50
1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires de Souza 1. Introdução Em março de 2018, pouco mais de um ano após sua posse, o presidente americano Donald Trump cumpriu mais uma promessa de campanha, adotando medidas protecionistas contra a China: taxou em 25% as importações de aço e em 10% as importações de alumínio. Em artigo publicado no Valor Econômico (07/03/2018), Martin Wolf, editor do Financial Times, argumentou que a iniciativa de Trump deve ser o começo do fim da ordem multilateral de comércio exterior, regulada por normas, e criada pelos próprios Estados Unidos ” (substituída por uma ordem baseada em barganhas bilateriais, guerras comerciais, etc. Segundo Trump, as guerras comerciais são boas e fáceis de vencer"). A tarifa de Trump tende a levar a retaliações e a um aumento da concorrência pelos demais espaços comerciais, o que pode levar a novas medidas protecionistas em outros mercados, numa possível “guerra comercial”. Isso tudo no contexto em que os EUA abandonaram um amplo acordo plurilateral, chamado Parceria Trans- Pacífica (TPP, na sigla em inglês), empenha-se em rever o NAFTA (o acordo de livre comércio da América do Norte), e retirou ou reduziu apoio financeiro a entidades e orguanismos internacionais (incluindo a ONU). Em lugar de uma governaça internacional, o novo governo americano propõe um jogo não cooperativo, baseado em políticas nacionais, simbolizadas no slogan “ America first. Quais as razões invocadas para tais iniciativas? Foram fornecidas 3 tipos de justificativas: a) Segurança nacional, já que aço e alumínio são matérias primas básicas para a produção de armamentos b) Proteger os empregos e a produção das respectivas indústrias

Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

  • Upload
    vanbao

  • View
    254

  • Download
    3

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

1

Economia Internacional (Macroeconomia Aberta)

Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos

Prof. Francisco Eduardo Pires de Souza

1. Introdução

Em março de 2018, pouco mais de um ano após sua posse, o presidente

americano Donald Trump cumpriu mais uma promessa de campanha,

adotando medidas protecionistas contra a China: taxou em 25% as

importações de aço e em 10% as importações de alumínio.

Em artigo publicado no Valor Econômico (07/03/2018), Martin Wolf, editor

do Financial Times, argumentou que a iniciativa de Trump deve “ser o

começo do fim da ordem multilateral de comércio exterior, regulada por

normas, e criada pelos próprios Estados Unidos” (substituída por uma ordem

baseada em barganhas bilateriais, guerras comerciais, etc. Segundo Trump,

“as guerras comerciais são boas e fáceis de vencer"). A tarifa de Trump tende

a levar a retaliações e a um aumento da concorrência pelos demais espaços

comerciais, o que pode levar a novas medidas protecionistas em outros

mercados, numa possível “guerra comercial”. Isso tudo no contexto em que os

EUA abandonaram um amplo acordo plurilateral, chamado Parceria Trans-

Pacífica (TPP, na sigla em inglês), empenha-se em rever o NAFTA (o acordo

de livre comércio da América do Norte), e retirou ou reduziu apoio financeiro

a entidades e orguanismos internacionais (incluindo a ONU). Em lugar de uma

governaça internacional, o novo governo americano propõe um jogo não

cooperativo, baseado em políticas nacionais, simbolizadas no slogan “America

first”.

Quais as razões invocadas para tais iniciativas? Foram fornecidas 3 tipos de

justificativas:

a) Segurança nacional, já que aço e alumínio são matérias primas básicas para a produção de armamentos

b) Proteger os empregos e a produção das respectivas indústrias

Page 2: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

2

c) Reduzir os déficits comerciais americanos.

O primeiro argumento foi utilizado, provavelmente, apenas para que a medida seja enquadrada nas regras da OMC, e assim se precaver contra processos na instituição). Os dois outros, embora possam fazer sentido ao senso comum, não tem fundamento econômico. A idéia de que o protecionismo aumento o nível de emprego não é sustentável, pelo menos como uma afirmação de validade geral, tão logo deixamos de analisar o que ocorre apenas nos setores protegidos e passamos a considerar os efeitos sobre a economia como um todo. Ao proteger a indústria do aço com tarifas elevadas, pode-se criar mais empregos neste setor, mas destrói-se empregos em todos aqueles setores que utilizam o aço como insumo, já que estes passam a ser menos competitivos frente aos produtores externos, devido a elevação de seus custos.

Quanto ao segundo argumento, a idéia de que proteger um determinado setor reduz o déficit comercial do país, tem o mesmo vício de raciocínio do argumento anterior, ou seja, de não considerar os efeitos sobre a economia como um todo. Veremos ao longo deste curso que um país tem déficit em conta corrente quando tem um excesso de gastos em relação ao produto. Neste sentido, a reforma tributária aprovada por Trump, que foi considerada como sua maior vitória política desde o início do governo, ao aumentar fortemente o déficit público, contribui para a elevação do déficit em transações correntes (independentemente de qualquer política comercial). O que levou Martin Wolf a ironizar Trump, dizendo que sua mão esquerda não entende o que a mão direita está fazendo.

Enfim, este é só um exemplo da importância da teoria que estudamos na disciplina de economia internacional. Há uma crítica frequente de que o curso de economia é muito teórico. A crítica é válida no sentido de que é fundamental fazer a ligação entre a teoria e o mundo real. Porém, a teoria é fundamental para que entendamos o mundo real para além das aparências, para além do chamado senso comum. Esse é um papel crucial da teoria.

Antes de finalizar esta introdução, cabe informar ao estudante que a disciplina de Economia Internacional é normalmente decomposta em duas partes bem distintas, tanto no que se refere à temática quanto aos métodos empregados: a teoria do comércio e investimento internacionais e a macroeconomia aberta.

Page 3: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

3

A teoria do comércio internacional tem como ponto de partida as seguintes questão: por que um país exporta determinados bens e serviços e não outros? Por que importa determinados bens e serviços e não outros? O que determina o seu padrão de comércio (o perfil de suas exportações e importações)? decisões privadas (eventualmente modificadas por políticas governamentais. Tais questões tem implicações sobre as políticas de comércio exterior, as regras do jogo do comércio internacional, e assim por diante. Os efeitos de tais regras, e dos padrões estabelecidos de inserção internacional das diversas economias, para a produtividade, distribuição de renda e crescimento econômico são derivações importantes da análise econômica neste campo.

No presente curso estudaremos a outra parte da economia internacional, vale dizer, a macroeconomia aberta. Alguns de seus temas centrais, como em toda teoria macro são:

• A determinação do nível de produção e emprego (o grau de ocupação dos fatores de produção e como a política econômica pode ser empregada para que eles sejam usados plenamente) e a taxa de crescimento da capacidade produtiva e do produto (e portanto também da produtividade) ao longo do tempo; a especificidade agora é que tais temas serão abordados no contexto de uma economia aberta do ponto de vista comercial, financeiro e do investimento produtivo;

• os determinantes do saldo do balanço de pagamentos (e de

alguns de seus componentes, como as transações correntes);

• a taxa de inflação.

Vejamos alguns exemplos de como a mudança do enfoque da macroeconomia fechada para a aberta pode alterar as conclusões da teoria. O aumento da demanda agregada (por exemplo via expansão dos gastos públicos) teria por efeito, numa economia fechada, um aumento da produção e do emprego (ou aumento dos preços caso a economia estivesse operando a pleno emprego). Numa economia aberta, no entanto, o efeito de uma expansão dos gastos domésticos pode não ser nem aumento da produção nem da inflação. Pode ser simplesmente aumento do déficit em conta corrente.

Page 4: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

4

Vocês devem ter aprendido também, em cursos de macroeconomia keynesiana, que um aumento do investimento leva a um aumento equivalente da poupança. Certo? Numa economia fechada, é uma afirmação plausível (em certas circunstâncias), mas numa economia aberta, não. O aumento do investimento pode levar a um aumento do déficit em transações correntes, caso em que está sendo financiado por poupança externa e não

por um aumento da poupança interna.

Vejamos um último exemplo. O crescimento de uma economia depende do investimento e este depende, entre outras coisas, da taxa de juros. Mas como a taxa de juros é determinada? Numa economia fechada basta pensar em fatores domésticos – política monetária e demanda por moeda, por exemplo. Mas numa economia aberta os juros dependem de outros fatores como, destacando-se a mobilidade dos capitais entre os países e a política monetária dos demais países.

Portanto, numa economia aberta, as principais conclusões dos modelos macroeconômicos quanto ao funcionamento da economia e aos efeitos das políticas econômicas são diferentes. E há uma variável crítica que vai influenciar em grande medida como a economia se comporta e como reage à choques externos e às políticas macroeconômicas. Esta variável é a taxa de câmbio.

Por isso, uma boa parte do curso é dedicada à explicação sobre os determinantes da taxa de câmbio (e os efeitos macroeconômicos das mudanças nas taxas de câmbio).

2. Taxa de câmbio: conceitos e medidas

A taxa de câmbio é talvez o principal preço da economia, na medida em que regula todos os demais preços numa economia aberta. Em que sentido?

Primeiramente, no sentido em que os preços em moeda estrangeira, por exemplo, em dólares de todos os produtos nacionais são iguais aos preços em moeda doméstica, “traduzidos” para dólares pela taxa de câmbio. Quanto custa, em dólares, um par de sapatos que é vendido por R$ 180,00? Se a taxa de câmbio for R$ 3,00 por dólar, custa US$ 60,00. Mas se a taxa de câmbio cair para R$ 2,00 por dólar, custará US$ 90,00. O mesmo raciocínio

Page 5: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

5

pode ser feito para qualquer outro bem ou serviço produzido no país. E também, por adição, ao PIB do país. Vejamos como.

O PIB brasileiro é de pouco mais de R$ 6 trilhões. Se a taxa de câmbio for R$3,00 por dólar, o PIB valerá US$ 2 trilhões (R$ 6 trilhões/3). Mas a taxa de câmbio baixar para R$ 2,00 por dólar o PIB subirá para US$ 3 trilhões. Então o conjunto dos preços da economia sobe ou desce quando a taxa de câmbio

varia.

Isso importa? Claro, e muito. Porque se todos os produtos do país estão mais caros em dólar, os estrangeiros vão demandar menos bens e serviços do país, o contrário ocorrendo se todos os produtos do país estiverem baratos. E o mesmo vale para os consumidores do país, que vão querer comprar mais bens e serviços estrangeiros quando os produtos do país ficarem relativamente mais caros em dólares.

