Ed 31 Iluminacao Natural

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    Luz natural no projeto arquitetnico

    Uma fonte sustentvel para a iluminaoPor Roberta Vieira Gonalves de Souza

    i l u m i n a o n a t u r a l

    POR QUE ACENDER LMPADAS DURANTE O DIA? UMA

    pergunta que cada vez mais nos fazemos ou, se no, vamos

    comear a fazer certamente, pois, hoje, o mundo clama por

    sustentabilidade. Somos chamados a mudar, a rever conceitos,

    a reciclar, reaproveitar, a gastar menos... Enfim, a sermos mais

    conscientes. Mas nossas lmpadas continuam acesas durante o

    dia. Por qu?

    A melhoria da eficincia energtica um importante recurso

    que auxilia na reduo substancial do uso e da intensidade

    da energia em muitos pases. Hoje contamos com lmpadas,

    refrigeradores, motores e sistemas de condicionamento de ar

    mais eficientes. No Brasil, inclusive, vrios destes aparelhos

    so etiquetados pelo Inmetro/Procel. Mas esquecemos que

    equipamentos eficientes usam energia.

    Energia mais barata e mais eficiente aquela que deixamos

    de usar, substituindo-a por fontes alternativas. aquela que

    economizamos ao ir a p para o trabalho, aquela que

    deixamos de usar para esquentar nossa gua, quando temos

    um coletor solar em nossa casa ou apartamento, e tambm

    aquela lmpada que no acendemos quando nosso ambiente

    est bem iluminado durante o dia.

    Luz natural e Arquitetura

    Para iluminar naturalmente os ambientes h de se lanar

    mo de certa maestria ao projetar. H que se elaborar ambientes

    que sejam bem iluminados, fartamente claros, onde a luz do dia

    possa entrar em abundncia, mas de forma controlada para no

    causar desconforto por excesso de calor. Para tal, o projetista,

    ao conceber o seu trabalho, deve considerar como quesito

    de fundamental relevncia a iluminao natural: aquela luz

    proveniente do Sol que pode nos chegar diretamente pelos raios

    Fig 1: fontes de luz natural: cu, reflexes externas e reflexes internas. Fonte: Modificado de Soteras (1985)

    Calatrava usa abundantemente a luz natural em seus projetos, como pode ser visto no Hemisfrio em Valencia, Espanha.

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    solares ou indiretamente pelo cu, pelas nuvens, pela

    vegetao ou mesmo pelos edifcios que nos rodeiam

    (fig 1). uma luz dita de espectro total e que apresenta a

    melhor reproduo de cores dentre as fontes existentes.

    A luz em geral, seja ela natural ou artificial, de

    extrema importncia para a arquitetura. A sua presena

    torna possvel a percepo do ambiente, apresenta

    vantagens fisiolgicas uma vez que facilita a viso, poupa

    os rgos visuais e diminui a fadiga. Tambm apresenta

    vantagens tcnicas por possibilitar a execuo de tarefas

    de preciso, melhorar a qualidade do trabalho produzido

    e prevenir acidentes. Embeleza a aparncia dos objetos,

    reala seu valor artstico, d forma e relevo arquitetura

    e, finalmente, inspira bem-estar e segurana.

    A luz do dia garante a riqueza de uma fonte

    em constante transformao. Temos a luz suave do

    entardecer suavizando as formas, os amarelos do fim

    de tarde dramatizando a paisagem, a fora da luz ao

    meio-dia, a dramaticidade de um cu cinza carregado de

    chuva.

    Alguns arquitetos como Alvar Aalto, Rafael

    Moneo, Lel, Gaud, Soane, Norman Foster, Frank

    Gerry conseguiram, em diversas pocas, integrar a luz

    natural com maestria em suas obras, criando espaos

    arquitetonicamente harmnicos e com iluminao

    primorosa. Para estes arquitetos a luz encarada como

    um elemento de composio arquitetnica. ela que d

    forma, reala os contornos e permite a fruio do objeto

    arquitetnico como um todo.

    Luz natural e eficincia energtica

    Um bom projeto de iluminao natural ir

    englobar aspectos relacionados adequao de

    dimensionamento e forma das aberturas para melhor

    aproveitamento da luz, e ir fazer uso de sistemas de

    iluminao artificial complementares, apenas quando

    necessrio, para obter nveis adequados de iluminao

    para o desenvolvimento das tarefas visuais requeridas

    no ambiente. Economiza energia inclusive no uso dos

    sistemas de condicionamento de ar para refrigerao,

    uma vez que a luz natural mais eficiente que a grande

    maioria das fontes artificiais usadas em ambientes

    internos.

