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Edição 2015

Edição 2015 - Cultura.rj · desenvolvimento, adota-se o estímulo e o reconhecimento das manifestações artísticas e outras formas culturais realizadas pelos seus grupos sociais

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Edição 2015

cultura, diversidade e desenvolvimento

disciplina 18

Diversidade cultural e desenvolvimento regional

Elaboração e texto Eliana Sousa Silva

Diversidade cultural e

desenvolvimento regional

Eliana Sousa Silva

• Contribuir para que os participantes ampliem a compreensão sobre as relações entre cultura e desenvolvimento regional.

Objetivos específi cosAo fi nal da disciplina, você deverá ser capaz de:

• Apresentar uma visão integrada sobre as relações entre cultura e desenvolvimento.

• Identifi car as dimensões singular, particular e global da cultura e suas manifestações.

• Analisar o papel das instituições culturais e das práticas dos indivíduos numa perspectiva integrada.

Objetivo geral

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Diversidade cultural e desenvolvimento regional

Breve contextualização da disciplina

O conteúdo priorizado nesta disciplina tem como foco discutir especifi cidades culturais,

percepções e práticas territoriais apreendidas a partir da participação social nesse campo, na

perspectiva de pensar a questão do desenvolvimento tendo a cultura como um fator constituinte.

Como pode ser percebido, estamos diante de um leque de questões desafi adoras que fazem

parte da dinâmica cotidiana dos operadores do campo da cultura, nas suas diferentes funções.

O pressuposto da refl exão aqui proposta é que as políticas culturais no âmbito da gestão pública

devem considerar, no processo de formulação e de implementação, as dimensões territoriais e,

dentro disso, a diversidade e os arranjos que caracterizam cada lugar.

No sentido de contribuir na sua refl exão e na percepção sobre seu desempenho pessoal

na dinâmica de aprendizagem desta disciplina, propomos os seguintes pontos:

• As relações, e eventuais rupturas, entre a cultura e o desenvolvimento.

• As dimensões singular, particular e global da cultura e suas

manifestações.

• Como apreender as dinâmicas culturais do estado do Rio de

Janeiro, as desigualdades reproduzidas nos seus territórios e construir

proposições para sua superação.

• O papel das instituições, das práticas dos indivíduos e as articulações

estabelecidas a partir da cultura no Rio de Janeiro.

• A participação social no campo da cultura no Rio de Janeiro: limites e

possibilidades.

Guiados por essas questões, vamos trazer refl exões e recolher experiências sobre os temas

propostos. A intenção maior é que possamos contribuir para a ampliação do seu percurso de

estudos e, também, para a sua apreensão, no sentido prático, de como essas refl exões podem

se traduzir no seu cotidiano de trabalho.

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As relações, e eventuais rupturas, entre a cultura e o desenvolvimento

A ideia de cultura como direito a ser garantido para toda população brasileira foi sendo

construída na medida em que os outros direitos sociais e políticos também foram alcançados.

Remetendo-nos a uma linha de tempo com recorte para o ano de 1945, quando ocorre a fundação

da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco – vemos,

do ponto de vista internacional, a criação de um organismo que tem como missão básica

promover e reconhecer a produção humana das civilizações, respeitando as especifi cidades e

os saberes construídos pelas pessoas e grupos nas suas diferentes sociedades.

No Brasil, vários debates e pelejas ocorreram no campo da cultura a partir de 1945,

gerando e materializando documentos ofi ciais que foram permitindo o reconhecimento no

país da sua riqueza e diversidade cultural. O processo de redemocratização do país, a partir

da década de 1980, amplia esse processo, com diversos grupos sociais, étnicos/raciais e

geográfi cos afi rmando sua história, especifi cidades e direitos culturais, assim como formas de

reconhecimento e inserção diferenciada na sociedade brasileira.

Em 2001, a Unesco elaborou um documento referência sobre diversidade cultural, o qual

foi denominado Declaração Universal sobre Diversidade Cultural. Esse texto traduz, de maneira

exemplar, uma visão institucional sobre a complexidade e heterogeneidade com que devemos

pensar e sentir a nossa cultura, como explicita a citação abaixo:

[...] a cultura deve ser considerada como o conjunto dos

traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos

que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e abrange,

além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de

viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças.1

Nessa passagem, verifi ca-se que do ponto de vista do discurso e compromisso formal,

a Unesco se coloca numa perspectiva de reconhecimento da importância do elemento

identitário na cultura e este deve ser assumido como compromisso público a partir de então.