Para ser mais preciso, uma mudança na taxa de câmbio não afeta igualmente os preços de todos os bens e serviços. Se amanhã a taxa de câmbio dobrar o efeito imediato seria, a princípio, uma redução à metade de todos os preços dos bens e serviços nacionais, medidos em dólar. No entanto, dado o devido tempo (em alguns casos um tempo bem curto), a taxa de câmbio influenciará muitos dos preços em reais dos bens e serviços. Há produtos cujos preços em moeda nacional são mais sensíveis à taxa de câmbio do que outros. Tome-se, por exemplo, o preço da soja, que é determinado nas bolsas internacionais de mercadorias, como a bolsa de Chicago. Então o preço é e transformado em reais pela taxa de câmbio. Neste caso, quando muda a taxa de câmbio, muda o preço da soja em reais, e não em dólares.

Já o preço de uma hortaliça ou de um serviço é fixado diretamente em reais, de acordo com a demanda e a oferta domésticas, de forma que quando muda a taxa de câmbio, seu preço em reais fica constante e o que muda é o seu valor em dólares. O mesmo vale para os salários, que são fixados

contratualmente em moeda doméstica.

Então quando a taxa de câmbio baixa, por exemplo de R$3,00 por dólar para R$ 2,00 por dólar, os salários sobem em dólar – exemplo: um salário de R$3000,00 passa de US$ 1000,00 (3000/3) para US$1500,00 (3000/2). Mas o preço da soja e outros bens do tipo fica fixo em dólares. Então para o

Page 6: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

6

produtor de soja, seu preço ficou constante, enquanto muitos de seus custos subiram, em dólares, quando a taxa de câmbio baixou.

Em suma, a taxa de câmbio afeta os preços relativos domésticos, já que alguns mudam muito, outros poucos e alguns sequer variam. Assim sendo, a taxa de lucro, a distribuição de renda, e a competitividade da economia frente ao resto do mundo serão afetados pela taxa de câmbio. Por isso é um preço tão importante na economia. E o que determina o nível e as variações deste preço macroeconômico tão importante? Este é um dos temas principais deste curso.

No curso de macroeconomia aberta, além de estudarmos a determinação da taxa de câmbio, trataremos das relações entre taxa de câmbio e um conjunto de variáveis macroeconômicas, destacando-se: as importações e exportações, as dívidas externa e interna, os fluxos de capitais para a economia, a taxa de inflação e os níveis de renda e de emprego.

Vamos começar nosso estudo da macroeconomia aberta apresentando alguns conceitos básicos relacionados à taxa de câmbio, para depois entrar no conteúdo propriamente dito da parte 1 do curso (balanço de pagamentos).

Definição: taxa de câmbio é a relação entre os valores da moeda doméstica e da externa.

Há duas formas de se medir esta relação de valor entre duas moedas: na forma direta (ou americana), em que a taxa de câmbio é expressa como o preço da moeda estrangeira em termos da nacional; e na forma indireta (européia), em que a taxa de câmbio é apresentada como o preço da moeda nacional em termos da estrangeira. No Brasil, como na maioria dos países, usa-se a forma direta. Assim, dizemos que a taxa de câmbio em um determinado dia é R$3,00 por dólar, isto é, um dólar (a moeda estrangeira) custa 3 reais. Um cidadão europeu, por outro lado, diria que a taxa de câmbio de sua moeda seria, em determinado dia, US$1,20 por euro, isto é,

um euro (a moeda nacional) custaria US$1,20.

Se expressamos a taxa de câmbio na forma direta, para transformar preço em dólares (PUS$) em preços em reais (PR$), multiplica-se o preço em dólares pela taxa de câmbio (E): PR$= PUS$xE . Exemplo: uma calça que custa US$40,

Page 7: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

7

custará R$ 120,00 (US$40 x 3). E para transformar-se um preço em reais em preço em dólares, divide-se o preço em reais pela taxa de câmbio: PUS$= PR$/E.

Neste curso, salvo menção expressa em contrário, usaremos sempre a definição de taxa de câmbio na forma direta, isto é, como o preço da moeda estrangeira. Esta maneira de definir a taxa de câmbio tem vários convenientes. Um deles é que as curvas de demanda e oferta por moeda estrangeira tem o formato usual encontrado na teoria econômica. Isto é mostrado no gráfico abaixo, onde o mercado de câmbio é representado de uma forma muito simplificada, supondo que a demanda e oferta de divisas (moeda estrangeira) estão relacionadas, respectivamente, às importações e exportações de bens e serviços.

No painel esquerdo da figura 1, com a taxa de câmbio definida como o preço da moeda estrangeira, a curva de demanda por dólares é negativamente inclinada, dado que quanto mais alta a taxa de câmbio, maior o preço dos bens importados em reais (lembremos que Pm

R$=PmUS$xE), menor a demanda

por importações e por consequência menor a demanda por moeda estrangeira para importar. Os valores indicados no painel esquerdo do gráfico mostram que com uma taxa de câmbio de R$2,00 por dólar, a demanda por divisas para importar seria de US$ 100; mas com uma taxa de câmbio de R$3,00 por dólar a demanda por moeda estrangeira para fins de

importação seria de apenas US$ 60.

No painel direito, a curva de demanda por moeda estrangeira é positivamente inclinada porque a taxa de câmbio está expressa na forma indireta, ou seja, mostrando o preço de um real em termos de dólares. Assim, quando 1 dólar custa 3 reais (cotação direta), um real custa 1/3 de dólar, ou seja US$0,33 (cotação indireta) e, portanto, a demanda por moeda estrangeira será de US$60. Pelo mesmo raciocínio, quando a taxa de câmbio for de US$0,50 por real (também na cotação indireta), a demanda por divisas será de US$ 100.

Page 8: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

8

Figura 1

Uma outra implicação da forma de se definir a taxa de câmbio são os diferentes significados de desvalorização, valorização, depreciação e apreciação cambial. Se usamos a forma da cotação direta, desvalorização e depreciação1 são sinônimos de aumento da taxa de câmbio enquanto apreciação e valorização significam redução da taxa de câmbio. Embora pareça contra-intuitivo, a razão básica para isso é que, sendo a taxa de câmbio o preço da moeda estrangeira (na forma direta), quando a moeda nacional se deprecia (perde valor), o preço da moeda estrangeira (a taxa de câmbio) aumenta.

Note ainda, que como consequência das diferentes formas de se expressar a cotação de uma moeda, a variação percentual também pode diferir, para uma mesma mudança no valor da taxa de câmbio. Tomando os dados da Figura 1, um aumento da taxa de câmbio de R$2,00/US$ para R$3,00/US$, é um aumento (depreciação) de 50% (na cotação direta); mas é também uma queda de US$0,50/R$ para US$0,33/R$, isto é, uma redução (depreciação) de 33% (na cotação indireta).

Bens e serviços comercializáveis x não comercializáveis

1 Na linguagem corrente e informal é comum utilizar-se indiferentemente os termos depreciação e

desvalorização para designar o aumento da taxa de câmbio e apreciação ou valorização para indicar o

movimento inverso. Em textos acadêmicos, contudo, usa-se em geral o binômio depreciação/apreciação

quando se está referindo a um movimento da taxa de câmbio determinado pelo mercado, e o binômio

desvalorização/valorização para mudanças discretas promovidas pelo governo.

Page 9: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

9

Vamos introduzir agora um par de conceitos que utilizaremos com frequência ao longo do curso. Através deles pode-se classificar todos bens e serviços produzidos numa economia em duas grandes categorias, cuja distinção é importante para se entender os efeitos da taxa de câmbio sobre a economia

Definição: bens e serviços comercializáveis são aqueles que são passíveis de serem exportados e/ou importados. Ou seja, trata-se de uma categoria um pouco mais ampla do que a de bens e serviços exportados e importados, porque, além desses, inclui todos aqueles que mesmo não sendo nem exportados nem importados, poderiam entrar no fluxo de comércio exterior dependendo da evolução da demanda e/ou dos preços. Assim, por exemplo, o aço produzido no Brasil pode ter parte de sua oferta deslocada para o mercado exterior se a demanda doméstica se contrair. Ou o Brasil pode passar a importar aparelhos de TV se houver um crescimento muito forte da demanda doméstica com a Copa do Mundo, e a produção nacional não for suficiente para atender a esta demanda. Ou seja, tanto o aço como os aparelhos de TV são comercializáveis (tradução doméstica do original, em inglês, “tradables”).

Por definição, bens e serviços não comercializáveis são aqueles que em condições normais não são passíveis de serem exportados ou importados. Exemplos de não comercilizáveis são bens altamente perecíveis e aqueles que tem baixa valor por volume ou peso (o que dificultaria a exportação ou importação) e grande parte dos serviços (como médicos, dentistas, restaurantes, etc). Ninguém vai fazer uma consulta médica na Europa porque a consulta aqui subiu de preço. Uma implicação importante é que os bens e serviços não comercializáveis não sofrem a competição externa, podendo assim praticar preços pouco conectados com os internacionais.

Com base nos conceitos acima podemos agora estabelecer, com um pouco mais de precisão, o efeito de um aumento (ou diminuição) da taxa de câmbio

sobre os preços:

• Caso 1: Bens e serviços não comercializáveis => o impacto de uma variação da taxa de câmbio é nulo (a curto prazo) em reais, mas é total e instantâneo sobre o preço em dólares: PUS$

nc= (PR$nc / E ↑)↓ . Ou

seja, como o preço em reais é dado pelas condições do mercado doméstico, ele não se altera com a mudança cambil, de sorte que o

Page 10: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

10

aumento da taxa de câmbio (depreciação) leva a uma queda proporcional nos preços em dólares dos não comercializáveis ( PUS$

nc).

• Caso 2: os preços dos comercializáveis, exportados/exportáveis (Px) e importados/importáveis (Pm) são afetados da seguinte maneira:

– Preços das Importações (Pm): PR$m = PUS$

m x E↑ = PR$m ↑. Ou

seja, como os preços dos produtos importados são determinados no mercado internacional, em moeda estrangeira, eles não são afetados (quando medidos em dólares) pela variação cambial. Em reais, eles sobem quando há depreciação cambial. É claro que o importador pode não repassar inteiramente o aumento do preço para os seus clientes, o que exige que ele reduza sua margem de lucro. Seja o repasse total ou parcial, tende a haver uma queda na importação quando ocorre uma depreciação cambial.

