por causa da água contaminada com produtos químicos e agora está se submetendo a sessões de quimioterapia. Ele diz que, depois que as empresas de eucalipto co-meçaram “a usar veneno”, já foram registrados mais de cem casos de moradores das Gerais com câncer no norte de Minas.

Apaixonado pelo lugar onde vive, faz questão de aumentar a lista de árvores e plantas citadas por Nenzão, lembrando que a região produz também uma grande quan-tidade de plantas medicinais, como o chapéu-de-couro, que tem efeito laxativo; o barbatimão, cicatrizante; e a quebra-pedra, diurético natural que tem a propriedade de comba-ter cálculos renais. Menciona ainda a barba-de-boi, boa para a coluna, e a cabeça de frade, usada contra a bronquite.

Outro geraizeiro, Valdivino Rodri-gues Gonçalves, de 51 anos, sen-te saudade do tempo de criança, quando “nem sabia o que era bi-cicleta e só via carro vez ou ou-tra, na estrada de terra”. Na épo-ca, conta, havia muita fartura de peixe: “Tinha traíra, bagre, caru, piaba, lambari, bagrinho-agulho, peixe-cachorro e timburé. Hoje só tem piaba. Nós vivíamos nas mar-gens do córrego Cancela e tínha-mos muita fartura, porco gordo no chiqueiro, vaca criada no capim--meloso. Estamos perdendo tudo, uma tristeza”.

Segundo ele, as madeireiras chega-ram em 1974, desmatando e derru-bando casas. “Muito gado morreu com os venenos que eram colo-cados nas terras derrubadas para plantar eucalipto”.

Valdivino lembra que as empresas de mineração chegaram em 2006. “Disseram que a gente ia ficar milio-nário, falavam em desenvolvimento, e nós só prestando atenção. Que

avanço é esse, que não nos dão um hospital, não consertam estradas? Prometeram que o nosso vale ia avançar porque tinha 250 milhões de toneladas de minério, e que a melhor maneira de transportar era criando o mineroduto”.

A construção, de 500 quilômetros, vai cortar 22 municípios mineiros e baianos para transportar minério de ferro até o porto de Ilhéus, na Bah-ia. Valdivino diz que a comunidade é contra o empreendimento: “Nossa terra é linda, trabalhamos muito e produzimos um pouco de tudo, mas vivemos encurralados pelo eucalip-to que toma os morros”, denuncia João Ferreira Nunes, 75 anos, natu-ral de Santa Rita, perto de Córrego dos Vales.

“A sujeira e o veneno vão para os rios e matam os animais. Até as pessoas ficam doentes, não sei como o povo vive com tanta perse-guição. Primeiro, a pressão das car-voarias e das plantações de eucalip-to, que ainda continua. Agora, essa mineração. Os estragos das águas são um absurdo. Se não tivermos uma reação forte, vamos ver tudo virar deserto”, adverte.

Luzimar Pereira dos Santos, 54 anos, afirma que a comunidade se sente traída, pois o progresso que as empresas apregoavam não acon-teceu. Ao contrário, aumentaram os prejuízos, como a poluição do meio ambiente e o excesso de barulho, devido ao aumento de caminhões circulando na estrada de terra. Em dezembro de 2013, em razão de uma forte chuva, a represa inundou e vazou água poluída, rachando a manta de proteção.

A matança de animais por envene-namento é outro problema. Entre os mortos, cita veados, tatus, gam-bás, raposas, cachorros e cavalos. “Bicho que beber água dessa barra-gem morre, porque eles usam mer-cúrio e cianeto”.

Fontes consultadas:Mineração no Norte de Minas Gerais: ten-sões e conflitos pelo acesso e uso da água – artigo de Rômulo Souza Barbosa.Mineração no norte de Minas: Gerais e ge-raizeiros ameaçados em função do Projeto Vale do Rio Pardo, na Microrregião de Gão Mogol – tese de pós-graduação de Graziano Fonseca.Gerais a dentro e a fora: identidade e terri-torialidade entre geraizeiros do norte de Mi-nas Gerais – tese de doutorado de Mônica Celeida Rabelo Nogueira.

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Ibram nega denúnciasIndagados a respeito das denúncias formuladas pelas comunidades e pelos pesquisadores, apenas dois representantes das empresas aqui citadas deram retorno. Em men-sagem sucinta, Ricardo Meireles, da FSB Comunicações, porta-voz da Assessoria de Comunicação do Grupo Votorantim Industrial, suge-riu que a reportagem entrasse em contato com a empresa chinesa Honbridge Holdings Limited, que, segundo ele, teria adquirido, no pri-meiro trimestre de 2013, o controle do projeto Vale do Rio Pardo. Foi encaminhado e-mail para a Hon-bridge Holdings Limited, mas não recebemos resposta até o fecha-mento desta edição.

Rinaldo Mancin, representante do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), foi o único que respondeu cada pergunta. Ele admitiu que as estatísticas do Ibram mostram uma evolução de cerca de 550% na ex-ploração mineral no Brasil no pe-ríodo de 2001 a 2012, saindo de um patamar de US$ 5 milhões para US$ 55 milhões/ano, evolução que se explicaria por “vários fatores”, mas cuja “variável mais importante tem sido o crescimento vertiginoso da China, mercado que passou a de-mandar um volume expressivo de bens minerais”.

Indagado sobre como o Ibram vê a relação entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social nas comunidades das cidades que são hospedeiras de projetos de mineração, Mancin respondeu que “o desenvolvimento de uma nação e o bem-estar de sua população não existem sem o uso intensivo, porém racional, dos bens minerais”, ponderando que “qualquer um que olhar à sua volta dificilmente conse-guirá identificar objetos do dia a dia que não contenham minérios em sua produção ou composição”.

Contrariamente ao que denun-ciam moradores e pesquisadores universitários, afirmou que “outro aspecto a observar é que, mesmo em pontos distantes dos grandes centros urbanos ou em áreas onde se concentram bolsões de pobreza, a presença de um empreendimento mineral é fator concreto de estímu-lo ao desenvolvimento sustentável dessas localidades”.

Ele aponta ainda a geração de em-pregos como um dos fatores positi-vos, afirmando que, para cada em-prego direto na mineração, outros 13 indiretos são gerados na cadeia produtiva do setor, que emprega hoje no Brasil cerca de 2,2 milhões de trabalhadores.

janeiro/dezembro 2015 43janEiro/dEzEmbro 2015

Sobre o impacto da mineração nos rios e nascentes, com a consequen-te destruição de vegetação nas re-giões de populações geraizeiras, o porta-voz do instituto diz que “fica-ria mais confortável para responder se a tal denúncia apresentasse da-dos e números concretos para se apoiar” , mas argumenta: “A mine-ração ocupa menos de 1% do ter-ritório brasileiro, produzindo cerca de 4% do PIB nacional”. Segundo afirma, o setor, “ao longo de muitos anos, vem sustentando o saldo po-sitivo da balança de pagamentos nacionais, algo que é estratégico para a economia”. Para tanto, com-para o rendimento físico-econô-mico por hectare “entre qualquer tipo de minério e um bem agrícola como a soja ou mesmo gado”.

Para ele, um dos grandes orgulhos do setor mineral brasileiro é seu desempenho em gestão de recur-sos hídricos. Diz que o setor é cam-peão em reuso de água em suas operações, nas quais recicla cerca

de 80%. “Além disso”, prossegue, “é cada vez mais comum em nos-so setor a instalação de circuitos fechados de operação, nos quais a água é reusada integralmente, com perdas mínimas”.

Mancin diz ainda que novos pro-jetos em implantação na Amazô-nia estão adotando tecnologias a seco, que se baseiam apenas na umidade natural dos minérios. Acrescenta ainda um ponto que considera muito importante, rela-cionado às emissões de gases de efeito estufa (GEE): é outra frente em que, segundo ele, a mineração se destaca, pois suas emissões “representam apenas 0,5% do total das emissões nacionais”.

Ele assegura que diversas empre-sas de mineração têm adotado estratégias direcionadas à gestão da biodiversidade como parte de seus compromissos para estabe-lecimento e manutenção de sua licença operacional, até porque é o que fala a Constituição Federal, em seu artigo 225, parágrafo 2º: “aque-le que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na for-ma da lei”.

Legado de pobreza e subdesenvolvimento

Quanto às acusações de que as mineradoras que atuam nessas re-giões têm deixado um legado de pobreza e subdesenvolvimento, ele mais uma vez afirma que gostaria de ver a denúncia “expressa em nú-meros e fatos”. Observa que “o de-senvolvimento não é missão de um único ator, mas de toda a socieda-de”, e que “somente a articulação de estratégias e políticas públicas e empresariais é que vai gerar um ambiente favorável ao desenvolvi-mento efetivo”.

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Mineroduto Sobre o que poderão representar para as comunidades locais a insta-lação de mineroduto conectando a planta minerária de Grão Mogol ao porto de Ilhéus, na Bahia, e a loca-lização da barragem de rejeitos da mineração de ouro em afluentes do rio Gurutuba, o porta-voz do Ibram argumentou que não conhece o projeto em detalhes, portanto, não poderia se manifestar.

Mais uma vez contrariando as de-núncias de moradores e pesquisa-dores universitários, garantiu que “nenhum projeto de mineração tem chance de ser implantando sem a aprovação da comunidade onde vai ser instalado”, o que chama de “li-cença social para operar”.

Ele exaltou a alternativa do mine-roduto para transporte de minério, a qual considera superior ao trans-porte ferroviário ou rodoviário, que queima combustível fóssil e emite CO2, impactando as estradas e am-pliando os riscos ambientais. Mas reconheceu que somente é possí-vel implantar um mineroduto onde houver disponibilidade hídrica sufi-ciente. Frisou ainda que a água uti-lizada no transporte via mineroduto é devolvida ao meio ambiente em condições de uso melhores do que no momento da captação, mas não disse como e por qual processo.

Por fim, admitiu que, “infelizmente”, não existe por parte do Ibram um estudo sobre possíveis danos às populações geraizeiras, vazanteiras, ribeirinhas, indígenas e quilombolas espalhadas pelas regiões atingidas por projetos de mineração.

Esses temas, segundo ele, são ge-ralmente analisados por ocasião dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/Rima), realizados pelos em-preendedores quando da decisão de implantação de um projeto, por solicitação dos órgãos de meio am-biente nos processos de licencia-mento.