Contudo, a adoção de uma perspectiva de reconhecimento das especifi cidades e diversidades

1 Unesco. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, 2002.

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culturais, quando pensadas para uma dimensão ampliada, necessita superar a tendência em

curso de homogeneização mundial, a partir de relações e práticas que tem como referências

o paradigma da globalização econômica.

O tema se torna mais complexo quando a ideia de desenvolvimento passa a ser associada

ao termo cultura. Historicamente, a noção de desenvolvimento vem sendo trabalhada a partir

de um modelo ocidental, no qual os países historicamente mais industrializados e organizados

como grandes sociedades de consumo são vistos como modelos a serem seguidos. Não é

casual, portanto, a classifi cação entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos a partir desses

critérios, colocando os países mais pobres economicamente – e que passaram por processos

de colonização – na parte subalterna do processo.

Cabe, em primeiro lugar, questionar esses parâmetros de desenvolvimento como matriz

da vida e das relações coletivas. O desenvolvimento, acima de tudo, deve estar a serviço

das pessoas e não elas reféns dos modelos de desenvolvimento. O modelo de educação do

país chamado Coreia do Sul, por exemplo, é apresentado há anos no contexto internacional

como um modelo exemplar e é considerado o fator central do processo de desenvolvimento

econômico do país. Todavia, aquele sistema escolar estimula a competição entre os alunos,

famílias e escolas, uma formação voltada acima de tudo para o mercado de trabalho, a ênfase

na racionalidade científi ca, desconsiderando a importância da formação ética e estética, dentre

outras, e deixa os alunos em permanente estado de estresse, o que provoca uma alta taxa de

suicídio juvenil. Podemos falar que esse modelo desenvolvido seria um modelo a ser seguido?

Quais critérios levar em consideração nessa análise? Desenvolvido para servir a quem?

Da mesma forma, é evidente que a cultura não pode estar a serviço do desenvolvimento.

Ao contrário, precisamos construir uma concepção nesse campo no qual a cultura seja parte

inerente dele. Pois ela não pode ser instrumento para um pretenso desenvolvimento que, muitas

vezes, hierarquiza as práticas de gestão e mesmo as referências artísticas/estéticas; valoriza

apenas a dimensão econômica e as forças produtivas; utiliza-se de indicadores que enxergam

os espaços populares apenas a partir de suas carências e precariedades; não levam em conta

a experiência democrática e o devido respeito às práticas plurais das manifestações culturais.

Assim, quando assumimos esse tipo de formulação instrumental da cultura nos territórios

populares, por exemplo, a preocupação, muitas vezes, não é reconhecer e garantir o acesso

e a produção de linguagens artísticas como um direito de seus moradores. Diante de uma

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representação dos seus moradores, especialmente os jovens, como potenciais criminosos

e/ou seres carentes, as práticas artísticas são trabalhadas como forma de enquadrar esses

moradores em padrões institucionais e inseri-los, em geral de forma subalterna, no mercado

de trabalho.

Em um país no qual se entende a cultura como parte componente de um projeto de

desenvolvimento, adota-se o estímulo e o reconhecimento das manifestações artísticas e

outras formas culturais realizadas pelos seus grupos sociais e indivíduos como parte central de

sua identidade e da sua construção como democracia. Esse reconhecimento implica construir

mecanismos de fi nanciamento que permitam às linguagens artísticas, especialmente, poder

existir independentes dos interesses do mercado, tendo um orçamento compatível com sua

importância para a sociedade.

Depois da leitura desses pontos, o que lhe veio à mente? Você concorda com

a defi nição de Cultura da Unesco? Se não, o que pensa a respeito? E sobre o

desenvolvimento, você acha que a cultura é um instrumento para ele ou é um

dos componentes para a sua realização? Em sua região, a cultura é um elemento

importante no cotidiano dos moradores? De que formas ela se manifesta?

