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Diretora Lúcia Chayb

Editor

René Capriles

Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

Colaboradores

André Trigueiro, José Mon serrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo

Evaristo Eduardo de Mi randa Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles

Representante Comercial em Brasília

Minas de Ideias

Serviços Infor mativos Alemanha: Deutsche Welle

Argentina: Ecosistema Brasil: Agência Envolverde, Terramérica,

ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil, Rede CTA

França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile)

México: Archipiélago

Direção de Arte ARTE ECO 21

CTP e impressão Gráfica Colorset

Jornalista Responsável

Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108

Assinaturas Anual: R$ 130,00

[email protected]

Uma publicação mensal de Tricontinental Editora

Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro

Tel.: (21)2275-1490 [email protected]

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Capa: Salar Sossusvlei no Parque Nacional de Namib-Naukluft, Namibia Foto: Bernard Pieterse - Sony Awards 2012

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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Na trilha do descalabro ambientalEm 19 de Fevereiro, o ano 2015, no calendário chinês, será regido pelo signo do “Carneiro de Madeira”. Com sua testa protegida por chifres, o carneiro representa a força e a resistência. Na astrologia chinesa, os nascidos neste signo procuram ver o lado bom das coisas e quando surge uma crise, abraçando uma linha zen, sempre pensam primeiro nos outros. Se a filosofia oriental estiver certa, a China passará a ser o caminho do meio para avançar nas difíceis negociações da ONU sobre o clima, a água, a desertificação, a energia e a fome. Coincidentemente, Ban Ki-moon, nascido na Coreia do Sul e sempre inspirado no pensamento de Confúcio, será o responsável por aparar os espinhos das negociações da Agenda pós-2015, que inclui os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os quais guiarão o desenvolvimento global depois do fim do prazo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). “Estamos entrando no ano mais importante para o desenvolvimento desde a criação da ONU. Nós devemos dar significado para a promessa desta organização, a fim de reafirmar a fé na dignidade e no valor do ser humano; temos uma oportunidade histórica e o dever de agir vigorosamente para tornar isso uma realidade para todos”. No Relatório “O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o Planeta”, Ban Ki-moon aborda os desafios pós-2015 e pós-ODM além da construção da nova agenda de desenvolvimento a ser seguida pela ONU. O documento, que começou a ser elaborado na RIO+20, contou com a colaboração de governos, empresários e de milhares de pessoas ao redor do mundo, por meio de consultas presenciais e on-line com a utilização da plataforma MY World. No caminho à COP-21 de Paris, já existe uma “Guerra Quente” entre Washington e Pequim sobre quem gera mais energia eólica. Obama, no seu recente Discurso à Nação, disse “Em Pequim, fizemos um anúncio histórico: os EUA dobrarão o ritmo de redução da poluição de carbono. E a China comprometeu-se, pela primeira vez, a limitar suas emissões”. E acrescentou: “Somos o país número um em energia eólica e, a cada três semanas, colocamos em uso a mesma quantidade de energia solar daquela gerada por outras fontes em 2008”. Ao constatar que a primeira década do Século 21 foi a mais bochornal desde que começaram as medições e que 2014 foi o ano mais quente, percebe-se a gravidade do aquecimento global. Por isso, a COP-21 da Convenção sobre Mudanças Climáticas será um encontro fundamental para o futuro do Planeta. Ao mesmo tempo, o sonho de Mikhail Gorbatchev de se aprovar uma Convenção da ONU sobre a Água, se perfila como de extrema urgência. A seca está afetando com muita gravidade não somente o fornecimento de água para consumo humano como também para a agricultura. O Brasil, que segundo os ciclos astrológicos do calendário chinês, “nasceu” em 7 de Setembro 1822 sob o elemento “Água”, hoje sofre os rigores da seca. A falta de gestão nas diferentes instâncias dos governos das últimas duas décadas é o fator responsável pelo descalabro atual. Já em 1992, durante a Cúpula da Terra, o tema foi fartamente abordado. Não foi por falta de informação e aviso. O irracional desmatamento da Amazônia e do Cerrado, além do de biomas essenciais como a Mata Atlântica; o monocultivo baseado numa agricultura limitada a poucas variedades de alimentos e muitas delas transgênicas, levaram à catástrofe hídrica que hoje vive o Brasil. Com um adicional muito mais grave: o envenenamento gradativo da população por causa do uso intensivo do glifosato nas lavouras. É bom advertir, como já o fez recentemente o Instituto Tecnológico de Massachusetts, o famoso MIT, que a partir do ano 2025 metade das crianças nascidas nos EUA será diagnosticada com autismo por causa do consumo do glifosato. Certamente, essa será uma epidemia semelhante a da AIDS dos anos 80 do século passado. Com falta de água, consumindo alimentos transgênicos, será muito difícil cumprir o desejo de Ban Ki-Moon de acabar com a pobreza e a fome. Que os governantes reconheçam ter implementado uma política predatória, na agricultura, na tecnologia, nos recursos hídricos, na geração de energia, será o primeiro passo na direção certa.

4 Joyce De Pina - É hora da ação global para o desenvolvimento sustentável 6 Alfredo Acedo - Para Pablo Solón a COP-20 foi um absoluto retrocesso 8 Maura Campanili - Entrevista com Tiago Reis10 Eduardo Paes - Rio de Janeiro opta por uma cultura de resiliência11 Pedro Junqueira - Os inúmeros desafios de resiliência das cidades12 José Eli da Veiga - Uma pretensão inviável14 Washington Novaes - O calor e a seca: que fazer?16 Jaime T. Oliva - A seca chega ao Velho Chico18 Malu Ribeiro - São Paulo precisa de um pacto para a crise da água19 Oded Grajew - As últimas gotas de água20 Mario Mantovani - SP deve rejeitar retrocessos em sua legislação ambiental22 Roberto Resende - Sancionada nova Lei para as florestas de São Paulo24 Isabel de Araújo - André Corrêa assume a Secretaria do Ambiente do Rio25 Tara Ayuk - Patrícia Iglecias é Secretária do Meio Ambiente de SP28 João Vítor dos Santos - Entrevista com Fran Paula32 Christina Sarich - Cientista do MIT relaciona glifosato ao autismo34 María Santacreu - Plano da FAO contra a fome na América Latina e Caribe36 Chico Whitaker - O Brasil deve eliminar a opção da energia nuclear40 Marcelo Carota - COP-12 da Convenção Ramsar será em Punta del Este42 Marcia Hirota - São Paulo ignora suas árvores44 José Monserrat Filho - O relógio do Apocalipse e as atividades espaciais48 Sergio Trindade - Brasil e os Polos da Terra50 Malu Nunes - O Brasil se tornou indiferente à questão ambiental?

Lançando uma nova campanha, chamada 2015: Hora da Ação Global (2015: Time for Global Action), o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, disse que os líderes mundiais têm uma oportunidade histórica este ano para realizar importantes transformações nas áreas econômica, ambiental e social. Essas ações produzirão um impacto positivo e significativo na vida das pessoas, além de garantir a paz e a estabilidade.

A nova campanha visa a mobilizar apoio global para a ação em uma gama de questões que afetam a vida das pessoas, incluindo o aceleramento para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), a definição da nova e ambiciosa agenda que irá promover o desenvolvimento sustentável, o estabelecimento de novos fluxos de financiamento para a sustentabilidade e o alcance de um acordo sobre o clima.

Falando para os Estados-Membros das Nações Unidas, Ban Ki-moon apresentou o seu Relatório-Síntese, “O cami-nho para a Dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o Planeta” no qual descreve as suas prioridades para 2015.

Joyce De Pina | Jornalista do PNUD

É hora da ação global para o desenvolvimento sustentável

“Estamos em uma encruzilhada histórica, e a direção que tomarmos irá determinar se vamos ter sucesso ou falhar no cumprimento de nossas promessas”, escreveu Ban Ki-moon no Relatório. “Com a nossa economia globalizada e tecnologia sofisticada, podemos decidir acabar com as mazelas seculares da pobreza extrema e da fome. Ou podemos continuar a degra-dar o nosso Planeta e permitir que intoleráveis desigualdades semeiem amargura e desespero. A nossa ambição é alcançar o desenvolvimento sustentável para todos.”

A Administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Helen Clark, enfatizou a responsabilidade compartilhada de entregar uma agenda que reflita as esperanças e aspirações de todos os povos do mundo. “É necessária uma ação concertada para enfrentar os grandes desafios que o nosso mundo enfrenta. Parcerias amplas serão necessárias para o alcance do desenvolvimento sustentável”, disse.

O Relatório do Secretário-Geral chama atenção para os acontecimentos que irão pautar as discussões dos tomadores de decisão durante este ano e, consequentemente, a campanha 2015: Hora da Ação Global.

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Ban Ki-Moon

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Dentre os temas abordados no Relatório está o forneci-mento de orientação para os Estados-membros no sentido de acelerar seu caminho rumo aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) até o fim de 2015. Ao mesmo tempo, a nova agenda de desenvolvimento pós-2015, prevista para ser adotada em Setembro, procurará reforçar o compromisso para alcançar todos os ODM bem como para abrir novos caminhos com metas sobre as desigualdades, o crescimento econômico, empregos decentes, energia, mudanças climáticas, consumo e produção sustentáveis, paz e justiça, entre outros.

Ação para fim das ameaças globais

Ban também sublinhou que os líderes têm a responsabili-dade de agir para acabar com as ameaças globais de hoje, que vão além das fronteiras nacionais. “Nós temos o know-how e os meios para enfrentar esses desafios, mas precisamos de uma liderança urgente e ação conjunta agora”, disse ele. “Estes são desafios universais. Eles exigem novos níveis de ação mul-tilateral, com base em evidências, valores compartilhados, princípios e prioridades para um destino comum.”

Além do acordo sobre a agenda de desenvolvimento pós-2015, os países devem tomar medidas para reforçar seu apoio ao desenvolvimento sustentável na Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, que se realizará em Adis Abeba, Etiópia, em Julho. A Conferência produzirá novos mecanismos de financiamento para o desenvolvimento sustentável, em especial nos países menos desenvolvidos.

Em Dezembro, durante a COP-21, em Paris, os Estados-membros terão a oportunidade de agir sobre os compromissos assumidos o ano passado na COP-20 de Lima, e adotar um novo acordo significativo e universal para reduzir as emissões de carbono. Este acordo será um passo importante para limitar o aumento da temperatura global a menos de 2°C e ajudar a construir comunidades resistentes ao clima.

Para fortalecer a mobilização em torno desses momentos-chave em 2015, a ONU e os seus parceiros estarão desta-cando eventos, relatórios e outras atividades relacionadas com o desenvolvimento sustentável por meio da campanha 2015: Hora da Ação Global. Pelas redes sociais já é possível acompanhar as primeiras ações da campanha por meio da hashtag #action2015.

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio1 Redução da Pobreza

2 Atingir o ensino básico universal

3 Igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres

4 Reduzir a mortalidade na infância

5 Melhorar a saúde materna

6 Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças

7 Garantir a sustentabilidade ambiental

8 Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento

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| ação global |

A negociação na Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas (COP-20) se soma à elaboração de um texto-base muito pouco ambicioso quanto à redução de emissões. A proposta, ponto de partida para o acordo climático a ser assinado em Paris neste ano e que entrará em vigor a partir de 2020, considera também menos financiamento para as ações de mitigação e adaptação, mais mecanismos de mercados de carbono e poucas garantias de seu carácter vinculatório. Isto é, o organismo da ONU encarregado de aplicar medidas para enfrentar a crise do clima está muito aquém das expectativas dos preocupantes informes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas os quais alertam sobre a possibilidade de entrarmos numa fase de alterações irreversíveis, além dos 2°C de aumento da temperatura global.

Quem garante isso é Pablo Solón, que é Diretor Executivo da ONG Focus on the Global South, participante destas negociações durante vários anos, primeiro como embaixador da Bolívia e despois como integrante de organizações da sociedade civil. Conhece muito bem as entranhas das COPs. Hoje, como outras vezes, expressa uma visão pessimista dessas deliberações. O lado ruim é que não está errado. “O que não for feito nesta década não será possível ser recuperado na próxima, porque uma coisa é ter uma queda determinada nas emissões, digamos de 3% por ano, e outra é dizer que teremos uma queda de 6% ao ano. Isso, para a economia, é muito. Então, os cientistas e economistas dizem: se as emissões não começarem a cair agora, na próxima década, por mais que desejemos, nunca poderemos diminuir no ritmo necessário para chegar a menos de 2°C”.

Solón explica que desta vez a negociação foi dividida em três partes: uma que aborda como preencher a lacuna das promessas de redução de emissões de hoje até 2020; a segunda parte consiste em como serão feitas as “contribui-ções nacionalmente definidas” (agora já não se denominam compromissos de redução de emissões); e a terceira, foi tentar obter na COP-20 um texto base para a negociação do novo acordo que será implementado a partir do ano 2020.

E ele prossegue, “Se o que se deseja é fixar uma trajetória que nos leve a atingir os 2°C, de hoje até 2020 temos uma oportunidade que implica que deveríamos baixar as emis-sões mundiais para mais ou menos 44 gigatoneladas (gt) de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em escala mundial”. Ou seja, se no ano 2020 as emissões ultrapassarem as 44 gt em escala mundial, será muito difícil manter um cenário de 2°C ou menos.

Com todas as negociações, a brecha foi reduzida aproxi-madamente para umas 56 gt até 2020. Quer dizer, em vez de chegar a 44 estaremos em 56, o que significa que há 12 gt que devem ser reduzidas em nível mundial por ano até 2020 se desejamos manter a situação sob controle.

Alfredo Acedo | Jornalista da União Nacional de Organizações Regionais Camponesas Autónomas do México

Para Pablo Solón a COP-20 foi um absoluto retrocesso

“Pelo menos há um consenso em definir que realmente a brecha é essa; por isso na COP-20 foi solicitado aos governos que aumentassem suas promessas de redução de emissões, mas nenhum deles o fez, e ao não aumentar seus compro-missos, estamos diante de um cenário muito perigoso onde as emissões por ano provavelmente estarão ao redor de 56, 57 gigatoneladas de dióxido de carbono em 2020, fato que nos coloca numa trajetória que não é de 2°C, mas provavelmente de 4°C ou mais”.

Devemos estar cientes que todos os desastres climáticos acontecidos nos últimos anos se devem a um aumento médio na temperatura global menor que 1°C, o qual configura um cenário muito grave. E, segundo Solón, as negociações não se mexeram nem um milímetro em Lima.

Rumo a um acordo em 2020

A outra parte da negociação é o novo acordo que entraria em vigor em 2020. Nesse sentido, Solón esclarece que houve um texto com várias opções “mas, o fato mais alarmante é que entre a mais ambiciosa e a menos, se optássemos pela melhor, estaríamos diante de um acordo mais fraco que o de Cancún (COP-16, 2010)”.

IISD

Pablo Solón

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| cop-20 |

Na Conferência das Partes de Cancún, a delegação boliviana, então chefiada por Solón, rejeitou o texto por considerá-lo insuficiente.

Solón enfatiza e reitera atônito que o melhor dos cenários que esteve na mesa das negociações em Lima – base para os debates em Paris – é menos contundente que aquele assinado em Cancún. E ainda destaca um dado muito importante: o valor do financiamento em Cancún era de 100 bilhões de dólares por ano até 2020. “A gente esperava que para a próxima década fosse muito mais, 150 mil, 200 mil; mas, não, no texto de Lima há propostas de apenas 50 bilhões de dólares”.

Isto significa que será mais caro fazer frente à mudança climática; o financiamento com o qual os Estados indus-trializados, responsáveis pela mudança climática, querem se comprometer, longe de aumentar, diminuiu. E mais: em valores de redução de emissões, o texto repete a lógica de Cancún, no sentido de pactuar compromissos voluntários. Cada um diz o que quer fazer e não o que a ciência estabelece: o que deve ser feito para controlar o incremento da temperatura abaixo dos 2°C. Esta é a lógica de Cancún, segundo Solón, fato que está levando o mundo para a lacuna assinalada. “Cada um pôs o que quis e, no fim foi somado, como no rol dos dados, e o que se vê é que apenas se tinha baixado 2 gt até 2020”.

Ao mesmo tempo em que na COP-20 se evadiram as soluções necessárias para o controle das emissões, estão se ampliando as falsas (e fracassadas) soluções dos mercados de carbono. “Enquanto em Cancún houve uma grande briga para evitar que se abrissem novos mercados de carbono, em Lima a posição pro-mercados ganhou terreno e o que eles querem é não somente o REDD, mas já estão falando de um mercado de carbono para a terra, algo que denominam “Climate Smart Agriculture” (Agricultura Climática Inteligente) que é um novo mercado de carbono parecido com o das florestas, mas para a terra; porque esta também captura CO2”.

Desta forma estão abrindo a porta para novos mecanismos de mercado de carbono dentro dos mecanismos de desenvol-vimento limpo, com ambições muito baixas de redução das emissões e com menor financiamento, assim vamos de mal a pior, afirma Solón.

“Teremos algo definitivamente pior que o Protocolo de Kyoto. Este continha níveis, compromissos de redução das emissões que eram, em efeito, compromissos. Eles foram mudando a linguajem: de compromissos para promessas. E, como houve muitas críticas, agora inventaram uma nova pala-vrinha para ocultar que fossem promessas: contribuições”.

O novo texto que se pretende aprovar em Paris contém opções as quais claramente dizem que poderá ser ratificado pelos Congressos de alguns países que assim o desejem, mas outros simplesmente poderão comunicar a sua aceitação. É obvio que o texto do acordo está pensado para os Estados Unidos, país que já disse não desejar nenhum tratado que deva ser ratificado pelo seu Congresso.

“Assim será muito fraco o grau de obrigatoriedade do acordo, que fica restrito a um mecanismo político, com menos garantias de cumprimento. E tudo isto é o que dese-jam apresentar em Paris como se fosse um grande avanço”, adverte Solón. “Muitos dizem que o novo acordo entre Estados Unidos e China é um passo na direção correta, mas analisando atentamente, os EUA falaram que reduziriam entre 26 e 28 por cento das suas emissões até 2025 baseadas no ano 2005.”

A armadilha consiste na manipulação de informações posto que na COP-15 de Copenhague, em 2009, os EUA já tinham oferecido reduzir 30%. Enquanto isso, a China diz que diminuirá as suas emissões somente no ano 2030, apesar de que as informações científicas afirmam que a presente década é crucial para reduzir as emissões. “E nos apresentaram isso como o grande passo adiante”, conclui Solón.

IISD

John Kerry, Secretário de Estado dos EUA, fala perante os delegados e a imprensa na COP-20

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| cop-20 |

A COP-20 cumpriu seu papel de preparar o caminho para o novo acordo global sobre mudança do clima?

A COP-20 terminou com salto positivo, considerando que as negociações foram difíceis, por conta do velho embate entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. A questão é que, apesar de ser um tratado sobre clima, envolve transformar o paradigma econômico do mundo, pois pressupõe mudar a matriz energética baseada em combustíveis fósseis. Mas a Conferência cumpriu seu papel de criar um plano de ação para que os países cheguem à COP-21, no final do ano, com seus planos de metas para reduzir as emissões e um esboço do novo acordo mundial. Isso não significa que não há críticas. O documento final não incluiu muitas das posições dos países mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas. Essas são questões que ainda precisam ser aprofundadas.

Especialistas afirmam que o documento de Lima é fraco. Qual sua opinião sobre o acordo como um todo?

