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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FLUMINENSE – campus Campos - Centro ECOS DA MACHADINHA: a memória do Quilombo cantada em pontos de Jongo Artigo Cientifico apresentado ao Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Fluminense (IFF/Campos), como requisito parcial para conclusão do Curso de Pós- graduação “Lato Sensu” em Literatura Memória Cultural e Sociedade. Orientadora: Professora Drª Vania Cristina Alexandrino Bernardo Campos dos Goytacazes - RJ 2013

ECOS DA MACHADINHA: a memória do Quilombo cantada em ...bd.centro.iff.edu.br/bitstream/123456789/1936/1/Texto.pdf · pontos de Jongo Artigo Cientifico apresentado ao Instituto

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ECOS DA MACHADINHA: a memória do Quilombo cantada em

pontos de Jongo

Artigo Cientifico apresentado ao Instituto

Federal de Educação, Ciências e Tecnologia

Fluminense (IFF/Campos), como requisito

parcial para conclusão do Curso de Pós-

graduação “Lato Sensu” em Literatura

Memória Cultural e Sociedade.

Orientadora: Professora Drª Vania Cristina

Alexandrino Bernardo

Campos dos Goytacazes - RJ

2013

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O homem é simultaneamente criador e produto da

cultura a que ele pertence. Ele tem de se

reconhecer na imagem, mesmo reduzida a

denominadores comuns das consciências

particulares, que a sociedade lhe apresenta e cuja

construção passa pelo resgate crítico dos valores

profundos determinados pela história.

Jean Baptista Nardi

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ECOS DA MACHADINHA: a memória do Quilombo cantada em

pontos de Jongo1

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Echoes of Machadinha: the memory of Quilombo sung in letters

of Jongo

Resumo

O tambor da Machadinha, sua gente e ruínas são partes de um todo histórico e o desafio

deste trabalho é refletir sobre as letras desse tambor, o jongo cantado e dançado pelos

habitantes das antigas senzalas da Fazenda Machadinha. A origem, a história e as

influências culturais da comunidade afrodescendente da Machadinha, num dado

momento, anunciam reminiscências na apresentação dos jongueiros e são esses rastros

de memória que buscamos com primazia nesta pesquisa. O objetivo maior é identificar

momentos, espaços, rupturas, permanências e personagens para compreender

significados e mecanismos de resistência envoltos na relação social dessa comunidade

quilombola e o universo político, econômico e cultural na qual está inserida.

Palavra-chave: Memória, cultura, Fazenda Machadinha, quilombo ressemantizado,

Jongo.

Abstract

the drum of machadinha ,its people and uins are part of historyand the challenge of this

study to reflect on the drum's lyrics,the jongo sung and dancedby inhabitants of old

senzalas (placewhere slaves lived )og farm hatched. at any given time , the roots ,history

and cultural influences of the afrodescent community of machadinha show

reminiscenncesof jongo's performance and those memories tracks are core of this

research our main goal . Our target is toindentify moments ,spaces,ruptures

,permanences and characts whichenableus to understand the meaning and resistance

mechanism ivolved in the relationship between this "quilombo" community and the

political,economical, and cultural in which it is inserted.

Key words: Memory. Culture. Fazenda machadinha. Quilombo's Changing Jongo

1 Ponto de jongo é a forma mencionada da letra cantada, os jongueiros da Machadinha costumam dizer

“puxar o ponto” ou “tirar o ponto”.

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1 Esboço sobre os novos arranjos sociais – a confluência de construtos

na legitimação do Quilombo ressemantizado e o Jongo como Patrimônio

Cultural

Vim de longe minha gente

Vim da terra de Angola

Quando cheguei no Brasil,

Me tornei quilombola.

O negro está em destaque

Demostrando seu valor

Conseguiu se libertar,

Da chibatada do senhor.

(...)

Jongo novo da Machadinha

Este artigo associa os estudos da disciplina "literatura e memória, o texto como

apropriação cultural " e as experiências particulares vividas entre quilombolas. Com

estes viés social de memória individual e coletiva, os estudos empreendidos nesse

trabalho segue a linha de pesquisa que se preocupa em estudar questões que giram em

torno de história e de política, analisando aspectos indenitários e sociais envolvendo

mitos, lendas, enfim pontos que revelem a memória cultural.

O campo de pesquisa aqui focado é a comunidade quilombola da fazenda

Machadinha localizada no município de Quissamã-RJ, que apresenta uma peculiaridade

em relação aos demais quilombos instalados em nosso território: o preservado conjuntos

de senzalas que abriga sua gente e cenário, representativos da história contada entre

ruínas e contemporaneidades. A comunidade objeto desse trabalho compreende o

conceito de quilombo ressemantizado, cabendo ressaltar o redimensionando do conceito

de quilombo a partir da constituição de 1988 é avesso as denominações como: “terra de

preto" ou "lugar de preto”. Nesse documento a cor da pele a raça deixam de ser fatores

determinantes, e de forma conclusiva, Rebeca Campos Ferreira anota os seguintes

caracteres para classificação de grupos remanescentes de quilombos com base na lei de

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88:"além de étnicos devem ser políticos orientados e ativos -essa necessidade relaciona-

se com a questão fundiária ". Para tanto, no eixo desde processo engendrado acumulam-

se :contemplação à diferença e reconhecimento dos direitos étnicos em debate no país

desde 1960, em corroboração à crítica do mito da democracia racial no Brasil.

Então, o conceito de "quilombo ressemantizado ", de acordo com a análise de

Rebeca campos Ferreira, sob a definição da Associação Brasileira de Antropologia em

1994, é acentuado pelos seguintes fatores:"(...)grupos que desenvolveram práticas de

resistências na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num

determinado lugar", e a identidade como "uma referência histórica comum, construída a

partir de vivências e valores partilhados”. E, assim, completa a antropóloga:

Ressemantizar o quilombo é portanto, abandonar

sentidos que lhe são dados por meio da legislação colonial,

deixar o simbolismo que o cerca, que lhe é dado tanto pela

literatura acadêmica quando por movimentos negros; é

deslocar o conceito de sua significação simbólica original,

que apresenta uma mescla com confronto e emergência de

identidade. (Ferreira ,2010,p.10).