– Preços das Exportações (Px) => dois casos extremos (havendo, naturalmente os casos intermediários entre os dois considerados abaixo):

• O preço é fixado em reais, determinado exclusivamente pelas condições do mercado doméstico: PUS$

x = PR$x / E↑ =

PUS$x ↓ => a queda do preço em dólares aumenta a

demanda pelo produto exportado pelo país. Ou seja as

exportações tendem a aumentar.

• O preço é determinado exclusivamente no mercado internacional e o exportador brasileiro é um “tomador” de preços externos: PR$

x = PUS$x x E↑ = PR$

x ↑; como os custos domésticos em reais não se alteram; margem de lucro do exportador sobe e a oferta para exportação deve aumentar.

Tendo já enunciado alguns conceitos básicos relativos à taxa de câmbio e apresentado, de forma muito preliminar, os efeitos de mudanças na taxa de

Page 11: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

11

câmbio sobre os preços e a competitividade da economia, estamos pronto para iniciar nosso estudo sobre a macroeconomia aberta.

Sabemos que a taxa de câmbio é determinada num mercado específico – o mercado de câmbio. Neste mercado são negociadas moedas estrangeiras em troca da moeda nacional, com múltiplos propósitos: exportações, importações, pagamentos de juros ao exterior, remessa de dividendos pelas multinacionais a suas matrizes, investimento direto de outros países no país, e assim por diante. Cada uma dessas transações (ou fluxos) tem seus motivos determinantes. Logo, uma teoria que dê conta dos fatores que condicionam a oferta e demanda de moeda estrangeira (e portanto da taxa de câmbio), deveria captar a essência destes determinantes.

Porém antes de tentar explicar os determinantes dos fluxos de transações entre a economia e o resto do mundo, vamos ver como eles são classificados e medidos. Isto é feito através de um conjunto de contas, dentre as quais se destaca o Balanço de Pagamentos.

3. O Balanço de Pagamentos (BP) e a Posição de Investimento Internacional (PII)

O balanço de pagamentos é uma contabilidade de fluxo2, que faz o registro de todas as transações entre os residentes de um país e os não residentes (e não entre nacionais e estrangeiros)3. Para monitorar e analisar as relações entre a economia e o resto do mundo existe uma outra conta, denominada Posição de Investimento Internacional (PII), que registra os estoques de haveres e obrigações dos residentes em relação aos não residentes. Desde 2015 o Banco Central vem elaborando as contas externas brasileiras (BP e PII) de acordo com uma nova metodologia internacional estabelecida pelo FMI, denominada BPM6.

As duas contas (BP e PII) estão relacionadas, havendo uma interação recíproca entre as duas, que estudaremos mais adiantes. Por ora, basta um 2 Relembrando: uma variável macroeconômica de fluxo é mensurada pelo seu valor durante um intervalo de tempo especificado, enquanto uma variável macroeconômica de estoque é medida pelo seu valor em um ponto específico do tempo. Por exemplo, a dívida pública em um determinado momento (digamos, no final do ano) é um estoque, enquanto o

déficit público em um determinado ano é um fluxo. 3 Residentes são indivíduos ou empresas estabelecidos no território do país e cuja atividade está sujeita à legislação do mesmo. Os não residentes são indivíduos ou empresas estabelecidos no exterior, os que se encontram em trânsito no país

e os que estão estabelecidos no país mas têm suas atividades financiadas e legisladas pelos seus países de origem. Por exemplo, subsidiárias de empresas multinacionais são residentes nos países em que estão instaladas, mesmo que sua propriedade seja de estrangeiros; e embaixadas são não residentes nos países em que estão sediadas.

Page 12: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

12

exemplo para ilustrar a interação: se uma empresa brasileira exporta US$ 100 milhões e aplica a receita de dólares no exterior, os ativos financeiros externos de brasileiros (residentes) aumentou em US$ 100 milhões (equivalente ao fluxo). Se a PII antes desta opreação era de US$ 1 bilhão, agora ela é de US$ 1,1 bilhão (estoque no momento atual). Vemos, neste exemplo, como os fluxos do BP alimentam a PII. Mas adiante veremos que há uma retroalimentação (um feed-back) da PII para o BP.

Em suma, o registro contábil das relações internacionais da economia é feita através de contas de fluxo e de estoque:

• Balanço de Pagamentos (conta de fluxos) – registro das transações econômicas entre residentes e não residentes durante um determinado período de tempo.

• Posição de Investimento Internacional (conta de estoques) – registro, num determinado ponto no tempo, dos ativos financeiros de residentes que representam direitos sobre não residentes, mais ouro das AM, e do estoque das obrigações de residentes em relação a não residentes.

O Balanço de Pagamentos

O balanço de pagamentos pode ser dividido em três grandes contas: transações correntes, ou conta corrente, conta capital, e conta financeira. A conta corrente está mais relacionada ao lado real da economia, à produção e geração de renda, enquanto as contas capital e financeira estão relacionadas

aos fluxos de financiamento e acumulação de ativos. Vamos às definições:

• Transações correntes (TC): é o registro do fluxos de pagamentos e recebimentos relativos às exportações e importações de mercadorias e serviços. Nela são registrados também pagamentos e recebimentos de rendas (como os juros).

• Conta capital (K): transferências de capital; aquisição de ativos não financeiros não produzidos (veremos adiante o que isto significa).

Page 13: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

13

• Conta financeira (F): aquisições e vendas internacionais de ativos financeiros (títulos relativos a empréstimos) ou direitos sobre ativos

reais produzidos (fábricas, imóveis, etc).

• Indentidade básica do BP: TC + K = F

A tabela 1 abaixo mostra os resultados do balanço de pagamentos do Brasil em três anos (2013, 2015 e 2017), desagregado segundo as 3 grandes contas acima. Ali pode-se notar a presença de uma outra conta não mencionada anteriormente: Erros e Omissões. Esta conta é necessária para fechar a contabilidade do balanço de pagamentos, já que muitas transações não são corretamente lançadas, ou são omitidas, de forma que, quando o Banco Central apura o balanço de pagamentos, a equação acima, da identidade do BP, nunca resulta numa igualdade entre o lado direito e o esquerdo. A diferença é então computada como erros e omissões, que são somados ao lado esquerdo da equação. Então, na prática contábil, a equação básica do BP fica sendo: TC + K + E&O = F. Quando estivermos trabalhando apenas no nível da teoria, consideraremos os erros e omissões como sendo nulos e

utilizaremos a equação básica sem este componente.

Tabela 1

A equação básica do balanço de pagamentos de 2017 pode ser então escrita como: TC + K + E&O = F => -9,8 + 0,4 +4,5 = -4,9. E, se não tivéssemos os

Page 14: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

14

valores para os erros e omissões em 2013 e quiséssemos calculá-los, usaríamos a equação do balanço de pagamentos da seguinte forma:

E&O = F -TC- K = -73,8 – ( - 74,8) – 0,3 = 0,7.

Agora que já vimos as 3 grandes contas que compõe o balanço de pagamentos, vamos prosseguir decompondo cada uma delas nos seus principais sub-conjuntos. Comecemos pelas transações correntes.

As Transações Correntes

As transações correntes podem ser desagregadas em quatro conjuntos de contas cujo equilíbrio ou desequilíbrio deve ser destacado na análise do balanço de pagamentos global. São elas: a balança comercial, o balanço de serviços, as rendas primárias e as rendas secundárias. Vamos definir cada uma dessas sub-contas:

• Balança Comercial (X-M)m: registra a diferença entre as exportações e importações de mercadorias.

• Balanço de serviços (X – M)s: registra as receitas menos as despesas com serviços. Ex: receitas e despesas com transportes, seguros, turismo, consultorias, etc.

• Rendas Primárias (RP): registra a diferença entre as rendas recebidas e as enviadas ao exterior => salários e ordenados e rendas de investimentos (juros, lucros e dividendos). É importante não confundir os fluxos de renda do capital (juros, lucros, dividendos, etc), que são lançados na sub-conta Rendas Primárias (incluídas nas Transações Correntes) com os fluxos de entrada (empréstimos e outros) e saída (amortizações, etc) de capital, que são lançados na Conta Financeira.

• Rendas Secundárias (RS): Registra fluxos de recursos realizados sem a contrapartida da entrega de bens, serviços, etc (são transferências de rendas). Por esta razão, esta conta era chamada, nas versões anteriores do Manual do Balanço de Pagamentos do FMI, de transferências unilaterais. Ex: envio de divisas por trabalhadores imigrantes para seus familiares nos países de origem.

Page 15: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

15

O saldo de todas as contas acima é denominado “saldo das transações correntes”, podendo ser calculado através da soma:

TC = (X – M)m + (X – M)s + RP + RS

É interessante, desde já, antecipar alguns fatores que influenciam o comportamento dos diversos componentes do balanço de pagamentos, já que isto nos ajuda a entender a própria classificação.

No que se refere à balança comercial, seus principais determinantes são a taxa de câmbio, o nível de produção interna e a demanda internacional. Se ocorre, por exemplo, uma depreciação cambial, isto é, se a moeda estrangeira fica mais cara em termos da moeda doméstica, as importações tendem a ficar mais caras quando medidas em moeda doméstica, da mesma forma que as receitas com exportações em moeda doméstica tendem a aumentar. Via de regra, uma depreciação melhora o saldo na balança comercial, e, analogamente, uma apreciação o piora. No caso brasileiro, a balança comercial tem-se mostrado bastante sensível aos movimentos da taxa de câmbio. Quanto aos outros fatores que influenciam o saldo na balança comercial, o crescimento da renda interna em geral tende a aumentar as importações do país; o crescimento da renda externa tende a aumentar as exportações; e as mudanças nas preferências dos consumidores domésticos e externos podem tanto aumentar como diminuir exportações e importações do país.

Seja porque a balança comercial é uma conta muito importante em termos dos valores elevados de exportações e importações, seja porque, como vimos acima, ela é bastante sensível à política econômica e aos demais fatores conjunturais, sua influência sobre a evolução do saldo em transações correntes é bastante significativa. No gráfico 1 a seguir pode-se perceber como uma parcela expressiva das variações no saldo em transações correntes está associada a variações no saldo da balança comercial.

O balanço de serviços depende, em geral, dos mesmos motivos que condicionam as exportações e importações de mercadorias. Isto é, uma depreciação na taxa de câmbio, por exemplo, tende a reduzir tanto as importações de mercadorias como as importações de serviços.