Questionado sobre quais seriam as empresas envolvidas no Projeto Vale do Rio Pardo e quais as respon-sáveis pela instalação do minerodu-to que ligará Grão Mogol e Ilhéus, o porta-voz do Ibram afirmou que a instituição detém apenas a repre-sentação política do setor mineral, defendendo os interesses do setor no plano de formulação de políti-cas públicas em Brasília, não res-pondendo pelos temas de natureza comercial ou de competição entre seus associados.

Concluindo, afirmou que a mine-ração é uma atividade 100% regu-lamentada pelo Estado brasileiro, concedida ao particular para explo-ração, nos termos da Constituição Federal, tendo o Departamento Na-cional da Produção Mineral como regulador. Concluiu afirmando que todas as informações são públicas e todos os dados sobre os títulos minerários podem ser obtidos pela internet por qualquer cidadão.

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Eliad: flores e poesiaDe jeito meigo, olhar doce, corpo magro, uma enorme paixão pela terra em que vive e por seu povo, Eliad Gisele Alves é uma geraizeira especial. Vive principalmente da colheita de sempre-vivas, flores se-cas que brotam no Cerrado. Com elas produz artesanato de capim dourado, um tipo especial de sem-pre-viva que floresce apenas uma vez por ano. Dessa ocupação a jo-vem tira seu sustento para prosse-guir nos estudos.

Moradora do quilombo Comu-nidade de Raiz, no município de Presidente Kubitschek, em Dia-mantina, no Vale do Jequitinho-nha, Eliad participa das reuniões e assembleias geraizeiras e define o seu povo como “o guardião do Cerrado”, em constante luta para defender a tradição e o seu espaço no campo. Sonha em ser jornalista para escrever sobre as belezas das populações tradicionais. E produz livros de poesia de forma artesa-nal, costurando e trabalhando com carinho cada capa. Vários dos poe-mas que escreve falam de sua rea-lidade e sua vida. Como este, em que diz, em estilo muito próximo da literatura de cordel:

Sou filha desse BrasilSou da serra das Geraise trago uma grande históriauma luta pela paz,de nós, os geraizeiros,enfrentando os grileiros,pra defender nosso lugar

Pra quem não conhece a históriaagora eu quero contar:os geraizeiros lutampor um lugar pra morare pra manter a tradiçãoque os outros querem tirar

Meu pai apanhava florpra eu poder estudarhoje veio o agronegócioentrou para atrapalharonde era fonte sustentávelnem uma flor se vê mais

Pois aqui é o cabocloque preserva a naturezatirando dela o sustentopra levar o pão à mesatrazendo a sã consciênciade como é rara essa riqueza

Pois é isso, meu Brasil,que eu quero esclareceros geraizeiros sãoos povos de tradiçãoque de coração e almapreservam esse sertão

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Eliseu: eucaliptos e devastação Geraizeiro de Riacho dos Machados, no norte de Minas, e atual-mente diretor do Centro de Agricultura Alternativa (CAA), Eliseu José de Oliveira sempre lutou pelos direitos das populações tradi-cionais. Ele condena as plantações de eucalipto, que destroem o bioma natural da região. Usado pelas madeireiras para reflorestar os locais cuja vegetação elas próprias derrubam, o eucalipto che-gou à região há mais de 30 anos.

“As comunidades já tinham um meio de vida e sobrevivência na agricultura, no gado, que é uma poupança para o povo”. Não o gado de forma extensiva, explica, mas o que era criado “na solta”.

O líder comunitário recorda que, durante a ditadura militar, as populações foram retiradas das terras por órgãos governamen-tais que procuravam favorecer os empreendimentos ligados às madeireiras e à monocultura do eucalipto. Desde então, afirma, o gado começou a morrer e os frutos também: “O povo sofre com isso. Hoje, já existe uma geração do eucalipto – uns trabalham nas empresas, e as comunidades pegam a sobra, fazem carvão e vendem”. Segundo ele, a quantidade de eucalipto plantado na região já atinge um milhão de hectares.

Eliseu ressalta que as comunidades atingidas não podem parar. Têm de se informar e se atualizar para buscar uma postura de consenso em defesa de seus direitos, consultando tratados da Organização Internacional do Trabalho e lutando pela manuten-ção da articulação de apoiadores. Além do CAA, essa rede inclui outras entidades, como o Movimento dos Atingidos por Barra-gens, as universidades, a Pastoral da Terra e o Movimento dos Sem-Terra.

“Diálogo só é possível quando o povo tem conhecimento de to-dos os seus direitos”, diz ele, acrescentando que as comunidades que estão na área de interesse das mineradoras não estão tran-quilas. “Qual o interesse da empresa? O que é essa mineração?”, indaga, denunciando que a mecanização nas terras do cerrado mudou o curso das águas e devastou as lavras.

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Carta de Paris: o acordo da COP-21Os 195 países participantes da 21ª Conferência do Clima da Organi-zação das Nações Unidas (COP-21), realizada em Paris, em dezem-bro, chegaram a um acordo para conter o aquecimento global. Mas será suficiente?

A chamada Carta de Paris lista uma série de condições para que a tempe-ratura do planeta não aumente mais do que 2ºC até o fim deste século – permanecendo, preferencialmente, no patamar de 1,5ºC de elevação, se tanto. O problema é que o cená-rio atual já projeta um aquecimento

superior, conforme os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mu-danças Climáticas da ONU – hoje a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera ultrapassa o índice de 400 partes por milhão. A redução das emissões exige o abandono da matriz energética baseada em com-bustíveis fósseis (gás, petróleo e carvão), que representa três quartos da produção mundial. E esse é um problema que o acordo de Paris não enfrenta com a urgência necessária.

As emissões de carbono perdu-ram por décadas, ou seja, boa

parte do estrago desse cenário de fim de século já está feita. Se não houver uma mudança ime-diata, o futuro estará seriamente comprometido. Embora aponte caminhos e expresse boas inten-ções, a Carta de Paris não ga-rante que as ações necessárias serão realizadas. É preciso que a própria sociedade tome para si, no dia a dia, atitudes que de fato influenciem os rumos do planeta.

O documento está disponível (em inglês) em www.bit.ly/carta-deparis.

Desigualdade extrema e a emissão de poluentesMetade das emissões mundiais de dióxido de carbono na atmosfera é gerada pelos 10% mais ricos da população, ao passo que metade dos mais pobres produz so-mente 10% do total de emissões poluentes. A afirmação está no relatório “Desigual-dades extremas e emissões de CO2”, da tradicional organização não governamental britânica Oxfam, divulgado durante a 21ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-21), em Paris, na França.

Em média, segundo a Oxfam, uma pessoa do grupo mais rico gera 175 vezes mais dióxido de carbono do que outra que esteja entre os mais desfavorecidos, ratifican-do o elo entre a desigualdade econômica e as mudanças climáticas.

O relatório está disponível – em inglês, francês e espanhol – na página https://www.oxfam.org/en/research/extreme-carbon-inequality.

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Nova matriz energética: horizonte é 2030

Zerar o desmatamento ilegal, restau-rar 12 milhões de hectares de florestas e renovar a matriz energética brasileira até 2030: foi o compromisso assumido pelo governo brasileiro em acordo bila-teral firmado com os Estados Unidos e anunciado em Washington, no dia 30 de junho, pelos presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama.

A meta é que, nesse horizonte de 15 anos, o Brasil tenha 28% a 33% de sua matriz energética composta por fontes limpas e renováveis (principalmente eólica e bio-massa) – sem contar a geração hidráulica, que já é a base da energia que produzi-mos. No ano passado, essas fontes tive-ram participação de 9% na produção to-tal. Além disso, o país promete incentivar novas tecnologias industriais, expandir o uso de combustíveis não fósseis e fomen-tar práticas sustentáveis na agricultura. Quanto à restauração das florestas, o Governo Federal se propõe a intensificar o combate ao desmatamento ilegal e ado-tar práticas de manejo sustentável.

Os dois chefes de Estado lançaram tam-bém uma Iniciativa Conjunta sobre Mu-dança Climática, que prevê a criação de um grupo de trabalho para ampliar a coo-peração sobre o tema, de modo a mitigar o aquecimento global e promover o de-senvolvimento sustentável, além de for-talecer pesquisas sobre energias limpas.

Corais mais resistentesCientistas da Universidade do Texas em Austin, da Universidade Estadual do Oregon (ambas norte-americanas) e do Instituto Australiano de Ciên-cias Marinhas conseguiram demonstrar que algumas espécies de corais podem desenvolver resistência a águas mais quentes. A revelação é im-portante para as pesquisas sobre os impactos provocados pelas mudan-ças climáticas. A pesquisa foi divulgada pela revista Science, publicada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência.

Os pesquisadores combinaram geneticamente corais de regiões mais quentes com outros de regiões frias e obtiveram larvas de corais que demonstraram capacidade dez vezes maior de sobreviver a temperaturas mais altas do que as larvas das espécies provenientes de águas mais frias. A interferência humana, portanto, poderia garantir a preservação dessas formações em contraposição aos efeitos do aquecimento global.

Que não se perca o chãoA degradação do solo atinge níveis cada vez mais preocupantes. De acordo com o organismo das Nações Unidas voltado para Alimen-tação e Agricultura (FAO), perdem-se a cada ano 50 mil quilômetros quadrados de solo fértil – o equivalente ao tamanho de um pequeno país como a Costa Rica. A expansão urbana é um dos principais fa-tores de degradação, pois é responsável pela impermeabilização do solo. Para que se tenha ideia da dimensão do problema, a recupera-ção de um centímetro de terreno fértil pode levar mil anos.

Atenta à relevância do tema, a ONU vem se esforçando para promo-ver maior conscientização sobre essa ameaça à vida e decretou que 2015 seria o Ano Internacional dos Solos – eles abrigam um quarto da biodiversidade do planeta e concentram a maior parte dos alimentos que consumimos.

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Sob as ordens da natureza

Kalungas cultivam roças sem veneno, obedecem às fases

lunares e se mantiveram isolados até poucos anos

atrás, temendo a escravidão

Textos e fotos: Cristina Ávila

“(...) o cerradeiro ou cerratense é por excelência um homem barroco.

Criado nos ocos sertanejos, acredita na liberdade,

sua natural condição (...)”

