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edição 18

INFORME

“Dizer que são coisas informes é dizer não que não têm formas, mas que suas formas não en-contram em nós nada que permita substituí-las por um ato de traçado ou reconhecimento ní-tido. E, de fato, as formas informes não deixam outra lembrança senão a de uma possibilida-de… “(VALÉRY, 2012: 79)

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Informe C3, Porto Alegre, v. 09, n. 1 (Ed. 18), Out, 2016/Mar, 2017. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com

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Contatos:[email protected]

www.informec3.weebly.comwww.processoc3.com

Porto Alegre/RS

Informe C3 - Periódico EletrônicoProcesso C3

Porto Alegre

Ano 09 - n. 01 - Edição 18 Out/2016 - Mar/2017

Classificação: 18 anosO conteúdo apresentado pelos colaboradores (textos, imagens...) não são de responsabilidade do Processo C3 e da Revista Eletrônica Informe C3. Nem todo opinião expressa neste meio eletrônico ou em possível verão impressa, expressam a opinião e posicionamento dos organizadores, editores e responsáveis por este veículo.

Informe C3 / v. 09, n. 01 (edição 18), Out, 2016/Mar, 2017. – Porto Alegre, RS : Pro-cesso C3, 2016. On line. 282 p. Disponível em: http://www.processoc3.com e em www.informec3.weebly.com

BimestralISSN: 2177-6954

1. Artes. 2. Educação. 3. Corpo. 4. Cultura. 5. Pesquisa. 6. Moda. 7. Saúde

CDD:301.2370.157793.3646

Capa:Lu TrevisanPerformance: Grafia LíquidaEstudos do CorpoEncontros Performáticos - 2ª Edição (2015)

Foto:Grabriela Trevisan

Arte da Capa e tratamento de imagem:Anderson de Souza e Wagner Ferraz

Local:Porto Alegre/RS/Brasil

2017

Coordenação Geral:Wagner Ferraz

editores:Wagner Ferraz e Renata Sperrhake

editores assistentes:Elisandro Rodrigues e Gilberto Silva Santos

direção de arte:Anderson Luiz de Souza e Wagner Ferraz

orGanização:Processo C3 - Grupo de Pesquisa

Projeto GráfiCo e diaGramação:Wagner Ferraz

edição e arte da CaPa:Anderson Luiz de Souza

Conselho editorial:Prof. Dr. Alexandre Rocha da Silva (UFRGS/RS); Prof. Dr. Samuel Edmundo Lopez Bello (UFRGS/RS); Prof. Dr. Luis Henrique Sacchi dos Santos (UFRGS/RS); Profª Drª Kathia Casti-lho (UAM/SP); Prof. Dr. Luciano Bedin da Costa (UFRGS/RS); Profª Drª Marta Simões Peres (UFRJ/RJ); Profª Drª Fabiana de Amorim Marcello (UFRGS/RS); Prof Dr Airton Tomazzoni (UERGS/RS); Profª Drª Marilice Corona (UFRGS/RS); Profª Drª Sayonara Pereira (USP/SP); Profª Drª Magda Bellini (UCS/RS); Prof Dr Celso Vitelli (UFRGS/RS); Profª Drª Daniela Ri-poll (ULBRA/RS); Prof. Ms. Leandro Valiati (UFRGS/RS); Profª Ms Luciane Coccaro (UFRJ/RJ); Profª Ms Flavia Pilla do Valle (UFRGS/RS); Prof Ms Camilo Darsie de Souza (UNISC/RS); Profª Ms Eleonora Motta Santos (UFPEL/RS); Profª Ms Giana Targanski Steffen (UFSC/SC); Ms Zenilda Cardoso (UFRGS/RS); Profª Ms Miriam Piber Campos (INDEPIN/RS); Ms Luciane Glaeser (RS); Ms Jeane Félix (UFRGS/RS); Ms Alana Martins Gonçalves (UFRGS/RS); Profª Ms Sabrine Faller (INDEPIN/RS); Ms Luiz Felipe Zago (ULBRA/RS); Ms Carla Ven-dramin (UFRGS/RS); Prof Esp Anderson de Souza (FEEVALE/RS); Prof Ms. Wagner Ferraz (UFRGS/RS); Profª Drª Luciana Éboli (UFRGS/RS); Profª. Drª. Daniele Noal Gai (FACED/UFR-GS); Profª. Drª. Paola Basso Menna Barreto Gomes Zordan (IA-PPGEdu/UFRGS); Profª. Drª. Cibele Sastre (UFRGS/RS).

EXPEDIENTE

informe C3 é um periódico técnico-científico e artístico registrado com Nú-mero Internacional Normalizado para Publicações Seriadas (Inter-national Standard Serial Number) - ISSN: 2177-6954. Voltado para publicações no campo das ARTES (em geral – dança, teatro, músi-ca, performance, circo, visuais, entre outras...) e EDUCAÇÃO com desdobramentos e atravessamentos com outras áreas de conhe-cimento como Educação Física, Psicologia, Saúde Coletiva entre outras... Publicada semestralmente e disponibilizada para visualiza-ção e download gratuitamente. Tem os Estudos na área da Educa-ção e Artes como foco de suas edições dialogando com diferentes áreas de conhecimento envolvendo Dança, Artes Visuais, Teatro, Música, Antropologia, Comunicação, História, Sociologia, Cultura, Moda e outras com o objetivo contribuir para a difusão de conhe-cimentos e experiências proporcionando espaço para publica-ções de textos livres, artigos, resenhas, entrevistas, poemas, críticas, crônicas, fabulações, desenhos, fotografias e produção visual em geral. Criado e desenvolvido pelo Processo C3 – Grupo de Pesqui-sa, que publicou sua 1ª edição em março de 2009, conta com a colaboração de pesquisadores e artistas de diferentes lugares do Brasil que participam voluntariamente enviado suas propostas e trabalhos. Além de convidados que contribuem com números es-pecíficos de acordo os temas de cada edição.

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Foto: AGabriela Trevisan

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sumárioESPAÇO LIVREespaço livre 01“no…anda”: “abordagens para novos dispo-sitivos projetados coreográficas na interação social “ Maria Belén Mosquera Serenelli................... 13

espaço livre 02tenta. fraCassa. não imPorta. tenta oUtra Vez. erra oUtra Vez. erra melhor!Bruno Latorre................................................... 21

espaço livre 03Poesia das horas Poesia: Clareanna V. SantanaIlustração: Amma .......................................... 27

espaço livre 04ATRASOS Cristiane Nobre Fiuza ..................................... 29

espaço livre 05BalÉ, Uma tÉCniCa Para QUem dança BalÉCristian Bernich ................................................35

espaço livre 06sem tÍtUlo Diane Sbardelotto .......................................... 45

espaço livre 07do QUe Vemos, o QUe nos olha [ou da uto-pia como tempo do instante] Elisandro RodriguesAnna Letícia Ventre ....................................... 53

espaço livre 08“onde me QUerem Bem” Shana Gomes ................................................. 71

artigo 01(des)territorializaçÕes do CorPoCiBor-GUe: Pistas soBre as (im)PossiBilidades ContemPorÂneas de Pensar a edUCação na saÚdeAlexandre Amorim …….....................……. 117

artigo 02o ensino da dança e seUs BenefÍCios em Um Centro de atenção PsiCossoCialCristina Soares MelnikCleni Terezinha de Paula Alves ................ 129

artigo 03Por oUtras intensidades diaGnÓstiCas: deVir-mUndos e defiCiÊnCias Daniele Noal Gai ....................................... 137

artigo 04fraGmentos de esCritUra: rastros de Uma VIDAFabiane OlegárioAngélica Vier Munhoz ............................... 153

artigo 05a mÚsiCa soCioPolÍtiCa de Bezerra da sil-Va e os esteriÓtiPosJose Luiz Pereira de ArrudaIvan Cláudio Siqueira de MoraesGisele Cristiane Urnau dos PrazeresLuiz Henrique Zart ....................................... 165

artigo 06andar, Bater, Girar: Um joGo de (de)(re)ComPosição CoreGráfiCa na ConstrU-ção do [en]linhasJanaína Bento ........................................... 189

ARTIGOS

espaço livre 09dilaCerar / inVisÍVel / o CorPo / soBre/ViVe Marjoe Buratto da Silveira/ Miss M. ............. 75

espaço livre 10matrizes Para o imaGinário: hÍBridos na arte imPressa Rafael Muniz EspíndolaHelena Araújo Rodrigues Kanaan ................83

espaço livre 11BUroCaedUCaçãoRodrigo Bartz ................................................... 93

espaço livre 12o homem sem QUalidades ou o invisível! Ruy Anderson S. Martins ................................ 97soBre os Vinhos rUins: PorQUe os amo e ninGUÉm se dá ao lUXo de deGUstá-lo!Ruy Anderson S. Martins ................................ 97

espaço livre 13reCado Para raissa soBre o enContro Com ofÉlia Victor Bastos ................................................ 103soBre as PolitiCas alimentares ContemPorÂneas Victor Bastos ................................................ 103

espaço livre 14Coordenador oU diretor? Diego Esteves .............................................. 109

artigo 07PossÍVeis reConfiGUraçÕes Para Uma “aUla diferente” na PersPeCtiVa da edUCação inteGralLisete Funari Dias Nycollas Stefanello ViannaCarla Adelina Inácio de OliveiraCrisna Daniela Krause Bierhalz …….....…. 203

artigo 08fotoGrafar: Um rastrear de ProCessos do PesQUisar em edUCação fÍsiCaLuísa TrevisanFlávio Antônio de Souza Castro ................ 217

artigo 09a edUCação mUsiCal e a teoria das inte-liGÊnCias mÚltiPlas: desenVolVimento da inteliGÊnCia mUsiCalInês CaonMaristela CarneiroSilvia Regina OliveiraMateus David Finco ................................... 233

artigo 10da GoVernamentalidade as PrátiCas: o Profmat CondUzindo os ProfmatoresSusana Beatris Oliveira SzewczykRochele de Quadros Loguercio ............... 249

artigo 11dados infantis: da histÓria À fraGmentaçãoTiago da Silva AbreuAline de Vargas Aguiar ............................. 265

RESENHAo neto de GetÚlio Rodrigo Bartz ............................................... 275

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Foto: Anderson Luiz de Souza

Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance com Anderson Luiz de Souza e Rafael Muniz - Foto: AGabriela Trevisan

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NO

…“NO…ANDA”

“abordagens para novos dispositivos projetados coreográficas na interação social “

Maria Belén Mosquera Serenelli Esta pesquisa teve com objetivo cruzar diferntes aspectos teóricos da linguagem e a dançar para estudar como uma obra de dança podem usar práticas e conceitos distintos de outros campos, para expandir as bordas disciplinares e experiência que cada disciplina entendem como seus próprios. A idéia de composição veio em 2013, no âmbito do curso de “duetos especiais” da Universidade Nacional de Arte na Argentina. A proposta de pesquisa envolveu a interação entre uma performer formada em uma disciplina artística e outra em outra área disciplinar para trocar conhecimentos com o objetivo de incentivar a criação e expandir as possibilidades expressivas e comunicativas. A pesquisa foi baseada em uma abordagem da teoria da enunciação que começou na década de sessenta por Émile Benveniste e um desejo de transpô-la a uma inscrição corporal a partir um dueto integrado por uma estudante do Traductorado Inglês,María Moukarzel e Belém Mosquera, estudante da Licenciatura em Composição Coreográfica em Dance Theatre. Em seu capítulo De la subjetividad en el lenguaje (1966: 179-187), Benveniste argumenta que a linguagem constrói a subjetividade do indivíduo, que se apropria da linguagem e seus recursos na enunciaçao. Este ato de apropriação da linguagem também implica uma construção discursiva de “você”. Esse aspecto do enunciado é relacionado por sua vez à teoria dos atos de fala, que foi desenvolvido por John Austin, nos anos sessenta. Austin argumenta que cada declaração implica, ao mesmo tempo, um ato ilocucionário que constitui uma açao pelo ouvinte através de sua enunciação (promessa, declarar, juro, sentença) e um ato perlocucionário, o que corresponde à reacção de frente do ouvinte a declaração. Qualquer ato de enunciação, em seguida, procura provocar certas reações no ouvinte para que a vontade do alto-falante está tentando impor ao ouvinte. A partir dessas abordagens teóricas, a investigação foi iniciada através de uma gravação de áudio que parodiada um comercial de televisão que tentou persuadir enunciatees para adquirir a teoria da enunciação. Esta paródia refere-se simultaneamente ao desejo de influenciar a vontade do ouvinte que se reflete nas ações de venda e uma alusão ao fato de que o conhecimento teórico sobre a linguagem torna-se mais eficiente os procedimentos de imposição da vontade do enunciador sobre a do enunciatario.

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A investigação em outros campos disciplinares e o desejo de experimentar o que a dança considera como próprio de sua disciplina nos levou questionar os elementos que a determina como tal. Assim, a proposta de composição NO ANDA ... permite julgamentos sobre o que pode ser considerado dança e não, numa época onde os margens disciplinares são híbridos. Os tradutores têm o hábito de olhar para a palavra certa através da delimitação dos sentidos lexicais, dado que eles se valem da utilização das possíveis extensões dos termos dentro de uma declaração, seus limites e seus movimentos para executar a tarefa de tradução. Na procura de um senso “útil” para a palavra “dança”, para opor-lá semanticamente com outras, se chega à pergunta : o que é a dança?. As bordas da dança se espalhou, tornou-se hibridizada e profundamente interagiu com outras disciplinas, enquanto seu próprio conceito tornou-se difusa. O que é própio da dança? Além disso, é um fato inescapável de que todas as declarações começam no aparelho corporal Considerar a fala separada do corpo e suas dimensões espaço-tempestade, é inadequados. Por isso, este projeto considera que qualquer coisa e tudo é própio na dança. Em um trabalho de dança, as ligações entre as línguas lingüísticas e não-lingüísticas são inevitáveis: se há um corpo, alguma coisa sussurra. Sendo um projeto interdisciplinar que incluiu a uma futura profissional da linguagem, o processo criativo surgiu através da necessidade de estabelecer um código comum entre as artistas, que exigiam extensas reuniões de diálogo para a troca de material teórico de diferentes disciplinas e adquirir noções teóricas e práticas necessárias para o desempenho. Ambas performers puderam alcançar os objetivos kinéticos. O movimento se desenvolveu sem obstrução ou distinção da nossa formação profissional. No entanto, para o desenvolvimento dos movimentos, a linguagem verbal foi interrogada, manipulada. Somos forçadas a construir uma linguagem específica de desempenho, criamos condições para conseguir traduzir a experiência física em palavras, inventamos definições e usurpamos conceitos de ambas disciplinas que associamos arbitrariamente. Embora a comunicação não-verbal tornou-se sem interferências, a comunicação verbal precisou de traduções contínuas e a construção de uma linguagem simple, concreta, sem especificidade, para chegar entre nós compreender e atingir os objectivos. Como uma profissional ligada ao discurso, a dificuldade da performer foi manifestada na implantação física. No decurso dos ensaios, cresceu sua disponibilidade física e mais marcante foi o aumento da concentração, consciência espacial circundante e ampliação da percepção das possibilidades de construção simbólica que propôs o seu próprio corpo, considerado como enunciatario de uma mensagem com conteúdo específico que emite movimentos de acordo com certas regras que um ouvinte decodifica .

Estamos convencidas de que os mecanismos de comunicabilidade são demasiado complexos e dinâmicos, e seus possíveis conexões com o movimento são ilimitados. Neste caso, eles adquirem uma resolução singular, ligada a um processo coreográfico personal destinado a investigar ferramentas estereotipadas e diretamente relacionadas à dança e língua.

imagem 1: flyer da peça: jogo de palavras através de uma sopa de letras

que esconde o nome do trabalho.

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imagem 2: sopa de letra na cena e a palavra composta formada

pela união de dois palavras simples: balon-cesto

referÊnCia:

AUSTIN, J.L. (1982), Como hacer cosas con palabras, Barcelona, PAIDOS.

BENVENISTE, Emile (2004), “El lenguaje y la experiencia humana” y “El aparato formal de la enunciación”, “De la subjetividad en el lenguaje” en Problemas de la lingüística general, vol. II, Méjico DF, Siglo XXI Editores.

GUNTER, Rebel (2002), El lenguaje corporal, Madrid, Ed. EDAF.

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Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance com Anderson Luiz de Souza e Rafael Muniz - Foto: AGabriela Trevisan

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TEN

TATenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Erra outra vez. Erra melhor!

Bruno Latorre*

Em janeiro de 2008 chovia tanto que eu começava o primeiro ano da faculdade com o cabelo tão barroco, quase rococó, super borocoxô. Não aprenderíamos a ser escritores, como eu pensava, aprenderíamos a ser professores e também aprenderíamos Latim. O que ensina a escrever, como depois horrivelmente percebi, é a decepção amorosa. Estava à toa na vida e meu amor me chamou, me mandando mensagens no Badoo, dizendo seu blog é um primor. Plínio era artista plástico, tinha 42 anos, era rico & culto e queria que aquele menino perdido no interior paulista escrevesse para sua exposição na Alemanha. Plínio queria meu texto. Eu queria Plínio. Maravilhado com aquele sobrado na Mooca com obras de arte do teto ao chão, com seus pelos que eu lambia do pé à nuca, era a primeira vez da minha vida que eu andava pelado por uma casa, a primeira vez que transava três vezes por dia da forma mais violenta e ávida, e tomava café olhando 103 peças de louça chinesa por entre o sorriso mais belo que havia beijado em minha vida. Na Pinacoteca ele me explicava obra por obra: a exposição da Paula Rego, os bichos da Lygia Clark, as nanas da Niki de Saint Phalle e se surpreendeu quando completei ele dizendo “essa escultura de Brecheret” é a poeta simbolista Francisca Julia, a musa impassível. Plínio foi para a Alemanha e eu voltei para Votuporanga. Disse que ficaria três meses. Eu disse que escreveria. De repente três meses se fizeram um ano, e do meu riso se fez o pranto. E eu não escrevi. As palavras endureceram dentro de mim, elas nunca vinham, assim como Plínio, assim como Deus, assim como Godot, assim como o amor. Nunca. Solicitei pela Deustch Welle um curso de alemão, pois na minha loucura de apaixonado eu iria aprender alemão e encontrar o Plínio.

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22 Foto: Anderson Luiz de Souza

Graças ao Latim conseguia entender aquela droga de língua declinativa e de casos. Mas não passei das primeiras lições pois caí em si que com meu salário eu só conseguiria ir à Alemanha se trabalhasse por mais uns 10 anos. Um dia ele voltou, mas toda aquela minha espera virou tristeza, virou seca, virou pó, virou nada. Hoje ele apenas faz parte da tríade de nomes exóticos que coleciono: Plínio, plenitude. Vital, vitalidade, Ariel, sabão em pó. Brincadeira! Logo você, Ariel, o ex-namorado poeta como eu. Sinto saudades dos seus poemas. De você, talvez. Decepções amorosas não matam, ensinam a escrever (ou a comer) e a cada um que passava arrasando as frestas de alegria de minha pobre vida eu ia escrevendo mais e mais. Ainda não fiquei rico como “o encalhado das lindas histórias de amor”, “o poeta da desilusão”, ou coisa que valha, ainda tento ser apenas lido, sem ganhar concursos, sem ganhar editais, sempre tentando, sempre falhando, na escrita ou no amor sempre persistindo como Samuel Beckett: Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Erra outra vez. Erra melhor!

*Bruno latorre, 27 anos, é de Votuporanga, interior de São Paulo. Publicou nas revistas de literatura Germina e Mallarmargens e participou da antologia “Vinagre – uma antologia de poetas neobarracos”, organizada por Fabiano Calixto e Eduardo Sterzi. Foi finalista no Mapa Cultural Paulista com o poema “As pessoas que não entendem de sexo”. Recentemente saiu na revista Reversa Magazine na matéria “As vozes do Arco-Íris: 24 artistas brasileiros opinam contra a transfobia, homofobia, lesbofobia”, ao lado de Marina Lima, Lufe Steffen, Ana Carolina, Ellen Oléria, Nany

People, entre outros.

ERRA

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24Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª Edição

Performance com Anderson Luiz de Souza e Rafael Muniz - Foto: AGabriela Trevisan

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POES

IAPOESIA DAS HORAS

Poesia: Clareanna V. Santana1

Ilustração: Amma2

1 Mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2014); Bacharel em Ciências So-ciais pela Universidade Federal da Paraíba (2011). Atualmente trabalha na Companhia Estadual de Habitação Popular da Paraíba (CEHAP). Colaboradora do Ponto de Cultura Viola de Bolso, na cidade de Eunápolis-BA, e integrante do grupo musical de mesmo nome. Organizadora, junto com Mariamma Fonseca da página de poe-sias ilustradas chamada VerPoesia. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/79233500256887092 É ilustradora freelancer e possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Fu-mec. Mora em Belo Horizonte e foi idealizadora de dois projetos sem fins lucrativos, o site Lady’s Comics (2010) so-bre mulheres e quadrinhos e a Gibiteca Angelo Agostini (2009) em Eunápolis-BA.

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ATR

ASO

S ATRASOS

Cristiane Nobre Fiuza1

Desculpe o atraso,

me perdi em um poema

Em uma árvore que floresceu em pleno outono,

coloriu percursos tortos,

pessoas tantas pisavam a primavera fora de época,

olhavam sem enxergar,

mas eu vi e fiquei por lá

Esbarrei com a poesia em uma fila de padaria,

quase oito

era para ser café forte, mas foi um senhor, chapéu nas mãos

comprava doces a sua amada

todo dia, mesmo horário, quase meio século -

se ele bem recordava -

que o amor dos dois nem mais cabia em calendário

1 Assessora pedagógica na Secretaria de Educação Municipal de Esteio.

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30 Foto: Anderson Luiz de Souza

Passei correndo pela poesia

na praça, grama verde, sol nascente

tudo brindando os primeiros passos de uma criança

iam ensaiados, inseguros, acompanhados pelas mãos que os pariu

era zelo, ele bem sabia,

e o contraste entre o deixar ir e o segurar firmemente me embriagaram

passos incertos são pura poesia

eu, que sabia muito bem onde ia, me deixei ficar ali

Desculpa, me atrasei

não pude chegar no horário

era o belo e o inesperado, estavam lado a lado

tive um encontro sem hora marcada

me atrasei... era terça cinzenta, ônibus lotado,

pessoas (as dezenas) meio desorientadas, relógios adiantados,

bater cartão, trânsito congestionado...

quando dei por mim, estava encurralado.

Desculpa, mas ainda bem, eu me atrasei

Pelo que fui salvo!

...

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32Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª Edição - Foto: AGabriela Trevisan

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BALÉ

Balé, uma técnica para quem dança balé

Cristian Bernich1

resumo: Este artigo tem como objetivo ampliar o conceito de que não necessita-se a utilização da técnica de balé clássico como treinamento físico para dançari-nos de companhias e grupos, tendo em vista as mais variadas técnicas existentes na atualidade e as propostas contemporâneas de dança, além da preservação corporal deste profissional. O mesmo justifica-se, pois percebe-se carreiras de dan-çarinos acabarem muito cedo, isto é, ainda na adolescência, pelo fato do uso repetitivo de fatigante da técnica clássica. A metodologia utilizada foi a análise interpretativa da forma de trabalho das companhias de dança clássicas e con-temporânea que utilizam da técnica do balé clássico para treinamento físico dos bailarinos, além de obras literárias.

Palavra chaves: Dança, corpo, balé, cultura.

abstract: Abstract: This article aims to expand the concept of which does not re-quire the use of classical ballet technique as physical training for companies and groups dancers, given the various existing techniques nowadays and contempo-rary dance proposals, in addition to the preservation of this professional body. The same is justified because it is perceived dancers careers end up too early, that is, as a teenager, because the repetitive use of fatiguing the classical technique. The methodology used was the interpretive analysis of the way of work of classical and contemporary dance companies using the classical ballet technique to physical training of the dancers, as well as literary works.

Key words: Dance, Body, Ballet, Culture

1 Graduado em Tecnologia em Dança da Universidade de Caxias do Sul, diretor e coreógrafo do grupo de teatro dança contemporânea A Trupe Dosquatro.

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introdução

Desde a criação da primeira companhia de balé com Luiz XIV e a forma-tação da técnica do mesmo, que companhias, escolas, academias de dança do mundo tudo se utilizam desta técnica como artifício de formação de bailarinos e estereótipo de beleza, porém esta técnica causa lesões físicas muitas vezes graves impedindo que pessoas sigam a carreira de dançarino ou limitando seu potencial. Além de que na atualidade existem inúmeras outras técnicas de dança que po-dem dar um aporte físico que um dançarino precisa para sua profissão. Ao ana-lisar-se a forma de trabalho de companhias de dança contemporânea e grupos de outros estilos, percebe-se que nem todos fazem o uso da técnica do balé para treinamento físico dos bailarinos, logo, será que realmente toda a pessoa que quer ser um profissional de dança deve fazer aulas de balé clássico? Ou talvez esta proposta é apenas uma cultura que adquirida e que ainda utiliza-se como um espécie de tradição?

1 – ainda o balé

O balé clássico surgiu na Itália há aproximadamente 500 anos, porém foi nas cortes francesas, mais precisamente com Luiz XIV, que ele conseguiu seu apo-geu. Este estilo de dança ganhou grande força no decorrer da história perdurando até a atualidade, talvez, nem mesmo o Rei Sol esperava que a partir da primeira Escola de ensino de balé, a Escola Nacional de Ballet, este estilo se transforma-ria em uma técnica seria repassada de geração para geração, de certa forma, como uma herança cultural, isto é, “um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores” (LARAIA, 2008, p. 49).

Esta arte secular vem sofrendo poucas alterações dentro de sua meto-dologia e técnica, incluindo forma de ensino, a qual ainda é pela reprodução e repetição. Talvez por isso, ela se tornou um produto de comercialização para aca-demias com variações da técnica, como Balé Fitness, Baby Class, entre outros ou para grandes teatros e companhias com montagens de espetáculos ostentosos e de fácil assimilação e arraigado de estereótipos, segundo Hall e tal:

As personificações compartilhadas por várias pessoas chamam-se de estereótipos. São concepções consensualmente validadas, isto é, ideias com ampla aceitação entre os membros de uma socie-dade, transmitidas de uma geração para outra2.

A quantificação de estereótipos resultante do ensino do balé, leva ao cor-po do bailarino a personificação de uma cultura herdada de outra época e de um país que em dado momento queria representar a sua posição social e se utili-

2 HALL e tal, 2000, p.143.

zou da arte da dança como este viés, mais precisamente na França com Luiz XIV, que apresentava ao público restrito seus grandiosos espetáculos como elementos de poder e ostentação.

Os ballets do século XVII espelham minuciosamente os aconteci-mentos da côrte... Pouco a pouco ele impôs ao povo a idéia de ser êle o primeiro monarca soberano do mundo, um semi-deus, o Rei-sol!3

Luiz XIV pertencia a outra vida, a outra cultura humana, senhoral ou aristocrática, quando endeusavam artificialmente os reis po-deroros, sem nenhuma relação com o seu poder místico, mágico, como na época de outrora³.

Esta cultura “balética” perpetua por gerações em vários países do mundo todo, gerando assim um aculturamento estereotipado. Em relação ao acultura-mento, podemos nos embasar em Darido e Rangel, que afirmam que “tudo o que o ser humano faz está introduzido em um contexto cultural, produzindo e reprodu-zindo cultura” (DARIDO; RANGEL, 2014, p. 32), isto nos faz pensar por qual o motivo que dançamos balé, sendo que esta é uma cultura ultrapassada de um período histórico longínquo e despersonificado. Complementa ainda, dizendo que “Ela é o conjunto de códigos simbólicos reconhecíveis por todos os indivíduos do grupo desde o momento da sua concepção” (DARIDO; RANGEL, 2014, p. 32). Algo muito relevante para a corte francesa do século XVI e XVII, como salienta Boucier: “Daí um outro gosto do século: pela Antiguidade, concebida não como conhecimen-to de um sistema próprio de cultura, mas como uma garantia de perenidade à cultura do tempo” (BOURCIER, 2001, p.113), porém nenhum pouco relevante à sociedade atual e tampouco em relação às classes sociais. Desta forma o baila-rino, por meio de seu corpo acaba assimilando costumes, valores, normas, isto é, uma cultura que já não existe há tempos.

o indivíduo adquire do grupo um extenso repertório de usos e cos-tumes. O que o homem come e bebe, e como o faz, os tipos de comportamento sexual em que se empenha, como constrói uma casa, ou desenha um quadro, rema um barco, os assuntos sobre os quais fala ou cala, a música que compõe, os tipos de relações pessoais que tem, e os tipos que evita – tudo depende em parte dos procedimentos do grupo de que é membro4.

Ainda em relação aos estereótipos Nanni ressalta:

Através da atividade espontânea, criativas dos movimentos elimi-namos os estereótipos motores e vazamos os movimentos espontâ-neos, fonte e caminho para ligação do corpo físico ao imaginário,

3 MICHAILOWSKY, 1956, p. 57.4 SKINNER, 1953, p. 451.

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ponte para a construção dos limites e por conseguinte, da perso-nalidade5.

Relacionando esta citação à aprendizagem do balé, percebemos quan-to os estudantes desta técnica ficam “engessados”, isto é, acreditam apenas na beleza desta dança e não possibilitam nem a vasão corporal para outros conheci-mentos até mesmo pela dificuldade em afastar de seu corpo a linguagem adquiri-da por anos de repetição. Fato este que também reprime o processo espontâneo e criativo, deixando o indivíduo com um reportório motor limitado. Como Bourcier elucida dizendo que “assim, surge uma arte artificial e rigorosa, em que o signifi-cante tem mais importância que o significado, o gesto mais importância que a emoção que o produz” (BOURCIER, 2001, p.113).

Em ralação as Companhias de dança da atualidade, percebe-se a utiliza-ção da técnica do balé de duas formas. A primeira é em relação às companhias de que ainda (re)apresentam espetáculos de repertórios de balé, isto é, espetá-culos criados há séculos, nestas companhias os bailarinos fazem aulas da técnica, fato claramente útil já que estarão apresentado espetáculos puramente de balé clássico, e em ensaios com duração de muitas horas diárias. Na segunda, são ge-ralmente companhias de dança contemporânea, estas por sua vez, possuem um repertório variado de estilos, metodologias e técnicas de dança ou até mesmo teatro no seu dia a dia de trabalho.

As companhias de dança contemporânea ainda subdividem entre as que utilizam a técnica do balé clássico como ferramenta de manutenção física, tonifi-cação muscular, flexibilidade, agilidade etc e mesclam as aulas com outras técni-cas como a dança moderna ou ainda com outras metodologias como Pilates de Gyrotonic, Gyrokinesis, Feldenkrais, para enfim apresentar ao público espetáculos onde não se percebem os movimentos estereotipados da técnica clássica. “A dança não pode ser julgada com olhar ou os critérios do passado” (GARAUDY, 1980, p.183). Em outros casos, temos Cias. primando uma “limpeza” nos movimen-tos, ou seja, elas se utilizam da técnica do balé como suporte de movimentação coreográfica, mesclando-a com outros movimentos que não pertencem a mo-vimentação clássica herdada, ressignificando a dança espetacular, porém não fidedigna, mas com grande semelhança.

É impossível negar a qualificação corporal técnica que o balé oferece ao dançarino, porém questiona-se para qual dançarino? O de danças urbanas? Folclore? Dança de salão? Ou será que não é apenas para o dançarino que se interessa em dançar balé?!

É a partir destes questionamentos que aparenta ser impossível acreditar-se na técnica do balé, pois percebe-se algo muito lógico, se o artista quer ser bailari-no clássico, não há dúvida que o mesmo necessite de aulas diárias para “incorpo-

5 NANNI, 1998, p.116.

rar” a técnica e repeti-la no palco com outras intenções. Todavia a ideia de que todo o dançarino deve fazer aulas de balé, aparenta ser um conceito ultrajado, pois (in)felizmente com as metodologias e tendências da dança contemporânea, reflexo da dança moderna, muitas vezes nem aceita-se mais o movimento dito “correto ou limpo” da técnica do balé. Enfatiza-se corpos comuns, muitas vezes sem ou com raras informações de estilos de danças vivenciadas em seus corpos. Desta forma, não percebe-se a necessidade aprisionar o corpo à uma técnica an-tiatômica e, de certa forma, nociva à saúde para apenas contorcer-se no chão, caminhar, correr ou realizar movimentos mais complexos como mortais6 no palco em forma de apresentação coreográfica. Estudos científicos atuais possibilitaram mostrar os danos que esta dança clássica causa aos corpos que antes eram ape-nas sentidos, como os desgastes de articulações, distensões musculares, luxações, entre inúmeras outras que os corpos dos bailarinos suportam durante sua carreira ativa e tem que conviver após sua aposentadoria. Juli (1983) acrescenta que ativi-dades físicas elevadas, forçando músculos e tendões, ossos e articulações, podem atuar como agente patológico sobre o aparelho locomotor.

Pode-se pensar muitas vezes no balé como algo irreal, algo não palpável, que está longe do nosso alcance, talvez apenas no imaginário principalmente in-fantil, como contextualiza Canton: “Na verdade, o balé sempre esteve associado aos contos de fadas. Esta associação começou a tomar forma com atração do balé romântico sobrenatural, o mágico e a instituição do ideal etéreo da bailari-na”. (CANTON, 1994, p.12). Talvez seja este um dos desejos das mães, por vezes, forçarem suas filhas em aulas de balé clássico desde criança, “príncipe encan-tado”, refletindo diretamente no contexto da dança acadêmica/profissional re-lacionado ao aculturamento europeu herdado para organização de uma Cia. Enfatizando novamente a beleza, o sonho e magia dança clássica, elevando-a à uma necessidade para tornar-se um dançarino.

Não pode-se deixar de se utilizar do processo de produção do conheci-mento de voltar ao passado para ressignificar o presente, porém estagnar numa metodologia aparenta ser um erro em relação a este processo. Assim, acredita-se que outras metodologias podem suprir o treinamento físico de dançarino, aju-dando-o dentro do contexto de sua dança. Também a técnica do balé pode ser utilizada de uma forma despretensiosa como afirma o professor de balé Flávio Sampaio:

Não há razão para que o “ballet” se torne uma arte de museu, sabemos muito mais sobre o movimento nos dias atuais, e não é necessário que todos os dias a aula de ballet seja uma “repetição rotineira da rotina7.

6 Movimento bastante utilizado nas danças urbanas que consiste me saltar e realizar um cambalhota no ar e cair em pé novamente.7 SAMPAIO, 2013, p.151.

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A partir deste conceito que possibilita, ao bailarino, não dar-lhe uma fal-sa consciência corporal com a utilização da técnica do balé, pois com ela, ele apenas estará fortalecendo e flexibilizando sua musculatura como apoio para a resistência e tonificação necessária durante seus treinos diários e apresentação de um espetáculo.

Conclusão: É possível afirmar que os profissionais de dança, que não são dançarinos

de balé clássico, não necessitam fazer aulas regulares da técnica clássica, pois todo o condicionamento e rendimento físico necessário para as apresentações de espetáculos podem ser advindo de outras metodologias e treinamentos, e aci-ma de tudo, com menos lesões preservando o corpo de dando-lhe maior longe-vidade.

referências:CANTON, Kátia. E o príncipe dançou: o conto de fadas, da tradição oral à dança contemporânea. São Paulo: Ed. Ática S. A., 1994.

DARIDO, Suraya Cristina; RANGEL, Irene Conceição Andrade. Educação Física na Escola: Implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeir: Guanabara Koo-gan, 2014.

GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteiras, 1980.

HALL, Clavin S., Gardner Lindzey; CAMPBELL, John B. Teorias da personalidade. Por-to Alegre: ARTMED, 2000.

JULI, R. B. Acción de la sobrecarga deportiva sobre el aparelho locomotor del niño y de adolescente. Barcelona : Apunts, 1983.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro. Jor-ge Zahar. 2008.

MICHAILOWSKY, Pierre. A dança e a escola de ballet. Rio de Janeio: Departamen-to de Imprensa Nacional, 1956.

NANNI, Dionisia. Dança-educação: princípios, métodos e técnicas. Rio de Janeiro: SPRINT, 1998.

SAMPAIO, Flávio. Ballet Essencial. Rio de Janeiro: Sprint, 1996.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Disponível em: http://www.avidafrancesa.com/porque-louis-xiv-era-conhecido-como-o-rei-sol/ Acesso em: 31 de agosto de 2015.

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42Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª Edição - Foto: AGabriela Trevisan

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Diane Sbardelotto1

imagem 1: Diane Sbardeloto (Tapejara/RS, 1988), Sem título, fotografia, 2014.

1 Artista visual e professora de arte, trabalha em diversos campos das artes utilizando-se da fotografia, de-senho, costura, texto. Realizou três exposições individuais (Em Estado de Desenho, Galeria do coletivo NACASA, Florianópolis/SC, 2014, Força Vertical, Espaço Maurício Rosenblatt, CCMQ e IEAVi, Porto Alegre/RS, 2013 e Moldes, Galeria Dalme Grando Rauen, Chapecó/SC, 2010) e participou de diversas coletivas. Atua na docência em es-colas e em mediação de exposições de arte. Desenvolve cenários e figurinos para artes cênicas. É bacharel em Artes (UNOCHAPECÓ, 2009) e licencianda em Artes Visuais (UFRGS). Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4203989Y4

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imagem 4: Diane Sbardeloto (Tapejara/RS, 1988), Sem título, fotografia, 2014.

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imagem 5: Diane Sbardeloto (Tapejara/RS, 1988), Sem título, fotografia, 2015.

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Foto: Anderson Luiz de Souza

Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance: “Jogo de Transportar” com Fernanda Boff e Diego Esteves

Ao fundo a performance de Rafael Muniz - Foto: AGabriela Trevisan

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54 Foto: Anderson Luiz de Souza

1. Do que vemos, o que nos olha [ou da utopia como tempo do instante]

Elisandro Rodrigues1

Anna Letícia Ventre2

“O que vemos só vale – só vive – em nossos olhos pelo que nos olha”3

Nos colocamos em movimento4 no tempo e no espaço produzindo a todo momento imagens, palavras, gestos que escapam aos olhos, que voam pelos ares. No caminhar pelas cidades que habitamos, e que habitam em nós, muito se olha. Pouco se vê. Pessoas. Casas. Espaços. Lugares. Imagens passam despercebidas. Nossa vida lampeja numa sucessão de instantes quaisquer5. São instantes, intervalos quaisquer, cortes imanentes no tempo e no espaço, fragmentos do que não é dado como importante, como privilegiado, mas que vai colando-se “em função de momentos eqüidistantes” para “dar a impressão de continuidade”6 para nos colocar em movimento7. Entende-se que esses instantes quaisquer, esses estilhaços de movimento e de tempo, é onde as imagens que vemos, ou as imagens que produzimos, acontecem. É onde a possibilidade de criação do novo está presente. Pois o instante quaisquer é um movimento que remete a mudança, o que transforma o

1 Elisandro Rodrigues, doutorando em Educação (Unisinos); Mestre em Saúde Coletiva (UFRGS). Faz parte do Projeto Geringonça - Pedagogias da Diferença (UFRGS), do Grupo de Pesquisa EducaSaúde (UFRGS), do Grupo de Pesquisa Ensi-g-nar Saúde,na linha de pesquisa Tecnologias Leves em educação e saúde - Bolhas de Sabão (na Escola GHC) e da Pesquisa Práticas Curriculares de escrita e leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental e os modos de subjetivação (UNISINOS). Tem interesse nas áreas e temas: Educação, Saúde Coletiva, Saúde Mental, Artes, Escrita, Imagem, Pensamento, Montagem.2 Anna Letícia Ventre, mestrando em Psicanálise e Cultura (UFRGS), possui pós graduação nas áreas de Saúde Coletiva, saúde mental e infância e adolescência. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, Educação e Cultura, atuando principalmente nas temáticas da saúde mental coletiva, cidade, redes, políticas culturais e inclusivas e apoio institucional.3 DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 29.4 Movimento aqui concebido como uma “passagem regulada de uma forma a outra, isto é, uma ordem de poses ou de instantes privilegiados, como uma dança...a revolução cientifica moderna consistiu em referir o movimento não mais a instantes privilegiados, mas ao instante qualquer”. DELEUZE, 1985, p. 12.5 DELEUZE, 1985, p. 12.6 IBDEN, p. 13.7 “O ser em movimento, que vai se modificando, que pode ser modificado, assim como se apresenta em termos diáleico-material, tem esse poder-vir-a-ser inconcluso, esse ainda-não-estar-concluído tanto na sua base quanto no seu horizonte”. BLOCH, 2005, p. 195

pormenor8, que coloca o que estava em suspensão em operação. É dessa forma uma utopia, um [não] lugar onde o possível pode acontecer. O instante qualquer “é quando alguma coisa quer expressar-se como ela é – na sua essência ... é um espaço qualquer! Qualquer coisa serve para aquilo se expressar”9.

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Tarde de sol. Dia normal. Caminho pelas ruas da cidade que habito. Encontro pessoas. Vejo lugares. Paro num poste. Um poste que me olha, que vive em mim e expressa algo. Um intervalo de tempo acontece. Um pormenor salta aos meus olhos e me olha, um punctum10. Um instante qualquer [uma utopia como tempo do instante]. Uma imagem utópica. Uma “utopia possível”. Pego o celular e registro esse instante. A imagem fica arquivada no celular [torna-se a imagem de fundo]. Fica impressa no corpo como memória e testemunho.

