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Edição 2015

Edição 2015 - Cultura.rj · O conceito de obra de arte é uma construção social, não pode ser um trabalho isolado, afi rma Koellreutter (1997). A arte possibilita um diálogo

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Edição 2015

cultura, diversidade e desenvolvimento

disciplina 15

Arte e Sociedade

Elaboração e texto Ana Lúcia Pardo

Arte e Sociedade

Ana Lúcia Pardo

Ao fi nal da disciplina, você deverá ser capaz de:

• Refl etir acerca dos processos de criação artística e seus desdobramentos nas relações sociais, nos padrões de comportamento e na mentalidade de seus sujeitos, bem como suas infl uências nas formas de pensar e de projetar-se no imaginário e nas suas caracterizações expressivas.

• Identifi car a articulação entre as maneiras de fazer arte e as experiências vividas no cotidiano, de como a arte vê o mundo, do espectador enquanto ator de sua história e as relações da arte com a sociedade.

• Analisar as mudanças ocorridas na arte e nas subjetividades na modernidade e na arte contemporânea.

Objetivos

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Introdução

Esta disciplina está distante de esgotar tema tão amplo, abrangente e vivo de nosso tempo

como as relações da arte com a sociedade, da mesma forma, da arte com a política. Senão,

objetiva trazer alguns pontos importantes para tratar da referida temática e analisar seus

rebatimentos e principais mudanças ao longo tempo.

Faremos um rápido percurso na arte para discutir sobre os seus rebatimentos no campo

social, com base em diversos autores e a utilização de imagens que nos ajudam a ilustrar

acerca dos sentidos e signifi cados desse universo simbólico. As fotografi as, com seus créditos

e direitos autorais preservados, têm, neste caso, somente um fi m educativo-pedagógico.

É da natureza da criação artística andar no risco, no desconhecido, no efêmero. Assim

também são os indecifráveis caminhos da vida, que andam cada vez mais por terrenos de

incerteza, fl uidez e impermanência. Vida líquida, na defi nição do pensador Zygmunt Bauman

(2007; 2009). Nesse espaço transitório, o homem cada vez mais se quer singular, quer

expressar-se individual e coletivamente, nos campos virtuais e presenciais, como forma de

afi rmar sua subjetividade e diferença em relação ao outro.

Parte I – A arte, seus signifi cados, seus atores e seus processos de criação

Qual a contribuição da arte no desenvolvimento humano?

As formas de arte incorporam conteúdos existenciais, que se referem às experiências de

viver, às visões de mundo, aos estados de ser, dos desejos, aspirações, sentimentos e valores

espirituais da vida, tornando atuais os conteúdos que atravessaram séculos, sociedades e

culturas, “porque [a arte] fala a nós, sobre nós, sobre o nosso mais íntimo ser” (OSTROWER,

2002). Por isso mesmo tem esse poder de nos comover tão profundamente. “A arte é uma

linguagem universal, tanto no sentido de ultrapassar o período histórico e o contexto social

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em que as obras foram criadas, como também no sentido de seus conteúdos se referirem, em

última instância, à própria condição humana” (Op. cit., 2002).

A pintura rupestre, por exemplo, mostrada na Figura 1, é um tipo de arte feita pelos homens

pré-históricos nas paredes das cavernas. Como os homens desta época não tinham um sistema

de escrita ainda desenvolvido, utilizavam os desenhos como uma forma de comunicação.

Retratavam nestas pinturas cenas do cotidiano, como caça, animais, descobertas, plantas,

rituais etc., como na Toca do Morcego – Serra da Capivara – PI e na Toca do Salitre – Serra da

Capivara – PI.

Aqui no Brasil existem vários exemplos deste tipo de arte em estados como o Piauí, no

sítio arqueológico do Parque Nacional da Serra da Capivara, localizado no município de São

Raimundo Nonato (http://pt.slideshare.net/RaphaelLanzillotte/pintura-mural). Fora do Brasil,

há pinturas de 20 mil anos de idade encontradas na caverna de Chauvet, no sul da França, na

Figura 2 (http://arqueologiadescobertas.blogspot.com.br).

Na Figura 3, vemos a “Arte Rupestre do Brasil”, na Toca do Boqueirão da Pedra Furada –

Serra da Capivara – PI, Xique-Xique IV – Seridó – RN, fi guras de animais (GO), Lapa do Rezar,

em Januária/MG, Monte Alegre – Paraíba e pinturas rupestres no Parque Nacional na Serra da

Capivara, no Piauí (http://pt.slideshare.net/RaphaelLanzillotte/pintura-mural).

Figura 1: Pintura rupestre.Fonte: http://pt.slideshare.net/RaphaelLanzillotte/pintura-mural-35028481

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Figura 2: As magnífi cas pinturas da Caverna de Chauvet. Fonte: http://arqueologiadescobertas.blogspot.com.br/2014_01_01_archive.html

Figura 3: Arte rupestre no Brasil.Fonte: http://pt.slideshare.net/RaphaelLanzillotte/pintura-mural-35028481

Poderíamos nos perguntar: Qual a contribuição da arte no desenvolvimento humano?

Ao fazer e conhecer arte, o indivíduo percorre trajetos de aprendizagem que propiciam

conhecimentos específi cos sobre sua relação com o mundo. Extrapolamos, já faz algum

tempo, o território do edifício teatral, da caixa-preta do palco, das galerias e dos museus e os

limites entre arte, artista e público. Nossa moldura ganha novos contornos. Ao mesmo tempo,

a realidade tornou-se espetacular na mídia, na publicidade, na propaganda.

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E para que serve a arte?

Na verdade, a arte acaba por escapar de qualquer utilidade que se queira fazer por estar

sujeita às incertezas da natureza humana. Nem mesmo Jorge Coli, no livro O que é arte?, editado

pela Coleção Primeiros Passos, em 1995, pretendeu dar conta de apresentar uma defi nição

precisa do que seja arte.

Para começar, “podemos dizer, que a arte provoca, instiga e estimula nossos sentidos,

descondicionando-os, isto é, retirando-os de uma ordem preestabelecida e sugerindo

ampliadas possibilidades de viver e de se organizar no mundo” (CANTON, 2009, p.12).

O conceito de obra de arte é uma construção social, não pode ser um trabalho isolado,

afi rma Koellreutter (1997). A arte possibilita um diálogo com quem a observa, cria situações

que podem se tornar desafi antes para o apreciador e, algumas vezes, os materiais utilizados

na própria composição propõem uma refl exão sobre o signifi cado da arte. Um novo tipo de

sociedade condiciona, por sua vez, um novo tipo de arte. A função da arte varia de acordo

com as exigências colocadas pela nova sociedade, porque uma nova sociedade é governada

por um novo esquema de condições econômicas e, ainda, porque mudanças na organização

social e, portanto, mudanças nas necessidades objetivas dessa sociedade, resultam em uma

função diferente de arte (BRITO, 2001).

Contudo, a arte está ligada aos fatores históricos e sociais, mas dialoga ativamente com nossa

sociedade, criando os estilos de época, e acompanhando a evolução do homem e da tecnologia1.

Como a arte vê o mundo?

Sendo assim, quais as refl exões que podemos fazer sobre nosso tempo partindo desse

referencial? Como a arte e os artistas se relacionam com este século e que leituras fazem

do mundo? Ao mesmo tempo, como esses mundos inventados na arte leem o mundo para

além de seu tempo? Há um universo inteiro a ser percorrido e que não se esgota certamente

1 Artigo “A arte e sua infl uência na sociedade e na cultura”, publicado por Fernanda Mayra no dia 27 de janeiro de 2012 no Portal Educação: http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/10635/a-arte-e-sua-infl uencia-na-sociedade-e-na-cultura.

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nas refl exões trazidas por esta disciplina. Por isso mesmo, ao tatear alguns passos nessa

direção, optamos por promover um diálogo entre diferentes saberes, de tal forma que possam

apresentar uma visão do campo social, político, cultural e artístico, na qual se inserem essas

teatralidades, com seus corpos, cenários, territórios, subjetividades, criações, para que se

possa refl etir sobre como se transformam dentro desses contextos e coletivos.

Há um espaço para refl exões sobre a arte contemporânea, que discute o lugar da arte,

do artista e do público, as crises de representação, o fi m da autoria e os processos artísticos.