Page 16: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

16

Registre-se que a soma entre a balança comercial e o balanço de serviços é conhecida como balanço de mercadorias e serviços e ocasionalmente referida como transferência de recursos reais do exterior (ou ao exterior, quando o resultado é negativo).

Gráfico 1

A conta de rendas primárias tende a ser menos sensível a fatores conjunturais do que o balanço de mercadorias e serviços, pois seu montante depende, sobretudo, dos estoques da dívida externa e investimento estrangeiro no país e da taxa de remuneração deste capital, que é contratual. Isto significa que esta conta é relativamente insensível à política econômica e a seus efeitos sobre a economia, ao contrário do balanço de mercadorias e serviços. Por exemplo, uma depreciação da taxa de câmbio tende a se refletir diretamente no balanço de mercadorias e serviços, aumentando exportações e diminuindo importações; do mesmo modo, uma política monetária contracionista também tende a se refletir diretamente no balanço de mercadorias e serviços, diminuindo importações. Já o pagamento de juros sobre o estoque da dívida externa é definido em contrato, e não se altera com o crescimento da economia ou se a taxa de câmbio é desvalorizada ou

Page 17: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

17

valorizada4. Lucros e dividendos, por sua vez, tendem a ser relativamente mais sensíveis à política econômica do que o pagamento de juros, uma vez que o crescimento da economia se reflete nos resultados das empresas. Além disso, se as empresas tiverem um grau elevado de inserção no mercado externo, ou se forem dependentes de importações, terão seus resultados atrelados ao comportamento da taxa de câmbio. E, de todo modo, seus resultados em moeda doméstica ao serem convertidos para moeda

estrangeira, serão maiores ou menores dependendo da taxa de câmbio.

Neste sentido, dentro das rendas, o pagamento de juros é o mais rígido, seguido pelos pagamentos de lucros e dividendos – que podem ser afetados em parte pela política econômica, embora menos do que o balanço de mercadorias e serviços – e por fim pelos salários, que são pouco relevantes nesta conta.

Em geral, se o país for um credor internacional, terá uma conta de rendas superavitária; e se o país for um devedor internacional, como o Brasil, terá uma conta de rendas deficitária. Uma exceção a esta regra é o resultado desta conta na economia norte-americana, que é positivo a despeito dos EUA serem devedores líquidos do resto do mundo. A razão para este aparente paradoxo é que a taxa de remuneração dos ativos externos americanos tende a ser mais elevada do que o rendimento pago pelos passivos externos daquele país - entre outros motivos porque sua condição de centro financeiro e de país de baixo risco leva a que capitais externos sejam atraídos para aplicações em títulos americanos (em especial da dívida pública), apesar da baixa remuneração na forma de juros.

No Brasil, os rendimentos do capital (juros, lucros e dividendos) formam a maior parte desta conta, uma vez que as remessas de salários são relativamente estáveis e de baixo valor se comparadas com os demais rendimentos.

Por fim, no que se refere à conta de rendas secundárias, vimos que nela se destacam as remessas de divisas por trabalhadores migrantes para seus familiares nos países de origem. Note que quando este é o compontente principal da conta de rendas secundárias (como é o caso no Brasil e em

4 Isto só vale se assumirmos que a dívida externa é denominada em moeda estrangeira, o que de fato corresponde a uma parcela expressiva das dívidas de grande número de países, inclusive o Brasil.

Page 18: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

18

muitos países), seu valor dependerá, principalmente, do número de emigrantes do país vivendo e trabalhando no exterior e portanto o valor da

conta é pouco sensível à política econômica e outros fatores conjunturais.

A Conta Capital

Na conta capital são lançados os créditos e débitos relativos a “ativos não financeiros não produzidos” e transferências de capital.

Os ativos não financeiros podem ser ativos reais produzidos (como máquinas, equipamentos, edificações, etc) ou ativos não produzidos como direitos sobre recursos naturais (licenças para explorá-los), terrenos vendidos para embaixadas, marcas, logotipos e domínios na internet. Mesmo que um logotipo ou uma marca tenha resultado de uma produção, seu valor de mercado em geral não resulta, na sua maior parte, do valor do serviço prestado para produzí-lo, e sim do sucesso de um empreendimento

associado àquela marca ou logotipo5.

As transferências (unilaterais) de capital (versus transferências unilaterais correntes), incluem doações de capital (ex: para construção de laboratórios e prédios de universidades) e herança, perdão de dívida (o ítem mais importante para muitos países), etc.

No caso brasileiro a conta capital é relativamente pouco importante em valor e o ítem de maior peso são os passes de atletas, conforme se pode ver na tabela 2 a seguir.

5 Uma prestação de serviço para a produção de um logotipo, feita por um residente a um não residente, é

lançado na conta de serviços. Pela mesma razão, direitos autorais e patentes são lançados na conta de

serviços, poque são ativos (não financeiros) que foram produzidos. Quanto a terras e terrenos comprados por

estrangeiros, os proprietários são considerados residentes, com exceção do caso das embaixadas, em que o

terreno comprado passsa a ser proriedade (território) de não residente.

Page 19: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

19

Tabela 2

Cabe notar que na literatura econômica, frequentemente se usa a expressão conta capital para referir-se àquilo que, na contabilidade do balanço de pagamentos é denominado de conta financeira. Nesta contabilidade, de acordo com o atual Manual de Balanço de Pagamentos do FMI (BPM 6), adotado pelo Banco Central do Brasil, e pela maioria dos países, a conta capital tem a definição acima dada (ativos não financeiros não produzidos e transferências unilaterais de capital), que difere da conta financeira, conforme definida adiante.

Note-se por fim que a conta capital, da mesma maneira que a conta corrente, registram as transações não financeiras da economia com o resto do mundo. O saldo destas transações precisa ser financiado de alguma maneira. Na conta financeira, apresentada a seguir, é mostrada a forma como esse

financiamento é realizado.

Page 20: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

20

A Conta Financeira

Conforme visto anteriormente, a Conta financeira abriga as transações relativas a aquisições e vendas internacionais de ativos financeiros (títulos relativos a empréstimos) ou direitos sobre ativos reais produzidos (fábricas, imóveis, etc). A conta financeira pode ser subdividida em 5 categorias: Investimento Direto (ID), Investimento em Portfolio (IP), Derivativos (D), Outros Investimentos (OI) e Ativos de Rerservas (AR).

A conta Investimento Direto registra os investimentos diretos (por residentes) no exterior (IDE) e investimentos diretos de não residentes no país (IDP). Fazem parte desta conta as aquisições e vendas de participações acionárias (para controle ou ampliação de capital de empresa estrangeira) e os empréstimos intercompanhias. Estes últimos, apesar de serem legalmente empréstimos, são concedidos, em geral, pela matriz de uma empresa a sua filial em outro país, como alternativa ao aporte direto de capital, e por isso incluído nesta conta.

É importante notar a diferença entre o investimento direto do balanço de pagamentos e o investimento macroeconômico das contas nacionais. O primeiro não necessariamente faz parte do segundo. O investimento nas contas nacionais corresponde aos acréscimos à capacidade produtiva derivados da aquisição de máquinas, equipamentos, instalações, softwares, etc. O investimento direto do balanço de pagamentos pode ser direcionado para esta finalidade, mas também pode constituir apenas a aquisição de empresas com máquinas, equipamentos e instalações já existentes, sejam elas empresas privadas ou públicas (neste caso, fazendo parte do processo de privatização). Em 1998 e 1999, por exemplo, 30% dos investimentos diretos estrangeiros foram correspondentes à participação no processo de privatização. Neste sentido, o investimento direto do balanço de pagamentos pode representar apenas uma troca de propriedade de ativos produtivos já existentes na economia, mas não a criação de capacidade produtiva adicional.

A conta de Investimento em Carteira (também chamada de Investimento em Portfolio) registra os fluxos dos investimentos de residentes em carteira de títulos estrangeira e dos investimentos estrangeiros em carteira de títulos nacional. Os investimentos em carteira são compostos pelas aplicações em

Page 21: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

21

fundos de investimento, pelos investimentos em ações (renda variável) e pela compra e venda de títulos de renda fixa.

As ações e os títulos de renda fixa podem ser negociados tanto no país quanto no exterior. Por exemplo, um investidor não residente pode comprar ações brasileiras (ADR’s) negociadas em bolsas de valores no exterior ou na Bovespa, como também pode comprar títulos de renda fixa colocados no exterior (bônus, notes, commercial papers) ou no país (títulos do Tesouro Nacional, por exemplo). Os títulos de renda fixa colocados no exterior são a principal forma de endividamento externo brasileiro.

É importante atentar para o fato de que esta conta abriga dois tipos de fluxo de natureza diferente (embora ambos correspondam a compra de papéis por investidores). Os títulos de renda fixa vão ser incorporados ao estoque da dívida externa do país e têm prazo de retorno e remuneração contratuais. As ações, ao contrário, não têm prazo de retorno nem remuneração definidos. Em geral, o investimento em ações é muito volátil, havendo grandes fluxos de entrada e saída em intervalos curtos de tempo. Assim, por exemplo, no ano de 2017 houve um ingresso líquido de US$ 3 bilhões de investimentos estrangeiros em ações no país, que resultou de uma entrada de US$ 110 bilhões e de uma saída de US$ 107 bilhões. A título de comparação os investimentos diretos líquidos no país foram de US$ 70 bilhões no mesmo ano, mas com uma entrada de US$ 131 bilhões e uma saída de US$ 61

bilhões.

O investimento em carteira na modalidade de ações é muito distinto, tanto do ponto de vista de suas motivações como de suas características, das vendas e aquisições de participações acionárias que fazem parte da conta do investimento direto. O investimento em ações, que faz parte da conta de investimento em carteira, não visa exercer o controle de empresas e de suas atividades, mas tão somente o retorno derivado da soma de dividendos e valorização dos papéis. Por isso mesmo trata-se, como vimos, de um fluxo muito volátil, ao contrário do investimento direto, que tende a ser uma conta bastante estável. Não é muito fácil distinguir os dois tipos de investimento na prática, para a contabilização do Balanço de Pagamentos. O critério utilizado pelo Banco Central é o de considerar investimento direto quando o investidor

tem 10% ou mais das ações com direito a voto.

Page 22: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

22

A conta de Derivativos registra o resultado líquido de fluxos financeiros relativos à liquidação de haveres e obrigações decorrentes de operações de

swap, opções e futuros, bem como os fluxos relativos aos prêmios de opções.