Utopia Possível. Arte de Vital Lordelo, fotografada em 2014. Foto: Anna Letícia Ventre e Elisandro Rodrigues.

8 RODRIGUES, 2011.9 Passagem dita por Claudio Ulpiano, em sua aula sobre imagem-afecção, em 1995 [disponível em http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=116].10 BARTHES, 2010.

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Noite quente. Dia abafado. Sentado num bar tomando uma cerveja. Nos instantes quaisquer que se vive o namorado de uma amiga vem busca-lá. Olha para o meu celular comenta: ‘que legal, tua imagem de fundo é a arte de um amigo meu’.

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Final de semestre. Três disciplinas [Arquivo e Testemunho VI: Narrativa e Experiência, o problema da transmissão, da Professora Tania Fonseca – Novas e Antigas Capturas: em tempos da medicalização da sociedade, do Professor José Damico – As lágrimas de Eros: Utopia, artes e psicanálise, do Professor Edson Sousa]. Três textos para entregar. Uma ideia. Misturar escrita : transmissão : medicalização : utopias. Um “devaneio” que “pode ser bem-sucedido como uma narrativa” e quem sabe “produzir buracos no texto”11.

#

Desse encontro de disciplinas um estourar utopias. Pensar em uma intervenção que diga das possibilidades de construir outros modos de viver a vida, ao mesmo tempo transmitindo, ou tentando transmitir, uma ideia utópica e poética. Procuro o artista que fez a imagem “Utopia Possível”. Encontro Vital Lordelo. Artista que trabalha, entre outras coisas, com imagens em lambe-lambe. Minha ação:texto:intervenção ganha corpo, pois “para que eu seja utopia, basta que eu seja corpo”12, comecei a pensar em como produzir e espalhar lambe-lambe pela cidade.

#

Ao conversar com Vital pedi que me explicasse de onde surgiu a ideia de fazer um lambe-lambe escrito “Utopia Possível”, ele me relatou que recebeu a encomenda de realizar um desenho para uma coleção de camisetas. E ao pensar em algo para mostrar, dizer, estampar os corpos das pessoas, pensou em transmitir uma mensagem que dissesse que o sonho não é algo apenas do campo da fantasia, mas algo que pudesse ser realizado, alcançado e vivido. Dessa forma Vital tomou como base um encontro que aconteceu em 1971 na Europa, mas especificamente em Ibiza na Espanha, para realizar a arte da “Utopia Possível”.

11 JAMENSON, F. 1997, pgs. 84-85.12 FOUSAULT, 2013, p. 11.

Esse encontro foi VII Congresso do ICSID – International Council of Societies of Industrial Design (Conselho Internacional das Sociedades de Design Industrial) reuniu estudantes, a maioria de arquitetura e desing [industrial], mas contou com a participação de muitos outras categorias profissionais. Nesse congresso foi criado o Instant City, projeto de José Miguel de Prada Poole, um alojamento para os estudantes, que tornou-se uma cidade de plástico com cilindros e esferas que se conectavam e podiam crescer mais dependendo da necessidade. A estrutura era sustentada pelo ar “a mesma matéria dos sonhos” e foi erguida de forma coletiva com grampeadores e tesouras comuns. Uma estrutura utópica que “nos recorda que o fim das utopias é em si um delírio utópico, pois, enquanto houver vida humana, haverá sonho e perspectivas de transformações sociais, estéticas e éticas, ainda que pareçam longínquas”13.

Instant City. 1971. Projeto criado por José Miguel de Prata Poole.

13 LABRA, D. In Utopia possível, disponível em http://www.select.art.br/article/reportagens_e_artigos/uto-pia-possivel?page=unic

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2. Do estourar utopias

“não vivemos em apenas um mundo, mas entre dois mundos pelo menos. o primeiro está inundado de luz, o segundo atravessado por

lampejos”14

Com esses elementos iniciou-se o projeto de construção do lambe-lambe “do Estourar Utopias”. Mas antes de explicar desse projeto preciso falar o que entendo por utopias e por estourar as utopias.

#

Trago aqui duas imagens para pensar a questão da utopia. A primeira imagem é a da noite, dessa noite escura e densa, pouco [ou quase nada iluminada] onde não conseguimos ver nada a nossa frente. O caminhar por uma noite densa nos deixa com medo, receosos do que podemos encontrar, nos paralisa. Preferimos ficar dentro de nossas casas aconchegados e protegidos, ou iluminar a escuridão com holofotes que cegam os passantes. Ficar dentro de casa é a produção do mesmo, estar preso na representação imagética do mundo. É como estar preso na caverna de Platão, apenas observando o que o mundo emana pela projeção das sombras nas paredes e assim realizando as pinturas de um mundo de fora. Diferente da caverna de Lascaux onde os desenhos que se realizam são das experiências e vivências, registros imagéticos, testemunhos do que nos olha. Sair para esse desconhecido é abrir-se a possibilidade de encontrar pequenos lampejos na noite, vaga-lumes, imagens-vagalumes “no limiar do desaparecimento, sempre movidas pela urgência da fuga, sempre próximas daqueles que, para realizar seu projeto, se escondiam na noite e tentavam o impossível, correndo o risco da vida”15. Penso a utopia como um dizer sim “na noite atravessada por lampejos e não se contentar em descrever o não da luz que nos ofusca”16. Utopia como um lampejar, criar pequenos pontos de luz no véu da noite, pontos de resistência que logo se apagam e voltam a acender em outro lugar.

14 DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 155.15 IBID., p. 156.16 IBID., p. 155

#

A consciência utópica quer enxergar bem longe, mas, no fundo, apenas para atravessar a escuridão bem próxima do instante que acabou de ser vivido, em que todo o devir [Seiende] está à deriva e oculto de si mesmo. (...) O ainda-não-consciente comunica-se e interage com o que-ainda-não-veio-a-ser, mais especificamente com o que está surgindo na história e no mundo. (...) cuja solução ela mesma está em processo e a caminho17.

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Dessa forma entendo utopia como um corte, como um acontecimento do possível, como algo que lampeja e nos afeta, que produz movimentos. Que é um instante quaisquer onde o novo pode ser realizado. A utopia não é algo acabado, fechado, ela sempre está se desdobrando, abrindo frestas, pequenas luzes para outras possibilidades. É o que provoca o furo e “nosso desafio é saber como abrir furos”18. Estourar as Utopias é caracterizado não no significado limitado e depreciativo casual, de que seria algo impossível, que está longe no horizonte, num futuro que demorará a acontecer. Ao contrario é provocar um furo, lampejar no meio da noite no aqui e agora. É estar com um balão [vermelho] em nossas mãos. Dentro dele existe uma mensagem, uma palavra testemunho, que para ser lida é necessário romper com a camada que separa. É necessário furar, estourar para saber, pois “aquilo que é importante continua sempre faltando...o sonho não para de se infiltrar nas lacuna”19. Se não o fizermos, ficamos anestesiados, presos as luzes que ofuscam nosso olhar. Pensar a utopia como um combate aos sintomas, ao que nos paralisa, ao que nos anestesia. A utopia portanto “suspende os falsos destinos que vestimos como forma de anestesiar o que temos de mais precioso, nossa responsabilidade diante da vida e do amanhã”20.

#

dos passos da ação poéticautopica“a arte é um laboratório e igualmente uma festa de possibilidades”21

17 BLOCH, 2005, .p.23.18 SOUSA, 2006.19 BLOCH, 2005, p. 3720 SOUSA, 2006.21 IBID., p. 214.

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Primeiro passo: do desenho Uma folha A3. Tinta guache vermelha e preta. Pincel. Canetão preto. Água. Pano. Lápis preto.

Para a realização dessa ação poéticautopica pensei no elemento do balão, como algo utópico, que lembra os sonhos, esperanças, disso que voa e está nas alturas, mas que ao mesmo tempo pode estar pendurado em algum lugar, ser levado na mão, amarado em uma bicicleta, e....e....e... A primeira ideia de realizar uma intervenção urbana foi de deixar balões vermelhos pela cidade, mas pareceu ser uma ação simples demais. Lembrei-me do lambe-lambe de Vital e decidi desenhar um balão vermelho e escrever “do estourar utopias”. Pareceu uma ação simples desenhar, mas não foi. Foram alguns esboços e fracassos até desenhar um que fosse mais próximo de uma balão22.

segundo passo: da reprodução De um lugar para xerocar

Depois de realizado o desenho necessitava a reprodução. Fui a procura de um xerox para as experimentações. Digitaliza-se. Imprime. Copia. Imprime. O melhor foi tirar xerox colorido do original. [No total 15 A3 e 5 A4.]

terceiro passo: a cola Como se faz uma cola para lambe-lambe? Tutorial no Youtube.

Com os cartazes em mãos teria que ver como fazer a cola. Fui para o google procurar como fazer cola para lambe-lambe. Achei algumas receitas, alguns tutoriais. Preferi ficar com uma básica que não envolvia muitos processos, como é a cola de polvilho, juntei cola branco com um pouco de água e me preparei para sair para a rua. Cabe ressaltar que achei um mundo, uma expressão de arte que são as colagens dos lambe-lambe nos grandes centros urbanos. Esses cartazes são um testemunho, uma marca de narrativas esquecidas nas paredes, postes e tapumes. Assim como o pixo e o grafite, o lambe-lambe é uma maneira de se expressar, de viver a vida como uma obra de arte, de tentar transmitir uma mensagem, uma palavra, uma imagem, de marcar uma existência.

Quarto passo: do vivenciar a rua do iniciar-se em colagens de rua Cartazes. 2 litros de Cola misturada com água. Meio litro de cola branca.

22 Para a escrita da frase pedi ajuda a outra pessoa [Anna Letícia], pois minha letra não se mostrava legí-vel o suficiente.

Duas tampinhas de garrafa, uma com buraco e outra fechada. Rolinho de pintura. Bandeja de pintura pequena. Balões vermelhos. Haste para fixar balão. Fita durex. Frases para os balões.

Domingo. Final da tarde. Do Rio Branco a Cidade Baixa. Esse foi o itinerário para as experimentações em colagens de lambe-lambe. Comecei por ruas com menos movimento, para realizar os testes, ver se a cola iria fixar os cartazes [necessitei de ajuda novamente, pois sozinho essa ação poéticautopica seria difícil de se realizar]. Próximo ao cartazes colocava/fixava um balão vermelho com uma frase dentro dele. Foram três as frases escolhidas para irem dentro dos balões.

frase 1:Nossa vida é passar...

Nossa vida é escoar/pingar/lampejar...

sonhos...utopias...esperanças.

frase 2:Utopia como um “sonhar-pra-frente”, como um grito que nos acorda e diz que

ainda não temos o que queremos, que devemos seguir, que devemos procurar, furar, lampejar pequenas luzes no escuro da noite, como os vaga-lumes.

frase 3:Estourar Utopias é interromper o fluxo do mesmo, fazer furos nos sonhos, diluir

fronteiras para novas imagens e novos possíveis.

Ao longo do trajeto passei pela redenção. Decidi deixar uns balões espalhados e uns cartazes colados com fita durex nos postes de luz. Não sabia qual seria o destino e o uso dos balões após deixa-los nos postes, chãos, portas. Na volta para casa pude ver que eles já não estavam mais onde havíamos colocado. O que aconteceu? Será que quem pegou estourou? Será que leu o que estava escrito no papel? Que testemunho alguém poderia escrever/falar/contar do que viu, do que leu? Ficam as perguntas não respondidas.

Quinto passo: do registro do testemunho De uma máquina fotográfica na mão.

Ao longo do processo de colagem dos lambe-lambes foi realizado um registro através de imagens e vídeo. As imagens encontram-se no final do trabalho e o vídeo pode ser visualizado no seguinte link: https://vimeo.com/114055510

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“Por uma obra de arte que seja mais que mera arte e constitua, de fato, o mundo em si”23

A colagem de lambe-lambe existe enquanto ação, enquanto proposta, pois aos poucos ele vai caindo, se apagando, sobrando apenas restos. É uma marca temporária, um instante quaisquer que pode capturar um olhar, desviar um fluxo de pensamento e propor uma abertura, um furo, um lampejo. É uma intervenção que convoca a pensar em outros possíveis, a dar um tempo na corrida do dia a dia, a pensar outras formas possíveis de vida, de viver a vida. De criação de um instante utópico. Como diria Edson “A utopia está tanto nos grandes movimentos sociais que a história já conheceu, mas também nos pequenos atos que podem revolucionar o dia de qualquer um de nós”24. Essa ação foi um micro-furo, uma micro-utopia no cotidiano.

Foto: Anna Letícia Ventre e Elisandro Rodrigues.

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23 JAMENSON, 1997, p. 9824 SOUSA, 2005.

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Foto: Anna Letícia Ventre e Elisandro Rodrigues.

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referências

BARTHES, Roland. a câmara clara. Lisboa : Edições 70, 2010.

BLOCH, E. o Princípio esperança. Vol. 1. Rio de Janeiro : EdUERJ : Contraponto, 2005.

DELEUZE, Gilles. Cinema 1. a imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.

DIDI-HUBERMAN, G. a sobrevivência dos Vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

________________. o que vemos, o que nos olha. São Paulo : Editora 34, 2010.

FOUCAULT, M. o corpo Utópico, as heterotopias. São Paulo : n-1 Edições, 2013.

JACOBY, Russell. a imagem imperfeita. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

JAMENSON, F. as sementes do tempo. São Paulo: Ática, 1997.

LABRA, D. Utopia possível, disponível em http://www.select.art.br/article/reportagens_e_artigos/utopia-possivel?page=unic

RODRIGUES, Elisandro. Pedagogia dos Pormenores: Rendi[o]lhando foto[car]tografias de formação. Porto Alegre: UFRGS, 2011. Monografia (Especialização em Educação em Saúde Mental Coletiva, PPGEDU/EducaSaúde/UFRGS) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

SOUSA, E. ainda há esperança? Jornal do Brasil -caderno de ideias, Rio de Janeiro, p. , 06 de ago. 2005.

___________. “furos no futuro: utopia e cultura.” in: Schuler, Fernando e Barcelos, Marilia. Fronteiras: arte e pensamento na época do multiculturalismo, Sulina, Porto Alegre, 2006.

___________. Uma invenção da Utopia. São Paulo: Lume Editor, 2007.

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68Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª Edição

Performance: “Jogo de Transportar” com Fernanda Boff e Diego Esteves - Foto: AGabriela Trevisan

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“Onde me querem bem”

Shana Gomes1

1 Bacharel em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UFRGS.

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72Foto: Shana Gomes

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DILACERAR / INVISÍVEL / O CORPO / SOBRE/VIVE

(Marjoe Buratto da Silveira/ Miss M.)1

Dilacerar

Sofro Pelas palavras mal ditas

Conclusões adequadamente apressadas

Leituras feitas Através de minhas atitudes insensatas

Movidas pela estupidez da volúpia de um coração

Conduzido pelo ardor de um sentimentalismo barato

Peco Pela pieguice infantil

1 Graduanda em Licenciatura em Dança pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, está integrada no projeto de extensão “Ballet da UFRGS”. Bailarina clássica profissional, teve sua formação em dança na cidade de Porto Alegre. Como alguns dos estudos complementares de maior importância em sua formação, pode-se citar suas idas à Cuba e aos Estados Unidos. Iniciou sua carreira profissional no ano de 2001 na cidade de Assunção, Paraguai, Durante quase dez anos permaneceu no exterior, e neste período, foi mem-bro efetivo do Ballet Moderno Municipal De Asuncion, Ballet Uninorte (ambos no Paraguai) e Ballet Nacional de Panamá. Estes dois últimos no cargo de Bailarina Solista. Também fez viagens à Suíça, Suécia, Chile, Argentina e Alemanha, onde informalmente fez aulas de ballet e audições em importantes centros, escolas e Companhias de Dança. Em 2010 retorna ao Brasil. Foi bailarina convidada no “Encontro de Danças de Barra Bonita”, em São Paulo, nos anos de 2011 e 2012. Manteve ativa sua carreira profissional até o ano de 2014, sempre muito atuante no cenário da dança em Porto Alegre. Paralelamente, começou a ministrar aulas de ballet e trabalhar como ensaiadora e repositora coreográfica no ano de 2006, em escolas particulares de Ballet, na Cidade do Panamá. Atividade que mantém até os dias de hoje. Em julho de 2015 inaugura o “Espaço de Dança Marjoe Buratto”, sua própria escola de dança, na cidade de Porto Alegre.

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Morro Pela falta de astúcia de um vão discernimento

Embriagado por um sensacionalismo quase que visceral

Beirando as fronteiras do aceitável

Temo Pela pseudo loucura

Pelo descontrole total das impossibilidades

Da incoerência dos fatos impostos

Da carência da reciprocidade nas respostas

Choro

Pela inconstância dos sentimentos que brotam

Pela dualidade que dilacera o todo em partes

E que transforma em nada Aquilo que um dia foi

INVISÍVEL

Desperta Não espera Eis que já foi

E ninguém viu

Culpa minha Torpe vida

Corpo inerte Mente vã

Fecha os olhos Segue reto Arde brasa Chove dor

Dia e noite Vai e volta Morre lento Nasce outra

Não espera Abre os olhos Pulsa a vida Volta a ser

Corpo que arde. Mente que nasce Vida que chove

Outra que vai

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O corpo

O corpo é aquilo que trago sob o meu nome.

Aprisionado pela minha pele. Demarcado pela minha estória.

Engessado pelos anos de minha vivência

É aquilo que todos veem, mas poucos compreendem.

E alguns poucos suspeitam.

O corpo é aquilo que me salienta. Que me identifica.

Artefato que me mensura.

Que me rotula.

Somatório de dores negligenciadas e urgências postergadas.

É o templo do profano e do sagrado. É o templo do onírico e do real.

É o que me aprisiona. O que me dimensiona. O que me direciona.

É com ele e com ele que sou.

E que, com ele e por ele, deixo de ser

É o que me tranca e me destranca.

O que me agrega e me segrega

É a minha cura e a minha perdição

É o meu algoz e meu santo

É a minha tormenta e a minha redenção.

É tudo aquilo que sou e não quero ser. E tudo aquilo que já fui e não lembro mais.

É aquele sem fim de possibilidades.

É aquilo tudo que ninguém sabe ao certo por onde começar

É muito mais que do que aquilo que carrego sob meu nome

É muito mais do que aquilo que os outros suspeitam

O corpo é quando tudo aquilo que tem lá fora

Reverbera junto

Como o tudo aquilo que tem aqui dentro.

SOBRE/VIVE

“Não culpes o teu passado Com ele construistes

do nada Tudo aquilo que torna

Não sofras pelo teu presente. Transborda.

Desafia tudo além da tua forma.

(*SOBRE*/VIVE!) Não temas o teu futuro.

Entrega Porque sem querer

Um dia Estes teus nadas transbordados,

vão habitar todos juntos os teus tudos”

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80Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª Edição

Performance: “Jogo de Transportar” com Fernanda Boff e Diego Esteves - Foto: AGabriela Trevisan

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ART

EMATRIZES PARA O

IMAGINÁRIO: HÍBRIDOS NA ARTE

IMPRESSA Rafael Muniz Espíndola1

Helena Araújo Rodrigues Kanaan2

A produção que aqui apresentamos se desenvolve na prática de ateliê, acompanhada de reflexões teóricas, buscando autores pertinentes ao assunto que contemple a gravura, impressão, imagens matriciais e transferências. A pesquisa está ancorada no grupo de trabalho Núcleo de Arte Impressa do Instituto de Artes UFRGS, o qual tem como objetivo a prática com experimentações em matrizes distintas. O Núcleo de Arte Impressa possibilita aprofundar e desenvolver trabalhos individuais e coletivos, num desafio que reflete a proposta de Roland Barthes de ‘como viver junto’, vivenciando tanto a troca de informações processuais como a inserção de procedimentos que estão paralelamente sendo investigados:

1 RAFAEL MUNIZ ESPÍNDOLA, Porto Alegre, RS, Brasil. Artista Visual. Estudante de Graduação em Artes Vi-suais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Técnico em edificações formado pelo Centro de Referência em Educação Profissional Parobé em 2012/1. Estudante do Atelier Livre da Prefeitura Municipal de Por-to Alegre (Atelier Livre Xico Stockinger) em desenho no ano de 2009 e gravura em metal entre 2011 e 2013; e no Museu do Trabalho em litografia no ano de 2013. Participação de exposições coletivas pela SIDERGS (Sindicado dos desenhistas do Rio Grande do Sul), AGAPA (Associação Gaúcha de Pintores Artísticos), Atelier Livre em três exposições coletivas: o X da questão(2014), Pedra, Madeira e Metal (2013) e Salão de Artes do Atelier Livre (2013), Prêmio Maria Conceição Menegassi em 2013 pelo Salão de Artes do Atelier Livre. Individuais: Galeria Duque de Porto Alegre com Desenhos, exposição DESEJOS DESENHOS no espaço expositivo do Centro Municipal de Cultu-ra, Arte e Lazer Lupicínio Rodrigues (2014) e no Instituto de Artes UFRGS, espaço Ado Malagoli (2015); BOLSISTA I C: Práticas críticas da Gravura à arte impressa NAI/IA/UFRGS 2015/1; BOLSISTA DE EXTENSÃO – Pinacoteca Barão de Santo Ângelo. [email protected] 2 HELENA A. R. KANAAN Bagé, RS , Brasil. Artista visual. Doutora pelo PPGAV - UFRGS / UPValencia Espa-nha. Professora no Instituto de Artes UFRGS. Mestra pelo PPGAV IA/UFRGS- Especialista pela Scuola d’Arte Grafica IL BISONTE, Florença/Itália-Bacharel em Gravura/UFPelotas/RS. Coordena o Núcleo de Arte Impressa IA UFRGS e o GT Práticas Críticas da Gravura à Arte Impressa. Tem como pesquisa a gravura e entre outros artigos, a disser-tação: Poros mix Pixels. Uma possibilidade de cruzamento da litografia com a infografia (UFRGS 1998), e como tese: Impressões acúmulos e rasgos. Procedimentos litográficos e seus desvios (UFRGS 2011). Mostras principais no Museu de Huelva –Espanha. Museu de Arte Contemporânea MS. Museu de Arte do RS, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo Instituto de Artes e coletivas no Brasil e exterior. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8149012783365416. [email protected]

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hibridizações gráficas e campo relacional interpessoal reforçam as discussões. Áreas como publicidade, moda, design e ciência entram no processo. Partindo dessa premissa, uma série de trabalhos está sendo elaborada na ressignificação de ressonâncias, radiografias, desenhos, tipografia, estamparia e fotografias tratadas pela mídia digital, cruzando-as com as técnicas convencionais. Da produção de forma manual em xilogravura, litografia, serigrafia, somos impulsionados a inserir-nos às matrizes virtuais e matrizes experimentais, propondo, assim, um diálogo compositivo para a constituição de imagens impressas, expandindo conceitos como impressão, imagem híbrida, imagem processual, levando a gravura a um campo ampliado em seu princípio de imagem do duplo, de presença ausente, de vestígio, de morte para outra, pois a imagem se faz pela perda.

Uma dessas experiências fora instigada pela apropriação de elementos impressos, de recortes para compor e dialogar com as demais técnicas de procedimentos de multiplicação ótica, química e mecânica, intrinsicamente ligada à fotografia, contribuindo para modificar o olhar e o habitus perceptivo da linguagem visual, indo de encontro com o que a origem da fotografia lhe confere, ou seja, sua automatização. Desta maneira, partindo do exemplar físico ao virtual (COUCHOT, 2003), a pesquisa busca o binário como matriz, em consonância a outras técnicas da gravura. Comenta-se a produção composta pelo uso de fotografias, desenhos digitalizados oriundos do traço espontâneo transferidos para a matriz binária, páginas impressas de livros antigos, fazendo com que a letra impressa dialogue com a imagem digital e o carimbo sobreposto instigue variações que abrem-se para os devires, permitindo encontros para a formação de uma imagem híbrida, propiciando investigar o conceitual, a experimentação formal, e a potência crítica, num comportamento que ativa os sentidos em fazeres com o tátil, o visual, o sonoro, o olfativo, com elementos que ressaltam as propriedades de cada matéria, como nos trabalhos com litografia amalgamado ao látex, figuras 1 e 2.

Ao longo do processo analisa-se como uma mesma imagem ao ser transferida para diferentes matrizes e diferentes suportes, adquire variações de sentido, de forma, de peso e de ritmo em combinações e recombinações por sobreposição, subtração, repetição, acúmulos e outros modos intrínsecos a arte impressa matricial.

Nas figuras 3 e 4, partimos da gravura física como o carimbo, dialogando com a página escrita, para o campo binário modificado, retrabalhado, justaposto com o traço espontâneo.

Nesse trabalho que o grupo esta desenvolvendo, investigamos, no processo, a mudança de estatutos na gravura convencional desde o século XX e as fortes mudanças apresentadas no século XXI, ocupando diferentes lugares, ampliando o campo de fruição na busca por novos parâmetros para o entendimento da arte impressa, abrangendo diversos modos de pensar, de apropriar e de produzir

matrizes e impressos, pervertendo e explorando o potencial da gravura tradicional somado a outros modos, agregando conceitos e disponibilidades tecnológicas da atualidade. As problemáticas vão sendo detectadas no fazer das obras, alimentadas pelo embate com os estados processuais das matérias, das misturas e dos procedimentos de hibridação, que partem da ação e se difundem na reflexão, convertendo visualidades em sintomas.

Figura 1. HELENA KANAAN. Fantasia. Litografia e látex. 25cmx35cm. 2012.

Figura 2. HELENA KANAAN. Ensaios para retratos. litografia e látex. dimensões variáveis. 2012.

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Figura 3. RAFAEL MUNIZ. Sem título. Carimbo sobre impresso. 30x21cm. 2015.

Figura 4. RAFAEL MUNIZ. Sem título. Carimbo, desenho e manipulação digital. 21x30cm. 2015.

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referências:

COSTA, Mário. O sublime tecnológico. São Paulo: Experimento, 1995.

COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia a realidade virtual. Trad. Sandra Rey. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.

DIDI-HUBERMAN, Georges. (trad. Patrícia Franca EBA UFMG) Catálogo da exposi-ção “L’empreinte”. Paris: Centro Georges Pompidou, 1989.

IVINS, Jr. W. M. Imagem impressa e conocimiento. Barcelona: GG, 1987.KANAAN, Helena (org.) Manual de Gravura. Pelotas :EDUFPel, 2004.

IMPR

ESSA

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Performance de Anderson Luiz de Souza e Rafael Muniz - Foto: AGabriela Trevisan

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BURO

CA BUROCAEDUCAÇÃO

Rodrigo Bartz1

Pitágoras ou Nietzsche ? Ser ou não ser, eis a questão ? Burocaeducação !

Tupi or not tupi ? Idade média ou navegação ? Burocaeducação !

Aristóteles, Foucault ? Lavoisier, Sófocles ou Platão ? Burocaeducação !

Sociolinguística ou Gramática ? Coerência ou coesão ? Burocaeducação !

Literatura ou Arte? Química ou erosão? Burocaeducação ! Conhecimento, Papel, papel ou gestão, Buroca, Bronca, Educação, Encurralado, Fazer, pensar, aprovação ? Eis o vencedor Burocratização !

1 Rodrigo Bartz. Professor da rede privada e pública de educação básica. Mestre em Letras pelo Pro-grama de Pós Graduação em Letras (PPGL) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Graduado em Letras Português/Espanhol pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Membro do grupo de pesquisa “jornalismo e literatura: narrativas reconfiguradas” ligado, de um lado, ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), enquanto que, de outro, ao departamento de Comunicação Social da referida universidade. Bolsista. E-mail: [email protected] Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/busca-textual/visualizacv.do?id=K4473814U1.

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Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance de Anderson Luiz de Souza e Rafael Muniz - Foto: AGabriela Trevisan

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O HOMEM SEM QUALIDADES ou o invisível!

Ruy Anderson S. Martins1

De nada adiantava, Musil cansou de dizer. Não havia adjetivos para expressar-lhe. Havia um vazio tão profundo. Sua formação territorial era rasa. Nada já era o bastante. O personagem Bartleby de Melville dizia não às qualidades. Dizia não pois não cabia em si tantas categorias ou classificações. Um anônimo sem forma e sem força – o que não significa ausência de potência. Era nada o seu chão. Tinha sobre si apenas alguns restos, resquícios sinalizadores de uma vida. Respiração lenta, baixa e cretina. Não dava o ar da graça! Ao mesmo tempo, o ar parecia ser seu único elemento, a única substância com a qual seu corpo compunha. Uma semelhança entre ventos opostos, que ao ir de encontro um com o outro, produz um som, uma sonoridade. Sua existência era uma musicalidade. Bartleby era apenas efeito, era o entre da expressão ‘encontro entre corpos’. Não podíamos nomeá-lo e disso ele dependia. Não assumia um lado, nunca se punha em oposição: recusava qualquer levantamento de valor moral, abstraia-se das opiniões, as quais são sempre equivocadas. Não levantava partido ou bandeira de nada: era o não. Nada sustentava, não queria sustentação. Decidir por algo lhe custava seu único sopro de vida. Almejava ausência, anonimato, transparência. Burlava regras, condutas, trilhas. De tanto se opor a tudo, desapareceu. Bartleby seria a expressão mais exata do neutro, diria Barthes sorrindo para Blanchot. Suas recusas o levaram ao anonimato. Fez da vida um grito negativo. Foi desfazendo-se, cortando do próprio corpo os sinais, os vestígios: irreconhecível. Fraturou ossos, perfurou pulmão, se enfartou das congratulações. Não havendo mais sobre o que escrever, esqueceu do mundo e foi descansar. Pobres criaturas negadoras da arte dionisíaca. Quando estava na rua, via nomes, seguia passos, errava. Tinha para com o erro uma certa proximidade e, no entanto, não se reconhecia nele. O erro enclausurava-o em si mesmo, e isto era um grande erro. Dizia não por conveniência. Não grudava em nada. Qualquer explicação sobre o mundo o fatigava. Qualquer afirmação seguia de um desfazer-se. Nada desejar é diferente de desejar o nada. Força motor. Antes mesmo de ganhar forma, descaracterizava-se. Antes mesmo de expressar o que pensara, esquecia.

1 Ruy Anderson Santos Martins é graduado em Psicologia (Faculdade Pitágoras de Linhares-ES) e é Mestre em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional (PPGPSI), onde pesquisou os processos de subjetivação em tempos de medicamentos ansiolíticos e suas interfaces com o cinema junto ao Laboratório de Imagens da Subjetividade (LIS/CNPq) coor-denado pela Prof. Dra. Leila Domingues Machado. Atua como Psicólogo Clínico e é Professor em instituições de ensino superior. Link currículo lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4402925P8

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SOBRE OS VINHOS RUINS: PORQUE OS AMO E NINGUÉM SE DÁ AO

LUXO DE DEGUSTÁ-LO!

Ruy Anderson S. Martins1

Nada mais era o bastante. Tolstói e Dostoievski não me surpreendem mais. Narrativas exaustivas. Prefiro fumar e escrever. Prefiro o anonimato de estranhos, que, sem mais expectativas, me surpreendem com uma frequência considerável. Os verdadeiros anônimos, estes sim dizem grandes coisas. Sabem da vida. A Estação Primeira de Mangueira não surpreende mais. Existiria um tempo de validade para a criação, para a arte? Penso que é chegada a hora dos estrangeiros. Esses caras pelos quais não apostaríamos uma ficha sequer. Nada é o suficiente para visões turvas e cansadas. Após ter escrito sua obra-prima, para quê esperar mais de um escritor? Há uma grande beleza nisso. Uma vida as vezes é suficiente para um livro apenas. Muitas vezes, de uma série de volumes, não se aproveita uma linha sequer. É preciso perdoar o estado atual em que a arte (os artistas) se encontram. Nada mais parece ser o bastante para um público ávido de novidades. Como se fosse fácil escrever sobre si um parágrafo que seja. Para algumas vidas não se gasta um parágrafo, tampouco um peido. Algumas vidas são mortes em vida: pobres sobreviventes, diria Bukowski novamente! Preciso de tempo para respirar, tomar um pouco de ar fresco. Lúcio Cardoso ainda supera minhas expectativas e me impressiona. Quero dele uma obra ruim, falida. Queria dele me cansar. Virgínia Woolf parece não dizer mais nada. Seus livros me exaurem. Para lidar com ela preciso pular páginas e páginas. Não achando justo para com sua nobreza de

1 Ruy Anderson Santos Martins é graduado em Psicologia (Faculdade Pitágoras de Linhares-ES) e é Mestre em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional (PPGPSI), onde pesquisou os processos de subjetivação em tempos de medicamentos ansiolíticos e suas interfaces com o cinema junto ao Laboratório de Imagens da Subjetividade (LIS/CNPq) coor-denado pela Prof. Dra. Leila Domingues Machado. Atua como Psicólogo Clínico e é Professor em instituições de ensino superior. Link currículo lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4402925P8

espírito e reconhecimento que obteve, me esquivo e desisto de lê-la. Talvez haverá um tempo para desfrutar de sua ... obra? Mrs Dalloway é personagem de um dos seus livros. Tal livro retrata um dia na vida dessa personagem. Sua vida se resume a um dia! Sua maior conquista foi decidir por ela mesma – naquele dia - que iria comprar as flores. Comprar as flores foi sua obra, não gastar um livro sobre um dia de sua ... vida? Deus a tenha! Neste momento queria ser a azia do estômago da pior embriaguez do velho Buk! Um rato sobre o corpo após uma longa noite de bebedeira arrepia mais que um lindo jarro de flores na aurora. Sobre Kafka, este teve o seu momento. Hoje ele me parece inútil, mesmo que eu ainda indique a sua obra para leitores ávidos de machadadas. Continuo a preferir cigarros e cervejas, estes sim me inspiram. Talvez porque chega um dado momento de nossas vidas em que é preciso deixar de citar nomes e falar por si mesmo. Tecer críticas, mesmo que sem fundamento. Ser tolo. Tenho amado a tolice e a pouca genialidade de estranhos! “Hello Stranger”.

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100Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª Edição

Performance de Anderson Luiz de Souza - Foto: AGabriela Trevisan

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REC

AD

ORECADO PARA RAISSA SOBRE O ENCONTRO

COM OFÉLIAVictor Bastos1

Lugares de memórias são principalmente sobras. E tudo isso que resta em resíduo é uma contínua perpetuação. E como recriar nosso turbilhão interior? Partindo daqui o vivente (o outro) mais que a atriz se torna o verdadeiro intérprete da dança-de-mar-fundo, é o modo de nos tornamos a matéria da existência de Ofélia. Partilhando aquela sensação de se estar numa situação de transbordamento de desejos e inclinações; da loucura do presente, da loucura que se falam, da loucura das profundezas interiores que confronta com máscara da afogada em ação. Instaura-se uma evidência-contive; aproxime-se. Estão lá; mesclado nos corpos dos viventes e no pensamento cênico de Raissa Bonfim, as setas de intencionalidades, da contemporaneidade, da intimidade, do corpo aberto, corpo convite... Esses vetores de possibilidades simultânea conectivas do corpo com o ambiente, com o corpoperfomancer e os corpos do viventes – generosamente como ambiências2 - foram encorpados com as referências de urbanidade e alcançaram a esfera íntima da cerebralidade – não aquela que o senso comum entende como avesso a beleza e emoção, mas a outra que entende inteligência como qualidade corporal que se expande para além da caixa craniana. E deste modo que a ocorrência do encontro, do corpo que deriva aproximando e afastando, uma presença ausência que nossos olhares denunciavam a potencialidade e a dificuldade de que é está exercitando a generosidade. Pois sim, Raissa nos convida a uma comunicação sensível e generosa, com direito a dancinha de natação e está comunicação não é só discurso e discurso não é só lógica. Comunicação pode ser só olhando. Está na vontade de comunicar. Pode ser sensível, pode estar na forma, nas menores escolhas. Vou tomar a liberdade de ser bem cafona e dizer que especialmente essa comunicação, essa entre artista e vivente, só acontece se tiver algum amor.

1 Artista da Dança /Corpo, graduando de licenciatura em dança, integrante do grupo de pesquisa La-bzat/escola de dança UFBA, pesquisador de estudos críticos-analíticos em dança e observador da interlocução entre teoria e pratica na arte contemporânea. http://lattes.cnpq.br/5903356914217960.2 Ambiente aqui, entendido não como lugar, mas um conjunto de condições relacionais entre as sin-gularidades configurativas de cada fator envolvido no sistema(no caso a cena), corresponde à dinâmica de interação que propicia tanto a emergência das configurações das coisas (sua justificação histórica) quanto a continuidade dos processos de que resultam (seus regimes de funcionamento) Ambiente assim pensado como contexto ou campo de conectividade e validação das ideias.

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E na nossa busca da reorganização do nosso turbilhão interior o instante vivo do espetáculo estimula, estimula...dando voz ao conjunto de desejos e pensamentos que lhe surgem debaixo d’água. E o que mais lampeja nesta ação é o amor que pensado como contexto ou campo de conectividade e validação das ideias, e pra mim amor tem muito a ver com generosidade comunicativa.

Neste recado-remix além de nós, conversaram também: Fabiana Dutra, Gustavo Bittencourt, Clarice Lispector.

SOBRE AS POLITICAS ALIMENTARES

CONTEMPORÂNEAS

Victor Bastos1

O negócio ta brabo quando você acha piegas e ridiculo qualquer filosofia alimentícia de saúde mas acha crueldade negar açúcar pra seu filho.

Estava eu no coletivo nosso de cada dia e um casal a minha frente com duas crianças de colo (uma com menos de 1 ano e outra com menos de 4) embalavam-as muito carinhosamente.

Dei aquela consequente inspirada de “familia-feliz-fé-na-humanidade”

Quando chegamos no gostoso trânsito do Rio Vermelho, o pai - que estava com a mais velha que devia ter uns 3 anos - virou para a mãe como se virasse para a sua própria e falou com uma inocente, jovem e paternal preocupação:

- Ela está passando mal..

A mãe: - Passando mal..??

Com uma postura prática e de ações emergentes inabaláveis, a mãe começa a mexer em sua bolsa. - Até porque alguém tem que ser mãe nessa por*a. - e como quem tirasse o ouro do chumbo, ela entrega ao pai, quase em gesto dramático, um saco plástico pequeno, colorido, amarrado e cheio de jujubas.

O pai pega aquilo como se apanhasse a cura do câncer e entrega ao ser humano de 3 anos que o abraça como se não houvesse amanhã.

Todas aquelas cores e o brilho que o açucar dava nesse colorido fez o olho da menina brilhar e encher de ganância em um nível psicopático (semelhante a isso seria um olhar ávido àquele outro pó branco). O pai, com a obtusidade simples de macho que resolveu as coisas, abre um sorriso regojizante à mãe e fala irônico

1 Artista da Dança /Corpo, graduando de licenciatura em dança, integrante do grupo de pesquisa La-bzat/escola de dança UFBA, pesquisador de estudos críticos-analíticos em dança e observador da interlocução entre teoria e pratica na arte contemporânea. http://lattes.cnpq.br/5903356914217960.

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e carinhoso - como um progenitor que se orgulha da falha da cria por apenas ser um espelho da sua:

- Acho que agora melhorou... Emoticon smile hehehe

A mãe que parecia exausta demais para ser qualquer coisa além disso, deu um sorriso diplomático amarelo e voltou sua cabeça provavelmente para as questões de ser mulher/mãe em seu tempo.

A minha inspiração de “fé-na-humanidade” tornou-se uma expiração de “malditos-imbecis”. Fique lá, administrando o desprezo arrogante que senti por aquela família, fitando a criança com uma mistura de aflição e raiva enquanto ela desenrolava a boca do plástico.

Tirou uma, com a ajuda de papai, e pôs na boca. (ao mesmo tempo um “nãããããooo...” ecoando em minha mente).

Assim que ela sentiu o gosto e a textura da “lá-ela-em-forma-de-doce”, sua expressão reativa foi como se os pais tivessem lhe entregado uma pequena e infeliz bunda azeda.

Com nojo tirou todos os pedaços esmigalhados da boca babada e os colocou de volta no saco, lançando ao pai um olhar de: “quem é você e por que fizestes isto comigo?”

Olhando abobalhado como quem descobrisse que 2 + 2 é 5, o homem falou:

- Ela não quis... Emoticon gasp Emoticon frown

A mãe apenas lançou um olhar de “ai que saco... cadê eu em Bahamas?”

O olhar da filha continuou angustiado e desgostoso, ainda passando mal por algum “mistério”, e ansiando por algo que os pais nunca lhe deram.

E eles não tem a mínima suspeita..

POLÍ

TICA

S

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OU

COORDENADOR OU DIRETOR?

Diego Esteves1

Esse texto foi veiculado no blog do NECITRA – Núcleo de Experimentações Cênicas e Transversalidades, em agosto de 20152. Escrito com o intento de afirmar, sobretudo aos integrantes do núcleo, uma perspectiva de modos de operar na gestão do trabalho coletivo. Perspectiva assumida por mim na criação deste, em 2009. Trata-se de afirmar o ato criativo, sendo esse realizado simultaneamente na sala de ensaio, na escrita, na administração do coletivo, da vida.