A bandeira da marginalidade levantada por Hélio Oiticica, “Seja marginal, seja herói”, é nossa

base para falar sobre as formas de protesto e a quebra de hierarquias, a promessa de

indistinções da arte, o processo coletivo e a ideia de que todos somos artistas. Comecemos,

então, por olhar para dentro de nós, os humanos.

“Era tudo terrível, sem amanhã”. Assim o pesquisador e crítico de arte Nelson Aguilar,

docente do Instituto de Filosofi a e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, defi ne o clima que

tomou conta da cena brasileira de artes plásticas após o golpe de 1964. “Houve uma diáspora.

Quebrou-se o ambiente altamente promissor elaborado pela cultura livre acompanhada por

governos democráticos”. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Aguilar fala sobre os principais

nomes do período e sobre a agitação cultural provocada e vivida tanto pelos que partiram

para o exílio como pelos que fi caram para enfrentar os anos de chumbo2.

Figura 4: “As tintas da diáspora”Fonte: Jornal da Unicamp, Campinas, 31 de março de 2014 a 6 de abril de 2014, n° 592, http://www.unicamp.br/unicamp/ju/592/tintas-da-diasporahttp://www.unicamp.br/unicamp/ju/592/tintas-da-diaspora.

2 “As tintas da diáspora”, texto de Carlos Orsi e foto de Antonio Carpinetti (obra de Hélio Oiticica), Jornal da Unicamp, Campinas, no dia 31 de março de 2014, nº 592: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/592/tintas-da-diaspora.

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Um personagem só consegue nos tocar, e tocar os outros, quando encontramos nele a

“essência de vidro” de que fala Shakespeare e que nós chamamos de “vulnerabilidade”. Então,

nossa fragilidade, longe de ser uma simples e irremediável fraqueza, se torna, porque ela nos

é comum, o motor de toda expressão, de toda emoção e, frequentemente, de toda beleza

(CARRIÉRE, 2007, p. 13). Não poderíamos falar de natureza humana, de criação, de mundos

reais ou inventados, com seus desejos, angústias, confl itos e tensões, sem tocar nas questões

centrais da vida que nos envolvem, com suas incertezas, inseguranças, desigualdades e

contradições de ordem política, ética, ambiental, cultural, social, artística.

Em nossa única dimensão grandiosa trazida pelo imaginário, podemos inventar outros

mundos, outras perspectivas. A imaginação nos apresenta um outro eu, no qual nossa

realidade temporária e desprezível se transforma. Nesse terreno sem limite, sem regra, em que

podemos estar no centro, a imortalidade deixa de ser uma esperança. Ela nos pertence. Um

enorme tesouro de possibilidades é colocado à disposição pelos sonhadores. Seja por ilusão,

esquecimento, coragem, sacrifício ou imaginação, posso me tornar um outro, vestir outros

personagens, lutar nos campos de batalha da fi cção ou da realidade, posso criar modelos de

mim, mas sempre carregarei comigo a fragilidade da minha natureza. Uma fragilidade que não

pode estar mascarada, negada ou escondida por uma tentativa indestrutível e invencível. A

solidez conhece suas fraquezas; a fragilidade as põe de lado.

Tão efêmera e frágil é, pois, a natureza humana feita de essência de vidro. Efêmera como

a vida é a arte do teatro, que anda no risco, na corda bamba, na incerteza de toda a criação.

“O trabalho artístico é feito de incerteza, e essa incerteza é uma prova a suportar; ao mesmo

tempo, é a condição da invenção original, da inovação e da satisfação sentida ao criar. O

criador nunca está seguro de chegar ao termo de seu empreendimento e de conquistá-lo em

conformidade com o que esperava fazer” (MENGER, 2005, p. 11-12).

Shakespeare criou maneiras diversas de representar a mudança no ser humano, alterações

provocadas não apenas por falhas de caráter ou corrupção, mas por vontade própria, pela

vulnerabilidade temporal da vontade. “Os personagens shakespearianos – Falstaff , Hamlet,

Rosalinda, Iago, Lear, Macbeth, Cleópatra – são exemplos não apenas de geração de

signifi cados, mas de criação de novas formas de consciência. O crítico literário Samuel Johnson

considera que Shakespeare nos ajudou a compreender a natureza humana” (BLOOM, 2000,

p. 26).

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A teatralidade nossa de cada dia

A teatralidade nossa de cada dia revela as mais diferentes facetas. São camelôs que inventam

personagens para atrair compradores; devotos que pregam sua religião capturando fi éis nas

praças; jovens fazendo malabarismos nos sinais de trânsito; vendedores ambulantes nos

ônibus; contadores de histórias; ciganas com suas roupas coloridas e rodadas que abordam

os passantes para lerem seu destino; homens de pernas de pau nas propagandas de lojas;

políticos e militantes que fazem campanha com seus megafones, palanques e santinhos;

mágicos, palhaços, coelhos da Páscoa, Papai Noel abraçando crianças nos shoppings; músicos

que se apresentam nas saídas de metrô; atores vestidos em seus personagens em posição de

estátua à espera de um trocado no chapéu para ganharem movimento; mendigos, loucos e

andarilhos com suas caixas, carrinhos e cachorros; prostitutas, garotos de programa e travestis

disputando o espaço das ruas com suas performances a atrair clientes. Todos disputam

atenção, visibilidade e garantia de sobrevivência.

A teatralidade do humano está também nos escombros, nas ruínas, na negação, em seres

humanos invisíveis para a sociedade. Nos anônimos que passam despercebidos na multidão

e que se reinventam nos subterrâneos do mundo, como forma de resistência e transgressão

às situações-limite em que se veem colocados. Está nas marcas pintadas dos muros da cidade,

nos grafi tes coloridos, nas frases, poesias e desenhos que expressam diferentes maneiras de

ver ou de se esconder do mundo.

Figura 5: Grafi te “Quando você apaga uma história, a história não lembra de você”, (2012), dos artistas paulistas Otávio e Gustavo Pandolfo, Os Gêmeos.Fonte: https://www.facebook.com/207835592677428/photos/pb.207835592677428.-2207520000.144978 6200./238125839648403/?type=3&theater

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É o teatro nos palcos do dia a dia do indivíduo e seus papéis sociais. Esses lugares

discursivos, nos quais entramos e somos capturados por funções que estão ali para além de

nós, de nossos desejos individuais, de nossas escolhas...

Um professor, um mendigo, um político, um catador de lixo, todos nós vivemos a vida

como uma grande arena na qual assumimos os mais diferentes personagens, atuamos para

sobreviver, mas também para criar metáforas, fantasiar, inventar esteticamente novos espaços

e tempos e reinventar-nos dentro desse grande e veloz tempo vivido como uma colcha de

retalhos (PARDO, 2010). Todo mundo pode viver sua expressão sem estar preso a um papel.

Não se trata de ser artista ou não, mas de uma perspectiva do ser humano e do mundo. Não

se trata só de todos os artistas serem operários, mas também de todos os operários serem

artistas, de as pessoas terem relações criativas, férteis e de transformação com o mundo, a

realidade, a natureza, a sociedade3.

Nossa história feita de imigrações, ritos de passagem e deslocamentos nos faz mambembes,

andarilhos, bruxuleantes, palhaços, contadores de causos, rezas, viajantes e impregnados de

teatralidade, da natureza do teatro. Acompanhamos a procissão de santos, a travessia de barcos

de navegantes, dançamos nos rituais dos terreiros, seguimos as folias de reis, nos fantasiamos

para o carnaval da avenida, batemos palmas nas rodas de capoeira, do jongo, do congo, do

maracatu, do boi-bumbá, do cordel, dos repentes, do hip-hop, do funk e das danças de rua, nos

teatros de palcos diversos em que nos inserimos como um mosaico ontológico do presente.

Nossos personagens do dia a dia

Em seu cotidiano, os indivíduos teatralizam, seja para aceitarem papéis fi xos e determinados,

seja para intensifi carem o jogo e fazerem deslizar os papéis. Driblando tristezas e opressões

de diversos tipos, criamos outras peles para atravessarmos as incertezas e impermanências.

