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EDUCAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS

Ed e Movimentos Sociais

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  • EDUCAOE MOVIMENTOS

    SOCIAIS

  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

    Reitor: Lourisvaldo Valentim da Silva; Vice-Reitora: Amlia Tereza Santa Rosa MarauxDEPARTAMENTO DE EDUCAO - CAMPUS IDiretor: Antnio Amorim Programa de Ps-Graduao em Educao e Contemporaneidade PPGEduC Coordenador: Elizeu Clementino de Souza

    CONSELHO EDITORIAL

    GRUPO GESTOREditora Geral: Tnia Regina DantasEditora Executiva: Lige Maria Sitja FornariCoordenadora Administrativa: Nolia Teixeira de MatosAntnio Amorim (DEDC I), Elizeu Clementino de Souza (PPGEduC),Walter Von Czekus Garrido, Maria Nadija Nunes Bittencourt, Lynn Rosalina Gama Alves (Suplente), Joselito Brito de Almeida (representante discente).

    REVISTA FINANCIADA COM RECURSOS DA PETROBRAS S.A.

    Conselheiros nacionais Antnio Amorim Universidade do Estado da Bahia-UNEBAna Chrystina Venncio MignotUniversidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJBetnia Leite RamalhoUniversidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRNCipriano Carlos LuckesiUniversidade Federal da Bahia-UFBADalila OliveiraUniversidade Federal de Minas Gerais-UFMGEdivaldo Machado BoaventuraUniversidade Federal da Bahia-UFBAEdla EggertUniversidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOSElizeu Clementino de SouzaUniversidade do Estado da Bahia-UNEBJaci Maria Ferraz de Menezes Universidade do Estado da Bahia-UNEBJoo Wanderley GeraldiUniversidade Estadual de Campinas-UNICAMPJos Carlos Sebe Bom Meihy Universidade de So Paulo-USPLige Maria Sitja FornariUniversidade do Estado da Bahia-UNEBMaria Elly Hertz GenroUniversidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGSMaria Teresa Santos CunhaUniversidade do Estado de Santa Catarina-UDESCNdia Hage FialhoUniversidade do Estado da Bahia-UNEBPaula Perin VicentiniUniversidade de So Paulo-USP

    Conselheiros internacionaisAdeline BeckerBrown University, Providence, USAAntnio Gomes Ferreira Universidade de Coimbra, PortugalAntnio Nvoa Universidade de Lisboa- PortugalCristine Delory-MombergerUniversidade de Paris 13 FranaDaniel SuarezUniversidade Buenos Aires- UBA- ArgentinaEllen Bigler Rhode Island College, USAEdmundo Anibal HerediaUniversidade Nacional de Crdoba- ArgentinaFrancisco Antonio LoiolaUniversit Laval, Qubec, CanadaGiuseppe MilanUniversit di Padova ItliaJulio Csar Daz ArguetaUniversidad de San Carlos de GuatemalaMercedes VillanovaUniversidade de Barcelona, EspaaPaolo OreficeUniversit di Firenze - Itlia

    Coordenadores do n. 34: Ronalda Barreto Silva (UNEB); Antnio Dias Nascimento (UNEB)Os/as pareceristas ad hoc do nmero 33 e 34: Antroplogo: Jos Augusto Guga L. Sampaio (UNEB). Mestres: Gernimo Rodrigues (UEFS), Patrcia Navarro de Almeida Couto (UEFS), Tatiana Ribeiro Velloso (UFRB). Doutores: Alessandra B. A. de Azevedo (UFRB), Almerico Biondi (Sec-BA), Ceclia McCallum (UFBA), Celso Fvero (UNEB), Cipriano Luckesi (UFBA), Cludio Orlando C. do Nascimento (UFRB), Delcele Mascarenahs Queiroz (UNEB),Guiomar Germani (UFBA), Joo Wanderley Geraldi (UNICAMP), Lucia Helena Lodi (Unesp), Luciano Costa Santos (UNEB), Ludmila Cavalcante (UEFS), Lys Vinhaes (UFBA), Max Maranho Piorsky Aires (UECE), Marcos Messeder (UNEB), Marcos Silva Palcios (UFBA), Maria Elly Herz Genro (UFRGS), Ronalda Barreto Silva (UNEB), Stella Rodrigues (UNEB), Yara Atade (UNEB). Reviso: Luiz Fernando Sarno; Bibliotecria (referncias): Jacira Almeida Mendes; Traduo/reviso: Eric Maheu; Anna Brbara Alcntara da Silva. Capa e Editorao: Linivaldo Cardoso Greenhalgh (A Luz, de Caryb Escola Parque, Salvador/BA); Secretaria: Maria Lcia de Matos Monteiro Freire.

    Robert Evan VerhineUniversidade Federal da BahiaTnia Regina DantasUniversidade do Estado da Bahia-UNEBWalter Esteves GarciaAssociao Brasileira de Tecnologia Educacional / Instituto Paulo Freire

  • Revista da FAEEBA

    Educaoe Contemporaneidade

    Departamento de Educao - Campus I

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB

    ISSN 0104-7043

    Revista da FAEEBA: Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 2010

  • Tiragem: 1.000 exemplares

    Revista da FAEEBA: educao e contemporaneidade / Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educao I v. 1, n. 1 (jan./jun., 1992) - Salvador: UNEB, 1992-

    Periodicidade semestral

    ISSN 0104-7043

    1. Educao. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Ttulo. CDD: 370.5 CDU: 37(05)

    Revista da FAEEBA EDUCAO E CONTEMPORANEIDADERevista do Departamento de Educao Campus I(Ex-Faculdade de Educao do Estado da Bahia FAEEBA) Publicao semestral temtica que analisa e discute assuntos de interesse educacional, cientfico e cul-tural. Os pontos de vista apresentados so da exclusiva responsabilidade de seus autores.

    ADMINISTRAO: A correspondncia relativa a informaes, pedidos de permuta, assinaturas, etc. deve ser dirigida :

    Revista da FAEEBA Educao e ContemporaneidadeUNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Departamento de Educao I - NUPE Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula 41150-000 SALVADOR BAHIA - BRASILTel. (071)3117.2316E-mail: [email protected]

    Normas para publicao: vide ltimas pginas.E-mail para o envio dos artigos: [email protected] Site da Revista da FAEEBA: http://www.revistadafaeeba.uneb.br

    Indexada em / Indexed in:- REDUC/FCC Fundao Carlos Chagas - www.fcc.gov.br - Biblioteca Ana Maria Poppovic- BBE Biblioteca Brasileira de Educao (Braslia/INEP)- Centro de Informao Documental em Educao - CIBEC/INEP - Biblioteca de Educao- EDUBASE e Sumrios Correntes de Peridicos Online - Faculdade de Educao - Biblioteca UNICAMP - Sumrios de Peridicos em Educao e Boletim Bibliogrfico do Servio de Biblioteca e Documentao - Universidade de So Paulo - Faculdade de Educao/Servio de Biblioteca e Documentao. www.fe.usp.br/biblioteca/publicaes/sumario/index.html- CLASE - Base de Dados Bibliogrficos en Ciencias Sociales y Humanidades da Hemeroteca Latinoamericana - Universidade Nacional Autnoma do Mxico:E-mails: [email protected] e [email protected] / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx- INIST - Institut de lInformation Scientifique et Technique / CNRS - Centre Nacional de la Recherche Scientifique de Nancy/France - Francis 27.562. Site: http://www.inist.fr- IRESIE - ndice de Revistas de Educacin Superior e Investigacin Educativa (Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educacin - Mxico)

    Pede-se permuta / We ask for exchange.

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, p. 1-234, jul./dez. 2010

    S U M R I O9 Editorial

    10 Temas e prazos dos prximos nmeros da Revista da FAEEBA Educao e Contempo- raneidade

    EDUCAO E MOVIMENTOS SOCIAIS

    15 Apresentao Antnio Dias Nascimento e Ronalda Barreto

    23 Construindo trincheiras em territrio minado: a educao no movimento sindical dos trabalhadores rurais sob o fogo cerrado da linha dura e do governo da distenso o caso da Bahia nos idos dos anos de 1972 a 1990 Antnio Dias Nascimento

    39 A Diversidade e a reivindicao de direitos nos movimentos sociais Mary Rangel

    49 Educao e economia solidria: contribuies da pedagogia da alternncia para a formao dos catadores de materiais reciclveis Francisco Jos Carvalho Mazzeu

    63 Msica em um projeto social com jovens: reflexes sobre alguns caminhos Maria Ceclia de Araujo Rodrigues Torres

    73 Letramento, alfabetizao e o fortalecimento da identidade sociocultural de segmentos historicamente excludos Ilka Schapper Santos; Hilda Micarello

    85 Identidade: de ribeirinhos a sertanejos do semirido Edinaldo Medeiros Carmo

    97 A cor do invisvel: saberes nas experincias educativas organizadas pela central das associaes das comunidades de fundo e fecho de pasto da regio de Senhor do Bonfim Bahia Izabel Dantas de Menezes

    109 Imaginrio, emancipao e colonialidade: estudo das intervenes sociais no movimento dos fundos de pasto da Bahia Luiz Antonio Ferraro Jnior; Marcel Bursztyn

    121 Articulao do trabalho e da educao do campo: uma leitura scio-histrica da construo de dois projetos distintos Laudemir Luiz Zart; Leda Gitahy

    131 Educadores do campo: descobrindo os caminhos da formao inicial para os monitores das Escolas Famlias Agrcolas do Estado da Bahia Sandra Regina Magalhes de Arajo

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, p. 1-234, jul./dez. 2010

    227 Normas para publicao

    145 Economia solidria e processo de incubao: a experincia da Universidade Federal de Sergipe Maria da Conceio Almeida Vasconcelos; Catarina Nascimento de Oliveira; Krcia Rocha Andrade; Matheus Pereira Mattos Felizola

    155 Movimentos sociais, educao e sade mental: a incluso social pelo trabalho. Ronalda Barreto Silva

    165 Tecendo possibilidades emancipatrias do cooperativismo com mulheres artess Mrcia Alves da Silva; Edla Eggert

    175 Estratgia de comercializao para melhorar a renda de pequenos produtores familiares rurais de leite Maria Nezilda Culti; Joo Batista da Luz Souza

    ESTUDOS

    193 Lendo Stella: um mote para pensar o fundamental na escola de ensino fundamental Antonio Flvio Barbosa Moreira

    207 Revolucionando a educao multicultural Jean J. Ryoo;Peter McLaren

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, p. 1-234, jul./dez. 2010

    C O N T E N T S

    11 Editorial

    12 Themes and Time Limit to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBA Education and Contemporaneity

    SOCIAL MOVEMENTS AND EDUCATION

    15 Presentation

    23 Building Trench in Mined Territory: education within the syndicalist movement of rural workers under fire of the rigid line of the government in the process of demilitarization: Bahia from 1972 to 1990 Antnio Dias Nascimento