Essa afirmação é política, e não se restringe, portanto, às bordas que delimitam esse NECITRA enquanto um território. É a realização de um modo de viver junto, de operar com as forças, de estar, mesmo que provisoriamente. Por essa via, reproduzo na Informe C3, com pequenas inserções3, um posicionamento já movente, já outro, e que aqui coloco como um exercício de revisão e de partilha: re-ver, mover, ser atravessado – pelo discurso, pelas práticas, pelas modulações do que pode significar ser isso ou aquilo, consigo e com o outro.

Tal qual segue, ou isso ou aquilo, atravessado por múltiplos “es”: é preciso definir para ordenar a vida num dado momento, para adiante desterritorializar, se renovar. O “e” é o movimento, infinito, ininterrupto, o “isso” é a pausa – mesmo que o movimento não cesse.

Segue...

1 Artista da cena, com ênfase em circo e dança. Pesquisador do movimento. Educador físico. Gestor Cultural. Fundador do NECITRA – Núcleo de Experimentações Cênicas e Transversalidades e da empresa Canto – Cultura e Arte. Bailarino e produtor do espetáculo de dança contemporânea para crianças Guia improvável para corpos mutantes. 2 http://necitra.com/2015/08/24/coordenador-ou-diretor/3 As inserções se resumiram a “explicações” em parênteses e a aspas nas afirmações que, neste reencon-tro com o texto, me pareceram precisarem de uma relativização, de um cuidado de prudência com termos por demais “definidores”. É quase como se dissesse: não é bem isso... essa palavra está cheia demais de si... poderia ter outra palavra aqui... não estou certo disso – e não é preciso estar. Exemplo no emprego da palavra “bom”. De qualquer forma, optei por não alterar o texto, no sentido de mudar as palavras, mas o altero, quando crio uma lacuna temporal com o parênteses, e um auto-questionamento compartilhado, com as aspas.

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Quando em 2009 projetei os “princípios” do NECITRA, antes dos procedimentos para o seu funcionamento, a definição de dois conceitos foram muito importantes: a opção pela formação de um núcleo, ao “invés” de grupo, e com isso a opção por um coordenador, ao “invés” de um diretor.

Nestes seis anos (agora oito), muitas vezes se referiram a mim como diretor do NECITRA, e muitos vezes fui questionado, inclusive pelos integrantes do núcleo, da diferença entre coordenador e diretor, sendo que para alguns são sinônimos. Em síntese, sou coordenador do NECITRA (fui, até 2016) e diretor de alguns dos trabalhos, não de todos.

Pretendo aqui “aprofundar” alguns pontos que justificam essas opções e que, muito mais que algo gratuito ou somente estético, é uma afirmativa coerente com os “princípios” deste grupo, que é um núcleo. Parto da crença de que os conceitos definem uma dada realidade, sendo indispensável compreendê-los quando se quer entender um determinado contexto, e para construir relações consistentes e objetivas num trabalho interno de grupo. Mais uma vez, reitero se tratar de um ponto de vista e de escolhas feitas - e seguidas desde então - dentro de um determinado contexto, dentro de um processo que se iniciou ainda em 2008, culminando com a criação do NECITRA em 2009.

Essa diferença entre núcleo e grupo vou desdobrar em outro momento. Mas é relevante afirmar que o NECITRA é um espaço com artistas trabalhando de forma simultânea em projetos individuais e coletivos, e com estruturas diferentes desde sua concepção, pessoas e técnicas envolvidas, até os procedimentos de trabalho assumidos. Ou seja, as obras resultantes destes processos são tão parecidas quanto pode ser o trabalho desenvolvido por um grupo de dança e um grupo de teatro, ou as semelhanças entre um espetáculo circense de rua e uma videodança.

Neste campo conceitual que consolidou a “base” da organização do NECITRA, o diretor é definido como alguém que dirige um trabalho, qualquer que seja: um espetáculo, um vídeo… ele é o principal responsável pelo formato final da obra. Orienta para onde vai o grupo de trabalho: de onde partimos e para onde vamos. Um diretor concebe, para iniciar, e direciona, para finalizar. Com o olhar no horizonte, define o fim, e a partir disso o começo, as ferramentas e procedimentos de trabalho. Ou parte de uma concepção prévia, de um texto, de uma referência… O diretor está mais centrado na concepção, objetivos e metas e a partir de então define os procedimentos de trabalho- que podem ser os mesmos sempre, ou variar, dependendo da maneira que este diretor trabalha.

O coordenador está preocupado com os procedimentos para o funcionamento geral do grupo. Para que sejam criados e gerenciados os princípios que regem o funcionamento do coletivo e para acompanhar o seu desenvolvimento. Não se trata da coordenação dos processos artístico dos integrantes e sim da gestão geral do coletivo: dias de encontro, reuniões, apresentações, critérios de participação, entre outros. Mais do que apontar a direção, ele está ocupado com o andamento. Ou seja: vá para onde você deseja, mas evite ficar parado. Assim, um coordenador não define os objetivos dos trabalhos, mas objetiva que todos definam seus objetivos. O coordenador não participa, se não for convidado, da concepção dos trabalhos, mas concebe que os trabalho artístico “precisam” ser desejados, produzidos da vontade, que “levam” a estudos e experimentos, e que precisam de uma concepção, bem como métodos de trabalho e avaliação. Um coordenador tem uma função de mediação. Um coordenador tem também uma função pedagógica.

Novamente, estas são as escolhas conceituais que fiz no “momento” da criação do NECITRA, e que sigo na realização dos meus projetos. Todavia, os integrantes tem autonomia para optar por outros conceitos ao definir as funções assumidas nos projetos criados por si, para si e seus pares. Contudo, como coordenador do núcleo, no sentido de mediar as ações, proponho esses conceitos como consenso para a criação e organização de novos projetos, de modo a balizar a troca de informações.

Para reforçar essa visão trago os significados constantes em dicionários:

Coordenador: Pessoa que organiza e orienta um projeto ou atividade de grupo*. O coordenador organiza os processos coletivos para o “bom” andamento do grupo. Os objetivos são definidos coletivamente, a direção é definida pelo pleno, o coordenador media as ações para que se alcancem esses objetivos.

Diretor: Que dirige, regula ou determina**. O diretor define os objetivos, define a direção e regula a ação de todos para que esses objetivos sejam alcançados. O diretor, por óbvio, é diretivo, o coordenador, neste contexto abordado, é democrático, colaborativo, estimula a cooperação.

Sendo mais analítico, e correndo o risco de ser “superficial demais”, aponto diferenças “chave” entre coordenador e diretor, na ordem citada: organiza X dirige – media X regula – orienta X determina.

Para ilustrar melhor, cito como exemplo o projeto Desdobramentos4 (com 14 edições realizadas entre 2013 e 2015). Ele precisa de um coordenador, que organiza toda a produção do evento, funções necessárias para a sua realização,

4 http://diegoesteves.in/cena/2016/01/19/desdobramentos-1a-a-10a-ed/

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cuidados técnicos e com a divulgação, entre outros. Que cuida para que o projeto tenha continuidade, que estimula a adesão ao projeto, que projeta uma agenda anual. E por ter um resultado cênico, uma obra, ele precisa de uma direção. O Desdobramentos tem uma direção geral do espetáculo, que não interfere nas cenas em si, mas que define a concepção do espetáculo - de cada edição - e dirige os artistas para que se adaptem naquela concepção, sem interferir no interior das obras individuais. Caso seja necessário modificar a obra para que seja apresentada naquela edição, o que será decidido pelo diretor geral, caberá ao diretor da obra decidir se essa alteração é possível e desejável, ou aguardar a próxima edição onde a obra possa ser contemplada. Eu assumo as duas funções no Desdobramentos, mas defendo que em projetos maiores futuros essas funções possam ser dividas para não sobrecarregar nenhum ponto, e com isso garantir um “bom desenvolvimento” dos projetos.

Ainda, é importante salientar que essas definições não valem para todos os projetos. Caso se trate, por exemplo, da criação de uma coreografia, não creio que seja necessário um coordenador, mas apenas um diretor – que vai se utilizar de métodos mais diretivos ou mais colaborativos.

Portanto, o coordenador está mais centrado na organização e mediação, na manutenção da coesão no andamento das atividades do grupo. O diretor dirige uma obra, com concepção e objetivos específicos. Se o NECITRA fosse um grupo com um objetivo específico ou um caminho único a ser trilhado, focado numa determinada linguagem cênica e centrado num método de trabalho, se fosse um grupo de teatro, de circo ou uma companhia de dança ao “modo mais tradicional”, digamos assim, ele teria um diretor e um resultado estético mais ou menos identificável. Não é o caso do NECITRA, e por isso ele é um núcleo, conceito pensado para dar conta deste contexto onde variam os objetivos das obras/projetos, suas opções estéticas, metas e modos. É um coletivo de artistas associados com intuito de fomentar esse espaço potente para a criação de suas obras, de forma colaborativa.

Podem afirmar, se assim desejarem, que um diretor tem as mesmas posturas que aqui defini como as de um coordenador. E o contrário. Outros farão outras escolhas. As conceituações tomam as formas e conteúdos definidos em cada contexto. E são importantes para o “aprofundamento” das ações e das relações. Mas é importante atentar para a “origem” destas palavras/conceitos, evitando desnecessárias relativizações, totalitarismos ou mergulhos niilista. Assim, rever os conceitos como partes isoladas, ou a partir de referências externas ao contexto em questão, descontextualizadas portanto, não é procedente, fragiliza o processo e dá inicio a uma marcha em círculos. Para além de boas ou más, as concepções são escolhas, e elas devem ser feitas e compreendidas em toda a sua extensão e complexidade, o que demanda tempo, paciência e humildade, para poder

assim conformar um trabalho dinâmico e potente. E mesmo para que, após as devidas apropriações e usos - o que, reforço, demanda tempo, provavelmente anos - possam mesmo ser ajustadas, repensadas e alteradas.

O NECITRA, enquanto núcleo artístico, é um espaço com muitas entradas e diversas saídas, com caminhos construídos e refeitos a todo o momento, através do método escolhido por cada um, partindo de suas concepções, objetivos e metas. O NECITRA tem um coordenador geral, mas terá tantos diretores (de obras) e coordenadores (de projetos) quanto forem os desejos, vontades e capacidade de organização e engajamento de seus integrantes.

*http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/coordenador

**http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=diretor

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(DES)TERRITORIALIZAÇÕES DO CORPOCIBORGUE: PISTAS SOBRE AS (IM)POSSIBILIDADES CONTEMPORÂNEAS DE PENSAR A EDUCAÇÃO NA SAÚDE

artigo 01 (des)territorializaçÕes do CorPoCiBorGUe: Pistas soBre as (im)PossiBilidades ContemPorÂneas de

Pensar a edUCação na saÚde

Alexandre Amorim1

resUmoNum tempo de fronteiras borradas entre corpos e máquinas, urge para as áreas relacionadas com a educação na saúde realizar movimentos de (re)pensar a ciborguização dos corpos. Este artigo visa a ofertar algumas pistas (im)pertinentes ao pensamento, aportando - para o campo dos estudos da educação na saúde - provocações sobre o corpociborgue e suas desterritorialização. Busca-se principalmente pensar pistas para perceber rebeldias (im)possíveis nas práticas formativas para a produção do cuidado. Movimentos nômades para que a vida possa escapar: rasgos nos territórios da clínica. Deslocamentos de realidade-ficção para subversão da norma no ensinar-aprender saúde, desconstrução do controle sobre o corpo. PalaVras-ChaVe: Educação na Saúde, Ciborgue, Corpo, Produção de Cuidado, Nomadismo.

CYBorGBodY (de)territorialization:ClUes aBoUt the ContemPorarY (im)PossiBilities of

thinKinG the health edUCation

ABSTRACTAt a time of blurred boundaries between bodies and machines, it is urgent for the areas related to health education to perform movements of (re)thinking the cyborgzation of the bodies. This article aims to offer some (im)pertinent clues to these thoughts, contributing - to the field of health education studies - teasings about the cyborgbody and their (de)territorialization. It seeks primarily to think of clues to acknowledge (im)possible rebellions in formative practices for care production. Nomad movements so that life can escape: tears in the clinic territories. Reality-fiction shifts to subvert the rules in teaching-learning health, deconstruction of control over the body. KEY-WORDS: Health Education, Cyborg, Body, Care Production, Nomadism.

1 Médico sanitarista e Doutorando em Educação pela UFRGS, é especialista em Saúde da Fa-mília com enfoque multiprofissional (pela PUC-PR) e mestre em Saúde Coletiva (pela UFRGS). Atua como Professor do Curso de Medicina da Universidade Federal da Fronteira Sul e Tutor do Programa Mais Médi-cos para o Brasil. Participa da Linha de pesquisa de Avaliação Educacional e de Processos e Resultados na Saúde no Grupo de pesquisa EducaSaúde - Educação e Ensino da Saúde na UFRGS. Link para Currí-culo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6526981441506694.

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ContemPoraneidade e a dissolUção de fronteiras CorPo-máQUina… As antigas fronteiras entre o mecânico e o biológico2 há muito dissolveram-se. A multiplicação das variadas formas conjugadas homem-máquina imaginadas pela ficção científica na segunda metade do século XX, juntamente com o desenvolvimento das tecnologias associadas, permitiram diversas incorporações orgânico-tecnológicas (sistemas biônicos, máquinas de suporte vital, biotelemetrias das mais variadas ordens). O termo ciborgue (em inglês cyborg; [cyb]-ernetic [org]-anism), inventado em 1960 por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline no artigo Cyborgs and Space3 continua a ser o referencial comum desses acontecimentos sendo então definido em termos de sua capacidade de incorporar deliberadamente componentes exógenos que estendem a autofunção de controle - regulação do organismo - a fim de adaptá-lo a novos ambientes (…) de forma automática e inconsciente mantendo constantes seus sistemas orgânicos4, objetivando um expressivo aumento de eficiência operacional visando, portanto, ser um paliativo das insuficiências do corpo5. O ciborgue é substrato - ao mesmo tempo imaginário e prático - para o desenvolvimento de possíveis ligações entre o ser humano (ou qualquer outro organismo) e a máquina: biológico-tecnológico. Pode residir em um corpo artificial (robótico/sintético/protético) podendo ou não ser regido por uma Inteligência Artificial (IA). Pode assim apresentar uma capa humana física-biológica, partes corpóreas naturais-humanas, estruturas orgânicas tecnologicamente modificadas, melhoradas ou adaptadas, ou ainda apresentar-se como um combinado - em qualquer ordem - destes componentes. Com sua peculiar propensão para a fusão, união e (re)montagem (tanto de peças como de conceitos), o ciborgue é ao mesmo tempo um ser material em fluxo constante, e uma corporeidade através da qual tornou-se possível imaginar novas imagens individuais e coletivas para perceber a pós-modernidade. Talvez por isso, a atenção acadêmica tenha se voltado para a questão do corpo ciborgue de maneira expressiva após a publicação do Manifesto Ciborgue, de Donna Haraway em 19856[6].

2 LE BRETON, 2013, p.205.3 Para descrever as vantagens do sistema homem-máquina de “auto-regulação ajustável” a diferentes ambientes e demonstrar a viabilidade de suas idéias em viagens espaciais, eles construíram o primeiro ciborgue: um rato com uma bomba osmótica implantada sob a pele, injetando produtos químicos a uma taxa controlada, criando assim um sistema fechado de auto regulação. (CLYNES & KLINE, 1960, p.28 [tradução livre])4 CLYNES & KLINE, 1960, p.28. [tradução livre]5 LE BRETON, 2013, p.204.6 O “Manifesto Ciborgue” é um documento estranho, uma mistura de polêmica apaixonada, teorização complexa e divertimento tecnológico. Haraway denomina-o um irônico mito político. Ela executa o truque nada insignificante de fazer com que o ciborgue se transforme de um ícone da Guerra Fria em um símbolo de liberta-ção feminista (…) quando argumenta que o ciborgue - uma fusão de homem e máquina - joga para a lata do lixo as grandes oposições entre natureza e cultura, self e mundo, que atravessam grande parte do nosso pensa-mento. (KUNZRU, 2013, p.25)

A gênese do corpociborgue7[7] tenta então se fazer explicar por uma finalidade: criar máquinas-humanas é, entre outras coisas, melhorar as condições ou explorar funções corporais humanas de maneira mais eficiente. Regulagem bioquímica a fim de mantê-lo no melhor nível de eficácia ou de saúde8[8]. Já que na organização operativa do Capitalismo em Rede9[9], faz-se (…) necessário, por todos os meios de atividade humana, substituir a natureza onde esta possa ser substituída (…) instaurando (…) mais espaço para a inércia humana (…) para (…) ocupar os operários10[10]. A transmutação imperativa do corpo em ciborgue encontra-se pois em curso e, desta maneira, discutir o ser humano e sua ciborguização não está proposto neste ensaio meramente como um debate intelectual sobre produtos imaginativos da Ficção Científica, mas como urgentes conversações sobre microeventos inscritos na contemporaneidade, já que o acoplamento vivo-máquina conquistou extensão e banalidade ao abranger a área médica e a vida comum11[11], onde tudo torna-se um “ato de escolha” modulável por meio da programação correta. Basta escolher no menu as pílulas12[12] ou as modificações corporais desejadas. Vivemos lançados inexoravelmente numa distopia biopolítica especulada por diversos autores há vários anos. O mercado, compelindo os corpos a se moverem através de fluxos incessantes de lançamentos de novos produtos de consumo e emoções pré-fabricadas igualmente comercializáveis que dissolvem as singularidades destruindo as possibilidades dos encontros. Neste contexto, a saúde vem também se transformando em um produto vendável, atenuando-se o limite entre a procura “fundada” e a compulsão consumidora de prescrições médicas13[13]. Desejo por bioimplantes ou biomelhorias para “melhorar-nos”, hibridizando-nos com as máquinas. Melhorias para lidar com as incertezas e imperfeições no cotidiano do consumo hipervalorizado. Vemos uma transição das ações de saúde antes voltadas apenas para os órgãos e sintomas para movimentos que tem como objetivo a supressão daqueles antes mesmo que estes possam surgir. Este modus vivendi contemporâneo vem produzindo, pois, tipos peculiares de atenção à saúde. Fortalecidos pelos avanços tecnológicos e pelo imaginário produzido pelos veículos midiáticos proliferam-se numa margem os tecnoprofissionais de saúde, médicos-programadores e em outra pacientes ciborgues, autômatos e descorporeificados. Um espaço-tempo

7 A palavra corpociborgue - bastante oportuna para este ensaio - apropria-se do conceito criado por REGO (2013) em atualização ao conceito de ciborgue de Donna Haraway (1985), evidenciando que o ciborgue é uma categoria/fenômeno que ocorre no corpo; estabelecendo (…) aproximações e conexões com teóricos contemporâneos que dialogam com o conceito de ciborgue de Haraway. (REGO, 2013, p.42)8 LE BRETON, 2013, p.204.9 O novo capitalismo em rede, que enaltece as conexões, a movência, a fluidez, produz novas formas de exploração e de exclusão, novas elites e novas misérias, e sobretudo uma nova angústia - a do desligamento. (PELBART, 2003, p.21)10 ARTAUD, 2007, p.34.11 LE BRETON, 2013, p.204.12 A ciborguização remete também a modalidades técnicas mais discretas, como a programação da afetividade cotidiana pelo recurso à psicofarmacologia. (LE BRETON, 2013, p.205)13 TEIXEIRA, 2005, p.7.

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onde a modelização das corporeidades é a tônica do existir. A existência deste corpo outro, portanto, se impõe como uma nova figuração para a subjetividade e consequentemente tema de especial interesse para os estudos da educação (e de maneira crucial na educação na saúde) enquanto pensamento-problema14[14], visto que a valorização da perfeição sintética do corpo ciborgue como norma pode facilmente resultar no surgimento de novas conformações sociais, que ao invés de afirmar a diferença a partir do hibridismo contido em seu existir, paradoxalmente emprestarão sua potência para o fortalecimento de um modelo identitário, onde não haja espaço para a afirmação da vida. Os aprendizados nos cursos da área da saúde apresentam-se incapazes para a apreensão das intensidades que se insurgem de tais corporeidades, e assim, favorecem a composição de perversos planos produtores de poder sobre os corpos, “curando-os”, normatizando-os, controlando-os e, biotecnomedicalizando-os. Na superação desta perspectiva, buscando possibilidades na educação para a produção do cuidado, surge como impostergável a invenção de novos conceitos-dispositivos (ou mesmo composição híbrida destes com outros já existentes): intercessores para futuros profissionais de saúde em seus percursos formativos, acionando espaços de produção de outros sentidos (e significados) na produção do cuidado. Em tempos de ciborgues, nomadizar é preciso… edUCação na saÚde e as (im)PossiBilidades de desterritorialização: alGUmas Pistas… Existir é expor-se a normas, estruturas e limites. Inibição pelas circunstâncias, ordenação do presente. Já nascemos classificados com base em nossos órgãos genitais. Aprendemos línguas e como nos comportar nas mais variadas situações e cenários conforme protocolos específicos. Corpos identificados, organizados e estratificados. E ali está a escola. Ensina-se: Pare no vermelho, atenção no amarelo e siga no verde, mas todas as cores acendem ao mesmo tempo. E então? Como lidar com a multiplicidade, com o instável, com o inesperado, com o imprevisto? E mais ainda como ver através das mensagens turvas o que o socius espera de seus componentes? É neste território que podemos encontrar a condição de possibilidade das novas configurações em que se inscrevem os discursos sobre o corpo ciborgue15[15] e consequentemente a emergência de lidar com estes discursos a partir da educação na saúde. Ao deparar-nos com os conteúdos revelados por corpos ciborgues temos que nos perguntar o que se esconde sob as dobras da comunicação e que silêncios povoam o discurso. Há de se inventar ouvidos para ouvir o silêncio, produzir deslocamento, criar uma escuta nômade, não vinculada à territórios estanques,

14 (…) um pensamento-problema no lugar de um pensamento- essência ou teorema, um pensamento que faz apelo a um povo em vez de se tomar por um ministério. (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.40)15 LIMA, 2005, p.3.

sedentários, desatrelada dos esquemas vigentes de poder instituídos. Pistas de uma pedagogia permissiva de potentes agenciamentos com corpos em sofrimento nos interstícios do discurso, seja este povoado por elementos-dispositivos sintomáticos ou não. Conversações com corpos em estado de greve, capturados, que gritam - silenciosamente ou não - em sua rebeldia. E nos lembremos sempre de que a rebelião nasce na periferia e nunca no centro e assim toda ciência nômade se desenvolve excentricamente16[16]. Desafio de nomadizar a Educação na Saúde17[17], produzir uma pedagogia capaz de fazer interagir de maneira rizomática – e poética – a ficção, as ciências e a inventividade em busca de outreidades, que promova a rebeldia e a subversão em nossos cotidianos. Acolher corporeidades que se insurgem pedindo a desterritorialização da escola. Invenção de outros possíveis. Justifica-se destarte, a necessidade de uma proposta para a educação na saúde que possa empreender a experimentação de movimentos de desterritorialização, nomadismo, ensejando romper com as ontologias excludentes que configuram as topografias pedagógicas normal/anormal, dentro/fora, incluir/excluir, homem/máquina, orgânico/inorgânico, etc18[18]. Abertura aos abalos, disponibilidade em aprender com o inédito, em suportá-lo. Para o qual se necessita inventar uma maneira de ser e estar no mundo, objetivamente: uma ética, um princípio de atividade desde onde se produza conhecimento19[19], considerando que em conversações que envolvam pensar o corpo e suas interfaces seremos obrigatoriamente empurrados a lidar com as linhas de poderes hegemônicos mantenedoras das máquinas de captura do sistema e com as intencionalidades dos próprios corpos envolvidos. A heterotopia da produção de cuidado como dimensão pedagógica dos encontros e experiências que nos sucedem, e que pode-se dar pela capacidade de abertura e atenção ao que nos passa, às oscilações do campo, e às composições que efetuamos a partir delas20[20], visto que uma corporeidade que se insurge solicita compulsoriamente (e de maneira inadiável) a fluidificação/fruição dos saberes-fazeres na produção do cuidado: a desterritorialização da terapêutica. Conhecimentos não capturados em mimetismos do discurso científico dominante. Invenção de possíveis na educação em saúde. Em tempos de corpos-máquina - produzidos e serializados em cativeiro - precisamos recordar de dispositivos mais potentes para ouvir, ver e sentir que acontecimentos atravessam os corpos e transmutam os territórios por onde correm os desejos. Perceber que conexões entre corpo e tecnologia (…) possibilitam a

16 DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.2017 (…) por mais que o trajeto nômade siga pistas ou caminhos costumeiros, não tem a função do caminho sedentário, que consiste em distribuir aos homens um espaço fechado, atribuindo a cada um sua parte, e regu-lando a comunicação entre as partes. O trajeto nômade faz o contrário, distribui os homens (ou os animais) num espaço aberto, indefinido, não comunicante. (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.43)18 PLANELLA, 2009, p.23. [tradução livre]19 FARINA, 2001, p.15.20 FARINA, 2001, p.15.

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experimentação de novas sensações corporais21[21]: Quais linhas de força tensionam os corpos - em suas existências - a desterritorializarem-se e quais movimentos de captura os reterritorializam? Podem ser inventadas linhas de força para abrir brechas que permitam a insurgência das corporeidades-cativas, autômatas? Qual a potência desse devir? Contra-memória como subversão: movimentos de nomadismo num território narrativo sedentário22[22]. Desmembramentos diversos. Para uma geração que se esqueceu do que seus órgãos deveriam não-estar fazendo, aprendizados esquecidos de corpos que podem desejar sem pré-programação. Corpo como devir. Como um lugar para a produção do extraordinário, do polimórfico, dos prazeres. Esquecer para que serve e aprender o que pode fazer. Experimentos com o corpo, arte, decomposições do corpo, desmantelamento do organismo: corporeidades em anarquia. Experiências técnicas de liberação/libertação. A resistência a um poder multiplicador. Construção de rizomas que implicam conexões novas experiência-vivência-inteligência. Nesta perspectiva, ser humano significa avançar para além e aquém - do organismo, da significância e da subjetividade - liberando linhas de fuga e alterando valores de identificação. Assim todos os corpos encontram-se em iminente processo de escape, potencial de tornar-se vivo, vida como vontade de potência, educação como urgência de nomadizar trajetos e territórios23[23]. Assim, uma vez inseridos num tempo de ciborgues, talvez possamos pensar um outro corpo implicado com a compreensão dos contextos micropolíticos – múltiplos - e dos devires insurgentes envolvidos no traçado dos encontros. Então, uma outra educação na saúde (e para além dela), feita de perspectivas novas, inovadoras. Inauguração subversiva de novos e inéditos agenciamentos de enunciação, pistas moventes para corporeidades que se rebelam. Tarefa incansável - ética, estética e política - de agenciar linhas de fuga que permitam aos corpos insurgentes brechas por onde possam corporeizar novos territórios por onde fluir desejo de vida. mais alGUmas Pistas À GUisa de (in)ConClUir-se… Ao visibilizar as transformações ocorridas a partir das tecnologias, devemos levar em consideração que a despeito de existirem dispositivos biotecnológicos com os quais lidamos todos os dias e outros sendo estudados em diversos centros de pesquisa (e que podem ou não vir a serem parte da nosso cotidiano) nenhum destes devem ser ignorados, pois são produzidos - e produzem - sinais e ruídos envolvendo variadas questões éticas, estéticas e políticas, essenciais para

21 PLANELLA, 2006, p.20. [tradução livre]22 (…) o espaço sedentário é estriado, por muros, cercados e caminhos entre os cercados, enquanto o espaço nômade é liso, marcado apenas por “traços” que se apagam e se deslocam com o trajeto. (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.43)23 O nômade tem um território, segue trajetos costumeiros, vai de um ponto a outro, não ignora os pontos (…) Mas a questão é diferenciar o que é princípio do que é somente conseqüência na vida nômade. Em primeiro lugar, ainda que os pontos determinem trajetos, estão estritamente subordinados aos trajetos que eles determi-nam (…) (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.42)

problematizar o próprio existir. A busca - como percurso - encontra-se para além da escuta. Mais do que qualquer neurotransmissor (elemento principal condutor do discurso médico contemporâneo) faltam outros dispositivos capazes de fazer deslizar pela vida. Em algumas situações, falta ao corpo inclusive, a própria vida. É preciso escutar não só o que se faz ouvir mas também sair dos trilhos – delirar – para escutar os silêncios, o não-pronunciado, o calar repleto de signos e significados. Proceder um agenciamento entre elementos que se dissolvem na gênese de novas composições. Trazer o corpo ausente ao cenário. Perceber por onde escapa o vivo no ciborgue. Emerge daí a necessidade da construção de pactos imprevisíveis por uma ética na educação que não busque instituir normas que sirvam – em módulo – como fórmulas de adequação. Clamor pela produção do olhar subversivo - rebelde à hiper-medicalização realizada pelo médico- programador sobre o paciente-console - que abdica dos conjuntos-simbólicos-sindrômicos e os rejeita incondicionalmente. Escrita de insignificâncias: potência de vida, que revela brechas, que rompe com o instituído, que cria em errâncias, novos possíveis. a partir dos afetamentos - em seu acontecimento intensivo, sensacional - (com)fabular a produção de um plano nômade, movediço e temporário ao corpociborgue: (des)conexões, compartilhamento de intuições e delírios, agenciamentos criativos cuidado-alteridade, desconstrução de identidades pré-fabricadas, educação para a liberdade e para a autonomia, rebeldia dos corpos à medicalização, a luta incondicional pela afirmação da vida, onde quer que seja (im)possível que ela aconteça. Que seja possível ensinar e aprender não sobreviver, mas sobre o viver.

referÊnCiasARTAUD, Antonin. Escritos de um louco. São Paulo: Coletivo Sabotagem, 2007. CLYNES, Manfred E.; KLINE, Nathan S. Cyborgs and space. Astronautics, v. 14, n. 9, p. 26-27, 1960. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 5. São Paulo: Editora34, 1997. v.5. FARINA, Cintia. A pedagogia dos afetamentos. ANPED, 24a, 2001. HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, Tomaz. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. p.33-118.

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KUNZRU, Hari. Você é um ciborgue: Um encontro com Donna Haraway. In: TADEU, Tomaz. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. p.33-118. LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Papirus, 2013. LIMA, Homero Luis Alves de. Do corpo-máquina ao corpo informação: o pós humano como horizonte biotecnológico. Anais XXIX Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu, 2005. TEIXEIRA, João Marques. Editorial: Depressão e pós-modernidade. 2005. Disponível em: <http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/vol7_rev2_editorial_3.pdf>. PELBART, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003. PLANELLA, Jordi. Corpografías: dar la palabra al cuerpo. Artnodes, Número 6, 2006. __________ . Ser Educador Entre Pedagogía y Nomadismo. Barcelona: Editorial UOC, 2009. REGO, Isa Sara. Corpos virtualizados, danças potencializadas: atualizações contemporâneas do corpociborgue. 2013. Dissertação (Mestrado) - Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador. 2013.

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126Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance Grafia Líquida de Lu Trevisan - Foto: Gabriela Trevisan

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PLANO DE O ENSINO DA DANÇA E SEUS BENEFÍCIOS EM UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

artigo 02o ensino da dança e seUs BenefÍCios em Um

Centro de atenção PsiCossoCial

Cristina Soares Melnik1

Cleni Terezinha de Paula Alves2

resUmoEste artigo apresenta o ensino da dança em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Uma oficina de dança realizada na instituição em 2014 é relatada, tendo como base o referencial da Pedagogia Histórico-Crítica. Além disso, são ressaltados diferentes benefícios que a prática pedagógica da dança é capaz de oportunizar aos usuários do CAPS, pessoas adultas com transtornos mentais graves e persistentes, em processo de produção não apenas de suas danças, mas de suas próprias existências.

PalaVras-ChaVe: Dança. Ensino. Pedagogia. Centro de Atenção Psicossocial.

the teaChinG of danCe and it’s Benefits in a PsYChosoCial Care Center

ABSTRACTThis article presents the dance workshop that occurred in a Psychosocial Care Center in 2014, based on the framework of Historical-Critical Pedagogy. Moreover, this study emphasizes different benefits that the dance practice is able to produce to users of Psychosocial Care Center, adults with severe and persistent mental disorders in production process not only of their dance, but of their own existence too.

KeYwords: Dance. Education. Pedagogy. Psychosocial Care Center.

1 Mestre em Medicina: Ciências Médicas, Psicóloga, Licenciada em Dança. Ministrou a oficina de dança no CAPS em 2014. http://lattes.cnpq.br/02336144827450982 Educadora Física, com aperfeicoamento em Saúde Mental Coletiva pela Secretária Municipal de Saúde de Porto Alegre. Colaboradora da Hospital de Clínicas de Porto Alegre. http://lattes.cnpq.br/8842692244861420

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introdUçãoO Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um serviço que atende pessoas

adultas com transtornos mentais graves e persistentes, caracterizando-se como um serviço substitutivo ao modelo hospitalocêntrico. O CAPS do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) funciona desde 2000, e em 2014, contou com a parceria da Descentralização da Cultura, que disponibilizou um professor Licenciado em Dança para ministrar aulas de dança na instituição. A Descentralização da Cultura é um programa da Secretaria da Cultura do município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que oferece oficinas de artes, tais como dança, música e teatro, para diferentes regiões e públicos da cidade

O presente artigo objetiva apresentar a oficina de dança que foi realizada no referido CAPS em 2014, tendo como base a Pedagogia Histórico-Crítica, e citar diferentes benefícios que a dança é capaz de proporcionar aos usuários do CAPS. Conforme a Pedagogia Histórico-Crítica, a constituição biológica do ser humano não significa a efetiva humanização. Para nos tornarmos pessoas, precisamos nos apropriar do que outras gerações produziram, incorporaram, superaram, transformaram, o que nos transfere de um mundo natural para o mundo da cultura (Marsiglia e Martins, 2013), precisamos produzir continuamente a própria existência (Saviani, 2011). Neste trabalho, propomos as aulas de dança para pacientes psiquiátricos enquanto espaços de aprendizagem e criação, objetivando, através da cultura, a reinserção desses alunos em espaços sociais.

mÉtodoEntre julho e dezembro de 2014 foram ministradas aulas de dança no CAPS

do HCPA. O público-alvo foi composto por homens e mulheres adultas com idade a partir de 18 anos. As aulas de dança foram ministradas por um profissional Licenciado em Dança, em parceria com o programa Descentralização da Cultura, da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. A intervenção teve periodicidade semanal, e aulas tiveram duração de duas horas cada. A oficina é brevemente apresentada, tendo como base a Pedagogia Histórico-Crítica. São também citados alguns benefícios que a dança é capaz de proporcionar aos usuários do CAPS. Os benefícios foram ilustrados com frases ditas pelos participantes no decorrer das aulas de dança.

resUltados e disCUssãoAs aulas de dança no CAPS foram realizadas por um profissional Licenciado

em Dança na coordenação. Funcionários das áreas da educação física e terapia ocupacional, bem como acadêmicos de pedagogia e educação física participaram das aulas como facilitadores em necessidades subjetivas e

coreográficas. As aulas de dança iniciaram com a participação de oito usuários, que

realizaram a inscrição por interesse e estiveram presentes desde o início da atividade. Do total, sete (87,50%) permaneceram até as atividades finais, que incluíram as apresentações. Um participante (12,5%) desistiu no mês de outubro, um mês antes do início das apresentações públicas em teatro e outros eventos. A combinação inicial foi a de que o grupo permaneceria com os mesmos participantes, sem novas adesões. Porém, durante o segundo e terceiro mês de oficina, foram solicitadas mais cinco inscrições, o que totalizou treze pacientes participantes. Dos cinco que foram incluídos no decorrer da oficina, três (60%) foram até o final, e dois (40%) desistiram. Considerando todos os treze pacientes participantes, dez (76,92%) permaneceram até o final da oficina.

As aulas eram compostas de atividades que envolviam a criatividade na elaboração de movimentos, a interação com os colegas, o respeito ao limite e às potencialidades individuais, a responsabilidade com o grupo, bem como a aprendizagem de movimentos codificados de determinados estilos de dança (tais como forró, kizomba e dança do ventre) para posterior desconstrução e elaboração de novas formas de mover-se nas músicas, que serviam como estímulo. Além disso, as aulas exigiram atenção e empenho no desenvolvimento de um trabalho coletivo, que ao mesmo tempo em que produzia uma obra artística (coreografia) do grupo como um todo, criada e executava coletivamente, possibilitava espaços de produção individual (solos), em que os participantes poderiam demonstrar sua dança pessoal, sua produção, onde produto (coreografia) e criador (usuário-artista) se misturam.

Se a vida é tratada de maneira pragmática e fragmentada, não nos eleva ao máximo desenvolvimento e faz de nós os sujeitos alienados (Marsiglia e Martins, 2013). O espaço de dança no CAPS é um ambiente capaz de integrar diferentes aspectos da vida, de valorizar as potencialidades de cada participante, independente de seu diagnóstico psiquiátrico.

Por fim, a obra artística/coreográfica criada pelo grupo e apresentada em alguns eventos encerrou com os usuários ensinando a plateia a dançar. De acordo com a Pedagogia Histórico-Crítica, o ensino deve possibilitar as condições de transmissão e assimilação, então é preciso dosá-lo, de modo que o aluno passe do seu não-domínio ao seu domínio (Saviani, 2011). Essa aprendizagem, proporcionada aos pacientes na aula de dança, é clara no momento em que os pacientes ensinam a plateia a dançar. Cada usuário, agora artista, ensina para a plateia uma parte da coreografia, com base nas aprendizagens oriundas das aulas de dança, mas conforme seu domínio. Um a um, sugerem verbalmente ao público que dancem também, que interpretem a música. Com um microfone, explicam alguns códigos de movimento, formas de interpretar a música. Após, professora, pacientes, funcionários e plateia dançam juntos.

Em termos de benefícios oriundos da prática pedagógica de dança

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na instituição, foram identificadas sete principais categorias nos discursos dos participantes. Os benefícios foram ilustrados com os depoimentos dos usuários:

Autocontrole: “Eu cuidei para não surtar, para não precisar internação, porque eu queria vir para a dança.”

Interação: “O (colega da oficina) chegou muito fechado e hoje é um par que dança um monte.”

Alteridade: “Foi uma dança dividida, onde um ajudou o outro.”Motivação: “Faz muito bem, é a parte que eu mais gosto. Sem a dança, eu

não sinto muita graça de vir.”Superação: “No começo, não era barbadinha. Depois que eu aprendi

achei bom, gostei.”Introspecção: “Mexe com o espírito, com a alma. A dança é um dom que

mexe com a gente, com o nosso sentimento.”Independência: “Tá saindo, tá colhendo frutos. O pessoal já tem noção do

que é pra fazer. Agora, é desenvolver por si só.”Aos alunos, cabe a aprendizagem de forma ativa, dinâmica e concreta, e

a utilização do que aprendem em favor de si mesmos (Oliveira, 2013), colhendo os frutos e desenvolvendo “por si só”, de forma autônoma, crítica e criativa seus próprios movimentos, seja nas aulas de dança ou em espaços e tempos que vão além do período das aulas.

ConsideraçÕes finaisO CAPS é um espaço não formal para o ensino da dança, centrado na saúde

de pessoas em sofrimento psíquico. O ensino da dança no CAPS, influenciado pela Pedagogia Histórico-Crítica, abre espaços para a produção de trabalhos individuais e coletivos que permitem o desenvolvimento pessoal e a reinserção dos usuários em espaços sociais. Seja durante as aulas ou nos momentos em que apresentam a coreografia elaborada, os usuários do CAPS desenvolvem o autocontrole em relação às possíveis crises, interagem com os colegas, reconhecem a importância da troca de experiências, motivam-se para o autocuidado e manutenção do tratamento, superam as próprias capacidades através de novas aprendizagens, refletem acerca de si mesmos, e produzem, criam, constroem apropriando-se de conhecimentos adquiridos durante as aulas e transformando-os, dominando-os, produzindo continuamente não apenas as próprias danças, mas também as próprias existências.

referÊnCiasMARSIGLIA, Ana Carolina Galvão; MARTINS, Ligia Marcia. Contribuiçoes da

Pedagogia Historico-Crítica para a formaçao de professores. Germinal: Marismo E Educaçao Em Debate, v.5, n.2, 2013, p. 97–105.

OLIVEIRA, Juliana Pereira Franco de. O conceito de educaçao na Pedagogia Histórico-Crítica. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2013, 95p.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica primeiras aproximações. 11ª Ed. Campinas: Autores Associados, 2011, 137p.

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134Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance Grafia Líquida de Lu Trevisan - Foto: Gabriela Trevisan

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Por outras intensidades diagnósticas: devir-mundos e deficiências

artigo 03Por oUtras intensidades diaGnÓstiCas:

deVir-mUndos e defiCiÊnCias

Daniele Noal Gai1

“o amor é lugar de qualquer um..” – daninoal

resUmoO artigo “Por outras intensidades diagnósticas: devir-mundos e deficiências” apropria-se do heterônimo e/ou alter ego de Manoel de Barros, seu amigo Bernardo da Mata, para dissertar sobre outros modos [im]possíveis de dizer da marca da deficiência. Procura, como forma, uma variação na escrita acadêmica, tal que seja fortemente absurda e [se possível e por acidente] poética. Transversalmente, faz um recorte nalgumas ações de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na UFRGS, bordando sentidos com os planos filosóficos, científico e artístico. Trata de uma mudança na prática diagnóstica? É outra forma de olhar os corpos da diferença, os corpos que pululam, corpos que se artistam, corpos que se compõem... Isso tudo em meio ao divergente, ao dissenso, num fazer-se escola contemporânea. É isso que está se abrolhando...