A perspectiva abordada, sobretudo, militância e percepção de valores incandescentes

por mobilidade social que ultrapassa o rigor da luta de classes, da cor da pele, dos

escapes econômicos e poderes políticos. O quilombo aqui estudado não é emblemático

como o palmares (AL), tão pouco lendário como o de Carucango (RJ), mas, de alguma

forma segue "zumbilições" quando conjuga os preceitos de liberdade étnico cultural e

elabora soluções que evocam a memória, a crítica e a identidade, em manifestações do

cotidiano, como compor, dançar e cantar o jongo, por exemplo. O jongo, sob análise

neste trabalho, corresponde ao sentido de dança tradicional afro-brasileira com variantes

regionais ligadas a sua origem, conforme definição elaborada pelo pesquisador

brasileiro Nei Lopes (1996).Segundo esse pesquisador das culturas africanas, em

concordância com o Aurélio Buarque de Holanda, o "Jongo no Sudeste", é Patrimônio

Cultural Imaterial do Brasil, pois pode ser definido como o conjunto de ações para

legitimar e compreender essa manifestação cultural, herança dos grupos africanos de

língua banto, escravizados no Brasil.

Com tais considerações, o trabalho foi dividido: a primeira parte dá conta de

conhecimento gerais sobre a comunidade quilombola da Fazenda Machadinha com

breve alinhamento histórico e apontamento para a memória contida no patrimônio

material e imaterial do quilombo em questão. O segundo momento aborda a memória

dos velhos sob entendimento dos estudos de Eclea Bosi. O terceiro salienta os novos

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tempos com foco no intercurso das políticas públicas, observando a composição das

letras, tendo os jongueiros como personagens sociais, assim como o processo de

cissiparidade que permuta o tempo histórico, a memória sociocultural e ambiente.

2 Candência entre fator social e histórico: partes do todo literário

A composição desse artigo importa aspectos sociais e históricos para

complementariedade da análise proposta. Essa abordagem, no entanto, segue as ideias

de Antônio Candido em literatura e sociedade(2006), quando buscamos perceber as

letras de jongo de machadinha em moldes literários. Nesse contexto, também

priorizamos a questão da memória social, notadamente a dos velhos elaborada por Eclea

Bosi. Em suma, o jongo funciona como um rio, nascido no tempo passado; e seus

afluentes fornecedores de caudaloso enredo acrescido de cultura, via memória social.

Dessa forma, é importante traçar uma panorama histórico com vínculo entre patrimônio

material e imaterial, visto que a produção cultural é de fato condicionada pelas forças

sociais que envolvem o artista,"(...)depende da ação de fatores do meio, que se

exprimem na obra em graus diversos de sublimação, e produz sobre os indivíduos em

efeito prático, modificando a sua conduta e concepções de mundo, ou reforçando neles

os sentidos dos valores sociais"(Candidato,2006, p.30)

Para melhor definição histórica do quilombo em tela, é possível marcar cinco

momentos distintos. Essa passagem no entanto, é por vezes matizadas com momentos

regionais ou de âmbito nacional. Inicialmente, esse percurso é marcado pelo emprego da

mão-de-obra escrava de origem africana. O predomínio da monocultura da cana-de-

açúcar é recorrente desde o séc. XVIII até o ruir das usinas da região, sobretudo, o

Engenho Central de Quissamã. Nesse contexto, o jongo(tambor) de machadinha entra

em decadência na (segunda metade do séc. XX), e por trinta anos, é praticado por um

pequeno grupo de moradores. Nas demais comunidades quissamaenses, o tambor é

extinto. Nos primeiros anos do séc. XXI ocorre a revitalização da cultura afro-brasileira

entre os habitantes da Fazenda Machadinha, quando os jovens são estimulados pelos

mais velhos e iniciados como jongueiros. Nesse período, mais precisamente em 2008, a

comunidade remanescente de escravos, é na forma da lei, reconhecida e titulada

comunidade quilombola.

Os momentos históricos que delineiam esse percurso social podem ser assim

destacados :

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1º - Período áureo da sociedade canavieira e escravocrata quissamaense (de meados do

séc. XVIII a meados do séc. XIX);

2º - Crise do trabalho escravo, mecanização do setor açucareiro e tentativas

introdutórias do trabalho livre (de meados do séc. XIX a início do séc. XX);

3º - Predomínio da monocultura da cana- de- açúcar, modernização agroindustrial /

usinas (de início á segunda metade do séc. XX);

4º - Decadência do setor açucareiro em Quissamã (última década do séc. XX)

5º - Fortalecimento das militâncias negras por direitos étnico raciais. Implantação de

políticas públicas em prol dos remanecentes das comunidades escravas, patrimolização

da cultura imaterial, valorização das manifestações afro-brasileiras e da revitalização

das práticas culturais no Complexo Cultural da Fazenda Machadinha (final do séc. XX

aos dias atuais).

Por assim dizer, a comunidade quilombola da Machadinha se constitui dos

descendentes dos escravos e colonos que desde a abolição permanecem nas antigas

dependências destinadas ao alojamento dos escravizados, as senzalas. A relação com o

setor açucareiro é estabelecida pela proporção do poder econômico. Desta produção

agroindustrial e o emprego da mão-de-obra livre ou escrava nos latifúndios das glebas

quissamaenses, não sendo esta comunidade uma exceção. O vínculo agrário e o

cotidiano rural, na fieira socioeconômica, fazem parte da paisagem apresentada pelos

pontos de Jongo. Na composição das letras, a decadência dessa manifestação é

amenizada pelas novas aspirações, embora seja um fantasma em espectros

contundentes.