Paulo Bertran

Poeta e historiador goiano, conhecedor da alma do Cerrado

A lua vai crescendo, inchando até o ápice de sua redondeza luzente, leitosa, a amainar a escuridão das noites cerratenses. Repousa solene no céu, apagando estrelas, reinando imperiosa. Segue-se, então, o ciclo, e ela vai se recolhendo, minguando até virar sobejo fio de luz, e mergu-lhar na noite sem deixar vestígio. O astro e as vontades da terra coman-dam a vida dos kalungas nas vasti-dões remotas de Goiás.

Os ancestrais deles chegaram ao município onde hoje é Cavalcante há cerca de 250 anos – quando o Bra-sil ainda era colônia de Portugal – e montaram um quilombo. Eram es-cravos; romperam com a servidão e

Zé Preto, 58 anos: “Esperando o futuro”

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ataram laços com a natureza para sobreviverem, em contato apenas com escassos índios e tropeiros que percorriam rotas no Planalto Central. As famílias negras traziam conhecimentos imemoráveis e se-mentes – de milho, arroz, feijão –, as mesmas centenárias que os des-cendentes continuam a usar para cultivar as roças.

A terra dos antepassados é hoje o Sítio Histórico e Patrimônio Cultu-ral Kalunga, território com aproxi-madamente 230 mil hectares de um Cerrado praticamente intoca-do, de belíssimas paisagens, com vales, rios, córregos de águas cris-talinas, verdes e azuis, cachoeiras, serras e montanhas. Um paraíso habitado por cerca de 3 mil a 4 mil quilombolas, em quase uma cen-tena de povoados – alguns aonde, em tempo de chuvas, só se chega a cavalo ou montando burro. Veícu-los, nem os tracionados.

Os sistemas agrícolas são heredi-tários, manejados com técnicas antigas. Os cultivos são feitos sem venenos ou adubos químicos. Os trabalhos obedecem aos coman-dos das águas e das luas. As fa-ses do céu são observadas para a construção de casas, para a pesca, para tirar palha de fazer telhado, para tirar madeira, tirar taboca ou fazer toucinho. A vida respeita um calendário de chuvas e secas, de plantios e colheitas, de labutas e festas.

A despensa kalunga é quase total-mente abastecida pelo que as co-munidades cultivam. Geralmente as famílias têm pomares e hortas perto das casas, com plantios va-riados que guarnecem as cozinhas com frutas, verduras, plantas medi-cinais e temperos. As grandes sa-fras – de grãos, mandioca, abóbo-ras e bananas de espécies também centenárias – provêm de locais dis-tantes, das terras férteis.

Até onça obedece “Três dias depois de cheia, a lua parte pra minguante; em nove dias, vai ser nova. Três dias antes e três dias depois, se plantar, dá muita broca. Se colher, dá borboleta. A lua manda tudo. A onça tá comendo gado; de tardinha tá no perigo. Na nova e na cheia também. Três dias da cheia é difícil a onça pegar”.

Zé Preto tem 58 anos e faz tudo de olho no céu. “Não se vê nada no cio se a lua estiver na minguante. Cons-truir casa é na crescente. Até ferrar gado. Porque a gente tá esperando o futuro. Se compro uma vaca, é na crescente, porque tô esperando pra vender ou pra criar”, diz ele.

Conservar tradições O isolamento centenário dos kalun-gas favoreceu a manutenção da cultura. Eles viveram muito tempo praticamente sem contato, apesar da proximidade com núcleos urba-nos como o aldeamento Engenho II, que se localiza a apenas 30 qui-lômetros da cidade de Cavalcante. Vários motivos, porém, os mantive-ram afastados, como a própria geo-grafia montanhosa e a necessidade de se preservarem. Há apenas 33 anos, em 1982, a chegada da antro-póloga Mari de Nasaré Baiocchi ao quilombo se deu em clima tenso. Eles acreditavam que a “escravidão” havia chegado e que seriam levados presos.

“Sob o testemunho dos que nos receberam, ficamos sabendo que nunca esperavam ‘um povo desse chegá ali, e se chegô foi por Deu-zo’”, como atestam anotações da pesquisadora sobre as palavras de uma moradora – que acabaram por arrefecer os ânimos dos inquietos kalungas. A partir daí eles passaram a colaborar com o trabalho de Mari, que originou um longo processo de reconhecimento do território qui-lombola.

Preparo da mandioca

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Terras de cultura“Aqui na roça do Joaquim é terra vermelha. Aí tem uma grota, um ‘corguinho’... Passou, é terra branca. Terra vermelha é de cultura, é boa, mais quente, produz mais rápido, ‘guenta’ sol e umidade. Se faltar chuva, aguenta mais”. Zé Preto co-nhece bem a geologia. “Alto Paraíso é chapada, terra fria. É produtiva, mas não tem resistência. Cavalcan-te é amarela”.

Os kalungas chamam o lugar das roças de “terra de cultura”. A de Zé Preto fica a 12 quilômetros de casa. Todo mundo tem roça longe. E é por isso que em tempo de plantios e de colheitas os kalungas fazem casas de palha para morar duran-te dias e até semanas perto dos cultivos. “Em maio e junho, é frio e venta. Se bem que mudou tudo. Em setembro e outubro se plantava milho. Novembro, arroz. Num tem-po desses já tinha colhido. No ano passado, a primeira chuva só veio em novembro”, ele explica.

No caminho é um sobe-e-desce de serra, e se vai “com alguma previnição”: uma matula (farnel) com paçoca de carne-de-sol e gordura de porco. E no tempo da seca é preciso ter cuidado com os carrapatos e levar remédio para combatê-los.

Zé Preto faz o trajeto descrevendo a natureza. “Cheiro de nega-mina [nome popular da erva-cidreira--do-mato], planta boa pra mulher que passa mal perto de ganhar criança. [Apontando para outra planta] Essa é a mimosa. Tá com alguma ferida? É bom pra sarar. Pau-terrinha: tira o mel pra ferida incurável. Se não sarar, não tem outro remédio. O gonçalo chei-ra, tem perfume”. Ele aprendeu a conhecer a mata com o pai, sabe quais são as plantas de cada re-gião do quilombo, sabe o lugar de cada uma.

Extraordinário em riquezaOs kalungas dizem que o buriti – a palmeira imponente típica das veredas – tem mais de cem utilidades. “Serve pra fazer cama, adu-bo, cobertura de casa, polpa de fruta, remé-dio, artesanato, quibano (disco de palha que serve para peneirar) e tapiti (instrumento para preparo da farinha de mandioca). O ca-vaco serve pra fazer calha pra água passar, pra fazer canteiro, serve pra galinha botar ovos. Do olho do buriti se faz corda, chapéu, rede. Um pé leva 30 anos para produzir. Se não cair com raio, não tem fim”, revela Sirilo Santos Rosa, um dos principais líderes do quilombo.

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Quando Zé Preto chega na roça do Joaquim, encontra as meninas Lo-yanne e Maria Eduarda. Uma tem 7 anos, a outra tem 6. São tia e sobri-nha. “Mãe fez ‘comê’ de mandioca. Tem também café e bolacha”, ofere-cem as duas.

O agricultor Joaquim Paulino mos-tra a cozinha improvisada. A água esquentada em uma latinha, pra fazer café, no fogão à lenha. Tem cama feita de paus e tem rede. O arroz é branco e graúdo, sucu-lento – “o nosso tem leite”. Eles preparam sem sal e sem gordura, na tradição kalunga. Comem com feijão, milho, banana assada ou aferventada. “Dou um rumo nela, é assada”, ele conta. “É docinha, for-te. Se quiser fritar, frita. Batata na brasa, cozida... Quando vem uma chuva de noite, é friiiia... os braços doendo de bater enxada e a barri-guinha cheia.”

E na roça não se pode viver sem gato, para proteger as sacarias contra os ratos. Os gatos recebem comida e ficam anos nas casas de roça. O arroz fica na roça mesmo, e busca-se quando preciso.

Os quilombolas também usam trem-pe para cozinhar. Antigamente utili-zavam nas casas de moradia; hoje, só na roça. São três pedras grandes colocadas no chão, em formato de triângulo, próximas, de modo a

Para assustar passarinhos As roças são protegidas contra curicas e ararinhas com o uso de “fundas”, artefatos feitos com um pequeno retângulo de couro de onde saem dois cordões de buriti. Uma das pon-tas é presa no dedo com um laço; a outra é segura pelo indi-cador e pelo polegar. Em manejo circular veloz, uma pedra se mantém no pedacinho de couro. Em seguida, solta-se a pon-ta do cordão que não está presa, e a pedra é arremessada. “Se não cuidar da roça, não precisa colher, os passarinhos comem toda”, relata o agricultor Joaquim Paulino.

Tarefas do dia a dia: apurar o arroz e varrer a casa

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equilibrarem a panela. Não ser-vem apenas para cozinhar, podem ser usadas como remédio ou para adiar a menstruação. Mas não con-tam como fazem. São segredos das kalungas.

A cozinha de dona Getúlia

“As tarefas são inúmeras: apurar o arroz, limpar no pilão, descas-car mandioca, fritar uma bana-na... Desse fubá, tudo que é feito é gostoso demais. Se faz do milho. O fermento é caseiro. A farinha de mandioca produzida no Vão de Al-mas é tão gostosa que segue estra-das custosas, chegando a todos os povoados do quilombo. A alimen-tação é boa”, diz dona Getúlia MS – e é assim mesmo que prefere ser identificada.

Ela revela o que chama de “tem-peramento” das plantas. Quando se está gripado, os alimentos de temperamento fresco não podem

A dieta do resguardoDaniele Souza Santos preferiu dar à luz em casa. Já tem três filhos. Quando começaram as dores, foi um corre-corre. A vizi-nha Maria aparou a criança, que ainda não tinha nome 18 dias depois de nascida. Durante um mês, a mãe faz dieta especial. “É bom sopa de galinha. Arroz dói a barriga. E não é todo tipo de feijão que pode”, explica Daniele. “Batatinha e carne moída, pode. Algumas partes do porco, tam-bém. Costela, não pode. Abacaxi e laranja, dizem que talha o leite. Logo depois do parto, tira-se a última cinza bem quente do fo-gão e joga-se dentro de um chá feito de ervas. Ela fica embai-xo. Você põe um pouco de sal e toma nos primeiros sete dias e no último dia de resguardo. Tem também raizada pra limpar o útero”.

ser consumidos. Só os de caloria. “Quando tá com temperatura alta do corpo, toma alimento de natu-reza baixa, para baixar a caloria. O coco, primeiro, produz água, de-pois leite e depois vira caroço, que é a castanha. O caroço é quente, a água é fria. Não pode comer quan-do tá gripado: goiaba, chuchu, mandioca, inhame, batata-doce.”