    39 The Diversity in the Social Movements and their Demands for Rights Mary Rangel

    49 Education and Solidary Economy: contributions of the pedagogy of alternating to improve the rubbish collectors formation Francisco Jos Carvalho Mazzeu

    63 Music in a Social Project with Youths: reflections about some pathways Maria Ceclia de Araujo Rodrigues Torres

    73 Literacy, Reading Readiness and the Strengthening of the Social-cultural Identity of Historic Excluded Segments Ilka Schapper Santos; Hilda Micarello

    85 Identity: from riverside people to back-country people from the semi arid area Edinaldo Medeiros Carmo

    97 The Color of Invisibility: Potential of knowledge in educational experiences organized by the Community Association of Fundo and Fecho de Pasto from the Regio of Senhor do Bonfim - Bahia - Brazil. Izabel Dantas de Menezes

    109 Imaginary, Emancipation and Coloniality: a study of social interventions in the fundos de pasto movement - Bahia/Brazil Luiz Antonio Ferraro Junior; Marcel Bursztyn

    121 Articulating Work and Rural Education: a socio-historical reading of construction of two distinctive projects Laudemir Luiz Zart; Leda Gitahy

    131 Rural Educators: discovering the ways of initial formation for the monitors of the School Farm Family from the state of Bahia Sandra Regina Magalhes de Arajo

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, p. 1-234, jul./dez. 2010

    231 Instructions for publication

    145 Solidary Economy and Incubation Process: an experience from the Federal University of Sergipe. Maria da Conceio Almeida Vasconcelos; Catarina Nascimento de Oliveira; Krcia Rocha Andrade; Matheus Pereira Mattos Felizola

    155 Social Movements, Education and Mental Health: social inclusion through employment Ronalda Barreto Silva

    165 Weaving Emancipating Possibilities of Cooperative Work with Artisan Women Mrcia Alves da Silva; Edla Eggert

    175 Marketing Strategy to Elevate Revenue of Small and Rural Family Milk Producer. Maria Nezilda Culti; Joo Batista da Luz Souza

    STUDIES

    193 Reading Stella: a motto to think the basic of primary school Antonio Flvio Barbosa Moreira

    207 Revolutionizing Multicultural Education Jean J. Ryoo;Peter McLaren

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 2010 9

    EDITORIAL

    Este nmero da Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade marcado pela mudana da equipe que compe o Grupo Gestor. Criada em 1992 pelo Professor Jacques Jules Sonneville que durante esses 18 anos dedicou-se ao cuidado da Revista, como quem se dedica a um filho , chega ao nmero 34 como um espao consistente de dilogo reflexivo sobre a produo do co-nhecimento em Educao. Por tratar-se de uma revista temtica, configura-se como um importante instrumento de divulgao acadmico-cientfica ao dar visibilidade aos mais diversos temas de interesse do campo da Educao.

    A elaborao deste editorial fez com que nos lembrssemos do conceito heideggeriano de cuidado do ser-no-mundo. Heidegger chama a ateno para a importncia do cuidado no cotidiano. Cuidar uma das formas do ser ma-nifestar-se no mundo que est no polo oposto indiferena uma das marcas da cultura capitalista contempornea. Nesse sentido, percebemos que a forma como Jacques Sonneville e Yara Dulce Atade cuidaram da Revista da FAE-EBA at que a mesma atingisse a maioridade, aproxima-se do ato do cuidado heideggeriano. Um cuidar atento ao modo do zelo, ao abrigo das coisas que s pode-se dar de forma afetiva, pessoal e comprometida.

    Neste momento, Jacques entrega-nos seu filho, Revista da FAEEBA, j tendo atravessado a fase mais complicada da infncia, verdade, mas que ainda precisa de muito cuidado. Ao darmos continuidade trajetria iniciada pelos nossos amigos, Professor Jacques e Professora Yara, estamos cientes do desafio que assumimos de manter a qualidade e o respeito que este peridico conquistou no decorrer de sua histria.

    Este nmero de Educao e Contemporaneidade que teve a coordenao da Professora Dra. Ronalda Barreto e do Professor Dr. Antonio Dias Nascimento, ambos professores e pesquisadores no Programa de Ps-Graduao da UNEB prope-se a problematizar o tema dos Movimentos Sociais e sua articulao com a Educao: Movimentos Sociais e Educao. Duas categorias socialmente densas, que trazem a possibilidade de produzir diferentes formas de sociabili-dades e subjetividades subjetividades fortes e subjetividades fracas, no dizer de Ernildo Stein. As subjetividades fortes procuram intervir na prpria histria, no se conformam com cenrios prontos. Contrariamente, as subjetividades fracas observam impotentes o desenrolar de suas existncias, apticas frente a uma concepo de destino.

    A temtica Educao e Movimentos Sociais estabelece uma estreita relao entre estes dois aspectos, e de acordo com a viso dos autores que aportam os seus artigos para o nmero 34, representa um imbricamento mais prximo dos saberes que circulam no cotidiano da atuao dos sujeitos atores-autores em movimento e, por isso mesmo, est ancorada no dizer (memria e oralidade) destes sujeitos, nos seus modos de vida sua cultura e natureza e na circulari-dade que envolve movimento e comunidade, em busca de uma nova identidade social.

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 201010

    Temas e prazos dos prximos nmeros

    da Revista da FAEEBA:

    Educao e Contemporaneidade

    Enviar textos para Lige Fornari: [email protected]/[email protected]

    Vale ressaltar a relevncia deste tema, cuja iniciativa partiu de trabalhos de pesquisa realizados por docentes e pesquisadores de diversos estados do Brasil e de pases no exterior que vm discutindo, debatendo e divulgando os resultados das investigaes empreendidas sobre movimentos sociais, dando voz e vez para importantes segmentos da populao organizados em torno de um trabalho em comum.

    Os artigos selecionados refletem iniciativas produtivas que tm procura-do trilhar caminhos diversos da dicotomia Educao e Movimentos Sociais, constituindo-se em desafios para o trabalho de investigao acerca desta tem-tica, apontando as relaes entre Educao e Trabalho e entre Teoria e Prtica, destacando a necessidade de superar a dicotomia entre essas dimenses da atividade humana que predominam na sociedade contempornea.

    A todos os membros do Grupo Gestor que cuidaram com empenho e dedi-cao da Revista da FAEEBA, o reconhecimento de toda a comunidade aca-dmica da UNEB pelo excelente trabalho. Ao Grupo Gestor que ora assume, ressaltamos que preciso coragem, determinao e dedicao, juntar os esforos para dar continuidade ao trabalho de produo desta revista. Quem sabe faz a hora, no espera acontecer.

    Tnia Regina Dantas Editora Geral Lige Maria Sitja Fornari Editora Executiva

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 2010 11

    EDITORIAL

    This volume of the Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade is defined by the renewal of the managing team of this journal created in 1992 by the professor Jacques Jules Sonneville, who took care of it as if it was his own child. We now are attaining the number 34 of this consistent space of reflexive dialogue upon the production of knowledge in education. As a thematic journal, it has revealed itself as a important tool of academic vulgarization as it turns more visible the various themes of interest in the field of education.

    As we wrote this editorial, we remembered the heidegerian concept of care of the being-in-the world. Taking care is a way of manifesting oneself in the world, in opposition to indifference which is an identification mark of contem-porary capitalism. In this sense, we perceive that the way in which Jacques Sonneville and Yara Dulce Atade took care of the journal until it reaches adult age, approximate itself of the heideggerian care: caring with assiduity, in an affective, personal and devoted way.

    At this time, Jacques delivers his child, the Revista da FAEEBA, to us, after the more complicated fase of childhood but still in need of much care. Giving continuity to the trajectory initiated by our friend Jacques and Yara, we are conscious of the challenge that we are assuming of maintaining the quality and respect that this journal has conquered over the years. This volume was coordinated by Ronalda Barreto and Antonio Dias Nascimento who are both professors and researchers at the UNEB graduated program in education. It aims to problematize the articulation between social movements and education. These are socially dense categories which permit to produce various forms of sociabilities and subjectivities, weak subjectivities and strong subjectivities, according to Ernildo Stein. Strong subjectivities try to intervene in their own history, do not reconcile themselves with pre-written script. Weak subjectivities, on the other way, remain impotent and apathetic as their own life goes on as if guided by fate. The theme of Education and social movements establishes an intimate link between those two dimensions, and according to the authors views, represent a network of knowledge circulating in the daily life of the subjects, actors and authors in the move, and for this reason, is anchored in those subjects discourses (memories and orality), their way of life, their culture and nature, as well as in the circularity that implies movement and community looking for a new social identity.

    We must highlight the relevance of this theme . The initiative came from researcher from Brazil and abroad, which have been debating and discussing around studies of social movements, giving voices to important segment of the population

    The selected papers reflect the various pathways of the Education and social movement dichotomy, demonstrating challenges in the field of study, show-

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 201012

    Email papers to Lige Fornari: [email protected]/[email protected]

    Themes and terms for the next journals

    of Revista da FAEEBA:

    Educao e Contemporaneidade

    ing the relations between education and work as well as between theory and practice, highlighting the need of going between these dichotomies which still prevail in our contemporary world.

    We express our gratitude for their excellent work to all who have taken care of this journal until now with great dedication. The new team will need courage, determination and dedication to maintain this journal. Who knows do not wait but does.

    Tnia Regina Dantas Editora Geral

    Lige Maria Sitja Fornari Editora Executiva

  • EDUCAOE MOVIMENTOS

    SOCIAIS

  • 15Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, p. 15-21, jul./dez. 2010

    Antnio Dias Nascimento; Ronalda Barreto

    APRESENTAO

    O cenrio social e poltico da segunda metade do Sculo XX foi profundamente marcado pelo surgimento de sujeitos coletivos que emergiram inesperadamente por fora das instituies modernas supostamente apropriadas para assumirem a represen-tao social de interesses ainda no contemplados pela ordem vigente.

    Partidos polticos e sindicatos, tanto dentro do campo do liberalismo, como do socialismo real, viram-se desautorizados ou tornaram-se insuficientes como caminhos legtimos de representao dos interesses populares. O processo histrico, de fato, tornou-os to prximos dos poderes institudos que as suas pretensas bases sociais deles se afastaram, dando origem a novas formas de sociabilidade os chamados Movimentos Sociais.

    Inicialmente, vozes apressadas os viam como expresses de lumpen, passveis, portanto, de inescapveis jogos de cooptao pelos poderosos e aventureiros de planto. Mudanas profundas no sistema produtivo, a inveno de mquinas inteligentes, a eliminao crescente de postos de trabalho e o estabelecimento do desemprego como caracterstica estrutural e no mais episdica, colocaram os operrios em quarentena, as vanguardas perceberam a necessidade urgente de rever antigas formas de luta e, dessa forma, aos poucos foram construindo outras alternativas de mobilizao e de lutas sociais.