O Jongo na Machadinha é, sobretudo, uma palavra nova que concentra antigos

significados. O tambor era a palavra comum da prática cultural no momento da

revitalização da cultura negra desta comunidade, Jongo e/ou Jongueiro substituem as

expressões: tambor e saca no tambor. Nesse sentido, "O Jongo ou tambor, como é

chamado em Quissamã, é uma antiga dança de escravos, muito difundida no estado do

Rio de Janeiro, em especial na zona canaviera”. (CAVALCANTI,1991, p.131). Entre os

praticantes mais velhos (mestres), no entanto, a afirmação é recorrente: "antigamente a

gente falava tambor, é quase a mesma coisa"(Dalma - professora de Jongo e

coordenadora do grupo Jongo de Machadinha). O tambor, Jongo ou caxambu são

variação rítmicas muito parecidas, mas, apresentam entre si, particularidades idênticas

de cada comunidade.

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Tivemos a oportunidade, nesse ano de 2012, de acompanhar o Grupo de Jongo de

Machadinha, num encontro de jongueiros do sudeste na festa do quilombo São José da

Serra, Valença (RJ), em comemoração ao dia 13 de maio (libertação da escravatura) e

verificamos que a batida de jongo, objetivo desse estudo, é diferenciada da dos demais

jongueiros do sudeste. O mestre Leandro Nunes (da Machadinha) explica que a batida

"sempre foi mais repicada "(acelerada)em com palração ás demais. E acrescenta o

cantante:" durante a revitalização do jongo, tentaram mudar a batida, deixar iguais aos

outros, mas a gente não quis porque sempre foi assim".

A memória dos velhos habitantes das senzalas da Machadinha, descendentes dos

escravizados e colonos dessa fazenda (atualmente entre a quinta e oitava geração), dá

conta de muitas práticas culturais, afeitas á tradição africana. Assim entre a culinária,

religião e o artesanato, há destaque para o fado (diferente do fado português), o jongo e

o boi malhadinho. Atualmente, são práticas motivadas pra a valorização da cultura, com

ênfase na conscientização indenitária e unicidade da comunidade local. De forma

paralela as atividades turísticas são agregadas ao conjunto de manifestações culturais.

Então, nos anos de 2007 e 2008, foi realizada a obra de restauração das antigas

senzalas (totalizaram-se 47 unidades habitacionais) com adaptações (quarto, banheiro,

cozinha) aprovados pelo INEPAC (Instituto Estatual do Patrimônio Cultural). Objetivo

foi garantir melhor condição de vida aos moradores sem prejuízo ao patrimônio o físico

original, sendo removido apenas aquele irrecuperável como o madeiramento atacado

por cupins. O complexo cultural Fazenda Machadinha, inaugurada no dia 4 de julho de

2008, compreende: quatro conjuntos d senzalas; uma capela; um armazém; uma casa de

artes; ruínas da casa grande / escoramento e o ruamento (trecho de chão batido, terreiro

coletivo), palco do cotidiano da vida simples há tempos citados por moradores como

delineador social, ou seja, neste espaço, os bem-nascidos não brincavam não

compartilhavam suas experiências. Na casa de Artes, o projeto Raízes do Sabor

contempla a culinária exótica das senzalas que combina farinha de mandioca, peixe seco

e carne -seca na preparação de pratos como: mulato-velho, sopa de leite e capitão de

feijão.

E possível afirmar que a revitalização da cultura local privilegia sustentabilidade e

desenvolvimento sociocultural memória dos velhos é fonte de dados para a manutenção

da cultura e passagem desta aos mais jovens. No jongo a primazia dos mais velhos é

destacada. Estes são os mestres cantantes e orientadores dos mais novos. Sobre os

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mantenedores do tambor dos anos de decadência, muitas das vozes calaram -se pelo

avançar dos anos e imposição da morte. Suas experiências, no entanto, são preservadas

e ilustradas em registros e ponto de jongo, como é o caso da relação entre o tambor e a

D. Guilhermina, a cheiro. " Cheiro incentivou a dança em dupla aos casais no centro da

roda, porque antes não era assim”. (Dalma).

Percebemos que a memória reanimada da Fazenda Machadinha possui a toada dos

mais velhos, não permanece estática, é viva, está em movimento. Existe, no entanto,

forte critica á inclusão de instrumentos (pandeiro, tambor industrializados) pelos

tocantes e a uniformidade das roupas dos dançantes. Para essa última contestação é que

suscita uma considerável associação ao "teatro para turista assistir”. Essa discussão é

válida e importante para compreender a preocupação no entorno da influência da cultura

de massa sobre comunidades quilombolas e suas práticas tradicionais. Nesse trabalho,

não cabe tal desenvolvimento, mas é lançada reflexão sobre o assunto.

O Patrimônio Cultural Imaterial é definido pela UNESCO (Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciencia e a Cultura) como

As práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas

junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais

que lhe são associados - que as comunidades, os grupos e, em

alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de

seu patrimônio cultural (2012).

Essa conceituação compreende dois fatores dois indispensáveis ao construto da

intensidade sociocultural ,focando no patrimônio intangível: a continuidade e a

criatividade ."É transitivo de uma geração a outra "-continuidade-e "é constante mente

recriado pelos grupos"- criatividade (UNESCO,2012).Esse processo se dá "em função

do seu ambiente , de sua interação com a natureza e sua história "(IPHAN, s/d)que

somados, promovem encantamento e respeito á diversidade cultural insubstituível da

ação humana.

O jongo( Patrimônio Cultural imaterial)da Machadinha está registrado em projetos

como Quissamã Memória Viva (Espaço José Carolos Barcellos ), projeto tempo livre

Tempo Livre(SESC/Rio), Projeto Raízes do Sabor , participações em eventos de

expressão e pesquisas acadêmicas realizadas sobre a comunidade quilombola da

Machadinha .de maneira geral , os bens culturais de natureza imaterial ou material

(móvel ou imóvel )do complexo cultural da Fazenda Machadinha de mandam pesquisa

com maior profundidade arqueológica , histórica, social e cultural .Este trabalho

pretende colaborar no preenchimento da lacuna com apontamentos que dizem respeito

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ás questões históricas do grupo em foco.

Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcante (1991)baseia- se nos estudos de Nina

Rodrigues , Artur Ramos e Edison Carneiro para definir as características do jongo

quissamaense . De acordo com o tracejar da pesquisa da prof.ª Maria Laura, podemos

afirmar que o jongo da machadinha é uma herança cultural dos negros de língua banto,

escravos oriundos da África Austral. Esse rastro de lembrança africana é encontrada no

mapeamento das tradições culturais do sudeste (Rio de Janeiro, Minas Gerais e São

Paulo), na região onde predominava as fazendas de café ou cana-de-açúcar. Pra

completar, Manoel Batista do Pedro Junior anota que " Os falantes de línguas banto

possuíam traços culturais em comum e compunham quase totalidade dos escravos

existentes no sudeste "(PRADO Jr., 2001)

Por considerar tais apontamentos, o jongo e a macumba pertencem ao mesmo embrião

ético - cultural, ou seja, são originários da herança cultural de raiz bantu, o jongo e a

macumba fazem parte do mesmo cenário afrodescendente, o preconceito promove

detrimento sobre ambos e popularmente são associados com similaridade. Os jongueiros

da Machadinha, no entanto, afirmam-se apenas como dançadores sem a magia ou ritual,

comum das práticas religiosas. Nesse caso, o "caráter de lazer " elaborado por

Cavalcanti, apresenta maior concordância e assertividade ao analisar o jongo da

machadinha:

Não se trata na realidade de uma dança ritual, e a

possessão por espírito -traço básico de religiões como a

macumba /umbanda(...). A estrutura do jongo (...)

mantem contato com aquelas de processos e práticas

religiosos - como a macumba, o jongo se realiza no

terreiro e a disposição os participantes é circular; em

ambos os casos, tambores marcam o ritmo da forma

musical cantada, chamada aqui como lá de ponto.

(...)No jongo tira ponto, igual a ponto de macumba.

Ponto de tambor é um, de macumba é outro.

(CAVALCANTI ,1991,P.133)

O jongo é, por diversos autores, classificado como dança semirreligiosa, uma

combinação indistinta de elementos divinos e profanos, trânsito entre o imaculado e os

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prazeres dos sentidos. Em Quissamã, entre os munícipes, é recorrente a associação

jongo à macumba são a mesma coisa. Isso porque o jongo se apresenta em roda, o canto

é chamado de ponto, os pés são descalços, o branco é a cor eleita para a vestimenta e o

tambor marca o ritmo para cantorias e evoluções que homenageiam divindades e figuras

metafóricas fazendo a roda girar. Esse conjunto de elementos, carregados de estratégias

simbólicas da identidade negra, é comum no cenário das expressões culturais

afrodescendentes de mesma origem; transporta os caracteres embrionários de cultura em

questões e por gerar similaridade, tais práticas são, por vezes, metidas num enleado

cafundó.

As partes que compõem o enredo do jongo da Machadinha revelam, até certo ponto, a

memória desluzida do quilombo. Os séculos de indiferença de indiferença sociocultural,

impactada sobre as manifestações da comunidade, provocaram desfalecimento de dados

ultrapassa os provocam esfacelamento de dados históricos. Nesse sentido, o patrimônio

imaterial, que se molda, se promove e se mantem; ultrapassa os propósitos políticos e as

amarras econômicos, livremente sobrevive na intensão dos jovens, refugiado na saudosa

memória dos velhos.

3 Nas malhas do conformismo e da resistência

Mas o tambor morre? Não morre não ...

É por nossa Senhora da Conceição

(Letra de jongo da Machadinha)

Por que a tradição oral está novamente valorizada?

A História que estudamos na escola quase sempre não aborda o passado recente e

pode parecer aos olhos do aluno uma sucessão unilinear de lutas de classes ou de

tomadas de poder diferentes forças, afastando, como de menor importância, os aspectos

do quotidiano, os micro comportamentos e as manifestações culturais das minorias,

fundamentais para a psicologia social. A memória oral é um instrumento preciso se

desejamos constituir a crônica do dia a dia. Bossi (1994) questiona esta construção e

responde, alertando para o fato que tal tipo de memória corre risco de cair numa

"ideologização “da história do quotidiano, como se esta fosse o avesso oculto da história

política hegemônica.

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Os velhos, as mulheres, os negros, os trabalhadores manuais, camadas da

população excluídas da história ensinada na escola, tomam a palavra e existem através

dela. O verbo faz o homem, personagem e autor social. A história que se apoia

unicamente em documentos oficiais não pode dar conta das paixões individuais que se

escondem nas entre linhas do tempo, atrás dos episódios formais. A literatura conhecida

já esta prática pelos menos desde o Romantismo: Victor Hugo faz surgir Norte Dame de

Pris num quadro popular medieval que a história oficial havia desprezado (BOSI,2003

p.13-15)

Eclea Bosi (2003), em contribuição à psicologia social, considera a pessoa como

sujeito (aquele que atua em sociedade) e objetivo (aquele que contém a informação a ser

analisada socialmente) social como definida dimensão e embutidos nesse conceito está

o poder da memória, a importância da dignidade e o significado da militância. A

memória dos velhos é abortada e a pesquisadora, então, entra em importantes

observações, elabora o diagnóstico da velhice órfã de humanidade numa sociedade

consumista ávida por juventude a qualquer preço. É válido citar Vera Maria Tietzmann

Silva quando comenta a discussão empreendida por Eclea Bosi a essse respeito.

(...)a própria autora afirma que não se trata de uma obra sobre a

velhice , nem sobre a memória (...) é isso que o livro de Eclea

Bosi faz, da voz aos marginalizados pela idade , convida-os a

exporem suas lembranças mais antigas e , com elas, recupera

um tempo e um modo de viver que , de outra forma , estariam

para sempre.(2003)

E este trabalho foi orientado pela ideia de Bosi, argumentando que há

considerável distancia entre discurso sobre a velhice , que a analisa com variados

sentidos e o significado daquilo que propomos (nesta pesquisa): valorizar iniciativas e

colaboradores que unem forças prol da sociedade , do enriquecimento cultural ,através

de mecanismo genuínos ao alcance , mas que podem sofrer fragmentação como pó até

atingir o esquecimento , causado por movimentos opostos , encarregados de calar e

omitir a manifestação dos marginalizados dentro da concepção de conformismo e

resistência , desenvolvida por Marilena Chauí (2000) .