A matriarca quilombola mostra uma horta típica ao redor da casa. Há espécies como o pé-de-cabaça – o qual, dividido ao meio, dá duas “cuias”; se inteira, dá uma cumbu-ca com tampa. Tem ainda batata--doce, mamão, feijão andu e tradi-cional. O adubo é esterco de vaca com folhas. Borralho de fogão evita pragas. Ao lado, um canteirinho de remédios e um pé-de-algodão para fazer barbante e pano. “Amo a na-tureza. Por meu gosto, saio todos os dias pra olhar as plantinhas, da minúscula à maior”, diz dona Getúlia, mostrando as dezenas de variedades.

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O Maciço do Tinguá é o ponto mais elevado da reserva, a 1,6 mil metros de altitude

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ConSErvação

Resistência ambiental

Reserva Biológica do Tinguá, no Rio de Janeiro, é uma

“ilha ecológica” cercada de pressões por todos os lados

Francisco Luiz Noel

Das 30 reservas biológicas sob a guarda do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversida-de (ICMBio) em todo o Brasil, a do Tinguá ocupa situação sui generis. Espraiada na divisa do Grande Rio com a Região Serrana do Rio de Janeiro, a unidade é uma ilha ecoló-gica cercada de pressões por todos os lados, resistindo como um dos remanescentes mais representativos da Mata Atlântica em terras flumi-nenses. Captações de água, dutos de combustíveis, linhas de transmis-são de energia, estradas, ocupações habitacionais: vizinha da segunda maior região metropolitana do país, nenhuma outra reserva do tipo paga uma conta ambiental tão alta.

As operações de infraestrutura ur-bana em parte dos 26 mil hectares (o equivalente a 260 quilômetros quadrados) da Rebio Tinguá não resultam de meras transgressões à Lei 9.985, de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc). As instalações já existiam quando a reserva foi criada, em maio de 1989, por decreto federal. Mas, passados 26 anos, medidas como a erradica-ção dos dutos e invasões residen-ciais e a regularização das outras atividades ainda estão no papel,

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embora venham ganhando espaço sem precedentes, nos últimos anos, nas agendas do ICMBio, de autorida-des federais, estaduais e municipais e do Ministério Público.

Como unidade de proteção integral, de acordo com a Lei nº 9.985, uma reserva biológica objetiva a preser-vação total da natureza, sem inter-ferência humana ou modificações ambientais, exceto iniciativas de re-cuperação do ambiente original. Pela permanência das atividades urbanas na Rebio Tinguá, traduzir ao pé da letra esse conceito prescrito pela lei é o desafio do ICMBio. Empenhado em negociações com as empresas que operam na floresta, o chefe da unidade, biólogo Flavio Pereira da Silva, destaca que outras prioridades são regularizar o território da reserva e fortalecer os laços com as comuni-dades vizinhas.

A exemplo de outras áreas sob pro-teção legal, a Rebio Tinguá sofre assédio de caçadores, passarinhei-ros, palmiteiros e outros invasores – entre eles, cristãos pentecostais que repetem no presente o episódio bíblico em que Jesus Cristo e após-tolos oraram em meio à natureza no Monte das Oliveiras. Com apenas dois fiscais entre os 15 servidores, a que se somam sete profissionais ter-ceirizados, a administração da reser-va lavrou 167 autos de infração em 2014. Elas incluíram invasões de ba-

nhistas e religiosos, além de outras ilegalidades dentro e fora da reserva, em sua zona de amortecimento, mas não flagraram casos de caça, prisão de pássaros e coleta de palmitos.

A caça vem refluindo nos últimos anos, afirma Flavio Pereira da Silva, mas ainda ameaça várias espécies. O abate dos animais, praticado à noite, é encomendado por restau-rantes e bares a jovens de baixa renda de Tinguá acostumados com a mata. “Os caçadores antigos tinham algum tipo de relação com a floresta e caçavam para comer, ao passo que os garotos de hoje caçam para ven-der”, compara o chefe da Reserva. “Nosso desafio é, na relação com a comunidade, criar renda a partir de insumos da floresta. Infelizmente, não se tira uma pessoa da caça se faltar dinheiro na casa dela”.

O avanço demográfico na região é visto com apreensão pelo advoga-do paulista Zanon de Paula Barros, de 72 anos, que convive com a na-tureza do Tinguá desde a juventu-de. “O crescimento da população é um grande motivo de preocupação. Mesmo que o número de fiscais fos-se multiplicado por dez, não haveria como tomar conta de tudo”, diz. Fo-tógrafo e estudioso da história local no ciclo do café, Zanon vai todos os anos ao Tinguá. Desde o fim dos anos 1950, ele fotografou inúmeras relíquias naturais na área da reserva.

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Entre elas, o tronco de um jequitibá com oito metros de circunferência. “Ele já estava lá antes de Cabral des-cobrir o Brasil”, comenta.

A quatro quilômetros da sede da reserva, o bairro de Tinguá tem pouco mais de dois mil moradores, que ganham a vida em empregos fora do lugar, no comércio local ou no cultivo de aipim e outras lavou-ras. Em contrapartida, o município é o quarto mais populoso do Rio de Janeiro, concentrando 806 mil habi-tantes. E ainda 1,2 milhão vive nos outros três municípios com florestas protegidas pela Reserva – Duque de Caxias, com 878,4 mil moradores, na Baixada; e os serranos Petrópolis, com 298 mil, e Miguel Pereira, com 24,8 mil. Em toda a Região Metropo-litana, vivem mais de 12 milhões de pessoas.

BiodiversidadeReferência ambiental no Rio de Ja-neiro desde o Império, a floresta da Reserva tem o relevo acidentado tí-pico da Serra do Mar e o ponto mais elevado, a 1,6 mil metros de altitude, no Maciço do Tinguá – palavra que significa “montanha em forma de nariz”, em tupi-guarani. Situada no centro do mapa fluminense, a área abriga diversos rios de bacias que deságuam nas baías de Guanabara, a sudeste, e Sepetiba, a sudoeste. Santuário ecológico para uma in-finidade de espécies da fauna e da

flora, a unidade também dá refúgio a animais acuados pela pressão ur-bana, como o lobo-guará, que vive nos campos da Baixada Fluminense.

A Rebio Tinguá protege desde car-nívoros nativos do porte da onça parda (suçuarana) e outras espécies em risco de extinção até raridades minúsculas como o sapo-pulga, que atinge um centímetro na idade adul-ta. Entre os mamíferos, os primatas são destaque, como os macacos guariba, prego, muriqui e bugio, e os saguis – incluindo os ameaçados mico-leão-dourado e sagui-da-ser-ra-escuro. Na longa lista de espécies estão cachorro-do-mato, paca, ta-manduá, guaxinim, cangambá, irara e os felinos jaguatirica, gato-do-ma-to e jaguarundi, que, a exemplo da onça parda, são cada vez mais raros no país. A pintada é considerada ex-tinta no Tinguá.

A floresta do Tinguá é viveiro na-tural para mais de 300 espécies de aves, incluídas várias em ameaça de extinção, devido à devastação da Mata Atlântica nos cinco séculos de ocupação da faixa litorânea brasilei-ra. Na relação de animais em perigo que têm proteção na Reserva estão o macuco – eleito como símbolo da unidade –, urubu-rei, azulão, saí--de-pernas-pretas, sabiá-cica, beija-flor-rajado, araçari-banana, pa-pa-moscas-de-olheiras, tesourinha--da-mata, araponga e gaviões como o miudinho, o pato, o pombo-gran-

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de e o pega-macaco. Uma das aves endêmicas preservadas é a saudade--de-asa-cinza, exclusiva da região central do estado.

A Reserva também é rica em pei-xes, anfíbios, insetos e outras clas-ses do reino animal. Foi na floresta do Tinguá que o professor da Uni-versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Eugênio Izecksohn descobriu o sapo-pulga (Brachyce-phalus didactyla), um dos menores vertebrados terrestres do planeta, descrito para a ciência em 1971. Her-pertólogo (especialista em anfíbios e répteis) renomado, morto em 2013, Izecksohn foi um dos defensores da criação da reserva biológica – única iniciativa que ele considerava eficaz para salvar a floresta onde fazia pes-quisas desde a década de 1950.

A Rebio Tinguá é resguardada, numa faixa de 50 quilômetros ao redor de seus limites, por uma zona de amortecimento que abrange partes de mais dois municípios da Baixada Fluminense – Queimados e Japeri, a oeste da unidade. Previstas pela Lei nº 9.985, as zonas do gênero têm as atividades humanas sujeitas a restri-ções ambientais, a fim de minimizar impactos negativos no território sob proteção legal. No caso do Tinguá, grande parte da região circundante abriga Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Unidades de Conservação de uso sustentável.

Para integrar a gestão da reserva à de outros remanescentes da flores-ta nativa, a Rebio Tinguá faz parte do Mosaico de Unidades de Con-servação da Mata Atlântica Central Fluminense, que congrega 31 áreas protegidas federais, estaduais e mu-nicipais, tendo como parceiras 22 organizações não governamentais e cinco instituições de pesquisa. A ar-ticulação, também instituída pela Lei nº 9.985, visa potencializar a defesa da biodiversidade, incluindo a cria-ção de corredores verdes para cir-

culação de animais entre unidades e a atuação comum na fiscalização e na mitigação de incêndios e outros desastres ambientais.

Destino científicoPor conta da riqueza natural, a Re-bio Tinguá tem atraído pesquisado-res vinculados a várias instituições acadêmicas, como as universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e de São Paulo (USP), o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e o Museu Nacio-nal. No ano passado, 44 pesquisas autorizadas pelo ICMBio estavam em andamento na Reserva, em dis-ciplinas como zoologia, botânica, geomorfologia, georreferenciamento e gestão de Unidades de Conser-vação. A flora ocupava o foco da maioria dos estudos, seguida pelos trabalhos sobre a fauna, dedicados a roedores, morcegos, sapos, peixes, mosquitos e outros insetos.