Derivativos são instrumentos financeiros cujo rendimento é ligado a outros instrumentos ou indicadores, por meio dos quais são trocados riscos específicos (de juros, câmbio, etc). Normalmente, ao final do prazo de um contrato, uma das partes paga à outra apenas a diferença entre os fluxos de rendimento derivado dos índices negociados. Cabe notar que os valores que são registrados no balanço de pagamentos referem-se apenas aos valores liquidados antes referidos e não ao valor dos contratos de derivativos. Esta conta é ainda relativamente pequena no Brasil.

A conta de Outros Investimentos registra os fluxos de empréstimos, financiamentos (e suas amortizações) concedidos por não residentes a residentes, bem como o de empréstimos e financiamentos concedidos por residentes a não residentes, além de suas respectivas amortizações. Também fazem parte desta conta os fluxos de recursos depositados por residentes (principalmente bancos) em contas bancárias no exterior e a compra e venda de ativos de reservas pelo Banco Central.

Apesar do nome “outros investimentos”, essa conta não é uma soma de demais fluxos sem importância, não especificados anteriormente. Ao contrário, dela fazem parte categorias de financiamento muito importantes para cobrir o déficit em transações correntes da economia brasileira.

Os empréstimos e financiamentos englobam: empréstimos bancários a serem usados livremente pelo tomador de recursos; crédito comercial para o financiamento de exportações e importações; e empréstimos tomados pela autoridade monetária junto ao FMI e outros organismos internacionais (empréstimos de regularização). As amortizações correspondem ao pagamento destes empréstimos e financiamentos.

A sub-conta denominada ativos de reservas do Banco Central abriga os fluxos de compra e venda de ativos de reservas pela instituição, aí incluídos recursos depositados em contas bancárias no exterior, títulos de renda fixa incorporados as reservas do Banco Central, aquisição e venda de ouro em barras e posição de reservas no FMI.

Page 23: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

23

Com a descrição dos sub-conjuntos acima, que compõe a conta financeira, estamos quase prontos para apresentar e interpretar os resultados do balanço de pagamentos. Ficou faltando apenas explicar como são feitos os

lançamentos dos valores das diversas contas, o que faremos em seguida.

Como são feitos os lançamentos dos valores das contas do BP

As transações do balanço de pagamentos são registradas pelo sistema de partidas dobradas. Ou seja, toda transação entra duas vezes no balanço de pagamentos: uma vez como crédito e outra vez como débito.

Suponha que um exportador do país vende US$ 100.000 de aço, que são pagos a vista pelo importador (residente em outro país). Suponha ainda que o comprador deposita o valor devido em uma conta que o exportador mantém no exterior. Teríamos então os seguintes lançamentos no balanço de pagamentos:

Exportações: US$100.000 (lançamento a crédito em transações correntes)

Depósitos no exterior: US$100.000 (lançamento a débito na conta financeira)

Suponha que, num momento posterior, o exportador necessita de recursos em reais para fazer pagamentos de suas despesas de produção no país, e para obter os reais vende os US$ 100 mil que estão na sua conta no exterior a um banco brasileiro. Os US$ 100 mil vendidos pelo exportador são então transferidos para uma conta que o banco brasileiro mantém no exterior.

Seriam feitos então os seguintes lançamentos no balanço de pagamentos:

Depósitos de empresas no exterior: US$ 100.000 (lançamento a crédito na conta financeira)

Depósitos de bancos no exterior: US$ 100.000 (lançamento a débito na conta financeira)

No balanço de pagamentos, toda operação que consistir numa fonte de recursos (moeda estrangeira) para o país, é lançada como crédito. E toda operação que represente um uso da moeda estrangeira é lançada a débito.

Page 24: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

24

No primeiro exemplo acima, a fonte de moeda estrangeira foi a exportação (crédito), enquanto o uso dado aos dólares obtidos com a exportação foi a constituição de um depósito pela empresa no exterior (débito). Na segunda operação a fonte de moeda estrangeira foi a venda de dólares, que estavam depositados no exterior, pela empresa. O uso dado a estes dólares poderiam ser vários. Se a empresa tivesse vendido a moeda estrangeira a um importador (para comprar mercadorias no exterior), os dólares teriam sido usados em importações (débito). Mas como no nosso exemplo o exportador vendeu as divisas a um banco, a utilização dada ao dólares foi a constituição de um depósito de bancos no exterior (débito).

Suponha agora que, em determinado período, as exportações de um país alcançaram o valor de 200 unidades monetárias (UM) e enquanto que as importações somaram 100 unidades monetárias (UM). Suponha ainda que os exportadores venderam os dólares obtidos aos bancos, enquanto os importadores compraram dos bancos os dólares necessários para pagar por suas importações. Estas operações seriam lançadas no balanço de pagamentos como na tabela 3 a seguir.

Tabela 3

Note-se que, como os lançamentos são feitos pelo sistema de partidas dobradas, a soma dos débitos é igual à soma dos créditos (300 UM cada). Se todos os créditos fossem lançados com sinal positivo e todos os débitos com sinal negativo, teríamos um saldo positivo de 100 UM nas transações correntes, compensado por um saldo negativo de 100 UM na conta financeira. Porém, pela convenção adotada no Manual de Balanço de Pagamentos do FMI (BPM6) apenas os débitos e créditos das transações correntes e da conta capital são computados pelo critério acima (sinal “+” para créditos e sinal “–“ para débitos). Na conta financeira os sinais são trocados.

Page 25: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

25

A convenção de computar, na conta financeira, os débitos com sinal positivo e os créditos com sinal negativo, tem por objetivo compatibilizar os fluxos do balanço de pagamentos com a contabilidade de estoques da Posição de Investimento Internacional (conta PII, que estudaremos adiante). Para entender essa compatibilização vamos dar dois exemplos. Suponha que o Tesouro Nacional tome um empréstimo externo de US$ 1 bilhão. O empréstimo será lançado como crédito, já que é uma fonte de moeda estrangeira. Porém, note-se que este empréstimo obtido no exterior vai aumentar a dívida externa do país (registrada na conta PII). Então teremos na conta financeira do balanço de pagamentos um lançamento com sinal negativo que vai corresponder (na conta PII) a um aumento do passivo do país (dívida externa) em relação ao exterior. Suponha agora que uma empresa brasileira faz um investimento no exterior de US$100 milhões. A operação é lançada como débito na conta financeira, já que corresponde a um uso de moeda estrangeira. Mas este débito vai ser computado com sinal positivo, para corresponder a um aumento do ativo externo do país na conta

de PII.

Dada a convenção acima, podemos inferir que toda vez que o saldo da conta financeira (F) for negativo, o valor dos créditos superou o valor dos débitos – portanto a entrada de moeda estrangeira (fonte de recursos) superou a saída de moeda estrangeira. Por essa razão o Banco Central indica que quando o sinal da conta financeira é negativo houve uma captação líquida de recursos externos e, toda vez que é positivo, ocorreu uma concessão líquida de recursos ao exterior (vide tabela 6).

As duas tabelas a seguir mostram um conjunto de lançamentos nas contas de transações correntes (tabela 4 A), capital (tabela 4 A) e conta financeira (tabela 4 B). Nestas tabelas supõe-se que todos os créditos e débitos das contas corrente e de capital tem como contrapartida um lançamento na conta de depósitos dos bancos no exterior. Ou seja, supõe-se que um exportador sempre vende os dólares das exportações aos bancos, o importador sempre compra dólares dos bancos e assim por diante, enquanto os bancos sempre depositam ou sacam de seus depósitos no exterior para comprar ou vender moeda estrangeira aos seus clientes. No caso da conta financeira, supõe-se que todas as demais transações (que não os depósitos) também tem como contrapartida a conta de depósitos dos bancos.

Page 26: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

26

Como se pode verificar, todas as operações lançadas como crédito representam fontes de moeda estrangeira para a economia, enquanto que todas as operações lançadas como débito representam usos de moeda estrangeira pela economia.

A partir dos dados das tabelas 4 A e 4 B podemos construir um balanço de pagamentos para esta economia, o que é feito na tabela 4 C.

Para passar dos dados da tabela 4 A para o Balanço de Pagamentos na tabela 4 C, soma-se os débitos e créditos das contas que pertencem às transações correntes, atribuindo-se um sinal negativo às contas de débito e um sinal positivo às de crédito. Assim, por exemplo, as despesas com turismo, por serem uma conta de débito vão ser incorporadas à conta de serviços do balanço de pagamentos com sinal negativo.

Para transferir os dados da tabela 4B computa-se os dados de crédito e débito da conta financeira, atribuindo-se sinal negativo às contas de crédito e sinal positivo às de débito. Assim, o investimento estrangeiro em ações, que é uma conta que recebeu um crédito de 10 (não residentes compraram ações de empresas do país no valor de 10), vai ser computado com valor -10 (menos 10) na sub-conta de investimento em carteira da conta financeira. Para chegar ao total desta sub-conta soma-se o investimento brasileiros em ações (2 na conta de débitos) e subtrai-se os 10 de investimento estrangeiros em ações (crédito) e os 30 de aquisições de títulos de renda fixa brasileiros por não residentes (crédito), chegando-se assim a um valor de -38 para a conta de investimento em carteira.

Page 27: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

27

Tabela 4 A

Tabela 4 B

Page 28: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

28

Tabela 4 C

Agora estamos preparados para entender melhor a equação básica do balanço de pagamentos. Dissemos anteriormente que, dado o método de partidas dobradas (a cada crédito corresponde um débito de igual valor, e vice-versa), a soma de todas as contas do balanço de pagamentos deveria ser zero, em cujo caso, a equação básica do balanço de pagamentos seria: TC + K + F = 0. Mas agora já sabemos que na conta financeira os créditos recebem sinal negativo e os débitos sinal positivo, ao contrário dos sinais convencionais usados nas transações correntes e na conta capital. Por essa razão, a equação básica do balanço de pagamentos fica sendo: TC + K - F = 0, ou : TC + K = F.

Vamos agora usar a equação básica do balanço de pagamentos para entender os diferentes significados de equilíbrio e desequilíbrio do balanço de pagamentos.

Como TC + K = F, por definição o saldo nas transações correntes e na conta capital é sempre financiado por um saldo equivalente na conta financeira, de maneira que, neste sentido, o balanço de pagamentos está sempre em

Page 29: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

29

equilíbrio. Mas este equilíbrio tem um significado puramente contábil, destituído de interesse econômico. Vejamos então diferentes casos em que um equilíbrio global pode corresponder a desequilíbrios parciais, porém importantes do ponto de vista econômico substantivo.