PalaVras ChaVe: Diagnóstico. Deficiência. Educação. Poesia.

1 Daniele Noal Gai, escreveu a Ética do Brincar. Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua na área de educação especial e na sua entrecomposição com áreas como a filosofia, a antropologia e as artes.

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introdUção: “o GUindaste Para leVantar Ventos2”

“Uma desbiografia: Bernardo morava de luxúria com as suas palavras.

Para nós era difícil descobrir o contextodaquela união.

Nossa linguagem não tinha funçãoexplicativa, mas só brincativa.

Como seja: ontem Bernardo fez para nósUm ferro de engomar gelo!

Toninho disse que Bernardo dementavaas palavras.

Ele viu, diz que, uma formigafrondosa com olhar de árvore.

Formiga frondosa?

(Essa formiga frondosa não seria paramudar um pouco a feição da natureza?3)

I - O poeta dedica alguns de seus textos ao “escutamento” de pessoas, bichos, sentimentos, coisas... O poeta contorna com relevos o ínfimo. Põe em tons destacados os encontros que faz com os mil mundos da infância.

II - Os olhares das crianças pequenas enxergam belezas nas formigas, e não temem adjetivá-las. Os olhares das formigas espelham árvores. Ambas ficam frondosas.

III - Como não criar curiosidades pelo sotaque de silêncio de seu companheiro de infâncias, o Bernardo? Como não se debruçar nas inúmeras aparições deste personagem na poesia de Manoel? Cenas com indícios de que o menininho-da-Mata encantava a natureza com sua “aparecencia”. Ele “dementava as palavras” e tinha “sabimentos”, tudo ao mesmo tempo.

IV - Não são criados estereótipos. Nem diagnósticos. Nem estigmas. Nem protótipos. Nem prognósticos. Nem nomenclaturas. Nem neologismos. Nem eufemismos. Nem animosidades. Nem disfarces. Nem se quer vizinha isto.

V - De um jeito “brincativo” alunos são inscritos aqui:

2 BARROS (2011).3 Optou-se por fragmentar a poesia transcrita neste artigo. Ela pode ser encontrada num livrinho cor de laranja, escrito por Manoel de Barros, que tem em seu interior pequenos versos, um formato diferente e que aparenta dobraduras, além de trazer alguns desenhos do próprio autor. A divisão da poesia deve-se à vontade de retirar forças dissertativas e diagnósticas, assim como, ao desejo de capturar intensidades poéticas.

1 – achavam suspeitos os desenhos ininterruptos e em forma de coração, era como se aquela menininha fizesse caligrafia em todos os seus trabalhos [diagnóstico de síndrome de down curável];

2 – achava graça das velhas e sorria ao assistir novelas, quando o conheci alertaram sobre sua inadequação social e agressividade [diagnóstico de síndrome de down das mais severas];

3 – era apaixonado pelo colega Fabiano, sabia os números romanos para lá de 1000 e seus desenhos eram usados para as ilustrações dos cartões comemorativos que a escola vendia ou usava para presentear os amigos contribuintes [diagnóstico de psicose e homossexualismo];

4 – dormia sobre a mesa, quando cutucado pela comida: lia, escrevia, falava, brincava, tagarelava, etc. [diagnóstico de déficit de atenção sem hiperatividade e sem impulsividade];

5 – ela passeava pelo pátio da escola e se recusava a fazer as atividades em sala de aula, buscava uma árvore, a mesma sombra de sempre, e desenhava suas respostas certas para as perguntas provocativas da professora [diagnóstico de autismo e suspeita de surdez];

jUstifiCatiVa: “Um ferro de enGomar Gelo!4”

Bernardo amava a carícia dos caracóis.Ele fez um outro brinquedo de palavras

Para nós: O guindaste para levantar VentosEle tinha visões que remetiam a gente

para a infância.Como seja: Eu hoje vi um pedaço de

Tarde no bico de um sabiá.Ou tipo assim: Eu vi uma borboleta

emocionada de pedra!Ele disse que viu ainda um calango

espichado nos braços da manhã.Bernardo sempre nos parecia que

morava nos inícios do mundo”.(BARROS, 2011, s/p).

4 BARROS (2011)

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metodologias: “eu vi uma borboleta emocionada de pedra!5”

I - Passos para idiodiagnosticar6:

1 – sugere-se uma breve pesquisa sobre Bernardo da Mata na obra de Manoel de Barros, procure sublinhar ou grifar;

2 – retire excertos que denotem características de Bernardo, descritas aos moldes Manoel de Barros, e anotem em um caderninho;

3 – destes excertos retire palavras;

4 – destas palavras retire forças;

5 - construa, assim, outras maneiras de senti-lo, diagnosticá-lo, pensá-lo: inventemos outras intensidades diagnósticas?

II – Um exemplo de resposta para o exercício proposto, construção realizada via plataforma moodle por Elisandro:

2. Bernardo já estava árvore quando eu o conheci.Quando estávamos acostumados com aquele bernardo-árvore.Ele bateu asas e avoou.Com as palavras se podem multiplicar os silêncios.

3.AsasPassarinhoSilêncioBrisas

4.Mo[v]im[ento]PensagemInstantes Quaisquer

5 BARROS (2011)6 Estes passos para idiodiagnosticar foram extraídos de uma das atividades implementadas juntos aos acadêmicos de graduação - estudantes com diversificados históricos acadêmicos, em níveis diferentes de formação, alguns nos primeiros semestres, outros cursando a segunda graduação e muitos já atuantes na educação básica - que cursam licenciaturas.

5. Pensagens que criam vida em Instantes Quaisquer. Para Deleuze [em Cinema 1 – Imagem Movimento] diz que os Instantes Quaisquer rompem com a lógica dialética do movimento, das poses, dos momentos e instantes privilegiados, abre-se a possibilidade para considerar o tempo, e o movimento em uma variável independente, equidistante. Nesse movimento somos capazes de pensar a produção do novo, a Pensagem. Essa Pensagem [Instante Quaisquer] é o hiato, o intervalo, entre a ação e a reação, entre pensamento e imagem, movimento e tempo.

III – Outro exemplo de resposta para o exercício proposto, construção realizada via plataforma moodle por Luísa:

2.“Homem percorrido de existências.

3.... 4.Espraiado na tarde...”

5.

desenVolVimentos: “amo tontos do QUe sensatos7”

I - As perguntas disparadoras de ações, estranhamentos, silenciamentos, fotocartografias:

7 BARROS (2011)

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1 - Como criar outras intensidades diagnósticas?

2 - Como criar com isto outros dispositivos de subjetivação em educação?

3 - Como criar dispositivos de subjetivação e devires outros para aquele que carrega a marca da deficiência?

4 - Como descontruir marcas de incapacidade e inaptidão para aprender?

5 – Como criar caminhos múltiplos de aprendizagem: que age, olha, sorri, inventa, cria, pensa, confronta, fofoca, erra, estraga:

O Menino Selvagem (L’enfant sauvage), direção de François Truffant, França, 1970. Jean Marc Itard, no início do século XIX, deu enorme contribuição à Educação Especial, quando tentou educar e integrar a sociedade o menino Vitor, chamado de “O Selvagem de Aveyron”. Suas pesquisas são a base de muitos estudos atuais, em diversas áreas da educação e da medicina. Até então, não existiam estudos tão aprofundados na prática educacional para pessoas com deficiência. - [Fotocartografia de aula produzida por Marcelo, capturada no Youtube].

Pergunta sem resposta. Cena do filme “As coisas simples da vida”: Esvaziar-se de toda erudição, encher-se de ignorâncias. Esvaziar-se de excessos, entupir-se de vazio. Preencher o vazio com “voos fora da asa” (Manoel de Barros, 2011). Quebrar o gesso curricular. [Fotocartografia de aula produzida por Olívia].

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desfiando a obra de arthur Bispo do rosário: desdobramentos possíveis entre arte, educação e exclusão social. Este relato de experiência quer mostrar o estudo acadêmico e os seus desdobramentos, originados na Disciplina de Intervenção pedagógica e necessidades educativas especiais, oferecida pelo Departamento de estudos básicos, da Faculdade de Educação - UFRGS. Foram provocadas experimentações, estudos e reflexões acerca de questões ético-político-educacionais que envolvem a atuação docente junto a pessoas com deficiência. Nessa disciplina, ocorrida no primeiro semestre letivo de 2012, havia a previsão de um primeiro bloco de experimentações: uma visita a exposição das obras de Arthur Bispo do Rosário em mostra no município de Porto Alegre. Os acadêmicos-alunos produziram imagens referente a visitação. Para alguns, foram necessárias duas visitas à exposição e um aprofundamento em outros referenciais que se remetessem a Bispo. Para a produção das imagens, foi realizada uma oficina de fotografia, utilizando-se da técnica de quimigrama. Além disso, como desdobramento da produção das fotografias, criaram-se poemas devido a intensidade e afecção produzida pela experimentação. Como resultado, reuniram-se as fotografias e os poemas num único espaço, num pano-retalho que seria descartado, que seria colocado no lixo. Restaurou-se a Obra de Bispo com Arte, tecendo poesia e imagens em um pano-retalho. Conclui-se que produzir Arte é um “[...] campo privilegiado de enfretamento do trágico” (ROLNIK), onde diversas possibilidades de intervenções pedagógicas podem ativar a memória do sensível daquele que observa, daquele que se coloca a observar o lugar do outro, neste caso específico, daquele outro que durante muito tempo foi excluído, como o consagrado Arthur Bispo do Rosário - [Fotocartografia de aula e texto publicado em evento por Carlos].

ConClUsão: “É Por ter PaiXÕes QUe o homem assoCia ideias8” [?]

“O sujeito se define por e como um movimento, movimento de desenvolver-se a si mesmo. O que

desenvolve é sujeito. Aí está o único conteúdo que se pode dar a idéia de subjetividade:

a mediação, a transcendência. Porém, cabe observar que é duplo o movimento de

desenvolver-se a si mesmo ou de devir outro: o sujeito se ultrapassa, o sujeito se reflete” (p.93).

“Em resumo, crer e inventar, eis o que faz o sujeito como sujeito” (p.93).

“Nesse sentido, o sujeito reflete e se reflete: daquilo que o afeta em geral[...]” (p.94).

Passo-a-passo-a:

1 - Conversações;

2 - Filosofia;

3 - Fotografia;

4 - Literatura;

5 - Parafernálias.

O que quero te dizer é que quando leio o que circula por essas redes de comunicação ou ouço o que se diz nesses encontros de especialistas, a maioria das vezes tenho a impressão de que aí funciona uma espécie de língua de ninguém, uma língua neutra e neutralizada da qual se apagou qualquer marca subjetiva. Então o que me acontece é que me dá vontade de levantar a mão e perguntar: Tem alguém aí? Além disso, sinto também que essa língua não se dirige a ninguém, que constrói um leitor ou um ouvinte totalmente abstrato e impessoal. Uma língua sem sujeito só pode ser a língua de uns sujeitos sem língua. Por isso tenho a sensação de que essa língua não tem nada a ver com ninguém, não só contigo ou comigo, mas com ninguém, que é uma língua que ninguém fala e que ninguém escuta, uma língua sem ninguém dentro. Por isso não pode ser nossa, não só porque não pode ser nem a tua nem a minha, mas também, e, sobretudo, porque não pode estar entre mim e ti, porque não pode estar entre nós (FIM DE

8 DELEUZE (2001)

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JOGO, LARROSA, 2005, p. 25).

• Nem uma resmunguenta nem uma revolucionária – mas o bicho se adequando com as coisas?

• Ocorre o fim de alguns modos, dos mais simples até transpassar a invenção complexa das coisas? Ocorre um encerramento de pensamento aventureiro e despropositado das coisas?

• Brincar com todos os verbos? Brincar com muitos adjetivos? Brincar juntos com sujeitos...

Aos pedagogos nos foi posta uma cara de expertos, de políticos, de jornalistas e de funcionários. E modulamos nossa voz para que corresponda às máscaras de papelão que constituem essas posições. Por isso a linguagem dominante no campo é uma mescla pastosa, pegajosa e totalitária das línguas de todos esses grêmios. Além disso, a maioria de nós vive encurralada, em espaços universitários postos a serviço do governo e completamente mercantilizados. Como se fosse pouco, o imperativo dos dispositivos da “pesquisa” e das constrições da “carreira acadêmica” nos obrigam a escrever, e a publicar, de uma forma completamente absurda, inútil e enlouquecida. Escrever (e ler) se converteram em práticas espúrias e mercenárias encaminhadas à produção de textos orientados, sobretudo, aos comitês de avaliação e aos organismos financiadores de projetos de pesquisa. As formas institucionalizadas de escrever expulsam os que têm língua, os que pensam o que dizem e os que não se acomodam às formas coletivas e gregárias de trabalho que se nos impõem. Nesta época de indigência deveria bastar ler. E, se trabalhamos na universidade, deveria bastar transmitir o que lemos. Deveria bastar dar a ler. E tratar de propiciar a leitura, a escritura, a conversação e o pensamento. Como naqueles tempos remotos em que ainda se estudava. (LARROSA, 2010, p. 115).

• Experiência pela paixão? Experiência pelo coração? Experiência pelo desejo dalgum encontro?

• Nenhum de nós teria como definir antecipadamente do que se trata pensagem, talvez, um grupo pensagem, em grupo e a produzir conceitos, conversações, leituras e escrituras, sim. Vimo-nos inflar e flutuar; afundar e boiar; inspirar e espirar; encher balões e soltar ao vento; armar guarda-chuva; se deixar molhar; encontramo-nos com os acontecimentos doutros e provocá-los com os nossos. “Mais a abertura de um lugar vazio para o pensamento, para a leitura, para a escritura e para a conversação que não a formulação de uma alternativa teórica, metodológica ou, inclusive, política”.

• Conversação = enunciação = limbo

• Cartas transpassadas

• Vida mundana, vida tecida

• Nem a vida, nem a experiência, nem as zonas-entre-nós tem retas ou um pontos

• Primeiro bloco: paixão; segundo bloco: abertura; terceiro bloco: exposição

• Algo que tire o ar, com espanto e traga o ar com suspiros / o local da liberdade está na respiração / alguém quer ir embora quando se sente asfixiado

• A educação entra em análise considerando cada uma das categorias vívidas-vividas: de inícios despropositados, de paixões, de ferimentos pequenos, de sobras desnecessárias e de minúsculo – sensíveis - fragmentos de paraíso. É preciso ceder às obsessões, à fixação por pequenas causas, se levar por amores novos e intensos que revigoram.

• Presentes listrados. Pacotes de bolinhas. Sacos de pão. Tudo serve à pesquisa quando se está atento ao que poder ir ao papel e mudar os rumos – bem pequenininhos – da educação.

• Miniexperiências. Micromundos. Micropolítica do sensível. Coisas miúdas.

• Granulações são disparadores das letras, dos encadeamentos, das junções, do que pode ser acolherado com as letras...

Por isso aqui, no limbo, o principal não é interrogar o que somos, mas onde estamos. E isso para ir embora imediatamente”. Eu creio que quando falei do modo mercantilista e mercantilizado, credencialista e servil, cada vez mais asfixiante, como a universidade está redefinindo o dispositivo pesquisa, toquei algumas inquietudes (essa doença que tem a ver com nossas relações com o espaço) e provoquei, em muitos e em muitas, a pergunta: que faço eu aqui? Uma pergunta que não é inofensiva. E que, entre outras coisas, pode ter respostas como as que tu propões. E outras também, claro. (LARROSA, 2012, p.11).

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referÊnCias

BARROS, Manoel de. escritos em verbal de ave: Manoel de Barros. São Paulo: Leya, 2011.

DELEUZE, Gilles. francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

DELEUZE, Gilles e PARNET, Claire. o abecedário de Gilles deleuze. Disponível em: http://www.ufrgs.br/corpoarteclinica/obra/abc.prn.pdf. Acesso em: maio de 2011.

GAI, Daniele Noal e MIANES, Felipe Leão. experimentações fotocartográficas e deficiência visual: para pensar contra-sensos em educação. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/view/2871/799. Acesso em agosto de 2012.

LAROSSA, Jorge. Palavras desde o limbo. notas para outra pesquisa na educação, ou, talvez, para outra coisa que não a pesquisa na educação. Disponível em: http://www.periodicos.proped.pro.br/index.php?journal=revistateias&page=article&op=view&path[]=1138 . Acesso em agosto de 2012.

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150Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance Grafia Líquida de Lu Trevisan - Foto: Gabriela Trevisan

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FRAGMENTOS DE ESCRITURA: RASTROS DE UMA VIDA

artigo 04 fraGmentos de esCritUra:

rastros de Uma Vida

Fabiane Olegário1

Angélica Vier Munhoz2

resUmo: Trata-se de um texto ensaístico, tomado pela noção de fragmento de Barthes (2003) e Tavares (2013), meio pelo qual a escrita se compõe enquanto uma operação experimental do pensamento. Por outra via, dos restos que constituem os fragmentos, Lispector passa a ser o mote que alimenta tal escrita. De um esforço imprescindível de tornar-se o que se é traçado por um plano fugidio, incerto e inseguro, não há nenhum compromisso que lembre competências e habilidades escritoras, tampouco a apropriação e amostragem de formas de expressão acadêmicas ou não. Ao texto interessa, quase de forma atlética, produzir variações, movimentos, planos de composição, ladroagens que, ao tomarem algo que não é seu, o usam de outro modo.

PalaVras-ChaVe: Escrita; Ensaio; Fragmento; Variações.

fraGments of writinG: traCes of a life

aBstraCt: This essayistic text takes the notion of fragment from Barthes (2003) and Tavares (2013), a means by which writing is composed as an experimental operation of thought. Through a different path, from the remains that constitute the fragments, Lispector becomes the motto feeding such writing. From an indispensable effort to become what one is through a fleeting, uncertain, unsafe design, there is no commitment with writing competences and skills, let alone the appropriation and sampling of forms of expression, either academic or not. Almost athletically, the interest is in producing variations, movements, plans of composition, thieveries that, by taking something they do not own, use it in a different way.

KeYwords: Writing; Essay; Fragment; Variations.

1 Doutoranda em Educação (UFRGS). Docente do Centro de Ciências Humanas e Jurídicas (CCHS) do Centro Universitário Univates. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação (UFRGS). Docente do Centro de Ciências Humanas e Jurídicas e dos Programas de Pós-Graduação – Mestrado em Ensino e Mestrado em Ensino de Ciências Exatas – Centro Universitário Univa-tes. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Currículo, Espaço, Movimento (CEM/CNPq/Univates). E-mail: [email protected]

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dos rastros QUe iniCiam a esCrita“E se apoderava do menino uma sensação já muitas vezes experimentada,

a impressão estranha, entre sonhadora e angustiante, de algo que desfilava sem se mover” (MANN, 2005, p.35). Escolhemos as palavras do romance de Thomas Mann (2005), pois nelas encontramos o mote de que precisávamos para tomar, mais uma vez, Clarice Lispector – como um dia ela o fez com o autor alemão Thomas Mann, ao ler A Montanha Mágica, ou então ao ler O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse. São sopros de um vento que chega das “colinas verdes de Tchechelnik3” (MOSER, 2011, p.31).

Fica mais ou menos assim: Clarice leu Thomas Mann, que criou o menino, de quem uma sensação se apoderava. Isso tudo aconteceu em águas vivas4, onde o menino a bica de pena5fez planos para caridades odiosas6, apoderado de um mal-estar de um anjo7.

Talvez Barthes (2005, p.25) tenha razão ao escrever que “amar +escrever= fazer justiça com aqueles que amamos, isto é, testemunhar por eles”, e é o que nos resta. Por outra via, o que nos resta parece ser “escrever o resto”, como Barthes sinaliza em Roland Barthes por Roland Barthes (2003). Os restos são compreendidos como matéria potente para a escrita, que, constituída de sobras, se torna precária, improdutível para uma vida produtiva que se propaga por meio do consumo. Desse modo, escrever seria, sobretudo, uma prática incansável de resistência e também ética em meio aos tempos atuais, pois, se levados pela corrente, “já nada resta à escrita” (BARTHES, 1987, p. 271).

da esCrita Por fraGmentosDos restos, um tanto de fragmentos. Um fragmento pode ser, tal como

afirma Tavares (2013, p. 41), “um ponto onde se inicia” ou ainda “uma máquina de produzir inícios, uma máquina de linguagem, das formas de utilizar linguagem, que produz começos – pois tal é sua natureza” (Ibidem). Trata-se de uma questão de velocidade, de mobilidade do pensamento e, talvez, de certa urgência. Mas, para além disso, Tavares (2013) lembra que o fragmento é “um espaço onde a prudência fica de fora”, pois “a falta de espaço implica que se decida com rapidez” (p. 41). Contudo, “nenhum fragmento vira as costas ao alvo, o centro está sempre ali e qualquer fragmento pode atingi-lo” (Ibidem, p. 43). Assim, encontrar a distância necessária do alvo, inventar novas ligações, eliminar os excessos, constituem a tentativa de dizer algo que só pode ser dito em pedaços. Eis a força de um fragmento que se efetua em meio aos restos.

3 Cidade localizada na província ucraniana em que nasceu Chaya Pinkasovna Lispector.4 Água viva é o título do romance redigido por Clarice Lispector nos anos 70.5 Conto de Clarice Lispector; encontra-se no livro Felicidade Clandestina.6 Crônica de Clarice, apresentada por Rosika Darcy de Oliveira no livro Clarice na Cabeceira.7 Crônica de Clarice, apresentada por Joaquim Ferreira dos Santos no livro Clarice na Cabeceira.

A escrita em fragmentos também atravessa a escritura de Barthes. O autor coreografa movimentos e repousos de uma escritura tomada como gesto. Para Barthes, o fragmento,

Implica um gozo imediato: é um fantasma de discurso, uma abertura de desejo. Sob a forma de pensamento-frase, o germe do fragmento nos vem em qualquer lugar: no café, no trem, falando com um amigo (surge naturalmente daquilo que lê diz ou daquilo que digo); a gente tira então o caderninho de apontamentos, não para anotar um “pensamento”, mas algo como o cunho, o que se chamaria outrora um “verso”. [...] o fragmento (o hai-kai, a máxima, o pensamento, o pedaço de diário) é finalmente um gênero retórico, e como a retórica é aquela camada da linguagem que melhor se oferece à interpretação, acreditando dispersar-me, não faço mais do que voltar comportadamente ao leito do imaginário (BARTHES, 2003, p. 102-103).

Não se trata, assim, da palavra em seu encadeamento linear; o que interessa é a desavergonhada capacidade de habitar as “bordas”, sugerindo outras possibilidades para além do que está posto e instituído. Nesse sentido, escrever sugere certo amadorismo barthesiano, “sem espírito de maestria ou de competição” (BARTHES, 2003, p.65). Sejamos, pois, amadores irreparáveis de “um universo em migalhas” (Ibidem), meio pelo qual a escrita deste ensaio é construída.

dos fraGmentos QUe adentramEscritura nua que anda às avessas, desregrada, desmedida, impura,

desgarrada do território de origem, distante de filiações rumo ao desconhecido. Entregando-se à aventura do acaso, abre brechas às forças instituintes da vida, criando um mundo incerto e, todavia, perigoso, pois, próximos de Lispector (2009), avistamos “um abismo de nada. Só essa coisa grande e vazia” (p.25).

***

Primavera, primeira hora da tarde, eis as primeiras palavras datilografadas. Palavras demoradas, paridas meio sem jeito; a cada letra, um gemido, uma porosidade, um oco. Era como se algo precisasse ser dito, uma necessidade de vir à tona, mesmo que não estivesse pronta para nascer, para ser, porque já era viva, a própria coisa. Inconfessável, impenetrável, enigmática, intraduzível, inexplicável. Parida de mistérios, labirintos e enigmas, habita o ventre de um ser ainda sem nome, sem rosto, porque esfacela “no ardor de desejo e tende a se alargar, a se ultrapassar” (BARTHES, 2005, p.27).

***

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Sentada no ônibus, levanta a cabeça “o tempo todo para devanear ou refletir” (BARTHES, 1982, p. 72); escreve no “nível do corpo, e não do da consciência” (Ibidem), o seguinte excerto: “crio o material antes de pintá-lo, e a madeira torna-se tão imprescindível para minha pintura como o seria para um escultor. E o material criado é religioso” (LISPECTOR, 1998b, p.77). Rasga com os dedos indicadores uma embalagem de papel com o nome do supermercado de onde acabara de sair naquela tarde de domingo.

***

Leitura que fere, dói, sangra e arde. É quase um jogo, é preciso aguentar a quentura do sol violentando o rosto, até porque “no sertão se Deus vier que venha armado”.8 Trata-se de um confronto, um defrontar-se, um duelo entre aquilo que passa entre o dizer, pensar e sentir gerados pela crueza da vida. Entretanto, “se um dia Deus vier a Terra haverá silêncio grande. O silêncio é tal que nem o pensamento pensa” (LISPECTOR, 1998a, p.96). Trata-se, todavia, de encarar um vazio que transborda. Vazio que jorra, onde as coisas ainda não são e, portanto, fazem filhos no caos. Desterritorializada, transborda uma força imanente que faz proliferar uma legião estrangeira lançada numa situação de nudez e mudez; é exposta à dor do espanto, porque é viva e pulsa em um coração selvagem.

***

Escreve anonimamente. Transgride o existente da escrita ao mesmo tempo em que inventaria traços que afirmam a matéria da qual somos feitos. Usina, fábrica, contamina-se de matéria suja. Escava, escava até encontrar o seu deserto. Opera em conexões, tece por cortes, sublimes atravessamentos que possibilitam à palavra saltar de pontes. Caminhar com os pés descalços, abrigando a singularidade que reside na superfície da pele, rumo à imprevisibilidade da escrita, abrindo sendas de passagens aos demônios que pedem licença. Murmúrios, grunhidos, balbucios, uivos à meia-noite fazem vacilar o poder/verdade que constitui a imagem do pensamento dogmático.

***

Exercícios de torcer as palavras, para então testemunhar o divórcio entre as palavras e coisas, conectam as palavras nas práticas de experimentação, visto que “não há nada para compreender, nada a interpretar” (DELEUZE; PARNET, 1998, p.12), apenas a experimentar.

8 Frase pronunciada por Riobaldo, personagem criado por Guimarães Rosa na obra Grande Sertão Vere-das.

***

A luta é desigual9, a coisa nos persegue, toma a vida da gente. De longe dá para sentir o seu cheiro – alfazema fresquinha colhida no campo nas manhãs frias de inverno. Pausa para, quem sabe, uma confissão: estou em estranho estado de graça por não entender muito bem o que eu ainda não entendo. Espero que não seja uma revelação final e tampouco impactante. Retorno às escritas. Onde parei? Sento e reparo que é chegada a hora de contar com um pouco de sorte e resolver esse mal-entendido entre o eu e a coisa. A coisa que é e, por isso, atravessa e reúne todas as coisas nela mesma, nua, crua, sem receio, sem recuo.

***

A escritura anônima que baila em salões dionisíacos traduz intensamente o desafio de assinar com o nome próprio o pulsar da existência. O que dizer ou como calar diante da ideia “Se eu fosse eu”10¨? Quais seriam os possíveis que habitam o eu, os quais têm uma vontade sagrada de ser múltiplos? A vontade de outrar-se no pensamento é também vontade de outra escrita, atravessada por ramificações, cheiros, tons, paisagens. “Escrevo em signos que são mais um gesto que voz [...] O mundo não tem ordem visível e eu só tenho ordem da respiração. Deixo-me acontecer” (LISPECTOR, 1998b, p.24).

***

Estará a coisa iluminada? Profana e maldita. É preciso saber mais, assim como é preciso cartografar as forças violentas que flagelam o ser. Ver a coisa em si, encará-la, virá-la do avesso, colocar as fuças em suas pequenas orelhas. Que diabos! Sei que será muito duro o movimento, todavia, é preciso um pouco de ar fresco, um copo de água e muita disposição, até porque temos, “no mínimo, um eu a ser zerado” (CORAZZA, 2010 p.86). Anotações, cadernetas, canetas Bic – não sei por que, mas ainda guardo na primeira gaveta da escrivaninha uma caneta Bic de três cores –, ponta grossa ou fina – talvez uma Pilot –, tinta e movimentos criam possíveis, vivificam fluxos, umedecem o papel com suor das palmas das mãos, grudando uma folha na outra. O divino que habita a coisa. Toda substância é divina. A propósito: “qual é a língua que um espírito desses haverá de falar quando falar consigo mesmo?” (NIETZSCHE, 2009, p.122). Plenitude da coisa que assusta ao afirmar uma trama tecida por linhas sóbrias, por isso, malditas. Trata-se de linhas

9 Frase pronunciada por Clarice ao ver uma estudante de jornalismo ser desafiada ao querer comer uma galinha.10 Título da crônica de Clarice Lispector, retirado da coletânea Clarice na Cabeceira, organizada por Teresa Montero, em que ela escreve: “Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria?” (p.81).

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encarnadas de vida e desencarnadas de ressentimentos.

***

Plenitude da coisa que assusta ao afirmar um drama tecido por linhas sóbrias, por isso, malditas. Trata-se de linhas encarnadas de vida e desencarnadas de pudor. Barthes (2003) insinua que a escritura começa pelo estilo, que serve para louvar um valor novo; mesmo que de forma tímida, oferece-se a grandes riscos de recuperação, pois prepara o reino do significante. Portadora de multiplicidades de formas e movimentos, arranjos se esfregam como uma cadela no cio. É preciso sensibilidade, disponibilidade, um perder de si como uma meta a ser obsessivamente perseguida. Tomar a vassoura da bruxa, criar território num movimento ziguezagueante. Intolerável que arrasta a coisa. Crivar o duro, habitar bordas. Como? Pois “eu chegara ao nada, e nada era frio e úmido” (LISPECTOR, 2009, p.60).

***

“Forças descontínuas, espasmódicas, dispostas apenas ao encontro com a diferença” (AQUINO, 2011, p.654), desfazem o sentido único, proporcionando a liberação do pensamento como potência criadora e afirmativa da vida.

***

Escrita artista que ensaia as palavras de um pensamento que está na corda bamba. Feita de silêncios, gritos e rouquidão, coloca em dúvida o próprio pensamento. Descontínuos movimentos, desalinhos que possibilitam “à linguagem deixar de ser representativa para tender para seus extremos ou seus limites” (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p.36).

***

Prefiro a coisa. Pelo menos uma adaga é preciso ter na cintura ou, no mínimo, um canivete para riscar o chão, estraçalhando a imagem. Deleuze adverte com um pedido de prudência. Pode ser um imperativo, mas, quem sabe, um sinal de vida, um sopro. É preciso jejuar e, nesse longo processo, prestar serviço sobre si mesmo, caso contrário, se morrerá de fome de vida. Pensar e escrever se configuram em um exercício de experimentação que dobra, desdobra e redobra as forças, incita à criação de matérias, visto que, quando uma escrita é tomada por encontros e composições imprevisíveis, um tanto se põe a escorrer: identidade, representação e racionalidades puras deixando em suspensão “o que éramos, o

que somos e o que pensávamos” (CORAZZA, 2005, p.19).

***

Para não coagular; não prever; não prescrever; não decalcar; não endurecer; não secar; não reproduzir simplesmente e descaradamente; não descrever; não separar a vida daquilo que ela pode, porque “Deus é a causa imanente e não transitiva de todas as coisas” (SPINOZA, 2014, p.29).

***

Por todos estes aspectos, só sobraram as incertezas que se apresentam no decorrer da trajetória a todos aqueles que se arriscam a viver sob a linha feiticeira. Encorajados, portanto, a correr riscos de desaprender o aprendido, “fabricam o que ainda não existiu nem existe” (CORAZZA, 2009, p.120). Trata-se, no entanto, de um não saber clariciano, de forças intempestivas que furam e que cortam, fazendo o corpo sussurrar, pois não tinham sido “pensamentos de cabeça, eram do corpo” (LISPECTOR, 2009, p.143).

das VariaçÕes QUe enCerram a esCrita Supomos, ao escrever com fragmentos, que não haja modos que possam

conter os ritmos, as pulsações, as lentidões e as velocidades de uma escritura quando instalada nos poros. Tomadas pelo acontecimento, acreditamos que “escrever não é impor uma forma de expressão a uma matéria vivida, mas trata-se de um procedimento informe, de um processo inacabado, de uma passagem de vida que atravessa o vivível o vivido” (CORAZZA, 2013, p.35).

Todavia, a escritura não faz referência a itinerários dados às facilidades, até porque não escrevemos à espera de um momento de lampejo inspirador e, sobretudo, desejamos afirmar que escrever nada tem a favor de espontaneidade, assim como nenhuma aliança com o “pensamento moral”, tampouco com “besteira comunicativa, reflexão, clichês, decalques, regras, ordens, certezas fáceis” (CORAZZA, 2013, p.31). Nesse sentido, o modo como compreendemos a escritura não está ligado a um estado de inspiração que possa sem aviso prévio acometer o sujeito; nenhum chamado vocacional sensacionalista; muito menos está relacionada a dom inato; encaramos e a encarnamos “antes, atordoamento, extravasamento, desfiguração, e oxalá desmanche de si” (AQUINO, 2011, p.653).

Por isso, pressupomos que escrever talvez nos exija, primeiramente, esboçar um plano de guerrilha, montar uma espécie de trincheira, “uma atitude de espreita constante em relação ao que se nos passa” (AQUINO, 2011, p.652), pois é preciso concordar que o “poder aí está emboscado em todo e qualquer discurso, mesmo

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quando este parte de algum lugar fora do poder” (BARTHES, 2007, p.10). Em meio a um logos que é substituído por um drama (DELEUZE, 2006), nada mais honesto e vivo, o destino de uma escrita que se deixa inventariar; importa o trabalho de uma escritura da mão sem luvas para que se efetive como “recordação errática, caótica” (BARTHES, 2003, p.126), evocando a “revalorização de resíduos difusos, excertos, cortes, hiatos, esgarçamentos miúdos, imagens inacabadas” (CORAZZA, 2013, p.111), atribuída àqueles que amamos e que somos, por isso, convocados a escrever em um desatino inconfessável.

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MÚSICA SOCIOPOLÍTICA DE BEZERRA DA SILVA E OS ESTERIÓTIPOS

artigo 05 a mÚsiCa soCioPolÍtiCa

de Bezerra da silVa e os esteriÓtiPos

Jose Luiz Pereira de Arruda1

Ivan Cláudio Siqueira de Moraes2

Gisele Cristiane Urnau dos Prazeres3

Luiz Henrique Zart4

resUmo

A representação cotidiana no samba de Bezerra da Silva envolve uma quantidade de variáveis sociopolíticas presentes na sociedade brasileira. Partindo deste contexto, procura-se avaliar a ligação entre a manifestação artístico-social de Bezerra, também em meio a um período turbulento da história política brasileira. Além disso, falar de participação da cultura negra, da falta de visibilidade e da desigualdade, sempre com foco na ótica do estereótipo. A partir destas premissas, este artigo pretende observar as formas com que se relacionam os estereótipos do político – um dos temas frequentes do embaixador do morro -, com os da população marginalizada nas canções malandras. A conexão destes dois temas forma um ponto de vista que conduz à visão do político sob os olhos da música popular brasileira de Bezerra da Silva, exposta como forma de reflexão e conclusão do raciocínio.

PalaVras-ChaVe: Bezerra da Silva; político; samba; estereótipo.

ABSTRACTThe daily representation in Bezerra da Silva’s samba involves a number of socio-political variables present in brazilian society. From this context, seeks to evaluate the connection between the social-artistic demonstration of Bezerra, also into a turbulent period of political brazilian history. Therefore, talk about participation of black culture, the lack of invisibility and inequality, always focusing in a stereotype optic. On the basis of this premises, this article aims to observe the ways in which we cross the politician stereotypes - one of the frequent themes of the hill ambassador - with the marginalized population in sly songs. The connection of these two subjects form a point of view that leads to the politician vision under the eyes of Brazilian popular music of Bezerra da Silva, exposed as a way to reflection and conclusion of thinking.

KeY words: Bezerra da Silva; politician; samba; stereotypes.

1 Professor de jornalismo da UNIPLAC – Mestre em Comunicação Social;2 Professor de jornalismo da UNIPLAC – Especialista em Comunicação e Semiótica;3 Graduanda do curso de jornalismo da UNIPLAC.4 Graduando do curso de jornalismo da UNIPLAC.

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De modo geral, a percepção que as pessoas têm de fenômenos da sociedade vem de estereótipos. São estas primeiras impressões que permeiam os pré-contatos sociais. Deste ponto de vista, uma das representações que se faz deste processo é observada nas canções do sambista Bezerra da Silva. As colocações propostas por ele são relevantes por entrelaçarem uma narrativa social do morro, o cotidiano e a influência do poder político na expressão dos compositores do morro. Mas o que é um estereótipo?

É possível compreender os estereótipos como dispositivos cognitivos que facilitam o acesso a novas situações e informações. Isso significa que equivalem a categorias que definem padrões de aproximação e de julgamento que orientam a leitura do novo a partir de referências prévias. Nesse sentido, reduzem a complexidade das interações concretas e contribuem para ampliar o grau de previsibilidade nas novas interações: fundados em simplificações, os estereótipos diminuem as variações e matizes presentes nas trajetórias e comportamentos individuais, que se definem e se explicitam em interações e contextos sociais específicos (FLEURI, 2006).

Desta maneira, “um estereótipo não é um estereótipo social até e a não ser que seja amplamente partilhado dentro duma entidade social” (TAJFEL, 1982, p. 176 apud FLEURI, 2006). É do consenso de opinião socialmente constituída que se consolida uma imagem estereotipada, seja de qual grupo ou indivíduo for. É a partir deste ponto também, que é permitida duplamente a tipificação do outro e a localização de si mesmo no contexto social, e em uma escala comum de valores. Reiterada a absorção desta escala, a reprodução dos estereótipos está associada à confirmação e naturalização de padrões valorativos (FLEURI, 2006). Entende-se que o estereótipo, de certo modo, estabelece um contato viciado com a realidade, além de hierarquizar e institucionalizar as relações de poder presentes nos mais variados campos: o simbólico, o mediático e, neste caso, mais especificamente, entre as manifestações sócio-artísticas de Bezerra da Silva como porta-voz do morro e a visão deste para com o político no país.

Estereótipo indica um modelo rígido a partir do qual se interpreta o comportamento de um sujeito social, sem se considerar o seu contexto e a sua intencionalidade. O estereótipo representa uma imagem mental simplificadora de determinadas categorias sociais. Funciona como um padrão de significados utilizado por um grupo na qualificação do outro. Constitui imagens que cumprem o papel de criar ou acentuar a diversidade. O estereótipo resulta, pois, como um instrumento dos grupos, construído para simplificar o processo das relações entre eles e, nessa simplificação, justificar determinadas atitudes e comportamentos pessoais e coletivos

(OLIVEIRA, 2002) (FLEURI, 2006).

A mente humana faz um jogo de associação, onde processa e consulta informações armazenadas em categorias estáveis - os estereótipos. Estes são, portanto, parte de um conjunto de crenças e atitudes que geram expectativas a respeito de determinado grupo ou pessoa. É válido observar que, mesmo sem que haja a percepção ou intenção da memória, ocorre a formação dos julgamentos e cognições dificilmente suprimidos. Esta característica faz com que o comportamento seja afetado com reações suaves, vistas na literatura de psicologia como algo: “implícito, automático, inconsciente ou não consciente” (DASGUPTA, 2009 apud PEREIRA;PEREIRA, 2011). O estereótipo

reduz toda a variedade de características de um povo, uma raça, um gênero, uma classe social ou um “grupo desviante” a alguns poucos atributos essenciais (traços de personalidade, indumentária, linguagem verbal e corporal, comprometimento com certos objetivos etc.) (FILHO, 2004).

Por exemplo, a série de variáveis que forma a concepção-padrão de “político”, detalha como este ser é, e o que se pode (ou não) esperar dele. A cada vez que se identifica a figura, portanto, há uma carga valorativa à qual ele é atribuído. Esta percepção vem de um aprendizado de longo prazo, mesmo sem experiência prévia ou qualquer contato, já que a formulação de estereótipos é definida socialmente e culturalmente (às vezes podendo ser enganoso, por basear-se fundamentalmente no senso comum, em uma análise pouco aprofundada) (PEREIRA; PEREIRA, 2011). Isso acaba por ordenar o mundo em mapas mentais, com significado, que se mesclam entre os modelos estáveis e os flexíveis, que dizem respeito aos estímulos imprevisíveis do cotidiano. É o que Macrae e Bodenhausen definem como processamento flexível (2000 apud PEREIRA; PEREIRA, 2011).

O processamento flexível é obtido através da operação de dois módulos mentais complementares. O sistema neocortical (i.e. sistema de aprendizado lento), armazena as crenças gerais sobre o mundo, geradas pelas constantes repetições de estímulos (memória semântica). Em decorrência da necessidade de percepção estável do mundo, é altamente resistente às modificações e mudanças. Em contraste, o sistema hipocampal (i.e.sistema de aprendizado rápido) é o responsável por formar as representações temporárias de estímulos incomuns e surpreendentes (memória episódica). Geralmente esses estímulos não exercem impacto no conhecimento geral de uma pessoa, a menos que ocorram de modo repetitivo (passando, neste caso, a integrar o sistema neocortical) (Macrae & Bodenhausen, 2000). (PEREIRA; PEREIRA, 2011).