    Duas memorveis experincias, entre outras, podem ser lembradas como exem-plares da presena desses novos sujeitos sociais: a experincia polonesa de Gdansk e a brasileira representada pelas lutas do ABCD paulista no final dos anos de 1970. Ambas as experincias revelaram ao mundo a emergncia de novas sociabilidades constitudas fora da ordem estatal, institudas por subjetividades sufocadas que, autorizadas pela prpria conscincia de si e do mundo e apoiadas na fora de seus semelhantes, lanaram-se na cena pblica reivindicando o direito de ter direitos, na expresso de De Soto. Ambas as lideranas, tanto a da Polnia, Lech Walesa, como a do Brasil, foram conduzidas pelos movimentos sociais ao poder mximo de suas res-pectivas naes. No obstante as imensas dificuldades encontradas pelos movimentos sociais como o ataque da imprensa conservadora e dos setores sociais dominantes e a indiferena de grande parte dos includos na roda do consumo que institui formas de sociabilidade de um individualismo possessivo , os excludos tm levantado a bandeira da esperana de um mundo mais igualitrio.

    Os processos educativos postos em prtica pelos movimentos sociais tm desper-tado grande interesse aos que buscam a transformao da escola por meio de uma pedagogia descolonizadora, orientada no sentido da construo da autonomia. Da por que a nossa revista, Educao e Contemporaneidade, orientou-se nesta edio, de nmero 34, para a relao entre a Educao e os Movimentos Sociais.

    Os textos que integram esta edio so basicamente resultantes de pesquisas realizadas pelos seus autores, individualmente ou em grupo, no mbito de suas ati-vidades acadmicas, nas suas respectivas instituies, situadas em vrios estados do Brasil. Assim, como os movimentos sociais tm emergido em diferentes situaes sociais, foram reunidos nesta edio artigos que versam sobre um amplo espectro de experincias de educao desenvolvidas no mbito dos setores sociais com baixa ou nenhuma visibilidade na esfera pblica.

  • 16 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, p. 15-21, jul./dez. 2010

    Apresentao

    O primeiro artigo, intitulado Construindo trincheiras em territrio minado: a educao no movimento sindical dos trabalhadores rurais sob o fogo cerrado da linha dura e do governo da distenso o caso da Bahia nos idos dos anos de 1972 a 1990, de autoria de Antonio Dias Nascimento, Titular da Universidade do Estado da Bahia, resultante de pesquisa que serviu de base para a elaborao de sua tese de doutorado na Universidade de Liverpool, na Inglaterra. O artigo pontua o surgimento do Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais no contexto populista do final dos anos de 1950 e incio dos anos de 1960, no Nordeste, quando foram conquistadas as primeiras cartas sindicais, em 13 de maio de 1962, na sesso de encerramento do I Congresso de Trabalhadores Rurais do Norte e Nordeste do Brasil, na cidade de Itabuna, Bahia. Em seguida o autor destaca o processo educacional concebido por esse movimento e sua expanso por todo o Brasil. O ponto central do trabalho, no entanto, a aplicao dessa pedagogia junto ao sindicalismo de trabalhadores rurais na Bahia entre os anos de 1972 e 1990, resultando, desde ento, em significativas transformaes do Sindicalismo de Trabalhadores Rurais na Bahia.

    A diversidade e a reivindicao de direitos nos movimentos sociais o ttulo do artigo de autoria de Mary Rangel, Titular da Universidade Federal Fluminense e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no qual comea por assinalar a impor-tncia do respeito e acolhimento diversidade, tal como constitui-se proposta comum tanto s Organizaes No Governamentais, ONGs, como aos movimentos sociais. Em seu estudo, a autora, apoiada numa perspectiva arendtiana, destaca a relevncia poltica da mobilizao da sociedade, tornando-se o atendimento aos interesses por ela expressos requisito de legitimao dos governos. A pesquisa que serviu de base ao artigo evidenciou a relevncia do movimento social que mobilizou educadores, associaes e representantes de vrias instncias da sociedade, em 2009, em vista de propostas Conferncia Nacional de Educao (CONAE) e seus indicativos Reforma do Sistema Educacional Brasileiro, realando-se entre eles a reivindicao de direitos e a nfase no respeito diversidade.

    O artigo seguinte, Educao e economia solidria: contribuies da pedagogia da alternncia para a formao dos catadores de materiais reciclveis, de autoria de Francisco Jos Carvalho Mazzeu, Professor da UNESP/Araraquara e membro do Programa Educao e Trabalho da Rede UNITRABALHO, aborda os desafios colocados na formao de catadores de resduos slidos, sobretudo diante dos condi-cionantes aos quais esto submetidos esses sujeitos sociais. No caso, trata-se de aliar, simultaneamente, no processo de educao, uma formao voltada para o trabalho uma vez que tanto a coleta, como o manuseio dos materiais reciclveis exigem conhecimentos tcnicos especficos e ao mesmo tempo uma formao voltada para a cidadania e a emancipao desses educandos dado que a chegada ao trabalho de catao de materiais reciclveis resultado de um profundo processo de excluso social , exigindo uma cuidadosa utilizao da pedagogia do oprimido, com a pedagogia da alternncia, at ento comumente empregada nos contextos rurais.

    Outra experincia educacional, ainda num contexto urbano, dessa vez com adoles-centes e jovens em situao de vulnerabilidade social, por meio da educao musical, merece tambm a nossa contemplao. Trata-se do artigo intitulado Msica em um projeto social com jovens: reflexes sobre alguns caminhos, de Maria Ceclia de Araujo Rodrigues Torres, professora do curso de Licenciatura em Msica do Centro Universitrio Metodista IPA, em Porto Alegre. Entre muitas contribuies para o

  • 17Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, p. 15-21, jul./dez. 2010

    Antnio Dias Nascimento; Ronalda Barreto

    campo da educao, o artigo apresenta o desenvolvimento da sensibilidade de jovens marcados pela excluso social, por meio da educao musical. Embora os resultados artsticos e musicais tendam a roubar a cena, mais que isso, o que acontece com esses educandos a sua promoo humana pela sua incluso em novas sociabilidades.

    Letramento, alfabetizao e o fortalecimento da identidade sociocultural de segmentos historicamente excludos, das autoras Ilka Schapper Santos e Hilda Micarello, professoras da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Juiz de Fora, um texto que trata de processos identitrios. Apresenta reflexes acerca das repercusses que a insero em prticas socioculturais de leitura e escrita trazem para o fortalecimento das identidades individuais e coletivas de jovens e adultos alfabeti-zandos, apoiadas na experincia desenvolvida no mbito do Projeto Todas as Letras. A proposta metodolgica do referido projeto desenvolvida com base em trs eixos estruturantes: trabalho, cultura e desenvolvimento, com o objetivo de que o processo de alfabetizao possibilite uma reflexo dos alfabetizandos sobre a constituio do ser social naquelas dimenses que esto intrinsecamente ligadas a esse processo de constituio. As autoras destacam que alfabetizar letrando implica pensar que o sujeito da aprendizagem vai apropriar-se do cdigo da lngua materna ao mesmo tempo em que se insere em prticas significativas de leitura e escrita, prticas que permeiam seu universo scio-histrico-cultural. A proposta busca fortalecer a dimenso coletiva do letramento, ampliando a perspectiva dos ganhos que a condio de alfabetizado pode trazer para aos sujeitos individuais dimenso do desenvolvimento comunitrio. No mbito do PTL, a leitura e a escrita so concebidas como bens culturais. A sociali-zao desses bens culturais no processo de alfabetizao e letramento de jovens e adultos implica em benefcios para uma coletividade, o que, para as autoras, aponta a importncia de polticas pblicas que invistam, de forma efetiva e permanente, na educao de jovens e adultos como condio para o efetivo exerccio da cidadania por esses sujeitos.

    Sociabilidades consolidadas podem assegurar as caractersticas comunitrias em po-pulaes que sofram traumas coletivos como inundaes, reassentamento e migraes. Isso o que se pode perceber pelo artigo intitulado IDENTIDADE: de ribeirinhos a sertanejos do semirido, de autoria de Edinaldo Medeiros Carmo, professor do Departamento de Cincias Naturais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), elaborado com base na pesquisa realizada em uma comunidade que teve de ser deslocada de suas condies naturais, sociais e culturas de origem, marcada pelo desfrute do acesso gua e a solos frteis, para cederem lugar a um grande reservatrio para abastecimento da cidade de Salvador, para condies diametralmente opostas tais como solos pobres em reas de sequeiro, alm de terem de estabelecer novas relaes com reassentados de outras reas tambm cobertas pelas guas. A despeito de no se dar destaque especial questo dos aspectos educacionais envolvidos nesse processo de transmutao identitria, percebe-se que as comunidades, embora tenham sido traumatizadas em seus cursos de vida, tornaram-se capazes de estabelecer um processo de aprendizagem de novo modo de viver, produzindo simbolicamente novos territrios com base nos sentidos de suas existncias.

    O artigo seguinte, intitulado A cor do invisvel: saberes nas experincias edu-cativas organizadas pela Central das Associaes das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto da Regio de Senhor do Bonfim Bahia, escrito por Izabel Dantas de Menezes, professora do Departamento de Educao do Campus XIII da UNEB,

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    Apresentao

    foca os saberes e sentidos dos arranjos formativos inseridos na atuao poltica da Central de Associaes Agropastoris de Fundo e Fecho de Pasto, em Senhor do Bon-fim Bahia. So populaes que se organizam tradicionalmente em comunidades, caracterizadas pelo uso coletivo das terras sob seu domnio. Com a expanso do capital agrrio tambm no serto da Bahia, essas comunidades sofrem permanentemente ameaas de desestruturao e expressam a sua resistncia por meio da criao de uma Central que as articula. A autora descreve a estrutura e a dinmica da Central, bem como os sentidos que envolvem os saberes contidos no seu fazer poltico-educativo para e com as comunidades de Fundo e Fecho de Pasto da regio.

    A abordagem seguinte, tambm sobre as comunidades de Fundos de Pasto, contida no artigo intitulado Imaginrio, emancipao e colonialidade: estudo das inter-venes sociais no movimento dos fundos de pasto da Bahia, resultante de uma coautoria entre Luiz Antonio Ferraro Jnior e Marcel Bursztyn, por sua vez, debrua-se sobre o conflito que se estabelece entre os interesses das comunidades tradicionais e os agentes da modernidade como portadores , numa viso salvacionista, de projetos de interveno que buscam produzir uma naturalizao das relaes de colonialidade. Embasados em rigorosa abordagem terica, os autores concluem que desejvel que o foco da interveno seja a aprendizagem social e apontam para a possibilidade de fazer de espaos polticos-organizativos, espaos intencionalmente educadores.