Tem se falado que o documento aprovado é vago, negativo e insuficiente. Os países têm um prazo para apresentar suas Intenções de Contribuição Nacionalmente Definida - INDC (industrializados até Março e os demais até Junho) e até Outu-bro o Secretariado da Convenção avaliará se o indicado pelos países é suficiente, conforme o IPCC, para reduzir entre 40 a 70% de emissões até 2050, a partir dos níveis de 2005.

Maura Campanili | Jornalista de Clima e Floresta do IPAM

COP-20: é possível um bom acordo sobre clima em 2015

Isso é o que precisamos para ter alguma chance de man-ter o Planeta com um aumento de temperatura de até 2°C. Se o que os países indicarem for suficiente para tanto, as negociações tendem a ser mais fáceis. Na verdade, o discurso dos países está mudando, as posturas já são diferentes. A China, que nunca aceitou se comprometer com nada, fez o acordo bilateral com os Estados Unidos de ter um pico de emissões até 2030. É pouco para o clima, mas politicamente importante. Além disso, anunciou que a INDC do país terá metas específicas de redução, embora não se saiba quanto. Os Estados Unidos dizem que reduzirão entre 26% e 28% até 2025. A União Europeia já se comprometeu em reduzir 40% até 2030 e pode aumentar sua meta se os demais também aumentarem. A mensagem é de esperança e mobilização, para cobrar propostas robustas dos governos.

Qual a participação do IPAM na COP-20?

Um dos principais trabalhos do IPAM durante as COPs é o empoderamento dos representantes dos povos indígenas. Damos apoio, sobretudo, como tradutores, tanto em relação à língua, quando ao explicar o que está acontecendo. Nesta COP, a delegação brasileira participou de várias ações junto com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COICA). Depois de idas e vindas, com protestos realiza-dos, conseguiram incluir o respeito aos povos indígenas no documento final.

Convocada pela ONU para preparar o terreno onde acontecerão as discussões da COP-21 da Convenção sobre Mudanças Climáticas a ser realizada no final deste ano em Paris, a COP-20, – encerrada no dia 12 de Dezembro último em Lima, Peru – teve um saldo positivo, de acordo com Tiago Reis. Para o especialista em política ambiental do IPAM, que participou da COP-20, o discurso dos países está mudando e suas posturas já são diferentes, o que traz a esperança de um acordo, no final de 2015, que garanta um aumento de temperatura de até 2°C no Planeta.

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Entrevista com Tiago ReisPesquisador de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)

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| cop-20 |

O Brasil teve uma participação relevante nas negociações?

A posição do Brasil foi interessante, com o Itamaraty sendo propositivo, mesmo num contexto onde a presidência da República pareça não se importar o suficiente com o tema. Num cenário complicado de negociação, onde os ricos não aceitam que países emergentes não se comprometam com redução de emissões e os emergentes não querem se compro-meter com metas, o Brasil trouxe uma proposta na qual, ao invés de dividir os países entre Anexo 1 (com obrigações de redução de emissão) e Anexo 2 (sem obrigação nenhuma), cria uma nova forma de diferenciar os países, sem romper a estrutura de responsabilidades diferenciadas.

A proposta brasileira foi bem recebida, mas não foi incor-porada ao documento de Lima. O Brasil conseguiu colocar a ideia de que as INDC – o que cada país vai ofertar, em termos de ação, para a Convenção – incluam também ações de adaptação e financiamento. A partir das INDC, cada país dirá o que pode fazer pelas mudanças climáticas. Acontece que alguns países industrializados, principalmente EUA e Canadá, queriam mais ações voltadas para mitigação.

O Brasil – e outros países vulneráveis, que também pre-cisam fazer planos de adaptação às mudanças – argumentou que, no contexto atual, com 0,85°C de aquecimento a partir do nível pré-Revolução Industrial, é preciso garantir também os meios para implementar as ações. Segundo o documento final, os INDC deverão trazer ações de mitigação, adaptação e financiamento, onde os pobres colocam o que precisam e os ricos o que podem fazer para ajudar. O ponto negativo foi o Brasil se recusar a fazer aporte ao Fundo Verde do Clima, criado justamente para financiar ações em países vulneráveis. A posição brasileira é de que já contribui com ações bilaterais Sul-Sul, o que é verdade.

A questão das emissões do desmatamento é muito importante para o Brasil, que tem metas voluntárias de redução. Quais foram as principais discussões em relação ao tema?

Na COP-20 não houve nada de novo em relação ao tema florestas, principalmente porque o marco sobre Redução das Emissões oriundas de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) já havia sido aprovado na COP-19, em Varsóvia. O problema de REDD+ é a falta de recursos, posto que o Fundo Verde do Clima, o qual deveria ser a fonte de financiamento, precisa de aporte para isso. A expectativa é que, em Paris, se consiga regulamentar os aportes ao Fundo. Além disso, o Brasil conseguiu aprovação técnica, com algumas sugestões de aperfeiçoamento, para a submissão do nível de referência de emissões florestais, apresentada em Junho, na Conferência de Bonn. Durante a COP, quatro países apresentaram seus níveis: Indonésia, Malásia, Colômbia e México. Esses níveis de referência são fundamentais para que o país seja remunerado pela implantação de projetos de REDD+.

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Manifestação na COP-20

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Em Abril de 2010, a nossa cidade foi marcada por uma tragédia. Chuvas fortes de verão provocaram deslizamentos de terra e alagamentos que arrasa-ram o Rio. Vidas foram perdidas e casas foram destruídas: aquilo não poderia mais se repetir. A cidade convive com tempestades tropicais desde sua fundação, e a urbanização, muitas vezes sem o planejamento adequado, acentuou seus impactos e conse-quências. Já em 1959, um samba eternizado na voz de Moreira da Silva falava das inundações na Praça da Bandeira. Mas os dramas e tragédias tinham que ficar no passado.

Aqueles dias reforçaram a urgência de desenvolver uma cultura de resiliência na cidade do Rio. A gestão da cidade precisava vencer a burocracia e descoordenação e adquirir uma dinâmica integrada e eficiente. A cidade não dispunha de mecanismos para alertar a população em situações de emergência, especialmente os moradores de áreas suscetíveis a deslizamentos. Reagimos da melhor maneira possível, mobilizando recursos municipais de parceiros privados, e contamos com o apoio da população.

Mas era preciso promover uma transformação na cultura de gestão da cidade. Nascia, assim, o Centro de Operações Rio (COR): uma sala de situação e coordenação para monitorar o dia a dia e enfrentar os problemas de forma articulada.

Eduardo Paes | Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro opta por uma cultura de resiliência

Choques e eventos extremos não escolhem hora para acontecer. Com a coordenação de mais de trinta departa-mentos, COR é o “cérebro” da cidade e funciona 24 horas por dia, sete dias da semana. Incorporamos alta tecnologia e capacidade de processamento de informações. E adquirimos um novo radar meteorológico, implementado ainda em 2010, que nos permite melhor previsibilidade na detecção de eventos climáticos adversos.

Atualizamos o mapeamento de risco geológico de encostas, investimos em obras de contenção nessas áreas, instalamos sirenes de evacuação de pessoas em risco de emergência em mais de cem comunidades do Rio e fizemos grande inves-timento para ampliar a capacidade de drenagem na cidade como um todo e em especial na região da Grande Tijuca. Representará o fim dos alagamentos da Praça da Bandeira? Não, mas o Rio de Janeiro estará certamente mais preparado para intempéries climáticas que virão.

Em uma nova etapa desse esforço, lançamos a estratégia Rio Resiliente. Ela tem o objetivo de avaliar o progresso e auxiliar na preparação da cidade para o futuro. As alterações do clima previstas para as próximas décadas produzirão mudanças importantes na rotina dos cariocas. Temos de estar preparados. Cenários para o clima e para o desenvolvimento urbano devem fazer parte das políticas públicas, da operação e de intervenções no Rio. Para enfrentar esses desafios, o Centro de Operações passou a atuar com mais inteligência e visão de futuro, ao prospectar cenários e avaliar a dinâmica da resiliência da cidade.

O documento que analisa a estratégia Rio Resiliente repre-senta um amplo diagnóstico de avaliação de riscos, destacando aspectos climáticos e também sociais e econômicos. Traça linhas de ação para a construção da visão de resiliência da cidade, que deve incluir a contribuição de outras esferas de governo, de parceiros privados, da sociedade civil e dos cariocas.

Deve, também, promover parcerias e colaboração com redes internacionais, como as 100 Cidades Resilientes da Fun-dação Rockefeller e o C40 Cities Climate Leadership Group. O esforço de resiliência é contínuo. Ser resiliente é atuar de forma preventiva, antecipando choques agudos e estresses crônicos que podem tirar a cidade da normalidade e causar prejuízos e tragé-dias. Ser resiliente é prevenir, monitorar, mobilizar, comunicar e aprender, para que a cidade e seus moradores estejam cada vez mais aptos a enfrentar desafios.

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Eduardo Paes

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| rio resiliente |

Os principais desafios de resiliência da cidade podem ser enfrentados pelo próprio cidadão, em ação colaborativa com governos, setor privado e instituições. Para que isso aconteça, é fundamental que as pessoas entendam a relação direta entre os seus comporta-mentos e atitudes e os possíveis impactos negativos em seu próprio modo de vida.

Da mesma forma, é impor-tante esclarecer que a incorporação de certos hábitos, como, por exemplo, a disposição correta de lixo, o uso de transporte público e a economia de água, podem tornar a cidade mais resistente a choques e estresses crônicos.

Uma importante percepção que se origina da experiência de planejamento, gestão e operação da cidade é que, de maneira geral, os cidadãos conseguem sempre ser mais rápidos que as cidades em suas tomadas de decisão. Isso se aplica às decisões de investimento, ao acesso à informação sobre o local onde estão, ao conhecimento profundo de uma região da cidade ou à identificação de problemas que precisam ser resolvidos. Isso ocorre porque os cidadãos estão totalmente inseridos no dia a dia do que acontece no seu município.

Fica com eles o estoque mais precioso que uma comunidade possui: sua história, seus hábitos, os destaques, os detalhes, seus sonhos e angústias.

Pedro Junqueira | Secretário-Executivo de Resiliência e Operações do Comitê Gestor do Projeto Rio Resiliente

Os inúmeros desafios de resiliência das cidades

Estão nas mãos e nas mentes dos cidadãos as principais ferramentas de transformação de suas comunidades: a experi-ência local e a legitimidade para falar do que lhes acena como prioritário. É para cidadãos que os governos atuam, é com eles que os governos se pagam e, principalmente, é a partir deles que os governantes são constantemente testados, avaliados e, no final das contas, escolhidos ou reprovados.

A partir dessas percepções, surge o conceito de responsa-bilidade compartilhada, considerado de alta relevância para o Rio de Janeiro em sua jornada de resiliência. Entende-se que o cuidado com a cidade precisa considerar tanto a vontade das pessoas de participar de alguma forma das decisões, quanto a necessidade de se dividir com a comunidade algumas res-ponsabilidades, sobretudo no que diz respeito aos impactos das decisões individuais sobre a coletividade.

Como exemplos práticos de participação do cidadão, podem-se mencionar as escolhas individuais na conduta ao volante, descarte de resíduos, estacionamento do veículo, consumo de recursos naturais e atenção aos alertas emitidos por órgãos de monitoramento das condições climáticas.

Em todos esses casos, o cidadão pode decidir com maior ou menor senso de coletividade, com mais ou menos responsabi-lidade, muito ou pouco alinhado à ideia de responsabilidade compartilhada.

As percepções coletadas com os stakeholders entrevistados mostram que este conceito é uma importante ferramenta de resiliência numa cidade. Quanto maior for o conhecimento e a percepção das pessoas sobre o seu papel, mais resiliente e harmônica pode ser uma cidade.

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Pedro Junqueira

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| rio resiliente |

Tem sido frequente a pro-posta de trocar a noção de sus-tentabilidade pela de resiliência, um conceito que por séculos ficou confinado às engenharias (principalmente naval), mas que há 40 anos foi simultaneamente adotado por ecólogos (1973) e psicólogos (1974) para designar, grosso modo, a capacidade de recuperação sistêmica pós-choques, ou a capacidade de absorção de choques e subse-quente reorganização para funcionar como antes.

O físico holandês Roland Kupers, por exemplo, editor do interessante livro “Turbulence” – a primeira publicação da Resilience Action Initiative (RAI), articulada em Davos, na Suíça, no início de 2012 por dez das maiores corporações multinacionais, diz que sempre preferiu a ideia de resiliência por lhe parecer bem mais adequada ao aprofundamento do conhecimento analítico sobre sistemas complexos, por mais que admita ser superior o apelo intuitivo e emocional da ideia de sustentabilidade.

Caminham no sentido oposto a esse raciocínio ao menos duas abordagens científicas, ambas insatisfa-tórias. A mais fraca aponta a “resiliência das comunidades” como um de quatro compo-nentes da sustentabilidade. A outra, bem melhor, enfatiza que “a pesquisa sobre a resili-ência dos sistemas socioecoló-gicos” constitui a “base para a sustentabilidade”.

O recente Relatório do National Research Council (NRC) advoga a “maior resiliência das comunidades a eventos extremos” como um dos quatro issue clusters da sustentabilidade, acompa-nhada por: a) “conexões entre energia, alimentos e água”; b) “ecossistemas diversos e saudáveis”; e c) “saúde e bem-estar humano”.

Cabe perguntar, evidentemente, se o conceito de resili-ência não deveria ter sido aplicado também aos ecossistemas, em vez de só aparecer como atributo de comunidades, uma dificuldade que parece ter sido superada na concepção longa-mente amadurecida pelos pesquisadores que se articulam na excelente rede internacional Resilience Alliance (consultar: www.resalliance.org).

José Eli da Veiga | Professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP

Uma pretensão inviávelPara eles, principalmente ecólogos, resiliência é a “capaci-

dade de um sistema de absorver perturbação e reorganizar-se, mantendo essencialmente a mesma função, estrutura e feed-backs, de modo a conservar a identidade”. Mas também lhes parece aceitável esta definição menos formal: “capacidade de lidar com choques para manter funcionamento sem grandes alterações”.

O que está em jogo nessa perspectiva é, portanto, a reorganização pós-choque dos “sistemas socioecológicos”, definidos como “sistemas complexos e integrados nos quais os humanos são parte da natureza”. Já por sustentabilidade essa comunidade entende “a capacidade de criar, testar e manter capacitação adaptativa”. E define “desenvolvimento sustentável” como a combinação da sustentabilidade com a “geração de oportunidades”.

O grande problema, contudo, é que todas as abordagens da resiliência voltam-se sistematicamente para as reações a “choques”, enquanto a sustentabilidade é algo bem mais amplo, pois envolve fenômenos erosivos ou cumulativos, como são os casos da perda de biodiversidade, ou da pletora de gases de Efeito Estufa na atmosfera. Ambos certamente aumentam a frequência de eventos extremos, mas a sustentabilidade não

se limita a reações a choques deles decorrentes, já que exige permanente conservação ecossistêmica e longa redução das emissões de carbono.

Mais estranha ainda é a completa ausência, nisso tudo, da questão central que, desde fins do século passado, vem consolidando a sustentabilidade como um novo valor. Foi só quando a comunidade internacional começou a se responsabilizar pelas possíveis consequências de seus comportamentos atuais para gerações futuras que a ambição pelo desenvol-vimento (ou prosperidade, ou progresso) passou a exigir a qualificação que lhe dá o adjetivo “sustentável”.

Então, não há a mínima chance de que a noção de

sustentabilidade venha a ser preterida em favor do conceito de resiliência. E tal inviabilidade não se deve a um suposto apelo intuitivo e emocional da ideia de sustentabilidade que, segundo Roland Kupers, impediria sua superação por um conceito mais “técnico”, ou mais “preciso”, como é o de resiliência. O fato é que resiliência é uma noção restrita, cujo alcance lógico e cognitivo é muito parcial se comparado ao da sustentabilidade.

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JoséEli da Veiga

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| resiliência |

Acendem-se muitos sinais de alerta diante de notícias como a de que 2014 foi o ano mais quente desde quando se registram temperaturas no Planeta (1880), diz a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), a agência meteorológica dos Esta-dos Unidos. Os dez anos mais quentes aconteceram após 2000, com uma única exceção: 2015 tende a ser ainda mais quente, pois neste ano teremos o fenômeno El Niño, que aquece as águas do Pacífico e influi na atmosfera continental – o que não se verificou em 2014.

O aumento das emissões de poluentes para a atmosfera foi muito forte e ao lado da formação de “ilhas de calor” em áreas urbanas muito adensadas já é causa bem estudada de eventos problemáticos, dizem os cientistas do Instituto Cli-matempo. Assim como o aumento do desmatamento no País, principalmente na Amazônia, e a ocupação de novas áreas pela pecuária e pela agricultura. E tudo isso nos coloca entre os países que mais contribuem para mudanças no clima.

Washington Novaes | Jornalista

O calor e a seca: que fazer?Outro estudo, de 18 cientistas respeitados (ScienceXpress,

15/1), adverte que mudanças no clima e perdas na biodiver-sidade podem “levar o Planeta Terra a um novo estágio, se a ultrapassagem de limites continuar ocorrendo”, afetando mesmo a Camada de Ozônio e intensificando a acidificação dos oceanos. Na verdade, dizem eles, deveríamos até, ao calcular a evolução do produto econômico no mundo, incorporar o que acontece em terra, na água, no ar.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) dá-lhes razão, ao lembrar que, como a população terrestre vai chegar a 9 bilhões até 2050, nas próximas décadas precisaremos aumentar a produção de alimentos em 60% (para atender inclusive aos 40% da população que vive abaixo do nível de pobreza fixado pela ONU), aumentar a produção de energia em 50% e a utili-zação de recursos hídricos em 40%. E tudo sem aumentar a degradação – o que exigirá modos de viver adequados às possibilidades do Planeta.

Deveríamos, todos, ler o relatório “O Futuro Climático da Amazônia”, do pesquisador Antônio Donato Nobre do INPE, MCT e INPA, produzido para a Articulação Regional Amazônica. Ele chama a atenção para os efeitos devastadores do desmatamento na Amazônia e sua influência muito forte em todo o País, inclusive para quem vive nas áreas urbanas.

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Washington Novaes

Parque Nacional de Brasília, também conhecido como “Água Mineral”

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E destaca alguns ângulos da questão:1) A capacidade da Floresta Amazônica de contribuir

decisivamente para manter a umidade do ar naquele bioma e em outras partes distantes; as árvores extraem água pelas raízes, levam-na para as folhas, que jogam o líquido, evapo-rado, para a atmosfera; isso leva a que uma árvore de grande porte contribua a cada dia com o equivalente a mil litros de água – o que se traduz em quase 20 bilhões de toneladas de ar diárias evaporadas pela floresta, mais que o aporte diário de água para o Rio Amazonas; e que equivale, em energia solar, a mais do que toda a energia gerada por uma usina como Itaipu.

2) Esse processo leva a um rebaixamento da pressão atmos-férica sobre a floresta, que suga o ar úmido que está sobre o oceano para dentro do continente, mantendo as chuvas “em quaisquer circunstâncias”.

3) No processo a Amazônia também exporta “rios aéreos de vapor”, que transformam a água transportada em “chuvas fartas que irrigam regiões distantes no verão hemisférico”; o processo florestal também distribui e dissipa a energia transportada nos ventos que chegam e impede a formação de “eventos climáticos extremos”, como furacões e similares.

Mas todo esse processo está em risco. Até 2013 o desma-tamento na Amazônia chegou a quase 763 mil km2. Se forem somadas as áreas onde ocorreu a “degradação florestal”, serão mais 1,2 milhão de km2 – chegando o total final a quase 2 milhões de km2.