As dimensões singular, particular e global da cultura e suas manifestações

Quando falamos de cultura, podemos ter como referência, pelo menos, três dimensões

básicas em seu processo de expressão. A primeira dela diz respeito às diferentes práticas

culturais de cada indivíduo na sociedade. O que é para você uma pessoa culta? Tradicionalmente,

consideramos desse modo uma pessoa que tem o domínio de determinados campos artísticos

ou estéticos: história da arte; música erudita; literatura; gastronomia e/ou arquitetura, dentre

outros saberes. Nesse caso, estamos falando de um ser que se “cultivou”, que se dedicou a

construir essas habilidades, que são valorizadas no mundo social e, em geral, estão fora do

mundo da “produção”. O repertório acumulado desse tipo de saber, em geral, faz com que

essa pessoa tenha uma posição de distinção nas relações sociais.

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Ainda pensando na questão do acúmulo de saberes culturais, vamos pensar agora na

experiência de uma pessoa que nasceu e cresceu numa área rural, tendo acumulado grande

saber sobre a natureza a partir de suas vivências no território de origem. Com essa experiência,

ela desenvolveu grande habilidade manual para fazer artesanato ou trabalhar com a terra.

No mesmo sentido, podemos pensar num morador de favela que se capacitou com maestria

na arte de fazer samba ou mesmo funk. Ao olharmos para esses exemplos, percebemos que

as pessoas aqui representadas não serão consideradas cultas como o indivíduo do primeiro

exemplo. Logo, um dos nossos primeiros desafi os quando pensamos na dimensão singular

da cultura é problematizar os pressupostos hierarquizados que transformam as habilidades

e competências nos campo das artes e dos fazeres culturais em instrumentos de distinção e

subalternização, especialmente dos membros dos grupos sociais mais populares.

Não vivemos sós no mundo, nem aprendemos sozinhos. Temos vários tipos de pertencimentos

que vão defi nindo nossas experiências e vivência: a família na qual nascemos; o lugar onde

crescemos; o país do qual somos cidadãos; as condições social, racial e de gênero que temos;

os sistemas econômicos e políticos nos quais vivemos etc. Essas instituições e estruturas sociais

geram o que chamamos de dimensão particular de cultura. No caso, o termo em itálico signifi ca

as experiências culturais que estão além das práticas do indivíduo e ocorrem em territórios,

sociedades e grupos específi cos. Por isso, por exemplo, nos falamos cariocas, paulistas,

brasileiros, latino-americanos, dentre outros inúmeros tipos de pertencimentos. Nossos gostos

– seja em termos de culinária, tipo físico, esporte, música etc. – assim como alguns valores vão

sendo infl uenciados, mesmo condicionados, por essas inserções sociais e territoriais nas quais

nascemos e crescemos.

Já falamos da dimensão singular, individual, da cultura e da dimensão particular. Temos

também a dimensão global da cultura, que expressa nossa condição humana como espécie.

Reconhecemos, nesse caso, as práticas sociais que geraram a civilização, por exemplo, e atuam

como forma de diferenciação e reprodução da vida feita por outras espécies. Desse modo, no

limite, podemos dizer que todas as práticas humanas coletivas são culturais. Com isso, se

evidencia que tão, ou mais, importante do que as dimensões particulares – os nacionalismos e

pertencimentos a grupos étnicos, por exemplo – está a comunhão necessária diante da nossa

condição de espécie. Pense, por um momento, nos diferentes tipos de confl itos que estão

acontecendo agora no mundo, a grande maioria deles seria evitada se o reconhecimento

da nossa condição humana global fosse colocado acima dos pertencimentos a determinada

nação, grupo étnico ou religioso.

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Os exemplos revelam como é complexa a relação entre as práticas culturais individuais,

particulares e globais. Por isso, muitas organizações dedicadas à democracia e defesa dos

direitos humanos defendem a criação de valores universais de referência, que orientem as

práticas sociais e que sejam mais valorizadas do que as expressões particulares. O principal

valor, nesse sentido, diz respeito à dignidade humana. Garantir condições dignas de vida para

cada pessoa e para toda a humanidade é um desafi o que se coloca para todas as pessoas e

países. Sem perder de vista que o direito a viver e expressar suas práticas culturais específi cas

é um direito fundamental nesse campo.