    Por sua vez, o artigo elaborado em coautoria pelos professores Laudemir Luiz Zart, da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), e Leda Gitahy, do Depar-tamento de Poltica Cientfica e Tecnolgica IG/UNICAMP, intitulado Articulao do trabalho e da Educao do Campo: uma leitura scio-histrica da construo de dois projetos distintos, parte da ideia de que a ambincia configurada pelo ru-ralismo provoca os deslocamentos horizontais, gerando os vazios de gente na terra. Neste sentido, o rural o espao que provoca o empobrecimento cultural, uma vez que promove a colonizao dos conhecimentos tecnocientficos pela ao dos rgos estatais e, fundamentalmente, pelas empresas transnacionais, que difundem no so-mente conhecimentos, mas essencialmente produtos. Desse modo, a concepo do rural geradora do dualismo entre o econmico e o ecolgico. Em oposio a essa concepo, os movimentos sociais do campo conceberam e vm tentando consolidar o seu projeto de educao arraigado na socioeconomia solidria, gerando ambincias favorveis para a educao e a aprendizagem de dinmicas de empoderamento na perspectiva da produo, da conscincia coletiva, do empreendimento econmico solidrio, do consumo consciente.

    Outro estudo, tambm voltado para a Educao do Campo, apresentado pelo artigo de Sandra Regina Magalhes de Arajo, Professora do Departamento de Educao do Campus I da UNEB, sob o ttulo de Educadores do Campo: descobrindo os caminhos da formao inicial para os monitores das Escolas Famlias Agrcolas do Estado da Bahia, baseado em pesquisa em andamento junto ao Programa de Ps-Graduao e Contemporaneidade. A autora investiga a experincia de formao inicial para os monitores/formadores das redes das Escolas Famlias Agrcolas (EFAs) do Estado da Bahia, calcada na pedagogia da alternncia, ocorrida por volta do primeiro quinqunio dos anos 2000. Parte de reflexes tericas sobre formao de educadores do campo, cotejando-a com as polticas pblicas de formao de educadores postas em prtica no pas, confrontando-as com as questes educacionais postas pelos movi-mentos sociais. Conclui ressaltando a relevncia da pesquisa tomando como referncia

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    Antnio Dias Nascimento; Ronalda Barreto

    as estatsticas oficiais sobre este nvel de ensino para os educadores que atuam nas escolas do campo, diferentemente dos da cidade.

    Mudanas esto ocorrendo no mundo do trabalho, acompanhadas de diversas trans-formaes no s nas formas de gesto, mas de organizao do sistema produtivo. Tal cenrio tem trazido rebatimentos para os trabalhadores com a diminuio de postos de trabalho, trabalhos precrios, aumento da informalidade etc. Diante dessa situao, vrios trabalhadores passam a encontrar outras possibilidades de gerar renda, dentre elas a economia solidria. So iniciativas produtivas que tm procurado trilhar um caminho diferente da forma como foi iniciada a histria do cooperativismo brasileiro e tm contado com a contribuio da academia a fim de auxiliar no processo de cons-tituio e desenvolvimento de empreendimentos econmicos solidrios que desejam trabalhar sob o enfoque da autogesto. Essa a temtica abordada em coautoria pe-los professores Maria da Conceio Almeida Vasconcelos, Catarina Nascimento de Oliveira, Krcia Rocha Andrade, Matheus Pereira Mattos Felizola, da Universidade Federal de Sergipe, no artigo intitulado Economia solidria e processo de incubao: a experincia da Universidade Federal de Sergipe.

    Prosseguindo na identificao de experincias desenvolvidas pelos trabalhadores, vitimados pela excluso massiva do sistema produtivo, para encontrar alternati-vas de sobrevivncia por meio da Economia Solidria, tem-se a contribuio de Ronalda Barreto Silva, professora do Departamento de Educao, Campus I, e do Programa de Ps-Graduao em Educao e Contemporaneidade da UNEB, por meio de seu artigo intitulado Movimentos sociais, educao e sade mental: a incluso social pelo trabalho. A autora prope-se ao exerccio de reflexes sobre a proposta conjunta dos Ministrios da Sade e do Trabalho para organizao de empreendimentos da Economia Solidria com portadores de transtornos mentais, usurios de lcool e outras drogas. A anlise parte do pressuposto de que a efetiva incluso social s possvel pela via do trabalho, categoria fundante da sociedade. Assim, discute a cidadania desse segmento da populao, entendendo que o trabalho fundamental para o estabelecimento de laos de sociabilidade, configurando-se, dessa forma, como um princpio educativo por excelncia. Para a autora, a proposta em questo constitui-se num desafio que se coloca para as incubadoras universi-trias de empreendimentos solidrios e que vem sendo realizado, de forma ainda incipiente, por algumas delas.

    O artigo intitulado Tecendo possibilidades emancipatrias do cooperativismo com mulheres artess, elaborado pelas professoras Mrcia Alves da Silva, da Facul-dade de Educao da Universidade Federal de Pelotas, e Edla Eggert, do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), tem como principal objetivo refletir sobre preceitos acerca da temtica sobre o tra-balho feminino, com o intuito de discutir tanto os aspectos conceituais da diviso sexual do trabalho, quanto possibilidades emancipatrias de algumas experincias cooperativadas com mulheres artess. As autoras baseiam-se em trabalhos de pesquisa que esto realizando com mulheres artess participantes de cooperativas de produo e comercializao, nas cidades de Alvorada e Pelotas (RS). Segundo as autoras, a pesquisa acadmica, apoiada na valorizao das trajetrias das pessoas envolvidas, tem possibilitado que as mulheres refaam os percursos vividos e ressignifiquem suas experincias de vida, especialmente no que se refere a aspectos do mundo do trabalho feminino.

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    Apresentao

    Objetivando apresentar aes dos movimentos sociais na busca de alternativas de sobrevivncia segundo uma lgica de desenvolvimento com maior igualdade econ-mica, social e poltica, apresenta-se o artigo Estratgia de comercializao para melhorar a renda de pequenos produtores familiares rurais de leite, de Maria Nezilda Culti, professora no Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maring (UEM), no estado do Paran, e Joo Batista da Luz Souza, professor auxiliar do departamento de Economia da Universidade Estadual de Maring. Trata de uma ao coletiva ou unio entre produtores familiares assentados oriundos da reforma agrria com outro grupo de pequenos produtores, pressupondo um processo educativo que busca construir novas atitudes, transformar prticas e vislumbrar a transformao nas relaes de produo, de trabalho e sociais. Discute-se, nesse processo, a formao do capital social, permitindo a criao de vnculos de confiana, redes de contatos, troca de informaes, cooperao e, consequentemente, aumento do poder do grupo de produtores ou empreendedores coletivos. As discusses realizadas inserem-se no escopo do estudo da agricultura familiar como indutora do desenvolvimento econ-mico em razo do impulso gerado pela ampliao do debate sobre o desenvolvimento sustentvel, gerao de emprego e renda, segurana alimentar e o potencial de gerar desenvolvimento para regies menos favorecidas.

    Na seo Estudos foram reunidos os textos dos autores convidados. Antonio Flvio Barbosa Moreira, professor titular da Universidade Catlica de Petrpolis (UCP) e coordenador da Ps-Graduao em Educao da UCP, prope-se a teorizar seguindo o roteiro de um filme, mostrando-nos a possibilidade de que imagens possam constituir-se como veculo de pensamento. Inspirado no filme Stella, discute, no texto Lendo Stella: um mote para pensar o fundamental na escola de ensino fundamental, questes referentes ao conhecimento escolar no currculo, tendo como referncia a escola de ensino fundamental, entendendo o currculo como espao em que se desenrolam as experincias de aprendizagem que giram em torno do conhecimento escolar. O autor defende a importncia da arte e da literatura no currculo e aborda o conhecimento escolar no ensino fundamental, analisando questes envolvidas nos processos de seleo e organizao desse conhecimento, destacando sua importn-cia e rejeitando a supervalorizao da experincia do aluno em algumas propostas curriculares. Prope o incentivo a um processo contnuo de inovao, baseado na criatividade dos professores e das escolas e na sua capacidade para definir, avaliar e retificar os conhecimentos bsicos a serem ensinados e aprendidos baseados numa parceria entre a escola e o governo local, por meio de uma qualidade negociada, via currculo. A qualidade reside no debate entre atores e grupos sociais interessados nos distintos aspectos do fenmeno educativo, com a sugesto de que, em cada instituio escolar, escolham-se e organizem-se os contedos bsicos. Entende que a escola deve apropriar-se de suas demandas e possibilidades por meio de um expressivo projeto poltico-pedaggico, e com o poder local acompanhando, apoiando, avaliando e dis-ponibilizando condies e recursos indispensveis.

    O segundo texto trata de uma reflexo necessria e urgente para o campo da Educao com base na problematizao do impacto da eleio de Obama. O artigo Revolucionando a educao multicultural, de Peter Macklaren e Jean Ryoo, analisa a forma como a educao multicultural e os ideais democrticos na educao pblica tm sido enfraquecidos pela globalizao do capitalismo, uma vez que homenageiam a falsa diversidade com formas superficiais do multiculturalismo, enquanto a defesa da

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    Antnio Dias Nascimento; Ronalda Barreto

    cultura de consumo como modo de vida ideal, no qual as pessoas devem se confor-mar. Os autores, exemplificando as contradies entre a democracia e o capitalismo, questionam o posicionamento do presidente Obama frente ao novo sistema de prticas raciais, camuflado por trs da retrica conservadora sobre a Amrica ps-racial, e ressaltam as execraes contra os movimentos de esquerda e as anlises marxistas que lidam com a totalidade das relaes sociais capitalistas e abordam as questes da universalidade. Nesse sentido, os autores aplicam o termo violncia epistmica para descrever as prticas de produo de conhecimento desprendido, incapacitado, despotencializado usado nas muitas tendncias dominantes de educao multicultural e assimilacionista, que ignoram as diversidades dos estudantes enquanto marcam as culturas no brancas como desviantes e exticas. A fim de abordar estas questes e outras questes afins, apontam a necessidade da renovao da pedagogia crtica com o objetivo de dirigir-se e contrapor-se aos efeitos da violncia epistmica enquanto ajuda a construir uma verdade multicultural e uma educao democrtica, em vez de um produto acumulado nos espaos escolares.

    Desejamos que os textos reunidos neste nmero dedicado aos Movimentos Sociais e a Educao sejam inspiradores e promovam inquietaes produtivas. A todos uma tima leitura.