Todavia, a concepção teórica de estereótipo precisa estabelecer uma ligação com a realidade na qual ela se desenvolve. Porque, além de permitirem

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uma codificação do mundo social “não permitem flexibilizar as relações sociais e reproduzem o estigma de poder, desigualdade e dominação, justificação para o modelo atual”. Onde estereótipos e realidade se alimentam entre si, criam uma imagem simplificada e falseada do outro, em uma “combinação de validade e distorção” (Perkins, 1979, p. 154, apud Seiter, 1986, p. 66) (FLEURI, 2006). Neste sentido,

[...] visam a naturalizar, universalizar e legitimar normas e convenções de conduta, identidade e valor que emanam das estruturas de dominação social vigentes. Gramsci chama de hegemonia, a luta de poder em diversos campos (BOURDIEU, 2000), entre eles o de construção simbólica da realidade. Modelar a sociedade de acordo com sua visão de mundo” (FILHO, 2004).

Posição reiterada por outros autores:

A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. [...] As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. [...] [...] As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1990: 16-17) (SOUZA, 2009).

A demonstração dos estereótipos se dá tanto na confirmação das premissas de simples identificação quanto na exposição de um cenário desigual, como ocorre na perspectiva de degradação retratada por Bezerra da Silva. Em destaque o descontentamento com o contexto político brasileiro entre as décadas de 1960 e 2000, onde a produção do artista foi mais intensa. A música essencialmente popular de Bezerra da Silva (MELO; OLIVEIRA, 2014) exemplifica uma panorâmica da sub-representação de estratos sociais marginalizados na democracia. Em um jogo de poder, a visibilidade de determinadas identidades sociais é distorcida pelo consenso social (como na relação de classe, etnia, etc.) e personificada na sonoridade do samba. Aqui, pode-se denominar os grupos que sofrem com este processo como minorias: “conceito que abarca todo grupo social cujas perspectivas e vozes são marginalizadas pelas estruturas de poder e pelos sistemas de significação dominantes numa sociedade ou cultura” (EDGAR & SEDGWICK 2003: 213-214 apud FILHO, 2004). A repressão de modelos culturalmente hegemônicos em que se encontram diminuídos, atenta que:

Nesta direção, o preconceito traduz a falta de flexibilidade entre os grupos, ajudando a definir o posicionamento

de um sujeito social frente ao outro. Acrescentando aos modelos conceituais rigidamente definidos sobre o outro (estereótipos) uma forte conotação emocional e afetiva, o preconceito tende a absolutizar determinados valores que se transformam em fonte de negação da alteridade. Tal situação induz ao dogmatismo, responsável pela construção das imagens sectarizadas e reducionistas que permeiam as relações intergrupais (FLEURI, 2006).

A expressão de Bezerra da Silva faz sentir este contexto, uma vez que expõe feridas ainda não cicatrizadas pelo recente processo de redemocratização do país que, pode-se dizer ainda está em curso (BARROS FILHO, 2015). Para localizar qual é a situação em que o posicionamento político do sambista se encontra, das composições do morro para o Brasil em um contexto amplo, cabe relacionar alguns pontos relevantes: Parte das composições de Bezerra da Silva foram produzidas no turbulento período da Ditadura Militar. De certa forma, havia uma efervescência crítica, cultural e política, contida neste tempo. Vale lembrar, depois da renúncia de Jânio Quadros, em 1961 e a posse do vice, João Goulart, o golpe militar começava a ser originado. Os conflitos que explodem a partir do 1º de abril de 1964 são um agravamento da falta de liberdade (inclusive para as camadas que, antes, já eram marginalizadas e excluídas). Neste sentido, ao contrário das manifestações artísticas da época, como as coordenadas por Chico Buarque e Caetano Veloso, Bezerra da Silva mantinha a politização de maneira diferente: falava diretamente para os excluídos. Em meio à política de caça às bruxas, aos quais Bezerra da Silva era testemunha no Morro do Cantagalo, não era necessário cantar uma canção de protesto com este propósito porque, só o fato de expressá-la já era um ato desbravador. O tom contestador das músicas é uma ilustração das posições polarizadas pelo regime, que, na certa, geraram consequências à democracia que aqui se assenta. Como um trabalhador, fruto do morro, Bezerra usava a linguagem coloquial, era acessível, mas tinha letras provocativas, inclusive com o uso da linguagem como artifício para certas inventividades. Era essencialmente popular. Mas quando se trata de estereótipos, um dos exemplos a serem trazidos, que faz parte do contexto sociopolítico brasileiro e, portanto, se mistura à música de Bezerra da Silva é o conflituoso e ambíguo reconhecimento do negro na sociedade. (REIS, 2002).

Como argumenta Pickering (2001), o estudo e a crítica dos estereótipos se revelam sempre inadequados, quando não são informados por tal compreensão histórica do objeto discriminado. O processo e a prática de estereotipagem e de construção da alteridade estão relacionados, complementa o autor, a questões centrais de pertencimento no mundo

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moderno (à nação e ao passado cultural nacional; a diferentes estágios do progresso civilizacional, mensurados em termos de evolução social e hierarquização racial), como também a questões de poder e autoridade no contexto da construção nacional, do colonialismo e do imperialismo (BIROLLI, 2011).

Parcela da população que mais sofre com a letargia no processo de diminuição da desigualdade, que é obrigada a ver a retratação das diferenças entre raças como algo natural (REIS, 2002), que é identificada nas canções de Bezerra da Silva. Buscando o contexto histórico, com a percepção hegemônica sobre a cultura negra, com o maxixe chegando a ser proibido por lei no país:

Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério da falta: as danças e os ritmos negros não têm estética nem arte (Freitas, 1921/1985:153), não possuem tom nem som e tampouco gozam de espírito e gosto (apud Rodrigues, 1933/1977:157). Os instrumentos musicais dos negros são rudes, bárbaros e fazem uma algazarra infernal. Parece, portanto, que havia algo no gosto popular que não estava de acordo com o senso estético de parte das elites [...]

Contudo, de outro lado, esboça-se uma visão que, ao contrário do caráter privativo, tende a conceber a cultura negra como dotada de conteúdo, sendo que algumas tradições culturais negras serão, pouco a pouco, representadas como nacionais e a coroação desse processo de nacionalização se dará nos anos 30 e 40 (REIS, 2002)

O estereótipo atribuído à população carente e também aos negros é apenas um exemplo de todo este processo de estigmatização, que acaba por levar o público da favela sobre o qual canta Bezerra da Silva, a sentir na pele a situação de desigualdade e pobreza, causada pela ingerência de parte dos representantes políticos. Sendo pobreza definida como

a ausência ou privação de recursos, e como forma de exclusão dos padrões de vida aceitáveis por relação a uma dada sociedade. Esta designação é essencialmente política. Situa‐se no marco das sociedades industriais ou tradicionais os aspectos para o campo de intervenção, quer de permanência da contemporaneidade do problema, quer da complexidade de exigir uma melhor compreensão e ousadia de propostas de enfrentamento (COSTA,1998 apud RÊGO, 2010).

Em relação a isto, dados coletados para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – 1993 a 2008, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que

a pobreza no Brasil na atual conjuntura capitalista, a partir de dados coletados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -

PNAD- 1993 a 2008, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística - IBGE. Os dados mostram que enquanto os 40% mais pobres vivem com 10% da renda nacional, os 10% mais ricos vivem com mais de 40%. Embora a situação há uma década fosse certamente pior, ainda hoje, a renda apropriada pelo 1% mais rico é igual à dos 45% mais pobres. O que um brasileiro pertencente ao 1% mais rico pode gastar em três dias equivale ao que um brasileiro nos 10% mais pobres levaria um ano para gastar. Em função da elevada desigualdade que prevalece, a pobreza e, em particular, a extrema pobreza está muito acima do que se poderia esperar de um país com a renda per capita do Brasil. Se 1/3 da renda nacional fosse perfeitamente distribuída, seria possível garantir a todas as famílias brasileiras a satisfação de suas necessidades básicas. Contudo, quase 50 milhões de pessoas vivem em famílias com renda abaixo desse nível. A insuficiência de renda dos mais pobres representa apenas 3% da renda nacional ou menos de 5% da renda dos 25% mais ricos. Para aliviar a extrema pobreza seria necessário contar apenas com 1% da renda dos 25% mais ricos do país. Esses números são alarmantes, e é preciso haver estratégias eficazes de combate a pobreza, nas suas diversas determinações, atuando sobre a família e o indivíduo no âmbito social e econômico (SILVA; SOUSA JUNIOR, 2012).

É possível, a partir deste contexto, relacionar o quão presentes os conceitos de canção de protesto estão na música de Bezerra da Silva. Se vista pela ótica de uma música participante, pode-se dizer que não há melhor forma de expressão, já que as composições de Bezerra, em sua maioria, vieram de compositores das localidades cariocas.

Em várias produções acadêmicas, podemos observar esse conceito de engajamento sendo utilizado para explicar a música popular brasileira. O jornalista e crítico musical José Ramos Tinhorão já lançava, em 1974, o livro Pequena história da música popular: da modinha à canção de protesto, em que – com críticas contundentes a uma produção musical que ele definia como sendo de classe média, por oposição à música produzida pelas classes populares – a “canção de protesto” aparece definida como a politização da bossa nova, ou seja, letras com teor político e crítica social, construídas a partir do referencial musical propriamente dito da bossa nova. (LOPES, 2008)

Lopes (2008) argumenta que não é só a Música Popular Brasileira (MPB) normalmente rotulada como música de protesto, a única a tomar este posicionamento político. O engajamento existe a partir do momento em que se manifesta um conflito, uma convulsão social, que exige uma independência do sujeito, fugindo de visões deterministas e da prioridade a apenas um aspecto do social. Mais que isso, é necessária uma colocação em relação a todo o contexto de sociedade. Como diz:

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172 Foto: Anderson Luiz de Souza

As configurações sociais – conceito desenvolvido por Elias – podem ser entendidas como um sistema de interações, ou seja, os indivíduos estão se relacionando, constantemente, com outros indivíduos e essas relações também são variáveis, de acordo com as estruturas sociais. Trata-se de um tecido de relações, em que os indivíduos, que podem ser comparados a jogadores, estão interagindo. Essas configurações são instáveis e se estabelecem a partir do jogo de tensão e força presente na sociedade, pois, para Elias, os conflitos são inerentes às relações sociais (LOPES, 2008)

Esse jogo de tensão é claramente exposto (de maneira coloquial e malandra) nos escritos cantados por Bezerra. Com teor de protesto, são como “canções e letras que valorizam uma narrativa e cantigas para denunciar as irregularidades sociopolíticas e históricas” (GARCIA, 2012). De certa maneira, “as canções de protesto repetiam a fórmula dos antigos trovadores e dos folclóricos repentistas”, ao valorizar “a letra da canção, narrando histórias – neste caso de injustiça social –, denunciando mentiras, promovendo o ideal revolucionário...” (BLANC, 2010, p. 46 apud GARCIA, 2012). No caso de Bezerra da Silva, a contestação dos padrões sociais era feita com ironia, com jogos de linguagem, e expressividade. Por este motivo, pode-se dizer que o samba nascido no morro do Cantagalo encaixa-se como uma peça de valor literário, já que a literatura, assim como qualquer arte – incluindo a música, é transfiguração do real, a realidade criada através do espírito do artista e transmitida para viver de maneira autônoma (COUTINHO, 1978 apud GARCIA, 2012). As canções de protesto, então, dão voz às demandas sociais agindo como produções intelectuais e artísticas que retratam um período sócio-histórico de gente humilde marginalizada: na realidade que não sai no jornal (GARCIA, 2012). Comporta, portanto, “o vírus da essência”, na definição lapidar de Barthes ([1956] 1963: 71) (FILHO, 2004).

As músicas de protesto podem ser definidas basicamente como as que possuem objetivo de alertar a população sobre algum problema social, a partir de denúncias e de provocações ao governo que geram a reflexão sobre diversos temas. Segundo Charaudeau (2008) existe nos mais variados discursos a chamada expectativa múltipla do ato de linguagem, que depende de maneira decisiva do ponto de vista dos atores envolvidos. A música, também classificada como uma forma de comunicação e de discurso, não poderia deixar de se enquadrar em tal observação, sendo que nesse caso, os envolvidos seriam justamente o criador das letras musicais e os ouvintes. Assim, entendemos que a compreensão de canções também se vale pela relação entre o compositor e o público (MELO; OLIVEIRA, 2014).

Com a finalidade da defesa de direitos civis, a música de protesto com a qual se identifica Bezerra é vista aqui de maneira indireta. O choque estabelecido

pelo contato música-realidade tem finalidades políticas, além da percepção estética, como ocorreu com o samba, assim como em outros estilos. Vale ressaltar que os principais manifestantes representados midiaticamente no período da censura foram os integrantes do movimento coordenado por músicos de MPB. Deste ponto de vista, a movimentação expressa pela música de Bezerra da Silva acaba ofuscada por movimentos como os de vanguarda e a Tropicália, que focava mais a estética e o experimentalismo. Deste ponto é que vale ressaltar que a voz do morro reverbera a crítica social porque a sente na pele não apenas por um período, mas desde sempre. Já que em situações de conflito social, estas classes são consideradas uma ameaça (FILHO, 2004). A música de Bezerra acaba por ser uma intervenção política do artista na realidade social do país, em tempos de repressão, passando pela Ditadura (PAIXÃO, 2012). O sambista age como um cancioneiro numa conversa e, do outro lado,

se o público não estiver num mesmo contexto que o compositor ou, pelo menos, não ter consciência do que ocorria na época, dificilmente entenderá bem o que está sendo exposto pela letra musical. Assim, o saber individual (do enunciador) e o coletivo (do interpretante) deslocam-se constantemente em função do deslocamento das relações interindividuais e intercoletivas (CHARAUDEAU, 2008). O compositor então produziu seu texto partindo da hipótese de que os interpretantes podem partilhar com ele o mesmo saber comum. Importante ressaltarmos que há um compartilhamento desses saberes, mas isso não significa uma única interpretação da mensagem. As pessoas não interpretam da mesma maneira um mesmo discurso, nem uma mesma música (MELO; OLIVEIRA, 2014).

A música de Bezerra não precisa ser rebuscada ou apelar a academicismos para ser relevante: faz da opressão uma politização do espaço público sem necessariamente usar um caráter científico, assim como em outros casos (NAPOLITANO, 2003). Outra das características da canção de protesto que se evidencia em Bezerra da Silva é a semelhança com os trovadores, os grupos das rodas de cantiga, que tinham uma linguagem simples, mas valorizavam a letra para contar histórias e denunciar a desigualdade social. Não é uma expressão isolada, pois retrata um contexto da sociedade com a participação dela própria. Faz poesia para marcar o tempo (NAPOLITANO, 2003). A partir deste momento são incorporadas as vivências dos personagens cantados por Bezerras, também nas metáforas usadas com frequência, como forma de despistar a polícia, inclusive. A classificação dos sambas de Bezerra na expressão literária se justificam e o apoiam porque

a linguagem literária é eminentemente conotativa. A conotação pluraliza-se em função do universo cultural dos falantes: prende-se, portanto, às diferenças de camadas sócio-culturais e ao processo

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de desenvolvimento da cultura (...) a literatura, apoiada num sistema de signos linguísticos que expressam o mundo e revelam a dimensão profunda e plena desse mundo, traduz o grau cultural de uma sociedade. (FILHO, p. 21 apud GARCIA, 2012).

É em meio a todo este contexto que a música de Bezerra da Silva transcende os rádios e os ouvidos. Ela amplifica as vozes abafadas sobre a situação política do país, não só no morro. Fala das drogas, do malandro e também do foco desta análise: o estereótipo que é formado tanto para o sambista quanto para o político. Como se imagina o estereótipo do político? Ele, hoje, é uma figura. Montado cuidadosamente com o apoio do marketing e da propaganda política como forma de consolidação de suas propostas, o político-padrão usa do capital simbólico tão bem explorado pelo sambista (CARNEIRO E SILVA, 2012). Presume-se que o “eleitorado segue um conjunto de motivações na escolha da preferência política. Existem diferentes tipos de votos, como o voto ideológico, o voto pessoal ou o voto circunstancial” (GRANDI, 1992, p.29 apud SPECK, 2003). Esta junção entre marketing e política é um “propulsor das dinâmicas políticas desde o planejamento, a ação, o monitoramento até a avaliação das ações públicas”. Se relaciona “aos atores que participam do cenário político, mas seu foco central é o eleitorado” (QUINTERO, 1990, p. 332 apud CARNEIRO E SILVA, 2012). O marketing político base da construção da imagem do político (aqui não como estereótipo), parte de uma premissa persuasiva (Figueiredo, 1994, p. 10 apud CARNEIRO E SILVA, 2012).

Fazer marketing político é, portanto, entender o que os eleitores querem em um determinado momento – e posicionar seu/sua candidato (a) de acordo com os anseios, as expectativas e as frustrações da população. [...] Marketing é estratégia. E, numa competição eleitoral, você de estar sempre de olho no que fazem e no que dizem os adversários (Figueiredo, 1994). [...]A campanha desempenha um importante papel na dimensão simbólica da vida política, não somente porque constitui um fator de difusão de símbolos visuais, conceituais ou sonoros (logotipos, cores, slogans, hinos, bandeiras etc.), como também porque seria, em si mesma, um símbolo, uma amostra da racionalidade do sistema político (Gomes, 2000) (CARNEIRO E SILVA, 2012)

O estereótipo construído se consuma quando este propósito se baseia somente em discurso. E é aí que tudo vira. O candidato posto como produto (FÊO, SILVA, 2004) acaba por se tornar perecível, já que o discurso, no estereótipo, se desfaz após a eleição. Deste modo,

No universo político brasileiro, a desconfiança e descrença da população para com seus representantes atingem níveis altíssimos, não sendo raras às vezes em que se escuta, nos mais variados locais

e nas mais diversas regiões do país, que “Os políticos não prestam” ou que “Todo político é ladrão” (BIANCHI, 2012).

Esta percepção estereotipada se dá, em boa quantidade de casos, na dependência das impressões mediadas fornecidas pela imprensa. O conceito reducionista aplica à política não uma visão de participação e discernimento, mas um distanciamento. Ao mesmo tempo, exclui os já excluídos quando escolhe as fontes “capacitadas” para falar: quase sempre personificadas por autoridades. São enunciadores privilegiados, que receber esta confirmação na reafirmação da hierarquia social retratada pela imprensa (BIROLI, 2011). Como a exposição e as opiniões acerca da política movimentam posicionamentos incisivos, a população acaba por posicionar-se.

A fim de evitar a absolvição açodada e desastrosa dos estereótipos, convém recuperar a outra acepção da palavra delineada por Lippmann. Esta segunda conceituação, de índole ostensivamente política, apresenta os estereótipos como construções simbólicas enviesadas, infensas à ponderação racional e resistentes à mudança social. A disseminação, pelos meios de comunicação de massa, de representações inadequadas de estrangeiros, classes sociais e outras comunidades é destacada como um sensível problema para o processo democrático, cujo desenvolvimento demanda a opinião esclarecida de cada cidadão a respeito de questões capitais da vida política e social (FILHO, 2004).

A posição de Filho (2004) é complementada pela visão trazida por Speck (2003), quando diz que há um processo em curso e a concepção de político é parte desta formação:

A manipulação das eleições populares foi uma prática comum na transição para os regimes de democracia representantiva. Com a conquista dos princípios da soberania popular e do sufrágio universal, o processo eleitoral ganhou um peso sensível na evolução política (SPECK, 2003).

Um longo caminho foi percorrido até que estes direitos fossem conquistados. Mas isto não significa que a prática da corrupção esteja sanada. Um exemplo é o mau uso de recursos públicos e o financiamento público de campanhas eleitorais (SPECK, 2003). Fruto do coronelismo político afincado na recente democracia brasileira, também se vê a compra de votos como um empecilho: “primeiro, o voto sob chantagem ou extorsão; segundo, o voto negociado ou comprado e terceiro, o voto como manifestação de crédito ou reprovação de candidatos e representantes políticos” (SPECK, 2003). A democracia brasileira é nova. E é interessante destacar que, mesmo na Nova República, o primeiro presidente foi eleito indiretamente, o que configura

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uma assimetria. O eleito não assumiu, deixando vaga para o vice, José Sarney, que havia presidido ARENA e PDS, partidos de sustentação da ditadura militar durante 21 anos no país. A partir daí, com a eleição de Collor, a estabilização política do país começou a se assentar (guardadas as proporções necessários e ocasiões de instabilidade em certos períodos) (MELO; OLIVEIRA, 2014). A democracia é algo novo para o brasileiro. Neste sentido, a corrupção é uma associação de estereótipo recorrente quando se trata da classe política. A corrupção, por si, seria “a capacidade de degradar, de fazer apodrecer aquilo que deveria ser decente” (CORTELLA, 2015), presente no dia a dia como possível, mas não obrigatória. Já que “a prática de corrupção não está relacionada a aspectos do caráter do brasileiro, mas à constituição de normas informais que institucionalizam certas práticas tidas como moralmente degradantes, mas cotidianamente toleradas” (SPECK, 2003). “Na verdade, nenhum país no mundo foi poupado de seus efeitos nefastos” (NDIAYE, 1998 apud GONZÁLEZ; POWER, 2003).Afinal, pode-se

ver a corrupção como uma questão de “cultura”, das coisas serem feitas de maneira “diferente” no país “X” ou na região “Y”, e assumir que o comportamento corrupto é comum nas sociedades em desenvolvimento. No entanto, se isso for verdade, pode-se perguntar por que virtualmente todas as formas de corrupção são proibidas em quase todos os países (KLITGAARD, 1988; 1998) ou por que a corrupção parece estar florescendo nas sociedades industriais avançadas (GONZÁLEZ; POWER, 2003).

Ela começa com ações pequenas, que vão se desenvolvendo ao longo do tempo, através da transgressão a princípios éticos: ao conjunto de valores, normatizações e princípios da sociedade. A ética está em constante formação, e presume uma liberdade (individual e coletiva) que baliza a convivência com o outro. A capacidade de decisão escolha e julgamento é uma característica humana que é praticada (ou não) através da ética. É capacidade de deliberação, “é capacidade reflexiva e intelectiva de formação de abstração” (BARROS FILHO, 2015). A política estabelece então uma relação que é baseada nos laços de confiança; a corrupção à incerteza, que vem das esferas menores para as maiores:

se a confiança é baixa e as expectativas dos cidadãos uns para com os outros são sistematicamente céticas, as instituições passam a ser meras formalidades, desprovidas de respeito e eficácia, uma vez que as pessoas abandonam a obediência na expectativa de que os demais farão o mesmo”. Quanto maior o nível de confiança interpessoal em uma determinada sociedade, maior o compromisso com normas universalistas e com o Estado de Direito e menores as taxas esperadas de corrupção política (GONZÁLEZ; POWER, 2003).

Bezerra da Silva acerta no ponto na questão política como grande parte dos artistas que se manifestavam durante o processo de transição política brasileira porque

expõe diretamente o porquê da luta dos cidadãos e quem enfrentarem (os políticos corruptos). Ele também representa toda uma população que passa por dificuldades, classes desfavorecidas - as mais atingidas pela corrupção e com más condições de vida (MELO; OLIVEIRA, 2014)

Como solução lenta e gradual, Barros Filho (2015) e Cortella (2010; 2015) acreditam que a formação de preceitos éticos bem fundamentados nasce da educação. E que os mecanismos de fiscalização são uma maneira de diminuir o problema da corrupção.

O tempo todo pode ser controlado. Pelas instituições mais sólidas, por plataformas digitais que façam o acompanhamento da transparência, por imprensa livre... Por exemplo, hoje no Brasil, nós temos uma percepção de um altíssimo nível de aclaramento da corrupção. Nós não temos, no Brasil, hoje, mais corrupção do que já tivemos na nossa história anterior. O que nós temos hoje mais é evidência. Qual é o resultado disso? Uma democracia de quase trinta anos. Há trinta anos nós não tínhamos nem imprensa livre, nem uma democracia com instituições sólidas, e nem plataformas digitais. Isto é: Era possível colocar as coisas para baixo do tapete, toda a sujeira, e não haveria como saber. Hoje não (CORTELLA, 2015).

A visibilidade acaba aumentando a sensação de corrupção. Mas onde ela está? Nas ações de várias grandes figuras políticas brasileiras, seja no Congresso, no Senado ou em qualquer outra autarquia (e também do setor privado). A população retratada por Bezerra é a que mais sofre com os reflexos da corrupção. Em parte, fruto da falta de compromisso da classe dominante e da classe política à qual as decisões de futuro são subsidiadas (SOUZA, 2009). Obviamente, a corrupção é um fenômeno endêmico que existiu no passado e segue até os dias de hoje. Usando de todo o conteúdo trazido até aqui, o quadro que se vê é composto pelo estereótipo do ponto de vista do sambista, bem como o do político; além da desigualdade social do qual o povo de que fala Bezerra é vítima, do contexto político pelo qual o país passava, principalmente durante a ditadura militar; e como se desenvolve o fenômeno da corrupção. O que é espantoso é a atualidade que as músicas de Bezerra continuam a ter quando narram o contexto sócio-político nacional. As instituições, quando tomadas pela corrupção (que, vale lembrar, começa individualmente), perdem força na democracia. Deste contexto é que a música de Bezerra da Silva faz tanto sentido: pelo valor de reflexão e pela ótica do sofredor desta situação. Por

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isso, as músicas “Candidato Caô Caô” e “Vírus da Corrupção” servem ainda hoje como parâmetro para levantar os pontos de vista do estereótipo do sambista como sujeito marginalizado – tendo como consequência outro estereótipo: a má conduta do político, que em muitos casos se manifesta. Cabe um resgate dos conceitos vistos aqui, para complementação das letras de Bezerra, que bastam para concluir a discussão. Primeiro, o Candidato Caô Caô:

Ele subiu o morro sem gravata

Dizendo que gostava da raça

Foi lá na tendinha

Bebeu cachaça

E até bagulho fumou

Jantou no meu barracão

E lá usou

Lata de goiabada como prato

Eu logo percebi

É mais um candidato

Às próximas eleições (3x)

Nesta estrofe, é clara a referência ao esquecimento, à hipocrisia do político que Bezerra da Silva retrata. Fingindo ser do povo, tenta agir informalmente, próximo do eleitor. Entra nas casas, bebe, come e fuma como o pessoal do morro apenas como pretexto, que pode ser visto na estrofe seguinte:

Fez questão de beber água da chuva

Foi lá no terreiro pediu ajuda

E bateu cabeça no congá

Mais ele não se deu bem

Porque o guia que estava incorporado

Disse esse político é safado

Cuidado na hora de votar.

Depois, a reviravolta:

Meu irmão se liga

No que eu vou lhe dizer

Hoje ele pede seu voto

Amanhã manda a polícia lhe bater

Meu irmão se liga

No que eu vou lhe dizer

Hoje ele pede seu voto

Amanhã manda os homem lhe prender.

Depois disso, Bezerra da Silva escreve uma retratação da comunidade:

Nesse país que se divide em quem tem e quem não tem,

Sinto o sacrifício que há no braço operário

Eu olho para um lado

Eu olho para o outro

Vejo o desemprego

Vejo quem manda no jogo

E você vem, vem

Pede mais de mim

Diz que tudo mudou

E que agora vai ter fim

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Mas eu sei quem você é

Ainda confia em mim?

Esse jogo é muito sujo

Mas eu não desisto assim

Você me deve

Malandro é malandro

Mané é mané...

Esta postura do político canalha do qual fala Bezerra também é tema de Vírus da Corrupção:

Ele vai subir novamente lá no morro

Apertando mão em mão, pedindo voto de novo.

A rapaziada já sabe que é o ladrão do dinheiro do povo!

Toda favela já sabe que é o ladrão do dinheiro do povo!

Quando ele está em campanha

Diz que vai resolver toda situação.

Depois de tá eleito adianta o seu lado

E dá uma banana para o meu povão

Perde a credibilidade, a moral e o pudor

Tira o pão da boca das crianças

Do aposentado e do trabalhador!

[...]

Na eleição passada,

Através do morro ele se elegeu.

Nada fez pelo pobre favelado

E num boeing de luxo desapareceu.

Foi comemorar a vitória em sua mansão

No distrito federal.

Eu só fui saber que ele estava vivo

Porque saiu como corrupto no jornal.

De norte a sul,

De leste a oeste, meu irmão.

Como tem político contaminado

Com o vírus da corrupção! (2x)

referÊnCias

BARROS FILHO, Clóvis. Entrevista ao Espaço Ética. Maneiras de tratar o problema da corrupção; e triste formação moral do brasileiro. 6’33”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YQprJzh8eJs>. Acesso em 08.ago.2015.

BARROS FILHO, Clóvis de; CORTELLA, Mario Sérgio. Entrevista ao Café Filosófico: CPFL Cultura; TV Cultura. 26.ago.2014. 52’09”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zMNyqVGHTRs> Acesso em 08.ago.2015.

BIANCHI, Luiz Felipe. A descrença da população brasileira em seus políticos, uma visão psicanalítica. VII Jornada de Saúde Mental e Psicanálise da PUCPR: nov. 2012. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/index.php/ jm7?dd1=7285&dd99=view>. Acesso em 05.ago.2015.

BIROLI, Flávia. É assim, que assim seja: mídia, estereótipos e exercício de poder. Compolítica: Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política. IV Encontro da Compolítica: Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 13-15.abr.2011. Disponível em: <http://www.compolitica.org/home/wp-content/uploads/2011/03/Fl%C3%A1via-Biroli.pdf>. Acesso em 05.ago.2015.

BOSI, A. O ser e o tempo na poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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186Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance Grafia Líquida de Lu Trevisan - Foto: Gabriela Trevisan

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ANDAR, BATER, GIRAR: UM JOGO DE (DE)(RE)COMPOSIÇÃO COREGRÁFICA NA CONSTRUÇÃO DO [EN]LINHAS

artigo 06 andar, Bater, Girar: Um joGo de (de)(re)ComPosição

CoreGráfiCa na ConstrUção do [en]linhas

Janaína Martins Bento1

resUmoEste texto trata dos processos de composição coreográfica desenvolvidos na criação do trabalho [EN]LINHAS, criado em 2013, para o componente curricular Análise dos Elementos da Composição Coreográfica, no Bacharelado em Dança da Universidade Federal do Ceará. Proposto agora como Trabalho de Conclusão de Curso, [EN]LINHAS segue em desenvolvimento, ampliando sua pesquisa de movimento, suas construções espaciais e sua duração. Esta escrita é mais um relato de experiência do que uma análise acadêmica da pesquisa realizada.

PalaVras-ChaVe: Composição coreográfica. Dança contemporânea. Processo criativo.

floor, Beat, tUrn: a Game (de)(re)ComPosition ChoreoGraPhiC in [en]linhas’ ConstrUCtion

ABSTRACThis paper is about the choreographic processes developed for the creation of the piece [EN]LINHAS, created in 2013 for the discipline of Análise dos Elementos da Composição Coreográfica (Choreographic Composition Elements Analysis), in the undergraduation (Bachelor’s Degree) on Dance at the Universidade Federal do Ceará. Now proposed as a final work for the undergraduation, [EN]LINHAS follows in development, expanding its movement research, its spatial constructions and its duration. This writing is more an experience report than an academic analysis of the research conducted.

KeYwords: Choreographic composition. Contemporary dance. Creative process.

1 Intérprete-criadora, pesquisadora. Trabalha com composição coreográfica com foco na (de)(re)com-posição de movimentos e na relação do desenho-dança. Bacharelanda em dança pela Universidade Federal do Ceará. Participa dos projetos de pesquisa Concepções Filosóficas do Corpo em Cena e Corpóreos: labora-tório de pesquisa de movimento. Licenciada em História pela Universidade Estadual do Ceará e especialista em Metodologias do Ensino das Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do Ceará. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/3004723947738153

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Por QUe o [en]linhas?A decisão de se trabalhar o [EN]LINHAS2 como trabalho de conclusão

de curso (TCC) se deu porque nele foi possível reconhecer possibilidades múltiplas para pensar a composição em dança. Num processo de criação coreográfica qualquer, a escolha dos materiais a serem trabalhados pode ser feita de forma aleatória; o ponto de partida (ou a inspiração) para a pesquisa de movimentos pode vir de n lugares (poesia, filme, vídeo etc). No [EN]LINHAS, havia três elementos (andar, bater, girar) como chave de pesquisa inicial. Através de tratamentos sucessivos dos materiais3 selecionados, certos procedimentos composicionais se seguiram: a) repetição; b) acumulação; c) depuração e d) complexificação.

Interessa-me muito esse jogar com as formas já dadas. Pegar o que já se tem e reorganizar, criando algo diferente ou recriando, tirando de um lugar e colocando em outro, imaginando as maneiras possíveis de se compor esse grupamento de movimentos, deslocando de um lugar a outro.

No [EN]LINHAS, esse deslocamento acontece no trabalho inteiro. Uma mesma estrutura pode transitar várias vezes pelo trabalho de forma distinta a cada aparição, seja por ter mudado o tempo de execução, a amplitude do movimento ou orientação espacial. É nessa variação, em sucessivas camadas de tratamento, que venho tentando dar complexidade à composição. A complexificação, no entanto, precisa sempre ser conciliada com um esforço de compreensão e alargamento da lógica de sentido reconhecida na matéria coreográfica primeira. Dessa conciliação também trata a composição do [EN]LINHAS, pois todos os elementos são compostos de modo a criar uma lógica de sentido.

Para que a gramática possa ‘tornar-se sentido’, como gosta de dizer Cunningham (‘the gramamar is the meaning’), ou seja, para que possa tornar-se um elemento constitutivo do movimento, é preciso que ‘a gramática dançada’ se ‘preencha’ ela própria de sentido, em suma, que o movimento seja dançado, que possua lógica própria, os seus elementos desencadeadores, a sua orientação. (GIL, 2002, p. 33)

Assim, a composição do [EN]LINHAS — como produção de sentido no tempo e espaço — é um esforço de estabelecer uma lógica que lhe seja própria, sua dramaturgia. Aliás, pensar composição em dança também é pensar dramaturgia, como diz Marianne Van Kerkhoven (1997, p.19) “Nós nos ocupamos todo o tempo da dramaturgia, mesmo quando não nos ocupamos dela.”4

2 Trabalho disponível em <https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=S02dU0EVKkE>. Acesso em: 30 Set. 2015.3 Entenda-se, aqui, por materiais movimentos e/ou gestos.4 Tradução nossa: “Nous nous occupons tout le temps de dramaturgie, même lorsque nous ne nous en occupons pas”.

do ProCesso de PesQUisa e ComPosição do [en]linhas

1.2.1 - O começo:O [EN]LINHAS é um duo5 que foi apresentado pela primeira

vez na cadeira Análise dos Elementos da Composição Coreográfica, em 2013. O ponto de partida, ou inspiração para a composição, foi a sequência primeira do filme Hoppla!6, um duo performado por Johanne Saunier e Jean-Luc Ducourt, cuja coreografia é da belga Anne Teresa De Keersmaeker7. O duo começa com o casal em linha reta; a dançarina à frente de seu partner, um atrás do outro. A movimentação se dá num jogo de ocupação de espaço, em que um dos dançarinos quer sempre passar à frente do outro. Marianne Van Kerkhoven - dramaturgista de Anne Teresa De Keersmaeker - comenta que “esse pas de deux contém uma alternância de agressão e ternura, avanço e rejeição, numa rápida sucessão.” (1998, p. 18)8.

Dessa composição foram tiradas três ações simples como matrizes para pesquisa: caminhar, encontrar e girar. Porém, os corpos do [EN]LINHAS se posicionavam paralelamente, um de frente para o outro, a uma distância de poucos passos; seguidamente, percorríamos essa distância, indo e vindo, repetindo um caminhar que sugerisse o encontro; do encontro vinham o choque e o giro. Ainda sobre o caminhar, eram inseridos outros elementos que se acumulavam com o bater e girar: um braço que pendulava, uma perna que elevava, uma queda. Mas sempre se tentava manter essa distância a ser percorrida e as linhas.

“Linhas que tensionam e permeiam o processo. Encontros e desencontros. Ir e vir de possibilidades. Trânsito do agora. Atração, repulsão. Ação, reação.” Essas palavras, escritas por Thiago Torres — companheiro de duo — compõem o release do [EN]LINHAS e resumem muito bem o processo de composição do trabalho: em linhas estamos — eu e ele — sempre nos encontrando e desencontrando; o encontro ocasiona uma ação que gera uma reação, que pode ser o giro, o desencontro, a repulsão ou atração. Há várias possibilidades de desdobramento coreográfico, desde que se façam num ir e vir. No processo de pesquisa, as três ações (andar, bater, girar) eram repetidas inúmeras vezes até que emergissem diferenças. Uma delas acabou por

5 Desde sua criação, em 2013, o [EN]LINHAS é dançado por mim, autora dessa pesquisa, e pelo colega de curso Thiago Torres.6 Trailer disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qTOlNcZAJ5A>. Acessado em: 01 Jun. 2015.7 Filme de 1989, dirigido por Wolfgang Kolb, gravado em 16mm e com 52 minutos de dura-ção. Esse filme é uma versão de duas outras coreografias da própria Anne Teresa De Keersmaeker: Bartok (1986) e Mikrokosmos (1987). Cf: http://www.rosas.be/en/film/hoppla8 Tradução nossa: “This pas de deux contains an alternation of aggression and tenderness, advances and rejection, in rapid succession.”

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remeter, não propositalmente, a outra obra de Anne Teresa De Keersmaeker: o duo inicial da obra Fase9, dançado por ela e Michèle Anne De Mey. O ir e vir, feito por mim e por Thiago Torres, no [EN]LINHAS, aliado aos movimentos pendulares do braço direito, eram, de fato, bastante semelhantes à movimentação feita por de Anne Teresa De Keersmaeker e Michèle Anne De Mey, quando estas repetem, insistentemente, o caminhar, indo e vindo na mesma direção, balançando o braço direito até que Anne Teresa De Keersmaeker mude de sentido. Contudo, enquanto no Fase tal movimento é a base da composição coreográfica, no [EN]LINHAS é apenas uma transição para outra estrutura.

O que há nO [en]LInhAS?Os elementos mais visíveis no [EN]LINHAS continuam a ser aqueles

mesmos que emergiram em sua primeira versão: as ações (andar, bater e girar), sua repetição, desdobramento e configuração em linhas. Linhas que definem percursos, linhas que riscam o espaço/ar, que tomam a forma de letras e figuras variadas, mas sempre linhas. Não tão visível assim está o jogo de decomposição/recomposição com o qual vai se construindo um vocabulário em dança a partir dos elementos prévios, decompondo-os e recompondo-os para exponenciá-los. Cada novo elemento, mesmo que distinto, traz sempre consigo algo daquele outro que o produziu. Dentro dessa dinâmica composicional, há ainda a restrição de somente caminhar em linhas paralelas um ao outro até uma distância de quatro passos médios.

Outro elemento presente no trabalho, mas que se restringe apenas ao meu processo pessoal de criação, é o desenho. O [EN]LINHAS é uma dança cujos movimentos são todos compostos por/de desenhos, desenhos no papel, desenhos no espaço. É uma dança desenhada, uma dança escrita, uma escrita dançada, uma escrita com dança.

DO pApeL pArA O cOrpO – DO eSpAçO pLAnO pArA O trIDImenSIOnAL:É, primeiramente, no papel onde a dança começa a se formar para,

depois, ser materializada tridimensionalmente. Não se trata de querer estabelecer uma notação em dança, mas de tentar visualizar e/ou registrar a espacialidade e os movimentos que serão experimentados posteriormente. São desenhos de criação e, segundo Cecillia Salles, um diálogo com o pensamento: “[...] o pensamento se dá sob forma de diálogo e o desenho é certamente parte integrante dessas conversas [...] Os desenhos de criação agem como um dos instrumentos desse tipo de comunicação. ” (2006, p110).

9 Trecho disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=RTke1tQztpQ>. Acessado em: 12 Jun. 2015.

Figure 1: esboço inicial do [EN]LINHAS (2013)

Figure 2: ocupação espacial de uma sequência atual do [EN]LINHAS (2015)

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Figura 3: movimentos pensados e experimentados no [EN]LINHAS (2015)

Essa escrita da dança, que pode também ser entendida como esquema de composição, é sabidamente utilizada por muitos coreógrafos, entre os quais Trisha Brown e Anne Teresa De Keersmaeker são exemplos recorrentes.

Figure 4: Untilited (Locus), 1975 - Trisha Brown

Figure 5: Em Atendant & Cesena: Coreographer’s Score - Anne Teresa De Keersmaeker

É assumido, nesta pesquisa, que desenho também é texto, é escrita. Assim, os esquemas de composição do [EN]LINHAS são textos e, da mesma manei-ra, pesquisa desse processo ou processo dessa pesquisa.

rePetição e ritornelo: Criando lUGares, desestaBilizando territÓriosUm dos elementos mais presentes no [EN]LINHAS é a repetição de

movimentos, seja a de uma sequência inteira ou apenas a de um gesto. A repetição em dança tem dois usos recorrentes: ora ela serve para fixar no corpo uma sequência já estabelecida (como estratégia de memorização), ora ela se faz método de composição.