A partir da ideia de dignidade como valor maior, é possível defi nir, de forma sintética,

violência como todo ato que agride a dignidade de um indivíduo ou um grupo em termos físicos,

psicológicos ou simbólicos. Com isso, é possível ter parâmetros básicos para se trabalhar as

relações entre os direitos universais, particulares e singulares, inclusive no campo da cultura.

A delicadeza do processo decorre do fato de que o reconhecimento da nossa identidade

como ser humano não pode negar que, no processo de formação de qualquer sociedade,

práticas e formas de viver são evidenciadas, sendo a cultura o componente que vai agregar e

materializar a tradição e a maneira como determinada região, grupo e indivíduo se reconhece

e se caracteriza. Logo, diante dessa pluralidade, a apreensão das práticas culturais exige um

olhar para a especifi cidade de cada país, região, estado, cidade, grupo ou pessoa, reconhecendo

as suas especifi cidades e, por consequência, a diversidade cultural.

Nesse caso, para além do reconhecimento de que existem distintas e específi cas demandas

a serem consideradas no debate em torno da cultura, o tema da diversidade coloca como

necessidade a convivência de pensamentos e práticas plurais num mesmo contexto e ambiente.

Ao olhar sobre a formação da nossa sociedade, percebemos que, se somos todos brasileiros

– o que é uma característica específi ca no mundo, a multiplicidade caracteriza os territórios,

regiões, grupos sociais e pessoas no país. Enxergamos particularidades que têm como matriz

central os encontros que ocorreram – em geral, marcados pela violência e dominação – entre

os povos indígenas, os europeus e os africanos, dentre outros que construíram o país.

As formas assumidas por esses encontros – que continuam ocorrendo – em cada região

específi ca do país contribuíram/contribuem para a conjugação e a corporifi cação das maneiras

que nos caracterizam, para além das singularidades de cada pessoa. A existência dessas

experiências plurais e históricas revela a impossibilidade de pensar o fenômeno cultural a

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partir de uma visão unifi cadora e essencialista. De fato, não existe uma cultura brasileira.

O que temos são múltiplas marcas culturais construídas por diferentes grupos étnicos, raciais,

territoriais, sociais e econômicos no processo histórico. E esse processo continua em marcha,

sem parar.

A marca da diversidade se revela nessas múltiplas vivências coletivas. No seu arcabouço

estão as formas de se alimentar, as manifestações artísticas e religiosas e a maneira de

signifi car e vida a partir da origem e das experiências com as quais entramos em contato

ao longo da vida. Ao mesmo tempo, não é possível compreender essas referências culturais

sem levar em conta a questão da diferença. As manifestações culturais foram se construindo

em um universo de relações entre grupos e coletivos de poder. Elas vão se comunicando

no processo histórico, se sincretizando, submetendo-se às dinâmicas de transformações

que irão ocorrendo em função de fenômenos como a urbanização, a industrialização, as

lutas sociais por direitos fundamentais, a reprodução das desigualdades econômicas e o

acesso diferenciado a equipamentos e serviços artísticos e culturais, dentre outros. Portanto,

diversidade e diferença caminham juntas na compreensão das formas materiais assumidas

pelas práticas culturais dos múltiplos grupos e indivíduos que vivem nos territórios do Brasil e,

no que nos concerne, no Rio de Janeiro.

Com referência nas refl exões apontadas acima, quais os principais hábitos e

práticas culturais que caracterizam, na sua percepção, a sua região? E, ainda, como

você acha que seria possível desenvolver as práticas culturais, especialmente as

linguagens artísticas, em sua região?

Como apreender as dinâmicas culturais do estado do Rio de Janeiro, as desigualdades reproduzidas nos seus territórios e construir proposições para sua superação

Em relação à região sudeste, vale como um bom exercício pensar o que é específi co e

característico nela considerando os diferentes estados que a compõem. Se olharmos para

o Rio de Janeiro, identifi caremos que a praia, por exemplo, é um elemento da paisagem que

gerou, e gera, um conjunto de práticas culturais e de relacionamentos sociais específi cos,

assim como demandas de variadas ordens no campo da regulação do espaço público. Essa

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particularidade geográfi ca infl uencia – talvez até tenha condicionado – as formas como se

materializam as instituições e as práticas sociais locais, produzindo formas urbanas distintas

das construídas, por exemplo, em capitais como São Paulo e Belo Horizonte, dentre outros

espaços. Então, as ideias de diferença e diversidade estruturam o pensamento sobre as

políticas culturais regionais, pois permitem que se identifi quem os pontos comuns e distintivos

entre os seus espaços, dentre outros.