    Antonio Dias Nascimento Ronalda Barreto Silva

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    Antnio Dias Nascimento

    CONSTRUINDO TRINCHEIRAS EM TERRITRIO MINADO:

    a educao no movimento sindical dos trabalhadores rurais

    sob o fogo cerrado da linha dura e do governo da distenso:

    o caso da Bahia nos idos dos anos de 1972 a 1990

    Antnio Dias Nascimento*

    * PhD pela Universidade de Liverpool Inglaterra. Professor Titular do DCH Campus I. Professor do Programa de Educao e Contemporaneidade do DEDC da Universidade do Estado da Bahia.

    RESUMO

    Este artigo resulta de uma pesquisa sobre a relao entre a sociedade civil e o Estado, abordando negociaes e tenses entre os movimentos sociais de trabalhadores rurais e a estrutura sindical que lhe correspondente, atrelada formalmente ao Estado, nos moldes da estrutura sindical do pas. Embora muitas outras relaes tenham sido observadas nesse processo de investigao, o foco do presente trabalho tem como base principal o programa educacional que abrangeu tanto as bases de trabalhadores e dirigentes sindicais, como setores da sociedade civil mais amplamente sensveis s causas populares. A narrativa constituiu-se com base nos testemunhos das lideranas e dos sobreviventes da conjuntura histrica no cenrio das lutas sindicais baianas. As fontes documentais consultadas foram, principalmente, os arquivos da Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia, da Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e das Comunidades Eclesiais de Base nas Dioceses de Juazeiro, Bom Jesus da Lapa e de Vitria da Conquista, assim como os arquivos da Comisso Pastoral da Terra em Salvador. O estudo evidencia o impacto da ao dos movimentos sociais nascidos fora da ordem estatal, a despeito do controle militar, que contribuiu para alar a estrutura sindical dos trabalhadores rurais na Bahia de uma posio de indiferena para uma posio de reconhecimento e apoio s reivindicaes de suas bases sociais.

    Palavras-chave: Educao e Movimentos Sociais de Trabalhadores Rurais Educao e Emancipao Movimentos Sociais Educao Estado e Sociedade Civil

    ABSTRACT

    BUILDING TRENCH IN MINED TERRITORY: EDUCATION WITHIN THE SYNDICALIST MOVEMENT OF RURAL WORKERS UNDER FIRE OF THE RIGID LINE OF THE GOVERNMENT IN THE PROCESS OF DEMILITA-RIZATION: Bahia from 1972 to 1990

    This article stems from a research on the relationship between civil society and State, addressing tensions and negotiations between the social movements of rural workers and union structure corresponding to it, formally tied to the state, along the lines of Brazilian union structure. While many other relationships have been observed in this research process, the focus of this work is based primarily on the educational

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    Construindo trincheiras em territrio minado: a educao no movimento sindical dos trabalhadores rurais sob o fogo cerrado da linha dura e ...

    program that covered both the social bases and union leaders, such as sectors of civil society more broadly responsive to popular causes. The narrative is based upon the testimonies of survivors and of the leaders of the historical juncture in the scenario of trade union struggles in Bahia. The documentary sources were mainly the files of the Federation of Agricultural Workers of the State of Bahia, the National Confederation of Agricultural Workers and the Basic Church Communities in the Diocese of Juazeiro, Bom Jesus da Lapa and Vitoria da Conquista as well as the archives of the Pastoral Land Commission in Salvador. The study highlights the impact of actions by social movements, born out of State order, in spite of military control, which helped to raise the structure of the rural workers union in Bahia, from a position of indifference to a position of recognition and support of the claims of its social bases.

    Keywords: Education and Social Movements of Rural Workers Education and Emancipation Social Movements Education State and Civil Society

    Introduo

    As tentativas de estender os direitos trabalhistas aos labores do campo, e de promover a organizao dos trabalhadores rurais em sindicatos tal como ocorreu na categoria de trabalhadores urbanos , remontam aos anos de 1930. Durante o perodo constituinte, que precedeu a Intentona, vrios sindicatos de trabalhadores agrcolas foram orga-nizados no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, todavia poucos conseguiram sobreviver ao clima do anticomunismo que vicejou no Brasil durante a ditadura Vargas (CAMARGO, 1981).

    Somente no perodo desenvolvimentista, emble-matizado por Juscelino Kubitschek, so retomadas as tentativas de apoiar as mobilizaes camponesas em defesa de seus interesses, como foi o caso das Ligas Camponesas (Callado, 1966; Andrade, 1980; Azevedo, 1982) que contavam com o apoio de par-tidos de esquerda e do ento Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais, respaldado dominantemente pela Igreja Catlica, sobretudo nos estados do Rio Grande do Norte e de Minas Gerais (Camargo, 1981). Nesse perodo intensificam-se as tentativas de extenso das leis de proteo ao trabalho no campo (Estatuto do Trabalhador Rural 02/03/1963) e a luta pela reforma agrria.

    Com a deposio, em 1964, do governo de Joo Goulart que via naquela mobilizao popular um aprofundamento da democracia no pas , houve, como consequncia do golpe militar, um severo retrocesso no mpeto democrtico, uma vez que os

    militares temiam os desdobramentos polticos da emergente efervescncia (Ianni, 1975). As Ligas Camponesas e os Partidos Comunistas, consequen-temente, foram duramente reprimidos e entraram em refluxo, enquanto certas aes polticas e sociais ligadas Igreja Catlica foram toleradas e, dentre elas, o apoio ao Movimento Sindical de Trabalha-dores Rurais (MELO, 1964, 1965).

    O presente artigo pretende dar visibilidade questo educacional como um dos elementos fundamentais para a reumanizao dos oprimidos (FREIRE, 1967), assim como para a sua articulao em movimentos sociais, capazes de produzir mu-danas sociais e polticas. Nessa direo, destaca o trabalho educacional desenvolvido pelo Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco, que, inspirado na Doutrina Social da Igreja Catlica, foi concebido com objetivo de mobilizar, formar e organizar os trabalhadores rurais, com base no m-todo ver, julgar e agir, com o apoio do Servio de Orientao Rural de Pernambuco (SORPE), ligado Arquidiocese de Olinda e Recife. Essa prtica educacional, por sua vez, chega Confederao Nacional dos Trabalhadores Rurais (CONTAG), em 1968, com a eleio de uma diretoria de oposio aos representantes do regime militar.

    Neste estudo, evidencia-se a efetividade do conjunto de aes, definido como Educao Sindical, pelo Movimento Sindical dos Trabalha-dores Rurais, por meio dos seus desdobramentos, especificamente no caso da Bahia, no perodo de 1972 a 1990.

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    Antnio Dias Nascimento

    Sob a liderana dos nordestinos, o Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais, concebido como movimento social antes mesmo da legitimao dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais a partir de 13 de maio de 1962, passou a ganhar expresso nacional por meio de um persistente trabalho de formao de lideranas e de quadros tcnicos de-senvolvido pelas Federaes Estaduais e Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Esse trabalho conseguiu angariar a adeso da Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia, entre os anos de 1972 e 1973. A partir da os sindicatos mu-nicipais tornaram-se bases de apoio s lutas dos trabalhadores, constituindo-se em espaos polticos efetivos.

    Breve nota sobre o panorama nacional

    A partir de meados dos anos de 1950, os setores polticos e sociais mais importantes na cena bra-sileira envolvidos nas mobilizaes camponesas foram os partidos polticos de esquerda e alguns setores da Igreja Catlica. Esses sujeitos sociais participaram das campanhas pela reforma agrria e pela extenso dos direitos trabalhistas para o setor rural como elementos fundamentais para redimir os camponeses de sua antiga explorao (FON-SECA, 1963). Neste contexto de disputa poltica, as ligas camponesas apresentaram-se como foras transformadoras e, conjuntamente com seus apoia-dores Francisco Julio, Clodomir Morais e outros , lideraram marcante campanha por uma reforma agrria radical numa perspectiva revolucionria socialista, contrapondo-se aos setores da Igreja Catlica e aos partidos polticos de centro, que defendiam uma reforma agrria por meios consti-tucionais. Essa aliana, democrata-crist e social-democrata, tornou-se a mais eficaz na conquista da extenso da legislao de direitos trabalhistas para a rea rural no Brasil (PRICE, 1964), obtendo sua primeira vitria com a realizao do I Congresso de Trabalhadores Rurais do Norte e Nordeste do Brasil, realizado em Itabuna, Bahia, em maio de 1962, ao final do qual, dia 13 de maio, obteve do governo federal o reconhecimento de seus 22 primeiros sindicatos de trabalhadores. Como resultado dessa mobilizao poltica, realizada no perodo entre 1955 e 1964, houve um despertar

    geral da conscincia nacional da necessidade da reforma agrria, e conquistou-se a extenso dos direitos trabalhistas para a rea rural por meio do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), Lei n. 4.214, promulgada em 2 de maro de 1963.

    Como consequncia da represso militar, as Ligas Camponesas foram proscritas em 1964, e o governo federal interveio nos sindicatos de traba-lhadores rurais, incluindo as federaes estaduais e a prpria CONTAG. Aps, as diversas categorias de trabalhadores rurais anteriormente separadas, em sindicatos distintos, de pequenos agricultores, posseiros, meeiros e rendeiros, foram agrupadas, sob o governo militar, dentro de uma nica cate-goria, a de trabalhadores rurais, para propsitos de enquadramento sindical (MEDEIROS, 1990). A partir de ento, apenas um sindicato de tra-balhadores rurais por municpio poderia existir, apenas uma federao por estado, e a CONTAG foi mantida como o nico representante nacional dos trabalhadores rurais, como estabelecido pelo governo anterior.

    Em muitos casos, diversos sindicatos de traba-lhadores foram extintos e outros postos sob inter-veno federal at 1966. Aps isso, os movimentos sociais de camponeses, assim como os movimentos populares em geral, tornaram-se alvo do aparato repressor, j que eram considerados politicamente vulnerveis subverso. Como consequncia, os latifundirios, especialmente na regio das plantaes de cana-de-acar em Pernambuco, au-mentaram o nvel de explorao dos trabalhadores mediante o aumento das tarefas dirias e da reduo dos salrios (MELO, 1964).

    Contudo, a maioria dos dirigentes dos sindicatos de trabalhadores rurais existentes, diante de tais cir-cunstncias crticas, tentou evitar qualquer confron-to com o regime militar. Assim, mesmo ouvindo reclamaes dos camponeses, eles permaneciam desmobilizados. Boa parte dos membros das dire-torias dos sindicatos estava ligada aos militares e aos latifundirios, alm disso, qualquer reclamao trabalhista, ainda que amparada na lei, poderia ser vista como atitude subversiva. Assim, embora a interveno federal na CONTAG e nos seus sin-dicatos de base tenha sido suspensa em 1966, os antigos interventores foram eleitos como diretores. Da porque os sindicatos de trabalhadores rurais

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    Construindo trincheiras em territrio minado: a educao no movimento sindical dos trabalhadores rurais sob o fogo cerrado da linha dura e ...

    permaneceram distanciados das suas lutas, mesmo tendo sido suspenso o regime de interveno.