O grupo de jongo da Machadinha sustenta a preservação da memória e recorre ás

lembranças dos velhos para interagir no tempo, no espaço, na memória e na sociedade.

Assim, nesse ato de militância, emergem à luz faces despercebidas e vozes como o

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vocabulário simples, mas não menos importante e enriquecedor. Então, lembrar

Marilena Chauí é indispensável quando a referência é a cultura popular:" Nossa atenção

estará voltada para as manifestações dos dominados em uma sociedade autoritária(...)

capaz de organizar-se, reivindicar direitos tácitos e prepara-se para penetrar no universo

dos direitos políticos e culturais "(2000, p.20), explicita.

As condições históricas (sociais, políticas, econômicas) projetam sobre a

sociedade dois lugares: o dia elite que decide as regras sociais e o reservado ao povo.

Embora sejam omitidas as manifestações e ambições econômicas que procedem dos

mais pobres, o desafio imposto socialmente é tomado cada vez mais pela consciência

das minorias e marginalizados (pela cor, idade, gênero). Chauí afirma "A ideologia

autoritária, que naturaliza as desigualdades e exclusões socioeconômicas, vem exprimir

-se no modo de funcionamento da política"(1995).

Na união dessas ideias, é salutar perceber o misto de militância e crédito que

perpassa de uma geração a outra por mecanismos do cotidiano como letras simples e

instrumentos pouco sofisticados. Então, para retornar a ideia inicial: “a memória dos

velhos pode ser trabalhada como um mediador entre a nossa geração e as testemunhas

do passado. Ela é o intermediário informal da cultura(...)"(BOSI,2003, p.15).

4 No intercurso das políticas - Memória, suor e fumaça

A legislação que garante o direto à terra para os remanescentes de

comunidades escravas, somada ao regulamento que define as comunidades quilombolas

e movimentos políticos para patrimonialização da cultura imaterial, geraram fôlego e

expectativas não somente aos praticantes de cultura popular, mas aos estudiosos há

muito engajados e à parcela da sociedade que guardava esse desfecho histórico social.

A dimensão da cultura afro-brasileira, sobre tudo a manifestada no estado do Rio

de Janeiro, é percebida no Projeto da Universidade Federal Fluminense:" Jongos,

Calangos e Folias ". Do informativo bibliografo do Projeto, O homem fluminense,

escrito por Vera de Vives é salutar anotar que

O livro é uma iniciativa do Museu da arte e

tradições populares que visou registrar as

manifestações culturais que estariam em

vias de desaparecimento - pretensamente

provocado pelo avanço da cultura de

massa. Assim, estaria em curso um

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"processo de deformação das expressões

da arte popular" iniciada com a chegada da

"esquadra Cabralina”. (VIVES,1977, p.3)

Outrossim, a abertura democrática no Brasil, na década de 80 do século

passado, fez perecer de menos valor conceitos sobre o negro entesados na escravidão. A

emulação para mobilidade social e alargamento de espaço político, estreitados por

discriminação racial, gerou um rio de reivindicação do movimento negro. Esse rio

desaguou em polêmicas e conquistas: cotas universitárias, ensino sobre história da

África, reconhecimento da cultura popular afro-brasileira, direto à terra dos

remanescentes de comunidades escravas. O artigo 68 das Disposições Transitórias da

Constituição brasileira de 1988 e o decreto 4887 de 20 de janeiro de 2003 garantem

propriedade sobre a terra e regulamentam a definição das comunidades remanescentes

de quilombo. A cultura afro-brasileira comtempla na Constituição de 1988 (art.215)

garante e protege o Patrimônio imaterial. O Jongo do Sudeste em 2005 é tombado

Patrimônio Cultural brasileiro. Desta forma, no campo da políticas públicas, é

instaurado um novo momento histórico, pautando em ações afirmativas e direitos

sociais.

Como revelação a essa manifestação , observamos não só a marcante música ,

mas o importante lugar das letras dos pontos do Jongo da Machadinha, que analisamos

tendo em vista a concepção literária a partir da qual Antônio Candido defende a

complementariedade entre a obra e o ambiente :" o externo(social)importa , não como

causa , nem como significado , mas como elemento que desempenha certo papel na

constituição da estrutura, tornando-se assim , interno "(CANDIDO,2006,p.14) , nesse

contexto, a base histórica , sociológica são componentes de um "fermento orgânico" que

, no entendimento do autor , contribui para uma diversidade maior da obra literária . E,

por assim dizer, o enquadramento social ou histórico não será ilustrativo, mas

explicativo. Então, por esta dimensão partimos, de um todo histórico da Machadinha

para tocar na parte artística, literário e cultura, os pontos de jongo, cantados nesta

comunidade quilombola.

O jongo é uma dança de origem africana na qual participam homens, mulheres e

crianças. Alceu Maynard Araujo (1995) afirma que "...a dança do jongo é sem dúvida a

mais rica herança da cultura negra presente no nosso folclore." A atmosfera de lazer e

arte popular entusiasmam os jongueiros novos da Machadinha. Estudamos o momento

de revitalização e constatamos que o orgulho negro é fator constante. Mas, sabemos dos

anos de decadência e o quanto perdeu o jongo da criatividade e da manifestação

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construída. Notícias sobre sacas frenéticas e utilização de utensílios (como porretes) nos

levam a crer que muito da pratica morreu com os jongueiros dos tempos idos.

Entre uma conversa e outra sobre o cotidiano quissamaenses dos tempos

passados, é comum entre os velhos o relato sobre o jongo. As reuniões eram marcadas

no improviso das fazendas, sem dia e hora planejados. Uma batida, depois outra ...a

função da fogueira ao acender era o típico convite. O som ao longe ia chamar a

vizinhança. Era aniversário, dia de santo, folia comunitária. Não existia motivação

única. Por toda Quissamã, o animava e fazia render gente. “Baco era um danado,

quando cantava: “pau rolo caiu "(D.Maria Antonina- relato sobre o jongo da fazenda

machadinha. Nas demais localidades, no entanto, a decadência o desativou do meio

cultural. Apenas na Machadinha, a manifestação resiste.