Mas as criamos também para escapar ao que se impõe como habitual e familiar, como certeza

e permanência. Vestimos personagens, nos maquiamos e nos reinventamos no dia a dia, em

táticas e astúcias, para desempenhar papéis, mas, simultaneamente, para evadi-los, para

nos “des-empenhar” deles, nos libertar (COSTA, 2008). Nesse jogo de desempenhar e “des-

empenhar” papéis, teatralizamos nossas relações com a escola, o trabalho, o amor, o erotismo

e todos os campos do cotidiano.

3 Manifesto-Ação do Grupo de Teatro Tá na Rua, 1981.

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A seguir, mostraremos alguns desses indivíduos comuns que assumem diferentes

personagens, que sobrevivem nas ruas de suas teatralidades, seja para educar, vender,

inventar malabarismos, na tentativa de capturar o olhar e a atenção dos passantes em meio

ao veloz tempo vivido no cotidiano das cidades.

A Figura 6 ilustra uma ação da Prefeitura de Caracas, na Venezuela, que contratou 120

palhaços mudos nas principais ruas da cidade, com o objetivo de chamar atenção, pela via da

educação, para as infrações de trânsito de motoristas e pedestres (Foto AP).

Figura 6: Intervenção artística de educação no trânsito em Caracas.Fonte: “Cidade venezuelana coloca palhaços nas ruas para fi scalizar o trânsito”, jornal O Tempo, página Mundo, Da Redação, publicada no dia 10/10/2011: http://www.otempo.com.br/capa/mundo/cidade-venezuelana-coloca-palha%C3%A7os-nas-ruas-para-fiscalizar-o-tr%C3%A2nsito-1.425373

Criamos cascas, armaduras de sobrevivência às vezes duras de atravessar os afetos, os

sentimentos. Criamos personagens por vezes distantes do que havíamos pensado e do que

imaginávamos para nós. Desafi amos nossa fi nitude, nossa leveza e fragilidade para enfrentar

o mundo que criamos com os de nossa espécie.

Uns se reconhecem cidadãos com direitos e deveres nessa comunhão de seres em

sociedade, outros estão à margem e perderam a dimensão de seu lugar no mundo, vagando

pelas cidades sem muito entender seus papéis, com a carne viva exposta (PARDO, 2010).

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Todo espectador é ator da sua história

Que relação há entre essa história e a questão do espectador hoje?

Vejamos o que implica para a comunicação artística, a concepção de espetáculo e de

espectador. Duas tarefas da arte crítica: uma é desconstruir a ilusão de que a difusão cultural,

entendida como pedagogia para as massas, elimina as difi culdades da experiência estética;

outra é supor a ilusão de que existem mecanismos fatais que transformam a realidade em

imagem, em um certo tipo de imagem expressiva de uma única verdade.

Eles fazem seu palco nas ruas e nem sempre recebem apoio da plateia, mesmo assim eles

são vistos nas portas das lojas, servindo de chamariz vivo para clientes. “Quando eu chego

em uma cidade, não conheço as pessoas, então, me viro fazendo malabarismo”, disse Stefany

Brun4.

Figura 7: Os artistas que sobrevivem nas ruas.Fonte: RG 15/O Impacto e Carlos Cruz, Santarém – Pará, 18 de julho 2012.

4 Matéria intitulada: Os artistas que sobrevivem nas ruas – Os anônimos artistas de rua se revelam nos cruzamentos e nas lojas do centro comercial, publicada no Jornal RG 15 O Impacto, Santarém – Pará, 18 de julho 2012: http://www.oimpacto.com.br/os-artistas-que-sobrevivem-nas-ruas.

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A frase não é uma maneira de dizer que há muita gente com habilidades artesanais na

cidade. Seu nome: Adelson, casa 3783 da Rua Chico Simões.

Figura 8: Em Parintins todo mundo é artista. Fonte: Yusseff Abrahim – Manaus, AM,1/7/2006, http://www.overmundo.com.br/overblog/manancial-de-artistas-anonimos

Artistas grafi tam 209 casas para unir comunidade, no vilarejo de Pachuca, no México.

A comunidade, fundada há mais de 40 anos, é marcada pela pobreza, violência e vulnerabilidade

social. Essa parceria do governo mexicano com os artistas do German Crew envolveu a

participação de 452 famílias que fi zeram parte do projeto, numa área de 20 mil metros

quadrados. Foram usados mais de 100 tons de cores no considerado maior macromural já

feito no país (vide Figura 9).

Figura 9: Grafi te no Vilarejo de Pachuca no México.Fonte: Revista Época, 24/07/2015: http://epoca.globo.com/tempo/fi ltro/noticia/2015/07/artistas-grafi tam-209-casas-para-unir-comunidade-no-mexico.html

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O risco de esquecer a passagem dos fatos aos imaginários, como sucedem fazer os meios

de comunicação nos reality shows e nos noticiários que informam fi ccionalizando, deve ser

revisto por uma arte que concebe de outro modo os pactos de proximidade e o trabalho crítico.

Segundo Rancière (2012), já não estamos no tempo em que os dramaturgos queriam

explicar a seu público a verdade das relações sociais e os meios de lutar contra a dominação

capitalista, embora não percam seus pressupostos, nem o aparato dos meios e os horizontes

dos fi ns. Mesmo que não saibam o que querem que o espectador faça, o dramaturgo e o

diretor de teatro sabem pelo menos de uma coisa: sabem que ele deve fazer uma coisa,

transpor o abismo que separa atividade de passividade. Mas não seria possível inverter os

termos do problema, perguntando se o que cria a distância não é justamente a vontade de

eliminar a distância?

Costuma-se desqualifi car o espectador porque ele não faz nada, enquando os atores

em cena ou os trabalhadores lá fora põem seu corpo em ação. Mas a oposição entre ver e

fazer se inverte tão logo a cegueira dos trabalhadores manuais e dos praticantes empíricos,

mergulhados no imediato do terra a terra, se oponha a ampla perspectiva daqueles que

contemplam as ideias, preveem o futuro ou adquirem visão global do mundo.

A emancipação, por sua vez, começa quando se questiona a posição entre olhar e agir,

quando se compreende que as evidências que assim estruturam as relações do dizer, do ver e

do fazer pertencem à estrutura da dominação e da sujeição. Conforme Rancière (2012, p. 17):

O espectador também age, tal como o aluno ou o intelectual.

Ele observa, seleciona, compara, interpreta. Relaciona o que

vê com muitas outras coisas que viu em outras cenas, em

outros tipos de lugares. Compõe seu próprio poema com

os elementos do poema que tem diante de si. Participa

da performance refazendo-a à sua maneira, furtando-se,

por exemplo, à energia vital que esta supostamente deve

transmitir para transformá-la em pura imagem e associar

essa pura imagem a uma história que leu ou sonhou, viveu ou

inventou. Assim, são ao mesmo tempo espectadores distantes

e intérpretes ativos do espetáculo que lhes é proposto.

16disciplina 15

É nesse poder de associar e dissociar que reside a emancipação do espectador, ou seja, a

emancipação de cada um de nós como espectador. Ser espectador não é, portanto, condição

passiva que deveríamos converter em atividade. É nossa situação normal.

Aprendemos e ensinamos, agimos e conhecemos também

como espectadores que relacionam a todo o instante o

que viram e disseram, fi zeram e sonharam. Não há forma

privilegiada como não há ponto de partida privilegiado.

Há sempre pontos de partida, cruzamentos e nós que nos

permitem aprender algo novo caso recusemos, em primeiro

lugar, a distância radical; em segundo lugar, a distribuição

dos papéis; em terceiro, as fronteiras entre os territórios.

Não temos que transformar os espectadores em atores e os

ignorantes em intelectuais. Temos de reconhecer o saber em

ação no ignorante e a atividade própria ao espectador. Todo

espectador é já ator de sua história; todo ator, todo homem de

ação, espectador da mesma história (Op. cit., p. 21).

Esse debate em torno do lugar da arte e do artista ocorre desde a década de 1960-1970.

O artista alemão Josef Beuys, radicalizando as utopias de vanguarda, repetia que todos são

artistas; que não há mais necessidade desse cargo representativo, dessa “autoridade”, cujo

domínio técnico, cujo “talento” outrora o elevava à categoria de mediador entre o público e as

imagens. Desde o aparecimento da fotografi a, as imagens estão cada vez mais ao alcance de

todos. “Se a arte não é mais o produto de um ‘gênio absoluto’, fi gura que consegue articular

o particular e o universal, criando ‘regras’, mesmo que cambiantes, ao que não pode ser

regrado, toda a ideia de ‘arte’ e de ‘artista’ precisa ser reformulada”, analisa a crítica de arte e

professora Priscila Rossinetti Rufi noni (2007). São formas de protesto a quebra de hierarquias

entre a “grande arte” e a visualidade corriqueira, a participação do “observador” na obra, a

incorporação do artista no fl uxo geral da população.