    No caso de Pernambuco, porm, um conjunto especfico de fatores contribuiu para que o sin-dicalismo de trabalhadores rurais reativasse suas ligaes com os movimentos sociais camponeses, a despeito do controle militar. O primeiro fator foi a reao independente dos trabalhadores das plantaes de cana-de-acar, que iniciaram gre-ves localizadas em diversos engenhos de acar, reivindicando a observncia do Acordo Salarial de 1963 e do Estatuto do Trabalhador Rural, mesmo sem o apoio dos sindicatos. Esse fato fez com que as autoridades militares cobrassem dos sindicatos maior presena junto aos trabalhadores, evitando assim o recrudescimento da agitao social nos canaviais. O segundo fator refere-se permann-cia de alguns lderes ligados Igreja Catlica no comando de alguns sindicatos, pois suas atividades j eram tidas como no comunistas mesmo antes do golpe militar. O terceiro fator diz respeito ao envol-vimento da Igreja Catlica por meio do Servio de Orientao Rural de Pernambuco (SORPE) , retomando seu trabalho de educao no campo, juntamente com os remanescentes lderes ligados Igreja, tal como se realizava desde 1961, quando o sindicalismo dos trabalhadores rurais era apenas um movimento social.

    Inicialmente, como as greves eram localiza-das, foram resolvidas mediante acordos entre a liderana dos sindicatos de trabalhadores rurais e os latifundirios. Mais tarde, como a explorao tornou-se insuportvel, o movimento sindical de trabalhadores rurais na regio da cana-de-acar comeou a organizar uma greve geral para o in-cio da colheita de 1965. Embora o regime militar tenha estabelecido severas restries para evitar greves, 99 mil trabalhadores rurais aprovaram o movimento. A greve foi reprimida e lderes sindi-cais foram presos.

    Neste contexto de enfrentamento poltico com o regime militar e de ciso interna entre as lideran-as catlicas, fracassa a greve geral dos canaviais, e os lderes da Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE) aumentaram sua influncia junto aos trabalhadores do campo a partir de 1965. Mesmo diante da des-confiana dos militares, a FETAPE reforou seu

    programa educacional com o objetivo de formar lderes sindicais. A liderana da FETAPE tambm buscou fortalecer o movimento, criando um servio de assessoria jurdica em apoio s demandas dos trabalhadores.

    De acordo com Jos Gonalves da Silva (1991) assessor educacional da FETAPE poca , o programa educacional consistia em treinar lderes locais sobre leis especficas de interesse dos traba-lhadores rurais, tais como as leis de terra, direitos civis e trabalhistas, e sobre a organizao poltica e social brasileira. O programa educacional estimu-lava tambm a discusso sobre os problemas dos trabalhadores e melhoria de suas condies de vida, com nfase na luta por reforma agrria.Assim, os lderes das organizaes de base, uma vez tendo participado do programa educacional da FETA-PE, comeavam a compartilhar o conhecimento adquirido com os membros de suas respectivas comunidades fazendo emergir uma nova gerao de lderes sindicais.

    Embora a interveno federal na CONTAG te-nha terminado em 1965, sua diretoria constituda dos antigos interventores , manteve uma poltica de acomodao com o governo militar. No entanto, o ano de 1968 foi marcado, como em outras partes do mundo, por intensas mobilizaes populares, emergindo certo clima de liberalizao poltica, mais tarde sufocada pela Linha Dura do mando mi-litar por meio do histrico Ato Institucional n 5 (AI 5 ). Nesse contexto ocorreram tambm, em 1968, as eleies para uma nova diretoria da CONTAG, e uma frente estabelecida entre os representantes de vrios estados, liderada pela FETAPE, venceu as eleies para a diretoria da Confederao Nacional. A nova diretoria, encabeada por Jos Francisco da Silva, era composta predominantemente por lderes rurais nordestinos, em aliana com os estados do Sul e Sudeste, como o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Esprito Santo (CONTAG, 1985).

    A partir de ento, a nova direo da CONTAG props assembleia geral da entidade que uma poltica educacional, similar da FETAPE, fosse desenvolvida em mbito nacional.

    Como a maioria da assembleia da CONTAG era representada por lderes nordestinos, preocupados com o aumento da violncia contra os trabalhadores rurais em diversos estados brasileiros, e diante da

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    Antnio Dias Nascimento

    resistncia do governo militar em relao reforma agrria, a proposta foi aprovada pela assembleia realizada em Araruama, no Rio de Janeiro, em 1968 (SILVA, 1991). Obtido o apoio da assembleia, a CONTAG investiu uma quantidade considervel de recursos, arrecadados do imposto sindical, na capacitao dos funcionrios de suas afiliadas para a implementao do programa educacional junto aos lderes sindicais e trabalhadores de base em suas respectivas regies, assim como na or-ganizao da assistncia jurdica aos camponeses (MEDEIROS, 1989).

    A FETAG da Bahia e o programa educa-cional do MSTR

    O sindicalismo de trabalhadores rurais na Bahia, no incio dos anos de 1970, aps uma severa crise institucional que culminou, ainda em 1972, com a destituio sumria da diretoria da FETAG e a sua substituio por uma junta interventora, vivenciou um processo de profundas transformaes nas suas relaes com suas bases sociais e com a sociedade. A crise originou-se com base em acusaes do Mi-nistrio do Trabalho, em Salvador, acerca do mau uso dos recursos financeiros da FETAG por parte de seus diretores e alguns dos dirigentes de sindicatos mais antigos do estado. Poucos meses depois, finda-se a interveno e elege-se regularmente uma nova diretoria. A despeito das estreitas relaes de colaborao dos dirigentes estaduais destitudos com setores militares, isso no foi suficiente para livr-los da destituio e de um rumoroso processo judicial. Da em diante, embora velhas prticas te-nham sido mantidas, tais como o assistencialismo , emergiu uma nova identidade, tanto da FETAG, como de seus sindicatos afiliados, mais voltada para a defesa dos direitos dos trabalhadores rurais.

    A CONTAG, at ento vista com desconfiana pela diretoria afastada, procurou estabelecer laos de colaborao com a nova direo da FETAG e com os seus sindicatos de base. Inicialmente essa colaborao foi marcada pela realizao de cinco encontros regionais com os sindicatos de base para conhec-los de perto e recolher ideias para a elabo-rao de um plano de atuao para o sindicalismo de trabalhadores rurais na Bahia. Neste estado as bases sociais eram sabidamente acossadas por

    violentas expulses de suas terras e por condies extorsivas de trabalho assalariado. Esses encontros ocorreram sob a vigilncia dos rgos de segu-rana, dada a desconfiana que pairava sob uma possvel tendncia esquerdizante da CONTAG, chegando um deles o realizado em Itabuna a ser interditado pela Polcia Federal, tendo sido liberado posteriormente graas a negociaes da CONTAG junto s autoridades do Ministrio do Trabalho, em Braslia.

    Mesmo tendo estabelecido laos com a CON-TAG, a direo da FETAG manteve-se dividida entre duas correntes de orientao poltica. Uma delas, ligada antiga assessoria que fora mantida, preservou-se assistencialista e aliada aos aparatos militares de segurana nacional. A outra, enraizada na problemtica dos trabalhadores, alinhou-se fir-memente orientao da CONTAG. Mesmo com essas contradies internas, foram estabelecidas novas prticas caracterizadas por um programa educacional e pela descentralizao da assistncia jurdica em todas as regies da Bahia, conforme orientao baseada no plano elaborado ao final dos cinco encontros regionais. Tais prticas, por sua vez, resultaram das discusses travadas com os dirigen-tes de base nos encontros regionais, realizados com o apoio e a participao da CONTAG, no ltimo tri-mestre de 1972. Num cenrio poltico totalitrio, os encontros tornaram-se espaos fundamentais para o levantamento de uma gama de problemas tanto em relao aos trabalhadores j acossados pelas polticas de modernizao agrcola em curso na Bahia, assim como outros de ordem administrativa, no somente em relao aos sindicatos filiados, mas tambm em relao prpria gesto da FETAG.

    Os encontros revelaram que a maioria dos sindi-catos no possua suas prprias sedes, estando loca-lizados em casas alugadas. Por outro lado, apenas alguns dos sindicatos filiados FETAG estavam conseguindo arrecadar a contribuio social mensal de seus membros. Alm disso, a maioria dos sindi-catos, j reconhecidos pelo Ministrio do Trabalho, ainda no recebia a sua parcela do imposto sindical, arrecadado anualmente, em razo da sua situao irregular no que se refere s exigncias legais. Fica evidente o grau de vulnerabilidade administrativa em que se encontrava a maioria dos sindicatos de trabalhadores rurais no estado.

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    Construindo trincheiras em territrio minado: a educao no movimento sindical dos trabalhadores rurais sob o fogo cerrado da linha dura e ...

    Inspirado fundamentalmente nos princpios adotados pela CONTAG a partir de 1968, o progra-ma educacional estabelecido pela FETAG da Bahia estabeleceu quatro objetivos principais:

    Primeiro, reconstruir o sindicalismo de trabalhadores rurais no estado da Bahia por meio da reorganizao da vida administra-tiva dos sindicatos, e pela coordenao da fundao de novos sindicatos1, asseguran-do-lhes mais independncia em relao s foras polticas locais. Segundo, orientar os lderes em termos de questes sindicais, ampliando-lhes o nvel de conhecimento sobre a legislao federal, estadual e local de interesse dos trabalha-dores rurais. Alm disso, encoraj-los ao encaminhamento de aes judiciais, no tanto porque acreditassem na fora da lei em favor dos trabalhadores, mas como uma forma de mant-los mobilizados mesmo sob o regime militar. Terceiro, estimular um processo de discus- so, no somente entre os lderes sindicais, mas tambm entre eles e suas respectivas bases sociais, buscando o fortalecimento do sindicalismo de trabalhadores rurais. Quarto, formar uma opinio pblica favorvel aos trabalhadores, tentando criar espao social e poltico por meio da denncia dos seus problemas, tanto na imprensa nacional e local, como buscando estabelecer relaes com outros setores da sociedade civil organizada, a fim de estabe-lecer laos de colaborao e solidariedade (CONTAG).