Indicativa da preservação de espé-cies e da conservação do habitat natural, vitais para a biodiversidade, a ocorrência de insetos é grande na região. Exemplo dessa abundância foi constatado por pesquisadores como a bióloga Vivian Flinte. De 2009 a 2011, em trabalho de pós--doutoramento no Laboratório de Ecologia de Insetos do Instituto de Biologia da UFRJ, ela coletou espé-cies de besouro-tartaruga na Re-serva e em mais duas Unidades de Conservação – o Parque Nacional da Serra dos Órgãos e a Rebio União, situada nos municípios de Casimiro de Abreu e Rio das Ostras, na Região dos Lagos.

“Nossos resultados mostraram que, apesar do menor número de coletas conduzidas na Rebio Tinguá, esta área foi a que apresentou o maior número de espécies e indivíduos – e, consequentemente, a maior diversi-dade dentro do grupo dos besouros--tartaruga”, assinala Vivian. Das 37 espécies registradas, 24 foram en-

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contradas na Reserva, dez no Parque Nacional e seis na União. “Verifica-mos também que, de maneira geral, as espécies que habitam cada área são diferentes”, acrescenta a pesqui-sadora. A espécie de besouro Stolas aenea foi, por exemplo, uma das re-gistradas somente no Tinguá.

A exuberância da floresta e a impo-nência do Maciço do Tinguá desper-ta a curiosidade dos cientistas desde o século 19, incluídos os mineralo-gistas. Um deles foi o estadunidense Orville Adelbert Derby, pioneiro da geologia brasileira que participou de diversas missões científicas em várias partes do país, no fim do Im-pério e início da República. Nos anos 1880, com base em amostra coleta-da no Tinguá, Derby descreveu pela primeira vez para o mundo científico uma das rochas formadoras do maci-ço – o tinguaíto, batizada em alusão ao lugar. A ocorrência dessa rocha,

de origem vulcânica, foi constatada depois em vários outras formações montanhosas do Brasil.

Demanda hídricaO interesse ambiental pela floresta do Tinguá remonta ao Primeiro Rei-nado. O potencial hídrico da serra, cortada pela Estrada Real do Comér-cio, que escoava café do Vale do Pa-raíba rumo ao porto do Rio, entrou na mira das autoridades nos anos 1830, como alternativa de abaste-cimento da capital do Império. A cidade amargava déficit crônico de água, que, aliado à falta de rede de esgotos, era associada à eclosão fre-quente de epidemias. Em 1871, dom Pedro II pôs sob proteção oficial a região da Serra do Comércio, como o lugar era chamado, ao declarar como floresta protetora de manan-ciais as áreas verdes de três grandes fazendas locais.

A floresta é um santuário para diversas espécies,

como esta preguiça

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A água do Tinguá começou a che-gar à capital em 1880, vertida das barragens de Rio d’Ouro e Santo Antônio, inauguradas pelo impera-dor. As obras, que carrearam para as duas represas o fluxo de várias captações espalhados pela floresta, foram viabilizadas graças à constru-ção de uma linha ferroviária desde

o bairro carioca do Caju até Rio d’Ouro para o transporte de grandes tubulões de ferro impor-tados da Inglaterra. Até 1909, o abastecimento dos cariocas, à força da gravidade, foi ampliado pela construção de mais três redes de captação – Tinguá, Xerém e Manti-queira –, que constitui-riam com as demais o Sistema Acari.

Tinguá havia sido, em março de 1889, cenário de um dos mais contro-vertidos episódios da his-tória do saneamento no país. Ante as limitações dos rios Carioca e Mara-canã, a falta d’água e a febre amarela acirravam a insatisfação popular e a disputa política na ca-pital. Professor da Escola Politécnica, o engenheiro Paulo de Frontin encam-pou o desafio de elevar o fornecimento, em seis dias, de 70 milhões de

litros diários para 85 mi-lhões. Na empreitada, mais de mil trabalhadores abriram seis quilô-metros de canais na mata para ligar mananciais como o do Rio Macuco à represa do Barrelão, engrossando em 15 milhões de litros a oferta aos cariocas.

Mais de um século depois, o uso dos recursos hídricos da velha Ser-ra do Comércio é um legado proble-mático para a Rebio Tinguá. Com

a construção do Guandu e de ou-tros sistemas para o abastecimento metropolitano, desde meados do século 20, o Acari passou suprir o fornecimento da Companhia Esta-dual de Águas e Esgotos (Cedae) em partes altas dos municípios de Duque de Caxias e Belford Roxo, na Baixada. Na prática, os cinco acessos utilizados pela empresa para a manutenção das represas e captações na floresta são caminho livre também para caçadores, pas-sarinheiros e coletores de palmitos, entre outros invasores.

Os cinco reservatórios da Cedae na Rebio Tinguá recebem água de 32 pontos de captação – a maioria si-tuada dentro da reserva. A compa-nhia mantém em suas instalações alguns funcionários residentes, opera os sistemas hidráulicos sem licença ambiental e toma iniciativas de risco à revelia do ICMBio. Por conta dessa atuação, a Cedae acu-mula autuações da fiscalização do instituto. Entre as infrações cons-tatadas estão, em 2013, a arma-zenagem não autorizada de ácido fluorsilícico junto dos reservatórios e, no ano passado, a interrupção da vazão do Rio Macuco, que levou à morte de peixes a jusante da barra-gem de captação.

A saída para o litígio entre o ICMBio e a Cedae é a regularização das ope-rações da empresa nos termos da Lei nº 9.985. “O que cobramos é o regramento dessas atividades”, diz o biólogo Flavio Pereira da Silva. A co-brança é encampada pelo Ministério Público Federal, que abriu ação civil pública contra a companhia estadual por crime ambiental e aceitou a sus-pensão do processo sob a condição de que a Cedae dê início ao licencia-mento – legalização possível porque as captações de água para o abaste-cimento são anteriores à criação da unidade de conservação. A empresa, procurada para esta reportagem, não se manifestou.

Marco de demarcação da área quando era floresta protetora de mananciais. Em alto relevo, a coroa imperial; abaixo, a inscrição “P II”, de Dom Pedro II

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Rotas de passagemResponsável pelos dutos de petró-leo e combustíveis que atravessam a Rebio Tinguá, na direção sul-norte, a Petrobras Transporte (Transpetro) é a única detentora de instalações na unidade a possuir licença ambiental, concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2013. A Reserva é rota de passagem de produtos entre as refinarias Du-que de Caxias, na Baixada Fluminen-se, e Gabriel Passos, na Grande Belo Horizonte, desde 1966, quando foi inaugurado o oleoduto Orbel 1. Em 1982, a Petrobras construiu o Orbel II; e em 1996, o Gasbel, que conduz gás natural a Minas Gerais.

As licenças incluem, porém, um fa-tor condicionante: a Transpetro deve apresentar, ainda em 2015, um pro-jeto de desvio do trecho que corta a Rebio Tinguá, a ser executado no prazo de dez anos. A medida visa à eliminação do risco de acidentes como os ocorridos duas vezes, em 1970 e 1974, com o derramamento

de nafta em Miguel Pereira, fora dos limites da Reserva. Embora a empre-sa efetue a manutenção permanente das instalações, que correm subter-râneas por quase todo o trajeto na unidade, em faixas abertas na mata, a grande preocupação do Ibama e do ICMBio é com o tempo de uso dos oleodutos e sua consequente vulnerabilidade a intempéries.

O temor tornou-se realidade em no-vembro de 2009, quando um desmo-ronamento causado por temporais amassou o Orbel I. O acidente não levou a vazamento, mas obrigou a Transpetro a deslocar tratores de grande porte, caminhões e outros equipamentos pesados ao interior da unidade, para a construção de um trecho alternativo do duto. Aos impactos ambientais da obra, que gerou grande movimento de pesso-as durante meses, somaram-se da-nos ao piso da histórica Estrada Real do Comércio, por onde o maquinário trafegou reserva adentro. “O proble-ma dos dutos é a nossa pedra no sa-pato”, diz Flavio Pereira da Silva.

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nguá Reservatório da Cedae na parte da

reserva em Rio d’Ouro. Na placa, inscrição com o ano de 1880

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A estrada não é a única a percorrer a Rebio Tinguá. Na parte nordeste da Reserva, a Mata Atlântica é cortada por um trecho do histórico Caminho do Imperador, que encurta o trajeto entre Petrópolis e Miguel Pereira – percurso que liga a localidade pe-tropolitana do Rocio, passando pela vizinha Araras, ao bairro Vale das Princesas, no município vizinho. De terra batida, o caminho é mantido pelas prefeituras é utilizado por pro-dutores rurais e demais moradores da região, embora haja outro trajeto rodoviário, mais longo, fora da re-serva. Nos fins de semana, soma-se ao movimento local a passagem de jipeiros, adeptos de motocross e de mountain-bike.

O avanço habitacional Rebio Tinguá adentro é outro problema. Em Pe-trópolis, na divisa leste, 370 famílias ocupam meio hectare da Reserva no bairro Duarte da Silveira. Iniciada nos anos 1960 junto ao antigo lixão municipal, a ocupação é alvo de ação civil pública na 2ª Vara da Jus-tiça Federal na cidade, aberta pelo Ministério Público contra o ICMBio e a Prefeitura. Em meio à polêmica sobre a remoção e o reassentamen-to das famílias, o chefe da unidade, Flavio Pereira da Silva, afirma que o instituto vai retomar a área e dispõe de R$ 3 milhões para iniciar a indeni-zação dos moradores – pré-requisito legal para a desocupação.

No extremo oeste da reserva, em Nova Iguaçu, o impacto de ativida-des humanas vem sendo sanado com o reflorestamento de 130 hec-tares da Mata Atlântica pela ONG Onda Verde, com recursos não re-embolsáveis do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial (BNDES). Pelo projeto, aprovado em 2013, a recomposição florestal totalizará o plantio de 329 mil mudas de espécies nativas na localidade de Adrianópolis, em área limítrofe ao Rio d´Ouro, que deságua na bacia do Rio Guandu, alimentando o sis-

Outras presenças conflitantes na re-serva biológica são a linha de trans-missão de energia São José-Magé, de Furnas Centrais Elétricas, que atra-vessa a mata em duas faixas no sen-tido norte-sul, e a rodovia BR-040, na descida da serra de Petrópolis, do quilômetro 83 ao 86, na porção leste da unidade. O trecho da estra-da foi cenário, em maio de 2013, de acidente em que uma carreta bitrem com 40 mil litros de gasolina caiu de um viaduto e explodiu, incendiando três hectares da reserva biológica. Em 26 de fevereiro de 2015, outro de-sastre ambiental: o tombamento de mais uma bitrem, na subida da serra, derramou 30 mil litros de diesel na mata da zona de amortecimento da unidade.