    A luz natural possui uma eficincia da ordem de 100

    lm/W enquanto numa lmpada incandescente a eficincia

    da ordem de 10 lm/W e em uma lmpada fluorescente

    comum da ordem de 70lm/W. Este fato significa que,

    mesmo em um pas tropical como o Brasil, usar luz

    natural de maneira adequada, esquenta menos do que

    usar a mesma quantidade de luz artificial!

    Por que continuamos acendendo lmpadas

    desnecessariamente durante o dia?

    At o incio do sculo passado, a luz natural era

    a mais importante fonte de luz para o uso diurno em

    fbricas, escritrios, prdios domsticos e pblicos.

    No entanto, o surgimento da energia artificial a baixo

    custo levou execuo de edificaes primariamente

    dependentes da energia eltrica para sua iluminao.

    Isso tambm se deveu ao fato dos sistemas artificiais

    se apresentarem ao projetista como a forma mais

    simples de fornecer a luz necessria para ambientes

    internos, j que um projeto de iluminao natural exige

    o conhecimento da geometria solar e da disponibilidade

    e distribuio da luz natural. Trabalhar com a luz natural

    implica em limitar a profundidade dos cmodos,

    aumentar os ps-direitos, a fazer aberturas mais

    generosas, a pensar na posio do Sol, e a dimensionar

    corretamente brises, venezianas externas, platibandas,

    light shelves. E isso d trabalho.

    A iluminao natural, hoje

    A maioria dos projetistas de iluminao, hoje em

    dia, v a iluminao como sistemas artificiais a serem

    aplicados a projetos j completamente desenvolvidos. Os

    arquitetos, muitas vezes, do pouca ateno ao projeto

    no que se refere maximizao da admisso de luz

    natural e minimizao dos efeitos indesejveis, como

    excesso de calor ou frio. No entanto, a iluminao natural

    Terrao do aeroporto de Confins: reforma permitiu a criao de um espao com iluminao uniforme, livre de contrastes excessivos.

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    est reassumindo sua importncia, especialmente para

    edifcios utilizados primariamente durante o dia, como

    escolas, hospitais e escritrios.

    Diversas pesquisas verificaram que as pessoas

    preferem a luz natural artificial. Seu uso pode reduzir os

    custos de operao da edificao e o impacto ambiental

    causado pelo uso de energia eltrica. O projeto de

    iluminao natural em edificaes hoje parte integrante

    do conceito de edifcios ecologicamente sustentveis.

    Um bom projeto de luz natural pode facilmente

    economizar 50% de toda a energia usada em uma

    edificao para iluminao.

    Arte e cincia

    O uso da iluminao natural em edificaes tanto

    arte quanto cincia, ou seja, a luz natural tanto um

    elemento esttico de projeto quanto elemento tcnico

    que exige dimensionamento e avaliao de desempenho.

    O uso da luz natural pode afetar o arranjo funcional do

    espao, o conforto visual e trmico dos ocupantes, a

    estrutura do edifcio, o uso de energia na edificao,

    o tipo e uso de iluminao eltrica e de sistemas de

    controle associados, sendo que o calor vindo da entrada

    direta de radiao solar deve ser contrabalanado com

    adequada ventilao natural dos ambientes.

    De fato, se a luz natural for considerada uma fonte

    vivel de iluminao na edificao, seu uso pode ter

    ramificaes em todos os aspectos do processo de

    projeto, do planejamento urbano ao projeto de interiores,

    da programao do projeto at sua especificao e

    construo. E um sistema cuja incorporao posterior

    quase impossvel. Aps dimensionadas as aberturas,

    sua posio, a profundidade do cmodo, fica definido

    o comportamento da luz. Um ambiente muito profundo,

    necessitar sempre de complementao de luz medida

    em que se afasta da abertura - uma complementao

    que ser necessria durante toda a vida til da

    edificao, que pode ser de 100 anos ou mais.

    Como projetar

    A principal tarefa do projeto de iluminao natural

    ser determinar o caminho a partir da fonte de luz (Sol,

    cu, entorno) at os pontos iluminados no interior e

    decidir as condies arquitetnicas que influenciam o

    processo, de forma a atingir os objetivos suficiente e

    eficientemente. Portanto o tamanho, a forma, a posio

    das janelas e a transmissividade dos vidros determinaro

    a quantidade de luz natural a penetrar a edificao.