A tudo isso ainda se podem somar as perdas no Cerrado (mais de 50% da área já desmatada), na Mata Atlântica e em outros biomas. A impermeabilização do solo do Cerrado com o desmatamento impede que a água se infiltre – e se reduz a capacidade de geração de fluxos para as três grandes bacias brasileiras.

Cinco passos essenciais são apontados por Antônio Nobre e outros cientistas:1) Ter uma estratégia de “guerra à ignorância” quanto às questões das chuvas e da Amazônia;2) conseguir, com políticas competentes e obrigatórias, chegar ao desmatamento zero na Amazônia;3) abolição do uso do fogo;4) estratégias de recomposição de espaços das florestas;5) conscientizar as “elites” de seu papel decisivo no processo.

Se o Brasil tivesse cumprido o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, aprovado em 2009, dizem os estudos, estaríamos chegando já em 2015 ao desejado desmatamento zero. Mas, como diz o dirigente do Instituto SocioAmbiental, Beto Ricardo, todos os projetos multilaterais para a Amazônia são “ridículos”.

Então, será decisivo impedir que o desmatamento propicie a expansão de pastagens (com o aumento das emissões de metano), é preciso mudar os caminhos da pecuária. Repensar nossos formatos de mobilidade urbana, para reduzir as emissões de poluentes por veículos. Tratar com competência a área de energia e não utilizar fontes térmicas, altamente poluentes, como o carvão. Sempre lembrando o que é conclusão quase unânime na Convenção sobre o Clima: teremos de reduzir em 80% o uso dos chamados “combustíveis fósseis”.

Nas cidades, onde as “ilhas de calor” causadas pelo aden-samento atraem chuvas problemáticas, vale a pena enfatizar o recente “apelo à população” feito pelo Diretor-Executivo da Rede Nossa São Paulo, Oded Grajew: “A cidade de São Paulo está diante de uma catástrofe social, econômica e ambiental sem precedentes (…). A Cantareira pode secar em 60 dias (…). Estamos acomodados e tranquilos num Titanic, sem nos dar conta do iceberg que está se aproximando”.

É tempo de juízo.

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As consequências da estiagem que atinge algumas regiões brasileiras desde 2013 têm sido intensas. O Sudeste é uma das mais afetadas, como demonstra a seca que assola São Paulo. A crise de abastecimento de água na metrópole com mais de 18 milhões de habitantes é um dos símbolos mais fortes dessa situação. Outro acontecimento chocante: a principal nascente do Rio São Francisco, na Serra da Canastra, está seca. Se quisermos nos exasperar ainda mais, é só testar o efeito que a combinação da seca da nascente do São Francisco, com a transposição de parte de suas águas para o Nordeste Seten-trional, com as ameaças do aquecimento global produz em nós. O que está ocorrendo com nossa tropicalidade tão farta em água, aliás, a característica-chave dessa condição?

Antes de mais nada, é importante revisitar alguns aspectos essenciais da dinâ-mica dos rios e, de um modo particular, os que dão especi-ficidade ao Velho Chico.

Os rios dependem de um fenômeno mais amplo em termos escalares: o ciclo hidrológico. A evaporação das águas dos oceanos, trans-portadas pelos complexos sistemas atmosféricos, trans-forma-se em precipitação nas áreas continentais. As águas seguem, a partir daí, dois caminhos para formar os rios: infiltram-se no solo até encontrar rochas impermeáveis, acumulam-se e formam os lençóis subterrâneos (ou freáticos, no sentido de que a infiltração da água foi freada). Essas águas escoam subterraneamente, seguindo a declividade da camada rochosa impermeável, até encontrarem a superfície, formando uma nascente de água.

O constante fluxo que brotou tende a formar canais, mais ou menos fixos, por onde a água correrá. Mas há também escoamento superficial das águas que não se infiltram nos solos e que, seguindo a declividade do relevo, terminam se juntando aos canais que escoam das nascentes, aumentando, desse modo, o volume das águas. São essas dinâmicas com-plexas e combinadas que formam um rio.

Um rio é, portanto, um curso d’água com um canal relati-vamente definido, cujas nascentes se localizam geralmente nas encostas de montanhas ou serras, e cujo volume é aumentado em seu leito por outros rios e pelo escoamento superficial das águas. Com exceção dos rios amazônicos, situados em áreas de intensa pluviosidade, todos os demais oscilam em termos de vazão (medida de metros cúbicos por segundo – m3/s) durante o ano, conforme as estações, o regime de chuvas que alimenta os lençóis freáticos e o escoamento superficial. Por isso se fala em período das cheias e da vazante.

Jaime T. Oliva | Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP)

A seca chega ao Velho ChicoO Rio São Francisco encontra-se, neste momento que sua

principal nascente está seca, no período da vazante e nisso não há novidade nem motivo para qualquer susto. A princípio, estiagens mais ou menos intensas são comuns, fazem parte da dinâmica climática e são tanto mais perceptíveis quanto maior a escala de tempo observada. Mas e se a estiagem se mantiver para além da média? O São Francisco não corre o risco de viver um momento de intermitência, ou seja, de perda completa de suas águas?

Dois caminhos importantes, ou duas apreensões da forma geográfica dos rios, devem ser considerados para pensarmos nesse risco.

Em primeiro lugar, é importante imaginar o rio como uma realidade geográfica linear, capaz de absorver e influen-ciar (ao mesmo tempo que é influenciado) uma série de situações durante o seu percurso. Em segundo, é indispensável pensar no rio como uma realidade geo-gráfica reticular (em rede), ou seja, os rios pertencem a uma rede hidrográfica hierárquica: os maiores encontram-se numa posição no relevo que favorece o escoamento das águas de outros rios para eles. Por isso, normalmente, são rios

com muitos afluentes. No caso do São Francisco, encontramos um rio no topo

hierárquico de sua rede hidrográfica, pois suas águas não afluem para nenhum outro rio, mas sim para o Oceano Atlântico. Ele é, na verdade, afluente do Atlântico. Isso quer dizer que ele tem uma rede hidrográfica própria que o alimenta, rede à qual podemos chamar de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

O Rio São Francisco percorre vasta área na direção Sul-Norte. Ele nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais, e desemboca no Atlântico, na divisa entre Alagoas e Sergipe, perfazendo uma distância de 2.863 km. Conforme sua espa-cialidade reticular, sua bacia hidrográfica abrange 504 muni-cípios de sete unidades da federação – Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal –, cobrindo uma extensão territorial de 640 mil km2.

Desse modo, o conjunto de variáveis que interferem na dinâmica do rio se distribui ao longo de um amplo território, submetido à diversidade de situações climáticas, vegetacio-nais, geomorfológicas e, principalmente, quanto aos espaços produzidos socialmente e que implicam profundas interfe-rências no rio, como as diferentes situações de represamento de suas águas.

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| recursos hídricos |

Por tudo isso, a seca na nascente do São Francisco representa muito pouco, tendo em vista a escala do rio e das situações que o envolvem. Neste momento, porém, a seca da nascente tem a força de simbolizar a gravidade da estiagem que atinge algumas regiões brasileiras e que está afetando o rio como um todo. O melhor dado para demonstrar a gravidade da seca é a vazão média do São Francisco registrada este ano: 49 m3/s, a menor registrada em 83 anos de medição do rio. A vazão média histórica é de 2.850 m3/s.

As consequências da estiagem são gravíssimas não só para as condições naturais do rio, mas também para a população e para um conjunto de atividades econô-micas. O rio é fonte geradora de energia e suas águas são intensa-mente utilizadas para irrigação. Contudo, um rio que percorre uma vasta área naturalmente seca e que, portanto, tem suas águas muito utilizadas, não sobreviveria caso várias providências não tivessem sido tomadas para garantir sua segurança hídrica, como a criação de grandes reservatórios. No São Francisco, os dois mais destacados são Três Marias, em Minas Gerais, e Sobradinho, na Bahia. Com essas grandes reservas de água não só se movem turbinas de usinas hidre-létricas como também se regula a vazão do rio nos momentos da vazante. Infelizmente, em plena primavera, essas reservas estão em condições críticas: Três Marias está com 4% de sua capacidade e Sobradinho, com 25%.

Estiagem, transposição e mudanças climáticas

Uma estiagem como esta, com impactos dessa monta, reforça os argumentos sobre a transição que estaríamos vivendo nas condições naturais do Planeta, provocadas pelas mudanças climáticas, cuja marca de frente seria o aquecimento global. Entramos num campo controverso, pois não há como ime-diatamente atribuir a seca que atinge várias regiões do Brasil às mudanças climáticas ou às variações normais do clima.

Mas o que interessa não é saber se a deriva do sistema atmosférico que resultou na presença de um grande centro de alta pressão (ar seco que desce e dificulta a entrada de frentes frias que geram a precipitação) no Sudeste está associada às mudanças climáticas ou à variação normal do clima. O que vale é que isso aconteceu, está acontecendo e pode voltar a acontecer. Nos dois lados dessa controvérsia, esses eventos cabem.

Outro fato importantíssimo a se notar diante da estiagem é que o Brasil, em todas as escalas do seu Estado, não tem mecanismos nem recursos suficientes para lidar com estiagens. Por tudo isso cabe um comentário sobre a transposição das águas do São Francisco, projeto elaborado, e em andamento, sob a responsabilidade da federação, especificamente do Ministério da Integração Nacional.

Vale lembrar que, pela extensão de sua bacia hidrográfica e de seu percurso linear, o São Francisco era chamado de o “rio da integração nacional”. Com esse projeto exige-se mais do rio e pretende-se que ele integre ainda mais. A obra prevê a construção de mais de 700 quilômetros de canais de concreto em dois grandes eixos (Norte e Leste) ao longo do território de quatro Estados (Pernambuco, Paraíba, Ceará

e Rio Grande do Norte) para o desvio de suas águas.

Embora outras transposições de rios tenham sido feitas no mundo, isso não garante o sucesso no caso do São Francisco, até porque nem todas foram bem-sucedidas. Uma obra desse porte exige estudos múltiplos e muito detalhados. Obriga que se reflita sobre todas as novas interações que vão se estabelecer, visto que estamos diante de uma intervenção complexa. Por essa razão, longos estudos de impacto ambiental foram realizados, com listagem e demonstrações exaustivas de cada um deles. Embora os autores do relatório tenham se preocupado em classificar esses impactos em positivos e negativos, a verdade é que eles são controversos. A come-çar pelo principal dos impactos positivos referente ao benefício direto que a água traria para o Semiárido. Parte dos críticos diz que o prejuízo para as áreas de onde a água está saindo seria maior que os benefícios obtidos para onde a água estaria indo.

Outro aspecto digno de refle-xão é a enorme lista dos impactos,

que se deve, em primeiro lugar, ao relatório cuidadoso que procurou contemplar tudo o que está ao alcance do nosso repertório sobre intervenções desse tipo. Duas coisas, porém, devem ser assinaladas: esse repertório tem um perfil técnico, o que é uma limitação visível; por outro lado, mesmo con-siderando só o ponto de vista técnico, quem garante que estamos diante de um repertório suficiente? Por fim, vale refletir se a grande lista de impactos não está nos revelando que as variáveis envolvidas são muitas e, quanto maior a escala geográfica da intervenção, mais as variáveis vão se acumulando em progressão geométrica. Ou seja, quanto maior a lista de impactos, maior será a dificuldade de controle e maior a imprevisibilidade da empreitada.

Para finalizar, como fica a transposição num quadro inédito de estiagem, quando os próprios reservatórios que já existiam para dar segurança hídrica ao rio, e que foram usados na concepção do projeto da transposição, também estão se esgotando? Pensar na transposição das águas do São Francisco é dar-lhe novo papel e nova escala de ação nos espaços produzidos pelo homem, é repactuar o uso das águas. A estiagem atual no Sudeste brasileiro e o modo como esse rio está sofrendo talvez estejam nos dizendo que o pacto dessas águas tem de ser outro.

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| recursos hídricos |

A grave crise da água que ameaça afetar milhões de paulistanos neste início de ano impõe a necessidade urgente de um pacto que envolva a sociedade, todos os setores produ-tivos e o poder público.

A maior cidade do país está diante da ameaça de um colapso, no caso de que as reservas de água dos mananciais se esgotem. Para evitar o desabastecimento e garantir os servi-ços essenciais, o Governo do Estado de São Paulo precisa deflagrar uma ampla campanha de esclarecimento sobre o problema, uma campanha que seja transparente e contínua, além de convocar os cidadãos para esse enfrentamento.

As medidas adotadas até agora pelo Governo do Estado visaram evitar o desabastecimento público. Para isso, a Companhia de Sanea-mento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) ampliou a captação de água bruta nos reservatórios, com o uso do “volume morto”, nome que assustou o cidadão comum. Apesar do risco de levar os mananciais ao esgotamento, integrou os sistemas que atendem a região metropolitana e passou a fornecer menos água à população, por meio da redu-ção da pressão na rede pública. Essa medida, tecnicamente mais eficiente que o racionamento convencional ou rodízio, por não adotar o fechamento integral do fornecimento de água, evita rompimentos na rede pública, penaliza menos a população e diminui o risco do armazenamento inadequado de água, com riscos de contaminação e, em muitos casos, de aumento do desperdício.

Porém, na prática, falta água nas torneiras em várias partes da cidade, em horários diferentes. E o Governo assumiu que diminuir a pressão na rede é uma forma de racionamento. A questão é que falta informação. Mesmo assim, a sociedade reconheceu o problema e aderiu expressivamente à campanha de redução do consumo, por meio do bônus oferecido na conta, medida que reforça o espírito de cidadania que é fundamental para superação de crises, acidentes e catástrofes.

Já a adoção de medidas punitivas para combater siste-maticamente o desperdício da água, por meio da multa, foi implementada tardiamente em São Paulo. Contestada judicialmente por organização de defesa do consumidor, justamente por falta de informação adequada aos cidadãos, acabou sendo implementada por decisão judicial.

São Paulo precisa de um pacto para a crise da água

Enquanto diversos países adotam esse instrumento como medida permanente, por reconhecer que a água é um bem essencial à vida, mas escasso, aqui não agimos preventiva-mente. Não adianta multar quando as reservas já secaram. É preciso usar a água de forma racional sempre.

A Califórnia, nos EUA, que também sofre com a seca e falta de água desde o início do ano passado, começou a cobrar, em Julho de 2014, multas de US$ 500 ao dia para quem desrespeitar as regras e gastar água em excesso. Temos que mudar com-portamento, por isso, o desperdício deve ser combatido com sobretaxas e multa para todos os setores. Deve ainda fazer parte das políticas públi-cas de forma permanente. A cobrança pelo uso da água é um instrumento de gestão que está presente na legis-lação paulista e Federal há mais de

uma década, e que sobretaxa quem desperdiça e penaliza poluidores. Porém, ainda é parcialmente implementada. A agricultura irrigada, responsável por 70% do consumo de água no país, ainda não paga pelo uso da água.

Como não fizemos a lição de casa, apesar de todos os alertas das organizações civis e da comunidade científica sobre a necessidade de combater o desmatamento da Mata Atlântica – responsável por manter nossas nascentes e mananciais, e ainda afrouxamos a legislação ambiental desprotegendo áreas de preservação permanente – estamos sentindo na pele os impactos do descaso.

Agora que as torneiras estão secas, mais importante do que medidas técnicas e planos de contingência é a necessidade de retirar das gavetas dos órgãos gestores planejamentos e estudos, há décadas acumulados e empoeirados, e dar total transparência à crise, informando a população de forma eficiente e maciça sobre a gravidade do tema. Somente a informação clara e real da situação é capaz de engajar efetivamente a sociedade. Cabe ao Governo de São Paulo convocar os cidadãos, os setores produtivos e as instituições públicas e privadas para o enfrentamento e gestão da crise. É preciso reconhecer que nossa metrópole e cidades não estão devidamente preparadas para enfrentar eventos climáticos extremos e situações de risco. E que muitas pessoas, de todos os níveis socioeconômicos, sequer têm noção de onde vêm a água nem para onde vão os nossos dejetos.

Malu Ribeiro | Coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica

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| recursos hídricos |

São Paulo está diante de uma catástrofe social, econômica e ambiental sem precedentes. O nível do Sistema Cantareira está em cerca de 6% e segue baixando por volta de 0,1% ao dia. O que significa que, em aproximada-mente 60 dias, o Sistema pode secar completamente!

O Presidente da Sabesp declarou que o Sistema pode zerar em Março ou, na melhor das hipóteses, em Junho deste ano. E não há um “Plano B” em curto prazo. Isto significa que 6 milhões de pessoas ficarão praticamente sem uma gota de água ou com enorme escassez. Não haverá apenas racionamento ou restrição, poderá haver zero de água, nem uma gota.

Você já se deu conta do que isto significa em termos sociais, econômicos (milhares de estabelecimentos inviabilizados e enorme desemprego) e ambientais? Você já se deu conta de que no primeiro momento a catástrofe atingirá os mais vulneráveis (pobres, crianças e idosos) e depois todos nós?

O que nos espanta é a passividade da sociedade e das autoridades diante da iminência desta monumental catástrofe. Todas as medidas tomadas pelas autoridades e o compor-tamento da sociedade são absolutamente insuficientes para enfrentar este verdadeiro cataclismo.

As últimas gotas de água Oded Grajew | Coordenador Geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis

Parece que estamos todos anestesiados e impotentes para agir, reagir, pressionar, alertar e nos mobilizar em torno de propostas e, principalmente, de ações, planos de emergência de curto prazo, políticas e comportamentos que levem a uma drástica transformação da nossa relação com o meio ambiente e os recursos hídricos.

É unânime que esta é uma crise de longuíssima duração por termos deixado, permitido, que se chegasse a esta dramática situação. Agora, o que mais parece é que estamos acomodados e tranquilos num Titanic sem nos dar conta do iceberg que está se aproximando.

Nosso intuito, nosso apelo, nosso objetivo com este alarme é conclamar as autoridades, os formadores de opinião, as lideranças e os cidadãos a se conscientizarem urgentemente da gravíssima situação que vive a cidade, da dimensão da catástrofe que se aproxima a passos largos.

Precisamos parar de nos enganar. É fundamental que haja uma grande mobilização de todos para que se tomem ações e medidas à altura da dramática situação que vivemos. Deixar de lado rivalidades e interesses políticos, eleitorais, desavenças ideológicas. Não faltam conhecimentos, ideias, nem propostas (o Conselho da Cidade de São Paulo aprovou um grande conjunto delas). Falta mobilização e liderança para enfrentar este imenso desafio. Todos precisamos assumir nossa responsabilidade à altura do nosso poder, competência e de nossa consciência.

O tempo está se esgotando a cada dia.

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Contrariando alertas de especialistas e ignorando a maior crise hídrica da história de São Paulo, deputados paulistas apro-varam na Assembleia Legislativa (ALESP), no dia 10 de Dezem-bro último, Projeto de Lei que regulamenta o Código Florestal de 2012 no Estado. O PL 219/14, de autoria do Deputado Barros Munhoz (PSDB), líder do governo na ALESP, e de outros 5 parlamentares governistas, aguarda a sanção do Governador Geraldo Alckmin.

O projeto, que dispõe sobre o Programa de Regulariza-ção Ambiental (PRA), reproduz em São Paulo as principais falhas da Lei Federal, sobretudo no que se refere às Áreas de Preservação Permanente (APPs). Essas áreas são essenciais para os mananciais, rios e nascentes, uma vez que as florestas protegem todo o fluxo hídrico, impedem o assoreamento de rios e represas e ainda têm o papel de extrair umidade do ar e levá-la aos aquíferos, cumprindo a função de reguladoras climáticas.