Estrada Real do Comércio, em grande parte preservada dentro da reserva

Local de passagem de duto da Petrobras, operado pela Transpetro

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tema de abastecimento com que a Cedae atende a 80% da população do Grande Rio.

EntornoNa defesa da integridade da Rebio Tinguá, o ICMBio vem apostando na intensificação do relacionamento com a população do entorno, sobre-tudo em Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Umas das iniciativas em pau-ta, assinala o biólogo Flavio Pereira da Silva, é a criação de núcleos de proteção ambiental nas localidades vizinhas à Reserva. O projeto prevê o fomento de atividades econômicas à base de insumos da floresta situa-da fora da Reserva e a formação de artesãos, doceiros, cultivadores de mudas nativas e mateiros, numa em-preitada sustentável que o instituto quer ver custeada pelas empresas que operam instalações na Unidade de Conservação.

Um dos gestos de diálogo com a vi-zinhança da reserva é a realização, no centro de Tinguá, do encontro Aldeia Ambiental, que teve a quar-ta edição anual realizada em 22 de maio, no aniversário de criação da Reserva. O evento apresenta aos

moradores as formas de atuação do ICMBio na gestão da unidade e as ações ambientais de grandes em-presas da região – entre elas, as que operam na floresta – e da Prefeitu-ra. Outra frente de relacionamento cultivada na Rebio Tinguá é a re-cepção de grupos de estudantes de escolas da Baixada Fluminense com palestras e caminhada em trilha nas imediações da sede da Reserva. De julho de 2013 a março deste ano, 53 grupos foram recebidos.

“O objetivo de nosso trabalho é pro-teger a comunidade. Não queremos que a Reserva seja vista como um lugar proibido, mas como um espa-ço simbólico para as pessoas”, diz o chefe da Rebio Tinguá, Flavio Pereira da Silva. Pelo histórico de proteção estatal desde os tempos do Império, ainda que a interdição oficial à caça, ao extrativismo e ao corte de madei-ra não fosse cumprida à risca pela vizinhança, a Reserva ainda é cha-mada por moradores de “mata do governo”. A persistência da expres-são sugere que o ICMBio ainda tem muito a fazer para difundir entre os moradores do entorno a correspon-sabilidade pela defesa do patrimônio natural do Tinguá.

Primatas como o sagui se destacam na fauna da região

Ameaçado de extinção, o minúsculo sapo-pulga chega a um centímetro de comprimento

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EntrEviSta

Pelo direito de existir

Coordenadora de relatório sobre violência contra

indígenas comenta histórico de descaso contra esses

povos

Flavia LeirozColaborou Fausto Rêgo

Conversamos com Lucia Helena Rangel – doutora e professora de Antropologia da Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo (PU-C-SP), além de assessora do Con-selho Indigenista Missionário (Cimi) desde 1989 – poucos dias após o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, ter autoriza-do o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a conceder li-cença para que a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, passe a operar.

Há mais de 20 anos, povos do Xin-gu e ativistas lutam contra esse empreendimento. Em documento enviado ao Ibama no dia 12 de no-vembro de 2015, João Pedro Costa afirma que a usina não cumpriu a maioria das condições do Projeto Básico Ambiental do Componen-te Indígena exigidas para a libera-ção da licença de operação, mas possibilita que o órgão ambiental redefina o cronograma e multe a Norte Energia, responsável pela hidrelétrica, caso essas exigências não sejam cumpridas. Lucia Hele-na nos lembra que Belo Monte não está sozinha nesse contexto: “Toda vez que se tem uma hidrelétrica, fo

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um povo indígena é expropriado”, afirma.

A entrevista foi pensada desde o lançamento do relatório do Cimi “Violência contra os povos indíge-nas no Brasil – 2014”, em julho, pes-quisa que a antropóloga coordenou, e sua urgência foi aprofundada com a aprovação da Proposta de Emen-da à Constituição (PEC) 215 pela Comissão Especial da Câmara de Deputados, no dia 27 de outubro. A PEC propõe que as demarcações de terras indígenas, a titulação dos ter-ritórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambien-tal passem a ser uma atribuição do Congresso Nacional e não mais do Poder Executivo, como é hoje.

Se aprovada pelo plenário da Câ-mara dos Deputados, a PEC pode paralisar de vez a regularização de territórios indígenas e quilombo-las no Brasil ao dar a deputados e senadores a última palavra sobre a delimitação dessas áreas.

Para Lúcia Helena Rangel, é preciso refletir sobre alguns aspectos diante dessas questões. Primeiro, “os ín-dios estão sendo severamente pre-judicados por causa de uma escolha política que reflete o descaso que te-mos, aqui no Brasil, pelos nossos an-cestrais”. Depois, há “um fenômeno político no Brasil: o povo não pensa a política como sua, mas como algo das elites, dos coronéis. Assim, não há visão de conjunto, de ações, in-clusões e consequências para além dos grupos aos quais pertencem”.

A conversa com Lúcia Helena, por telefone – em uma brecha entre par-ticipações em congressos, orienta-ção de alunos, aulas e redação de textos –, tratou desses temas. Mas também falamos de história, luta, territorialidade, juventude, comuni-dade, direitos e cidadania.

Senac Ambiental – O último re-latório do Cimi, Violência contra os povos indígenas no Brasil – 2014, re-

lata um aumento no número de as-sassinatos e suicídios. Quais são os principais fatores que contribuem para a violência contra indígenas em 2014?

Lucia Helena Rangel – Podemos estabelecer algumas relações que não são de causa e efeito, porque, se pensarmos muito nesse tipo de relação, iremos enrijecer os argu-mentos. Quando a luta pela terra e o conflito recrudescem, há cres-cimento da violência, que resulta em assassinatos e outros tipos de violência, como violações ao pa-trimônio indígena, com invasões, incêndios e destruição de roças, casas e escolas. Então, quando o conflito está ativo, há mais mortes, evidentemente.

O suicídio, por sua vez, é mais deli-cado e mais difícil de analisar, mas também podemos mapear essas ocorrências em ambientes muito violentos e onde o racismo é muito forte. Por exemplo, no Mato Grosso do Sul – que é sempre o campeão de todas as formas de violência – pode parecer meio besta falar as-sim, mas é impressionante como o negócio lá não melhora, há décadas o suicídio é um fator constante.

Em Mato Grosso do Sul e no res-to do Brasil, podemos concluir, por estudos feitos desde a década de 1970, que o fator suicídio afeta sobretudo os jovens, na faixa dos 13/14 anos até os 29/30 anos, princi-palmente os rapazes. É muito difícil interpretar essa atitude. Aliás, difícil e chocante.

Tenho um colega mexicano, o an-tropólogo José Manuel Valenzue-la, que mora em Tijuana, onde a situação é delicada também. Ele analisa situações de violência de jovens, principalmente na fronteira do México com os Estados Unidos, e escreveu um livro sobre essa con-dição do Mato Grosso do Sul, que é muito complicada.

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Há, no entanto, outros lugares do Brasil nos quais o fator suicídio aparece. E basta um jovem se matar para, em pouco tempo, sabermos de mais. Parece uma epidemia. São Gabriel da Cachoeira (AM) é um exemplo. Não é um lugar de conflito, a maioria da população da cidade é indígena. E lá, de vez em quando, aparece o caso de jovens suicidas. Quando o fator do racismo se tor-na agudo, isso geralmente ocorre. Preocupam também os jovens cara-jás da Ilha de Bananal, da cidade de São Félix do Araguaia (MT), que por duas vezes apresentaram esse com-portamento. Um se mata e, logo de-pois, outros o seguem.

Logo, a pergunta sobre o que acon-tece e por que razão – no caso dos suicídios – tem sido respondida com base na falta de perspectivas na vida e de horizontes. O futuro não se apresenta para esses jovens como promissor, próprio da família deles e sua sociedade, principal-mente porque atingem principal-mente a população masculina e jovem.

Para mim, faz sentido dizer isso. Nas localidades onde o suicídio en-tre jovens é mais numeroso, como no Mato Grosso do Sul, as comu-nidades foram espremidas em meia dúzia de terras que o Estado de-marcou e onde jogou todo o povo guarani-kaiowá. É local de confina-mento indígena. Não vou chamar de campo de concentração porque não tem polícia na porta, mas tem polícia cercando. Nesses locais se vê a maior manifestação das for-mas de violência: assassinatos de uns contra outros, assassinatos de fora, cometidos por capangas de fa-zendeiros que matam os índios que querem retomar terras de antigas aldeias... Esses locais também têm suicídio.

Seu Hamilton, um guarani-kayo-wá já falecido, me disse uma vez: “Olha, todo mundo fala que a gente

bebe muito. Mas veja: o que faz um homem aqui? Não tem roça para plantar”. Isso é o papel do homem: plantar roça, conduzir sua família para locais bons para viver. O roça-do, a casa de rezas, a água limpa e a mata fazem parte de um conjun-to de reprodução da vida em que o homem e a mulher têm seu papel.

Senac Ambiental – Mas isso não é um problema só para os indíge-nas...

Lúcia Helena Rangel – Não. Se prestarmos atenção no que tem acontecido nas últimas décadas com o mundo capitalista, nas crises sucessivas, quem são os mais afe-tados? Principalmente os homens. São eles que ficam sem emprego, porque se especializaram em um trabalho que acabou, principal-mente por causa da mudança do padrão tecnológico. Essa pressão contra os homens é muito com-plicada. E seu Hamilton expressou isso de maneira muito sentida: por que bebem tanto? Porque não po-dem ser homens. E isso é uma coi-sa muito difícil de a gente avaliar. E eu incluo também os homens da nossa sociedade.

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Índios protestam na entra da Câmara dos

Deputados contra a PEC 215

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As situações de violência maior es-tão relacionadas a conflitos e senti-mentos comuns, mas que se inten-sificam quando olhamos a situação dos povos indígenas. O conflito fundiário e as pressões que o racis-mo local impõem são as principais causas. Por exemplo, nos relatórios de 2013 e 2014, destaca-se o que ocorreu em Humaitá, no Amazonas, semelhante ao que vemos no filme “Mississipi em Chamas” [direção de Alan Parker, 1988], que trata das ter-ríveis consequências do ódio racial e o que pode estar por trás disso.