    Para uma abordagem sistemtica da iluminao,

    a primeira considerao a ser feita diz respeito a como

    a fachada e a cobertura iro contribuir para suprir as

    necessidades de iluminao do espao. Isto significa

    que os arquitetos devero trabalhar com um projetista

    de iluminao competente para atingir um determinado

    desempenho do envelope da edificao, antes que a

    iluminao eltrica seja considerada.

    Este tipo de projeto sugere que nem todas as

    fachadas da edificao sero iguais; que a cobertura

    poder desempenhar diferentes funes; e que o trio

    dever ser seriamente considerado como uma fonte

    de luz. Significa, ainda, que a forma da edificao ser

    fortemente condicionada pela escolha dos sistemas de

    iluminao a serem incorporados.

    Cinco aspectos tcnicos devem ser descritos,

    entendidos e aceitos antes que a iluminao natural

    possa ser integralmente utilizada como uma tecnologia

    ambiental da edificao:

    Deve haver uma base de dados sobre a

    disponibilidade de luz natural e de insolao, para que

    se possa analisar a iluminao em ambientes internos

    e o desempenho energtico dos sistemas propostos,

    inclusive em termos da carga trmica decorrente da

    opo do uso da luz natural em ambientes internos;

    Deve-se desenvolver tcnicas de projeto para indicar

    os melhores caminhos para se utilizar a iluminao

    natural em edificaes e de se fazer adequadamente a

    proteo das aberturas do excesso de insolao;

    Devem ser disponibilizados ao projetista programas

    computacionais e mtodos de clculo que permitam a

    avaliao do desempenho do sistema de iluminao

    Terrao do aeroporto de Confins: pode se notar que no h necessidade de acendimento de lmpadas durante o dia.

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    indelpa

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    natural, em termos de quantidade e distribuio de luz e

    do custo-benefcio das estratgias adotadas em relao

    economia de energia, decorrente da no-necessidade

    do acendimento dos sistemas artificiais;

    Deve haver uma correta integrao dos sistemas de

    iluminao natural e artificial. Isso implica em posicionar

    adequadamente luminrias em relao s aberturas,

    distribuir corretamente os circuitos de acendimento da

    iluminao artificial e utilizar corretamente sistemas de

    controle automtico de acendimento das lmpadas que

    possam ler os nveis de iluminao, de forma a acender

    apenas as lmpadas necessrias para complementar os

    nveis de iluminao natural disponveis. Tal sempre ser

    necessrio no comeo e fim do dia e em dias escuros;

    Deve haver um constante acompanhamento do

    projeto desde sua concepo sua implementao

    e utilizao. Sistemas de iluminao natural iro

    requerer usurios ativos,dispostos a fazer controle dos

    sistemas instalados ou dispostos a aceitar os controles

    automticos instalados. Para tal, o conhecimento de seu

    funcionamento e a concientizao de suas vantagens

    tm papel fundamental para o bom uso dos sistemas.

    Ponto estratgico

    Tomada a deciso de se usar a luz natural como

    fonte principal de iluminao durante o dia, diversas

    etapas devem ser percorridas para sua correta

    incorporao ao processo de projeto, da concepo

    inicial da edificao sua construo. A primeira deciso

    que um arquiteto deveria tomar, quando, diante de um

    novo projeto, concerne ao tipo de sistemas a serem

    incorporados: pratelerias de luz, sheds, trios, dutos,

    clarabias, sistemas de reflexo da luz solar. Esta

    deciso inicial est no centro da estratgia de concepo

    de um edifcio, uma vez que afetar todas as demais

    decises que sero tomadas em termos da profundidade

    dos espaos, altura dos pavimentos, tamanho das

    aberturas, materiais de vedao. importante, portanto,

    que o arquiteto possa dispor, desde a fase esquemtica,

    de um bom acervo de tipos de sistemas disponveis, alm

    de informaes suficientes sobre a variabilidade do clima

    luminoso no local.

    Isto porque quando o projeto chega fase final,

    j foram definidos plantas, fachadas e cortes e se a

    interveno da iluminao for feita nesta fase, muito

    pouco poder ser adicionado. A incorreta orientao das

    aberturas, por exemplo, dificilmente poder ser revertida

    sem mudanas profundas na estrutura do projeto, o

    que implica em retrabalho, e significativo nus para o

    processo.