Dessa maneira, não é possível pensar as práticas culturais sem levar em conta as

territorialidades nas quais elas são construídas. O conceito de território implica a dimensão

física de determinado espaço e as relações estabelecidas a partir de suas características

históricas, ambientais, culturais, estruturas de poder, econômicas e outras. Da mesma forma,

ele leva em conta os modos de pertencimento e relação que as pessoas estabelecem com

seus lugares.

Considerado esse pressuposto, a construção de uma política de desenvolvimento que

tenha a cultura como um dos eixos constituintes demanda, em primeiro lugar, a elaboração

de um inventário das manifestações das práticas culturais particulares e singulares presentes

– e ausentes – em territórios do estado do Rio de Janeiro, universo geográfi co de nosso curso.

O inventário deve englobar as formas de linguagens artísticas mais visíveis – audiovisual,

teatro, circo, artes visuais, literatura, dentre outras; os hábitos culturais – linguagem (incluindo

sotaques e diferentes tipos de língua), invenções coletivas (tais como as brincadeiras, formas

de construção e os rituais diversos); os serviços e equipamentos oferecidos e produzidos no

território etc.

Feito o inventário, cabe cotejá-lo com informações gerais sobre a estrutura econômica,

social e ambiental do território. Esse mapeamento preliminar deve se estender para uma

análise sistemática das práticas culturais locais e estabelecer sua devida comparação com

outros territórios do estado, tanto os mais próximos como os mais distantes, tendo a capital

como uma referência importante para compreender as formas de realização das políticas

culturais e suas expressões desiguais.

O que desejamos é que as políticas culturais derivadas de inventários como os propostos

sejam capazes de – a partir do reconhecimento do existente e das ausências percebidas, ou

não, pelos cidadãos locais – orientar a produção de iniciativas que ampliem os seus repertórios

cognitivos, éticos e estéticos. Nesse caso, a cultura, como já consideramos, é parte de um

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projeto que fortalece as experiências locais e projeta possibilidades de ampliação do tempo

e espaço existenciais dos moradores, inserindo-os na realidade social e cultural para além de

seu próprio lugar.

Historicamente, os arranjos econômicos são pensados sem levar em conta as demandas e

práticas concretas dos cidadãos. Assim como, comumente, as políticas sociais e culturais são

pensadas levando em conta apenas os indivíduos, sem levar em conta suas territorialidades e

a dinâmica produtiva. Um bom exemplo, no caso da cidade do Rio de Janeiro, é o fato de haver

um forte processo de expansão imobiliária para a zona oeste da cidade, mesmo sabendo-se

que 34% dos empregos locais estão na área central da cidade e apenas 8% estão naquela

região. O que faz com que o Rio de Janeiro seja campeão mundial em termos de tempo de

deslocamento no trânsito por parte dos trabalhadores, ocorrendo corriqueiramente, que

se leve, muitas vezes, até três horas para se realizar deslocamento até o trabalho. O fato

revela um descompasso entre necessidades básicas dos cidadãos cariocas e os interesses

do mercado imobiliário. O mesmo ocorre em termos de oferta de equipamentos culturais,

sabidamente concentrado nas áreas centrais e na zona mais rica da cidade.

Considerando os apontamentos feitos neste item: você conhece estudos

sobre as práticas culturais em sua região? Caso conheça, o que pensa deles? Se

não existem esses estudos, como acha que eles poderiam ser feitos e por quem?

Quais seriam as principais desigualdades em termos de acesso e produção

cultural, em particular as linguagens artísticas, em sua região e de sua região em

relação a outras do estado do Rio de Janeiro, em particular a capital?

O papel das instituições, das práticas culturais dos indivíduos e as articulações estabelecidas a partir da cultura no Rio de Janeiro

A atual cidade do Rio de Janeiro foi a Corte do país e sua capital por quase duzentos anos.