Um equilíbrio global pode resultar de uma situação em que o país tem um déficit na soma da conta corrente e capital, compensado por uma conta financeira negativa, no mesmo valor (TC+K<0 e F<0). O déficit nas contas corrente e capital significa que o país está precisando de financiamento, o que se reflete numa conta financeira negativa (captação líquida de recursos externos), como no ano de 2015 no Brasil (vide tabela 5). A conta financeira negativa, por sua vez, indica que o país está aumentando o seu endividamento externo (ou aumentando outros passivos externos). Dependendo da magnitude destes valores (do déficit e do aumento dos passivos externos) e de sua permanência nos períodos seguintes, o desequilíbrio nas contas parciais (TC, K e F) poderá levar a economia a ter problemas graves no futuro, como veremos adiante no curso. Portanto a despeito do equilíbrio global (TC+K=F), esta economia pode ser considerada como tendo um desequilíbrio no balanço de pagamentos.

Alternativamente, o equilíbrio global do balanço de pagamentos pode resultar de um saldo positivo nas contas corrente e capital, compensado por um saldo positivo, no mesmo montante (exceto por erros e omissões), na conta financeira – como no ano de 2005 no Brasil (vide tabela 5). Neste caso a economia está fazendo uma concessão de recursos ao exterior e aumentando seu ativo externo. Este desequilíbrio é menos problemático do que o anterior, mas poderá eventualmente trazer problemas para a gestão da economia.

Page 30: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

30

Tabela 5

Nos dois casos anteriores o balanço de pagamentos está em desequilíbrio num sentido econômico substantivo, mas equilibrado de um ponto de vista puramente contábil. Mas é claro que também podemos ter, teoricamente, o caso em que a economia apresenta um saldo zero nas três contas, representando um equilíbrio efetivo do balanço de pagamentos. Ainda assim, pode ser que a situação seja insustentável por períodos prolongados, o que caracterizaria um desequilíbrio do ponto de vista econômico. Para entender esta possibilidade precisamos desagregar a conta financeira em duas categorias de fluxos: os capitais autônomos e os capitais compensatórios.

Chama-se de fluxos financeiros autônomos (Fa) aqueles que são induzidos por interesses econômicos dos agentes residentes e não residentes. Investimentos diretos, financiamentos de exportações e importações, aquisição e venda de ações são transações realizadas por agentes econômicos movidos por seus interesses comerciais e financeiros.

Diferentemente dos anteriores os fluxos de aquisição e venda de reservas pelo Banco Central é movido pelo interesse da política econômica. Por que o Banco Central compra e vende ativos externos? Para intervir no mercado de câmbio com o objetivo, por exemplo, de estabilizar o valor da moeda doméstica e não por um interesse econômico (do tipo: obter rendimento na forma de juros). Assim, por exemplo, quando há uma escassez de moeda estrangeira no mercado de câmbio, ocasionada por uma entrada insuficiente de financiamentos autônomos para compensar um déficit nas transações correntes, o Banco Central pode intervir no mercado, vendendo moeda estrangeira. Ao fazê-lo, estará abastecendo o mercado com dólares para

Page 31: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

31

compensar a insuficiência do financiamento autônomo. Em casos de escassez muito grave, o país pode eventualmente contar com outros financiamentos compensatórios, como os empréstimos do FMI. Admitindo, para simplificar, que a única fonte de capital compensatório são as reservas, temos que:

F = Fa + AR

E, substituindo a equação acima na equação do BP global:

Fa + AR = TC +K, ou:

AR = TC + K – Fa (a acumulação de reservas pelo Banco Central é igual ao saldo das contas TC e K menos o financiamento espontâneo pelo setor privado. Lembre que estamos supondo que inexistem erros e omissões (caso contrário eles teriam que ser somados às TC + K)

Podemos agora entender o caso em que, mesmo com um equilíbrio nas 3 grandes contas o balanço de pagamentos, pode-se estar numa situação de desequilíbrio. Suponha que em determinado ano TC = 0, K = 0 e F =0. Porém há uma saída de financiamentos autônomos (Fa) de US$ 10 bilhões (Fa = US$ 10 bilhões). Neste caso, variação de reservas será de – US$10 bilhões (AR = TC + K – Fa), ou seja, o Banco Central vendeu US$ 10 bilhões de suas reservas para suprir a escassez de dólares no mercado. Se esta situação se repetir por muitos períodos, e as reservas baixarem demasiadamente, ficará caracterizada uma crise de balanço de pagamentos e as autoridades serão obrigadas a tomar medidas de política econômica para corrigir o desequilíbrio.

Para encerrar nossa apresentação do balanço de pagamentos, observemos a tabela 6, que apresenta uma versão mais completa (mas ainda assim resumida) do Balanço de Pagamentos do Brasil conforme apresentado pelo Banco Central do Brasil nas tabelas especiais de suas séries temporais

(http://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/n/SERIESTEMPORAIS).

Page 32: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

32

Tabela 6

Page 33: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

33

Note que vários fluxos das contas financeiras aparecem com um mesmo nome seguido ora da palavra ativo, ora do termo passivo. Um fluxo ativo corresponde a uma aquisição de ativos financeiros pelos residentes do país. É, em geral, um uso de moeda estrangeira – débito – que aumenta os ativos do país no exterior, e que pelas convenções contábeis da conta financeira, leva um sinal positivo. Os fluxos passivos correspondem a créditos e levam um sinal negativo6.

Por fim, devemos recordar que, apesar do total de lançamentos de crédito e débito no balanço de pagamentos ser teoricamente igual, o que garantiria a igualdade expressa na equação básica do balanço de pagamentos, na prática tal igualdade nunca se verifica. Uma vez somados todos os lançamentos, o balanço totaliza saldo líquido (entre créditos e débitos) diferente de zero em razão de omissões, erros e discrepâncias temporais nas fontes de dados utilizadas. Isso torna necessário o lançamento de uma partida equilibradora para o balanceamento das contas. São os erros e omissões, que se prestam a compensar toda a sobrestimação ou subestimação dos componentes registrados. Os erros e omissões são somados às transações correntes e à conta capital na equação básica do balanço de pagamentos, que fica sendo:

TC + K + E&O = F

No caso do balanço de pagamentos do Brasil de 2017, mostrado acima, esta equação, em termos de valores, fica sendo: -9762 + 379 + 4503 = -4880. Como interpretamos estes resultados? O país teve um déficit de US$ 4880 milhões nas contas corrente e de capital (incluindo os erros e omissões), que foi financiado por uma captação líquida de recursos externos no mesmo valor. A captação líquida de financiamentos autônomos (-US$ 9973 milhões) superou o déficit em transações correntes, restando uma sobra de dólares de US$ 5093 milhões de dólares que foram adquiridos pelo Banco Central e incorporados às suas reservas (lembrando que AR = TC + K + E&O – Fa, sendo que incluímos na equação anteriormente desenvolvida os erros e omissões, que são diferentes de zero no caso concreto do BP brasileiro de 2017).

6 Eventualmente uma fluxo passivo pode ter o sinal positivo. Por exemplo, investimento estrangeiro em ações

no Brasil é um fluxo passivo e leva o sinal negativo. Porém, se os estrangeiros estiverem se desfazendo de

seus investimentos em ações (de forma que o fluxo de retorno supere o de entrada), o sinal será positivo. Um

raciocínio análogo pode ser feito para os fluxos ativos.

Page 34: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

34

Balanço de Pagamentos e Contas de Riqueza (Posição de Investimento

Internacional – PII)

“No contexto das contas internacionais, os estoques são chamados de “posições”” (BPM6)”.

Daí Posição de Investimento Internacional referir-se aos estoques de riqueza líquida de um país (ativos externos menos passivos externos).

Relembrando a definição: Posição de Investimento Internacional (conta de estoques) é o registro, num determinado ponto no tempo, dos ativos financeiros de residentes que representam direitos sobre não residentes, mais ouro das Autoridades Monetárias, e do estoque das obrigações de residentes em relação a não residentes. O ouro das Autoridades Monetárias é destacado dos demais componentes porque não é um ativo financeiro emitido por ninguém, não correspondendo assim a uma obrigação de outrem com relação ao país.

A tabela 7 a seguir mostra a conta de Posição de Investimento Internacional do Brasil para o ano de 2015. Como se pode notar, os nomes das contas do ativo e passivo guardam uma correspondência com as denominações das rubricas que compõem a conta financeira do balanço de pagamentos. Isto porque existe uma estreita relação entre os fluxos da conta financeira e os estoques de ativos e passivos que compõem a PII. Para ilustrar essa relação, vejamos dois exemplos.

Suponhamos primeiramente que uma empresa brasileira faz investimentos na sua subsidiária no exterior ao longo do ano, no valor de US$ 1 bilhão. Este valor vai impactar a conta financeira do BP e a PII, através dos seguintes lançamentos contábeis:

– No BP os investimentos são registrados, na conta financeira, como investimento direto no exterior (US$ 1 bilhão)

– Na Posição de Investimento Internacional é registrado, no ativo, dentro da conta de Investimento Direto, o valor da do estoque de investimento na subsidiária no exterior, no final do período anterior (digamos US$ 10 bilhões), acrescido do investido nesse ano (US$ 1 bilhão). A nova posição do investimento no exterior desta empresa ficará em US$ 11 bilhões (US$ 10 bi do estoque

Page 35: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

35

anterior + US$ 1 bi de fluxo no ano, que agora é incorporado ao estoque)

Suponhamos agora que uma empresa brasileira que exportou US$ 100 milhões vende os dólares obtidos a um banco brasileiro (em troca de reais). Como são impactadas a conta financeira e a PII?

– No balanço de pagamentos, além das exportações, é registrado o depósito dos dólares na conta do banco brasileiro no exterior (+US$ 100 milhões).

– Na Posição de investimento internacional, o total dos depósitos que aquele banco tinha no exterior (digamos de US$ 1 bilhão) passa a ser de US$ 1,1 bilhão.

Tabela 7

Fonte: Banco Central do Brasil, Nota para a Imprensa, Setor Externo.