    De acordo com as novas diretrizes assumidas pela FETAG, a partir do final de 1972, foi proposta nova assessoria jurdica, mobilizando advogados voltados para causas populares. Reorganizaram-se tambm assessorias para assuntos sindicais2 e educacionais. Essas constituram-se, inicialmente, de assessores contratados ainda pela diretoria que fora destituda e que foram mantidos, mesmo aps a sua destituio, e de novos, escolhidos mediante critrios de vinculao com as causas populares. Tal composio resultou em severas tenses na conduo das aes do sindicalismo dos traba-

    lhadores rurais na Bahia, ainda que as assessorias tenham contado com a coordenao de um diretor executivo da FETAG.

    Em razo da grande extenso territorial do es-tado da Bahia e das dificuldades de comunicao entre as diversas regies com a Capital Salvador , foram criadas assessorias regionais, localizadas em municpios de mais fcil acesso aos que deve-riam ser assistidos por elas, cada uma contando com trs tcnicos, dentre os quais um especialista em educao popular, um advogado e um especialista em contabilidade sindical, em geral, todos trs jovens em incio de carreira, com boa reputao junto ao movimento popular (CONTAG).

    Previsivelmente, os novos assessores no foram bem recebidos pelos antigos. Foram interpretados como indivduos perigosos ao sindicalismo de trabalhadores rurais, pois eram ligados ao movi-mento popular e igreja progressista na Bahia. Assim, estabeleceram-se, com certa fora, dentro da FETAG, divergncias polticas entre os conser-vadores e os seguidores da CONTAG. Ao final, a nova diretoria, j ento adepta da CONTAG, conseguiu no somente manter os novos assessores recm-contratados, como dispensar um dos mais importantes e antigos membros reacionrios, aps terem tentado dialogar com ele por quase um ano (MENESES, 1991).

    Certamente, o sucesso dos membros da diretoria da FETAG, defensores da nova poltica, foi favore-cido pelo interesse do representante do Ministrio do Trabalho na Bahia, que tentava evitar o retorno dos diretores destitudos. No tendo obtido sucesso integral no procedimento judicial contra a antiga diretoria, buscou fortalecer a tendncia poltica no sindicalismo de trabalhadores rurais na Bahia, que potencialmente seria capaz de evitar o retorno dos antigos diretores ao comando da FETAG. Seu

    1 Naquele perodo era fato comum que foras polticas, ligadas s ve-zes aos latifundirios, criassem um Sindicato de Trabalhadores Rurais nos seus respectivos municpios, independentemente da orientao da FETAG, com o objetivo de angariar o Posto Mdico e Ambulatorial para o municpio. Em muitos casos, porm, isso tambm foi feito com o assentimento da direo da FETAG. Negligenciando, desse modo, qualquer carter reivindicatrio do STR.2 Uma das alegaes mais frequentes usadas pelas autoridades mili-tares para afastarem diretores sindicais comprometidos com as lutas dos trabalhadores era a de acus-los de m conduo administrativa e contbil dos sindicatos, da a necessidade de se disponibilizar as-sessorias especializadas espalhadas por todo o estado.

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    apoio tornou-se evidente quando ignorou siste-maticamente as acusaes de subverso contra os assessores da CONTAG, assim como contra os membros da FETAG que aderiram orientao da CONTAG. Assim, a tenso poltica no sindicalismo de trabalhadores rurais na Bahia entre os seguido-res do antigo grupo sancionado militarmente e os adeptos da tendncia popular, ligada CONTAG, tornou-se constante. Contudo, como a tendncia popular ganhou fora poltica, estabeleceu-se certo equilbrio entre as duas faces. Os conservadores mantiveram sua posio paternalista, favorecendo as polticas assistencialistas do governo militar, entretanto sem obstruir as polticas realizadas pela tendncia popular e pela CONTAG (SOU-SA, n/d). Membros da tendncia popular, porm, evitaram ampliar a confrontao poltica, j que temiam ser eliminados pelas foras militares em retaliao poltica de fortalecimento das lutas camponesas. Desta forma, tacitamente, um pacto de sobrevivncia foi estabelecido. Mesmo assim, as novas prticas, incluindo o programa educacional, foram realizadas dentro de um processo contnuo de disputa poltica.

    O programa educacional estava longe de confi-gurar-se como educao formal. Ele foi concebido como resultado de um amplo processo de discusso de todos os aspectos do sindicalismo de trabalhado-res rurais. Em essncia, todo o processo educacio-nal era voltado para a ao e nela se concretizava. As discusses e os estudos precediam as prticas, mas no faziam sentido sem as aes deles decor-rentes. Praticamente todas as aes eram decididas de comum acordo entre ambas as correntes polticas e eram implementadas segundo a capacidade de mobilizao de cada uma delas. Como a tendncia popular no tinha ligaes suficientemente fortes com o conselho geral da FETAG, permaneceu certo tempo em relativa desvantagem, tendo que esperar, por algum tempo, para colher os resultados de seu trabalho poltico.

    Realmente, para os trabalhadores rurais que costumavam agir independentemente do aparato estatal e fora da sociedade civil no fazia diferena se seus sindicatos fossem ou no reconhecidos pelo Ministrio do Trabalho. Contudo, a CONTAG in-sistiu para que a FETAG comeasse o trabalho edu-cacional pela normalizao da situao legal, para

    evitar maiores desentendimentos e perseguies do governo militar.Todo esse trabalho deu-se num contexto de aprendizagem dos dirigentes sindicais de base, assim como de seus assessores e funcion-rios. De fato, assumiu-se que qualquer sindicato de trabalhadores rurais deveria comear, sendo bem organizado, do ponto de vista legal, desde sua fun-dao, e no apenas a partir do seu reconhecimento. Diante disto, a FETAG comeou a normalizar a situao dos sindicatos em relao ao Ministrio do Trabalho para assegurar sua existncia legal e a defesa dos direitos dos trabalhadores.

    Antes do incio do programa educacional havia 96 sindicatos de trabalhadores rurais na Bahia. No entanto, apenas 50 deles estavam reconhecidos e 46 haviam sido apenas fundados, aguardando, portan-to, o reconhecimento oficial. Destes 50 sindicatos reconhecidos, 19 deles corriam o risco de serem cassados, pois no haviam realizado as eleies aps terem sido reconhecidos. Alm disso, os diretores provisrios no tinham ideia sobre como proceder, pois o processo eleitoral de sindicatos era bastante complexo, ainda mais sob o controle militar. Mais ainda, 14 sindicatos dos 31 restantes corriam o risco de serem tambm cassados, pois no haviam cumprido suas obrigaes anuais junto ao Ministrio do Trabalho. Por conta disso, apenas 17 sindicatos tiveram direito a voto nas eleies da FETAG no ano anterior. Em vista de lidar com este tipo de questo, a FETAG reforou a sua assessoria sindical.

    Inicialmente, esta assessoria organizou um amplo arquivo sobre a real situao jurdico-administrativa dos sindicatos, baseando-se nos dados reunidos durante os encontros regionais realizados no ano anterior, 1972, e tambm nos arquivos do Ministrio do Trabalho em Salvador. Aps, montou um calendrio de atividades volta-das para a organizao da vida administrativa dos sindicatos, reconhecidos ou no, dando prioridade para os casos em que a desorganizao fosse mais grave. Segundo as novas ideias postas em prtica, no bastava pr em ordem a situao administrativa dos sindicatos, era necessrio buscar a emancipa-o dos dirigentes, funcionrios e assessores que atuavam nas bases, por meio da transferncia de conhecimentos especficos, aliados s discusses e reflexes sobre a importncia social e poltica

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    Construindo trincheiras em territrio minado: a educao no movimento sindical dos trabalhadores rurais sob o fogo cerrado da linha dura e ...

    de manter o sindicato em ordem, como base para assegurar a defesa dos trabalhadores rurais, fossem eles associados ou no.

    Aes educacionais para tesoureiros

    O processo de normalizao administrativa dos sindicatos efetivou-se tanto pela realizao dos atos em atraso, como mediante a realizao de cursos e treinamentos para tesoureiros e escriturrios sindicais, apoiado em apostilas elaboradas com linguagem acessvel pelas assessorias da CONTAG e da prpria FETAG.Tais cuidados objeto de preocupao de ambas as tendncias polticas decorriam do fato de que a maioria dos tesoureiros tinha dificuldade para ler e escrever. Ainda assim, os conservadores insistiam em manter as contabili-dades dos sindicatos sob o controle dos contadores do corpo de funcionrios da FETAG, tal como nos tempos da diretoria que fora destituda. Enquanto isso os novos diretores e assessores defensores da nova poltica, tentavam preparar contadores regio-nais em vista de fazer a contabilidade de cada um dos sindicatos to eficaz quanto possvel. Durante os encontros regionais, diversos lderes relataram que os contadores da FETAG, em razo do grande volume de trabalhos que assumiam, terminavam por levar os sindicatos a descumprirem os pra-zos legais para o envio de prestaes de contas e previses oramentrias, tanto s suas respectivas assembleias, como ao Ministrio do Trabalho.

    No obstante todas estas contradies em relao normalizao administrativa, por meio deste esforo conjunto, a porcentagem de 47,91% de sindicatos ainda no reconhecidos no final de 1972 caiu para 40,56% no final de 1973, e para apenas 23,72% em 1974. Alm disso, 33 sindi-catos de trabalhadores rurais realizaram eleies e os outros 31 normalizaram suas contas com o Ministrio do Trabalho. Desta forma, todas as situaes irregulares em relao s eleies e s contas dos sindicatos foram resolvidas em um ano, e a habilidade da FETAG para lidar com este tipo de problema foi firmemente estabelecida. Por outro lado, embora as foras polticas conserva-doras tenham insistido em criar novos sindicatos para atender a seus interesses polticos externos,

    sem a devida preparao dos trabalhadores rurais dos respectivos municpios, conseguiu-se reduzir consideravelmente essa prtica. Em 1973, apenas 10 sindicatos de trabalhadores rurais foram criados; em 1974, apenas 12; e em 1975, o ltimo ano da diretoria que sucedeu a interveno do Ministrio do Trabalho, foram fundados mais 15 sindicatos de base (FETAG).

    Enfrentando o assistencialismo previ-dencirio

    De acordo com os testemunhos de Teresinha Menezes e Dilermando Pinto, ambos assessores educacionais da FETAG durante esse perodo, a fundao de novos sindicatos de trabalhadores rurais em si foi outro ponto de competio entre as duas faces. Embora os conservadores no fossem to mobilizados quanto os membros da tendncia popular, conseguiram fundar um nmero de sindi-catos maior do que esses. O sucesso dos conserva-dores deveu-se s conexes que eles estabeleciam com os lderes polticos regionais conservadores, interessados em criar sindicatos de trabalhadores rurais com fim de obterem a instalao do ambu-latrio mdico-odontolgico em seus respectivos municpios, que, por sua vez, lhes assegurava o sucesso eleitoral, alm de outros proveitos. Os sindicatos fundados com base nessas conexes dedicavam-se preponderantemente ao encami-nhamento de trabalhadores rurais para receberem benefcios previdencirios, como aposentadoria e auxlio funeral, por meio do FUNRURAL.