    Metdos de avaliao

    Existem diversos mtodos para a determinao da

    eficcia da iluminao natural em ambientes internos e

    ndices para a avaliao da qualidade visual do ambiente

    luminoso. As ferramentas para clculo ou avaliao de

    iluminao natural em ambientes internos podem ser

    divididas em quatro categorias: clculos matemticos,

    mtodos grficos, simulaes com maquetes e

    simulaes computacionais. Estas ferramentas levam

    em conta a luminncia da seo do cu vista atravs

    da abertura, o tamanho relativo da abertura em relao

    ao ambiente, a capacidade da abertura trazer luz para

    o interior (funo de sua transparncia e esquadria),

    geometria e refletncias das superfcies internas.

    Para avaliar o desempenho de um projeto de

    iluminao natural h hoje diversos mtodos. No Brasil,

    a norma ABNT 15.220-3 traz o DCRL, um mtodo

    grfico de preciso razovel que permite avaliar a

    concepo inicial do projeto, em termos da adequao do

    posicionamento e dimenso das aberturas. Esta norma

    a recomendada para a avaliao de edificaes na

    Regulamentao de Eficincia Energtica de Edificaes,

    em fase de implementao pelo PROCEL (disponvel para

    download em www.labeee.ufsc.br), que deve conceder

    s edificaes brasileiras certificado de desempenho

    energtico e um selo semelhante quele j fornecido a

    diversos equipamentos eltricos.

    H tambm programas computacionais que permitem

    o clculo da luz natural em ambientes internos com maior

    preciso e relativa rapidez para usurios especializados.

    Terrao do aeroporto de Confins: geometria da clarabia evita incidncia solar direta no espao interno.

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    Propsitos do projeto de luz natural

    Um projeto bem dimensionado do ponto de vista da luz

    natural possui, alm do fornecimento adequado de nveis de

    iluminao (determinado pela norma ABNT 5413), dois outros

    propsitos: um o de trazer satisfao esttica e o outro

    o de fomentar a conservao de energia. Para propsitos

    estticos, so necessrios programas que possam produzir

    imagens realsticas que reproduzam precisamente cores

    e iluminncias em um espao. Especial cuidado deve ser

    tomado na determinao das refletncias das superfcies.

    Para fomentar a conservao de energia, a prxima

    etapa ser, ento, o desenvolvimento de controles que

    permitam a integrao dos sistemas de iluminao natural e

    artificial de forma a tirar o mximo proveito deste potencial de

    economia de energia eltrica. A localizao dos interruptores,

    a definio de sesses de iluminao, a dimerizao de

    lmpadas devem, sempre que possvel, ser integradas

    ao projeto de forma a ampliar os benefcos do uso da luz

    natural.

    Existem programas capazes de simular as respostas

    do sistema de controle de iluminao em relao

    disponibilidade de luz natural em um certo perodo de tempo.

    Entre as ferramentas desenvolvidas no Brasil temos o PALN

    de avaliao do potencial de aproveitamento de luz natural,

    desenvolvido por Marcos Barros Souza.

    Uma limitao de programas de simulao que estes

    no so ainda capazes de fazer uma auto-anlise dos

    resultados por eles obtidos, ou fornecer diretrizes para a

    melhoria do desempenho de sistemas. Para tal, deve-se

    contar com um especialista capaz de analisar o desempenho

    obtido e fazer os ajustes necessrios ao projeto.

    Cabe-nos, enfim, criar uma nova cultura em que a luz

    natural seja encarada como uma fonte energtica, fartamente

    disponvel para a qual deve-se fazer um projeto especfico.

    Devemos criar um mercado de daylight designers e no

    apenas de lighting designers. Provar que investir em luz

    natural economicamente vivel, termicamente compatvel

    com nosso clima e que apresenta diversas vantagens do

    ponto de vista fisiolgico e psicolgico.

    Roberta Vieira Gonalves de Souza

    arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre e dou-

    tora em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tendo feito

    doutorado sanduche junto Universidade Politcnica de Madri. professora adjunta

    da UFMG, atuando na graduao e no mestrado em Ambiente Construdo e Patrimnio

    Sustentvel, membro do GT do PROCEL Edifi ca e conselheira do CREA-MG.

    E-mail: [email protected].