Estudo da SOS Mata Atlân-tica divulgado em Outubro cons-tatou que a cobertura florestal nativa na bacia hidrográfica e nos mananciais que compõem o Sistema Cantareira, centro da crise no abastecimento de água, está muito abaixo dos níveis ideais e deve ser recuperada. Restam apenas 488 km2 (21,5%) de vege-tação nativa na bacia hidrográfica e nos 2.270 km2 do conjunto de seis represas que formam o sis-tema. Não restam dúvidas de que o desmatamento da Mata Atlântica tem relação direta com a escassez da água na Região Sudeste. Com menos proteção florestal, teremos menos água. Portanto, com a aprovação do PL 219, essas áreas serão ainda mais prejudicadas, o que acentuará a grave situação dos mananciais do Estado.

Ao aprovar um Projeto de Lei para regularizar ativida-des e usos do solo até então irregulares e que passarão a ser considerados consolidados, o projeto diminuiu as faixas de recuperação de APPs ciliares voltadas à conservação da água. A recuperação de nascentes e olhos d’água, por exemplo, estabelecida em um raio de 50 metros, foi reduzida para apenas 15 metros.

SP deve rejeitar retrocessos em sua legislação ambiental

Mario Mantovani | Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica

Outro ponto preocupante é a possibilidade de São Paulo exportar para outros Estados dos biomas Mata Atlântica e Cerrado a recomposição da Reserva Legal, sem considerar as bacias hidrográficas. Essa medida beneficiaria principalmente grandes proprietários rurais que desmataram florestas em ter-ritório paulista e que agora poderão compensá-las em regiões onde o valor da terra é menor, como no Nordeste.

Para completar o retrocesso, o Projeto traz ainda artigo que trata do uso de culturas lenhosas e espécies exóticas na recomposição de APPs, descaracterizando completamente a função legal que é unicamente a de preservar permanentemente. Ainda mais preocupante é a situação do Cerrado paulista, bioma que abrange cerca de 15% do Estado, já que o projeto prevê isentar propriedades do Cerrado de recomposição florestal, o que trará enorme impacto negativo.

Importante lembrar que o novo Código Florestal é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Minis-tério Público Federal, em 3 questões que ainda estão sendo julgadas e que foram repetidas no Projeto de Lei paulista. Assim, São Paulo, que sempre foi referência no país no que se refere a inovações e tecnologia na área ambiental, perde a chance de corrigir as distorções da Lei federal.

Desperdiça também a oportu-nidade de definir instrumentos de apoio e incentivo à conservação, como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) – tema des-valorizado no projeto aprovado pelos deputados paulistas. O Estado ainda perde tempo e se desgasta politicamente com uma regulamentação repetitiva, nada inovadora e que não aperfeiçoa o Sistema de Meio Ambiente e mecanismos de desenvolvimento para um agronegócio moderno e sustentável.

Ao aprovar o projeto de afogadilho, repetindo erros e no apagar das luzes do mandato eletivo, o Legislativo Paulista mostrou que valoriza o interesse de grupos pontuais, mesmo que isso rejeite as necessidades da população e do Estado.

Cabe agora ao Governador Alckmin reagir de forma efetiva na defesa dos reais interesses da sociedade, que já sofre com a falta de água. Não permitir em SP retrocessos como os prati-cados na Lei federal, que agravam a crise hídrica e fragilizam as florestas, é reforçar a importância do Pacto Federativo, a soberania dos Estados, que podem e devem ser mais restritivos em matéria ambiental para atender as necessidades e especifi-cidades de sua população e atividades econômicas. A

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Mario Mantovani

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| legislação ambiental |

No dia 16 deste mês foi publicada pelo Governo do Estado de São Paulo a Lei 15.684, que dispõe sobre o Programa de Regularização Ambiental (PRA) das propriedades e imóveis rurais, além da mensagem sobre os vetos feitos pelo Gover-nador Geraldo Alckmin. Esta Lei procede do Projeto de Lei Nº 219/14, dos Deputados Barros Munhoz (PSDB), Campos Machado (PTB), Estevam Galvão (DEM), Itamar Borges (PMDB), José Bittencourt (PSD) e Roberto Morais (PPS).

É importante lembrar que este projeto foi conduzido de forma acelerada na Assembleia Legislativa de São Paulo, com relatores especiais e regime de urgência. As poucas dis-cussões com participação das entidades da sociedade civil só aconteceram na reta final. Mesmo limitado, este processo de participação e mobilização foi um bom saldo do processo. As várias manifestações e propostas contribuíram para algumas melhorias, evitando-se maiores retrocessos, apesar de prati-camente não se ter progressos na Lei. Mesmo a segurança jurídica tão pleiteada não foi tão atendida.

Roberto Resende | Agrônomo, Mestre em Ciência Ambiental e Presidente da Iniciativa Verde

Sancionada nova Lei para as florestas de São Paulo

Basicamente, a Lei aprovada pelos legisladores paulistas manteve vários dos dispositivos da Lei Federal 12.651/2012 (novo Código Florestal), até porque não poderia contrariá-la. Dentre estes está a polêmica “escadinha”, que escalona as obrigações de recuperar as faixas de matas ciliares em função do tamanho dos imóveis.

Este ponto e outros, como as diversas dispensas de recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais são objeto de vários questionamentos, inclu-sive de Ações de Inconstitucionalidade (Adins) por parte do Ministério Público Federal, ainda não julgadas.

Também devem ser lembrados questionamentos quanto à necessidade e mesmo a propriedade desta Lei, uma vez que a Lei 12.651/2012 determina que o Programa de Regularização Ambiental deve ser implantado por ato do Chefe do Poder Executivo (por Decreto, não Lei).

Dentre os pontos vetados podemos destacar como bas-tante positivos:

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·Inversão da lógica da Lei Federal quanto à distinção das APPs que devem ser recuperadas e as que podem continuar na condição de uso consolidado por atividades agrícolas e de infraestrutura (art. 23 e § 1º do art. 26).

·Ampla anistia a infrações por desma-tamento anteriores a 2008, ampliando a Norma Federal indevidamente (art. 6).

·Falta de definição clara de faixa mínima para a recuperação da mata ciliar em imóveis maiores (§ 5º do art. 14);

·Previsão de se ter novos desmatamen-tos para implantar aquicultura, também contrariando a Lei Federal (art. 18).

Mas ainda restaram diversos pontos com problemas. Um é a obrigação de se ter um processo em papel, sem poder ser feito apenas em meio digital, para cada Plano de Regularização (§ 2º do art. 5). Isso vai onerar excessivamente a administração pública, e prejudicará o atendimento do cidadão, uma vez que são previs-tos mais de 300 mil Programas de Regularização Ambiental (PRAs) no Estado. Conforme outro ponto (§ 6º do art. 12) o órgão ambiental fará automaticamente a definição como Servidão Ambiental e Cota de Reserva Ambiental (CRA) da vegetação que for excedente, na prática impondo uma decisão, que deveria ser voluntária, ao proprietário.

Porém, ainda restam alguns problemas mais graves. Um está no Artigo 27, que trata da Recuperação das Áreas de Reserva Legal. Apesar de não haver mais uma menção explicita à tese que o Cerrado não é protegido pelas versões mais antigas do Código Florestal ainda há um grande risco para este Bioma, com a dispensa de recuperação de Reservas. Se houvesse o entendimento de que é importante conservar e recuperar este Bioma poderia ser feito algum comando neste sentido, esclarecendo mais um ponto de dúvida na Legislação Brasileira.

O mesmo pode ser dito quanto à possibilidade de com-pensação de Reservas Legais fora do Estado. A Lei Federal assim o permite, mas a crítica situação socioambiental de São Paulo não. Ao omitir esses dois temas a Lei os deixa para um regulamento, o que não contribui nem para conservação ambiental, nem para segurança jurídica e agilidade de pro-cessos administrativos e judiciais. E também foi mantida a previsão para regularização de uso de Áreas de Preservação nas cidades (art. 40), contrariando a jurisprudência predo-minante sobre o assunto.

Inicialmente deve ser acompanhada a resposta da Assem-bleia aos vetos. É até possível a rejeição destes, o que exige a maioria absoluta dos deputados (ver o artigo 28 da Consti-tuição Paulista). É fundamental acompanhar o regulamento, seja por Decreto ou normas da Secretaria do Meio Ambiente, em especial na definição de critérios e procedimentos para o entendimento da recomposição de Reservas e APPs. Espe-cialmente aqui deve ser considerado o conceito de bacias hidrográficas críticas, muito desmatadas, que também é previsto na Lei 12.651/2012.

É preciso que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) seja efetivado, o que demanda orientação político-administrativa, recursos humanos e materiais, além de uma ampla rede de parcerias com diferentes níveis e áreas de governo e a socie-dade civil.

É importante articular de forma efe-tiva o CAR e o PRA com o licenciamento ambiental, para facilitar o atendimento dos agricultores que precisam obter autorizações. O envolvimento da extensão rural, governamental ou não, ações de comunicação e dos agricultores é base para um efetivo avanço na gestão susten-tável dos recursos naturais em SP.

É preciso iniciar a aplicação efetiva dos instrumentos econômicos, previstos no programa de apoio à conservação do meio ambiente, com prioridade para a agricultura familiar. Para isso é necessária uma ampla discussão com os vários setores interessados, de forma integrada com outras políticas, como a

de mudanças climáticas, e articulada com ações de âmbito nacional, regional e municipal. Outro passo é discutir uma Lei específica para as APPs urbanas. Para tanto, é necessário o envolvimento das diversas instâncias, novas e existentes, como coletivos, conselhos, Comitês de Bacia e o CONSEMA, ausentes nas discussões até aqui.

Com o agravamento da crise hídrica é evidente a impor-tância de boas políticas públicas e da ação de todos para a gestão dos recursos naturais. Constatar que o que se conseguiu até aqui com toda esta mobilização e negociação foi apenas evitar retrocessos não deve desanimar, mas estimular a busca por avanços efetivos. Continuamos ainda com muito o que fazer, para contribuir na melhoria das condições ambientais, não só em São Paulo, mas a partir daqui.

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Orla da Represa Guarapiranga antes da seca

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| legislação ambiental |

O novo Secretário do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, André Corrêa, tomou posse no dia 14 deste mês, destacando a transparência e a modernização do licenciamento ambiental como uma das prioridades da sua gestão. A ceri-mônia contou com a presença dos Ministros Izabella Teixeira e Gilberto Kassabalém do Prefeito Eduardo Paes.

“Pretendo me reunir uma vez ao mês com representantes da Procuradoria Geral para aumentar a transparência do licenciamento ambiental. Outro desafio da secretaria será buscar Parcerias Público-Privadas e novos mecanismos para avançar com o saneamento e promover a despoluição da Baía de Guanabara. Já estou conversando com a Cedae e seremos parceiros”, afirmou o novo Secretário.

Segundo a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, é fundamental que área ambiental volte a discutir a qualidade de vida nas cidades. “O Rio de Janeiro é um Estado que vive da relação íntima da qualidade de vida com o meio ambiente. A discussão sobre o saneamento deve ser feita. Sabemos que a questão é de competência do Ministério das Cidades. Hoje, nos comprometemos em avançar e trabalhar em conjunto”, disse a Ministra.

Já o Ministro das Cidades, Gilberto Kassab, ressaltou a parceria entre Estado e União, “Juntos, vamos evoluir e cumprir as metas”. Representando o Governador Luiz Fernando Pezão, o Secretário de Desenvolvimento, Júlio Bueno, enfatizou o trabalho que Corrêa realizará à frente da Secretaria. “Sua gestão será focada no desenvolvimento sustentável”, explicou Bueno.

Isabel de Araújo | Jornalista

André Corrêa assume a Secretaria do Ambiente do Rio

Esta é a segunda vez que Corrêa assume a pasta. Na sua primeira gestão, ele se notabilizou pela expansão da Secretaria, criação do Piscinão de Ramos, despoluição de 17 praias da capital e colocou em marcha o programa de saneamento da Barra da Tijuca, com a construção do emissário submarino. Além disso, foram revitalizados o Parque Estadual do Desen-gano, na região Centro-Norte Fluminense e o Parque Estadual da Pedra Branca, na Zona Oeste do Rio. Foi criado o Parque Estadual da Serra da Concórdia, no Sul-Fluminense.

Três pontos, considerados muito importantes na agenda ambiental do Estado do Rio, foram discutidos entre André Corrêa e Izabella Teixeira: 1) a gestão das águas do Rio Para-íba do Sul; 2) o plano para ampliação da cobertura da Mata

Atlântica e 3) a modernização do processo para licenciamentos ambientais. Foi uma extensa reunião que deu início a um diálogo político entre a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) e o Governo Federal.

Com objetivo de frear o desmatamento da Mata Atlântica e viabilizar a ampliação da área de cobertura no território Fluminense, a parceria com o MMA buscará promover o alinhamento pela conservação, com a integração das áreas protegidas federais e estaduais, mas também com a estratégia de recuperação da mata nativa e com uma estratégia de fiscalização. “É importante que o Rio, por ter uma extensa área conservada de Mata Atlântica, tenha um patamar dife-renciado de ação articulada com o Governo Federal”, concluiu a Ministra.

O Secretário André Corrêa, elencou como uma das suas principais metas a pre-servação da Mata Atlântica. Segundo ele, é necessário que os Parques Estaduais sejam

visitados; ampliar a exposição destas áreas protege o bioma e gera renda por meio do ecoturismo. Também definiu que será criado um grupo conjunto, envolvendo em parceria os governos Federal, do Rio de Janeiro e de São Paulo, que terá como meta a modernização do sistema de licenciamento ambiental. “Fomos os pioneiros na concepção do sistema de licenciamentos e o objetivo é, mais uma vez, estar na vanguarda, preservando a questão ambiental, com redução do tempo para emissão das licenças”, anunciou André Corrêa.

Também foi discutida a gestão estratégica das águas do Rio Paraíba do Sul, questão que atualmente envolve os governos fluminense, paulista e mineiro. Desde o ano passado, autori-dades dos Estados envolvidos discutem formas de otimizar a distribuição e garantir o abastecimento de água para a popu-lação, respeitando os estudos de impacto ambiental.

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Eduardo Paes, Gilberto Kassab, Izabella Teixeira e André Correa ao microfone

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| política |

A nova Secretária do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Patrícia Iglecias assumiu a pasta no dia 6 deste mês fazendo uma homenagem aos seus predecessores, entre eles Fábio Feldmann “Deputado Constituinte responsável pela escrita e aprovação do capítulo de meio ambiente na Consti-tuição Federal de 1988”, e José Goldemberg, sobre quem ela destacou que “entre seus incontáveis trabalhos, se encontra a sua atuação na RIO-92, um importante marco divisor na área ambiental”. Também homenageou importantes precursores da área ambiental no Brasil, destacando alguns nomes como Augusto Ruschi e Paulo Nogueira Neto. Destacou igualmente o papel do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

No seu discurso homenageou os colegas do mundo acadê-mico, lembrando que conta com eles para aprofundar as ideias e as soluções para os problemas que o meio ambiente enfrenta no Estado. Cumprimentou seus antecessores Bruno Covas, Rubens Rizek e frisou que o bom trabalho nesse período se deu principalmente por conta do corpo técnico do Sistema Ambiental Paulista. “Sem o conhecimento, a experiência e o comprometimento do corpo técnico da Secretaria do Meio Ambiente, eu tenho certeza que nada disso teria sido feito. Se assumo essa função pública com tranquilidade é porque sei que encontrarei técnicos dignos, preparados e com vontade de trabalhar para o bem público. E aqui eu faço público o meu compromisso de respeitar e valorizar o trabalho dos técnicos que integram a SMA, a CETESB, a Fundação Florestal, a Fundação Zoológico, o Instituto Florestal, o Instituto Geo-lógico, o Instituto de Botânica e a Polícia Ambiental”. Por fim, em um momento emocionante, homenageou sua família, agradecendo pelo apoio, dedicação e pela sólida estrutura familiar que sempre tiveram.

Destacou alguns aspectos ambientais que julga prioritários, tais como: a questão dos recursos hídricos , que passa pela recomposição das matas ciliares; a proteção da biodiversidade; o incremento do Sistema de Informação e Gestão de Áreas Protegidas; o investimento na elaboração dos planos de manejo das Unidades de Conservação; o foco na regularização fundiária das áreas protegidas; a agilidade do licenciamento ambien-tal, com o cuidado que se garanta a finalidade de proteção ambiental do instrumento; a proteção da fauna; o combate à poluição; a questão das mudanças climáticas; a prevenção de desastres naturais; a gestão sustentável dos resíduos sólidos; o estímulo à participação da sociedade civil organizada; a valorização do Conselho Estadual do Meio Ambiente e da participação da sociedade civil neste Conselho.

Para a Secretária, “Estas são apenas algumas das priorida-des, mas a pergunta que fica é: como implantá-las? Traço aqui apenas algumas ideias gerais. A primeira delas é no sentido da necessidade de uma construção coletiva dos caminhos a serem trilhados”.

Tara Ayuk | Jornalista

Patrícia Iglecias é Secretária do Meio Ambiente de SP

Durante seu discurso de posse deu ênfase ao trabalho dos técnicos, para ela “não existem soluções mágicas descobertas por gênios trancados em seus gabinetes e eu tenho consciência disso. A experiência técnica de cada um dos servidores da Secretaria de Meio Ambiente deve ser valorizada e levada em consideração. Neste momento, o caminho se inicia com a formação de uma equipe de profissionais comprometidos com as causas ambientais e com a qualidade de vida da população. Os modos de atuação devem ser descobertos e decididos no âmbito de discussão desta equipe. Não sou apenas Secretária do Meio Ambiente. Sou, e isso é o que importa, coordena-dora da construção de um projeto para o meio ambiente no Estado de São Paulo”.

A Secretária também destacou que tem dois princípios dos quais não abrirá mão: “o primeiro é a moralidade e a transpa-rência no trato da coisa pública. O segundo, a necessidade de pensar a proteção ambiental no contexto do desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo”.

Patrícia Iglecias é professora da Faculdade de Direito da USP; orientadora do Programa de Ciência Ambiental da USP. Suas principais áreas de atuação são: consumo sustentável, logística reversa, resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo, responsabilidade compartilhada, nexo de causalidade, áreas contaminadas, responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e compensação ambiental.

Conferencista no Brasil e no exterior, possui diversas obras publicadas, com destaque para o livro “Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo”.

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O ex-Secretário Rubens Rizek e Patrícia Iglecias na posse

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| política |

João Vítor dos Santos | Jornalista da IHU On-Line

Brasil consome 5,2 litros de agrotóxicos por ano

No último dia 3 de Dezembro, Dia Inter-nacional da Luta contra Agrotóxicos, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida divulgou que cada brasileiro consome em média 5,2 litros de agrotóxicos por ano. Como chegaram à contabilização desses dados? O que esse valor indica acerca do uso de agrotóxicos no Brasil em relação a outros países do mundo que utilizam esses produtos na agricultura?

O dado se refere à exposição ocupacional, ambiental e alimentar na qual a população brasileira se encontra, devido ao uso indis-criminado de agrotóxicos no País. O número se refere à média de exposição de agrotóxicos utilizados no ano em relação ao número da população brasileira.