Em sistematizadas técnicas de dança, como balé clássico e muitas formas de dança moderna, a repetição é ponto de treinamento e do processo criativo. [...] Durante o processo criativo de peças de dança, a repetição é usada por alguns coreógrafos como um instrumento formal de composição, conectando movimentos e frases de movimento. A repetição também é usada por muitos coreógrafos para ensinar a sequência aos dançarinos, que repetem os movimentos com seu criador e depois, sozinhos, para memorizá-los. Deste modo, a repetição é usada pelo professor de dança, pelos coreógrafos, ou pelo próprio dançarino, para construir ou rearranjar e confirmar vocabulário de movimento no corpo dançado. (FERNANDES, 2007, p. 46)

O uso da repetição no [EN]LINHAS se faz nos dois sentidos aqui

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reconhecidos, mas sobretudo como método de composição, visando o desdobramento de um vocabulário em dança. Ciane Fernandes (2007), ao analisar algumas obras10 de Pina Bausch, categoriza as repetições usadas em suas obras em repetições formais e repetições implícitas no processo criativo.

As repetições formais incluem: a exata repetição de uma frase de movimento (“Obsessiva”); a repetição de uma cena com sutis diferenças (“Alterada”); a repetição do mesmo evento em diferentes contextos (“Intermitente”); a repetição de eventos previamente separados, agora simultaneamente na mesma cena (“Longo alcance”). As repetições implícitas no processo criativo incluem: A reconstrução cênica de experiências passadas dos dançarinos (...) e a reconstrução de um conto tradicional ou ópera. (Id, ibidem, p. 43)

As repetições no [EN]LINHAS são, segundo a categorização de Ciane Fernandes (2007, p. 43), repetições formais, pois são por vezes obsessivas, alteradas e intermitentes.

Em seu Livro das sonoridades [notas dispersas sobre composição], Silvio Ferraz trata de processos de composição em música que guardam extrema afinidade com os que tenho experimentado ao coreografar. De fato, ao falar de música e tratar do conceito de ritornelo, o autor aborda procedimentos de repetição que parecem ter sido tirados do processo do [EN]LINHAS: a relação com um centro que se escolhe num momento e depois o abandona para criar outro centro, assim descentralizando o espaço, ou o ampliando, faz parte do processo com que está se estruturando o [EN]LINHAS. Ferraz chama de criar lugares essa relação de escolher e abandonar um centro: “A música é feita desses jogos de criar e desfazer lugares. Você escolhe um centro, gira em torno dele com alguns elementos e, de repente, é atraído para outro centro, e daí retoma o movimento.” (2005, p. 38). Mas, criar lugares não significa criar estabilidade, é desestabilizar. É um local onde você possa ir e voltar, retornar, retomar sem ter que passar exatamente pelo mesmo lugar, ritornelo: “[...] ritornelo não é apenas voltar ao mesmo ponto, retomar do início, mas uma questão de território, de lugar. De escolher, fazer, sair e retomar este lugar” (Ibidem, p. 35). “No ritornelo o que volta [...] é a potência de fazer e desfazer lugares, potência de escuta. ” (Ibidem, p. 39). Uma ressalva deve ser feita sobe o ritornelo, ele não é repetição: “Veja bem que o ritornelo não é o vai e volta, não é a repetição de um elemento. Ele compreende reiterações, jogos de vai e vem, mas este é o modo com que ele escolhe um centro, funda um centro e desenha o seu lugar. ” (Ibidem, p. 77). Donde possa dizer que, no [EN]LINHAS, há repetição e ritornelo, cada um atuando como procedimento composicional e dramatúrgico.

10 Kontakthof (Pátio de Contatos, 1978), Arien (Árias, 1979), 1980 – Ein Stück von Pina Bausch (1980 – Uma peça de Pina Bausch), Auf dem Gebirge hat man ein Geschrei gehört (Ouviu-se um Grito na Montanha, 1984)

[en]linhas: aonde se Pretende CheGarO processo de pesquisa e construção deste trabalho coreográfico ainda

não está findado e talvez não tenha um ponto final. Foi dada uma pausa, com vistas à defesa de conclusão de curso. Contudo, dados o potencial de criação e os elementos composicionais surgidos durante essa pesquisa, há possibilidades que este trabalho possa se desdobrar ainda mais.

Como a pesquisa trata de (de)(re)composição em dança, há sempre o que se desenvolver, sempre (n)o que trabalhar. O [EN]LINHAS por vezes lembra uma fita de Möbius, visto que é dele mesmo que o material é retirado para sua continuidade. É um eterno retorno dele/nele mesmo.

referenCiasBATCHELOR, David. minimalismo. (trad. Celia Euvaldo). São Paulo: Cosac Naif Edições, 2001. 80 p.

CALDAS, Paulo. William Forsythe: dispor, indispor. IN BRIONES, Hector, GONÇALVES, Thaís, PARRA, Denise e VIEIRA, Carolina (Org.). docência-artista do artista-docente: seminário Dança Teatro Educação. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2012, p. 98-117.

CERVO, Dimitri. o minimalismo e suas técnicas composicionais. Disponível em: <http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/11/num11_cap_03.pdf>. Acesso em 22 Mar. 2015

FERNANDES, C. Pina Bausch e o wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Annablume, 2007. 196 p.

FERRAZ, Silvio. livro das sonoridades [notas dispersas sobre composição]. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005.

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SALLES, Cecília A. redes de criação: construção da obra de arte. São Paulo: Horizonte, 2006.

lista de fiGUras:figura 1: esboço inicial do [EN]LINHAS (2013). Arquivo pessoal.

figura 2: ocupação de uma sequência atual do [EN]LINHAS (2015). Arquivo pessoal.

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figura 3: movimentos pensados e experimentados no [EN]LINHAS (2015). Arquivo pessoal.

figura 4: Untilted (Locus), 1975. Trisha Brown. Disponível em: < http://www.trishabrowncompany.org/?page=view&nr=723>. Acesso em: 05 Nov. 2015.

figura 5: Em Atendant & Cesena: Coreographer’s Score. Anne Teresa De Keersmaeker. Disponível em: <http://www.rosas.be/nl/bookproduction/en-atendant-cesena-choreographers-score>. Acesso em: 05 Nov. 2015.

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200Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance Grafia Líquida de Lu Trevisan - Foto: Gabriela Trevisan

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POSSÍVEIS RECONFIGURAÇÕES PARA UMA “AULA DIFERENTE” NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

artigo 07 PossÍVeis reConfiGUraçÕes Para Uma “aUla diferente” na PersPeCtiVa da

edUCação inteGral

Lisete Funari Dias (UNIPAMPA)1

Nycollas Stefanello Vianna (UNIPAMPA)2

Carla Adelina Inácio de Oliveira (UFPel)3

Crisna Daniela Krause Bierhalz (UNIPAMPA)4

resUmo:Apresenta-se uma atividade desenvolvida pelo PIBID, discutindo-a na perspec-tiva da Educação Integral, conforme o Programa Mais Educação. Foi proposta para 16 alunos do 6º ao 9º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Profes-sora Heloisa Louzada, município de Dom Pedrito/RS. Justifica-se a atenção para seus resultados, com base nos pressupostos da Educação Integral, que entende a necessidade da ampliação dos espaços e dos tempos de aprendizagem, com ações que articulem práticas culturais e pedagógicas. A atividade relaciona-se ao Meio Ambiente, utilizou a construção de vídeos e de Histórias em Quadrinhos (HQ’s). Conclui-se sobre a aprendizagem, estímulo à criatividade e conscientiza-ção ambiental, dando um ar alegre à escola, evidenciado na fala dos alunos ao denominarem de “aulas diferentes”.

PalaVras ChaVe: Educação Integral, Meio Ambiente, Mídias

1 Licenciada em Física (UFPel-2006) e Mestre em Ensino de Física (UFRGS -2010). É doutoranda no Progra-ma de Pós Graduação Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFRGS), com pesquisa relacionada às Políticas Públicas na Formação Continuada de Professores. Atualmente é Professora Assistente da Universidade Federal do Pampa, Campus Dom Pedrito/RS, atuando no Cursos de Licenciatura em Educação do Campo e Licenciatura em Ciências da Natureza. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4550998J32 Atualmente acadêmico no curso de Licenciatura em Ciências da Natureza na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA),Campus Dom Pedrito-RS. Bolsista no Programa de Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) no Subprojeto Ciências da Natureza, estando inserido atualmente na E.E.E.F. Professora Heloísa Louzada, na cidade de Dom Pedrito-RS. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8180086U43 Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade da Região da Campanha (1998). Atual-mente é professora efetiva - SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Especialista em Práticas Educativas em Ciências da Natureza e Matemática pela Universidade Federal do Pampa. Supervisora do PIBID Subprojeto Ciências da Natureza na Escola Professora Heloisa Louzada em Dom Pedrito - RS. Cursa Mes-trado Profissional no Programa de Pós Graduação de Ensino de Ciências e Matemática da UFPel. http://busca-textual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4413924E84 Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa, possui graduação em Pedagogia pela Univer-sidade Federal de Pelotas (1997). Especialista em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (1998), em Administração e Supervisão Escolar pelas Faculdades Integradas de Amparo (2003) e em Administração Pública pela Faculdade Atlântico Sul (2005). Mestre em Educação Ambiental pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (2007). Doutora em Educação, linha Formação de Professores na Pontífica Universidade Católica do RS (2012). http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4592154D6.

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PossiBle reConfiGUrations to a “different Class” from the PersPeCtiVe of inteGral edUCation

aBstraCt:It presents an activity developed by PIBID, discussing it in the perspective of Integral Education, as the More Education Program. It was proposed to 16 students from 6th to 9th year at the State Elementary School Professor Heloisa Louzada, municipality of Dom Pedrito / RS. Justified attention to their results, based on assumptions of Integral Education, who understands the need to increase opportunities and learning time, with actions that articulate cultural and pedagogical practices. The activity is related to the Environment, used the building videos and Comics (HQ’s). The conclusion is about learning, stimulating creativity and environmental awareness, giving a cheerful air to school, evidenced in the speech of students to call of different “classes”.

KeY words: Integral Education, Environment, Media

introdUçãoEsse trabalho tem por objetivo apresentar uma estratégia didática experien-

ciada nas atividades do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) e discuti-la na perspectiva da Educação Integral. Nessa atividade, procurou-se o enriquecimento do currículo em sua parte diversificada, a superação da frag-mentação do conhecimento escolar e a possibilidade de motivação para que a aprendizagem se torne significativa.

A atividade foi proposta para alunos da Escola Estadual de Ensino Funda-mental Professora Heloisa Louzada, município de Dom Pedrito/RS, utilizando as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Foi planejada e executada a partir das ações de um grupo de licenciandos, professora supervisora, coordena-dor de área e colaboradores do PIBID Subprojeto Ciências da Natureza, Campus Dom Pedrito, da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). A Escola Profes-sora Heloisa Louzada, além de participar do PIBID, participa do Programa Mais Educação. Esses programas também atentam para o Ideb, principal indicador da qualidade da educação no Brasil, que aponta o Município de D. Pedrito como penúltimo colocado no Rio Grande do Sul. No ano de 2013, nos anos finais do en-sino fundamental da rede estadual, o município não alcançou 6,0 e nem sequer atingiu a meta de 3,9. Este índice ficou em 3,1 e ainda teve queda com relação aos anos anteriores. Esse indicador demonstra que o município precisa melhorar a sua situação, para garantir mais alunos aprendendo, dados que possibilitam a compreensão da necessidade de auxilio na qualificação da Educação Básica, na perspectiva de uma escola para todos, em que todos aprendem (QEdu, 2013).

Justifica-se a atenção para essa atividade e seus resultados, com base nos pressupostos da Educação Integral, proposto pelo Programa Mais Educação, que entende a necessidade da ampliação dos espaços e dos tempos de aprendiza-gem, com ações que articulem práticas culturais e pedagógicas fortalecedoras do projeto pedagógico da escola, contribuindo para qualificar o ensino e a esco-la como espaço de significado democrático. Atende também a perspectiva da “articulação entre sistemas de ensino, universidades e escolas para assegurar a produção de conhecimento, a sustentação teórico-metodológica, a formação inicial e continuada dos profissionais, no campo da educação integral” (BRASIL, 2010)

O desenvolvimento desse trabalho contempla inicialmente uma discussão teórica sobre a Educação Integral. A partir daí apresenta-se a metodologia da atividade realizada na escola e a análise dos principais resultados alcançados.

1 a educação integral no Programa mais educaçãoO Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007

e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministé-rio da Educação para indução de ampliação do tempo escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral. As escolas das redes públicas de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal que aderem ao Programa podem optar por desenvolver atividades nos seguintes macrocampos (para as escolas ur-banas): acompanhamento pedagógico (pelo menos uma atividade obrigatória); comunicação, uso de mídias, cultura digital e tecnológica; cultura, artes e educa-ção patrimonial; Educação ambiental, desenvolvimento sustentável e economia solidária e criativa/ educação econômica; esporte e lazer (BRASIL, 2013).

Anisio Teixeira, em sua obra Educação não é Privilégio (Teixeira,1977), publicada inicialmente em 1936, já trazia a ideia de que a escola já não poderia ser a escola parcial. Já nessa época preocupava-se com as crianças das classes populares, as quais não trazem hábitos de instrução das famílias. Dessa forma foi defensor da escola ter seu espaço e tempo ampliados. Segundo o autor,

[..] a escola já não poderia ser a escola dominantemente de instrução de antigamente, mas fazer as vezes da casa, da família, da classe social e por fim da escola, propriamente dita, oferecendo à criança oportunidades completas de vida, compreendendo atividades de estudos, de trabalho, de vida social e de recreação e jogos5.

Foi nesse modelo que projetaram na Bahia, os centros de Educação Primária, de que o Centro Carneiro Ribeiro, em Salvador, fez a primeira demonstração.

5 TEIXEIRA, 1977, p. 129.

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Nesses centros a instrução é dividida em classe e trabalho, as denominadas “Escolas Classe” e “Escolas Parque”.

Como um dos mentores intelectuais do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), Anisio Teixeira, pensando na implementação de um Sistema Público de Ensino para a escola pública, apresenta sua ideia e expectativas para o poder transformador das ações educativas dessa, que denomina Escola Nova:

À Escola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna, aparelhada de todos os recursos para atender e fecundar a sua ação na solidariedade como meio social, em que então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e atividades educativas6.

Tem sido esse, um ideal presente na legislação educacional brasileira atual, incluindo iniciativas diversas para construir uma proposta de Educação Integral, significando a criação de estratégias que, segundo BRASIL (2009), assegurem às crianças, aos adolescentes e aos jovens:

[...] o acesso aos veículos de comunicação, ao domínio de diferentes linguagens, à prática da leitura, à crítica e, principalmente, à produção de comunicação como instrumento de participação democrática. Trata-se de instituir uma mobilização consequente para a formação que reconheça a diversidade como patrimônio imaterial fundamental da sociedade, que incentive a educação ambiental e o respeito aos direitos humanos.7

Nesse sentido, foram observados na atividade proposta para a Escola Professora Heloisa Louzada, dentre os macrocampos anteriormente citados, pelo menos três deles: Acompanhamento pedagógico; Educação Ambiental; Comunicação, Cultura digital e uso de mídias, os quais serão relacionados e discutidos nos resultados alcançados.

De acordo com BRASIL (2009), experiência tal como a atividade desenvolvida, deve permitir afirmar que a Educação Integral se caracteriza “pela ideia de uma formação mais completa possível para o ser humano, embora não haja consenso sobre o que se convenciona chamar de formação completa e, muito menos, sobre quais pressupostos e metodologias a constituiriam” (BRASIL, 2009, p. 16).

Além disso, falar em Educação Integral e escola com tempo e espaço ampliados não pode ficar dissociado do educar com qualidade. Quando Freire (2001) se refere à qualidade da educação, questiona sobre qual qualidade

6 BRASIL, 20097 BRASIL, 2009, p.6

estamos falando. E assim, diz que devemos considerar:

[...] o valor que atribuímos aos seres, às coisas, à prática educativa, democrática, popular, rigorosa, séria, respeitadora e estimuladora da presença popular nos destinos da escola, que se vá tornando, cada vez mais uma escola alegre.8

Considerando essa base teórica, ilustramos com a experiência que descreveremos a seguir, os resultados das possíveis reconfigurações para a Escola de Educação Básica no Brasil.

2 ProCedimento metodolÓGiCoA atividade planejada e realizada na Escola Professora Heloisa Louzada, no

denominado Clube de Ciências, uma das ações do PIBID9, relaciona-se ao Meio Ambiente, usando como ferramenta, as TIC’s, foi desenvolvida com 16 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, no turno inverso (tarde). Tais alunos também participaram das atividades do Programa Mais Educação em outros momentos.

Para a primeira semana, a atividade planejada pelo PIBID, foi a apresentação de dois vídeos sobre Educação Ambiental:

• Desenvolvimento Sustentável10

• Animação-Homem Capitalista11

Após a apresentação dos vídeos, lançaram-se questões sobre a im-portância da preservação do Meio Ambiente: “O que é Meio Ambiente?”; “O que é ecologia?”.

Como tarefa, os alunos deveriam construir vídeos, utilizando o programa Movie Maker12. Foi lançado o seguinte desafio: cada aluno, individualmente ou em dupla, deveria montar um pequeno vídeo sobre o tema Meio Ambiente. O vídeo deveria conter título, imagens capturadas da internet, frases de conscientização ambiental e, no final, o nome dos alunos autores. Os alunos foram instigados a fotografarem a escola e seu entorno para utilizarem em seus vídeos.

Com o propósito de acompanhamento pedagógico, os vídeos produzidos pelos alunos deveriam ser avaliados pelos Pibidianos, quanto ao entendimento dos pressupostos da Educação Ambiental, quanto à criatividade e motivação para realizar as atividades.

Na semana seguinte, outra atividade proposta e realizada sobre a mesma

8 FREIRE, 2001, p. 239 PIBID Subprojeto Ciências da Natureza, UNIPAMPA, Campus Dom Pedrito10 Disponível em: <https://www.youtube.com/results?searchquery=desenvolvimento+sustentavel> 11 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5XqfNmML_V4> 12 Disponível em: < http://windows.microsoft.com/pt-br/windows/get-movie-maker-download>

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208 Foto: Anderson Luiz de Souza

temática, está relacionada à criação de Histórias em Quadrinhos (HQ’s), empregando para isso, os recursos disponíveis no site Pixton13, um software livre e online, e a ferramenta paint. A atividade foi construída no Laboratório de Informática da Escola. Na mesma proposta da primeira atividade, cada aluno teria que usar sua criatividade para criar uma HQ sobre a temática ambiental. A atividade, na mesma perspectiva da primeira, foi avaliada pelos Pibidianos.

3 resUltados alCançadosOs resultados serão avaliados e discutidos, numa perspectiva de qual direi-

to à educação estamos falando, segundo a base teórica: (PIAGET,1973), (FREIRE, 2001) e (TEIXEIRA,1977).

No que diz respeito ao Programa Mais Educação, a educação deve ser inte-gral e de qualidade, proporcionando a ampliação dos horizontes, das possibilida-des e das oportunidades de formação.

Nesse sentido, a discussão das atividades planejadas pelo PIBID leva em con-ta três macrocampos do Programa Mais Educação: Acompanhamento Pedagó-gico; Educação Ambiental; Comunicação, Cultura digital e uso de mídias (BRASIL, 2009).

• acompanhamento PedagógicoCom relação à primeira atividade, relacionada aos vídeos, o acompanha-

mento ficou por conta dos Pibidianos.Os alunos, após terem assistido aos vídeos, foram instigados a procurar pelas

respostas das questões lançadas: “O que é Meio Ambiente?”; “O que é ecolo-gia?”, assim como construir seus vídeos, e para isso, tiveram o acompanhamento dos Pibidianos. Da mesma forma, tiveram apoio, quanto ao uso do Movie Maker.

As respostas das questões foram buscadas na internet, nos computadores do laboratório de informática da escola. No entanto, os Pibidianos atuaram como mediadores do conhecimento, indicando sites confiáveis.

Além do acompanhamento dos Pibidianos, a atividade contou com o acom-panhamento da supervisora do PIBID, professora de Ciências Naturais da Escola. Sendo assim, todas as atividades tiveram um acompanhamento pedagógico.

Evidenciou-se a importância do planejamento da atividade e do acompa-nhamento, o que foi facilitado pelas ações do PIBID, cujos bolsistas são licencian-dos do Curso de Ciências da Natureza da UNIPAMPA.

• educação ambientalApós terem assistido ao vídeo, e discutidas as questões “O que é Meio Am-

biente?”, “O que é ecologia?”, os alunos construíram seus vídeos. A montagem de um único vídeo, contendo todos os vídeos dos alunos, foi

13 O site Pixton permite que os usuários criem e editem suas histórias com diversos recursos gratuitos

realizada pelos Pibidianos, evidenciando que os alunos procuraram na internet por imagens relacionadas às belezas naturais que a Terra nos apresenta, dando ênfase para mensagens de importância à preservação. Alguns mostram a Terra doente a partir da poluição dos mares, queima da floresta, poluição do ar e solo e apresentam a frase: ‘Qual Planeta você quer para o futuro dos seus filhos”. Além desse problema, os alunos trazem a importância da reciclagem. O pátio da esco-la é fotografado pelos alunos, chamando a atenção para o fato do lixo nem sem-pre ser colocado devidamente na lixeira. Por fim, a preocupação com os animais, evidencia a preservação da fauna e o cuidado com animais.

Ainda relacionado ao tema Meio Ambiente, na próxima atividade, construção de Histórias em Quadrinhos (HQ’s), os alunos tiveram a oportunidade de criar a his-tória escolhendo objetos e personagens, incluindo a escrita das falas dos mesmos. Nesse dia, a autora que aqui relata essa experiência, docente da UNIPAMPA e colaboradora do PIBID, teve a oportunidade de presenciar a atividade no labora-tório de informática da Escola. Em um dos computadores, ao lado de um dos alu-nos que construía sua HQ, acompanhando-o desde a aprendizagem relacionada ao uso do software Pixton, até a criação da HQ, também reparou como o aluno executava a escrita.

A Figura 1 apresenta a HQ desse aluno, que começa o primeiro quadro com um fato de maus tratos aos animais. Aquilo chamou a atenção da docente, que perguntou: “Mas porque tu escolheste essa cena?”. Ele responde: “espera aí pro-fessora, eu não terminei”. Na sequência ele deixa claro que maus tratos aos ani-mais é crime ambiental. Outra considerável contribuição das HQ’s é a escrita. O aluno pergunta como se escreve “você”, se com s ou c? e se é “mau” ou “mal trato”, evidenciando que a criação da HQ colabora na aprendizagem da escrita, tanto da palavra, quanto da construção de textos.

Figura 1: HQ criada por um aluno na atividade do Programa Mais EducaçãoFonte: Blog do PIBID

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A Figura 2 apresenta uma HQ, criada por outro aluno, relacionada ao tema lixo na natureza.

Figura 2: HQ criada por um dos alunos participantes da atividade.Fonte: Blog do PIBID

.

As HQ’s foram copiadas com auxílio da ferramenta paint14 para serem montadas em uma exposição dos trabalhos dos alunos, na escola, assim como publicadas no blog.

Relacionando os resultados, aqui relatados, a uma teoria de aprendizagem, concordamos que as atividades propostas com relação à Educação Ambiental, seguiram no caminho de despertar, nos alunos, consciências livres e indivíduos respeitadores dos direitos e das liberdades de outros. Para Piaget (1973), o direito à educação não é apenas frequentar escolas, mas o direito ao pleno desenvolvimento da personalidade, o que para o teórico, significa consciência moral e intelectual. Sendo assim, o estudante tem o direito de encontrar na escola, o que for necessário à construção tanto de um raciocínio, quanto de uma consciência moral (PIAGET,1973).

• Comunicação, Cultura digital e uso de mídiasA escola é situada na periferia do Município de Dom Pedrito, realidade

que representa, para muitos alunos das classes populares, a falta de acesso ao computador ou internet para realização dos trabalhos escolares. Sendo assim, foi possível presenciar, por meio das atividades propostas, alunos realizados devido

14 O Paint é um programa de desenho que pode ser usado para criar desenhos ou editar imagens digitais.

ao uso de tecnologias digitais. Os alunos evidenciaram que nos horários de aula regular, por serem períodos muito reduzidos para vencer o conteúdo do currículo, tornam-se inviáveis essas “aulas diferentes”, termo usado por eles. Nesse momento nos remetemos ao que Freire (2001) fala, quando se refere à escola se constituindo cada vez mais um espaço alegre. Na mesma ideia Teixeira (1977) compreende que a escola deve estar além das atividades de estudos, mas de trabalho, de vida social e de recreação.

Piaget (1973), ao falar em direito à educação, evidencia o papel indispensá-vel dos fatores sociais na formação do indivíduo.

O vídeo criado pelos alunos e todas as HQ’s estão disponíveis no blog “PIBID Dom Pedrito” podendo ser acessado pelos alunos, que ficaram felizes pela divulgação dos seus trabalhos à toda comunidade cibernética, pela família dos mesmos e por todos que quiserem conferir os trabalhos dos alunos. Freire (2001) também diz que uma educação de qualidade respeita e estimula a presença popular na escola.

ConsideraçÕes finaisA proposta é pensada e desenvolvida na perspectiva de ampliação dos es-

paços e dos tempos de aprendizagem, com ações que articulem práticas cultu-rais e pedagógicas.

Considera-se que tais atividades, envolvendo as TIC, deram um ar alegre à escola, devolvendo o encantamento pela mesma, o que ficou evidente na fala dos alunos ao denominarem de “aulas diferentes”.

Na perspectiva de Educação Integral, os educadores desenvolveram, por meio dessas ações, a possibilidade de tornar a sala de aula, não somente um espaço de aprendizagem de conceitos, mas também um espaço de arte e de formação moral. Ou seja, por meio destas atividades, planejadas pelos Pibidianos, conclui-se sobre a possibilidade do estímulo à criatividade e conscientização am-biental dos educandos.

Diante dos resultados obtidos, percebemos que a atividade veio contribuir para motivação e aprendizagem significativa, oportunizando o desenvolvimento de novas habilidades.

É notável que o professor da escola e os docentes da Universidade, ao ava-liarem os resultados positivos alcançados pelos alunos, conseguem alcançar o (re)encantamento com a profissão docente e concluir sobre a importância do pla-nejar uma aula diferente. Da mesma forma, esse fator pode ser considerado de muita importância na formação dos futuros professores, bolsistas do PIBID.

Considera-se, portanto que, o planejamento e acompanhamento das ativi-dades desses dois programas, PIBID e Mais Educação, colaboraram na formação integral dos estudantes da Escola Professora Heloisa Louzada.

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_______. Decreto nº 7083 de 27 de janeiro de 2010. dispõe do programa mais Educação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7083.htm>. Acesso em junho de 2015.

_______. Educação integral: texto referência para o debate nacional. Brasília: MEC, SECAD, 2009. 52 p. (Série Mais Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cadfinal_educ_integral.pdf. Acesso em maio de 2015.

FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios / Paulo Freire. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. 56 p. Disponível em: < http://forumeja.org.br/files/PoliticaeEducacao.pdf> . Acesso em maio de 2015.

PIAGET, Jean. Para onde vai a Educação. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973. 89 p.

PIXTON. Site de Histórias em Quadrinhos. Disponível em <http://www.pixton.com/br/create/comic/fkq97et3> Acesso em agosto de 2014.

QEDU. Ideb 2013 dos municípios brasileiros. Disponível em: <http://www.qedu.org.br/cidade/215-dom-pedrito/ideb?dependence=2&grade=2&edition=2013>. Acesso em dezembro de 2014.

TEIXEIRA, Anísio. Educação não privilégio. 4ª Ed. São Paulo: Editora Nacional,1977. 231p.

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214Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance Grafia Líquida de Lu Trevisan - Foto: Gabriela Trevisan

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FOTOGRAFAR: UM RASTREAR DE PROCESSOS DO PESQUISAR EM EDUCAÇÃO FÍSICA

artigo 08 fotoGrafar: Um rastrear de ProCessos do PesQUisar

em edUCação fÍsiCa1

Luísa Trevisan2

Flávio Antônio de Souza Castro3

resUmoEsta pesquisa trata da fotografia na Educação Física como elemento para acompanhar processos do pesquisar, deixando de pensar a fotografia apenas como um dado que pode ser descartado no final da pesquisa. Desse modo, esta pesquisa, metodologicamente, se inspira no método da cartografia com as filosofias da diferença e com a Educação Física, preocupando-se com os processos do pesquisar. Com esse trabalho é possível pensar a fotografia como modo de mostrar que uma, dentre inúmeras possibilidades de ver essas fotografias, seria como o corpo pode interagir no meio e as forças envolvidas nessa interação, por meio de rastros de movimento fotografados. Traça possibilidades de modos de pesquisar em Educação Física e operar com o pesquisar por meio da fotografia.

PalaVras-ChaVe: Educação Fisica. Natação. Fotografia. Cartografia. Processos de pesquisa.

1 Parte deste trabalho foi desenvolvido na pesquisa intitulada “A fotografia como modo de acompanhar processos em natação*” que trata da possibilidade de acompanhar os processos de pesquisa por meio da fotografia, não pretende-se, neste momento, falar de questões técnicas da fotografia, mas de como se dá o fotografar no rastreamento do processo de pesquisar, de uma flexibilização nas representações e a possibilidades outras que não técnicas, instrumentos e ferramentas de pesquisa. *Monografia apresentada à Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2015, como requisito parcial para a conclusão do curso de Bacharelado em Educação Física, com a orientação de Flávio Antônio de Souza Castro.2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Bacharel em Educação Física (UFRGS); Acadêmica de Artes Visuais (IERGS); Pesquisadora dos Estudos do Corpo (UFRGS); possui capítulos de livros publicados, nas temáticas: Performance, Artes, Educação, Corpo e Fotografia. Participa dos Grupos de Pesquisa na UFRGS: Grupo de Estudos em Arte, Corpo e Educação (GRACE), Grupo de Estudos sobre Esporte, Cultura e História (GRECCO) e Centro de Memória do Esporte e da Dança (CEME).Integra o Grupo de Pesquisa em Esportes Aquáticos (GPEA). Artista independente; Performer; Fotógrafa.3 Doutor em Ciências do Movimento Humano (UFRGS), professor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID/UFRGS), onde atua em esportes aquáticos e métodos quantitativos, na graduação e na pós-graduação. Líder do Grupo de Pesquisa em Esportes Aquáticos.

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ABSTRACTThis research is about photography in Physical Education as a element to follow researching processes, besides the thought of photography as a data that can be descarded at the end of the research. So, this research, is methodologically inspired on the cartography method with the philosophies of difference and with Physical Education, focusing on the researching processes. With this work, it is possible to think about photography as a way to show that one, among countless possibilities to see this photos, would be how the body can interact with the environment and the forces involved in this interaction, by the means of movement trails that are photographed. Traces possibilities of ways to do research in Physical Education and operates with reserching by means of photography. KeY-words: Physical Education. Swimming. Photography. Cartography. Processes of Research

Esta pesquisa se inspira no método da cartografia4 com as filosofias da diferença e com a Educação Física, preocupa-se com os processos do pesquisar e não propriamente com o resultado da pesquisa. Acompanhando a pesquisa e experienciando o modo como as coisas se dão, vai se traçando mapas que não são fixos, pois se dão no processo do pesquisar. Com a fotografia/fotografar, pode-se acompanhar estes processos, identificando pontos e tensões, bem como as muitas condições nas quais o fotografar se desenvolve e cria seus limites.

A ciência, por meio da produção de teorizações, das tecnologias, das metodologias utilizadas, ferramentas divulgadas (apropriadas por diferentes pessoas, diferentes contextos e diferentes condições) inventa e (re)inventa, podendo ser potencializada, quando do uso de ferramentas e elementos outros numa pesquisa.

o fotoGrafar Como modo de aComPanhar ProCessosA pesquisa pode se dar em fases distintas, dentre elas a coleta de informações,

partindo do conhecimento a respeito das técnicas e dos instrumentos escolhidos e aplicados de acordo com as necessidades do estudo, indo ao encontro dos objetivos deste. Algum métodos de pesquisa, ao final do processo, apresentam um resultado. Como no caso de um procedimento estatístico que serve de recipiente de dados a partir dos quais produzirá um novo conjunto de dados: um resultado5. No caso da fotografia, esta também pode ser categorizada, organizada e indo ao encontro da homogeneização6 exigida por algumas metodologias de pesquisa, na necessidade de conformar-se à determinada metodologia.

4 É um método desenvolvido na perspectiva das Filosofia da Diferença de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Esse método já é utilizado por diferentes áreas.5 BANKS, 2009, p. 150.6 BANKS, 2009, p. 152.

Nas pesquisas que utilizam dados visuais, especialmente aquelas preocupados com quantificações de parâmetros físicos do movimento, a aquisição de imagens, com fotografia, é realizada através de uma câmera digital de alta definição7, que consiste em obter uma representação da informação visual, o mais fidedigna possível e ao mesmo tempo ser processável por um computador. Utilizam-se escalas para as coordenadas e para a intensidade da luz. Levando-se em consideração a iluminação do ambiente e a reflectância8 das superfícies.

De forma mais cotidiana, no uso9 de imagens na pesquisa, as fotografias são previamente selecionadas, seguindo alguma fundamentação que orienta a pesquisa. Podendo, a partir daí, identificar diferentes níveis de comparação entre as imagens e entre os produtores destas imagens, entre outras possíveis comparações. Buscando uma generalização, em um determinado contexto.

A pesquisa em biomecânica em natação10 pode ser realizada em duas (2D) ou três dimensões(3D)11. Para isso são utilizadas imagens a fim de mensurar a localização de marcadores no espaço e tempo, num plano ou num volume, durante o nado. Marcadores esses que são colocados no corpo do nadador. E após o levantamento e análise desses dados, estas “fotografias” são descartadas. A análise é feita quadro a quadro a fim de identificar pontos-chave12 do nado. Essas imagens são obtidas por meio da gravação de vídeos, mas são analisadas quadro-a-quadro. Quando analisadas quadro-a-quadro, podem ser tidas como fotografias.

O registro13 não representa o todo deste processo, mas independentemente do foco perceptivo, pretende mostrar os diferentes modos de olhar os processos “A fotografia então aparece como um elemento que registra o trabalho desenvolvido no campo de pesquisa e nos remete a um caminho de entender o campo a partir da fotografia14”. Isto pode nos colocar a pensar sobre possibilidades; potências dessas imagens, quanto ao uso que se faz delas e a percepção referente a

7 A resolução espacial é determinada pelo número de pixels por área da imagem, ou seja, pela dimensão do pixel, ao longo do eixo x, ou do eixo y, na imagem.8 As superfícies metálicas, assim como o ambiente aquático, requerem um cuidado especial, pois refletem muito a iluminação e tendem a “estourar” a fotografia.9 FLICK 2009, p. 127.10 O processo de pesquisa de biomecânicas em Natação iniciou com coleta de dados visuais, através de gravação de vídeo na piscina da ESEF/UFGRS (de 25 m coberta e aquecida), onde os nadadores, sujeitos da pesquisa, executaram, individualmente, seis repetições de 25 m, partindo de dentro da piscina, em seis velocidades gradativas até a máxima velocidade de nado, em uma única sessão. Foi registrado vídeo subaquático utilizando-se quatro câmeras (em caixas estaque imersas) e duas câmeras externas, operando a uma frequência de amostragem de 60 Hz, para a obtenção de dados para análide 3D. Na mesma sessão de coleta de dados, utilizou-se, para obtençao de dados para análise 2D, duas câmeras (uma subaquática e uma externa), deslocadas simultaneamente acompanhando o nado do sujeito. O deslocamento da câmera é feito por meio de um carrinho sobre trilhos posicionados na lateral da piscina. De modo a obter imagens do corpo inteiro do nadador. 11 A Natação Pura Desportiva é uma atividade muti-planar, pelo que a sua análise cinemática requer uma abordagem 3D. (FIGUEIREDO et al, 2009)12 CHOLLET et al, 2000.13 Além dos registros para análise (vídeos), foram feitos registros fotográficos do processo de coleta da pesquisa. Para isto utilizou-se câmeras diversas: Câmera fotográfica Nikon D3200. Lente AF-S DX VR Zoom-Nikkor 18-55mm. f/3.5-5G e lente AF-S Nikkor 50mm f/1.G.; Câmera fotográfica modificada Minolta/Sony. Lente AF 75-300mm F4.5-5,6.; e uma Câmera Subaquática Nikon COOLPIX S32. 14 OLIVEIRA, 2005, p. 154.

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condições nas quais foram captadas e capturadas.

...o que acontece nas situações em que essas convenções associadas ao meio não prevalecem? Quando o filme se torna lento a ponto de se confundir com uma sucessão de fotografias estáticas...? Ou quando as fotografias são submetidas ao tratamento sequencial ou serial, editadas de modo a comportar um encadeamento e uma duração...ou nas situações em que o emprego de velocidades muito lentas produzem uma reverberação na imagem, fazendo os contornos figurativos se esgaçarem ao longo do quadro... desde os primórdios da fotografia e do cinema, essas situações paradoxais, pelo ao menos do ponto de vista da definição convencional.15

Como as fotografias são produzidas, como se dão esses processos fotográficos - em questões técnicas e em intensidades dos encontros com esses elementos e sujeitos a fotografar e fotografados - podem gerar outros modos de pesquisar dentro de pesquisas.

Assim como a pessoa que observa este “produto” pode resignificar diversas vezes e de diferentes modos. Pode criar/ver diferentes “leituras” quando se tratando de desdobramentos, por meio dos inúmeros mapas possíveis. A fotografia produz uma relação que se estabelece na recepção pelo sujeito que olha a fotografia e é tocado por ela16.

…o punctum das imagens, o que nos toca quando olhamos uma imagem/fotografia. Essa relação subjetiva orienta o nosso olhar, o que podemos entender como um olhar construído, um olhar que pode ser visto como um documento sobre a situação fotografada17.

Tradicionalmente, nas pesquisas em educação física e mais especificamente na natação, as imagens são previamente selecionadas, seguindo uma fundamentação que orienta a pesquisa. Esta seleção prévia e categorização vai definir como estas fotografias serão vistas. Porém, os dados visuais e principalmente fotografias possuem particularidades, de forma que enfatizam o único.

As imagens estáticas, a fotografia entre elas, proporciona um tempo de observação prolongado, oferecendo ao sujeito da percepção a oportunidade de empreender um percurso que pode oscilar entre a observação entre a observação desinteressada e a mobilidade imersiva, passando do olhar furtuito a atenção prolongada. O que particulariza o tempo de observação das imagens estáticas é essa oportunidade de controle por parte do observador, que pode estar

15 FATORELLI, 2012, p.176 e 177.16 Roland Barthes estabelece a relação subjetiva no olhar a Fotografia, em Câmara Clara (1979).17 OLIVEIRA, 2005, p. 154.

contraído ou distendê-lo, dependendo de sua intencionalidade.... Esse modo de observação da fotografia mobilizou vivamente as reflexões de Roland Barthes, que se mostrava francamente seduzido pelo modo de se dar a ver as fotografias, um modo distendido no tempo, que oferece ao observador a oportunidade de projetar nas imagens suas demandas internas18.

Por isso, nesse trabalho, as fotografias foram selecionadas pensando as possibilidades de flexibilização nas representações, ou seja, inúmeros modos da mesma fotografia ser vista. Estas imagens produzidas são, ao mesmo tempo, registros imagéticos e traçam os movimentos do pesquisar e do nadar.

Essa situação vivida pela fotografia, enquanto documento, transparece uma relação entre ciência e arte, pois a fotografia transita nessa interface, como um elemento de caráter artístico e científico desde a sua invenção. Na atualidade se percebe como um importante elemento de pesquisa nas ciências humanas e sociais, caso da antropologia visual, por exemplo, que faz com que possamos tentar aprofundar nossos olhares acerca dos temas que compõe o cenário contemporâneo, auxiliado pelo olhar da objetiva19.

Ao pensar o fotografar como um rastreamento de um processo de pesquisa em biomecânica em natação, registro que é ao mesmo tempo um método de acompanhamento de processos, outras questões de pesquisa podem surgir quando mergulhamos na pesquisa, preocupando-nos com o acompanhamento dos processos do pesquisar e não propriamente com o resultado da pesquisa.

rastros de moVimentosDiferentemente das “fotografias” para a análise biomecânica, onde

procura-se evitar rastros20 e borrões, no acompanhamento do processo esses mesmos problemas podem ser importantes para pensar o movimento, tanto do pesquisar como do nadar.

... muitas vezes a imagem fotográfica produz movimentos, tremores, frêmitos, deslocamentos internos e tensões temporais irredutíveies as noções habitualmente associadas ao instantâneo. Por sua vez, a imagem movimento do vídeo e do cinema comporta paradas, suspensões e, por vezes, congelamentos. Esses estados transitórios encerram, nas suas variações, as tensões historicamente presentes nas imagens entre força narrativa que se desdobra no tempo, e

18 FATORELLI, 2012, p.175.19 OLIVEIRA, 2005, p. 154. 20 Decorrentes de deformações da imagem causada pela refracção; presença de bolhas de ar; inadequada iluminação. “A refracção, a qual ocorre na interface do plano ar/água devido à diferença de densidade e o ângulo de incidência do raio de luz”. (BRANDAO, 2009, p.9)

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uma força interna, que aponta para a sua singularidade enquanto ocorrência pontual21.

As fotografias, pensando nos vestígios, rastros e ressonâncias dos movimentos do pesquisar e do nadar, não são evidentes como imagens representativas, mas possibilitam perceber os percursos e fluxos do processo do pesquisar e do corpo na realização da ação, o próprio movimento.