A coletânea de letras de jongo da machadinha pode ser dividida em duas fases, a

tradicional ou de raiz como é denominada pelos jongueiros; e nova, do momento de

revitalização. As letras de raiz são cantadas sem referência sobre seus autores ou local

de origem. Em grande parte, são letras de poucos versos e pouco complexas. Os

compositores tradicionais eram homens e mulheres simples que registram o cotidiano,

seus objetivos de maior estima e pessoas da comunidade com forte representação, sendo

extensas e complexasse tendo seus compositores identificados.

A abertura e o encerramento do jongo são similares nas duas fases , é o

momento de expressão espiritual .O estepe africano dessa comunidade , nas letras raiz, é

pouco referenciada .A maioria das letras do período de revitalização , conta o passado

com identidade africana e lembra a saga dos negros que vieram de terra distante

trabalhar e unir a gente miscigenada da machadinha .o orgulho negro coletivo

compreende estampa singular nos pontos novos , algo que permuta superação ,

militância e cidadania. Se as composições tradicionais são recorrentes no canavial, no

ruamento ou nos quitais; os pontos novos nascem do incentivo escolar em cumplicidade

docente, o que tange sensível atribuição aos apelos por consciência e negritude das

últimas décadas.

Sobre autoria e participação, Renato de Alcântara (s/d) observa que "(...)a

autoria dos pontos não é mais importante do que nenhum dos partícipes que precisam

reconhecer nela a força de fazer a roda girar. "Os jongueiros utilizam as expressões

tirar, jogar ou puxar ponto. Daí, Alcântara fazer referência ao procedimento como

"código de coletividade " imposto pela dinâmica que a manifestação exige em

detrimento do solitário e individual.

As apresentações de jongo da machadinha são iniciados com ponto de

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louvação a Deus e nossa Senhora. Em seguida, os metres entoam pontos novos e

tradicionais, é feita uma louvação a Zumbi e finalmente a despedia. São utilizados

tradicionalmente os tambores artesanais, (tronco oco de árvore com couro de boi). Estes

são aquecidos para dilatar o couro e alcançar a sonoridade pretendida. Dançam

descalços, em roda, vestidos de branco e aos pares (casais). Os mestres (velhos)

estimulam os jovens puxarem os pontos e, em suas camisas, uma frase escrita por Bob

Marly é destacada: “Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos,

haverá guerra ".

Ao compor as letras de jongo da Machadinha, os jongueiros e mestres revitalizam a

memória afro-brasileira e alimentam suas próprias lembranças, pois, segundo Bosi

(1994),"lembrar significa aflorar o passado, combinado com o processo corporal e

presente da percepção, misturar dados imediatos com lembranças. A memória permite a

relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo

atual das representações". O canto e a dança encontram no cenário das senzalas, nos

tambores típicos, na fogueira, nos pés descalços, na homenagem a Zumbi, caracteres

materiais e imateriais que complementam o conteúdo indenitário. Na definição de Bose

(1994, estes seriam os objetivos biográficos, aqueles capazes de despertar as lembranças

"(...)envelhecem com seu possuidor e se importaram a sua vida (...)cada um dos objetos

representa uma experiência vivida".

Buscamos rastros de memória no que diz respeito à história, no tracejar das letras de

jongo da Machadinha. Vemos que “a memória coletiva pode ser definida tanto como um

instrumento , quanto como um objeto do poder , na medida em que controlar o passado

consiste em uma das preocupações daqueles que detiveram ou detém o poder nas

sociedades históricas" , conforme anotação de Francineide Santos Palmeira que segue a

definição de memória coletiva elaborada por Roberto Correa dos Santos (1999) o qual,

por sua vez , afirma : Todas (as sociedades ), no entanto unem-se pelo fio comum de um

mesmo trabalho , o do embate com a morte”. A causa do envolvimento dos velhos, as

letras codificadas, a iniciação do jongo mirim, ambos (os velhos e os jovens) se

entrelaçam na magnitude do tempo para resistir ás manipulações que, segundo Le Goff

(1996), tem, no silêncio e no esquecimento da história, seus mecanismos mais

poderosos.

O sujeito que se identifica como jongueiro na Machadinha encontra nas letras de

Jongo um cancioneiro de linguagem própria que enuncia a coletividade na qual está

inserido. Identidade e consciência são aspectos latentes desta construção. Na última

década foi intensa a produção de letras que evocam Zumbi e seu exército de negros

(guerreiros e vitoriosos), sendo caracterizada uma onde orgulho negro que influenciou a

produção literária dos jongueiros da Machadinha. Esse comportamento é visível no

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Grupo de Jongo, mas um tanto opaco nos demais quilombolas da comunidade. A

vibração do tambor e o eco das cantorias alimentam o vigor que permite relembrar o

passado de gerações, fatos, acontecimentos e personagens que compõem a historicidade

do sujeito e da comunidade Quilombola, Objeto dessa pesquisa.

Bosi (1994) anota que "(...) dimensão da aculturação que, sem os velhos, a

educação dos adultos não alcança plenamente :o reviver do que se perdeu, de histórias,

tradições, o reviver dos que já partiram (...)". Percebemos então, a importância da

participação dos velhos na iniciação dos jongueiros, lembrando que as sociedades

ágrafas em África encontraram nos griôs o recurso necessário para manutenção da

memória, tendo a oralidade permitindo a passagem da história entre gerações. A

memória coletiva da antiguidade grega transmitiram fatos históricos, conhecimentos,

personagens, valores e lembranças. É recorrente portanto, a busca das sociedades por

práticas essenciais de transição e resgate da memória. Nesse contexto afirmamos que as

letras de jongo apresentam uma composição de ecos da Machadinha.

A questão da memória não está restrita às sociedades antigas, medievais ou

modernas. As atuais, segundo Le Goff (1996), consideram-na "(...)um elemento

essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma

das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades que envolvem diferentes

grupos sociais ilustram a sede de memória da atualidade.