Esse número se eleva quando a referência são alguns Estados produtores de grãos, como o caso do Estado de Mato Grosso. No ano de 2013, utilizou 150 milhões de litros de agrotóxicos, levando a população do Estado a uma exposição de 50 litros de agrotóxicos por pessoa ao ano. Um dado revela que o Brasil é, desde 2008, o campeão no ranking mundial de uso de agrotóxicos. Ou seja, somos o país que mais consome venenos no Planeta.

A que a Campanha atribui esse consumo elevado de agro-tóxicos no Brasil?

A opção clara da política agrícola brasileira pelo agronegócio é a grande responsável pela situação. O agronegócio utiliza largas extensões de terras, criando áreas de monocultivos. Por exemplo: soja, milho, algodão, eucalipto ou cana-de-açúcar. Dessa maneira, destrói toda a biodiversidade do local e dese-quilibra o ambiente natural, tornando o ambiente propício para o surgimento de elevadas populações de insetos e de doenças. Por isso este modelo de produção é dependente da química, só funciona com muito veneno. E, além de usar grande quantidade de agrotóxicos e transgênicos, não gera empregos e não produz alimentos.

A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50% do Congresso brasileiro e vem cons-tantemente atuando na tentativa do que consideramos legalizar a contaminação. Isso à medida que exerce forte pressão no governo sobre os órgãos reguladores (principalmente saúde e meio ambiente), dificultando proces-sos de fiscalização, monitoramento e retirada de agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem tentando constantemente flexibilizar a Lei no intuito de facilitar a liberação de mais agrotóxicos a interesse da indústria química financiadora de campanhas eleitorais. Polí-tica essa que permite absurdos como o uso de agrotóxicos já banidos em outros países, havendo comprovação científica do grau de periculosidade destes produtos na saúde dos humanos e do meio ambiente.

No Brasil, um conjunto de normas reduz a cobrança de impostos sobre agrotóxicos. E a isenção destes impostos (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Programa de Integração Social – PIS e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público

- PASEP, Tabela de Incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados - TIPI) pode chegar a 100% em alguns Estados como Ceará e Mato Grosso.

Contradizendo as promessas das sementes transgênicas, os transgênicos elevaram o uso de agrotóxicos no país. Um exemplo é o da soja Roundup Ready, resistente ao herbicida glifosato. Com a entrada da soja transgênica, o consumo de glifosato se elevou mais de 150%. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), considerando o potencial aumento de resíduos do herbicida, determinou o aumento de 50 vezes no Limite Máximo Residual (LMR) do glifosato na soja transgênica, passando de 0,2 mg/kg para 10 mg/kg. Assim, a ANVISA demonstra que os argumentos da Mon-santo anunciando uma diminuição do uso de herbicida com o advento da soja transgênica não são verificáveis na reali-dade, o que já estava previsto com a expansão da indústria de Roundup no Brasil.

Entrevista com Fran PaulaEngenheira Agrônoma, técnica da FASE e membro da Campanha contra os Agrotóxicos

Fran Paula é Engenheira Agrônoma e técnica da Federação de

Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE). Atua na

coordenação nacional da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, grupo que tem o objetivo

de sensibilizar a população brasileira para os riscos que os agrotóxicos

representam e, a partir disso, adotar ações para acabar com o uso dessas

substâncias.

J A N E I R O 2 0 1 5 ECO 2128

| agrotóxicos |

Quais as culturas que recebem mais defensivos?

Primeiramente: não existem defensivos. Defesa para quem? E do quê? Não existe essa terminologia na legislação. O termo é agrotóxicos e assim devemos tratar do assunto. O termo defensivo é utilizado pelos setores do agronegócio, incluindo as indústrias que os produzem, para tirar de foco a função desses produtos e seus efeitos nocivos à saúde da população e do meio ambiente. Da mesma forma que uso seguro de agrotóxicos é um mito. Isso faz parte do lobby da indústria química para esvaziar o debate sobre o risco que os agrotóxicos representam.

Entre os mais utilizados, destacamos: o Abamectina, um tipo de inseticida altamente tóxico, utilizado em plantações de batata, algodão e frutíferas; o Acefato, que é um inseticida que pertence à classe toxicológica III - Medianamente Tóxico e que é utilizado com frequência em plantações de couve, amendoim, brócolis, fumo, crisântemo, repolho, melão, tomate, soja, rosas, citros e batata; e o glifosato, um herbicida bastante utilizado no combate a ervas indesejáveis no cultivo de soja, principalmente. Não é o tipo de cultura que define a quantidade de agrotóxico utilizada. O que define é o modelo de produção. Posso ter um pimentão com alta concentração de agrotóxico, como posso ter um pimentão orgânico.

Quais os efeitos na saúde de quem con-some alimentos com agrotóxicos?

Não existe agrotóxico que não seja tóxico. Portanto, não há nenhum que não apresente risco à saúde humana mediante exposição e posterior conta-minação. Os agrotóxicos provocam dois tipos de efeitos: os agudos, provocados nas horas seguintes à exposição; e os crônicos, que podem se manifestar em meses, anos e até décadas, como resultado da acumulação dos resíduos químicos no organismo das pessoas.

Um exemplo nacional que tivemos de contaminação por agrotóxicos e acu-mulação destes resíduos no organismo foi a pesquisa que revelou contaminação do leite materno. Os efeitos de resíduos de agrotóxicos no nosso organismo podem manifestar complicações como alterações genéticas, problemas neurotóxicos, má-formação fetal, abortos, efeitos teratogênicos, desregulação hormonal, desenvolvimento de células cancerígenas. Reforço que a maioria dos agrotóxicos possui ação sistêmica e que medidas como lavar superficial-mente os alimentos com água e sabão não são suficientes para eliminar os resíduos de agrotóxicos.

A Campanha alerta que há regiões no país onde o consumo de agrotóxicos é maior. Por que o consumo é tão elevado?

Como já havia citado anteriormente, em alguns Estados onde o agronegócio exerce um aparelhamento político forte e detém grandes áreas de monocultivos de soja e outras com-modities, o consumo de agrotóxicos é maior.

Além do consumo de alimentos que foram expostos a agro-tóxicos, a que riscos as pessoas que vivem em regiões de altos índices de aplicação desses defensivos estão submetidas?

Estão submetidas a problemas de saúde devido à exposi-ção direta aos agrotóxicos, devido à contaminação da água para consumo, do ar que respiram e do solo. Ainda sofrem as ameaças da pulverização aérea, como os milhares de casos pelo Brasil de populações que são banhadas diariamente por venenos, principalmente pelo desrespeito às medidas legais quanto aos limites desta pulverização tanto aérea quanto terrestre no entorno dessas comunidades.

A este contingente de populações expostas a agrotóxicos cobramos atenção especial dos serviços de saúde como forma de promoção da vida e sobrevivência destas pessoas. Por isso uma das bandeiras de luta da Campanha tem sido a criação de áreas livres de agrotóxicos e transgênicos.

O que é possível fazer para frear esse uso tão grande de agrotóxicos? Quais as alternativas junto às plantações para o controle de pragas?

Analisemos a história da agricultura no mundo, com registros de 12 mil anos atrás. Já a história dos agrotóxicos tem registros de pouco mais de 50 anos. Ou seja, desde muito tempo é possível produzir sem usar agrotóxicos. São crescentes os investimentos em países da União Europeia, Japão, Índia, em práticas e técnicas de produção de não uso de agrotóxicos.

O Brasil é um país atrasado consi-derando que ainda utiliza na agricul-tura um arsenal de produtos químicos provenientes da guerra. Nosso país precisa urgentemente rever o modelo de produção quem vem adotando, centrado no agronegócio. Esse modelo concentra a terra, cria áreas de monocultivos e deser-tos verdes, adota pacotes tecnológicos (adubos químicos, sementes híbridas e transgênicas e agrotóxicos) ofertados pelas indústrias químicas.

É preciso implementar o Plano Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA), vinculado à Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, construído em 2014. Essa legislação prevê ações no campo da pesquisa de tecnologias sustentáveis de produção, crédito para o fortalecimento da agricultura de base agroecológica responsável pela produção de alimentos, investimentos em assistência técnica e extensão rural agroecológica aos agricultores, retirada imediata dos agrotóxicos já banidos em outros países e que são utilizados livremente no Brasil e fim do subsídio fiscal aos agrotóxicos. Além disso, adoção de práticas de menor impacto, como o controle biológico de pragas e o manejo integrado; adoção de práticas agroecológicas de produção, que permitem a seleção natural das culturas, e variedades crioulas com maior resistência à incidência de insetos e doenças e que permitam a diversificação da produção e oferta de alimentos com base nos princípios da segurança alimentar e nutricional.

ECO 21 J A N E I R O 2 0 1 5 29

| agrotóxicos |

Uma das bandeiras da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida é o fim da prática de pulverização aérea das lavouras. Por quê?

A pulverização aérea de agrotóxicos é uma prática ameaça-dora à vida. Diversos estudos científicos e casos de intoxicação humana e contaminação ambiental têm reiterado que não existem condições seguras para pulverização aérea. Além de tratar-se de uma técnica atrasada em termos de eficiência de aplicação, requer que sejam pulverizadas grandes quantidades de veneno para se atingir a quantidade desejada do ponto de vista agronômico, por conta das elevadas perdas. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) mostraram que o percentual de perda pode chegar a mais de 80% em algumas culturas. Esse elevado percentual corro-bora o fato de que grande parte do que é pulverizado atinge outros alvos que não os desejados, podendo contaminar água, lençóis freáticos e ainda atingir diretamente pessoas e outros seres vivos.

Entre os casos de contaminação via pulverização aérea, temos o ocorrido em 2013 na Escola Municipal de São José do Pontal, localizada na região rural do município de Rio Verde, Goiás. Ali, essa prática resultou em diversos casos de intoxicação aguda de trabalhadores e de alunos de 9 a 16 anos. Nesse episódio, a pulverização teria sido feita sobre a lavoura de milho localizada a poucos metros da escola, não obedecendo aos limites mínimos de distância recomendados na legislação. O produto pulverizado, segundo a empresa de aviação agrícola, era o inseticida Engeo Pleno, fabricado pela multinacional Syngenta. Um de seus componentes é o tiametoxam, do grupo dos neonicotinoides, produto altamente tóxico para abelhas e que por isso havia sido proibido para uso por pulverização aérea pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA). No entanto, após pressão do Minis-tério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a proibição foi suspensa.

Qual sua avaliação sobre a legislação brasileira no que diz respeito à liberação e uso de agrotóxicos? Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou a iniciativa para propor o banimento dos agrotóxicos Forato e Parationa Metílica. Como avalia essa iniciativa e quais as implicações desses agrotóxicos?

O problema em geral não está na Lei 7802/89, que define a Legislação dos Agrotóxicos no Brasil, e sim no não cum-primento da mesma. Quanto ao registro de agrotóxicos, a lei estabelece a proibição para os quais o Brasil não disponha de métodos para desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública, para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil. Ainda proíbe registro aos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica, que provoquem dis-túrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica. Não permite registro de agrotóxicos que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório com animais tenham demonstrado, segundo critérios técnicos e científicos atualizados e também cujas características causem danos ao meio ambiente.

O risco maior está nas inúmeras tentativas de flexibili-zação da Lei por parte da bancada ruralista, cujo propósito é defender os interesses das indústrias químicas e assim liberar o registro de mais agrotóxicos no mercado. O efeito danoso dos agrotóxicos é reconhecido e estabelecido em lei. A ANVISA é o órgão responsável no âmbito do Ministério da Saúde pela avaliação da toxicidade dos agrotóxicos e seus impactos à saúde humana; emite o parecer toxicológico favo-rável ou desfavorável à concessão do registro pelo Ministério da Agricultura.

Quais os pontos mais urgentes em que a legislação precisa avançar ou ser revista?

A legislação brasileira, apesar de conter normas de restrição ao registro de agrotóxicos, não estipula tempo para reava-liação dos agrotóxicos. Acaba ficando a critério dos órgãos responsáveis pelo registro solicitarem a mesma. No Brasil, a validade do registro do produto é de tempo indeterminado, ao contrário de países como Estados Unidos, onde o registro tem validade por 15 anos. Na União Europeia são 10 anos, no Japão três anos e no Uruguai quatro anos. Apesar de a Lei atribuir responsabilidades quanto ao monitoramento e fiscalização, o cenário é de uma capacidade reduzida dos órgãos de saúde e de meio ambiente. Isso ocorre nas três esferas de governo, no que diz respeito ao desenvolvimento de serviços de monitoramento e controle de agrotóxicos.

Um dos herbicidas mais usados e conhecidos no Brasil e no mundo é o glifosato, chamado “mata mato”. Como acaba com praticamente todas as ervas daninhas, além da aplicação em zona rural, há municípios que usam em áreas urbanas, fazendo o que algumas pessoas chamam de “capina química”. Quais são os problemas para o meio ambiente, seja no campo ou na cidade, que o uso indiscriminado dessa substância pode causar?

“Mata mato” é um dos nomes comerciais do herbicida glifosato. Possui uma ação sistêmica, ou seja, ao ser aplicado nas folhas das plantas é translocado até as raízes e é não sele-tivo. Mata todo tipo de plantas, exceto as transgênicas que apresentam resistência a este princípio ativo. Dentre os riscos ao meio ambiente estão a contaminação do lençol freático e do solo, com a morte de microrganismos e consequente perda da fertilidade. E se tratando de capina química, há uma nota técnica da ANVISA de 2010 recomendando a proibição dessa prática em ambientes urbanos, devido à exposição da população ao risco de intoxicação, além de contaminar a fauna e a flora local.

E para a saúde de quem se expõe ao Glifosato?

Há estudos toxicológicos do Glifosato em diversos países e todos são unânimes nos resultados para efeitos tóxicos na saúde. Estes estudos revelam que a toxicidade do Glifosato provoca os seguintes efeitos: toxicidade subaguda (lesões em glândulas salivares), toxicidade crônica (inflamação gástrica), danos genéticos (em células sanguíneas humanas), transtornos reprodutivos (diminuição de espermatozoides e aumento da frequência de anomalias espermáticas) e carcinogênese (está comprovado o aumento da frequência de tumores hepáticos e de câncer de tireoide).

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Os sintomas de intoxicação incluem irritações na pele e nos olhos, náuseas e tonturas, edema pulmonar, queda da pressão sanguínea, alergias, dor abdominal, perda de líquido gastrointestinal, vômito, desmaios, destruição de glóbulos vermelhos no sangue e danos no sistema renal. O herbicida ainda pode continuar presente em alimentos num período de até dois anos após o contato com o produto. Em solos pode estar presente por mais de três anos, dependendo do tipo de solo e clima. Apesar da classificação toxicológica que recebe no Brasil, o produto é considerado um biocida. Tanto que já foi banido de países como a Noruega, Suécia e Dinamarca.

Qual o papel de órgãos, como Ministério Público, na discussão e no combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?

A atuação do Ministério Público é fundamental diante do contexto e cenário que o Brasil se encontra, de ineficiência de aplicação da lei e da omissão dos órgãos de monitoramento e fiscalização. O Ministério Público do Trabalho lançou em 2009 o Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos. Criado para funcionar como instrumento de controle social, o Fórum Nacional conta com a participação de organizações governamentais e não governamentais, sindicatos, universida-des e movimentos sociais, além do Ministério Público. Além do Fórum Nacional, foram sendo criados os fóruns estaduais de combate aos impactos dos agrotóxicos com o mesmo objetivo. A Campanha participa do Fórum Nacional e dos estaduais, com objetivo de levantar elementos e embasar o Ministério Público em ações que visem à redução do uso de agrotóxicos e promoção da agroecologia.

A Campanha contra os Agrotóxicos já destacou que 2015 será um ano em que se desenvolverão diversas políticas nacionais de agroecologia e produção orgânica. Que políticas são essas?

Em Agosto de 2012, a presidenta Dilma Rousseff instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), por meio do Decreto Nº 7.794, de 20-08-2012, resultado de intensos diálogos e reivindicações dos movi-mentos sociais. A partir de então, governo e sociedade civil se debruçaram na tarefa de construção de um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO).

No campo produtivo, o Plano propõe mecanismos capa-zes de atender à demanda por tecnologias ambientalmente apropriadas, compatíveis com os distintos sistemas culturais e com as dimensões econômicas, sociais, políticas e éticas no campo do desenvolvimento agrícola e rural. Ao mesmo tempo, apresenta alternativas que buscam assegurar melhores condições de saúde e de qualidade de vida para a população rural. Assim foi criado, no âmbito da PNAPO, o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (PRONARA). É construído numa parceria da Campanha com diversos ministérios e órgãos subordinados, além de outros movimentos sociais. O PRONARA contém 35 iniciativas que, se levadas a cabo, melhorariam drasticamente as condições de saúde do povo brasileiro em relação aos agrotóxicos. A lógica do PRONARA se desenvolve como base em iniciativas estrutu-radas de forma articulada, cobrindo seis dimensões: registro; controle, monitoramento e responsabilização da cadeia pro-dutiva; medidas econômicas e financeiras; desenvolvimento de alternativas; informação, participação e controle social; e formação e capacitação.

O prazo de três anos para execução desta primeira edição do Plano Nacional de Agroecologia vincula suas iniciativas às ações orçamentárias já aprovadas no Plano Plurianual de 2012 a 2015. Trata-se, portanto, de um forte compromisso para trazer a agroecologia, seus princípios e práticas, não só para dentro das unidades produtivas, como para as próprias instituições do Estado, influenciando a agenda produtiva e de pesquisa e os mais diferentes órgãos gestores de políticas públicas. Em síntese, um grande avanço da sociedade bra-sileira na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável.

O que mais deve pautar a luta do movimento em 2015?

Já avaliamos que 2015 será um ano de grandes desafios e lutas intensas, a começar pelo cenário sombrio da nomeação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura. Ela tem sido até agora uma representante atuante da bancada rura-lista no Congresso e defensora dos interesses do agribusiness brasileiro. Também queremos garantir mobilização social articulada e contrária às iniciativas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIO) para a não liberação de mais variedades transgênicas. Hoje, a Campanha tem mais de 100 organizações e movimentos sociais atuando de ponta a ponta do país. A meta para 2015 é ampliar e forta-lecer nosso diálogo com a sociedade, alertando para o risco que os agrotóxicos representam, reforçando a necessidade e urgência da efetivação de políticas públicas de promoção da agroecologia, solução para a produção de alimentos saudáveis a todos os brasileiros.

Temos, ainda, nossa agenda de luta, onde são organizadas as ações massivas da Campanha: 7 de Abril – Dia Mundial da Saúde e o aniversário de quatro anos da Campanha, 16 de outubro – Dia Mundial da Alimentação Saudável e 3 de Dezembro – Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos. 2015 será um ano das Conferências Nacionais, a exemplo da Conferência Nacional de Saúde e a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. São espaços onde estaremos reforçando a necessidade do controle social e da importância da efetivação das políticas públicas de promoção da agroecologia e do não uso de agrotóxicos.

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A partir do ano 2025 metade das crianças nas-cidas nos EUA será diagnosticada com autismo, segundo a especialista Stephanie Seneff, pesqui-sadora sênior do Computer Science and Artifi-cial Intelligence Laboratory no mundialmente respeitado, Massachusetts Institute of Technology (MIT). A Dra Seneff, assim como muitos outros cientistas, afirma que o autismo não é um distúrbio neurológico apenas genético – é praticamente certo que ocorra devido a fatores ambientais. Dois desses fatores estão relacionados à exposição ao RoundUp (gli-fosato) da Monsanto e a um coquetel de metais pesados, incluindo o alumínio.