Hélio Oiticica misturou-se aos considerados marginais e aos moradores dos morros cariocas

em busca, não só de uma favela modernista e luminosa, mas também da marginalidade heroica

assinalada em sua bandeira: “Seja marginal, seja herói”. A arte era, assim, procedimento

17disciplina 15

coletivo, desmistifi cador; promessa de indistinção, de mergulho nos substratos arcaicos de

memórias sociais e humanas; ou seja, a arte era o processo em si, o ritual utópico do novo, e

não o produto privilegiado de um artista.

No entanto, as indistinções sociais entre público e artista, como se queria na década de

1970, não ocorreram, segundo Rufi noni (2007). Em vez disso, diz a autora, assistimos ao

esmaecimento das distinções sociais entre público/artista, poética utópica dos anos 1970;

assistimos apenas à desmaterialização do objeto artístico. O que se desfez, no fi m das contas,

foi a mediação exterior, “objetiva”, entre público e artista. O que se desfez foi a gestualização

ritual, social, da arte. Pois as relações pessoais, mesmo que imediatas, conservam seus lugares

mais ou menos estáveis. Ou seja, não assistimos ao fi m do status social de distinção, o “artista”.

Pelo contrário, os nomes desses operadores se tornam logomarcas do experimentalismo.

Que lugar ocupa o artista? E que leituras de mundo podem ser feitas?

Interessa, portanto, o sujeito que se inventa ao inventar o campo social, ao defi nir nele

certa partilha ou distribuição de direitos e deveres, de privilégios e restrições. Ao instituir

regras, sistemas e máquinas que estabeleçam e transformem as relações sociais e a divisão de

espaços, de tempo livre disponível para os indivíduos, de trabalhos e de ocupações, os sujeitos

também se inventam e reinventam nesse processo.

Como, então, a arte atravessa as mudanças éticas, políticas, estéticas e tecnológicas que

fazem hoje deslizar ainda mais as concepções tradicionais do ser humano, já combalidas

desde o século XIX? E, ao mesmo tempo, como a arte é atravessada por essas transformações

mais recentes? Que revolução, transcendência, transgressão, ousadia, rebeldia, provocação,

dúvida, inquietação, pode ainda pretender a arte diante da novidade permanente apresentada

pela ciência? Que lugar ocupa o artista e que leituras de mundo podem se confi gurar quando

tudo parece ultrapassado, obsoleto, já revelado e experimentado? E ainda, como as artes e a

teatralidade intervêm e se relacionam com a cidade, com o entorno, com o espaço público, com

o espaço urbano e com aqueles e aquelas percebidos como o outro? Que corpos ocupam a

cena em tempos de corpos plugados, digitalizados, midiatizados, que operam máquinas diárias

e se relacionam com técnicas, que buscam a eterna juventude e felicidade? Que lugar ocupa

o sujeito nessas representações da realidade? Como interage com as mudanças? Rufi noni

questiona: por que, em uma sociedade permeada pelo discurso sobre valores mercantis, a

18disciplina 15

arte deve ser espaço privilegiado e isento? E precisamos perguntar se, paradoxalmente, em

vez de uma crise do sujeito não estamos diante de uma crise da intersubjetividade.

E, ainda, se não estamos diante de uma crise radical da arte como elo social exterior ao

indivíduo e de uma exacerbação da incomunicabilidade, da cultura do “criar-se a si mesmo”,

sem os formalismos rituais que tornavam essas práticas fatos sociais, ou seja, códigos de

honra ou de conduta. “E esse ‘vazio’ intersubjetivo, essa fantasmagoria do processo não

acabam redundando em produção de mercadorias no melhor sentido do capitalismo

contemporâneo: produtos especulativos, processuais, perfeitos para o novo fl uxo virtual do

mercado?” (RUFINONI, 2007).

A arte de mudar o mundo

Nessa direção, John Holloway5 pergunta: como podemos escrever poesia ou pintar quadros,

dar conferências, quando sabemos o que está se passando ao redor de nós? Ele diz que nossa

luta por outro mundo tem que signifi car que estamos contrapondo outras relações sociais às que

combatemos. Segundo este autor, o que nos une é que sabemos que temos de mudar o mundo,

mas não sabemos como. Isto implica uma política de perguntar, de ouvir, mas também uma

constante experimentação. Nós não sabemos como lidar com as dignidades que nos cercam,

então nós experimentamos. Nosso mundo é um mundo em busca de uma linguagem e a teoria

social, a arte e a poesia são partes desta pesquisa em curso. “A teoria e a prática revolucionárias

têm que ser poéticas ou artísticas para serem revolucionárias e a arte tem que ser revolucionária

para ser arte. Temos que escutar o inaudível, ver o invisível” (HOLLOWAY, 2007).

Não buscamos respostas para tantas questões. Apenas pretendemos provocar e instigar a

refl exão e o diálogo entre as diferentes correntes de pensamento, do campo social, da cultura,

da política e das artes, dentro de uma ambiência coletiva, para além de suas divergências e

dissensos, como forma de juntos escutarmos e olharmos os diferentes cantos e as bordas do

mundo, da natureza humana, de seus campos de saber e viver, de seus afetos, de seu caos e

beleza, para – quem sabe – repensarmos o campo teórico e as práticas individuais e coletivas.

5 Conferência de John Holloway intitulada “Poesía, Dignidad e Revolución”, apresentada na Primeira Cátedra Latino-Americana de História e Teoria da Arte Alberto Urdaneta, Museo de Arte Universidad Nacional, Bogotá, Colômbia, 17 de Setembro, 2007.

19disciplina 15

Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação social é

signifi cativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam; não em si

mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas de signifi cados que os seres humanos

utilizam para defi nir o que signifi cam as coisas e para codifi car, organizar e regular sua conduta

uns em relação aos outros.

Estes sistemas ou códigos de signifi cado dão sentido às nossas ações, afi rma Stuart Hall

(2006). Eles nos permitem interpretar signifi cativamente as ações alheias. Tomados em seu

conjunto, eles constituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que toda ação social

é “cultural”, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um signifi cado e, neste

sentido, são práticas de signifi cação.

O ato criador

Os inventores produzem, portanto, o inesperado, as mutações, o novo; criam saídas;

desenvolvem caminhos; abrem atalhos; encontram soluções. Se o artista, como ser humano,

repleto das melhores intenções para consigo mesmo e para com o mundo inteiro, não

desempenha papel algum no julgamento do próprio trabalho, como poderá ser descrito o

fenômeno que conduz o público a reagir criticamente à obra de arte? Em outras palavras,

como se processa esta reação?

É o que indaga Marcel Duchamp, no conhecido texto O ato criador. Sobre o processo

de criação, diz Duchamp (1986, p. 74): “milhões de artistas criam; somente alguns poucos

milhares são discutidos ou aceitos pelo público e muito menos ainda são os consagrados

pela posteridade”. Segundo ele, o ato criador não é executado pelo artista sozinho; o público

estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas

qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador. Isto se torna

ainda mais óbvio quando a posteridade dá o seu veredicto fi nal e, às vezes, reabilita artistas

esquecidos.

Mesmo sem tentar uma defi nição da palavra “arte”, Duchamp (1986) afi rma que a arte pode

ser ruim, boa ou indiferente, mas, seja qual for o adjetivo empregado, devemos chamá-la de

arte, e arte ruim, ainda assim é arte, da mesma forma que a emoção ruim é ainda emoção.

20disciplina 15

No ato criador, o artista passa da intenção à realização, por intermédio de uma cadeia de

reações totalmente subjetivas. Sua luta pela realização é uma série de esforços, sofrimentos,

satisfações, recusas, decisões, que também não podem e não devem ser totalmente conscientes,

pelo menos no plano estético. Por conseguinte, na cadeia de reações que acompanham o ato

criador falta um elo. Duchamp explica que esta falha que representa a inabilidade do artista

em expressar integralmente a sua intenção; esta diferença entre o que quis realizar e o que

na verdade realizou, é o “coefi ciente artístico” pessoal contido na obra de arte.