Em confrontação com a agenda purista, de modo diversos dos formatos convencionais, essas produções multiplicaram os vetores temporais, amalgamaram passado, presente e futuro, desestabilizaram as percepções habituais, demandaram modos de apreensão mais produtivos, que resultaram na expansão das margens de participação e de afecção do observador... se distanciam da concepção clássica da representação como reprodução de uma realidade imediata, prévia e autônoma.22

Foi durante o processo que percebeu-se que uma, dentre inúmeras possibilidades de ver essas fotografias, seria como o corpo pode interagir com o meio e as forças23 envolvidas nessa interação.

Assim como a natação é citada como experiências vividas no campo acadêmico, também pode-se pensar em pesquisas, possíveis com outras práticas. Independentemente da temática, linha de pesquisa, convém pensar, na pesquisa, as estratégias que não se enquadram bem nos modelos recomendados pela ciência moderna.

21 FATORELLI, 2012, p.177 e 178.22 FATORELLI, 2012, p.179.23 Ação das forças no meio liquido. Aqui, refere-se a forças de arrasto geradas pelo movimento do nadador, que na fotografia podem ser definidas pelos “vetores”, “traços” sobre o corpo deste. “... Algumas moléculas que entrarem em contato direto com este corpo serão “arrastadas” juntamente com ele, e por sua vez, irão afetar outras moléculas próximas que também irão se movimentar. (...) haverá um empurrão destas moléculas sobre o corpo em direção da propagação do movimento (...) Já o fluxo turbulento, ou seja, quando as moléculas de água de movimentam-se caoticamente em todas as direções, a força de arrasto na parte posterior do corpo tende a diminuir, aumentando desta forma o arrasto total do corpo da direção de propagação do movimento”. (CASTRO e LOSS, 2010, p. 38 e 39)

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lista de ilUstraçÕesTodas as ilustrações presentes nesta pesquisa foram registradas pela autora Luísa Trevisan. As imagens foram registradas durante o segundo semestre de 2014 enquanto participava e acompanhava o Grupo de Pesquisa em Esportes Aquáticos (GPEA) no Projeto: 800618/2014-9. “Eficiência Propulsiva na Natação”. Bolsa de Iniciação Científica/PIBIC.

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230Estudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª EdiçãoPerformance Grafia Líquida de Lu Trevisan - Foto: Gabriela Trevisan

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A EDUCAÇÃO MUSICAL E A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS: DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA MUSICAL

artigo 09 a edUCação mUsiCal e a teoria das inteliGÊnCias mÚltiPlas: desenVolVimento da

inteliGÊnCia mUsiCal

Inês Caon1

Maristela Carneiro2

Silvia Regina Oliveira3

Mateus David Finco4

Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) – Caxias do Sul – RS

resUmoEste estudo aborda uma reflexão sobre a importância da Educação Musical com vistas ao desenvolvimento do cérebro e a potencialização da Inteligência Musical. Além do desenvolvimento cerebral e da inteligência musical, a educação musical deve ser divertida, de modo a desenvolver prazer, cultura e gosto musical sem visar a formação do músico profissional, mas sim propiciar que esta criança em formação construa-se enquanto cidadã. A educação musical é um precioso instrumento. Ao musicalizar o indivíduo promove seu desenvolvimento integral e amplia suas capacidades e possibilidades. Através da educação musical, a inteligência musical torna-se efetivamente potencializada e todo o sistema do neurológico é beneficiado.

PalaVras-ChaVe: Educação Musical, Teoria das Inteligências Múltiplas, Inteligência Musical.

1 Ensino Superior – Licenciatura Plena em Pedagogia – Universidade de Caxias do Sul (1987). Especia-lização em Ação Interdisciplinar em Educação – Faculdade Alternativa de Santo Augusto – (2012). Especializa-ção em Música e Musicalidade – Faculdade da Serra Gaúcha (2012). Foi Maestrina de 2001 a 2015 pela Prefeitura de Caxias do Sul, atuando também como professora desde 1983 como instrutora de banda. Tem experiência com teoria musical, técnica vocal e ritmo.2 Ensino Superior – Pedagogia – Universidade de Caxias do Sul (2010)Especialização em Música e Musicalidade – Faculdade da Serra Gaúcha (2012) e em Psicopedagogia Clínica e Institucional (2014). Atua como professora de educação musical.3 Ensino Superior – Licenciatura Plena em Matemática – Universidade de Caxias do Sul (2010)Especialização em Música e Musicalidade – Faculdade da Serra Gaúcha (2012). Atua como professora de mate-mática desde 2001 no ensino fundamental e como instrutora de música evangélica desde 1989. Tem experiência em teoria musical, solfejo e ritmo, teclado e órgão eletrônico.4 “Graduação em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2002). Especialista em Ginástica Artística pela Universität Leipzig (Alemanha), em Esportes Individuais e Cole-tivos pela Nordjyllands Idraetshöjskole (Dinamarca) e em Aprendizagem Esportiva pela Faculdade da Serra Gaú-cha. Mestre em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010). Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi pesquisador convidado no Laboratório de Multimídia e Comunicação da Technische Universität Darmstadt (Alemanha), no Canadian Exergaming Research Centre da University of Calgary e Mount Royal University (Cana-da) e no Institute of Education da University College London (Reino Unido). Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Ensino Superior, atuando principalmente nos seguintes temas: Ginástica Escolar e Ginástica Artística, Esportes Individuais e Coletivos, Educação Física Escolar e Uso de Tecnologias na Educação.”

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1. introdUçãoEste trabalho tem como objetivo analisar a relação entre a Educação

Musical e a Teoria das Inteligências Múltiplas, observando a caracterização dos conceitos, importância e abrangência no desenvolvimento integral do ser humano, em especial se tratando da Inteligência Musical. Além disso, este estudo visa apresentar de forma esclarecedora a Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner e suas contribuições para o entendimento do desenvolvimento musical.

A justificativa para tal reflexão está baseada na Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner e a relação desta com a Educação Musical. É notória a importância da Educação Musical no desenvolvimento integral do ser humano e Gardner, através da Teoria das Inteligências Múltiplas oportunizou uma visão totalmente inovadora do conceito de inteligência, dentre as quais a Inteligência Musical. Para tal, pretendemos neste estudo aprofundar estas duas áreas e estabelecer uma relação entre a Educação Musical e a Teoria de Gardner através de uma revisão bibliográfica.

2. reVisão de literatUra2.1 EDUCAÇÃO MUSICAL Diferentes fontes arqueológicas, em pinturas gravuras e esculturas pré-históricas, apresentam imagens de músicos, instrumentos e dançarinos em ação, no entanto não é conhecida a forma como esses instrumentos musicais eram produzidos. Acredita-se que a música tenha surgido há 50.000 anos atrás e que as primeiras manifestações tenham ocorrido no continente africano, expandindo-se pelo mundo com o dispersar da raça humana pelos cantos do planeta. Das grandes civilizações do mundo antigo, foram encontrados vestígios da existência de instrumentos musicais em diferentes formas de documentos. Os sumérios, que tiveram o auge de sua cultura na bacia mesopotâmica alguns milhares de anos antes de Cristo, utilizavam em sua liturgia, hinos e cantos salmodiados, influenciando as culturas babilônicas, caldéia, e judaica, que mais tarde se instalaram naquela região. A cultura egípcia, por volta de 4.000 anos A.C., alcançou um nível elevado de expressão musical em função de rituais usados na agricultura. Era costume militar a utilização de trompetes e tambores nas solenidades oficiais. Na Ásia, a 3.000 anos A.C., a música se desenvolvia com expressividade nas culturas chinesa e indiana. A “cítara” era o instrumento mais utilizado pelos músicos chineses. A música chinesa utilizava uma escala pentatônica (cinco sons). Na Índia, por volta de 800 anos A.C., a música era considerada extremamente vital. Possuíam uma música sistematizada em tons e semitons, e utilizavam um sistema denominava-se “ragas”, que permitiam ao músico utilizar uma nota e exigia que omitisse outra.

A teoria musical só começou a ser elaborada no século V A.C., na Antiguidade Clássica. Na Grécia a representação musical era feita com letras do alfabeto, formando “tetracordes” (quatro sons) com essas letras. Foram os filósofos gregos que criaram a teoria mais elaborada para a linguagem musical na Antiguidade. É de conhecimento histórico que os romanos se apropriaram da maioria das teorias e técnicas artísticas gregas e no âmbito da música não é diferente, mas nos deixaram de herança um instrumento denominado “trompete reto”, que eles chamavam de “tuba”. O uso do “hydraulis”, o primeiro órgão cujos tubos eram pressionados pela água, era frequente. Por volta do século V, quando a Igreja Católica iniciava o domínio efetivo sobre a Europa, em um período que posteriormente foi chamado de “Idade das Trevas” (primeiro período da Idade Média). A Igreja Católica interferiu na produção musical daquele momento. A música “monofônica” (que possui uma única linha melódica), sacra ou profana, é a mais antiga que conhecemos, é denominada de “Cantochão”, porém a música utilizada nas cerimônias católicas era o “canto gregoriano”. O canto gregoriano foi criado antes do nascimento de Jesus Cristo, pois ele era cantado nas sinagogas e países do Oriente Médio. Por volta do século VI a Igreja Cristã fez do canto gregoriano elemento essencial para o culto. O nome é uma homenagem ao Papa Gregório I (540-604), que fez uma coleção de peças cantadas e as publicou em dois livros: Antiphonarium e as Graduale Romanum. No século IX inicia-se o desenvolvimento do Organum, que são as primeiras músicas polifônicas com duas ou mais linhas melódicas. Mais tarde, no século XII, um grupo de compositores da Escola de Notre Dame reelaboraram novas partituras de Organum, tendo chegado até nós os nomes de dois compositores: Léonin e Pérotin. Eles também iniciaram a Schola Cantorum com grande desenvolvimento do Canto Gregoriano. A música renascentista data do século XIV, período em que os artistas pretendiam compor uma música universal, buscando se distanciarem das práticas da Igreja. Havia uma apreciação pela sonoridade polifônica, pela possibilidade de variação melódica. Neste período, surgem as músicas vocais profanas. Após a música renascentista, no século XVII, surgiu a “Música Barroca” e teve seu auge espalhado em todo o século XVIII. Era uma música de conteúdo dramático e muito elaborado. Neste período estava surgindo a ópera musical. Na França os principais compositores de ópera eram Lully, que trabalhava para Luis XIV, e Rameau. Na Itália, o compositor “Antonio Vivaldi” chega ao auge com suas obras barrocas, e na Inglaterra, “Haëndel” compõe vários gêneros de música, se dedicando ainda aos “oratórios” com brilhantismo. Na Alemanha, “Johann Sebastian Bach” torna-se o maior representante da música Barroca. A “Música Clássica” é o estilo posterior ao Barroco. O termo “Clássico”

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deriva do latim “classicus”, que significa cidadão da mais alta classe. Este período da música é marcado pelas composições de Haydn, Mozart e Beethoven (em suas composições iniciais). Neste momento musical surgem diversas novidades, como a orquestra que toma forma e começa a ser valorizada. As composições para instrumentos, pela primeira vez na história da música, passam a ser mais importantes que as compostas para canto, surgindo a “música para piano”. A “Sonata”, que vem do verbo sonare (soar) é uma obra em diversos movimentos para um ou dois instrumentos. A “Sinfonia” significa soar em conjunto, uma espécie de sonata para orquestra. A sinfonia clássica é dividida em movimentos. Os músicos que aperfeiçoaram e enriqueceram a sinfonia clássica foram Haydn e Mozart. O “Concerto” é outra forma de composição surgida no período clássico, ele apresenta uma espécie de luta entre o solo instrumental e a orquestra. No período Clássico da música, os maiores compositores de Óperas foram Gluck e Mozart. O Romantismo rendeu frutos na música, como o “Nacionalismo” musical, estilo pelo qual os compositores buscavam expressar de diversas maneiras os sentimentos de seu povo, estudando a cultura popular de seu país e aproveitando música folclórica em suas composições. A valsa do estilo vienense de Johann Strauss é um típico exemplo da música nacionalista. Num sermão, Santo Agostinho, compara Cristo a um tambor, pele esticada na cruz, corpo sacrificado como instrumento para que a música (ou ruído) do mundo se torne cantilena da Graça. Marius Scneider, que cita a comparação de Santo Agostinho, afirma que a própria palavra “aleluia” esta associada a origem a imitação onomatopaica do canto das aves de rapina. O mundo é barulho e silêncio, a música organiza e arranja os sons captados pelo ouvido. A obra de Beethoven (1770-1827) reflete o contexto clássico.. Em 1804, período que coincide com a Terceira Sinfônia (“Heróica”) e com a Sonata op. 53 (chamada “Waldstein”) ocorre o início, em escala, da expansão da música clássica. A música tornou-se sincrônica e simultânea. O modelo musical do mundo, concebido como um toca-discos ideal, atravessou a história do Ocidente como referência inapagável da música, segue a partir dai processos evolutivos onde nota-se também a influência dos meios de divulgação e reprodução (tais como toca-discos e vitrolas). O Canto Gregoriano é uma continuação da “harmônia das esferas”. A teologia sustentou, durante a Idade Média, a superioridade da música mundana (entenda-se música mundana como cosmológica e elevada). Os modos gregorianos são uma correlação com o movimento dos astros (correlação confusa e não bem explicada) que originaria inclusive a sequência dos nomes dos dias da semana (através da interpretação da escala primitiva de sete sons (por exemplo de Boécio) e a relacionando com os planetas na ordem

em que aparecem na astrologia tradicional. Uma das matrizes do Jazz, os blues, resulta de uma sobreposição singular do sistema tonal com o sistema modal. Combina-se a escala diatônica e as cadências tonais com uma escala pentatônica (marca africana com as bases da música europeia). O resultado é uma ambivalência dos modos maior e menor identificável nos blues notes inconfundíveis e penetrantes. O Rock’n roll, surgiu como um desdobramento do mundo eletro-mecânico, inclusive na velocidade alta. A dança refletia esta velocidade. Era uma sobra de energia típica do mundo do pós-guerra. A História das Danças é uma dança das horas: a valsa e o pêndulo, onde o rock foi uma aceleração do ritmo. Os séculos XX e XXI são marcados por uma série de novas tendências e técnicas musicais. Porém algumas tendências e técnicas importantes já se estabeleceram no decorrer do século XX. São elas: Impressionismo, Nacionalismo do século XX, Influências jazzísticas, Politonalidade, Atonalidade, Expressionismo, Pontilhismo, Serialismo, Neoclassicismo, Microtonalidade, Música concreta, Música eletrônica, Serialismo total, e Música Aleatória. Segundo José Miguel Wisnik, a música modal é ruidosa, brilhante e representa intensa ritualização da trama simbólica nos diferentes níveis da música. A música é a arte de combinar os sons e o silêncio. Se prestarmos atenção perceberemos os sons que estão a nossa volta e concluiremos que a música é parte integrante da nossa vida. Hoje a música se faz presente em todas as mídias, pois ela é uma linguagem usada como comunicação universal, é utilizada como forma de sensibilizar o outro para uma causa de terceiro. A trajetória da Educação Musical, no Brasil, deveria acompanhar o desenrolar da educação brasileira. Há registros de uso da música na educação desde a chegada das primeiras missões jesuíticas ao país. Neste período, a música, bem como as demais artes, era empregada na catequese. Este quadro permanece praticamente inalterado, à exceção da ampliação dos colégios jesuítas, durante os séculos XVI, XVII e primeira metade do século XVIII. Segundo o autor Negrine (1997, p. 94) em estudos realizados sobre a aprendizagem e desenvolvimento infantil, afirma que: “quando a criança chega à escola, traz consigo toda uma pré-história, construída a partir de suas vivências, grande parte delas através da atividade lúdica.” Para Ongaro e Silva, (2006, p. 2):

“A expressão musical desempenha importante papel na vida recreativa de toda criança, ao mesmo tempo em que desenvolve sua criatividade, promove autodisciplina e desperta a consciência rítmica e estética. A música também cria um terreno favorável para imaginação quando desperta as faculdades criadoras de cada um. A educação pela música proporciona uma educação profunda e total.”

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Para Souza e Vivaldo (2010, s/p):

“na aprendizagem a música é muito importante devido ao fato de o aluno conhecê-la desde cedo, se for bem trabalhada ela desenvolve o raciocínio, a criatividade e outros dons e aptidões, por isso se torna um relevante recurso didático, devendo estar presente cada vez mais nas salas de aula.”

O aprendizado de música é importante por constituir-se em prática de integração social. A musicalidade e a música estão presentes nas culturas do mundo desempenhando funções de diversão e acompanhamento ritualístico. Do ponto de vista formativo, a aprendizagem da música é fundamental na formação de cidadãos. É necessário que todos tenham acesso e oportunidade de participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e improvisadores, dentro e fora da sala de aula, promovendo interação com os grupos musicais e artísticos das localidades. A escola pode contribuir para que os alunos se tornem ouvintes sensíveis, amadores talentosos ou músicos profissionais. A música é uma arte que está associada à cultura e às tradições de povo e atrelada a épocas. A música age sobre o estado emocional dos indivíduos, produzindo momentos de excitação e sossego. O educador deve ter a sensibilidade de selecionar a execução musical adequada ao que pretende ensinar ciente do estado emotivo que quer induzir, esta maneira de ensinar associa a música, como complemento, ao aprendizado conjunto com outras disciplinas. No aprendizado da música devemos selecionar os sons produzidos e que serão percebidos pelo ouvido, criando um ambiente sonoro harmonioso, favorável ao aprendizado. A criança, nos anos iniciais, aprende a rejeitar os sons desagradáveis. Procura selecionar, sons e conjuntos de sons que lhe sejam agradáveis, desenvolvendo o senso crítico, mediante comparações, que vai influenciar o gosto musical Segundo Violeta Hensy de Gainza, “é indispensável que um professor ou musicoterapeuta conheçam a fundo seus mecanismos musicais e também se conheçam a nível psicológico, pela quantidade de aspectos em conflito que poderiam chegar a projetar as confusões que isto ocasionaria em seus alunos e neles mesmos.” A educação musical é uma contribuição sistemática ao processo de desenvolvimento integral do ser humano. E, alguns pedagogos musicais se destacaram. Émile Jaques Dalcroze, no período de 1865 a 1950, na Suiça, dedicou-se ao desenvolvimento de um método ressaltando a importância do movimento corporal na educação musical. O compositor alemão Carl Off contribui para o desenvolvimento da rítmica e a criatividade musical e ainda promoveu a integração dos instrumentos didáticos

e diferentes manifestações artísticas. O compositor e pedagogo húngaro Zoltán Kodály generaliza o ensino musical infantil valendo-se do folclore musical. O japonês Shinichi Suzuki realiza exitosamente o ensino coletivo do instrumento violino (este é considerado um instrumento menos apto para a iniciação musical). A prática pedagógica difunde-se para diversos países europeus e americanos. Destacando a qualidade do ambiente sonoro para a instrução musical da criança. O psicopedagogo Edgar Willems, belga, que desenvolveu na Suiça, as bases psicológicas para a educação musical amplamente difundidas, em especial na América Latina também deve ser mencionado no processo de educação musical. Ele também foi contemporâneo do psicólogo Jean Piaget. Muito têm-se discutido sobre as linhas norteadoras da educação musical no contexto atual e vários teóricos contemporâneos destacam que o objetivo do ensino musical deve ser o de propiciar vivências às crianças em tudo o que pode preceder as aquisições técnicas. É necessário, antes, trabalhar o sentido musical e preparar a criança para apreciar todos os gêneros. A educação musical deve, em primeiro lugar, levar a criança a uma sensibilização à musica: antes de ensinar conceitos é preciso fazê-la viver e compreender a música.

2.2 TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLASHoward Gardner nasceu em 11 de julho de 1943 na cidade de Scranton,

cidade do nordeste da Pensilvânia. Filho de imigrantes judeus, que fugiram da Alemanha em 1938 e se refugiaram nos Estados Unidos. Estudou piano e ingressou no Harvard College em 1961 onde estudou história, sociologia e psicologia. Escreveu vários livros e outros mais como coautor, todos direcionados em explicar e compreender o pensamento humano, bem como o desenvolvimento e falhas das capacidades intelectuais humanas.

O livro as Estruturas da Mente “A Teoria das Inteligências Múltiplas” (1983), Gardner mostra uma nova compreensão para entender as capacidades humanas. Este trabalho o tornou mundialmente conhecido.

Baseado nestes estudos, Gardner apresenta uma nova definição para o que chama de “inteligência”. Segundo ele, inteligência é a capacidade de resolver problemas ou de criar produtos que sejam valorizados dentro de um ou mais cenários culturais, ou seja, a capacidade que temos para criar algo, resolver problemas (solucionar equações matemáticas, qual o melhor caminho para ir a escola), criar projetos (de pesquisa, engenharia). Gardner estabelece oito critérios distintos que devem ser preenchidos para que se considere uma inteligência como tal e propõe oito competências que preenchem estes critérios: Linguística, Musical, Lógica-Matemática, Espacial, Corporal-Cinestésica, Interpessoal, Intrapessoal e

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Naturalista.5

2.2.1 Origem da Teoria Em 1900 foi solicitado ao psicólogo francês Alfred Binet que desenvolvesse

uma forma de medir o sucesso escolar de crianças das primeiras séries. Surgindo assim o primeiro teste de inteligência. A finalidade geral deste teste era diferenciar crianças consideradas retardadas e crianças normais em diferentes graus. Após a I Guerra Mundial, onde o teste de Q.I. (Quociente Intelectual) foi utilizado para medir a inteligência dos soldados, tornou-se muito popular sua aplicação.

A teoria das inteligências múltiplas foi desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Howard Gardner. Depois de muitos anos de pesquisas com a inteligência humana, o psicólogo concluiu que o cérebro do homem possui sete tipos de inteligência.

Gardner ainda afirma que estas inteligências apresentam-se de duas formas: alguns já nascem com determinadas inteligências, ou seja, a genética contribui, e outros, as experiências vividas contribuem para o desenvolvimento de determinadas inteligências.

Durante o século XX, vários psicólogos e cientistas de outras áreas do conhecimento criticaram os testes de Intelligence Quotient (IQ) ou Quoficiente de Inteligência (QI). Os testes de QI predizem apenas como vai ser o desempenho escolar e não o sucesso profissional depois de concluída a instrução formal.

É dentro deste ponto de vista que Gardner apresenta a teoria das Inteligências Múltiplas (IM). Os testes de QI medem apenas a capacidade lógica e linguística, capacidades que normalmente são as únicas exigidas e avaliadas pelas escolas e, sem dúvida, as capacidades mais valorizadas em nossa sociedade. Gardner pretende considerar também as outras capacidades, as outras “inteligências” menos lembradas, para analisá-las em sua teoria. Segundo Gardner, todos indivíduos tem em sua bagagem genética, habilidades básicas nas sete inteligências, o desenvolvimento de cada inteligência depende dos fatores genéticos e ambiente social.

Em seu trabalho, Gardner procura aqueles que apresentam perfis cognitivos regulares ou circuitos irregulares em diferentes culturas e espécies.

Ao observar todas essas fontes de informações teorizou as sete inteligências descrita em seu livro Estruturas da Mente:

a) Linguística: uso da linguagem (escrita, falada ou através de outro meio), no significado das palavras;

b) Musical: reconhecimento de padrões tonais (incluindo sons do ambiente), sensibilidade para ritmos e batidas e habilidade para tocar instrumentos musicais;

c) Lógica/Matemática: é a capacidade lógica e matemática, a

5 http://www.colegiogardner.com.br/site/index.php/institucional/biografia-gardner

capacidade de raciocínio científico ou indutivo;d) Visual/Espacial: capacidade de formar um modelo mental de um mundo

espacial e ser capaz de manobrar e operar utilizando esse modelo;e) Corporal/Cinestésica: está relacionada com o movimento físico e com

o conhecimento do corpo;f) Interpessoal: capacidade de compreender outras pessoas;g) Intrapessoal: capacidade relacionada aos estados interiores do ser.

Atualmente, têm-se conhecimento de nove inteligências. Além das acima elencadas, destacam-se as inteligências: Naturalista, relacionada à sensibilidade de percepção e compreensão dos elementos naturais, como a vida animal e vegetal, ecossistemas. E, a inteligência Existencial, capacidade de se situar sobre os limites mais extremos do cosmos e também em relação a elementos da condição humana como significado da vida, o sentido da morte, o destino final e outras reflexões de natureza filosófica ou metafísica. Sem dúvida a teoria das inteligências múltiplas trouxe grandes avanços à compreensão do desenvolvimento cognitivo e ao destacar que todo ser humano possui todas essas inteligências, embora cada individuo tenham algumas mais predominantes do que outras, a expressão “oportunidades” é a tônica para que todas as inteligências possam ser estimuladas e desenvolvidas no decorrer da vida. 3. relação entre a edUCação mUsiCal e a teoria das inteliGÊnCias mÚltiPlas: a inteliGÊnCia mUsiCal

O contato com a música permite que todas as regiões do cérebro estejam em profunda atividade. Levitin (2011, p. 124), afirma que:

“depois do nascimento o cérebro passa por um período de rápido desenvolvimento neural, que tem prosseguimento nos primeiros anos de vida, na qual as novas conexões neurais se vão formando com mais rapidez que em qualquer outro período.”

Todas as possibilidades que podem ser oferecidas à criança constituir-se-ão estímulos que ativarão este desenvolvimento neural e potencializar as inteligências elencadas na teoria de Gardner, das quais destacaremos a inteligência musical. Para Teca (2003, p. 35),

“o envolvimento das crianças com o universo sonoro começa antes do nascimento, pois na fase intrauterina os bebês já convivem com um ambiente de sons provocados pelo corpo da mãe, como o sangue que flui das veias, a respiração, e a movimentação dos intestinos. A voz materna também constitui material sonoro especial e referencia afetiva para eles.”

A aptidão musical desponta muito cedo no ser humano, alguns têm

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facilidade em identificar sons diferentes, intensidade. Em música, a inteligência compreende nitidamente a tonalidade ou a melodia, a pulsação, os acordes.

A Inteligência Musical é a capacidade de pensar em termos musicais, reconhecer tons e sons musicais, observar como podem ser transformados e produzir criativamente música, é a habilidade para produzir ou reproduzir uma peça musical, para discriminar sons, perceber temas. E, para desenvolver a inteligência musical e o cérebro basta ter o contato com a música. O fazer, o sentir musical será fundamental para que a inteligência musical seja estimulada.

Muitos músicos não tiveram aprendizagem formal. Quem tem esta inteligência possui uma sensibilidade à entonação, ritmo, timbre e consegue sentir a emoção contida em uma música. A música pode tornar-se um elemento importante num ambiente educacional. As canções trazem alegria e ajuda na aprendizagem, o educador precisa saber o momento certo para aplicá-la.

A música é a manifestação do espírito humano, semelhante à linguagem. Seus maiores praticantes têm transmitido à humanidade coisas impossíveis de serem ditas em qualquer outra linguagem. Se não desejamos que essas coisas permaneçam tesouros mortos, precisamos fazer o máximo para que o maior número possível de pessoas compreenda o seu idioma (ZOLTAN KODALY, 1882, apud CAMPBELL, CAMPBELL & DICKINSON, 2000, p.130).6

Por isso, a Educação Musical na fase escolar, além de estimular a inteligência musical exerce uma segunda função, que é o ensino e aprendizado de conceitos, idéias, formas de socialização e cultura, sempre através das atividades musicais.

A partir do estudo das teorias cognitivas, em harmonia com procedimentos pedagógicos contemporâneos a Educação Musical amplia o número de pesquisas sobre inteligência musical.

Reiterando, a Educação Musical é fundamentada em idéias pedagógicas onde o educando é convidado a sentir, vivenciar, interagir. A vivência, o trabalho prático é o ponto de partida. O corpo humano é o primeiro e o principal instrumento musical. O corpo é um instrumento expressivo de grande valor, tanto na realização de ritmos musicais, como dos gestos sonoros, que acompanham a dança, a linguagem e a canção. O cantar, dançar, tocar, ouvir e criar música em conjunto podem ser agentes transformadores para as relações pessoais e promover a aprendizagem. A improvisação e a composição são aspectos essenciais de todo processo de criação. O individuo evolui criando e experimentando, podendo até se organizar melhor psiquicamente.

De acordo com Hentschke e Del Ben ( 2003 ), “as atividades de composição, execução e apreciação são aquelas que propiciam um envolvimento direto com

6 Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/a-teoria-das-inteligencias-multiplas-na-busca-de-u-ma-aprendizagem-de-sucesso/22029/#ixzz2HOXHYPw6

a música, possibilitando a construção do conhecimento musical pela ação do próprio indivíduo.” De acordo com Ilari (2003) podemos observar que:

“é importante que o educador utilize uma grande variedade de atividades e tipos de músicas. Cantar canções em aula, bater ritmos, movimentar-se, dançar, balançar partes do corpo ao som da música, ouvir vários tipos de melodias e ritmos, manusear objetos sonoros e instrumentos musicais, reconhecer canções, desenvolver notações espontâneas antes mesmo do aprendizado da leitura musical, participar de jogos musicais, acompanhar rimas e parlendas com gestos, encenar cenas musicais, participar de jogos com mímica de instrumentos e sons, aprender e criar histórias musicais, compor canções, inventar músicas, cantar espontaneamente, construir instrumentos musicais; essas são algumas das atividades que devem necessariamente fazer parte da musicalização das crianças. Todas essas atividades são benéficas e podem contribuir para o bom desenvolvimento do cérebro da criança.”.

Ao ter contato com diversificadas vivências musicais, a criança musicalizada está atenta a todos os fenômenos sonoros. Especialistas apontam que a educação musical promove a sensibilidade, a criatividade, o senso rítmico, a imaginação, a memória, a concentração, a autodisciplina, o respeito ao próximo, a socialização e a afetividade.

4. ConsideraçÕes finais

Não existe um resultado pronto para a teoria das inteligências múltiplas. Ela foi desenvolvida a fim de elucidar o desenvolvimento da mente humana. Sabemos que a mente é uma máquina de várias facetas e, componentes complexos. Como educadores precisamos perceber as diferenças contidas no perfil dos educandos, prestar uma atenção especial ao desenvolvimento individual de cada um e então criar uma forma de como desenvolvê-lo.

Todos possuem habilidades criativas, só necessitam de um ambiente rico que possa estimular e favorecer tais práticas. A ação do educador musical será sempre em promover a inteligência musical e promover o conhecimento, incentivando as propensões e sanando as dificuldades.

Além do desenvolvimento cerebral e da inteligência musical, a educação musical deve ser divertida, de modo a desenvolver prazer, cultura e gosto musical sem visar a formação do músico profissional, mas sim propiciar que esta criança em formação construa-se enquanto cidadã.

A educação musical é um precioso instrumento. Ao musicalizar o indivíduo promove seu desenvolvimento integral e amplia suas capacidades e possibilidades. Através da educação musical, a inteligência musical torna-se efetivamente potencializada e todo o sistema do neurodesenvolvimento é beneficiado.

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DA GOVERNAMENTALIDADE ÀS PRÁTICAS: O PROFMAT CONDUZINDO OS PROFMATORES

artigo 10 da GoVernamentalidade Às PrátiCas: o Profmat CondUzindo os Profmatores1

Susana Beatris Oliveira Szewczyk2

Rochele de Quadros Loguercio3

resUmoNa contemporaneidade, através do discurso sobre a formação docente, as po-líticas públicas governamentais voltadas à educação, conduzem o professor a se tornar sujeito da formação e da qualificação. Nesse sentido, foi recomenda-do pelo Conselho Técnico-Científico da Educação Superior – CTC –ES da CAPES, em 2010, o Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional – PROFMAT – que tem por objetivo o aprimoramento da formação profissional de professores da Educação Básica. Assim, na busca do qualificar o governo gerencia a conduta do professor. É a governamentalidade conduzindo o professor para a formação stricto sensu.

PalaVras-ChaVe: PROFMAT, Governamentalidade, Práticas Discursivas.

of GoVernmentalitY to PraCtises: the Profmat leadinG the Profmatores

ABSTRACT In contemporary times, through the discourse about a teacher formation, governmental public policies for education, lead the teacher to become subject of the formation and qualification. In the sense, it was recommended by the Scientific and Technical Council of Higher Education – CTC – ES of CAPES, in 2010, the Professional Master’s in Mathematics in National Network –PROFMAT– which aims to improve the professional qualification of the Basic Education teachers. So, in search of to qualify the government manages the conduct of teacher. It is the governmentality leading the teacher to stricto sensu formation.

KEYWORDS: PROFMAT, Governmentality, Discursive Practices.

1 Chamamos de profmatores os professores/alunos do PROFMAT.2 Possui graduação em Matemática Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Rio Grande (1990), Especialização em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1993), Mestrado em Engenharia Oceânica pela Universidade Federal do Rio Grande (2004). Atualmente é professora do Instituto Federal de Edu-cação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Matemática, com ênfase em Estatística, Ensino, Uso de Tecnologias e Formação de Professores.3 Professora Dra. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul onde desenvolve pesquisas em educa-ção, particularmente evidenciando as temáticas do Currículo, Legitimação dos Saberes e Práticas Docentes, numa perspectiva filosófica e epistemológica. Atualmente é Coordenadora Adjunta do Programa de Pós-Gra-duação em Ciências: Química da Vida e Saúde e orientadora no Programa de Pós Graduação em Química na linha de pesquisa Educação em Química, ambos da UFRGS. Ainda enquanto pesquisadora, coordena o Grupo de Pesquisa: Área de Educação em Química e o Núcleo de Estudos sobre Currículo e Saberes - NECS (UFRGS). Nas atividades extensionistas, atua como Coordenadora Institucional do Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores (LIFE/UFRGS) composto por 3 laboratórios: Casa de Ofícios, Radiações Ionizantes e CAp.

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delineando CaminhosNo que tange aos índices provenientes de avaliações governamentais em

relação à educação, esses mostram que o aproveitamento dos estudantes da escola básica deixa muito a desejar. Essas pesquisas apontam, como sendo os prováveis responsáveis pelo insucesso dos alunos, o próprio ensino e a falta de formação inicial/continuada dos professores.

Nesse sentido, a partir do discurso da necessidade de qualificação, o governo4 convida os professores para a formação. Na perspectiva da formação continuada, desde 2007, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES5– do Ministério da Educação – MEC – “vem assumindo uma visão sistêmica através de suas ações”, entre elas, a Formação de Professores da Educação Básica e a Educação a Distância. Seus programas “mantêm um eixo comum que é a formação de qualidade [...] gerando um movimento progressivo de aperfeiçoamento da formação docente”.

Como efeitos da maquinaria constituída na ideia de formação continuada, criaram-se novas diretorias: a Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica – DEB – e a diretoria de Educação a Distância – DED. A DEB atua em duas linhas de ação: na indução à formação inicial de professores para a Educação Básica, através do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR – e, no fomento a projetos de estudos, pesquisas e inovação.

A DED disponibiliza os seguintes programas: Universidade Aberta do Brasil – UAB –, o PARFOR à distância –, o Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP – e os Mestrados Profissionais em Rede Nacional, entre eles, o PROFMAT.

O PROFMAT, mesmo sendo anterior a criação do Plano Nacional de Educação – PNE –, com vigência de 2014 a 2024, tem metas em comum com esse, dentre essas, podemos destacar as Metas 14 e 16 – que apresentam na forma de índices estatísticos – os objetivos a serem alcançados. São elas:

Meta 14: “elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores” (BRASIL, 2014, p. 46).

Meta 16: “formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos(as) os(as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação,

4 Governo é o “conjunto das formas de se conduzir as pessoas e as coisas de acordo com sua finalidade” (PINHO, 2011, p. 2). Para os autores Veiga-Neto e Lopes, o termo governo é “substituído por governamento nos casos em que estiver sendo tratada a questão da ação ou ato de governar” (2005, p. 82).5 Todos os textos, extraídos da página da CAPES (http://www.capes.gov.br/educacao-basica) relativos à forma-ção de professores para a Educação Básica, estão referidas apenas com aspas ao longo de todo o trabalho.

considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2014, p. 51).

Desta forma, o governo, através do discurso da formação em nível de pós-graduação stricto sensu (uma política pública governamental voltada à educação), conduz o professor na busca do qualificar e desempenhar.

Diante disso, essa pesquisa se propõe a pensar o mestrado, a partir das teorizações6 de governamentalidade e práticas discursivas do filósofo francês Michel Foucault. Cabe ressaltar que não objetivamos analisar o PROFMAT num juízo de valores, mas voltar o olhar para uma problematização7 centrada nas práticas desses sujeitos profmatores.

do Poder: a arte de GoVernar e a GoVernamentalidadePara Foucault, não existe o poder e sim relações de poder, “uma relação

de poder é a ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua própria ação” (FOUCAULT, 1995, p. 243).

Nas palavras de Foucault:

[...] quando se fala de poder, as pessoas pensam imediatamente em uma estrutura política, em um governo, em uma classe social dominante, no senhor diante do escravo etc. Não é absolutamente o que penso quando falo das relações de poder. Quero dizer que, nas relações humanas, quaisquer que sejam elas – quer se trate de comunicar verbalmente, como o fazemos agora, ou se tratando de relações amorosas, institucionais ou econômicas –, o poder está sempre presente: quero dizer, a relação em cada um procura dirigir a conduta do outro [...] Mas a afirmação: “Vocês vêem poder por todo lado; então não há lugar para a liberdade”, me parece totalmente inadequada. Não é possível me atribuir a idéia de que o poder é um sistema de dominação que controla tudo e que não deixa nenhum espaço para a liberdade (FOUCAULT, 2004, 276-277).

Nesse sentido, o exercício de poder se configura quando há uma ação sobre ações dado que “viver em sociedade é, de qualquer maneira, viver de modo que seja possível a alguns agirem sobre a ação dos outros” (FOUCAULT, 1995, p. 243).

A partir do século XVIII, ocorre uma profunda transformação nos mecanismos de poder. Para o filósofo, o poder real que tinha o direito sobre a vida e a morte é

6 Conforme Veiga-Neto o conceito de teorização é “uma ação de reflexão sistemática, sempre aberta/inconclusa e contingente, sobre determinadas práticas, experiências, acontecimentos ou sobre aquilo que se considera ser a ‘realidade do mundo’” (2009, p.86).7 Entendemos, por problematização, “o conjunto das práticas discursivas e não discursivas que faz qual-quer coisa entrar no jogo do verdadeiro e do falso e a constitui como objeto para o pensamento” (FOUCAULT, 2004a, p.270).

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substituído por um “poder que gera a vida e a faz se ordenar em função de seus reclamos” (FOUCAULT, 1988, p.128). Nesse momento, “a velha potência da morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida” (id., p. 131, grifo nosso).

Desta forma, ocorre um deslocamento do poder soberano para o que se passou a chamar de poder disciplinar – que tinha como objetivo o indivíduo de forma a torná-lo frágil e dócil – e, mais tarde, para uma nova forma de poder que age sobre a vida dos indivíduos. Assim, essa nova forma de poder – o biopoder –“tem na população seu alvo principal e nos ‘dispositivos de segurança’8 seus mecanismos essenciais” (FOUCAULT, 2015, p. 428, grifo nosso). Em outras palavras, o biopoder é o poder sobre a vida e, o seu exercício, se nomeia de biopolítica.

Nas palavras de Foucault, população e biopolítica são respectivamente:

População é um conjunto de elementos, no interior do qual podem-se notar constantes e regularidades até nos acidentes, no interior do qual pode-se identificar o universo do desejo produzindo regularmente o benefício de todos e a propósito do qual pode-se identificar certo número de variáveis de que ele depende e que são capazes de modificá-lo (FOUCAULT, 2008, p. 97-98).Se pudéssemos chamar de ‘bio-história’ as pressões por meio das quais os movimentos da vida e os processos da história interferem entre si, deveríamos falar de ‘biopolítica’ para designar o que faz com que a vida e seus mecanismos entrem no domínio dos cálculos explícitos, e faz do poder-saber um agente de transformação da vida humana (FOUCAULT, 1988, p.128, grifo do autor).

Na sociedade instituída pela biopolítica, o poder atua sobre a população através de diferentes dispositivos, como os de segurança – que servem de controle e regulação de condutas dos indivíduos – de forma a torná-la úteis aos interesses do mercado9. A condução de condutas dos indivíduos – e da população – “emerge a partir da racionalidade política contemporânea, caracterizada como neoliberal” (TRAVERSINI; BELLO, 2009, p. 143).

Conforme Foucault, a arte de governar é a “[...] característica da razão de Estado [e] está intimamente ligada àquilo que se denomina estatística [...]. Tal conhecimento era indispensável ao bom governo” (2006, p. 376). Dito de outra forma, a arte de governar é o exercício de forças de poder nas formas de saber.

Por meio dessa arte, o Estado, ao invés de questionar a legitimidade de suas práticas, passa a controlar os seus efeitos e, para tal, necessita seguir regras. Instaura-se, assim, a ordem social regrada pelo mercado: o neoliberalismo. De

8 Conforme Foucault em Segurança, Território, População. Aula de 1º de fevereiro de 1978, p. 143.9 Segundo Foucault (2008, p. 51) mercado é “[...] a conexão de um regime de verdade a prática go-vernamental”.

acordo com o autor, ao invés de questionar a legitimidade de suas práticas num mercado livre “em vez de aceitar uma liberdade de mercado definida pelo Estado e mantida de certo modo sob vigilância estatal [...] é preciso [...] adotar a liberdade de mercado como princípio organizador e regulador do Estado” (FOUCAULT, 2008a, p. 158).