A Dra. Seneff só não é respeitada pela indústria farma-cêutica e pela agricultura industrial. Ela é uma cientista da computação que fez a transição para a biologia e toxicologia, por isso as pessoas gostam de atacar a sua qualificação. Mas, o que Stephanie Seneff descobriu é a chave dos pro-blemas gerados pelo glifosato que muitos pesquisadores dessa área têm sido negligentes em divulgar.

Ela estudou o autismo e os fatores ambientais que provocam a doença por mais de 7 anos. Falta de exposição solar, uma dieta empobrecida, vacinas (especialmente as que contêm alumínio e mercúrio), assim como toxinas do glifosato originárias do RoundUp são os elementos que estão disparando as taxas de autismo. Ela explicou isso numa palestra realizada recentemente na ONG Autism One especializada em auxiliar os parentes das crianças autistas.

Cientista do MIT relaciona glifosato ao autismo

Christina Sarich | Escritora do portal Natural Society

Alumínio e Glifosato

Alumínio e glifosato, especificamente, interrom-pem o funcionamento da glândula pineal (sulfato de melatonina), levando a altos níveis de autismo. Ela destaca esse fato indicando com precisão e detalhes em sua pesquisa (disponível no site: http://people.csail.mit.edu/seneff/). Além disso, glifosato e manganês formam um complexo, um

quelato. Seneff acredita que apenas a carência da quantidade apropriada de manganês pode

ajudar a causar autismo. O glifosato também promove a

absorção de alumínio nos nos-sos tecidos e interrompe um caminho importante da absorção dos ami-noácidos, a chamada rota do ácido xiquímico (mais conhecido como

xiquimato), no sistema gastro-intestinal.

“O glifosato trabalha interrompendo a rota do xiquimato, uma função metabólica das plantas que as permite criar aminoácidos essenciais. Quando essa rota é interrompida, as plantas morrem. As células humanas não tem uma rota do xiquimato; por isso, cientistas e

pesquisadores acreditaram que a exposição ao glifosato fosse inofensiva”.

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Na verdade, a demanda industrial não corresponde à ciência em relação ao RoundUp. Ele é usado por ser considerado um dos mais “seguros” herbicidas. Esse produto é vendido pela Monsanto e pela indústria química, mas na verdade o RoundUp é um dos agrotóxicos mais perigosos do mercado.

Cientistas cometeram erros sobre uma rota do xiquimato humana, confiando que algumas funções do corpo poderiam eliminar venenos como o RoundUp e outros agrotóxicos. Seneff diz: “O problema é que algumas bactérias tem uma rota do xiquimato e nós temos milhões de bactérias boas nos nossos intestinos – nossa ‘flora intestinal’; elas são essenciais à saúde. O intestino não é só responsável pela digestão, mas também pelo sistema imunológico. Quando o glifosato entra no corpo, destrói o intestino e, consequentemente, o sistema imunológico. Os efeitos são nefastos. As pessoas não percebem quando comem algo com glifosato, mas, aos poucos, o ser humano entra num estado de velhice antes do que deveria”.

Apesar das descobertas da cientista ainda estarem em processo de investigação, há famílias com crianças autistas que optaram por mudar sua dieta eliminando todos os agro-tóxicos e a maior quantidade de neurotoxinas possível, tendo uma alimentação orgânica. Eles experimentaram resultados incríveis, observando melhorias nos padrões de fala das crianças, habilidades cognitivas e sociais, isso em semanas e não em anos. Esses resultados revelam muitas evidências circunstanciais e dão respaldo às reivindicações de Seneff.

O índice do aumento de doenças como o autismo (Parkin-son, Alzheimer, etc.) era desconhecido há 50 anos. Não se pode dizer que isso se deve à “melhor divulgação e diagnóstico”. Nos últimos 5 anos os índices de autismo aumentaram de 1/150 para 1/50. Está relacionado com o ambiente, não é genética.

Quando se detecta que os níveis de glifosato encontrados no leite materno são 10 vezes mais elevados do que o permitido na água potável europeia e que em 18 países foi encontrado glifosato no sangue das pessoas, deve-se questionar o cres-cimento do autismo através de outra perspectiva, sem ser a genética e ligar os pontos. Isto leva a perceber o glifosato como um composto sinérgico que trabalha com outros casos de autismo, como as vacinas, mesmo sendo controverso.

“Normalmente o corpo funciona muito bem expelindo o alumínio. O intestino absorverá muito pouco do que está na dieta, considerando que a pessoa tenha um intestino saudável. O glifosato produz um leaky gut [síndrome de intestino per-meável] e isso ajuda a absorver o alumínio. O que eu acredito agora é que o alumínio nas vacinas é muito mais tóxico como uma consequência do glifosato que também está no sangue. Os dois são sinérgicos porque o glifosato forma um invólucro em torno do alumínio e o impede de ser expelido. O alumínio termina se acumulando, ficando preso ao glifosato, depois vai parar na glândula pineal, no centro do cérebro, alterando o sono e causando uma série de problemas em cadeia. O glifosato e o alumínio trabalham sendo muito mais tóxicos juntos do que poderiam ser agindo sozinhos”, esclareceu a Dra Stephanie Seneff.

Os agrotóxicos RoundUp são os mais usados em numerosas cidades densamente habitadas, como Nova York; não são usados apenas nas fazendas norte-americanas. Em apenas 10 anos o consumo do RoundUp nas fazendas dos EUA cresceu mais de 80%. Atualmente mais de 80.000 toneladas são usadas no milho transgênico, soja e outros cultivos. Estamos sendo envenenados pelo mercado. Isso não é mais o agronegócio contra as massas, parece mesmo puro genocídio.

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Tel.: (21) 98877 4778

A luta contra a fome e a pobreza estão entre os principais temas tratados na III Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC)

Durante sua participação na reunião de Ministros de Relações Exteriores, no âmbito da III Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe, José Graziano da Silva, Diretor Geral da FAO, apresentou o “Plano para a Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome 2025” da CELAC. “Esta proposta é uma ferramenta para ajudar os países da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC) a elaborar planos nacionais para transformar em realidade o compromisso já assumido de erradicar a fome e a pobreza extrema na região”, disse Graziano da Silva.

O plano, desenvolvido pela FAO com o apoio da Associa-ção Latino-Americana de Integração (ALADI) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), por solicitação da II Cúpula da CELAC, se baseia em quatro pilares que abordam as temáticas de: 1) Coordenação de estratégias nacional e regional, com enfoque de gênero. 2)Acesso oportuno e sustentável a alimentos inócuos e nutri-tivos. 3) Ampliação dos programas de alimentação escolar priorizando uma atenção a todas as formas de má nutrição, desde a subalimentação até a obesidade. 4) Estabilidade na produção e o enfrentamento oportuno aos problemas apre-sentados com as mudanças climáticas.

María Santacreu | Jornalista Escritório Regional da FAO para América Latina e Caribe

Plano da FAO contra a fome na América Latina e Caribe

O plano sistematiza as experiências de sucesso da região para facilitar sua aplicação em outras regiões do mundo e identifica os potenciais vínculos entre as diferentes áreas que possam gerar círculos virtuosos de desenvolvimento. Um exem-plo é a vinculação da agricultura familiar com a alimentação escolar, bem como o uso dos programas de transferência de renda para que as comunidades rurais possam se beneficiar graças ao incremento da produção local.

De acordo com a FAO, a América Latina e o Caribe é a região do mundo que já alcançou a meta do Primeiro Obje-tivo de Desenvolvimento do Milênio de reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofrem com a fome até o ano de 2015. A região também está muito próxima de conquistar o objetivo da Cúpula Mundial da Alimentação de reduzir pela metade o número total de pessoas subalimentadas.

Raul Benítez, Representante da FAO para a América Latina e o Caribe, destacou que “o que diferencia a América Latina e o Caribe é o nível de compromisso político que existe com a segurança alimentar, que é manifestado por meio de várias estratégias e políticas públicas focalizadas nas populações vulneráveis”. Benitez lembrou que a região foi a pioneira em sua proposta de erradicar a fome antes de 2025, formando a Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome (IALCSH, sigla em espanhol), um compromisso político assumido por todos os países da região em 2005.

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| segurança alimentar |

Quando se questiona o uso da energia nuclear, na matriz energética brasileira, o primeiro argumento de quem a defende é de que só ela pode oferecer energia sem interrupção. E que já nisso ela é superior à hidráu-lica, porque a água que move as turbinas pode faltar. E à solar – que não produz eletricidade à noite – ou à eólica – que deixa de produzi-la quando o vento para. Além disso, por que prescindir da energia nuclear, se a demanda de energia elétrica, num país em desenvolvimento, é crescente, e isto nos obriga a utilizar todas as opções, ainda mais quando as “alternativas” que, embora existam, produzem energia ainda muito cara?

Se estes argumentos não nos convencem, nos lembram imediatamente as vantagens econômicas comparativas da energia nuclear. E que ela é a que menos interfere nas condi-ções de vida da população e no meio ambiente. Não se está aventando que pode ser solução até para o aquecimento global? E mais: ela é a mais limpa. Uma afirmação final encerra a discussão: ela é também a mais segura!

Não podemos, então, nos darmos por vencidos, até porque tais discussões exigem conhecimentos de que nem sempre dispomos. Na verdade, há uma enorme distância entre o que sabemos – os comuns dos mortais – de física, química, engenharia, economia, e os conhecimentos exigidos para se falar com um mínimo de propriedade do uso da energia atô-mica para produzir eletricidade. O tema é para especialistas, como se diz. Quem não o conhece e ousa abordar a questão corre o risco de ser logo desqualificado. E quando o somos ficamos inibidos e inseguros até para nos exprimirmos. De fato, temos que nos recolher à nossa ignorância.

Mas, apesar disso, conseguimos facilmente perceber que tudo que acontece com usinas nucleares é envolto em mis-tério e segredo, e a informação a respeito logo desaparece. É certo que estamos permanentemente imersos num mar de informações sempre renovadas, substituídas por outras mais espetaculares. Mas parece que há coisas que não deveríamos ter sabido. Por quê?

E ainda uma grande dúvida continuará nos alfinetando: se essa fonte de energia é assim tão boa, porque em alguns países – como a Alemanha, a Bélgica, a Suíça – seus governos decidiram abandoná-la? Porque em outros – como a França e o Japão – há grandes movimentos sociais que lutam para que seus países “saiam” do nuclear? O que explica essa oposição a usinas nucleares?

Chico Whitaker | Membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial

O Brasil deve eliminar a opção da energia nuclear

Para nossa sorte – dos “comuns mortais” – um número crescente de “especialistas” e de “não-especialistas”, mundo afora (mais em outros países do que no Brasil), está contando coisas que nos ajudam a superar nossas dúvidas e a começar a compreender o que se passa de fato com tais usinas.

Quanto ao segredo e mistério no tratamento do tema, encontramos uma série de respostas. A primeira delas surge quando ficamos conhecendo a origem da tecnologia das usinas nucleares. A pesquisa sobre a possibilidade de desintegrar átomos, em que se baseia o seu funcionamento, atendeu ini-cialmente a um objetivo militar, na Segunda Grande Guerra. O que se queria era construir a bomba atômica – que usa a enorme energia que resulta de desintegrações encadeadas de átomos. Era a busca da “arma definitiva”, cujo poder destruidor foi constatado pela primeira vez no genocídio ainda impune de Hiroshima (com átomos de urânio) e em Nagasaki (com átomos de plutônio, um elemento artificial que resulta da desintegração do urânio). O segredo é essencial na cultura de guerra.

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Chico Whitaker

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| energia nuclear |

As bombas tinham sido construídas secretamente, antes que algum “inimigo”, existente ou futuro, as fizesse. Esse mesmo segredo se impôs em seguida, como não podia deixar de acontecer, na corrida armamentista da Guerra Fria, em que um número maior de nações buscava construir suas próprias bombas, como arma de dissuasão.

A partir daí, o segredo passou a ser usado quase que “naturalmente” em tudo que se referisse à pesquisa atômica, até chegar ao desenvolvimento da tecnologia das usinas, que emergiu do Programa Átomos para a Paz. Com esta tecnologia, se conseguiu controlar a desintegração de átomos de urânio, interrompendo-a no momento desejado.

E ela passou a servir para o bom “negócio” da construção de reatores nucleares, de altos investimentos e altos lucros, interessando a grandes multinacionais. Surgiu, então, outra razão para se manter o segredo: ele é a “alma do negócio”, na atmosfera competitiva da economia capitalista (por isso a espionagem industrial é nela usada sistematicamente, sem maiores preocupações senão a de evitar que seja descoberta). E como usinas e equipamentos nucleares são de alto valor agregado, os governos protegem suas empresas exportadoras, para o bem de seus balanços de pagamentos...

Mas ao se ouvir o discurso sobre o “uso pacífico” da energia nuclear, surge outra dúvida. O que se diz é que esse uso, diferentemente daquele feito com objetivos militares, beneficia enormemente as populações, mesmo quando entra na categoria do “negócio”: na medicina, com a luz que chega às casas e às ruas, com a eletricidade nos hospitais, nas indús-trias, nos meios de transporte.

Não se deveria então disseminar ao máximo os conheci-mentos sobre reatores nucleares?

Não deveria a ONU estimular os governos a ampliar a cooperação internacional, e mesmo a participação social no desenvolvimento dessa tecnologia? Sabemos que perspectivas humanitárias nem sempre conseguem apoio. Mas, ocorre que o problema não é esse. O que leva a manter o segredo a qual-quer custo é uma razão de outra natureza. Contrariamente a um dos argumentos usados para defender as usinas nucleares (que são o modo mais seguro de se produzir eletricidade), elas têm um terrível calcanhar de Aquiles, que é exatamente sua insegurança. O segredo é necessário porque ficaremos muito inquietos ao começarmos a descobrir os riscos que se escondem por detrás das belas aparências das usinas.

E se ficarmos conhecendo mais em detalhe como e por que acontecem os acidentes nas usinas, sentiremos uma certa angústia e, logo depois, passaremos ao pânico. O que decretará o fim do “negócio”. Na verdade, as usinas nucleares são extre-mamente perigosas. Sua segurança é um dos grandes mitos inventados para construir sempre mais usinas. E os “acidentes severos” – como os técnicos os chamam, cuidadosamente – são verdadeiras “catástrofes sociais”. Os “especialistas” e “não especialistas” que estão passando essa informação são de países que já foram vitimados por elas ou estão bastante ameaçados de o serem, como a Ucrânia, o Japão, a França.

A complexidade do funcionamento e operação das usinas cria a possibilidade de uma combinação de falhas: de pro-jeto, de materiais e aparelhagens e de erros humanos. São as “falhas múltiplas” (como são chamadas, no jargão técnico que esconde seu completo significado). E isto independentemente da eventual interferência de fatores externos – como o terre-moto e o tsunami no Japão e possíveis atentados terroristas nos dias de hoje.

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Usinas nucleares de Angra: I, II e III

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| energia nuclear |

As falhas múltiplas podem levar os operadores a não mais conseguirem interromper as desintegrações em cadeia, o que eleva a altos níveis a temperatura do reator, que chega a fundir. As consequências são, portanto, muito mais violentas que as de qualquer outro acidente com obra humana ou pela ação da natureza.

Fenômenos químicos fora do controle levam as usinas a explodirem. E com sua explosão é espalhada uma quantidade incomensurável de partículas de elementos radioativos, que foram produzidos com a desintegração de átomos com que funcionavam, e que contaminarão a terra, a água, o ar, as plan-tas, os animais, as coisas, e sempre milhares de pessoas.

Ainda quando os reatores se encontrem dentro de soli-díssimos edifícios de contenção das partículas, em caso de explosão, sua massa fundida perfurará a base em que tiverem sido instalados, por mais espessa que seja, até chegar ao lençol freático1. Por isso, os acidentes em que o reator não chega a se fundir – que se multiplicam ao longo do tempo de vida das usinas – são pouco noticiados. E são minimizadas as consequências dos acidentes em que houve tal fusão e que já não podem ser escondidos2. Usa-se para isso até mesmo a autoridade científica da Organização Mundial da Saúde, na divulgação de dados menos dramáticos sobre os efeitos dos acidentes3.

Mas o problema das usinas, que leva tantos se oporem a elas, não é somente o do risco de acidentes. Se continuarmos semeando usinas nucleares pelo mundo afora, não estaremos somente transformando nosso Planeta numa casa de horro-res, cujos moradores poderão, de um momento para outro, viver os infindáveis sofrimentos causados por imprevisíveis catástrofes. Pode-se dizer que elas não passam de hipóteses, de baixa probabilidade4. Mas algo de muito concreto já está se passando desde que a primeira usina nuclear do mundo começou a funcionar: nós mesmos e muitas futuras gerações teremos que manter guardados, inacessíveis aos seres huma-nos, o “lixo atômico”5 de alta radioatividade, formado pelos produtos da desintegração do urânio nos reatores e pelos restos radioativos das usinas que terão de ser desmontadas após seu tempo previsto de vida.

E simplesmente mantendo o funcionamento das usinas que já construímos, a cada dia que passa mais “lixo radioa-tivo” se acumulará. Também chamado eufemisticamente de “rejeito radioativo”; tal “lixo” não serve senão para irradiar e contaminar – e, no caso do plutônio, para fabricar bombas. E só deixará de emitir radiações depois de séculos e mesmo muitos milhares de anos6.

Um detalhe importante a lembrar: os elementos radioati-vos contidos nesse “lixo” são artificiais, isto é, eles só existem no nosso Planeta porque seres humanos constroem reatores que os fabricam. Ou seja, são obra humana, talvez com um pequeno apoio do Diabo. Tudo isto nos permite entender porque alguns poucos físicos brasileiros, mais ferinos, não chamam seus colegas pró-nucleares de nucleocratas, mas sim de nucleopatas.

E nos permite entender também porque nem cabe dis-cutir alternativas para tomar o lugar da energia nuclear na matriz energética – uma questão que sempre se levanta. Essas alternativas já existem e estão sendo desenvolvidas em muitos países, para que seu custo não as inviabilize.

Na mesma perspectiva, não cabe também discutir se “a emenda é pior que o soneto”: os países que “saem” do nuclear – como a Alemanha – passam a usar mais carvão e petróleo como fontes energéticas, com seus conhecidos efeitos no aque-cimento global, até que outras fontes ocupem o espaço. São opções de natureza diferente, cada uma com seu “preço social”. A “saída” do nuclear não precisa ser “compensada” de alguma maneira. O nuclear é uma escolha “proibida” em si7.

Mas não podemos entrar em pânico. Temos de passar da angústia à indignação8, frente à irresponsabilidade (ou, no mínimo, a inconsciência) com que as “autoridades constitu-ídas” tratam dessas questões. E temos urgência em passar da indignação à ação, na luta contra a insanidade9.

Terão as “autoridades” brasileiras, um dia, a coragem de tomar a decisão de eliminar da nossa matriz energética a opção da energia nuclear, antes que seja tarde demais?

Precisarão, tristemente, do argumento dos fatos? Conseguirá a nossa sociedade, apesar de tudo isso lhe

parecer tão longínquo, pressionar as atuais “autoridades” a assumirem sua responsabilidade, em vez de deixar que as coisas aconteçam?