O retrato terminado explica-se pela fi sionomia do modelo, pela natureza do artista, pelas

cores misturadas na paleta. Mas, mesmo conhecendo aquilo que o explica, ninguém, nem

sequer o artista, teria podido prever exatamente o que viria a ser o retrato, visto que predizê-

lo teria sido produzi-lo antes de ele ter sido produzido, hipótese absurda que destrói a si

mesma. O mesmo se passa com os momentos da nossa vida cujo artista é cada um de nós...

Justifi ca-se, portanto, dizer que o que fazemos depende daquilo que somos; mas é necessário

acrescentar que somos, em certa medida, aquilo que fazemos, e que criamos continuamente

a nós próprios (BERGSON, 2009, p.21)

A participação pessoal do artista em seu momento e a partir de seu próprio espaço, por

meio ou não de determinada obra, talvez seja o momento mais marcante deste século no

meio artístico, na avaliação da historiadora e crítica de arte Aracy A. Amaral. Essa polêmica

existe desde os anos 1920, com vasta bibliografi a, seja na União Soviética, com os artistas de

vanguarda divididos entre campos opostos, um a favor da integração do artista na indústria

e outro se recusando a aceitar a perspectiva utilitária para a arte, seja na França com os

surrealistas, ou no México com os muralistas, a partir de 1922. E a questão reaparece em cada

um das décadas seguintes.

Na Figura 10, a seguir, exemplifi camos no trabalho Fonte, de Marcel Duchamp, essa tentativa

de aproximação da arte aos objetos da vida cotidiana. Ele foi o responsável pelo conceito

de ready made, que é o transporte de um elemento da vida cotidiana, não reconhecido

inicialmente como artístico, para o campo das artes. A princípio como uma brincadeira entre

seus amigos, Duchamp passou a incorporar material de uso comum nas suas esculturas. Em

vez de trabalhá-los artisticamente, ele simplesmente os considerava prontos e os exibia como

obras de arte.

21disciplina 15

A Fonte é um urinol de porcelana branco, considerada uma das obras mais representativas

do dadaísmo na França, criada em 1917 pelo artista Marcel Duchamp.

Figura 10: Fonte, de Marcel Duchamp.Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fonte_(Duchamp).

A vida é cercada de arte

Veremos, portanto, que toda a vida vai cercar-se de arte: nascimento, casamento, funerais,

colheitas, vindimas, combates, partida, ausência, regresso, nada acontecerá e nada se fará

sem cerimônia, poesia, dança ou música, nos diz Proudhon (2009, p.12).

O amante faz o retrato da amada; o marido cobre sua

mulher de joias, de tecidos preciosos; o caçador não se

contenta em comer a caça: cerca-se de imagens de cavalos,

de cães, de pássaros e de animais selvagens; o chefe de clã

erige seu teto sobre colunas semelhantes aos pinheiros e

aos carvalhos que sustentam a abóbada escura das fl orestas;

a mesa sobre a qual ele toma a sua refeição tem os pés de

carneiro ou de cabra; o vaso que contém sua bebida fi gura

um pássaro cujo pescoço serve de gargalo e o bico de orifício.

22disciplina 15

Sempre ocupado em se elevar aos seus próprios olhos e aos

olhos dos outros, cuida da sua postura, da sua roupa e da sua

linguagem, escandindo seus discursos, fazendo comparações

e parábolas, inventando um refrão, uma estrofe, uma queixa,

formulando suas sentenças.

Ele chama de estética a faculdade que o homem tem de perceber ou descobrir o belo e o

feio, o agradável e o desagradável, o sublime e o trivial, na sua pessoa e nas coisas, e, ainda, de

fazer dessa percepção um novo meio de prazer, um requinte de volúpia. É o que indica a palavra

estética, do grego aisthesis, feminino, que quer dizer sensibilidade ou sentimento. A faculdade

de sentir, de perceber um pensamento ou um sentimento numa forma, de ser alegre ou triste

sem causa real, à simples vista de uma imagem, eis o que é em nós o princípio ou a causa

primeira da arte. Aí, segundo Proudhon, reside o poder de invenção do artista; seu talento (de

execução) consistirá em repassar à alma alheia o sentimento que ele próprio experimenta.

Parte II – A arte e seus movimentos

A arte na modernidade

Na direção de compreendermos os caminhos da arte em relação aos signifi cativos

processos de mudança na sociedade, será importante considerarmos que a arte moderna

passou por um contexto de grande transformação ocorrida a partir do século XIX com a

Revolução Industrial. Nesse momento, as pessoas saíram dos campos e passaram a ocupar

as cidades, que cresceram no ritmo frenético das linhas de montagem das grandes fábricas

(CANTON, 2009). Quem melhor traduziu esse processo de urbanização foi o poeta francês

Charles Baudelaire, que inventou o conceito de fl âneur, aquele que transita sem rumo e

percebe as entranhas da cidade moderna.

A nova classe social, a burguesia, inaugurada com a industrialização, necessitava de uma

nova forma de arte para se legitimar culturalmente. Uma arte acadêmica, as belas artes

talhadas nos moldes da aristocracia, deu lugar aos movimentos de artistas e várias correntes

que os críticos sistematizaram como os “ismos”: impressionismo, pós-impressionismo,

expressionismo, fauvinismo, cubismo, futurismo, surrealismo.

23disciplina 15

De modo geral, se pode afi rmar que a arte moderna, iniciada a partir da segunda metade

do século XIX e continuada por todo o século XX, teve como propulsor o desejo do novo,

simbolizando o conceito de vanguarda. O termo vem do francês avant-garde, que signifi ca “à

frente da guarda”, isto é, fazer algo novo, e a noção de “guarda”. Que se liga à luta, ruptura.

As aspirações dos artistas modernos, independentemente de suas singularidades, estavam

ligadas às noções de novo e ruptura. Criar obras inovadoras e romper com o estabelecido, uma

vez que viviam num período histórico conturbado, que produziu as máquinas da Revolução

Industrial, urbanizou cidades, promoveu grandes inovações tecnológicas, mas também

originou duas Guerras Mundiais (1914–918 e 1939–945), além da Revolução Russa (1917). Ao

fi m desses confl itos, o mundo estava separado em dois blocos: o capitalista e o comunista. Era

preciso que a arte se tornasse tão radical quanto era a vida (Op. cit., 2009, p. 18–19). Uma das

novidades surgidas ainda no século XIX e que teve grande impacto sobre a arte foi a fotografi a.

O que está em jogo é uma concepção moderna de tempo e espaço lineares, que veio a

auxiliar na moldagem da mente literária ocidental, além do conceito de progresso, que acabou

sendo dominante durante a modernidade iluminista. Da mesma forma, noções modernas

de autoria seguiram padrões lineares que situaram o sujeito criador como o condutor do

progresso moderno (ASAD, 2003; AYO, 2008; FOUCAULT, 1983)6. Quer dizer, essa centralidade

do sujeito que ratifi ca as grandes narrativas da modernidade, que pode estar relacionada a

uma visão geopolítica do imperialismo. Um sujeito que é, ao mesmo tempo, um autor e um

território, uma pessoa e uma terra. O modernismo, em suma, incorpora o que busca criticar e

subverter – a modernidade (ABREU, 2010, p. 82).

Os artistas modernos almejam fazer uma arte que espelhe o seu tempo. O que os une é

um posicionamento contestador e sempre inovador diante das mudanças radicais trazidas

pela sociedade industrial.

Para a fruição da arte moderna, portanto, é preciso aliar a sensibilidade pessoal do

observador, que se torna cada vez mais afi ado no próprio exercício de vivência e observação

das obras de arte. E ao mesmo tempo, uma compreensão dos processos internos que

mobilizam o artista como dos processos socio-históricos que dão origem a suas obras.

6 ASAD, Talal. Formations of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. Stanford University Press, 2003; AYO, (Joy Olasunmibo Ogunmakin). Em 10 de março de 2008, Ayọ iniciou as gravações de seu segundo álbum, Gravity At Last, no Compass Point Studios, em Nassau, nas Bahamas, com coprodução de Jay Newland.