O fato fez com que nesse território fosse instalado um conjunto de equipamentos culturais

signifi cativos, concentrados, em sua grande maioria, nas áreas mais ricas da cidade. Da mesma

forma, a cidade se tornou, historicamente, a principal referência no campo da cultura no país –

e o fato dela possuir a principal cadeia de TV brasileira fortaleceu essa condição.

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No processo histórico, mesmo depois de 1975, ano da fusão entre a Guanabara e o estado

do Rio de Janeiro, a capital continuou a concentrar recursos econômicos, equipamentos e o

capital simbólico que a colocava em clara posição dominante, em termos de expressão das

linguagens artísticas, no estado e, em menor medida, no país. O fato não impediu que muitos

grupos dedicados a múltiplas expressões culturais se afi rmassem em todas as regiões do

estado, apesar do, em geral, pequeno apoio público e das difi culdades objetivas para suas

manifestações, em particular os grupos de origem popular. O desenvolvimento das tecnologias

digitais, a construção de novas referências no campo da política cultural no Ministério da

Cultura a partir de 2003 e a proliferação de organizações da sociedade civil, especialmente no

campo da cultura, gerou a multiplicação de atores culturais em todas as regiões do estado,

em que pese a manutenção de uma forte concentração de atividades e recursos na capital do

Rio de Janeiro.

Nesse caso, podemos falar que a democratização artística – que é apenas um aspecto da

cultura, considerando seu caráter de práticas simbólicas e materiais de grupos de territórios

específi cos – vem sendo ampliada no país, com o estado do Rio de Janeiro inserido nessa

dinâmica. Todavia, continua sendo um grande desafi o para o estado a democratização dos

equipamentos, serviços e recursos fi nanceiros no campo das linguagens artísticas para o

conjunto das regiões fl uminenses. Esse processo tem avançado de forma lenta, sustentado

principalmente na ação de organizações da sociedade civil que operaram, historicamente, sem

apoio objetivo dos órgãos estatais e muito menos das empresas privadas. Como temos ainda

um funcionamento perverso do sistema de leis de incentivo que favorece as organizações

culturais com maior capital econômico, social e simbólico, essas organizações lutam com

grandes difi culdades para ampliar suas possibilidades de realização em seus territórios locais.

Portanto, o principal desafi o no que diz respeito à democratização das linguagens artísticas

no Rio de Janeiro se coloca no campo do reconhecimento do trabalho feito pelas organizações

culturais da sociedade civil nas diferentes regiões do estado e a construção da compreensão que

o equipamento e o espaço público vão muito além dos limites do estado. Para isso, as formas

de parceria entre os órgãos estatais e as entidades da sociedade civil, formais ou informais,

devem se basear, fundamentalmente, nos resultados realizados pelas últimas e pelos seus

processos de invenção das linguagens artísticas. Desse modo, a cultura passa a ser trabalhada

como elemento central do desenvolvimento regional e as organizações que as promovem,

estatais ou não, são reconhecidas como instituições estratégicas para a sua realização.

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Diante do que apresentamos: você concorda com a ideia que apenas o que

é estatal é público? Você acha que as organizações da sociedade civil deveriam

receber apoio do Estado para realização de suas atividades ou esses recursos

deveriam ser dirigidos apenas às instituições estatais?

A participação social no campo da cultura no Rio de Janeiro: limites e possibilidades

Uma das principais proposições, na década de 1980, dos setores dedicados à redemocratização

do país era o processo de controle social das políticas públicas e ações do Estado – e, no

limite, do Mercado – pelos cidadãos e as organizações que não faziam parte de uma dessas

duas instâncias sociais. Essa instância tornou-se conhecida, historicamente, como Sociedade

Civil. Então, termos como Poder Local, Controle Social, Orçamentos Participativos, Conselhos

Populares e similares passaram a ser conhecidos e orientaram a ação de muitos atores sociais,

em todo o país. A partir dos anos 1990, alguns setores sociais passaram a identifi car Sociedade

Civil como Terceiro Setor, mas as organizações que trabalham como referência central a questão

da democracia em sentido pleno continuam a utilizar a formulação original.