1) A contaminação da água usada para resfriar o reator fundido, sua passagem para o lençol freático e para Pacífico é o maior problema enfrentado até hoje no Japão, depois de Fukushima.2) A denúncia de que algo grave teria ocorrido em Chernobyl, na então União Soviética, em 1986, foi feita quando uma quantidade anormal de partículas radioativas foi detectada nos céus de Estocolmo, alguns dias depois de ter ocorrido o acidente. Mas antes já tinha ocorrido outro acidente igualmente grave na União Soviética, em 1957, nos inícios da corrida armamentista da Guerra Fria, com reatores destinados à produção de plutônio para bombas atômicas. Esse acidente ficou, no entanto, desconhecido do mundo durante 20 anos. Só se soube dele pelo relato feito em Londres por cientistas dissidentes que deixaram seu país.3) A OMS é uma agência da ONU que não pode, por convênio, divulgar dados sem uma revisão de outro organismo da ONU, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), criada para promover o uso dessa energia.4) Para fundamentar a baixa probabilidade, os defensores das usinas lembram que houve até hoje, além do citado na nota anterior, somente três “acidentes severos”: em Three Miles Island, em Chernobyl e em Fukushima. Mas não se conta que em acidentes sem a fusão do reator há múltiplas possibilidades de vazamento de radioatividade, em proporções menores, assim como há o transporte ininterrupto de elementos radiativos, como o urânio usado como combustível e o “lixo atômico”, que são uma ameaça permanente de acidentes com tais vazamentos.5) A existência desse “lixo” desmonta por si só o outro mito inventado sobre a energia nuclear: o de que é a mais limpa...6) O plutônio, exatamente, leva 24.100 anos para que a metade de sua massa deixe de ser radioativa. É a chamada “meia vida”, outro eufemismo usado para dourar a pílula...7) Esse é o título da obra La verité sur le nucléaire – le choix interdit (“A verdade sobre o nuclear – a escolha proibida”), de Corinne Lepage, 2011.8) No Japão a população afetada pelo acidente de Fukushima já não está apenas indignada, ela sente propriamente “raiva” dessas autoridades (ver “relato de viagem a Fukushima”, www.chicowhitaker.net/artigo.php?artigo=85). 9) Há muito que se pode fazer. Um mínimo, por exemplo, seria colher assinaturas na Iniciativa Popular de mudança da Constituição proibindo usinas nucleares no Brasil... Baixe os formulários para isso e veja informações e ações em curso no site www.xonuclear.net.

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Explosão da usina nuclear de Fukushima depois do tsunami

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| energia nuclear |

A história de nossa civilização está diretamente ligada às áreas úmidas, com impactos distintos conforme as regiões do Planeta. “Elas eram de interesse para caçadores e pescadores, porque ricas em animais. Além disso, serviram como refúgios para minorias populacionais humanas e, recentemente, para fugitivos políticos e criminosos”, afirma o professor Wolfgang J. Junk, graduado em Zoologia pela Universidade de Bonn e Doutor em Zoologia, Botânica, Química, Ciência, do Mar e Limnologia pela Universitat Kiel, ambas na Alemanha. Segundo Junk, todas as Áreas Úmidas são de alta importância, com o que seu manejo sustentável e proteção deveriam ter alta prioridade política em todos os países.

Áreas Úmidas (AUs), na definição elaborada por peritos brasileiros de todo o país, são ecossistemas que interagem em ambientes terrestres e aquáticos, continentais ou costeiros, naturais ou artificiais, permanente ou periodicamente inun-dados ou com solos encharcados. As águas podem ser doces, salobras ou salgadas, com comunidades de plantas e animais adaptados à sua dinâmica hídrica.

Convenção Ramsar

Em 2 de Fevereiro de 1971, na beira do Mar Cáspio, cidade iraniana de Ramsar, foi assinada a Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente enquanto hábitat de aves aquáticas, mais conhecida como Convenção de Ramsar.

Marcelo Carota | Jornalista do MMA

COP-12 da Convenção Ramsar será em Punta del Este

Trata-se de um tratado intergovernamental que estabelece marcos para ações fundamentadas no reconhecimento, pelos países signatários, da importância ecológica e do valor social, econômico, cultural, científico e recreativo de tais áreas. A Convenção entrou em vigor em 21 de Dezembro de 1975. Em Novembro de 1980 foi realizada a primeira Conferência das Partes na cidade de Cagliari, na Itália e em Junho deste ano, será realizada a COP-12 em Punta del Este, Uruguai.

Em 1997, o Comitê Permanente da Convenção de Ramsar instituiu o dia 2 de Fevereiro como “Dia Mundial das Áreas Úmidas” (World Wetlands Day), para estimular governos, organizações da sociedade civil e grupos de cidadãos à rea-lização de ações que chamem a atenção da sociedade para a importância das áreas úmidas, sua proteção e para os bene-fícios que o cumprimento dos objetivos da Convenção pode proporcionar. Até hoje, a Convenção contabiliza 168 países-membros com 2.186 sítios criados abrangendo 208.674.247 hectares em todo mundo.

A cada ano, o secretariado da Convenção sugere um tema para as ações desenvolvidas pelos países membros da Convenção de Ramsar. Este ano, o tema é “Áreas Úmidas para o nosso futuro: Juventude”, pelo interesse e engajamento do público jovem com o tema, do qual é grande difusor nas mais diversas plataformas de comunicação. Em 2 de Fevereiro próximo, a Convenção de Ramsar lançará o Concurso de Fotos para Juventude sobre as Áreas Úmidas, com data de fechamento em 2 de Março deste ano.

SÍTIOS RAMSAR NO BRASIL ESTADO HECTARES RECONHECIDO

Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense MT 135.000 24/05/1993

Parque Nacional da Lagoa do Peixe RS 34.400 24/05/1993

Parque Nacional do Araguaia - Ilha do Bananal TO 562.312 04/10/1993

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá AM 1.124.000 04/10/1993

APA das Reentrâncias Maranhenses MA 2.680.911 30/11/1993

APA da Baixada Maranhense MA 1.775.036 29/02/2000

Parque Estadual Marinho do Parcel do Manoel Luís MA 34.556 29/02/2000

RPPN SESC Pantanal MT 87.871 06/12/2002

RPPN Fazenda Rio Negro MS 7.000 22/05/2009

Parque Nacional Marinho dos Abrolhos BA 91.300 02/02/2010

Parque Estadual do Rio Doce MG 35.973 15/03/2010

Parque Nacional do Cabo Orange AP 657.318 02/02/2013

SUPERFÍCIE TOTAL 7.225.687

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| convenção ramsar |

Para aderir ao Tratado, cada país deve apresentar um pedido junto à UNESCO, que opera como depositária da Convenção, e designar ao menos uma área úmida de seu território para ser reconhecida como Sítio Ramsar a ser incluído na Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional, principal instrumento da Convenção. Ao todo, são classificados 42 diferentes tipos de zonas úmidas.

O Brasil assinou o tratado em Setembro de 1993, passando a ter acesso a benefícios como cooperação técnica e apoio financeiro para promover a utilização dos recursos naturais das áreas úmidas de forma sustentável, favorecendo a implantação de um modelo de desenvolvimento que proporcione quali-dade de vida aos seus habitantes. O país registra dois tipos de Áreas Úmidas: a) Costeiras, compostas por manguezais, campos alagáveis e praias; e, b) Interiores, que incluem veredas, várzeas amazônicas, igapós, campinarana e pantanal.

Desde a adesão brasileira, a Convenção Ramsar, classificou 12 zonas úmidas à Lista de Ramsar, tendo como diretriz para a indicação que tais áreas correspondam a UCs, favore-cendo a adoção das medidas necessárias à implementação dos compromissos assumidos pelo país perante a Convenção.

Cabo Orange, sítio Ramsar

O Parque Nacional Cabo Orange (PNCO) tornou-se o mais recente Sítio Ramsar brasileiro em Fevereiro de 2013, correspondendo à diretriz do governo brasileiro, cumprida desde sua adesão à Convenção de Ramsar, de indicar para a Lista deste tratado internacio-nal somente Áreas Úmidas que sejam Unidades de Conservação, assim favorecendo a adoção de medidas necessárias à implementação dos compromissos assumidos pelo país perante a Convenção.

O Parque Nacional do Cabo Orange localiza-se entre as cidades de Calçoene e Oiapoque, no extremo Norte do Amapá, a 450 km da capital Macapá. Tem como limites, ao Norte, a região fronteiriça à Guiana Francesa; ao Sul, a Área Quilombola de Cunani; ao Leste, o Oceano Atlântico; e, a Oeste, o Projeto de Assentamento de Vila Velha, bem como as Terras Indígenas Uaçá e Juminã, cujos nativos, por séculos, disputaram o território com portugueses, franceses, ingleses e holandeses. E foi um destes últimos que, em homenagem à realeza de seu país, batizou o acidente geográfico do extremo Norte brasileiro com o nome da cor que é a marca nacional da Holanda, resultando em Cabo Orange.

O Parque foi criado em 1980, pelo Decreto N° 84.913, e tem gestão do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conser-vação da Biodiversidade), instituição vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Foi a primeira Unidade de Conservação federal criada no Amapá, que tem 55% de seu território protegido por Parques, Reservas e Terras Indígenas.

Juntamente com os Parques Nacionais Montanhas do Tumucumaque, do Monte Roraima, do Pico da Neblina e da Serra do Divisor, O PNCO forma o conjunto de Parques Nacionais fronteiriços da Amazônia brasileira.

O Parque compreende uma área total de 657.318,06 hec-tares de bioma Marinho Costeiro. Desse total, a maior porção foi definida como Zona Primitiva (54,64%, com 358.760 hectares), seguida pelas Zonas de Uso Extensivo (20,82%, com 100.891 ha) e Zona de Ocupação Temporária (20,15%, com 119.366 ha). O restante da área total é composto zonas de Superposição Indígena, de Uso Conflitante, de Uso Especial e Zona Histórico-Cultural.

Das zonas predominantes, a Primitiva é aquela em que ocorreu pouca ou mínima alteração, contendo espécies da flora

e fauna ou fenômenos naturais de grande valor científico. As de Uso Extensivo são constitu-ídas, em sua maioria, por áreas naturais, podendo apresentar alterações humanas. Por fim, a de Ocupação Temporária envolve áreas onde ocorrem concentrações de populações humanas residentes e suas respectivas áreas de uso. Para estas e demais zonas, sempre integrado às comunidades do entorno, o Parque tem como objetivos basilares:

naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica;

úmidas costeiras, manguezais, florestas, manchas de cerrado amazônico e fauna associada;

ambiente natural com impacto humano mínimo;

pesquisas científicas e incentivar o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, bem como de turismo e de recreação em contato com a natureza.

O cumprimento de tais metas se reflete no excelente estado de conservação do PNCO, garantindo abrigo e fartura de alimentos para a preservação e reprodução de aves, répteis e mamíferos, muitos ameaçados de extinção pela destruição de seus ambientes naturais.

Dentre as espécies preservadas no Parque, o guará, o flamingo, a garça-branca-grande, a tartaruga-verde, a onça-pintada e a suçuarana, o gato-do-mato, veado-campeiro, lontra, tamanduá-bandeira, peixe-serra , tatu-canastra, peixe-boi marinho e peixe-boi da Amazônia.

As espécies vegetais mais comuns, de ecossistemas ama-zônicos com correntes do Oceano Atlântico, são manguezais, várzeas, campos inundáveis e limpos, mangues vermelho e amarelo. Já nos campos de planície, o capim-arroz, o buriti, o caimbé e o mururé. O parque também guarda uma flora diversificada, onde vicejam espécies como a siriúba, o periqui-teiro, o buriti, a andiroba e o açaí, além de árvores de grande porte, como a maçaranduba, acariquaras e quarubas.

Parque Nacional do Cabo Orange

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| convenção ramsar |

O aguardado Verão chegou. Junto a ele, suas famosas e tradicionais chuvas, às vezes tempestades. Um temporal em especial, na madrugada de 29/12, fez desse um dia histórico para São Paulo. O vendaval, com rajadas de até 96,3 km/h, teve como resultado a queda recorde de cerca de 300 árvores. Até o início de Janeiro caíram quase 2500 árvores. Os impactos foram tremendos.

Vários bairros tiveram o fornecimento de energia elétrica e água interrompi-dos, estruturas de edifica-ções foram danificadas e até o Parque Ibirapuera, ponto turístico e local de treinamento para atletas que estavam na cidade para participar da corrida de São Silvestre, teve de ser fechado para que árvores fossem removidas.

A rua em que moro, no bairro da Vila Mariana, foi uma das atingidas. Por lá, onde caíram duas árvores, a energia elétrica demorou em ser restabelecida. Os galhos e troncos foram podados, mas ficaram espalhados pela calçada por mais de uma semana antes de serem retirados, situação que se repetiu por toda a cidade. Em algumas regiões, os impactos foram ainda mais graves e bairros continuaram durante vários dias com o fornecimento de energia elétrica suspenso.

A situação pode parecer isolada, já que esses casos se intensificam durante o verão, mas o fato é que árvores caem em São Paulo durante todo o ano. Só em 2014, foram 2.252. No balanço final, com esse cenário de tragédias e destruição, as árvores que restam em São Paulo acabam associadas a riscos e problemas, quando o certo é que fossem sinônimo de qualidade de vida. E o motivo é um velho conhecido: a cidade, que nasceu e continua a crescer sem planejamento, nunca soube conviver com suas árvores.

Originalmente muito rica em vegetação, São Paulo apresen-tava extensas florestas de Mata Atlântica, araucárias, cerrados e várzeas. Durante o processo de urbanização, a vegetação ancestral foi eliminada. Em algumas regiões, hoje tidas como as mais arborizadas, essas árvores foram substituídas por espé-cies de origem estrangeira, motivação cultural que acarretou na extinção em massa da fauna e flora nativas. Hoje, 80% da vegetação urbana é composta por essas, chamadas também de “espécies exóticas”. O pouco que sobrou de vegetação nativa continua por aí, distribuída por pontos distintos da cidade, onde se destacam os bairros “Jardins”, como o Alto de Pinhei-ros e o Jardim América, resistindo ao tempo e adversidades como verdadeiras veteranas de guerra.

São Paulo ignora suas árvoresMarcia Hirota | Diretora-Executiva da Fundação SOS Mata Atlântica

Do que foi plantado nesse processo de substituição da vegetação, boa parte ocorreu há muito tempo, antes mesmo do loteamento de bairros ou da construção da atual rede de distribuição elétrica, formada por postes e emaranhado de fios. Assim, como é de se esperar, essas árvores continuam seu natural processo de desenvolvimento sem considerar se no seu

entorno há uma casa que pode ser prejudicada por suas raízes ou uma fiação elétrica que será danificada por seus galhos. Para com-pletar, não há na cidade o devido preparo para lidar com essa situação.

De acordo com dados da Prefeitura, divulgados na Folha de São Paulo em reportagem do dia 2 de Janeiro, há 55 equipes que trabalham na manutenção de árvores e 79 na manu-tenção de áreas verdes da cidade. Ainda segundo a reportagem, de Janeiro a Novembro de 2014, foram

realizadas mais de 95 mil podas, 13 mil remoções e 10,5 mil substituições com árvores novas, em atendimento a 66 mil solicitações registradas via Sistema de Atendimento ao Cidadão, que ocorrem pelo telefone 156 ou nas praças de atendimento das subprefeituras.

No caso das podas, é ainda necessária a avaliação da qualidade desse trabalho, já que se o procedimento for mal realizado, invés de resolver o problema, pode condenar a árvore a uma morte lenta. Importante lembrar que desde 2005, durante a então gestão de Eduardo Jorge na Secreta-ria do Verde e do Meio Ambiente, a cidade conta com um manual para orientar funcionários das subprefeituras e de concessionárias de serviços públicos nesse processo.

Dadas as proporções de São Paulo, e esse histórico de incidentes que se repete ano após ano, fica claro que os números citados têm sido insuficientes para atender às atuais necessidades. A prefeitura precisa investir e se equipar para cuidar da arborização urbana e áreas verdes da cidade. Meta essa que está longe de ser só de São Paulo e que deveria estar presente no planejamento de qualquer cidade do mundo.

Nossas cidades precisam de árvores. Do ponto de vista da biodiversidade regional, elas são importantes para o equilíbrio ambiental, com ocorrência de pequenas espécies, pássaros, insetos e microorganismos. Áreas com mais verde contribuem para a melhoria no microclima urbano, ajudando a reduzir a temperatura, ao proporcionar mais conforto térmico, e diminuir ruídos e a poluição, com melhoria da qualidade do ar. O meio ambiente urbano deve ser nossa prioridade.

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| árvores urbanas |

O que as atividades espa-ciais, hoje indispensáveis à vida no Planeta, podem fazer para deter e atrasar o “Relógio do Apocalipse” (Doomsday Clock)? Que relações se podem estabele-cer entre a exploração e o uso do espaço exterior e as advertências do relógio? Em 19 deste mês, esse indicador sui generis passou a marcar 23:57h, 3 minutos para a meia-noite – a hora da catás-trofe global capaz de extinguir a espécie humana que habita a Terra há milhares de anos. A decisão de adiantar o relógio em 2 min foi tomada após consultas a especialistas, inclusive 17 prêmios Nobel, entre os quais três famosos físicos, o britânico Stephen Hawking, o japonês pioneiro no estudo dos neutrinos Masatoshi Koshiba e o norte-americano Leon Lederman.

José Monserrat Filho | Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB)

O Relógio do Apocalipse e as atividades espaciais

A análise do Boletim dos Cientistas Atômicos, através de sua Diretoria de Ciência e Segurança, dirigida “aos líderes e cidadãos do mundo”, afirma, em síntese: “Em 2015, a mudança climática não checada, a modernização de armas nucleares globais e os exagerados arsenais de armas nucleares represen-tam ameaças extraordinárias e inegáveis à continuidade da existência da humanidade, e os líderes mundiais falharam ao não agir com a velocidade ou na escala necessárias para proteger os cidadãos da potencial catástrofe. Essas falhas de liderança política põem em perigo cada pessoa na Terra.”

O Relógio do Apocalipse, criado em 1947 para alertar contra o perigo das armas nucleares, foi iniciativa da Diretoria do Boletim dos Cientistas Atômicos, revista norte-americana fundada em 1945 por cientistas, engenheiros e técnicos da Universidade de Chicago, ex-participantes do Projeto Manhattan, que deu ao mundo a primeira bomba atômica – “essa relíquia histórica” que confirmou o pré-aviso de seus criadores ao ser lançada em Agosto de 1945 sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, matando mais de 100 mil pessoas já no primeiro dia dos dois bombardeios e mais outro tanto nos meses seguintes.

Em 1947, vale notar, começava a Guerra Fria entre Esta-dos Unidos e ex-União Soviética (URSS). Nestes 68 anos, o Relógio do Apocalipse foi reajustado apenas 22 vezes. Seu pior momento ocorreu em 1953, provocado pelos testes dos Estados Unidos e URSS com armas de hidrogênio, quando marcou 23,58h, ou seja, 2 min para a meia-noite. E o melhor momento deu-se em 1991, com a assinatura entre EUA e URSS, em 31 de Julho, do Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START I), que restringia o desenvolvimento de arsenais nucleares, quando marcou 23,43h, isto é, 17 minutos para a meia-noite.

De 1953 a 1960, o quadro melhorou graças ao aumento de cooperação científica entre as duas potências, ao entendimento público dos perigos das armas nucleares e às ações políticas destinadas a evitar a “retaliação maciça”, com Estados Unidos e União Soviética evitando o confronto direto em conflitos regionais, como no caso da Crise de Suez em 1956, e acertando não levar para o espaço exterior sua rivalidade na Terra.

E mais: o Ano Geofísico Internacional proclamado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (1 de Julho de 1957 a 31 de Dezembro de 1958) reuniu cerca de 60 mil pesquisadores de 66 países, inclusive Estados Unidos e União Soviética e seus aliados, para conhecer melhor e mais profundamente os fenômenos do Planeta. E surgiram as Conferências Pugwash sobre Ciência e Negócios Mundiais (Pugwash Conferences on Science and World Affairs) permitindo a interação entre cientistas norte-americanos e soviéticos. Tudo isso fez o relógio recuar e marcar sete para a meia-noite.