Nesses termos, constatamos os rastros de memória nos pontos de jongo da

Machadinha. Numa letra como em "O jongo de abertura ", observamos dado sobre a

rotina dos trabalhadores rurais (necessidade de acordar cedo) e vê-se que o sujeito é

descrito como alma, algo que sugere estar além da capacidade humana. Em seguida, é

incorporada à letra a oração à Nossa Senhora, ave Maria, transmitindo a ideia de ajuda

celestial:

Quanto o galo canta

As almas se levemantam

Ave, ave, ave Maria

Ave Maria cheia de graça(...)

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A memória do cativeiro é retratada em:" Ai mamãe eu tenho pena /ou mamãe eu tenho

dó/de vê o galo preto apanha do carijó" ou " Vovó não quer casca de coco no terreiro/

pra não lembrar o tempo do cativeiro ".

Os pontos novos apresentam temática ideológica da origem africana. O cantante

expressa o fato de ser remanescente no sentido vitorioso e acrescenta a escravidão -fato

verídico - sem ficcionalização e a letra distingue as gerações, como pode ser percebido

no ponto " navio negreiro"

Eu vim de longe

Comigo veio muita gente

Hoje moro em Machadinha

Porque sou remanescente.

No tempo da escravidão

Imagina o desespero

Daquele povo chegando

Em um grande Navio negreiro.

Os pontos de raiz ou tradicionais desprezam a condição remanescente enquanto citam

outros valores dentre os quais estão a condição de gênero e as práticas religiosas de

origem africana:

No morro da Piedade

Encontrei três velas acesas

Quem manda mulher é homem

Mulher não se faz vontade

("Morro da Piedade")

A Mestra Dalma compôs outra versão para "Morro da piedade ", cantada pelas

meninas jongueiras. Tal exercício representa mobilidade das letras que não são estáticas

no tempo. A figura feminina contesta a condição submissa alocada na letra anterior,

distingue o tempo passado através da comparação tecnológica (fogão e lenha), objeto

ultrapassado que também caracteriza o espaço doméstico dedicada à mulher (cozinha

/fogão). Fala do tempo presente, expressando gratidão pela conquista da lei Maria da

Penha:"(...)Isto tudo aconteceu no tempo do fogão a lenha /Agora tudo mudou /Graças a

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lei Maria da Penha."

Os pontos tradicionais revelam a vaidade e necessidade básica dos cantantes. Os

escravizados não possuíam sapatos, só os "bem nascidos “. Toalha de renda era artigo

de luxo nas casas mais humildes. Por isso, objetos tão simples, mas de grande

representatividade, ganharam espaço na voz dos jongueiros :

O meu sapato

Eu comprei no Guriri

Achei tanta novidade que ele não está aqui.

("Sapato")

Toalha de renda

Eu tenho uma toalha de rendada de bico

Pega laranja no chão tico-tico.

("Toalha de renda")

Alguns pontos são comuns em outros quilombos. O ponto "Perereca e

marimbondo" tem características denunciativas, não revela o nome da Fazenda; tão

pouco, dos trabalhadores. Descreve a alimentação deficiente e o cantante se diz

envergonhado de tal condição. O ponto "Paraíba ", é uma homenagem ao Rio Paraíba

do Sul e enuncia o quanto vale o cantante, após a morte. Vejamos fragmentos do

primeiro:

Trabalhei numa fazenda que não tem trabalhador

Perereca corta cana

Marimbondo é moedor

(...)

Trabalhei numa Fazenda

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Tenho vergonha de contar

Canjiquinha no almoço

Pela égua no jantar.

Em "minha mãe é uma sereia” o cantante recorda conhecimento das tradições e

costumes ao mesmo tempo, ratifica seu pertencimento ao mundo de crenças de origem

africana.

Minha mãe é uma sereia

Mora no fundo do mar

Eu também sou filho dela

Moro no mesmo lugar.

As lembranças dos conflitos no dia a dia entre vizinhos quilombolas envolvendo

suas criações e plantação são registradas em letras como no ponto" Cundê: Cundê

,cundê/ Eu não tô/Pra boi dos outros cume."

O jongo da machadinha também evidencia a proximidade entre o jongueiro e as

práticas canavieiras, as queimadas. Encontramos, por exemplo, em "Toco cru ": "Toco

pegando fogo no canaviá(bis)."

A letra de "Eu sou negro" ilustra a ideia de que a memória é uma fenômeno

construído, ou seja, destaca-se a questão do coletivo. Nesta composição. O

remanescente relembra a condição de exclui e faz referência ao patrono da liberdade

negra, Zumbi. O sujeito colabora enfrentando por meio da afirmação e descreve-se

subjetivamente como guerreiro, dado ficcional que remete à herança de seus ancestrais.

A eleição do objetivo," estranha", quando cita sua terra de origem, demonstra que ela é

desconhecida; mas logo vem o complemento com o determinante " dos quilombos de

Zumbi". Vejamos:

(...)

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Eu sou negro, eu sou negro

Eu sou negro, estou aqui

Eu vim de terra estranha

Dos quilombos de Zumbi

O autoritarismo político é lembrado nas letras de jongo. No fragmento

abaixo, o jongueiro fala do tempo vivido e recorda experiência não protagonizada por

ele, mas vivenciada pela geração anterior. O cantante fala do passado e do presente nos

dois tempos, emergindo a presença da autoridade política como figura controladora - "o

mandante”.

(...)

Quando saí da Machadinha

Tudo era diferente

Quem mandava era o coronel

Hoje quem manda é o prefeito

Senhor Armando Carneiro

(...)

Os ecos da Machadinha falam de sua gente simples e festeira. A

participação dos velhos mestres que fizeram a fazem a roda girar está registrada em

letras como em “Maria”. Neste ponto, observamos a referência ao canto do galo que é

recorrente em diversas letras, sempre no sentido marcado do tempo, característica das

comunidades rurais. Maria é a popular “cheiro”, figura emblemática na Machadinha,

dedicou a vida ao tambor e foi uma das precursoras na formação dos jongueiros novos.

Lemos essa memória na estrofe: “Deu meia noite / O galo já cantou / Eu quero ver

Maria dando saca no tambor”.