24disciplina 15

Uma mudança na confi guração geopolítica do mundo ocorria em associação íntima

com a onda de novos ritmos tecnológicos. Como diz Walter Benjamin (2000), a chegada

das tecnologias mecânicas, como a imprensa, o fi lme e a fotografi a, acabaram por colocar

em cheque o conceito de origem associado às obras de arte, alterando assim a percepção

do ocidente como origem absoluta ou centro de sujeição em relação ao resto do mundo.

Em outras palavras, da mesma forma que a ideologia do império era antes uma referência

a um ponto de vista ocidental, a partir de agora ela estaria numa concepção expandida e

pluralizada de sujeito. Dois autores modernistas, o poeta português Fernando Pessoa e o

norte-americano Walt Whitman, lançam mão da literatura para desafi arem uma concepção

moderna de sujeito, usando a linguagem para encenar a subjetividade como uma “terra de

ninguém”, se traduzindo em um “homem de lugar nenhum” (ABREU, 2010, p. 84).

A poesia de Pessoa, assim como a de Whitman, não se foca em expressar o autor por trás

dela. Pelo contrário, sua qualidade autodesfi gurante, permite que a gente de qualquer tempo

e lugar habite-a de maneiras que instalam uma crise entre conceitos mais românticos de

individualidade e de personalidade.

Na obra de Fernando Pessoa, os heterônimos se proliferam. Heterônimos não são meros

pseudônimos, explica Abreu (2010, p. 85). “Eles são personagens de fi cção que possuem vidas

independentes, identidades constituídas, opiniões, gostos, mapas astrológicos, cartões de

negócios, assinaturas e estilos literários próprios”. Ele menciona que até o momento, a crescente

produção acadêmica sobre Pessoa, apresenta-nos um total de setenta e dois heterônimos,

descobertos após a morte do poeta, contendo milhares de manuscritos inéditos, dos quais a

maioria é do sexo masculino: um astrólogo, um frade, diversos tradutores, um jornalista, um

homem de negócios, um humorista, um médium, um engenheiro naval e uma única mulher,

Maria José, a corcunda, vítima de tuberculose. Porém, desses, os mais conhecidos são quatro:

Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o próprio Fernando Pessoa.

A seguir, apresentamos o “Poema em linha reta”, da autoria de Álvaro de Campos. O

heterônimo de Fernando Pessoa sente-se, nesta fase intimista e carregada de ceticismo,

bastante abatido, desanimado e frustrado em relação à vida, mas também se recusa a

identifi car-se com os outros.

25disciplina 15

Poema em linha reta7

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas fi nanceiras, pedido emprestado sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifi co que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!

7 http://www.releituras.com/fpessoa_linhareta.asp

26disciplina 15

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

(Álvaro de Campos)

Além de Fernando Pessoa, certamente há muitos outros escritores, poetas, escultores,

dramaturgos, artistas plásticos, compositores e arquitetos estrangeiros, com suas criações

artísticas signifi cativas, no período modernista, como: William Faulkner (escritor norte-

americano), James Joyce (escritor irlandês), Joseph Conrad (escritor britânico), Guillaume

Apollinaire (escritor francês), Marinetti (escritor e poeta italiano), Thomas Mann (escritor

alemão), André Breton (escritor e poeta francês),  Ernest Hemingway (escritor norte-

americano), T.S. Eliot (poeta e dramaturgo inglês), Ígor Stravinski (compositor e pianista russo),

Arnold Schönberg (compositor austríaco), Le Corbusier (arquiteto franco-suíço), Henri Matisse

(artista plástico francês), Piet Mondrian (pintor holandês), Kandinsky (artista plástico russo),

Pablo Picasso (pintor, escultor e desenhista espanhol), Jacek Malczewski (pintor polonês), Hans

Hofmann (pintor alemão), André Masson (artista plástico francês), dentre outros.

No que se refere ao modernismo no Brasil, mencionaremos, de forma resumida, alguns

dos principais artistas que marcaram esse período histórico. O modernismo brasileiro foi

bastante infl uenciado pelos movimentos artísticos europeus, nas bases da confi guração de

uma linguagem moderna para as artes, então sediadas em São Paulo, com sua economia

cafeeira e sua nova burguesia. Esses artistas viajantes traziam da Europa e Estados Unidos os

desenvolvimentos estéticos propostos pela vanguarda.

O lituano Lasar Segall, que havia estudado na Alemanha, trouxe ao Brasil suas obras em

1913 e aqui se fi xou em 1923, passando a usar imagens da paisagem e de cenas brasileiras.

A brasileira Anita Malfati exibiu em São Paulo em uma polêmica exposição, em 1917, pinturas como

A estudante russa, Torso, A boba, O homem amarelo, com suas cores fortes e linhas tortuosas.

27disciplina 15

Essa exposição de Anita Malfati acabou sendo o estopim para que seus amigos e colegas que,

igualmente buscavam inovações artísticas, concebessem a Semana de Arte Moderna de 1922.

O artista Di Cavalcanti foi quem teve a ideia inicial e, ao encontrar com Oswald de Andrade,

Mário de Andrade e Graça Aranha, pensou e organizou a Semana, um evento realizado no Teatro

Municipal de São Paulo, que incluía uma exposição de arte, além de três noites de concertos,

leituras de poemas e debates. O que os unia era a vontade de criar, pintar e esculpir que se

libertasse da maneira realista e clássica ensinada na Escola de Belas Artes. Di Cavalcanti, por

exemplo, fi cou conhecido por pintar a sensualidade brasileira encarnada na fi gura da mulata,

com a mulher sempre no centro simbolizando a cultura nacional, tropical e miscigenada,

que mescla brancos, negros, caboclos, índios e tantos outros grupos (ABREU, 2010, p. 33).

Goeldi estudou gravura na Suíça e trouxe ao Brasil um registro poético da xilogravura, repleto

de imagens visionárias de pescadores, pessoas simples, paisagens do mar. Rego Monteiro

trabalhou com temas do cotidiano do brasileiro, como a religião, e retratou trabalhadores,

atletas e paisagens.

Mulata com pássaro, pintada na década de 1950 pelo pintor, ilustrador e caricaturista

brasileiro Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, conhecido como Di Cavalcanti.

Figura 11: Mulata com pássaro.Fonte: Galerias de Imagens – Artes Visuais, no site Dia a dia Educação, da Secretaria de Educação do Paraná: http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=92&evento=1

28disciplina 15

Após a Semana de 1922, voltou ao Brasil a artista brasileira Tarsila do Amaral, que estava

estudando em Paris desde 1920. Tarsila casou com Oswald e junto com ele viajou pelo Brasil e

realizou várias pesquisas sobre arte e literatura. As paisagens brasileiras vividas na sua diversidade

renderam a Oswald, em 1924, o Manifesto Pau-Brasil. Em janeiro de 1928, Tarsila fez uma pintura

diferente para dar de presente ao marido em seu aniversário: a imagem de uma mulher nua, de

perfi l, com a perna e o braço direito enormes, a cabeça pequena, tendo ao fundo um cacto em

vez de uma árvore, e um estranho sol que parecia uma laranja cortada ao meio.

Figura 12: Abaporu.Fonte: Artistas Modernistas: http://pt.slideshare.net/Medgoreti/artistas-modernistas, 08/08/2011.

A tela foi batizada de Abaporu que, em tupi-guarani, quer dizer “homem que come carne

humana”, e inspirou Oswald a escrever um novo documento, o Manifesto antropófago8.

8 Oswald de Andrade, em Piratininga, Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha. Revista de Antropofagia, ano 1, Nº 1, maio de 1928.

29disciplina 15

Só a antropofagia nos une. Socialmente.

Economicamente. Filosofi camente.

Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções

de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano,

suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos

no mapa-múndi do Brasil.

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

Contra todos os importadores de consciência enlatada.

A existência palpável da vida.

Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa.

A unifi cação de todas as revoltas efi cazes na direção do homem.

Nunca fomos catequizados. Vivemos através

de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer

na Bahia. Ou em Belém do Pará.

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi carnaval.

O índio fi ngindo de senador do Império (...).

(Oswald de Andrade)

Nessa direção de liberdade e autonomia, surgiram movimentos reveladores. Os

impressionistas abandonaram as lições acadêmicas, deixaram seus ateliês e passaram a pintar

ao ar livre, buscando captar a luz natural, as impressões de paisagens, pessoas, objetos, cenas

cotidianas. No pós-impressionismo, Paul Cézanne abandonou a perspectiva convencional e

percebeu objetos como se fossem fi guras geométricas. Essa geometrização chega ao ápice

com o cubismo, que agrega à busca do novo a observação de esculturas africanas.