Page 36: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

36

Como visto nos exemplos anteriores, cada fluxo da conta financeira reflete-se (com igual sinal) na PII. Vale dizer, um fluxo positivo na conta financeira (como um investimento brasileiro direto no exterior) aumenta o ativo externo do país, e portanto eleva a PII (Ativos Externos – Passivos Externos). Logo, coeteris paribus, o valor da conta financeira em determinado ano é igual à variação da PII entre o final do ano anterior e o final do ano corrente.

Como F = TC + K, podemos também dizer que as variações na PII são explicadas, coeteris paribus, pelos fluxos das TC+K. Qual a implicação disto? A implicação é que um país que tem déficits recorrentes nas suas contas corrente e capital, terá que captar recursos externos permanentemente, e incorrerá numa redução continuada de sua PII. Ou, chamando uma PII negativa de passivo externo líquido (PEL), um país que tem déficits recorrentes nas contas de transações corrrentes e capital incorrerá num aumento continuado do seu passivo externo líquido. Essa tem sido a situação

brasileira nos últimos 10 anos.

Em suma, coeteris paribus, as mudanças nas posições (PII) são explicadas pelos fluxos do BP (e, em última instância, pelos fluxos macroeconômicos). Porém tudo o mais não fica constante. Por exemplo, mudam os preços de mercado dos ativos e passivos, mudam as taxas de câmbio entre as moedas. E tudo isso altera a PII independentemente do BP. O que significa que, além dos fluxos do BP, temos que acrescentar as mudanças oriundas de variações de preços, etc (registradas na conta de outras mudanças/variações nos ativos e passivos financeiros, que designaremos por “OV”), para chegar às variações da PII.

A tabela 8 a seguir, extraída da Nota para a Imprensa – Setor Externo, do Banco Central do Brasil, mostra as variações da Posição Internacional do Investimento entre o final de 2015 e o final de 2016, decompondo esta variação entre aquela parcela explicada pela conta financeira do balanço de pagamentos e a outra parte, explicada por outras variações (variações de preços e paridades e demais variações). É possível verificar que da variação negativa de US$ 207,4 bilhões na PII (isto é aumento de US$ 207,4 bilhões no PEL), a maior parte (- US$ 191 billhões) foi explicada por outras variações, com destaque para as variações de preços e paridades dos itens do passivo. Como ao longo do ano de 2016 a taxa de câmbio se apreciou bastante (o que aumenta o valor medido em dólares dos itens do passivo – ações brasileiras

Page 37: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

37

em posse de estrangeiros, e estoque do investimento direto no país) e a bolsa de valores teve uma forte valorização (alta de 39% no IBOVESPA), o valor dos ativos estrangeiros no Brasil sofreu uma elevação substancial, explicando a expressiva contribuição das OV para o aumento do PEL.

Tabela 8

Note contudo que variações de preços e cotações muito frequentemente tendem a mover-se em sentido oposto em períodos sucessivos - muitas vezes se anulando. No ano anterior ao mostrado na tabela 8, por exemplo, as variações de preços e cotações (+ demais variações) contribuiram para um aumento de US$ 151 bilhões na PII, o que reduz muito o impacto destas contas, quando consideramos os anos de 2015 e 2016 em conjunto. É razoável supor, portanto, que no longo prazo é o resultado da conta financeira que determina a evolução da PII.

Podemos então resumir a relação entre as contas do balanço de pagamentos e a PII da seguinte forma:

Coeteris paribus, PII = PIIt – PIIt-1 = F (1)

Mas a equação básica do BP (incluindo erros e omissões) nos diz que:

Page 38: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

38

TC + K + E&O = F (2)

Então, substituindo (2) em (1), temos:

PII = TC + K + E&O (3)

Porém se preços dos ativos e taxas de câmbio mudam, a equação (1) se transforma em:

PII = F + OV (4)

Ou, substituindo (2) em (4) :

PII = TC+ K + E&O + OV (5)

Para fins teóricos, podemos simplificar, supondo que não há erros e omissões nem variações de preços de ativos, etc, de forma a reduzir nossa equação para:

PII=F=TC+K (6)

Para finalizar, cabe agora acrescentar que não é só a conta financeira que tem impacto sobre a PII. A PII também tem um efeito sobre a conta financeira. Ou seja, há uma relação de retroalimentação (feed-back) entre as contas de fluxo e de estoque, isto é, entre o balanço de pagamentos e a posição de investimento internacional. Vejamos como.

As transações correntes são decompostas em:

TC = BC + BS + RP + RS

Onde: RP = J + L + OR

Sendo que:

J = juros líquidos recebidos do exterior (JR – JP)

L = lucros e dividendos líquidos recebidos do exterior

Page 39: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

39

OR = outras rendas líquidas recebidas do exterior

E o que determina cada uma das rendas líquidas recebidas do exterior?

Juros recebidos = i* Dnr (taxa de juros externa x Dívida dos não residentes com os residentes)

Juros pagos = i* Dr (taxa de juros sobre a Dívida do país x Dívida Externa Bruta do País)

Lucros recebidos = Estoque de IDE x taxa média de lucros distribuídos pelas filiais das empresas brasileiras no exterior

Lucros remetidos = Estoque de IDP x taxa média de lucros distríbuidos pelas filiais das empresas estrangeiras

Logo, quanto maior o estoque de ativos externos (conta de ativo da PII), maior a renda líquida recebida do exterior (conta pertencennte às TC), e quanto maior o estoque de passivos externos, menor a renda líquida recebida do exterior (ou maior a renda líquida enviada ao exterior. Vejamos agora como essa relação de retro-alimentação se dá, através de um exemplo.

Suponha que um país tenha uma posição de investimento internacional negativa (isto é, o país é devedor líquido do resto do mundo). Com algumas raras exceções (ex: EUA), este país terá uma conta de rendas deficitária, porque o que ele pagará ao exterior de juros, lucros, dividendos, etc, será

maior do que sua receita proveniente de rendas primárias.

Se este país deve 100 a não residentes e os não residentes devem 50 ao país, e se a a taxa de juros incidente sobre ambas as dívidas for de 5% ao ano , sua conta de juros será:

• Juros recebidos: 50 x 0,05 = 2,5

• Juros pagos; 100 x 0,05= 5

• Juros líquidos recebidos do exterior: J = 2,5 – 5 = - 2,5

Page 40: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

40

Suponha agora que esse país teve um déficit de 20 nas transações correntes e este foi financiado unicamente com empréstimos externos, isto é com aumento do endividamento externo bruto. A dívida bruta passa de 100 para 120, e a conta de juros fica sendo:

• Juros recebidos: 50 x 0,05 = 2,5

• Juros pagos; 120 x 0,05= 6

• Juros líquidos recebidos do exterior: J = 2,5 – 6 = - 3,5

Se os demais valores das transações correntes forem exatamente os mesmos do ano anterior, o DTC será agora de 21. O passivo externo aumentará e os juros aumentarão, etc, numa espiral de alta do PEL e do DTC. O inverso poderia ocorrer com um país que parte de uma posição credora. A espiral de alta (ou baixa), em que o DTC e o PEL se realimentam poderá ser revertida por uma melhoria (piora) nas exportações líquidas do país, que compensem (ou mais que compensem) o aumento da renda líquida enviada ao exterior.

4. Balanço de Pagamentos e Contas Nacionais

Até aqui estudamos as contas externas (Balanço de Pagamentos e PII) isoladamente, fora do contexto da macroeconomia doméstica. Ao fazer isto estávamos abstraindo o fato de que as transações com o exterior são parte do conjunto de transações que são realizadas em uma economia. O balanço de pagamentos reflete o comportamento da economia doméstica e a influencia de volta. Para examinarmos estas relações, do ponto de vista

contábil, comecemos pela identidade básica das contas nacionais:

PIB = C + I + G + (X – M)

Note que (X – M) significa, nesta equação, exportação menos importação de mercadorias e serviços (ou NX, exportações líquidas de bens e serviços). Se somarmos as rendas primárias e secundárias recebidas do exterior dos dois

lados da equação, teremos:

PIB + RP + RS = C + I + G + (X – M) + RP + RS (1)

Page 41: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

41

Até agora, por simplificação vínhamos considerando o PIB como sendo

idêntico à renda nacional. Agora podemos definir com mais precisão os

conceitos de PIB e renda nacional:

Renda Nacional Bruta (RNB) = PIB + RP (2)

Renda Nacional Disponível Bruta (RDB) = RNB + RS (3)

Substituindo (2) em (3), temos:

RDB = PIB + RP + RS (4)

Sabemos que TC = (X – M) + RP + RS (5)

Substituindo (4) e (5) em (1), temos:

RDB = C + I + G + TC (6)

Rearranjando os termos de (6), temos que:

RDB – C – G = I + TC (7)

Tendo em conta o conceito de poupança, como renda menos o consumo

(público e privado), podemos reescrever (7) como:

S = I + TC

S – TC = I

Ou, chamando o saldo negativo em transações correntes (-TC) de déficit em transações correntes (DTC):

Page 42: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

42

S + DTC = I

Isto é, o investimento doméstico é financiado pela soma da poupança nacional com o déficit em transações correntes. A intuição econômica a este respeito é a seguinte: se o investimento doméstico é superior à parte da produção (e da renda) nacional não usada para consumo, é necessário que a economia do país obtenha no resto do mundo um excedente de produtos (importando mais do que exportando para o resto do mundo) para completar o investimento do país. E este excedente de bens e serviços que o país obtém do resto do mundo (igual ao déficit em transações correntes) é macroeconomicamente igual a poupança externa, a parte da renda do resto do mundo que não foi gasta no resto do mundo, permitindo que fosse enviado o excedente de produtos para o país. Ou seja,

Sn + Se = I

Podemos ainda distinguir, dentro da poupança nacional, o componente gerado pelo setor público e o gerado pelo setor privado. Para tanto, vamos subtrair a tributação (T) dos dois lados da equação (6):

RDB – T = C + I + (G – T) + TC

RDB – T – C = I + (G – T) + TC

E, dado que o lado esquerdo da equação acima corresponde à diferença entre a renda disponível líquida do setor privado (RDB – T) e seu consumo (C), podemos chamá-la de poupança do setor privado. Por outro lado, (G – T) é o déficit corrente do setor público, ou despoupança pública7. Temos então que:

Sp = I + (G – T) + TC

Ou seja, a poupança privada nacional financia o investimento, o déficit público e o superávit nas transações correntes do balanço de pagamentos.