É importante observar que, nas senzalas, os velhos escravos jongueiros

mantiveram restrita a participação das crianças. Isto, ao longo do tempo, colaborou com

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a decadência do Jongo porque não havia continuidade ou incentivo entre as gerações,

ficando a roda cada vez menor, com a morte dos velhos. As crianças eram proibidas de

participar das rodas porque eram vistas como delatoras em potencial, fosse pela

inocência ou medo dos castigos. Lembrando que as letras muitas vezes eram utilizadas

pelos escravos como instrumento de mensagem codificada e combinada para auxiliar

nas mais diversas fugas da escravidão. A introdução dos jongueiros novos pelos

jongueiros velhos acontece na Machadinha, no momento de revitalização do Quilombo

e, a partir de então, observamos tratamento diferenciado ã memória: os velhos se

apresentam como encarregados de passar conhecimentos e os jovens responsabilizados

pela manutenção destes, como diz a letra:

Salve o tambor

Salve jongueiro velho que veio pra ensinar

Salve jongueiro novo

Salve o terreiro

Salve todos os jongueiros.

Considerações finais:

Refletindo a respeito das letras de Jongo da Machadinha, evidenciou-se que os

jongueiros desta comunidade têm contribuído positivamente para o avanço das questões

relacionadas aos afro-brasileiros. Sobre a manipulação da memória segundo Achugar

(2006), “A memória exerce-se e avalia-se, sempre, a partir de uma posição ou a partir de

um posicionamento em relação ao poder e à autoridade”. A história afrodescendente

enfrenta, no alinhamento dos século, a questão do apagamento e do esquecimento. A

oralidade quilombola preenche essas lacunas formadas pela manipulação e os rastros de

memória enunciados nas letras de Jongo pontuam um caminho alternativo para melhor

conhecer a história de um grupo, excluído e apartado socioculturalmente.

Tendo essas considerações como pano de fundo, como pensar num esboço de

novas trilhas sob reflexos da ressemantização?

O conteúdo deste trabalho prioriza o momento de revitalização da cultura

brasileira de origem africana da comunidade quilombola da Fazenda Machadinha.

Partimos do todo histórico para refletir sobre a geração de negros, jongueiros do

séc.XXI, da Fazenda Machadinha. Quais mecanismos seriam necessários para atrair os

mais jovens para o Jongo? Como explicar a revitalização do Jongo após trinta anos de

decadência? E afinal, que negro é esse?

Durante o desenvolvimento desse trabalho, compilar os pontos de Jongo e

recorrer ao conjunto de entrevistas realizadas com os jongueiros e velhos apreciadores

quissamaenses, foi insuficiente para perceber a magnitude dessa manifestação cultural.

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Para alcançar a complexidade do Jongo, acompanhamos o Grupo em três grandes

eventos, sendo dois, em diferentes comunidades quilombolas. Acompanhar o Grupo

permitiu observar expressões silenciadas, pontuações que a convivência permite

ponderar. Nesse sentido, há um diagnóstico significativo: os jongueiros desconhecem o

conceito de patrimonialização da cultura afro-brasileira o valor latente sobre a questão

quilombola. A revitalização é de certa forma, sentida como se forças- externas (pessoas

de fora da Machadinha) tivessem se empenhado para realizá-la, desconsiderando o real

caminho de lutas e os militantes desses eventos. Este cenário compreende o Movimento

Negro, as investiduras desde a década de 1970, e a resistência de um grupo

emblemático, natural da Machadinha que, durante trinta anos, garantiu a continuidade.

Cabe, nessa oportunidade, citar algumas dessas pessoas: Seu Gilsom, Seu Cici, Cheiro e

D. Preta. Tais indivíduos cumprem o que prescreve a UNESCO (2012) no que diz

respeito a uma característica essencial no Jongo, como Patrimônio Imaterial: a memória.

Essa Organização diz que esse tipo de Patrimônio: se transmite de geração em geração,

através de pessoas (praticantes da cultura) engajadas e comprometidas”.

O conceito de Quilombo Ressemantizado, implica diretamente o direito

fundiário. Esta é a característica principal. A cor da pele é fator decisivo apenas, em

coloniais. Na Machadinha, a questão fundiária, contraria a previsão do Art. 68 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, “Aos

remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é

reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos

respectivos.” Aos moradores das antigas senzalas foi expedido um tipo de concessão,

válida por quinze anos e renovável por mais quinze, referente à moradia apenas. Sobre

os lotes de terra não há consideração. Alguns moradores, no entanto, se recusaram a

assinar tal documento. A legalização de Terras quilombolas no Brasil compõe um triste

enredo de episódios. Nesse sentido, observamos o ceifar dos Direitos étnicos pela

administração pública. O direito é camuflado e a tutela patriarcal autoritária do Estado

atua ferindo a Lei que protege e assegura “propriedade definitiva”, baseada no

“reconhecimento” e na “identidade”.

O menos importante seria buscar africanidades. Porque a África está na cor da

pele; na história de família de cada um ou na ausência desta; no Jongo, na batida do

tambor; na edificação das senzalas e em tudo mais à sua volta na Comunidade

quilombola da Machadinha. A escola e a formação de negros da comunidade

impactaram na valorização e sensibilidade dando créditos à cultura local. O poder

público criou mecanismos legais, resposta aos anseios e críticas do Movimento Negro.

Mas é perceptível a necessidade de vínculo histórico, algo que seja superior à história

tradicional. Se os quilombolas olharem para o passado, para trás, seus antepassados são

negros e escravos. A generalização esconde dados que o tempo e o descaso político

insistem7ceifar. A história da África e do Negro no Brasil se mostram urgentes para

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deslanchar a consciência da gente da Machadinha. Então, poderemos responder tantas

questões, as pessoais e as da coletividade. Que Negro é esse?

O desdobramento deste artigo fez perceber que a revitalização é o presente. O

comprometimento dos jongueiros com a manutenção da cultura sem a participação do

poder público (remuneração) é um fator preocupante. Contudo, a criatividade e

percepção sobre o poder da cultura de massa são trabalhadas, intensamente pelos

metres. Nesse contexto, o trânsito entre os jovens e os velhos é mantido pelo diálogo e

respeito: no jongo, os velhos são os mestres; e os jovens, a vitalidade, a energia motriz.

Assim, a oralidade é promovida e a memória celebrada.

Referências

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