De fato, as estruturas públicas brasileiras, em várias instâncias, passaram a contar com

a participação de atores sociais que não pertenciam ao campo estatal nem ao mercado.

A obrigatoriedade de que as políticas e o controle do orçamento no campo das políticas

públicas, em particular em áreas como saúde e educação, contassem com a participação de

conselhos formados, quase sempre, de forma paritária por governos e entidades da sociedade

civil ampliou o grau formal de democracia no país.

Todavia, na prática, o nível de poder das organizações da sociedade civil nos conselhos é

profundamente baixo. Seja por falta de condições de acompanhar as estruturas de gestão,

por limitações técnicas dos membros, pelo controle político do poder executivo das entidades

e/ou pela falta de estrutura adequada para uma atuação sistêmica, os instrumentos de

participação e controle social no Brasil, em geral, têm grande difi culdade para funcionarem.

Assim, o principal desafi o para garantir a participação social no campo da formulação e

controle social das políticas no campo das artes, de forma particular, e da cultura, de forma

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geral, é criar os meios técnicos, fi nanceiros e políticos para que as organizações possam ser

efetivas parceiras na formulação das políticas, instâncias com poder para fazer o controle

social das ações do poder executivo, na perspectiva da democratização – no que concerne ao

campo da cultura, por exemplo – das linguagens artísticas.

Para isso, as decisões das conferências de cultura, em suas várias instâncias, devem ser

devidamente respeitadas e transformadas em bases da ação do poder executivo; devem ser

construídos espaços de diálogo e formulação de ações comuns entre os órgãos executivos e

os conselhos democraticamente eleitos; devem ser construídos instrumentos que deem conta

do monitoramento e avaliação das políticas públicas no campo da cultura, assim como serem

realizados estudos que permitam identifi car e sistematizar práticas, demandas e perspectivas

da população local no campo cultural.

Desse modo, a discussão sobre participação social se coloca, acima de tudo, no campo do

poder. Faz-se necessário que os órgãos que atuam nesse campo no âmbito do poder executivo

e seus dirigentes reconheçam a relevância do papel das organizações culturais no sentido

de construção de um projeto cultural integrado, que leve em conta as práticas culturais dos

sujeitos e grupos, sem perder a dimensão da necessária ampliação de seu repertório. Assim,

quando falarmos em desenvolvimento teremos as práticas culturais como um elemento

efetivamente constituinte desse processo de permanente melhoria das condições de vida, de

expressão estética e dos sentidos da vida dos cidadãos.

A partir do que apresentamos: qual o papel que você entende que as

organizações da sociedade civil devem ter na formulação, execução e controle

das políticas culturais do estado? Qual o papel que elas cumprem em sua região?

Qual o papel que deveriam cumprir? Como você entende que as políticas culturais

podem ser mais democráticas, efi cientes e atingir uma maior quantidade de

pessoas?

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Conclusão

Buscamos, ao longo do texto, apresentar um panorama sintético sobre as possibilidades de

pensar a cultura como um elemento central na constituição de projetos de desenvolvimento.

Para isso, questionamos as formas usuais de pensar em Desenvolvimento e Cultura, em geral

dominadas por uma lógica a serviço do mercado e tendo os países ricos como modelo a ser

seguido.

A partir desse questionamento, apresentamos três dimensões possíveis de pensarmos a

questão cultural e a necessidade de que a dignidade humana como valor seja uma referência

central na criação de parâmetros mais gerais para as práticas humanas.

Feita essa introdução, estabelecemos uma refl exão sobre as características da formação

cultural brasileira, negando a possibilidade de ela ser homogeneizada e unifi cada. Então, a

diversidade e a diferença entre os territórios são elementos centrais para sua apreensão e

reconhecimento. A partir dessa proposição, e levando em conta a importância das organizações

da sociedade civil e seu papel na proposição e realização de políticas culturais, propomos uma

refl exão sobre as condições específi cas dos equipamentos e práticas culturais presentes em

seu território de atuação, como operador de cultura.

Esperamos que essas proposições o auxiliem a construir uma visão integrada sobre as

práticas e políticas culturais e o papel que pode ter nesse campo, na condição de agente

atuante nesse campo.

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