30disciplina 15

Figura 13: As grandes banhistas, de Paul Cézanne.Fonte: http://www.digestivocultural.com/colunistas/imprimir.asp?codigo=3627

Já o futurismo italiano expressava movimento e ação. Os artistas impressionistas buscavam

expressar a essência da vida espiritual e sentimental, abordando emoções como medo,

horror, doença, morte e solidão. Era como se a arte quisesse transformar a realidade, e não

simplesmente reproduzi-la (ABREU, 2010, p. 25). O norueguês Edvard Munch foi o grande

precursor desse movimento que teve muitos adeptos na Alemanha e em todo o mundo.

Tristezas, obsessões e frustrações pessoais ganham formas e cores, em angustiantes

representações, nas telas de Edvard Munch (1863–1944), que eram o espaço para manifestação

de suas dores, de suas emoções. Era a sua forma de se comunicar com o mundo. O artista

buscou transmitir com a sua arte suas mazelas psicológicas que aparecem em cores vibrantes,

fundidas ou separadas.

“Próprio do Expressionismo, as técnicas e os materiais utilizados: pasta grossa, áspera, cores

fortes, o movimento do pincel num vai e vem violento provoca ‘explosões’ onde o patético, o

trágico e o sombrio se desvelam criando uma atmosfera de vitalidade, de dor, de realidade.

O seu modo de pintar era pessoal, intenso... Apaixonado.”9

9 Texto de Irenides Teixeira, Angústia e desespero existencial: O Grito de Edvard Munch, publicado no blog (Em) Cena – A Saúde Mental em Movimento, no dia 27/01/2013: http://ulbra-to.br/encena/2013/01/27/Angustia-e-desespero-existencial-O-Grito-de-Edvard-Munch.

31disciplina 15

Passeava com dois amigos ao pôr do sol quando

o céu fi cou de súbito vermelho-sangue.

Eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a vedação.

Havia sangue e línguas de fogo

sobre o azul-escuro do fi orde e sobre a cidade.

Os meus amigos continuaram,

mas eu fi quei ali a tremer de ansiedade

e senti o grito infi nito da Natureza.

(Edvard Munch)

Figura 14: O Grito, de Edvard Munch.Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Grito_(pintura)

O ator carioca Antônio Carlos Teixeira, conforme pode ser observado na Figura 15, a seguir,

na intervenção artística “O Grito”, enuncia máximas de autoria de H. Jackson Brown Jr., para

falar do que o move nesta performance:

Aprendi que não importa o quanto certas coisas sejam importantes para

mim, tem gente que não dá a mínima e eu jamais conseguirei convencê-las.

[...] Aprendi que a minha existência pode mudar para sempre, em poucas

horas, por causa de gente que eu nunca vi antes. [...] Aprendi, afi nal, que é

32disciplina 15

difícil traçar uma linha entre ser gentil, não ferir as pessoas, e saber lutar

pelas coisas em que acredito.

Figura 15: O Grito, intervenção artística do ator Antonio Carlos Teixeira, nas ruas de Copacabana, inspirada na pintura de Edvard Munch.Fonte: https://www.facebook.com/antoniocarlos.teixeira.9849?ref=br_rs

Já o fauvismo, movimento gerado pelos fauves, se expressava pelo desejo de dispensar

tudo o que é extra na representação de uma imagem ou tela, explorando o primado das

cores. O fauvismo terminou em 1909 e cada artista tomou seu rumo. Matisse passou a se

interessar pelas padronagens, tendo como uma das pinturas mais célebres A dança.

E por falar em dança, podemos destacar o bailarino russo Nijinski, que criou em 1912 uma

linguagem de balé radical para a época, sendo um dos maiores marcos da história da arte. O

primeiro balé coreografado por Nijinski chama-se O entardecer de um fauno, cujos bailarinos

dançam de forma angulosa e sem sapatilhas, com os pés no chão.

Figura 16: Vaslav Nijinski em sua apresentação como o Fauno. Fonte: Foto da coleção de Robert Greskovic (1912): http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume4/numero1/musica/alongatarde.pdf

33disciplina 15

O balé causou escândalo na época, não somente pela gestualidade radical, como pela

abordagem do tema: na coreografi a, o fauno encontra a echarpe de uma ninfa e se masturba

com a peça.

Ainda na dança, a norte-americana Isadora Duncan dançava descalça, buscando a liberdade

do movimento. Isadora foi pioneira da dança moderna e revolucionou a dança no século XX,

causando polêmica ao ignorar todas as técnicas do balé clássico.

Figura 17: “Dançar para viver”: Isadora Duncan.Fonte: anabailune.blogspot.com.br/2013/02/dancar-para-viver-isadora-duncan.html

Outra artista americana, Marta Graham, trouxe temas grandiosos, mitológicos e sociais

para a dança moderna. Assim como a alemã Mary Wigman, esta artista buscou os gestos

dramáticos do corpo para expressar as emoções. Além de Rudolf Von Laban, que sistematizou

as qualidades expressivas do movimento, e de Kurt Joss, Marta Graham tornou-se célebre

com seu balé político, A mesa verde, em 1932, coreografi a em que há um jogo de homens

34disciplina 15

decidindo o destino do mundo, com a morte personifi cada indo ao encontro de soldados e

mulheres. Ela rompeu com as rígidas convenções do balé, criadora de uma nova linguagem do

movimento para revelar a paixão, a raiva e o êxtase comuns à natureza humana10.

“No corpo de um bailarino devemos, como espectadores, tomar consciência de nós

mesmos” (Martha Grahan. Em: https://dospassosdabailarina.wordpress.com/2009/02/16/

martha-graham).

Figura 18: Martha Graham.Fonte:https://dospassosdabailarina.wordpress.com/martha-graham

Ainda na direção de identifi car os movimentos artísticos surgidos no período modernista,

podemos mencionar que a partir da Revolução Russa, em 1917, que pôs fi m ao regime czarista

e instituiu o socialismo no país, os artistas desenvolveram um novo estilo de representar

a arte, como o construtivismo, com suas formas geométricas e seriadas que retratavam o

ser humano vivendo em um mundo veloz, habitado por pessoas com os mesmos direitos e

deveres.

10 Consulta no blog Dos passos da bailarina, artigo de Cássia Pires, intitulado: “Martha Graham, uma bailarina tardia”, publicado no dia 16/02/2009: https://dospassosdabailarina.wordpress.com/2009/02/16/martha-graham.

35disciplina 15

Conforme apresentamos a seguir, na Figura 19, Tatlin construiu em 1919 a escultura

Monumento à Terceira Internacional. O construtivismo só durou por 15 anos, pois nos anos de

1930 a Rússia viveu um período de repressão política e estética, sendo somente permitida por

Stálin, a arte convencional. A este tipo de arte se deu o nome de realismo soviético. Um artista

que se destacou nesse estilo de tentar renovar a arte e a vida foi Kazimir Malevich, que produz

obras a partir de 1910.

Figura 19: Monumento à Terceira Internacional (1919), de Vladimir Tatlin.Fonte: https://thaa2.wordpress.com/2009/07/24/vanguardas-russa-x-holandesa/

Na análise de Abreu (2009), assim como o expressionismo abstrato carimbou a arte

moderna dos Estados Unidos, a arte concreta tornou-se um importante marco no Brasil.

Surgiu no momento histórico do período pós-Segunda Guerra Mundial, identifi cado pelo

otimismo gerado pela volta da paz. A necessidade de reconstruir uma Europa destruída pela

guerra equivale à necessidade de construir um novo Brasil.

As promessas de desenvolvimento, durante o governo do presidente Juscelino Kubitscheck

(1956–1961), chamado 50 anos em 5, são assim identifi cadas pelo investimento na agricultura

e na indústria siderúrgica, previsto no Plano de Metas para o crescimento do país. Com o

planejamento de Lúcio Costa e projetos de edifícios públicos de Oscar Niemeyer, Brasília foi

fundada, em 1960, na região centro-oeste do Brasil, tornando-se a capital federal.