Em Humaitá, um grupo da popula-ção correu atrás dos índios, acuan-do-os. Depredaram as sedes da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, e atearam fogo em 11 carros desses órgãos. Os moradores acusam os indígenas de estarem por trás do desapareci-mento de três homens, vistos pela última vez na reserva, o que nunca foi comprovado.

Eles tiveram de entrar num quartel da polícia ou do exército e fica-ram quase um mês sem poder sair, acuados por um grupo que estava linchando os que ficaram de fora. Depois, foram para a reserva e de lá também não puderam sair.

A gente pensa que isso não ocorre, mas é o Brasil racista que a gente finge que não existe. Tem a demo-cracia racial, a mestiçagem, mas tem aí um ódio enorme.

Senac Ambiental – Há também dados sobre taxa de mortalidade de crianças, que indicam a ocor-rência de pelo menos 785 mortes de crianças até 5 anos de idade. As situações mais alarmantes ocorre-ram em aldeias xavantes, com 116 mortes de crianças nessa faixa etá-ria, o que equivale a mais de 141,64 casos por mil nascidos vivos, taxa

maior do que no Afeganistão, que é de 117,23 óbitos por mil nascidos. É possível apontar algumas causas dessa catástrofe?

Lúcia Helena Rangel – Temos de ver caso a caso, pesquisar o que ocorre, mas há alguns fatores. A mu-dança da Funasa para Sesai é um deles, e muito importante. Quan-do se desarticula um sistema, até implantar outro, a saúde fica muito prejudicada. E quem são os mais prejudicados e vulneráveis? Recém--nascidos e crianças até 5 anos. Principalmente pela falta de vaci-nação. Atualmente, as doenças se espalham mais rapidamente. Antes, quando havia peste, as comunida-des indígenas iam para outro lugar – aquele estava empesteado. Agora, as terras são demarcadas, algumas com pouco espaço para esse tipo de mobilidade. E eles não podem sair dali, porque tem cerca, propriedade privada, unidade de conservação. Então se tornaram mais dependen-tes da assistência à saúde.

Há, como disse, outros fatores. Os ianomâmis, por exemplo, diferen-temente dos xavantes, têm para onde ir, mas sofrem com o garimpo. A área ianomâmi está toda invadi-da por garimpo ilegal. Voltam a ter contatos com vírus, bactérias, epi-demias, e as crianças são as que morrem mais, porque são mais vul-neráveis.

No caso dos xavantes, já faz tempo, principalmente as aldeias na área Marãiwatsédé, no noroeste do Mato Grosso, que eles tentam retomar suas vidas, mas fazendeiros não querem. E o Estado reluta em man-dar assistência. Estão passando por um período muito complicado. Pouco acesso à região central, anos de luta, pouca comida. Já melhorou, mas as crianças xavantes dessa re-gião morrem muito.

E há ainda o Mato Grosso do Sul. Um governador do estado, quando fo

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assumiu, disse que não daria mais cesta básica para os indígenas. Dois meses depois, os hospitais co-meçaram a lotar com crianças de-sidratadas, doentes, porque faltava comida. Por que falta comida? Por-que não há terra para plantar, como disse seu Hamilton. As crianças são muito vulneráveis. A mortalidade na infância realmente aumentou, o que nos deixa muito preocupados.

Senac Ambiental – A impressão geral é que a política indigenista do governo se restringe à demarcação de terras e que isso não envolve saúde, alimentação, sobrevivência. Esse é realmente o principal con-flito entre povos indígenas e não indígenas?

Lucia Helena – O papel restrito do Estado relativo à demarcação de terras é fruto de uma série de medi-das tomadas ao longo dos anos. A Funai foi sendo esvaziada. Tiraram dela a responsabilidade pela educa-ção, que passou para o Ministério da Educação; pela saúde, que foi para o Ministério da Saúde, com a criação da Sesai; pela distribui-ção de sementes, papel agora do Ministério da Agricultura etc. Essa fragmentação restringiu a Funai à demarcação de terras. Mas até aí não haveria tantos problemas se a Funai tivesse orçamento e pudesse realmente exercer essa função.

No relatório do Cimi a gente publica também observações do antropó-logo Ricardo Verdun sobre o orça-mento da Funai, que vai majoritaria-mente para a folha de pagamento. O que resta é pouco para enfrentar a demarcação de terras, ação que exige recursos que vão além de sa-lário ou gasolina.

Então a Funai, agente do Estado responsável pela população indíge-na, tem essa incumbência, que se tornou restritiva. Por quê? A socie-dade e o Estado não querem confe-rir aos povos indígenas o direito a

suas terras, garantido na Constitui-ção de 1988 por um esforço muito grande dos povos indígenas, que se organizaram, atuaram ativamente na Constituinte, fizeram discurso e manifestações e contaram com o apoio de alguns deputados cons-tituintes que compreenderam a ur-gência de suas reivindicações.

Senac Ambiental – O que mudou de lá pra cá?

Lucia Helena Rangel – De lá pra cá, você tem ações para mudar a Constituição. Mas, no fundo, há algo cultural, muito mais antigo. É impressionante como não se aceita, no Brasil, que haja um direito que não seja pautado pela propriedade privada da terra. A lei que regula-menta a distribuição de terras no país é do século 19, da época do Império [Lei de Terras de 1850], que protegeu a sociedade brasileira da abolição da escravidão, interpreta-da por muitos como ameaça. Afinal, como admitir que os negros sairiam das fazendas como ex-escravos e teriam direito a suas terras? Há aqui grande dificuldade em reconhecer o direito à terra de outras catego-rias da população que não sejam os proprietários privados, ou seja,

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Cabo-de-guerra durante os Jogos

Mundiais dos Povos Indígenas, realizados em Palmas (TO), em

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aqueles que têm dinheiro para com-prar a terra.

Depois de 1850, tivemos inúmeras repúblicas – Estado Novo, Repú-blica Velha, República Nova etc. – e nunca ninguém ousou acabar com aquela lei, perpetuada em nossa história republicana. A arrogância, digamos assim, dos proprietários de terras, latifundiários, daqueles que deles descendem e do agrone-gócio não permite o direito à terra de quem não tenha dinheiro para comprá-la. E isso envolve outros direitos conquistados, como os so-

o impedimento do exercício desse direito?

Lucia Helena Rangel – O presi-dente da República homologa a de-marcação de uma terra, como foi o caso da Terra Indígena Raposa Ser-ra do Sol, em Roraima. O processo durou mais de 40 anos, acumulan-do todas as comprovações de que aquela terra é dos indígenas. Então um fazendeiro procura um juiz em sua cidade e entra com uma impug-nação contra o registro da terra. Re-pare que ele não está impugnando o ato do Presidente da República, mas o registro da terra. E, por incrí-vel que pareça, o juiz acolhe a ação. Consequência? Não se pode regis-trar o que está demarcado.

Assim, a ação foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e lá passou mais não sei quanto tempo em dis-cussão. O ministro Ayres Britto, re-lator, fez uma verdadeira tese a res-peito do direito indígena – e acho que foi a primeira vez que um ma-gistrado resolveu estudar o direito indígena, porque ele não é estuda-do nas escolas de Direito e nenhum ou quase nenhum juiz o conhece – e reconheceu o direito dos indí-genas à terra. Outro ministro, no entanto, disse que era necessário impor alguns condicionantes para aceitar e liberar a demarcação. Ao todo, foram 19 condicionantes. Um deles é que não se pode aumentar os limites da terra demarcada.

Para mim, era isso que eles, sobre-tudo, queriam. Uma vez que não podiam diminuir ou negar o direito, então não poderia aumentar a ex-tensão da terra demarcada. Por que isso é importante? Há uma pres-são populacional grande e, conse-quentemente, uma pressão para o aumento dos territórios indígenas. A população cresce. O resultado dessa combinação – o crescimento e o condicionante – é que vão sen-do criados locais de horror, como

ciais, humanos e históricos – o que é o caso da terra e da população indígena. Um direito sacramentado não pode ser permitido. Até por-que o mundo dos direitos é aquele que fere o privilégio das elites que possuem o dinheiro para comprar tudo. Não é fácil lidar com essa mentalidade e convencer essas pes-soas, que são também deputados, desembargadores, juízes, ou seja, representantes dos três poderes – executivo, legislativo e judiciário.

Senac Ambiental – Mas se é um direito constitucional, você poderia dar um exemplo de como se efetiva

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são as áreas no Mato Grosso do Sul. Lá, como em outras áreas, os indígenas foram retirados à força de suas aldeias pelos fazendeiros e não podem retornar e nem aumen-tar a terra demarcada. Muitas vezes, o fazendeiro está até devendo para o Banco do Brasil, não faz coisa ne-nhuma com aquela terra, usa aqui-lo para especulação. E o juiz diz: a propriedade privada acima de tudo!

Por isso é muito difícil convencer a população, o Estado e as insti-tuições de que esses direitos são elementares e que eles não vão de-saparecer.

Senac Ambiental – Talvez por isso, Belo Monte, cuja liberação se deu em novembro, tem legitimação dada pelo Estado e, em parte, pela população?

Lúcia Helena Rangel – Com cer-teza! Juntam-se ainda outras ques-tões. Há anos que a falta de água está rondando nosso espírito aqui em São Paulo, por exemplo. O go-verno do estado finge que não está nem aí. As periferias daqui – aliás, de todas as cidades, grandes ou pequenas – sempre sofreram com a falta de água. Então a decisão pa-rece ter sido deixar a periferia sem água, continuar abastecendo os bairros de classes altas e indústrias, e fingir que não está faltando. Só que agora começa a não ter água para ninguém, mas não se toma uma medida para controlar o con-sumo. O tal do agronegócio conti-nua consumindo água do mesmo jeito. O eucalipto, aqui em São Pau-lo, bebe toda a água e ninguém fala, por exemplo.

Além disso, você vê nos bairros pessoas, hotéis e indústrias furan-do poços, ou seja, secando o lençol freático. Assim, as represas nunca mais vão encher. Vi um posto de gasolina com uma faixa que dizia: “Não utilizamos água da Sabesp.” Depois, claro, eles mudaram e pu-

seram outra faixa: “Utilizamos água de reúso”. Mas o reúso é da água do poço artesiano. É uma coisa malu-ca!