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José Monserrat Filho

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| análise |

Em Janeiro de 2007, porém, ele foi adiantado em 5 minutos, passando a indicar 5 para a meia-noite, em vista de duas calamidades em potencial: 1) as ameaças de 27 mil armas nucleares, duas mil delas prontas para serem lançadas em minutos; e 2) a destruição do hábitat dos seres humanos causada pela mudança climática. O relógio fatídico tornou-se referência universal reconhecida de possíveis catástrofes globais decorrentes do uso de armas nucleares, das mudanças climáticas e das novas tecnologias baseadas nas ciências da vida.

Neste 19 de Janeiro, adiantado em 2 minutos, ele passou a marcar 3 min para a meia-noite. Em vista de “falhas gover-namentais fantásticas”, que “puseram em perigo a civilização em escala global”, os diretores de Ciência e Segurança do Boletim dos Cientistas Atômicos decidiram instar os cidadãos do mundo a exigir de seus líderes, entre outras coisas, que:

1) “Reduzam drasticamente os gastos propostos para os programas de modernização das armas nucleares. Estados Unidos e Rússia têm lançado planos para reconstruir, no essencial, todas as suas tríades nucleares [bombardeiros, mísseis balísticos lançados de solo e submarinos lançadores de mísseis balísticos] nas próximas décadas, e outros países dotados de armas nucleares seguem seu exemplo. O custo projetado das “melhorias” dos arsenais nucleares é indefensável e põe em cheque o processo de desarmamento global.”

2) “Retomem de forma enérgica o processo de desarma-mento, focado em resultados. Estados Unidos e Rússia, em particular, devem iniciar negociações para diminuir seus arse-nais nucleares estratégicos e táticos. O mundo pode ser mais seguro com arsenais nucleares bem menores que os existentes hoje, se os líderes políticos estiverem de fato interessados em proteger de danos os seus cidadãos.”

3) “Criem instituições especialmente designadas para analisar e combater os usos maléficos e potencialmente catastróficos das novas tecnologias. O avanço científico pode prover a sociedade de grandes benefícios, mas o uso indevido em potencial de novas e poderosas tecnologias é real, a menos que lideranças governamentais, científicas e empresariais tomem medidas adequadas para analisar e combater possíveis efeitos devastadores dessas tecnologias ainda no início de seu desenvolvimento.”

Todas estas exigências são também aplicáveis ao espaço exterior. É preciso discutir a proibição da passagem pelo espaço de mísseis balísticos com armas nucleares na ogiva.

O Artigo 4º do Tratado do Espaço de 1967 veda a colocação de armas de destruição em massa em órbitas da Terra e nos corpos celestes, a começar pela Lua. E determina também “a não colocação de tais armas, de nenhuma maneira, no espaço cósmico”. Passar pelo espaço, sem entrar em órbita, não parece significar colocar tais armas em órbitas da Terra ou no espaço cósmico. Por isso, o trânsito delas pelo espaço não está proibido. Logo, está permitido. Por que não mudar essa situação? O nosso Planeta e o próprio espaço certamente ficarão bem mais seguros, se os arsenais nucleares não puderem cruzar o espaço para atingir seus alvos na Terra.

Quanto ao ponto 2, é hora de retomar decididamente o processo de desarmamento nuclear na Terra e também o desarmamento no espaço, impedindo a instalação nele de qualquer tipo de armamento. Isso poderá evitar a transfor-mação do espaço em novo teatro de guerra, pois isso é capaz de provocar um colapso nos sistemas de satélites ativos e nos serviços de primeira necessidade que prestam aos povos, países e organizações internacionais públicas e privadas.

O cientista Richard Somerville, do Bulletin of the Atomic Cientists, na apresentação Doomsday Clock

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| análise |

É importante igualmente, como frisa o ponto 3, criar cen-tros de estudos para examinar e condenar, quando for o caso, o emprego potencialmente catastrófico das novas tecnologias. O avanço científico e tecnológico traz benefícios sem conta, mas o mau uso dessas conquistas é, mais do que nunca, uma possibilidade real. Urgem medidas consistentes para eliminar essa desastrosa possibilidade, também no espaço.

Tais ações estariam em perfeita sintonia com o esforço de criar um conjunto de “Diretrizes Relativas à Sustentabilidade a Longo Prazo das Atividades Espaciais”, em elaboração pelo Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (UNCOPUOS), através de seu Subcomitê Técnico-Científico. Trata-se de um sinal dos tempos atuais com guerras e conflitos em alta, capazes de afetar o espaço. Um Grupo de Trabalho especialmente designado pelo Subcomitê para estudar o assunto elaborou um documento que atualiza as propostas de diretrizes já apresentadas. E que será apreciado pelo próprio Subcomitê Técnico-Científico, em sua reunião de 2 a 13 de Fevereiro de 2015, em Viena, Áustria.

O documento afirma, em seu ponto 18: “Na conquista do objetivo de assegurar a sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais, os Estados e as organizações internacionais devem se abster de realizar, deliberadamente ou não, atos e práticas, bem como de utilizar meios e métodos capazes de afetar ou danificar, de alguma forma, violando normas e princípios do direito internacional, os bens que se encontram no espaço, e de criar situações que tornem impraticável, por razões de segurança nacional, a aplicação plena e efetiva das diretrizes”.

Eis um bom exemplo de diretriz bem redigida: ela for-mula uma recomendação clara e objetiva, além de justa e fundamental. Trata-se, nada menos, de prevenir qualquer tipo de conflitos no espaço, intencionais ou não. Impossível assegurar a sustentabilidade das atividades espaciais sem essa regra básica, que, por isso mesmo, deveria ser obrigatória.

Acontece que as diretrizes, de acordo com seu ponto 13, “são de caráter voluntário e não vinculantes legalmente sob o Direito Internacional”, uma insuficiência bastante difícil de subestimar.

Tanto que o seu ponto 14 enfatiza: “A aplicação das diretrizes é considerada medida prudente e necessária para preservar o meio ambiente espacial para as gerações futuras. Os Estados, as organizações intergovernamentais interna-cionais, as organizações não-governamentais nacionais e internacionais e as entidades do setor privado devem adotá-las de modo voluntário, mediante seus próprios mecanismos de execução, para garantir a aplicação das diretrizes na maior extensão possível, dentro do viável e do factível”.

Ora, se a aplicação das diretrizes é considerada medida prudente e necessária para algo tão relevante quanto preservar o ambiente espacial para as gerações futuras, por que permitir que os Estados e tão amplo e variado leque de organizações internacionais e nacionais, públicas, sociais e privadas, apliquem as diretrizes segundo seus próprios mecanismos e critérios, e de maneira tão imprecisa e subjetiva quanto “na maior extensão possível” e “dentro do viável e do factível”? Assim, quem senão a própria organização/entidade interessada quantificará, com base em seus interesses específicos, a “maior extensão possível”, e definirá o “viável” e o “factível”?

Será prudente deixar a preservação do espaço para as futuras gerações na dependência de decisões unilaterais e subjetivas?

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| análise |

O alcance da influência glo-bal brasileira está muito aquém da dimensão física e humana do país. Muitas lideranças atuais, políticas e diplomáticas, não vem se mostrando à altura do imenso potencial do país. Parecem mais preocupados com sua manuten-ção no poder a qualquer custo, do que com um melhor futuro para a população brasileira e com a relevância do papel global do Brasil. E o país, embora tenha aumentado seu quadro de diplomatas parece ter diminuído sua diplomacia, focalizada em relações bilaterais irrelevantes para a dimensão global desejada pelo Brasil. O país vem vivendo nos últimos anos a mais grave das crises, qual seja a ausência de lideranças honestas, inteligentes, visionárias e eficazes, como teve em algumas ocasiões em sua história passada.

A economia brasileira vem diminuindo sua taxa de cresci-mento nos últimos anos e se afastando da sustentabilidade. Os instrumentos fiscais e de crédito de curto prazo, e o mercado favorável de “commodities”, que empurraram a economia até alguns anos atrás, se exauriram. E não houve aumento de produtividade que compensasse esse declínio. A competiti-vidade brasileira está diminuindo com baixa produtividade e falta de investimento eficaz na educação, treinamento, saúde, infraestrutura e mobilidade urbana.

Mas não há nenhuma razão para que o Brasil permaneça eternamente o país do futuro. O Brasil deveria liderar uma Terra sustentável global. Mas, após as polarizadas eleições de 2014, será que haveria entendimento, discernimento, vontade e liderança suficientes no país para estimular os “stakeholders” brasileiros a promover o desenvolvimento sustentável no país e na Terra, incluindo o Ártico e a Antártida? E qual, especifi-camente, seria o papel do Brasil no que diz respeito à questão premente da sustentabilidade do Ártico e da Antártida?

Ártico, Antártida e a relevância global do Brasil

No Ártico, onde há populações nativas e soberania de 8 países, a Declaração de Ottawa estabeleceu o Conselho do Ártico em 1996; este promove o entendimento e ações con-juntas entre os países membros e as comunidades indígenas. Ele inclui Canadá, Dinamarca (Groenlândia e Ilhas Faroé), EUA, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia e Rússia. Países não-árticos qualificados podem participar como Observadores.

O Brasil, com aspirações de poder e influência globais, está perdendo a oportunidade única de avançar neste caminho por não se empenhar em aceder à posição de Observador no Conselho Ártico. China, Índia, Coréia e Cingapura, entre outros, não deixaram a oportunidade escapar, e já são Observadores do Conselho do Ártico.

Sergio C. Trindade | Consultor Internacional de Negócios Sustentáveis, New York. Ex-Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas - Ciência e Tecnologia. Co-laureado do Prêmio Nobel da Paz em 2007 pelo IPCC

Brasil e os Polos da TerraO aquecimento do Ártico está acontecendo em um ritmo

duas vezes mais rápido do que a média global. No Ártico os hábitats naturais estão sob pressão. Por exemplo, baleias orca estão penetrando o Ártico mais aquecido e devastando popu-lações de morsas, desalojando-as. Por outro lado, a abertura parcial do Oceano Ártico à navegação comercial e o maior acesso aos recursos (petróleo, gás, minerais) e à pesca deveria ser de interesse para o Brasil, pois oferece oportunidades ímpares de investimento, comércio e transferência de tecnologia.

Um exemplo prático da ação chinesa no Ártico é a explo-ração de petróleo no mar, na Islândia, bem como a criação de um Centro Sino-Nórdico de Pesquisas Árticas em Xangai.

Em contraste com o Ártico, não há atualmente popu-lações nativas, ou soberanias nacionais na Antártica. Em 1959, o Tratado da Antártida estabeleceu critérios de uso da terra no Continente Antártico. Os signatários originais do Tratado são a África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, EUA, França, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido e Rússia.

O Brasil foi admitido em 12 de Setembro de 1983, depois de iniciar um programa de pesquisa científica na região. Desde então, o engajamento do país na Antártica tem sido gradualmente institucionalizado. Mas, ele tem enfrentado sérios reveses, incluindo a perda de sua base de pesquisas, em um incêndio, em Fevereiro de 2012.

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Sergio Trindade

Estacao Comandante Ferraz antes do incêndio em 2012

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| política externa |

E ainda o acidente em operação de pouso em Novembro 2014, de um avião de transporte da Força Aérea Brasileira. Felizmente todas as 40 pessoas a bordo sobreviveram, inclusive funcionários do Superior Tribunal Eleitoral.

A área da Antártida é definida pela superfície da Terra ao sul do Paralelo 60° da Latitude. A Antártida é o continente mais seco da Terra. O Deserto do Saara recebe, em média, mais chuva do que a Antártida. É o quinto maior continente (sua área é de 14 milhões de km2), aquele com os ventos mais fortes, e também o mais frio de todos, com a temperatura mais baixa já medida na Terra, 89,6°C negativos, na estação russa Vostok.

A água doce é um dos maiores ativos da Antártida. Cerca de 70% deste recurso do mundo está contido na cobertura de gelo da Antártida, que responde por 90% do gelo da Terra. Se esse gelo derretesse completamente, o nível do mar subiria cerca de 60 metros no mundo todo.

Na corrida para atingir o polo geográfico dois explorado-res se destacaram: o norueguês Roald Amundsen e o inglês Robert Scott. Amundsen e sua expedição foram os primeiros a chegar ao Polo Sul, em 14 de Dezembro de 1911. Scott lá chegou em 17 de Janeiro de 1912 e perdeu não só a corrida, mas também sua vida na tentativa de retornar do Polo.

Governança da Antártida

O Ano Geofísico Internacional, em 1957, um esforço de cooperação científica internacional bem sucedida, apesar de ter se passado em plena Guerra Fria, promoveu extraor-dinariamente a investigação científica na Antártida. Neste contexto, e por iniciativa dos EUA, o Tratado da Antártida foi negociado em Washington, DC, e as assinaturas foram iniciadas em 1º de Dezembro de 1959. Em 23 de Junho de 1961 o Tratado entrou em vigor.

Em resumo, o Tratado estabeleceu a Antártida como um território pacífico, desmilitarizado, preservado para a pesquisa científica. Reivindicações territoriais foram suspensas durante a vigência do Tratado. As suas disposições aplicam-se a toda superfície de terra e gelo ao sul do Paralelo 60 de Latitude, mas não se aplicam aos mares na mesma área. Todas as decisões do Tratado são tomadas por consenso.

O Protocolo de Madrid enfatiza a proteção do ambiente no contexto do Tratado da Antártida, que proibe a exploração mineral comercial por 50 anos. O Protocolo prevê também a proibição da introdução de espécies exóticas na Antártida, inclusive de cães de trenó.

Brasil e a Antártida

O interesse original brasileiro na Antártida provavel-mente derivou do desejo de projetar o poder nacional e da possibilidade, no futuro, de reivindicações territoriais além do consequente acesso aos recursos naturais correspondentes. O Programa Antártico Brasileiro sofreu muito com o incên-dio em 25 de Fevereiro de 2012, fatalidade que destruiu a Estação Comandante Ferraz, instalada originalmente na Península Keller, em 1984. Entretanto, as pesquisas foram gradativamente reiniciadas, com base nos navios antárticos da Marinha – o Almirante Maximiano e o Ary Rangel – e pela base provisória que foi montada, no início de 2013, no lugar do heliporto da antiga estação, já operacional, com ampla área útil. A inauguração da nova estação, que substituirá a que foi destruída, está prevista para 2016.

O Plano de Ação de Pesquisa Antártica Brasileira, proposto para o período 2013-2022, coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, infelizmente não menciona um orçamento, mas merece atenção. Para mobilizar os “stakeholders” relevantes nas áreas de tecnologia, educação, economia e sustentabilidade do Planeta, é necessária uma análise crítica da qualidade e relevância dos resultados das atividades brasileiras na Antártida, bem como dos recursos utilizados e de seus efeitos multiplicadores, para melhor informar o público nacional sobre o impacto da presença brasileira no Polo Sul.

Já no Polo Norte, se o Brasil quer realmente alcançar um status compatível com suas aspirações globais terá que se mobilizar e ser aceito como Observador no Conselho do Ártico. Paralelamente deveria investir mais recursos finan-ceiros, humanos e políticos no Ártico e na Antártida, a partir de fontes públicas e privadas, o que exige a mobilização de todas as partes interessadas.

O futuro do Brasil no Ártico e na Antártida é uma questão nacional. A presença formal do Brasil no sistema do Tratado da Antártida é uma realidade necessária, mas não suficiente. Além disso, o Brasil deve buscar agressivamente o status de observador no Conselho Ártico.

A sociedade brasileira exige informação bem fundamentada e relevante para as suas partes interessadas a fim de facilitar o alcance de um consenso sobre qual a dimensão, o escopo e o foco das atividades brasileiras nos Polos da Terra. Dessa forma se responderá melhor às aspirações nacionais, de curto e longo prazo, e, assim, mobilizar os recursos humanos, materiais e financeiros, públicos e privados, necessários à sua execução. Agindo dessa forma o país demonstrará seriedade e compro-metimento com a visão de um Brasil justo domesticamente e influente globalmente.Estacao Comandante Ferraz antes do incêndio em 2012

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| política externa |

A festa (da democracia) acabou: novos chefes do exe-cutivo nacional e estadual escolhidos, além de deputados e senadores.

E agora, José? Maria? Nor-destino? Sulista? Brasileiro? Qual rota o país tomará para garantir o sucesso da fórmula que alia e harmoniza desenvolvi-mento econômico e conservação da natureza, equação cada vez mais óbvia quando o que está em jogo é o futuro das pessoas e das nações?

Não sabemos. Durante as eleições, pouco se falou sobre meio ambiente além do óbvio: que é preciso protegê-lo. Temas mais profundos relacionados à conservação de nosso patrimônio natural que são indispensáveis para a garantia da qualidade de vida da população receberam pouca ou nenhuma atenção na pauta de discussões públicas.

Além de possíveis soluções e das implicações da severa crise hídrica pela qual passa o país, também ficaram em segundo plano as discussões sobre o estabelecimento de uma política nacional de adaptação às mudanças climáticas e até mesmo sobre como estimular a pesquisa científica para preencher o imenso vazio de conhecimento a respeito de nossas áreas naturais nativas e das espécies que nelas existem.

Malu Nunes | Engenheira Florestal, mestre em Conservação e Diretora Executiva da Fundação Boticário de Proteção à Natureza

O Brasil se tornou indiferente à questão ambiental?

Outro tema importantíssimo não contemplado foi a proteção e ampliação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Mesmo após mais de uma década de criação e regulamentação, essa importante ferramenta ainda precisa ser consolidada e efetivamente aplicada na prática para enfrentar a evolução das ameaças à proteção da natureza no Brasil.

Criado para consolidar o papel e a gestão das Unidades de Conservação (UCs) no país, essa Lei tem como objetivo valorizar essas áreas protegidas, importantíssimas não apenas para a proteção da biodiversidade, mas também indispensáveis para a vida e o bem-estar dos brasileiros.

Elas fornecem serviços ambientais essenciais à vida, como o fornecimento de água limpa, a purificação do ar, a regulação do microclima e o sequestro de carbono. Também representam geração de renda para milhares de brasileiros, pois impor-tantes pontos turísticos naturais de grande beleza cênica são protegidos em seus interiores, além de algumas Unidades de Conservação marinhas funcionarem como berçários para o desenvolvimento de peixes que poderão ser pescados fora de

seus limites. Nem todos esses benefícios, porém, fizeram com que as unidades de conservação recebem a atenção merecida durante o processo eleitoral.

Diz o provérbio que não ser visto signif ica não ser lembrado. Podemos ir além: não lembrar implica em não priorizar. Finalizados os votos, baixadas as bandeiras par-tidárias, acalmada a mídia, fica agora uma sensação de vazio nessa questão: será que nos tornamos indiferentes à questão ambiental?

A mea culpa, nesse caso, cabe a quem? Aos eleitores que desconhecem o impacto da proteção da natureza em suas vidas e não exigiram propos-tas relacionadas ao assunto?

À mídia que não levantou a pauta porque ela não suscitava interesse em seus públicos? Aos candidatos que despriorizaram o tema por acreditar que propostas relacionadas à conservação da natureza não se convertem em votos? Parece improvável que a responsabilidade recaia sobre um único grupo, mas é evidente e inquestionável que os resultados e impactos serão sentidos por todos. E então?

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Malu Nunes

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