Nesse sentido, a Estatística10 configura-se como o “conhecimento do Estado em seus diferentes dados, em suas diferentes dimensões, nos diferentes fatores do seu poder” (FOUCAULT, 2008, p. 134). Assim, a Estatística é a ciência do Estado, é o saber do Estado sobre a população e seus processos, de forma a tornar os seus indivíduos governáveis. A produção desse saber é imprescindível ao exercício do biopoder, pois é através desse que o poder se exerce. Governar é, então, uma “[...] prática social de sujeitar os indivíduos por mecanismos de poder que reclamam de uma verdade” (FOUCAULT, 1990, p. 5).

Desta maneira, a Estatística pode ser vista como um modo de ‘racionalidade política’11, uma estratégia, caracterizada como neoliberal, para a regulação de condutas de si e dos outros, na sociedade contemporânea. Com isso, a Estatística é uma ‘tecnologia’12 de governamento que possibilita entendermos os “princípios racionais de ação para a orientação das condutas, dos modos de ser e de agir dos indivíduos e das populações” (BELLO; TRAVERSINI, 2011, p. 861).

Foucault nomeia a articulação das instituições e dos dispositivos saber/poder que caracterizam o Estado de governamentalidade. Para esse conceito o autor estabelece três pontos chave:

1. O conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a po-pulação, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança;

2. A tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de governo, sobre todos os outros – soberania, disci-plina, etc. – e levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes;

3. O resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado adminis-trativo, foi pouco a pouco governamentalizado (FOUCAULT, 2009, p. 291-292).

das PrátiCas: sUBjetiVaçÕes e Vontades de Verdade

10 Utilizamos Estatística quando nos referimos à ciência do Estado e estatística para as práticas dos sujeitos profmatores.11 Racionalidade política são os meios utilizados para governar.12 Tecnologias são “aqueles meios a que, em determinada época, autoridades de tipo diverso deitam mão para moldar, instrumentalizar e normalizar a conduta de alguém” (RAMOS DO Ó, 2009, p.103) enquanto que governamento se refere a “ação ou ato de governar” (VEIGA-NETO, 2002, p. 19).

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A governamentalidade, como vimos, se constitui no exercício de poderes e formas de saberes, cujo entendimento também não pode ser tomado no seu sentido negativo. Para o filósofo, “o poder é alguma coisa que opera através do discurso, já que o próprio discurso é um elemento em um dispositivo estratégico de relações de poder” (FOUCAULT, 2006a, p. 253).

Os saberes se constituem a partir da vontade de verdade. Por conseguinte, o saber estatístico pode ser entendido como uma tecnologia para a obtenção de verdades, dado que “pelas estatísticas, através das ciências, fazem-se discur-sos de verdade!” (SENRA, 2005, p.15). Tal tecnologia legitimou-se como um saber verdadeiro produzindo “um sedutor efeito como se contra eles não se tivesse ar-gumentos” (ROSE, 1991, p. 691).

Em relação à verdade, Foucault diz que:

[...] a verdade se forma, onde um certo número de regras de jogo são definidas – regras de jogo a partir das quais vemos nascer certas formas de subjetividade, certos domínios de objeto, certos tipos de saber – e por conseguinte podemos, a partir daí, fazer uma história externa, exterior, da verdade (FOUCAULT, 2003, p.11).

Entendemos como verdades, os sentidos dados por Bello e Beck, “o conjunto de enunciações que passam a constituir um determinado discurso com efeitos de saber/poder” (2007, p. 3). Conforme Machado, “nós é que produzimos as verdades, uma vez que os valores que as sustentam são históricos, sociais e produzidos” (2002, p. 85).

Foucault trata das relações entre poder e verdade considerando que essa perpassa as práticas constituintes do sujeito – ela é a “vencedora” de uma disputa de poder – legitimando-o – e atuando através dele. Conforme o filósofo, “[...] por verdade eu não quero dizer ‘o conjunto de coisas verdadeiras que existem para serem descobertas ou se fazer aceitar’, mas ‘o conjunto de regras segundo as quais se divide o verdadeiro do falso e que se liga ao verdadeiro os efeitos específicos do poder’[...]” (FOUCAULT, 2015, p. 53).

Assim, o sujeito é constituído pelos saberes e poderes aos quais está submetido; pelas verdades pelas quais se inclina – sua subjetivação. Conforme Castro, “[...] Foucault é conduzido a uma história das práticas nas quais o sujeito aparece não como instância de fundação, mas como efeito de uma constituição. Os modos de subjetivação são, precisamente, as práticas de constituição do sujeito” (2009, p. 408).

Para a análise a que nos propomos, utilizamos o conceito de práticas discursivas de Foucault, a saber:

Conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para

uma determinada área social, econômica, geográfica ou lingüísti-ca, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 2014, p.143).

Ao adotarmos esse conceito, entendemos que, se existem práticas estas produzem saberes e, para se constituírem como tal – os saberes que estão nas práticas – também produzem sujeitos. Nesse sentido, o sujeito é o efeito dos saberes e, consequentemente, das verdades que constituem e (re)produzem determinadas práticas. Conforme Foucault “não há saber sem uma prática discursiva definida, e toda prática discursiva pode definir-se pelo saber que ela forma” (FOUCAULT, 2014, p. 220).

Para Foucault, o sujeito é o efeito das práticas. Desta forma, o sujeito é o efeito de saberes e, consequentemente, das verdades que constituem e produzem suas práticas. Essas – que produzem verdades e que fazem surgir efeitos – nos possibilitam falar em subjetividade, ou seja, as diferentes maneiras pelas quais o individuo se constitui enquanto sujeito – a subjetivação. Dito de outra forma, a subjetivação é a transformação da palavra – a dobra – pelo sujeito. O sujeito assujeitado ‘pode ser’ subjetivado.

De acordo com Foucault (1997) a subjetivação se constitui como um processo contínuo, estabelecido de acordo com a configuração sócio-histórica em que se situam os sujeitos. Nesse sentido, “o conjunto de enunciações que passam a constituir um determinado discurso com efeitos de saber/poder” (BELLO; BECK, 2007, p. 3).

ConsideraçÕes dos ConCeitos na rede do Profmat Se ao entendermos a governamentalidade como o conjunto de saberes colocados em operação por uma ação de governo, de acordo com a perspectiva escolhida em Foucault, podemos analisar o curso de formação continuada de professores? Podemos entender o PROFMAT como uma estratégia de governo que tem por objetivo conduzir os professores para a qualificação stricto sensu – à conduta desejada do professor? As respostas que constituímos nessa pesquisa indicam que sim e que tal como nos indicam, Pereira e Ferraro:

[...] de toda a relação que um indivíduo venha a estabelecer com um objeto, [...] e que serão determinantes para o estabelecimento de uma posição desse indivíduo frente a este objeto, bem como a maneira como ele se submete ou regula sua conduta frente a essa positividade, serão pautadas por uma ideia: a da governamentalidade (PEREIRA; FERRARO, 2011, p.135).

Nesse sentido, a governamentalidade nos possibilita compreendermos a Educação Básica como um dos objetivos do Estado. Partindo das informações da Estatística, o governo cria o PROFMAT – uma outra tecnologia de governamento –

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que possibilita ao professor se conduzir para a qualificação stricto sensu.Desta maneira, o conceito de governamentalidade pode ser entendido

“como uma forma de pensar, uma racionalidade, para produzir, conduzir e administrar os problemas que atingem a população e os indivíduos” (TRAVERSINI; BELLO, 2009, p. 137), particularmente, em nosso estudo, os profmatores.

Para Fimyar, a governamentalidade “marca o surgimento de novos modos de pensar sobre como o poder é exercido em certas sociedades” (2009, p. 39). Nesse sentido, “vivemos um tempo histórico em que a racionalidade política se constitui numa ‘racionalidade da gestão do indivíduo’ [...] que coloca em funcionamento a conduta das pessoas a partir de um regime de verdade constituído de saberes e relações de poder” (POSSA; NAUJORKS, 2013, p. 323, grifo dos autores).

No entendimento de Rose (1999, p. 18) governamentalidade é:

[...] a invenção e reunião de todo um conjunto de tecnologias que compreendem os cálculos e estratégias dos poderes constitucionais, jurídicos, fiscais e organizacionais do Estado, numa tentativa de gerir a vida econômica, os hábitos sociais e a saúde da população.

Foucault (2008) preocupa-se em diferenciar governamentalidade e governo. A governamentalidade é o campo estratégico de relações de poder onde se estabelece o tipo de conduta – característica do governo13.

Desta forma, ao utilizarmos a governamentalidade como ferramenta conceitual, não buscamos respostas para o que ocorreu, nem o porquê. Em vez disso, adotamos:

[...] um ponto de vista particular que coloca certas questões em foco: que a dimensão de nossa história composta pela intervenção, contestação, operacionalização e transformação de esquemas, programas, técnicas e dispositivos mais ou menos racionalizados buscam tanto moldar a conduta quanto atingir determinados objetivos (ROSE, 1999, p. 20).

A Estatística está imbricada em relações de saber/poder, produzindo verdades e, como uma tecnologia de governamento, fabricando formas de ser e agir – subjetividades – delineando um percurso na constituição do sujeito contemporâneo. Percurso que pretendemos analisar nessa pesquisa e que denominamos de Práticas Estatísticas – as práticas que legitimam e normatizam os usos dos saberes estatísticos, em seus entendimentos, pelos sujeitos profmatores.

É isso que pretendemos ao nos apoiarmos nas teorizações foucaultianas para analisar as práticas de subjetivação dos sujeitos profmatores. Entendemos

13 Para Foucault, o termo governo é uma forma de “estruturar o eventual campo de ação dos outros” como a “conduta da conduta” (1995, p. 244).

que, o discurso de formar em nível de pós-graduação stricto sensu, é um discurso que posiciona os sujeitos profmatores nas e pelas suas práticas, especificamente, as práticas que colocam em circulação a estatística como (re)produtora de saberes.

Além disso, nos permite perceber que as Práticas Estatísticas são “produzidas por discursos, os quais ‘definem’ subjetividades, identidades, regras institucionais, assujeitamentos e saberes” (PINHO; BELLO, 2011, p. 2) (re)produzem e mobilizam determinados tipos de saberes.

A partir do entendimento de tecnologia de governamento de Foucault procuraremos olhar para as práticas discursivas dos profmatores analisando a multiplicidade de enunciações sobre a ciência estatística. Essa ciência é “o lugar específico, próprio, da verdade” (MACHADO, 2006, p. 18) e, como tal, as enunciações a ela associadas são naturalmente sustentadas.

Assim, em nossa perspectiva, o PROFMAT – como estratégia de governo – legitima as práticas dos sujeitos profmatores. Ao legitimarem os usos da estatística – as Práticas Estatísticas – produzem verdades e modos de subjetivação.

Desta forma, no nosso entendimento, problematizar as práticas do sujeito profmator está em concordância com a “preocupação” do filósofo: o sujeito. Então, ao analisarmos essas práticas, buscamos as maneiras pelas quais o sujeito profmator se constitui.

ConClUindo... em PersPeCtiVasO PROFMAT é voltado aos professores da Educação Básica independente-

mente da área de formação no curso de graduação. Desde seu inicio, em 2011, é oferecido em todo o território nacional.

O sítio eletrônico14 do programa disponibiliza, entre outros, o documento “Uma análise quali-quantitativa de perfis de candidatos ao Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional”. Esse documento, que foi elaborado para o acompanhamento do programa, desde a sua implantação, contém os dados referentes aos candidatos ao mestrado no período compreendido entre 2011 e 2013.

Integram o documento dados qualitativos e quantitativos. Os quantitativos foram fornecidos pela SBM. Os dados qualitativos foram coletados via questionário digital – elaborado pelo Conselho Gestor do PROFMAT – e aplicado em amostras de candidatos nos processos seletivos de 2011 a 2013.

No documento, observamos que a Estatística demarca – em uma análise quali-quantitativa – a avaliação nacional do programa. Desta forma, percebemos que, é essa ciência, a “ciência do Estado”, que o governo se utiliza para justificar ações e a avaliações – especificamente aqui, os índices educacionais no Brasil. Conforme Senra (2005) é através dela que o Estado controla, administra, influencia,

14 Disponível em: http://www.profmat-sbm.org.br/.

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monitora, fiscaliza, dirige e regula a população.Diante disso, em nosso entendimento, o PROFMAT é uma nova tecnologia de

governamento, dado que, a partir de uma ação da CAPES – que vai ao encontro da “Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica” –, possibilita ao professor se conduzir para a formação stricto sensu.

Assim, ao problematizarmos as práticas dos profmatores, buscamos as Práticas Estatísticas – que são constituintes e constituídas – de saberes orientados por essa tecnologia de governamento.

Na continuidade da pesquisa, apresentamos os documentos que perpassam a criação do Mestrado Profissional no Brasil até a implantação dos Mestrados Profissionais em Rede Nacional, destacando o PROFMAT, nosso objeto de pesquisa.

Nesse trajeto, pontuamos algumas críticas e sugestões presentes, tanto nos documentos oficiais do programa, como em trabalhos de pesquisadores da área. Também, destacamos a importância da estatística – com aporte teórico nos documentos oficiais da educação – e apresentamos os próximos movimentos da pesquisa.

referÊnCiasBELLO, Samuel Edmundo Lopez; BECK, Miguel Melendo. Saberes e Verdades Pedagógicas: questão ética na formação inicial de professores de matemática. In: anais... IX Encontro Paranaense de Educação Matemática. Assis Chateaubriand - PR: Editora da UNIMEO, 2007.

BELLO, Samuel Edmundo L.; TRAVERSINI, Clarice Salete. Saber Estatístico e sua Curricularização para o Governamento de Todos e de Cada Um. In: Bolema, Rio Claro (SP), v. 24, n. 40, dez. 2011, p. 855-871.

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FOUCAULT, Michel. A Governamentalidade. Curso do Collège de France, 1º de

fevereiro de 1978. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2009.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. Curso do Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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DADOS INFANTIS: DA HISTÓRIA À FRAGMENTAÇÃO

artigo 11 dados infantis: da histÓria À fraGmentação

Tiago da Silva Abreu1

Aline de Vargas Aguiar2

resUmoDados infantis: da história à fragmentação. O presente texto propõe lançar dados e descobrir novas jogadas, pensando assim em outras possibilidades de infância. Uma das meninas do quadro de Diego Velázquez toma vida, questiona, investiga a história e problematiza a infância que vai se transformando e se multiplicando da modernidade à contemporaneidade. Os dados, ainda em devir, vão deformando a imagem da criança construída até então, libertando as arestas, vértices e lados de uma infância que já se manifestou, mas que agora, perambula pela contemporaneidade, multiplicada em suas muitas facetas.

PalaVras-ChaVe: infâncias, modernidade, contemporaneidade, dados e devir infantil.

ABSTRACTChildren’s data: from history to fragmentation. This paper proposes to release data and discover new moves, therefore thinking of other possibilities of childhood. One of the girls from Diego Velázquez’s painting comes to life, questions, investigates the history and discusses the childhood that has been transformed and multiplied from modernity to contemporaneity. The data, still in the process of becoming, have been deforming the child’s built image so far, releasing the edges, corners and sides of a childhood that has already manifested, but now it wanders through contemporaneity, multiplied in its many facets.

KeYwords: childhood, modernity, contemporaneity, data and becoming childish.

1 Especialização: Educação Infantil com Articulações com o ensino Fundamental. UFRGS, 2008. Graduado em Licenciatura em Pedagogia. UFRGS, 2007. Trabalha no Colégio Marista Ipanema.2 Especialização: Educação Infantil e Anos Iniciais – Alfabetização e Letramento. IERGS, 2012. Graduação: Licenciatura em Pedagogia. UFRGS, 2009. Atua na Prefeitura Municipal de Cachoeirinha.

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dados de Uma infÂnCia “Quase físico – O infantil, como simulacro joga dados com os dilemas

verdadeiro-falso e ser-não-ser” (CORAZZA, 2005, p.53). Verdadeiro-falso, uma dicotomia formada por essas palavras que limitam o conceito. Ser-não-ser; o que é e o que não é, um dilema limitador. Ao que sobra, joga-se no simulacro. Tomemos o dado então! Ao menos este, nos fornece seis lados, não mais um binarismo, afinal um binarismo pressupõe dois. Dois e dois, quatro; quatro e dois, seis; os mesmos seis lados que um dado possui.

Um dado. Um conceito. Uma infância. Que infância? Em quantas infâncias podemos pensar? Tomemos, então, o dado como infância. Seis lados. Seis quadrados, formados exclusivamente com quatro lados iguais, unidos por doze arestas; formando finalmente um dado. Seis infâncias? Doze infâncias? Ou quem sabe, no somatório das quantidades que contém num dado; vinte e uma infâncias?

A Modernidade nos apresenta uma infância; uma essência de infância, uma idéia. Talvez pudesse nos apresentar vinte e uma infâncias, não mais do que isso. Pois no somatório das quantidades chegamos ao limite. A pureza e a inocência mostram-se nessa época com principais limitadores do conceito de infância. A probabilidade das jogadas recai no ser, na cópia, nos limitadores desse conceito.

É possível limitar a quantidade de infâncias? Pode-se ultrapassar as vinte e uma? Quantas infâncias a contemporaneidade tem a nos oferecer?

Uma menina: alGUmas infÂnCias Sou uma menina entre as meninas. Fui eternizada duplamente por Diego

Velázquez em 1656. Adorada dentro e fora da obra. Vocês me olham tentando entender o que se passa aqui. Na verdade, nem eu sei ao certo o que aconteceu e muito menos o que acontece; pois a cada apreciação, uma nova interpretação. Talvez tenha sido um dia incomum aos tantos outros que vivi; lembro-me apenas de como meu vestido estava impecável e da flor que ornamentava meus cabelos.

Dizem hoje, que sobrevivi à primeira infância, o que me parece muito importante, pois sobreviver nesse primeiro período, já era uma façanha; a dificuldade apresentava-se maior para uma menina. O meu irmão mais novo não teve a mesma sorte que eu, morreu dois anos após seu nascimento, quando ainda morava com sua ama. Nossos pais pouco comentaram a respeito, pois seria fácil substituir meu irmão; além disso, ele não tinha importância alguma para a família.

Vocês nos olham e pensam muito a nosso respeito, dizem que nossa vida não foi fácil. Segundo vocês, sofremos muito, que pai e mãe não responsabilizam ama de leite à criação de seus filhos. Dizem que é um absurdo o que nossos pais fizeram conosco, mas não entendo do que vocês falam. O que é tão absurdo? Parece-me lógico não se apegar a alguém que tão facilmente morreria.

Um século depois, minha barriga começou a crescer. Aproximadamente,

nove meses após, nascia meu primeiro filho. As crianças nascidas no mesmo período que ele, estatisticamente mostravam uma quantidade inferior à época em que nasci. Segundo vocês, isso aconteceu para preservar a vida dos já nascidos.

Percebi que os discursos médicos e higienistas mudaram, junto a essa mudança, modificou-se também o meu olhar. Passei então a zelar pela saúde e sobrevivência de meu primogênito, cuidando diretamente de sua alimentação através do meu leite, vestindo-lhe de forma limpa e ensinando-lhe tarefas domésticas. Cuidados como esses faziam parte do conceito de que eu era a dona do meu lar. Enquanto eu ficava em casa, meu esposo trabalhava para termos condições financeiras de vida. O amor pelo filho como vocês conhecem, não existia, era apenas uma forma de mantê-lo vivo, pois futuramente, ele teria papéis a desenvolver na sociedade.

O que meu filho precisava saber já não seria ensinado apenas em casa, devido à aparição das escolas. E já crescido, frequentaria uma delas; sendo então, cuidado, protegido e disciplinado. O Estado e a Igreja, unidos eram responsáveis pelo sistema educativo, e as famílias eram incentivadas a colocarem as crianças em espaços escolares. Havia todo um aparato para o bem-estar dos pequenos.

Estamos agora na metade do século XIX; outros filhos vieram e, por nossa vontade. Já havia estrutura suficiente para criá-los. A preocupação com a mortalidade não mais existia. A cada gravidez, também nascia o amor pelo filho que dali sairia. Preocupávamos-nos mais do que nunca com as suas vidas e seu desenvolvimento. Se antes dormíamos todos juntos numa só peça, marido, mulher, crianças e empregados; nessa época, descobrimos que poderíamos dividir em cômodos e cada um teria seu espaço; agora, ao menos a nossa sexualidade ficará resguardada apenas em nosso leito, e nossos filhos terão sua inocência preservada.

Ainda pensas que minha vida estava cheia de absurdos? Parece-lhe mais próximo de sua realidade agora? A família moldou-se para o bem-estar daquele que antes mal conhecia a mãe; seja por morte seja por indiferença.

Nessa época em questão, houve necessidade do trabalho feminino no processo de industrialização. Creches, berçários, lactários... Eram muitos os nomes que davam às instituições responsáveis pelos cuidados aos filhos das operárias fabris. Como tantas outras mulheres, fui trabalhar e ajudar nos gastos da nossa família, porque surgiu um conceito de “falta de capacidade” para administrarmos tantos filhos. Algumas crianças estavam sendo exploradas com o trabalho nas fábricas. Eu não queria isso para os meus filhos.

Nas escolas, as crianças eram então civilizadas. A educação e o disciplinamento dos corpos se fez necessário. As instituições escolares ficaram responsáveis então, pelo ensino do controle dos esfíncteres, de sua sexualidade, de sua linguagem e pelo conhecimento dos saberes considerados necessários. Acharam assim, terem encontrado o caminho da adultização.

No século XX, já não posso mais engravidar, mas observo e percebo

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as mudanças, pelas quais vocês passaram; estagnizados, agora, no que vocês denominaram Modernidade.

Os filhos de meus vizinhos são, mais do que nunca, a principal atração do núcleo familiar. Tudo gira em torno deles. Eles têm roupas próprias, chamadas de roupas infantis; aliás, construíram fábricas e lojas voltadas apenas para a produção de suas roupas. O brincar que, há um tempo já existia, tornou-se agora primordial, “coisa de criança”; ele é importante até para aprender, algumas pessoas chamaram isso de construtivismo, mas não entendi bem do que se tratava.

No fim desse século, algumas mudanças ocorrem, os netos dos meus vizinhos não os respeitam mais como os seus filhos faziam. Gritam, batem, choram desesperados, quando não são atendidos da forma como esperavam. Eu sei, eu sei o que você deve estar pensando! Viste tudo isso acontecer diante dos teus olhos e, talvez, não consideras falta de respeito tais atitudes! Na verdade, observando tudo isso, fico confusa. As crianças já têm programas televisivos voltados para elas, marcas, músicas e objetos. Elas podem tudo e não podem nada, ou melhor, só podem o que lhes é permitido. Seus pais e professores procuram controlar o que falam, o que comem, o que pensam, o que fazem e o que vêem. A algumas delas, resta a esperança; a outras, a tecnologia em sua posse lhe dá poder. Tornam-se então o futuro da nação, sendo assim, o cuidado se faz ainda mais necessário.

Durante todos esses séculos, percebi as mudanças de conceitos, a mudança da história, da cultura. Mudei de opinião muitas vezes, vi vocês me criticarem e me questionarem, e agora eu vos questiono sobre algo que não entendi. Tiveram todo o cuidado com os pequenos, mas produziram um modelo, um ideal de criança, a criança normal, um ideal de infância. Vocês criaram uma infância desejada, “uma “infância normal”, -- em uma sociedade desejada.” (Corazza, 2000, p.257). Por isso, na busca de uma sociedade almejada, vocês viram problemas não desejados, problemas que transformaram os indivíduos em anormais, ou, mais tarde, em especiais; a denominação não importa, criaram autistas, downs, hiperativos, disléxicos, enfim, inúmeros sujeitos imperfeitos, não-normais. Para estes, inventaram tratamentos legitimados por médicos e psicólogos, mostrando-se como desafio aos educadores modernos. Que cuidado é esse? Que exclui. Separa. Divide. Inferioriza. Limita. Discrimina. Que nos torna dados; apenas arestas, lados, números, corpos, objetos. Sei que, há algum tempo, querem a preservação da vida, mas a que custo? Retirar qualquer órgão ultrapassaria o limite das arestas, para além do cubo, e caindo de vez no simulacro.

Suas leis separaram o certo do errado. A pedofilia virou moda, assim como a inocência por ela ameaçada. Dizes isso ser errado, os pequenos merecem carinho e afeto; não carícias sexuais, tampouco sexo. Os pênis e as vaginas, para eles, têm que ter outro significado. Segundo vocês, eles são erotizados, jamais erotizam. Também dizes que criança não trabalha. Falas em realidades; quantas realidades? Quais realidades? Proíbes as drogas; no entanto, prepara os infantis para elas. O processo de adultização continua. Hipocrisia? Não sei. Só quero

entender do que vocês falam, o que e porque vocês falam.Não sei mais quem são vocês. Olham-me, observam-me, analisam-me,

questionam-me, modificam-me. Estou em Madrid, em Porto Alegre, no livro, na Restinga, no prostíbulo, na escola, na igreja. Estou onde vocês me colocarem, mas agora, algumas sombras, já não sabem bem onde estou. Rosas, cabelos, vestidos, genitais, olhares, fissuras, quadros, reflexos, abstração.

rimas de Um deVir-infantil Lágrimas, soluços, balbucios, gritos, giros, círculos uniformes e deformes.

Explosão que desencanta, que desmaterializa, que desconstrói a reconstrução. A flor já não enfeita mais os cabelos tostados. O vestido já não é tão belo. Restaram sobre o colo, o leite, o desejo, a carne. A tríplice coroa infantil não segue a normalidade a que se destinou. Não há mais pai, mãe, filho; tampouco, o amor edipiano. Os ventres geram algo diferente, de tudo que se pensou. “Hoje não tem mais essa de neném, nem rola mais ‘gugu-dadá’” (Mendes; Ortiz; Boratto, 2006). Eis que surge agora algo vindo do inferno, quem sabe, o apocalipse, um monstro, um bebê desfigurado. Em sua face, é estampado um abjeto. As lembranças se apagam. Só resta agora a sombra, a neblina, a ilusão de uma nuvem passageira. Não, não é passageira, na verdade não sei, não quero, não posso ver ou ter certeza da provisoriedade dessa nuvem. Vejo apenas fumaça, cinzas, um calor infernal. Estou no inferno? Quem vem ali? O demônio? A criança? O infantil? Não sei. “Após sua morte, sem intervalo, no mesmo instante, outros (...) nascem! ‘Comemora, porque tu és morte-e-vida de mãos dadas!’” (Corazza, 2005, p. 78).

“A salada mista é tirar a roupa / coisa de criança, ficar nu, beijo na boca”. (Mendes; Ortiz; Boratto, 2006). A brincadeira torna-se um ritual sexual. A transpiração revela o desejo dos corpos. Suor, ereção, masturbação, linguagem, poder, sonho fragmentado. Infância do sexo; do absurdo diriam eles. A pedofilia se põe em dúvida. Não há mais dado, limites entre adulto e criança. Andam de mãos dadas, tornando possível a união dessas duas carnes. O infantil vai para além da criança, fragmenta os números e as arestas que os separavam. “Sem essa de mina brincar com boneca / deixou cair a peteca, já trocou pelo boneco” (Mendes; Ortiz; Boratto, 2006), ou se desejar, por outra boneca. A escolha não importa, não há raça, gênero, nem currículo.

“As pequeninas não sonham em ser Chiquititas / querem ser coelhinhas da Playboy e não Paquitas” (Mendes; Ortiz; Boratto, 2006). O jogo pode ser de menina, de menino, de homem, de mulher. Pode-se inverter os papéis. O dado desse jogo não mais separa os que, até há pouco tempo, eram separados. Um, dois, quatro, cinco anos, não importa. Para lá! Para cá! Aí! Um sorriso! Pronto! Está perfeita! Será a capa da próxima revista.

À ingenuidade, à inocência e à infância, se apaga o “in”. A este último, talvez, não se apague, modifica-se. “A sopa de letrinhas agora escreve em frases proibidas, praticadas e não lidas e passam despercebidas” (Mendes; Ortiz; Boratto,

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2006). Quem é o ingênuo? Não vêem? Não lêem? Ou não querem perceber? Os conceitos mudaram de lugar? Inversões? Não sei. Os deslocamentos foram feitos. Ninguém mais sabe de onde veio, onde está e pra onde vai. “Acontece que o infantil habita a superfície dos corpos – das crianças, dos homens, das mulheres...” (Corazza, 2005, p.51).

“Está na moda toda hora virou papo que incomoda / tô por fora dessa onde que afoga a liberdade” (Mendes; Ortiz; Boratto, 2006). Que liberdade? Há? Em que momento? Aí, eu acho! No momento. Exatamente no instante em que ocorre essa liberdade. Não viu? Pois é, é raro. Aparece quando menos se espera. Por isso, torna-se um ápice, um gozo, um devir. Um infantil sem significados, nem significantes. Um devir-infantil.

“Seja livre como eu sou, seja no reggae, samba ou hip-hop” (Mendes; Ortiz; Boratto, 2006). Quem é esse “eu”? É outro modelo? Se for, não é livre. Ah, talvez, esteja fazendo referência a um “eu” momentâneo. Um “eu” do devir. Que não exige órgãos, paradigmas, nem dados. “Chega de regras / tô no limite não gosto de rédias / tô afim de sair do padrão / só faço rimas porque ninguém gosta de ouvir sermão” (Mendes; Ortiz; Boratto, 2006). O sermão não faz mais sentido, à medida que se desconfigura o conceito de infantil e, com ele, a criança e o adulto.

“Na era da Internet, Orkut / Barbie, Balão Mágico só minha mãe que curte” (Mendes; Ortiz; Boratto, 2006). O brincar muda de sentido; Barbie também serve para a vivência dos jogos sexuais. A boneca é beijada, acariciada, estimulada. Transforma-se em um corpo desejado. O virtual apresenta-se como arma para descentralizar o poder descentralizado. O site aponta o limite; dezoito, dezenove, vinte ou, quem sabe, seis, sete, oito anos. As leis mal sabem que são frágeis, uma foto, uma idade, uma porta aberta para aquilo que já se está preparado.

O cheiro de queimado prevalece por entre os espaços. As instituições escolares tentam apagar o fogo. O hip-hop e o funk adentram as salas de aula, mas o desejo infantil vai para além do que acham que estão permitindo. As músicas e as brincadeiras não resistem, assim como os demais símbolos utilizados pela escola.

Em meio à fogueira, à neblina, o esboço do “acontecimento infantil... Mas não, nunca, de maneira alguma, exclusivamente humano.” (Corazza, 2005, p.58). O que resta? “Um criador de outros efeitos, singularidades, acontecimentos: animais, mundanos, terrenos, geográficos, geológicos, cósmicos...” (Corazza, 2005, p.58). Arte, infância, infantil. Que sentido se dá? Não se dá sentido algum. Não há sentido. Quando lhe atribui um, modifica-se no instante posterior. Então, quantas artes? Quais artes? Quais infâncias? É possível limitar uma quantidade de arte-infância ou infância-arte? Não há mais dúvida, a Contemporaneidade não pode impôr tal limite como a Modernidade tentou. O dado se apresenta múltiplo. Múltiplo de arte; de devires; de infâncias.

Cinzas da infÂnCia Vinde a mim as criancinhas! Alguém disse isso. Jesus Cristo ou Michael

Jackson? “Que saudades da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais” (Abreu,1954, p.193 e 194). Esse foi Casimiro de Abreu, mas poderia ter sido qualquer um. Ele tinha razão, os anos não trazem, porque não há mais tal infância. Podes perguntar então para onde foi. Digo-te que não sei, nem posso responder. Lembro-me apenas, da menina do século XVII. Cadê você? Estás carbonizada? Século XVII, XVIII, XIX, XX. Que objeto? Que infância? Século XXI. Onde foste parar? Parou? Não! Continuou. O anjo virou demônio. Se já foi sem mente, sem sexualidade; agora, carboniza as mentes, os pensamentos; manipula o sexo. Virou arte. Transformou-se em corpo descorporificado. Expôs a infância. A decompôs. Multiplicou-a. Capturá-la, tornou-se impossível. Não é mais a cada suspiro. Cinzas, somente cinzas do que já se manifestou.

referÊnCias:ABREU, C. Meus oito anos. In: Tesouro da Juventude. Rio de Janeiro: W.M. Jackson, 1954. p. 193-4. Volume V.

CORAZZA, S.M. História da infância sem fim. Ijuí: Unijuí, 2000

____________. Infancionática: dois exercícios de ficção e algumas práticas de artifício. In: CORAZZA, S.M., TADEU, T. Composições. BH: Autêntica, 2003.

____________. Metainfanciofísica. In:__. Uma vida de professora. Ijuí: Unijuí, 2005.

MENDES, Cindy; ORTIZ, Marcel; BORATTO, Tchorta. Criança.com. In: CARVALHO, Liliane. antônia. Rio de Janeiro: Som Livre, 2006. CD. Faixa 14.

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resenhaEstudos do Corpo - Encontros Performáticos - 2ª Edição

Performance Grafia Líquida de Lu TrevisanFoto: Gabriela Trevisan

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resenha O NETO DE GETÚLIORodrigo Bartz1

NETO, Lira. Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930). 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 629 p.

Em meados da década de 1990, houve um verdadeiro fenômeno, (no Brasil), de publicações de um gênero que, atualmente, ainda abarrota as prateleiras das livrarias e bibliotecas. Eis o que falamos; as biografias de cunho jornalístico. Entre 1995 e 1997 as publicações praticamente dobraram passando a receber, majoritariamente, como seus autores os jornalistas que munidos com recursos da literatura e documentos, preocuparam-se mais com a individualidade dos biografados.

Atuando assim como âncora temporal ou janela para o acesso e assédio às histórias de vidas alheias, o que se percebe é a força que a prática biográfica ganhou. Esse sucesso, provavelmente, explica o grande número de biografias que vem sendo publicadas no Brasil, com alguns autores investindo em personalidades já biografadas anteriormente, como Lira Neto que repaginou a vida do ex-presidente Getúlio Vargas, sobre o qual “só no segundo semestre de 2004, quando se completaram cinquenta anos da morte do ex-presidente, cinco livros biográficos foram lançados”, segundo Mozahir Salomão Bruck (2010).

A biografia Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930), do jornalista Lira Neto (2012), conforme o próprio autor é a primeira de uma trilogia. A primeira obra abrange desde o nascimento e seus antecedentes familiares até sua chegada ao poder em 1930, tendo como prólogo os primeiros meses de 1931. O segundo livro aborda os quinze anos subsequentes, até 1945, cobrindo o primeiro período da Era Vargas, com destaque para a ditadura do Estado Novo2. O terceiro e último volume consiste no “exilio” de Getúlio em

1 Rodrigo Bartz. Professor da rede privada e pública de educação básica. Mestre em Letras pelo Pro-grama de Pós Graduação em Letras (PPGL) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Graduado em Letras Português/Espanhol pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Membro do grupo de pesquisa “jornalismo e literatura: narrativas reconfiguradas” ligado, de um lado, ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), enquanto que, de outro, ao departamento de Comunicação Social da referida universidade. Bolsista. E-mail: [email protected] Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/busca-textual/visualizacv.do?id=K4473814U1. 2 NETO, Lira. Getúlio: do Governo Provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945). São Paulo: Compa-nhia das Letras, 2013. 594 p.

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São Borja, após sua derrubada pelos militares e a volta à presidência pelo voto popular, chegando ao trágico desfecho de agosto de 19543. Segundo Lira Neto, a divisão por períodos atende a uma questão de ordem estritamente didática e de contingência editorial. A obra, “dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930)”, do jornalista, é dividida em 20 capítulos e possui 615 páginas.

Lira Neto faz uso, nessa primeira parte da trilogia, de uma narrativa cronológica que apesar disso, por meio de indexadores, permite ao leitor uma dinâmica leitura. Conta em minucias de detalhes a infância, a adolescência e o começo da vida política de um personagem que, talvez, seja a figura mais caricata e mitológica da história da politica brasileira.

Lira Neto, em Getúlio, se vale de um ponto de vista em terceira pessoa (como na maioria esmagadora das biografias jornalísticas), o que não é uma garantia de imparcialidade narrativa. O biógrafo é um narrador onisciente. No início da obra, por se tratar da constituição do personagem, é frequente a presença do que chamo de biografemas fatais4, que atribuem a Getúlio Vargas um destino vencedor desde a infância. Já o que chamo de biografemas extraordinários, trazem em si uma crítica à sua genialidade inata.

Por vezes, Lira Neto explica o sucesso político de Getúlio. É como se estivesse no destino do “franzino Getúlio” (Neto, 2012, p. 29) ser uma das figuras políticas mais influentes e conhecidas de todos os tempos no Brasil. A capacidade de resolver grandes problemas, de persuadir e liderar está em muitas técnicas adotados pelo narrador, que ajudam a apregoar a suposta predestinação política de Getúlio.

Isso é perceptível na seguinte citação: “[...] a patente dos combatentes era determinada por Getúlio” (NETO, 2012, p. 32). Talvez Getúlio Vargas criança naturalmente brincasse de grandes lutas em que alguns meninos enfrentam outros. O interessante, na verdade, é a afirmação do narrador de que a patente ou posição dos demais envolvidos na brincadeira era determinada pelo então menino Getúlio. Outro aspecto interessante é conceder a Getúlio uma exímia capacidade de resolver problemas sem causar outros, ou seja, as artimanhas políticas já estariam no menino tal como no trecho: “[...] Getúlio foi contra. Objetou que só podiam capitular depois que estivessem a salvo do risco de levarem uma boa sova.” (NETO, 2012, p. 43).

Creio que dificilmente uma criança saberia “objetar” ou que a sua liderança política aflorasse tão precocemente a ponto de um menino com menos de dez anos “liderar uma frente revolucionária mirim” de forma politicamente pensada e estratégica.

Por outro lado, percebemos escolhas de Lira Neto que mostram (implícita

3 NETO, Lira. Getúlio: da volta pela consagração popular ao suicídio (1945-1954). São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 594 p.4 BARTZ, Rodrigo. Jornalismo e literatura : as complexificações narrativas jornalísticas de cunho biográfico. 2014. Dissertação (Mestrado). Disponível em: http://btd.unisc.br/Dissertacoes/RodrigoBartz.pdf.

ou explicitamente) não só o lado vencedor de Getúlio, mas também o herói imperfeito, para parafrasear Vilas Boas (2008), ou seja, os muitos “Getúlios”. Mostrando um Vargas descoordenado que “[...] tinha notória dificuldade de amarrar os cordões dos próprios sapatos.” (NETO, 2012, p. 88).

Além de Getúlio percebemos isso na biografia de padre Cícero, também de Lira Neto. Essa dualidade paradoxal entre bem e mal, certo e errado norteiam as duas narrativas. Em Getúlio temos isso através de uma afirmação de Chatô no início da obra que afirma ser Getúlio: “[...] a primeira raposa dos pampas.” (NETO, 2012, p. 23) (grifos nossos). Essa afirmação “guia” toda narrativa, pois o Vargas de Lira Neto é astuto, audacioso, todavia medroso. É dessa forma que essa “raposa política” ecoa em toda narrativa. Já com a biografia de Padre Cicero, escrita em 2009, essa dualidade pode ser percebida por meio de comparações entre a mitologia popular e as acusações, que acompanham o padre, feitas pela igreja católica. O mesmo que ocorre com a afirmação de Chatô, no início da biografia de Getúlio Vargas, que serve como um norte a partir do qual o enredo é desenvolvido, ocorre com a biografia de Padre Cícero. Note-se.

A primeira parte da biografia Padre Cícero – poder, fé e guerra no sertão (2009), A cruz, gira em torno do primeiro milagre, transformar hóstias em sangue, pois por meio dessa intriga é que o sacerdote realiza ações contrárias aos dogmas Católicos motivo de sua excomunhão. Para fins de comprovar que o narrador Lira Neto em Getúlio (2012), constrói um personagem paradoxo podemos abordar o trecho em que Getúlio Vargas a fim de se “adequar à faixa etária exigida pelo exército, rasurou a própria certidão de nascimento.” (IBIDEM, p. 64) (grifo nosso). Neto mais uma vez deixa claro que Getúlio tem suas contradições como qualquer ser humano, fazendo o que lhe favorece não importando a procedência. De fato, Getúlio é uma verdadeira “raposa”.

O jornalista e escritor Lira Neto nas páginas dessa belíssima narrativa faz com que o personagem biografado (na tentativa de captar o real) seja explicável em um maior grau de originalidade que a própria vida, ofertando ao leitor uma sensação de poder transformando esse personagem em algo mais manejável e palpável. Enfim, honras e polêmicas (não foram poucas se cita aqui Juremir Machado, por exemplo) a parte, este primeiro volume da trilogia, é uma obra com uma reconstituição interessante da época, fornecendo ao leitor aspectos, manias e bastidores de acontecimentos como percebemos no trecho seguinte: “[...] A casa, a mais suntuosa da cidade era famosa pelo mobiliário elegante, e pelas cortinas adamascadas e pelas alfais caríssimas [...]” (NETO, 2012, p. 103).

Lira Neto mostra-se acima da paixão por Getúlio e abre as “cortinas” mostrando, inconfundivelmente, partes e atos, dessa peça, ainda não vislumbradas.

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