Ou, colocando de outra maneira,

7 Observe que há vários conceitos de déficit público. O conceito usado nos acordos com o FMI, por exemplo,

difere do usado aqui, porque inclui os investimentos do setor público e não apenas o consumo do governo nos

gastos, de forma que o déficit não se confunde com despoupança do setor público, da mesma forma que o

superávit, no conceito do FMI, não é igual à poupança do setor público.

Page 43: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

43

Sp + (T – G) + DTC = I (8)

E considerando que (T – G) é a poupança do setor público e DTC a poupança externa, podemos escrever:

Sp + Sg + Se = I (9)

Esta última equação exprime o fato de que numa economia aberta o investimento doméstico é financiado pela soma das poupanças pública, privada e externa.

Déficits Gêmeos

Se quisermos investigar as causas de um desequilíbrio do balanço de pagamentos em conta corrente a partir das principais variáveis macroeconômicas, podemos reescrever a equação (8) acima da seguinte

maneira:

DTC = (I – Sp) + (G – T) (10)

Visto pela equação acima, o déficit em conta corrente pode ser determinado ou por um excesso de investimento sobre a poupança privada, ou por um

déficit público.

Isto posto, a primeira observação a fazer sobre a identidade acima (que embora seja somente uma identidade contábil, terá que ser, de uma forma ou outra, respeitada, e por isso é um instrumento útil para entender como uma mudança da conta corrente ocorre) é que uma determinada medida de política econômica, como uma desvalorização cambial ou um aumento das tarifas de importação só melhorarão o saldo em conta corrente do balanço de pagamentos se tiverem efeitos no sentido de provocar um ou mais dos seguintes resultados: aumento da poupança privada, redução do investimento, aumento da arrecadação tributária, redução dos gastos públicos. Esse ponto foi levantado no início da década de 50, pelo economista Sidney Alexander.

Page 44: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

44

Uma desvalorização afeta positivamente a conta corrente se for acompanhada de um corte da absorção (uma diminuição no consumo, que equivale a um aumento na poupança privada, uma diminuição no investimento e/ou uma diminuição nos gastos do governo). Um aumento do déficit público piora a conta corrente pelos motivos acima.

É preciso cuidado, contudo, com as conclusões a serem tiradas. A observação dos dados de crescimento simultâneo do déficit público e do déficit em conta corrente dos EUA na primeira metade dos anos 80 ao mesmo tempo em que o contrário se passava no Japão, levou ao surgimento da expressão déficits gêmeos. A sugestão era de que os déficits em conta corrente eram causados por déficits públicos. Aqui no Brasil, no período em que o câmbio esteve apreciado por conta do Plano Real, o governo usou este argumento para defender o ponto de que não era a taxa de câmbio, e sim o déficit público, o responsável pelos altos e crescentes déficits em transações correntes. Mas a hipótese dos déficits gêmeos começou a ser contrariada na prática pelo comportamento dos déficits nos EUA e Japão na década de 1990 (Gráfico 2).

Como explicar? Na década de 1990, o superávit fiscal americano contribui para um resultado positivo na conta corrente, mas é mais do que compensado pela expansão dos gastos privados, tanto de consumo (que contraíram a poupança privada) como de investimento. E mais, note que o próprio superávit fiscal é um subproduto do aumento dos gastos privados, que provocaram uma expansão do produto e, por conseqüência, da arrecadação fiscal.

Enfim, não se pode tirar conclusões, a partir da identidade acima (10) sobre as causas de um défict em conta corrente focando a análise apenas em parte das variáveis do lado direito da equação (no caso da interpretação dos déficits gêmeos, em G-T). Além disso, para se ter uma visão mais abrangente dos determinantes de um déficit em conta corrente, é preciso investigar as causas das variações nas 4 variáveis do lado direito da equação, vale dizer, o que provocou uma variação no investimento, na poupança privada (portanto no consumo privado), na tributação e nos gastos públicos.

Page 45: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

45

Gráfico 2

4. BALANÇO DE PAGAMENTOS E CONTAS MONETÁRIAS

A relação entre o balanço de pagamentos e o mercado monetário de um país foi estabelecida por Hume, no século XVIII, quando concebeu o modelo que ficou conhecido como Mecanismo do Fluxo de Moeda – Preços (Price-specie flow mechanism), como uma crítica às concepções mercantilistas sobre o comércio exterior. Através do mecanismo de Hume, mostrava-se que, se um país acumulasse um excesso de metais preciosos (espécie), aumentaria a quantidade de moeda em circulação (espécie) levando a um aumento dos preços de seus produtos, o que reduziria a competitividade internacional dos bens e serviços domésticos, levando a um déficit na balança comercial, que seria compensado por uma saída de ouro do país. Ou seja, uma política de auto-suficiência, de acumulação de superávits crescentes e de estoques de metais preciosos, acabaria sendo anulada pelas forças de mercado.

Déficits

Gêmeos Déficits

Gêmeos?

Page 46: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

46

Numa economia moderna, sempre que o banco central usar as reservas para intervir no mercado de câmbio estará sendo estabelecida uma conexão entre o balanço de pagamentos e a oferta monetária doméstica. Isto porque ao comprar moeda estrangeira no mercado, para incorporar às suas reservas, o banco central entrega moeda doméstica em pagamento – e toda vez que moeda doméstica sai dos cofres (ou das contas) do banco central para o público, há uma expansão de base monetária. Por outro lado, sempre que o banco central vende dólares no mercado de câmbio, ele está retirando moeda doméstica de circulação e portanto está havendo uma contração de base monetária.

A relação entre os mercados de câmbio e monetário, que acabamos de introduzir no parágrafo acima, pode ser agora apresentada de maneira um pouco mais formal, através do exame do balancete simplificado do banco central.

Há dois conjuntos de contas neste demonstrativo contábil: as do passivo, que discriminam as fontes de recursos a disposição da instituição e as do ativo, que compreendem as aplicações destes recursos. No que se refere ao passivo, as fontes de recursos são agrupadas em duas categorias: a base monetária (B) que corresponde à criação primária de moeda pelo banco central e os recursos não monetários (RNM), que englobam, grosso modo, os empréstimos tomados pelo banco central no país e no exterior. Quanto às contas do ativo, por força de sua função legal, o banco central emprega seus recursos de duas maneiras básicas: na compra de moeda estrangeira, reservas internacionais (R) e na concessão de crédito doméstico (CD), seja ao governo (carteira de títulos do tesouro), seja ao setor financeiro (redesconto e outros empréstimos às instituições financeiras).

Em suma, o balancete nos mostra que o Banco Central conta com duas fontes de recursos (B e RNM) para financiar a compra de reservas e seus créditos ao governo e às instituições financeiras.

Page 47: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

47

Tabela 9

Observe que o valor das reservas internacionais está contabilizado, no quadro acima, na moeda nacional (R$). Para efeitos de comparação com o resultado do balanço de pagamentos, onde as reservas estão contabilizadas em dólares, temos que conhecer o valor da taxa de câmbio (E). O valor das reservas em reais, registrado no balancete do banco central corresponde, portanto, a RR$ = RUS$ x E.

Para que se tenha uma idéia destas contas no caso brasileiro, reproduz-se a seguir o balancete sintético do Banco Central do Brasil e dezembro de 2016.

Tabela 10

A partir do balancete simplificado do banco central apresentado acima, pode-se escrever uma equação que mostra a relação entre o resultado do balanço de pagamentos (identificado com a variação das reservas) e a oferta

monetária (representada aqui pela base monetária).

RR$ + CD = B + RNM

Page 48: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

48

A equação nos diz que o total das aplicações de recursos do banco central (RR$ + CD) é igual as suas fontes de financiamento (B + RNM). Subtraindo-se os empréstimos tomados pelo banco central (RNM) dos empréstimos por ele concedidos (CD), chegamos à variável crédito doméstico líquido (também denominada ativos domésticos líquidos). Pode-se então reescrever a equação anterior como:

RR$ + CDL = B

Onde CDL = CD – RNM

Ou, alternativamente, podemos exprimir a variação da base monetária como:

B = RR$ + CDL

De acordo com a equação acima, a variação da oferta monetária (B) tem, numa economia aberta, dois componentes explicativos: a variação do CDL, que é uma variável exógena ao sistema econômico, na medida em que depende de uma decisão da autoridade monetária sobre o volume de crédito por ela concedido; e as reservas internacionais que, num regime de câmbio fixo, são uma variável endógena ao sistema econômico, porque dependem dos fluxos do balanço de pagamentos gerados pelas decisões dos agentes econômicos. Num regime de câmbio flutuante a variação das reservas

também depende de decisões do Banco Central.

Vimos portanto que a variação das reservas em moeda doméstica é um dos determinantes da expansão ou contração da oferta primária de moeda da economia. A variação das reservas em moeda doméstica, por sua vez, depende da taxa de câmbio e do resultado global do balanço de pagamentos. Admitindo igual a um, temos que:

RR$ = RUS$ x E = (TC + K – Fa) x E8

8 Supondo E&O = 0. Vide a seção 3, anterior.

Page 49: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

49

Esterilização ou neutralização dos efeitos monetários do balanço de

pagamentos

Havendo uma expansão da base monetária doméstica derivada de um aumento de reservas, o banco central pode, em princípio, neutralizar este movimento através de uma contração equivalente no crédito doméstico líquido. Igualmente, ele pode neutralizar o efeito contracionista de uma queda das reservas internacionais sobre a base monetária, promovendo uma expansão do crédito doméstico líquido. Essas operações são chamadas de esterilização (ou neutralização) dos efeitos monetários do balanço de pagamentos. E a intervenção no mercado de câmbio (vendendo ou comprando moeda estrangeira), quando acompanhada de uma operação de esterilização, é denominada de intervenção esterilizada.

A contração do crédito doméstico líquido para esterilizar um aumento de reservas pode ser produzida de várias maneiras. Uma das mais usuais seria através da venda de títulos públicos ao mercado, operação através da qual o banco central retira com uma mão a moeda doméstica injetada no mercado com a outra mão (quando comprou moeda estrangeira). Quando faz isso, o Banco Central estará, também, reduzindo o estoque de títulos públicos em sua carteira, ou seja, o estoque de seu crédito ao setor público (um dos componentes do crédito doméstico líquido).

Para encerrar esse texto didático, a figura 2 a seguir faz um resumo da relação do Balanço de Pagamentos com as demais contas da economia aqui tratadas.

Page 50: Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) · 1 Economia Internacional (Macroeconomia Aberta) Parte I: Conceitos Básicos e Balanço de Pagamentos Prof. Francisco Eduardo Pires

50

Figura 2