    Todo esse processo foi facilitado por meio do sistema previdencirio destinado aos trabalhadores rurais. O Fundo de Assistncia ao Trabalhador Ru-ral (FUNRURAL), como foi designado pela lei que o instituiu, atribuiu aos sindicatos dos trabalhadores rurais a responsabilidade pela verificao da elegi-bilidade das pessoas que pleiteavam os benefcios da previdncia. Alm do mais, como no dispunha de instalaes prprias, o FUNRURAL celebrava convnios com os STRs a fim de instalar os servios de assistncia mdica e odontolgica nas sedes dos sindicatos de trabalhadores rurais. Isso acentuou o carter assistencialista que as autoridades preten-diam para os STRs.

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    Todavia, como na maioria dos municpios baia-nos no era comum o oferecimento de qualquer assistncia de sade pblica, a partir da criao do FUNRURAL muitos prefeitos municipais passaram a buscar a FETAG, ou mesmo criavam por conta prpria, um sindicato de trabalhadores rurais, em seus respectivos municpios, como forma de adquirir um ambulatrio mdico-odontolgico. Assim, as diretorias dos sindicatos de trabalhadores rurais criados desse modo, frequentemente foram constitudas por pessoas da confiana do poder local, e no eleitas pelos trabalhadores. Portanto, em muitos casos, o FUNRURAL foi politicamente apropriado pelas oligarquias locais.

    A tendncia popular, por sua vez, buscava fun-dar sindicatos independentes das oligarquias locais e regionais e comprometidos com os interesses dos trabalhadores. A fundao destes sindicatos era precedida de intensa preparao dos trabalhadores por meio de cursos sobre a legislao trabalhista e sindical, legislao agrria e, sobretudo, o Estatuto da Terra. Em relao previdncia social, embora a reconhecessem como necessria uma vez que os camponeses no dispunham de alternativa de assistncia sade, atormentava-os o reconheci-mento do risco de que essa prtica pudesse eliminar o potencial combativo dos sindicatos e atrel-los sempre mais ao controle estatal.

    Desse modo, os membros da tendncia popular, por onde passavam, buscavam visitar reas de con-flito a fim de familiarizarem-se com os problemas sociais, econmicos e polticos dos trabalhadores rurais, assim como de tentar fortalecer suas lutas, aproximando-os dos sindicatos. Faziam contatos com pessoas da comunidade potencialmente inte-ressadas em apoiar as lutas de resistncia social, a exemplo de padres, religiosas, advogados e lderes comunitrios.

    Entre 1972 e 1976, em razo do estrito controle militar, poucos grupos organizados politicamente possuam possibilidades reais de estabelecer liga-es com os trabalhadores rurais na Bahia. Frente a essa situao, a FETAG, durante este perodo, teve um papel importante em termos de abrir ca-minhos para o rompimento desse isolamento dos trabalhadores rurais. Do mesmo modo, como foi visto anteriormente, apenas a CONTAG, em termos

    nacionais, alcanou uma poltica de fortalecimento do sindicalismo dos trabalhadores rurais e de apoio jurdico s suas demandas. Embora as CEBs j exis-tissem nesta poca na rea rural da Bahia, somente mais tarde vieram a intensificar sua aproximao com os sindicatos.

    Mudana de qualidade nas aes dos STRs

    Ao final de um ano de trabalho sistemtico, atendendo s principais questes levantadas nos encontros regionais de 1972, evidenciou-se uma nova forma de relacionamento entre o sindicalismo de trabalhadores rurais e as suas bases. Os encon-tros regionais de dirigentes sindicais realizados em 1972 j haviam sinalizado que os conflitos no meio rural tanto se espalhavam, como tornavam-se cada vez mais intensos em todo o estado. Como no se dispunha de quadros tcnicos em nmero suficiente para uma atuao imediata em todo o estado, foram eleitas algumas reas, durante os encontros regionais realizados no final de 1973, como prioritrias para intensificar-se a atuao dos sindicatos e da FETAG a partir de 1974. A primeira delas foi o Oeste do estado, a segunda foi a regio do Submdio So Francisco, e a terceira foi a regio produtora de sisal.

    A escolha das reas prioritrias baseou-se tambm nos dados levantados pelos dirigentes sindicais desde os encontros regionais realizados em 1972. A partir deles, tomou-se conscincia de que trabalhadores rurais estavam sendo despejados de suas terras pela Companhia Hidroeltrica do So Francisco (CHESF) para a construo da barragem do Sobradinho, como uma parte do programa na-cional de produo de energia eltrica. Uma grande proporo destas pessoas no recebeu qualquer indenizao pela perda das terras onde moravam e plantavam, uma vez que eram consideradas de propriedade estatal, a despeito de terem sido ocupa-das por elas por muito tempo, passando de gerao a gerao (SOUSA, 1977). Simultaneamente construo da Barragem de Sobradinho, tambm a Companhia de Desenvolvimento do Vale do So Francisco (CODEVASF) estava arrecadando terras, na Bacia do So Francisco, para a implantao de

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    grandes projetos de agricultura irrigada nos mesmo moldes de expropriao da CHESF.

    Por sua vez, na Regio Oeste do estado, em consequncia dos incentivos criados pelo governo federal para a expanso da fronteira agrcola nos cerrados, numerosas famlias camponesas estavam sendo despejadas de suas terras por grandes em-presas, beneficiadas por meio do apoio financeiro do governo federal e de concesses de terra pelo governo estadual. Finalmente, a terceira prioridade foi a regio do sisal, na qual, durante o processo de colheita, por causa da precariedade tecnolgica da extrao da fibra e o cansao decorrente das longas jornadas dirias de trabalho, centenas de trabalhadores rurais sofreram acidentes tais como decepamento de dedos, mos ou braos, resultando em mutilaes permanentes. Tendo como agravante o fato de no receberem qualquer indenizao ou benefcio previdencirio em reparao. Tampouco as autoridades, at aquela data, haviam realizado qualquer esforo para evitar o aumento frequente destes acidentes (MOURA, 1985).

    A violncia e o desespero dominaram a cena

    No caso de Sobradinho, mais de 70 mil pesso-as tiveram de romper bruscamente a sua relao, construda h sculos, com o rio So Francisco. A construo do lago tornou profundas as guas do rio e de difcil navegao com as tradicionais tcnicas.

    Os barcos que a populao ribeirinha usava para pescar, assim como os barcos a vapor, os chamados gaiolas, foram proibidos de navegar e seus donos indenizados. Quatro cidades e onze vilas foram submersas pelo lago artificial. Uma verdadeira operao militar foi realizada para remover toda uma populao indefesa das terras que deveriam ser cobertas pelas guas. Os latifundirios tradi-cionais foram cooptados pelas autoridades por meio da concesso das melhores terras e outras facilidades. Assim beneficiados, esses antigos fazendeiros jamais ofereceram qualquer resistn-cia ao projeto do governo e fecharam os olhos ao sofrimento dos trabalhadores e suas respectivas famlias. A populao urbana, pelo menos, recebeu uma casa nova, nas novas cidades, que preservaram

    os correspondentes nomes das cidades que foram submersas. Todavia, a populao rural espalhou-se nas recm-colonizadas caatingas e em volta das cidades beira do rio, longe do lago, aprofundando mais ainda o seu estado de misria.

    Simultaneamente, esta inquietao social atingiu tambm os trabalhadores rurais do Oeste do estado. A partir do incio dos anos de 1970, investidores, apoiados pelo governo, comearam a expulsar camponeses para estabelecer a pecuria na regio, o que impactou negativamente a vida dos camponeses. Abruptamente viram as estradas que haviam aberto para escoamento de seus produtos em direo ao rio So Francisco ou at em direo aos seus tributrios, como os rios Corrente, Grande, Preto, So Desidrio e das Almas serem invadidas por carretas transportando gado para ser alimentado nas grandes propriedades que foram estabelecidas nas terras tomadas dos trabalhadores rurais. Con-sequentemente, foram extintas as lavouras dos agricultores familiares, assim como as tradicionais tropas de burros que transportavam a produo de cereais dos camponeses para os portos fluviais da regio. De repente, as cidades foram cingidas por barracos improvisados por pessoas expulsas de suas terras. Assassinatos e encarceramentos arbi-trrios de camponeses que se recusavam a deixar a terra onde viviam desde que nasceram, pedintes por todos os lados, como nunca visto antes, vilas inteiras cercadas pelos novos latifundirios, apoia-dos pela polcia ou por jagunos, compunham o quadro de dispora e desolao generalizado. Tais circunstncias foraram os trabalhadores rurais a organizaram-se para resistir e buscarem apoio de setores sensveis da sociedade.

    No obstante as situaes acima expostas j existirem bem antes do incio do programa educa-cional, elas no receberam a necessria ateno da FETAG durante as gestes anteriores, tampouco pela diretoria afastada pelo Ministrio do Traba-lho. A aproximao entre a tendncia popular da FETAG e os trabalhadores, dirigentes sindicais e Comunidades Eclesiais de Base das reas de conflitos, desde que o programa educacional foi implantado, pelo menos indicou o caminho para que os trabalhadores rurais buscassem apoio nos sindicatos. Uma vez que os primeiros passos da nova poltica foram sendo estabelecidos, em curto

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    perodo de tempo, intensificou-se um fluxo de de-mandas no somente aos sindicatos, mas tambm FETAG e CONTAG. Desta forma, sob a presso dos trabalhadores rurais de cada regio do estado, o sindicalismo teve que procurar alternativas para atend-los. Ainda que uma faco dos dirigentes sindicais hesitasse diante desta presso social massiva, e no obstante as contradies internas ao sindicalismo de trabalhadores rurais, as lideranas alcanaram um consenso mnimo, tanto em termos de encaminhamentos judiciais, como de pedidos de audincia s autoridades do poder executivo para cobrar medidas de reparao.

    Em face dessa presso crescente das bases sociais sobre as lideranas sindicais, tornou-se fun-damental o apoio das assessorias regionais, tanto a fim de assegurar a organizao administrativa dos sindicatos, como a fim de ampliar a conscincia dos trabalhadores acerca dos seus direitos, por meio de reunies de base, e do crescente nmero de aes judiciais movidas contra os latifundirios pelos advogados, e mesmo de resistncia nas ter-ras que ocupavam. O crescimento dessa demanda evidenciou o quo efetivo estava sendo o trabalho educacional desenvolvido pela tendncia popular.

    De acordo com o plano de ao concebido no incio de 1973, uma nova srie de encontros regio-nais foi realizada, como em 19723. No final de cada encontro, os