De repente temos um limite no Su-deste, em Minas Gerais, o Rio Doce. Aquelas barragens explodem por-que não conseguem mais carregar a quantidade de lama, de resíduo de minério, provocam o maior desastre e isso fica assim... A gente só foca o desastre. Não há visão de conjunto, do que está ocorrendo, interligação entre carências, poluição, abusos.

Então, na mesma hora, temos Belo

Monte. Liberaram correndo, por-que daqui a pouco a gente não vai mais poder liberar construção de hidrelétrica. Isso é uma loucura! O que estamos fazendo? Que falta de responsabilidade é essa? Quem dis-se que fazer hidrelétrica é bom? Por que é bom? Para quem? E para quê? Há tantas alternativas atualmente possíveis.

Para completar, aqui no Brasil, toda vez que se tem uma hidrelétrica, um povo indígena é expropriado. Certa vez, perguntei para a professora e antropóloga Lux Vidal, como provo-cação, sobre a coincidência estra-

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nha entre construção de barragens e terras indígenas. Ela me respon-deu: “Claro que há, mas não creio que seja coincidência”.

Por quê? A desapropriação que se faz é de pequenos proprietários. Você não vê reclamação, porque não pega grandes fazendas ou grandes propriedades. Quando questionados, os engenheiros fa-lam que é por causa da caudalosi-dade do rio – é melhor aqui, apon-tam, por causa da queda da água e tal. E onde, toda vez, é o melhor local, sempre apontado? Nas terras de ribeirinhos, pequenos proprie-tários e indígenas. É triste, muito triste.

Mas quero reafirmar que não se pode mais falar do direito à terra e não falar do direito ambiental; fa-lar do direito à cidade, do direito humano e não falar do direito am-biental. São todos fatores interliga-dos. A gente está desperdiçando os recursos: da mata, do mundo animal, do ar e, sobretudo, a água.

Senac Ambiental – Essa divisão de direitos e fatores também se explicita na forma como índios são tratados em centros urbanos. Os indígenas não têm lugar na cidade?

Lúcia Helena Rangel – Onde há negação explícita à posse da terra e a população cresce há migração para centros urbanos. Essa migra-ção, desde 1950, é incentivada. Há bônus para que pessoas saiam de suas terras e morem em São Paulo, por exemplo, para trabalhar na in-dústria. Então o que ocorre? O Es-tado, quando o indígena sai de sua terra e vai para a cidade, se desin-cumbe de qualquer papel que tinha. Para o Estado, quem sai da terra deixa de ser índio. E essa é uma das coisas mais nazistas das quais eu já ouvi falar. Se você resolve ir morar nos Estados Unidos, você deixa automaticamente de ser bra-sileiro? Claro que não, nenhuma lei diz isso! Mas o índio, se sai da sua terra, “deixa de ser índio”. A Funai não se encarrega de dar assistência

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aos índios que vivem em ambientes urbanos.

Dessa forma se inicia outro tipo de conflito. Porque os filhos dos indí-genas na cidade vão para a escola e começam a ficar sabidos. Começam a compreender e entender que exis-tem direitos dos índios previstos na Constituição. Começam a cobrar do Estado e da Funai uma assistência, mas são tratados como inexisten-tes. Para mim, é um ato mortal, um assassinato. Sai da aldeia, vai para cidade e morre como índio. Passa a ser um cidadão que não merece respeito, que vai ser tratado como nada.

Isso também é uma página muito dura de nossa história, que nos preo-cupa muito. Na PUC a gente tem um programa para estudantes indígenas que moram na cidade de São Paulo. Eles não conseguem concorrer na Fuvest [Fundação Universitária para o Vestibular], onde era feitoa o ves-tibular das universidades públicas, ou em suas equivalentes atuais. Mas as universidades públicas daqui do estado de São Paulo não dão conta nem de 50% das demandas estudan-tis universitárias – 75% dos estudan-tes universitários estão nas univer-sidades particulares. Imagine para esses indígenas concorrerem a uma vaga na Universidade de São Paulo? Quem concorre paga, geralmente, os melhores e mais caros colégios e cursinhos para pegar uma vaga na faculdade de Medicina, de Direito, na Escola Politécnica etc.

A PUC-SP, nesse contexto, criou um programa: se passar no vestibular, vai ter bolsa, mas tem que se ins-crever como indígena. Porém, como está na cidade, tem de provar que é indígena, ter um respaldo familiar, de sua comunidade ou da associa-ção, dizendo que ele é mesmo in-dígena. Para a maioria, os índios na cidade são todos falsos, é um bando de gente que falsifica a identidade,

fala que é indígena e não é. Então, eles têm também mais essa dificul-dade.

Senac Ambiental – Há a luta pela terra, pela sobrevivência, pelo estu-do, pela cidadania e também pela representatividade de diferentes etnias em órgãos executivos. Você vê alguma esperança para que isso ocorra? Qual seria o caminho?

Lúcia Helena Rangel – Os gover-nos municipais, estaduais e federal criaram os Conselhos Indígenas, que existem em muitas cidades e em quase todos os estados. Os mais atuantes escolhem seus represen-tantes e participam – tanto os das áreas urbanas como os das zonas rurais. Mas esses conselhos não são deliberativos nem consultivos, ou seja, não são nada. Se o conselho reivindica a demarcação de algu-ma terra, tem de encaminhar para a Funai, em Brasília, e esperar todo o trâmite, que não necessariamente envolverá os conselhos.

Esse é um canal de representativida-de, e é muito complicado. Mas o pro-blema também não se resolveria se fossem abertas vagas no parlamen-to. Seria estabelecido um número de deputados por estado, abrigados em Manifestação indígena no

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um partido, com verba de patrocínio etc. Ou seja, não resolveria. Não sei realmente qual é o caminho, mas sei que estamos longe ainda.

No entanto acredito que o fortale-cimento das populações indígenas, dos movimentos sociais e das ações coletivas vai apontando caminhos e pode encontrar soluções que os indígenas achem mais satisfatórias. Porque há indígenas que estão no poder, mas estão lá desde o tempo da ditadura militar, e não são consi-derados representantes. Até porque, nas tradições indígenas, a ação políti-ca não é representativa, mas consen-sual. É outro mecanismo. Se alguém da aldeia diz, por exemplo, que vai a Manaus trabalhar, falar, pedir, todos dizem para ele ir, mas o fato de se apresentar, dar seu nome e etnia não significa que represente a aldeia, o povo e tal. Eles têm culturas diferen-tes e não dominam o mecanismo de representatividade do Estado. Aliás,

o povo brasileiro, em geral, também não. O apoio a alguns projetos e vo-tos, para mim, demonstra que não é possível alguém saber o que é aquilo ou o que representa a decisão. Ou seja, não há compreensão do que é a democracia representativa.

Senac Ambiental – Por isso, a PEC 215, de 2000 – aprovada pela Co-missão Especial da Câmara de De-putados no dia 27 de outubro –, e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União, de 2012 ganham tanto força atualmente?

Lúcia Helena Rangel – Há carên-cia de representatividade dos indí-genas e também de deputados que atuem pela causa deles. Esses são muito poucos no Parlamento. Ain-da por cima, o Parlamento que está aí tem 119 deputados federais rura-listas. Outro dia, li um artigo que falava algo bem interessante: 85% da população brasileira vive em cidades, porém vota em ruralistas

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(representam 30% dos parlamen-tares). Por quê? Você não tem uma resposta muito clara ou lógica, mas há um fenômeno político no Brasil: o povo não pensa a política como algo seu – é algo deles, das elites, dos coronéis. Os votos ainda são dados para quem dá mais, faz o maior favor etc.

A ação anti-indígena foi eleita, e não há lógica nisso. À pergunta “para que tanta terra para tão pou-co índio?” a resposta clara e direta é: “não há tanta terra assim nem tão pouco índio” – as terras indí-genas representam 2% do território brasileiro. Então não há nenhum argumento lógico que impeça a demarcação de todas as terras in-dígenas pleiteadas e a ampliação de todos os territórios pleiteados. Não teria peso. Aliás, teria, mas um peso positivo – haveria mais áreas de preservação florestal, de flores-tas de verdade, matas...

A ação anti-indígena é, portanto, uma escolha política. Se você faz aliança com um governo que tem em sua base de apoio movimen-tos como o dos trabalhadores sem terra, entende-se que a reforma agrária não será a vilã de sua vida. Então com quem brigar? Porque os grandes proprietários de terra, os ruralistas, precisam ter inimigos para que possam passar leis ab-surdas que favoreçam a produção de grandes plantações e autorizem grandes desmatamentos. Eles pre-cisam ter um conflito – esse foi o escolhido.

Os índios estão sendo severamen-te prejudicados por causa de uma escolha política que reflete o des-caso que temos no Brasil por nos-sos ancestrais. Sim, por que quem são eles? Na minha família tem um italiano; na outra, um alemão, e por aí vai. Estamos tirando de nossos ancestrais o direito de existir.

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Artesanato sustentável: natureza, design & arteMonica Carvalho

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cupação verdadeira com a sustentabilidade, que não pode ser usada apenas para garantir uma “boa imagem” da empresa – nesse aspecto, é fundamental ter pragma-

tismo e um comprometimento sincero com o ambiente em que vivemos.

Dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de OperaçãoVários autores

Instituto Socioambiental, 2015, 173 páginasPublicação produzida pela organização não governamental Instituto Socioambiental (ISA) este dossiê aponta as principais consequências do desrespeito às condicionan-tes socioambientais da hidrelétrica que está sendo construída na região de Altamira (PA), no momento em que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis (Ibama) avalia a autorização da operação da usina. O dossiê está disponível gratuitamente para download em www.isa.to/dossie-belo-monte.

Projetar a natureza: arquitetura da paisagem e dos jardins desde as origens até a época contemporânea

Franco PanziniSenac SP, 2015, 720 páginas

Nome destacado da historiografia contemporânea de paisagismo, o arquiteto italiano Franco Panzini vem estreitando laços com o público e a cultura brasileira. Este é um de seus mais interessantes estudos. Primeira história geral dos jardins e paisagens editada no Brasil, o livro expõe um panorama multifacetado da atividade em todas as épocas e nos principais continentes, buscando reconhecer as manifes-tações centrais em várias culturas. Escrita com erudição e objetividade, a publica-ção sintetiza a determinação humana de criar jardins e paisagens como expressão

artística e instrumento civilizatório.

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