36disciplina 15

Essa nova visualidade do país passa a ser expressa na arte abstrata que ganha terreno, sendo

criados museus de instituições brasileiras, pelo esforço de uma elite formada principalmente

de empresários e exportadores de café. O concretismo na arte, como promessa de construção

do novo, prega uma linguagem universal, que substitui a expressão emocional pela noção de

pensamento e objetividade de construção mental.

Figura 20: Contra-relevo (1959) e Planos em superfície modulada nº 5 (1957), de Lygia Clark.Fonte: www.desarte.com.br

Em 1952, alguns paulistas fundam o Grupo Ruptura, centrado em torno do artista e teórico

Waldemar Cordeiro, que promovia encontros inspirados nos ensinamentos dos mestres

Kandinsky e Mondrian.

Na sua fundação, o grupo lançou um manifesto que rompe com a fi guração e o naturalismo,

considerando-os “uma arte antiga para uma realidade antiga”.

Dois anos depois, em 1954, surge no Rio de Janeiro, como mostramos acima, na Figura

20, o Grupo Frente, fundado por Lygia Clarck, Lygia Pape e Ivan Serpa, além de Hélio Oiticica,

Abraham Palatnik, Franz Weissmann, César Oiticica, Elisa Martins da Silveira, Emil Baruch e

Rubem Ludolf. O grupo criticava o excesso de racionalismo teórico dos paulistas e considerava

que a abstração geométrica poderia ter alma e corpo. Esse chamado neoconcretismo lançado

pelo Grupo Frente contou com a adesão de escritores, autores da nova poesia concreta.

37disciplina 15

O surrealismo e o inconsciente humano

Nesses movimentos vivenciados no campo da arte, é importante mencionar também o

surgimento do surrealismo. Num momento em que os artistas começam a se rebelar contra

os absurdos da guerra e contra os limites da razão, surge a notícia de que o médico Sigmund

Freud (1896) havia criado em Viena a teoria psicanalítica.

Freud descobre que, além do consciente, há o inconsciente, passando a ser este o foco de

investigação dos surrealistas. O escritor André Breton, cria em 1924 o movimento surrealista,

que expõe ao público o interesse dos artistas de explorarem a mente e o sonho para irem

além do real: “Acredito que um dia não haverá mais separação entre sonho e realidade, eles

funcionarão juntos em uma espécie de super-realismo” (ABREU, 2009, p. 46).

Figura 21: Cartaz francês de divulgação do fi lme Um cão andaluz (1928), de Luis Buñuel e Salvador Dalí.Fonte: http://historiaprofchris.blogspot.com.br/2012/10/analise-do-fi lme-um-cao-andaluz.html

38disciplina 15

Essa busca de liberdade da imaginação do surrealismo aparece na literatura e nas artes

visuais, buscando retratar os sonhos, os símbolos, as associações de imagens surgidas ao

acaso.

Como na Figura 21, no cinema, se pode mencionar o primeiro fi lme surrealista, Um cão

andaluz, de 1929, resultado de uma parceria do cineasta Luis Buñuel com o artista plástico

Salvador Dalí. A linguagem do surrealismo não somente é trabalhada por artistas europeus,

mas também de muitos países e contextos culturais. A escultora brasileira Maria Martins e

a pintora mexicana Frida Kahlo são os dois exemplos mais representativos, assim como os

brasileiros Ismael Nery e Cícero Dias.

Figura 22: O veado ferido (1946), de Frida Khalo.Fonte: https://tomandolugar.wordpress.com/2014/07/26/mulheres-da-historia-obras-de-frida-kahlo/

O pós-modernismo

Depois de tratarmos do período modernista, em vista do momento histórico que vivemos,

é importante acrescentar ainda a pertinência e a atualidade do conceito de pós-modernismo

e/ou de pós-modernidade. Nessa direção, o crítico, ensaísta e professor Jacó Guinsburg

trata do tema com a professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São

Paulo (ECA/USP), Ana Mae-Barbosa, no livro Pós-Modernismo, editado, em 2005, pela coleção

Stylus, da Editora Perspectiva. Para Guinsburg (2005), entre o advento da modernidade e

39disciplina 15

o movimento cultural, do século XX, defi nido como modernista, o mundo ocidental passa a

defrontar-se com transformações, em que se acentuam tanto a fragmentação das ideias e

de suas objetivações materiais, quanto a perda da aura artística com os valores até então

predominantes da estética, na sua materialização como arte-mercadoria, arte-conceito ou

arte-instalação.

Em função de tal desenvolvimento e de seus desdobramentos teóricos, o novo ritmo faz-

se sentir nas relações sociais, nos padrões de comportamento e na mentalidade de seus

sujeitos, infl uindo nas suas formas de pensar e de projetar-se no seu imaginário e nas suas

caracterizações expressivas. O pós-modernismo expressa um amplo painel do movimento

que marcou – e marca – a produção artística mundial desde os anos 1980, com o esgotamento

do movimento modernista, a fragmentação das ideias e a perda da aura do objeto artístico.

O que se chama de pós-modernismo atinge o edifício teórico do modernismo, as passagens

e misturas entre as artes acabam por romper a separação das artes, antes existente, e

promove a lenta invasão do espaço da exposição das pinturas por formas tridimensionais e

narrativas, a arte das instalações e às “câmaras” da vídeo-arte. E nesse contexto emergem novas

combinações da palavra e da pintura, da escultura monumental e da projeção de sombras e

luzes, a mistura de gêneros, épocas e sistemas musicais. Muito rapidamente, a alegre licença

pós-moderna, sua exaltação do carnaval dos simulacros, mestiçagem e hibridações de todos

os tipos, transformou-se em contestação dessa liberdade ou autonomia que o princípio da

modernidade dava – ou teria dado – à arte a missão de cumprir (RANCIÈRE, 2009, p. 42).

Que refl exões da arte no contemporâneo?

Ao se esgotar a arte moderna, que se tornou muito experimental e acabou por cair no

esgotamento, surge, a partir do século XX com as vanguardas, a arte contemporânea, numa

constante relação entre arte e vida, vida e arte e suas inter-relações entre as diferentes áreas

do conhecimento humano.

Diante disso, poderíamos questionar: “Qual é o estatuto da refl exão sobre a arte no

mundo contemporâneo? Estaria a questão da crítica deslocada e submersa pela engrenagem

do sistema de arte dominado por feiras e mercado?” Essa indagação é levantada pela crítica

de arte e professora Viviane Matesco (2009), ao tratar da complexidade da produção e do

pensamento sobre a arte no mundo contemporâneo. Matesco acredita que, de modo diverso

da arte moderna, cujo cerne girava em torno do papel da arte na sociedade a partir da noção

40disciplina 15

de projeto, no qual a refl exão e a crítica estavam engajadas, a arte contemporânea espelha

uma constelação sem a unidade de ponto de vista garantida pela racionalidade ocidental.

Após o estilhaçamento de um mundo defi nido como moderno, a arte depara-se com outras

referências, discute sua autonomia, insere-se na experiência do cotidiano, pressupõe uma

transitividade entre meios, disciplinas e culturas: passa a considerar a diferença, o outro.

No entanto, o crítico e professor de História da Arte, Paulo Sérgio Duarte, acredita que

não existe formação social sincronizada em todos os seus aspectos com a modernidade,

tampouco haverá sociedade homogeneamente contemporânea ou “pós-moderna”. Para

ele, os paradigmas modernos não se extinguem nem são substituídos automaticamente por

novos valores “pós-modernos”, “hipermodernos” ou contemporâneos. Muitos desses valores,

categorias, conceitos e práticas constituídos na modernidade ainda persistem, mas encontram

limites e não são capazes de responder a fenômenos que predominam nas sociedades de

capitalismo avançado, manifestando-se em maior ou menor escala nos países chamados

emergentes. E, até mesmo, em sociedades tradicionais, cujas culturas procuram, por decisões

políticas ou religiosas, se desconectar do mundo do capitalismo globalizado.

As sociedades contemporâneas e suas culturas são sempre

um complexo contraditório entre as estruturas mais recentes

e outras que se constituíram em épocas passadas e que, ainda

bem vivas, agem no presente... Não me surpreenderá se, de

repente, me encontro com aquilo que é melhor já designar

como contemporâneo, “hipermoderno” ou “pós-moderno”.

Ou simplesmente me perder em errâncias e descobrir que

retornei ao mesmo lugar [...] Por mais que insistamos num fi m

da modernidade, ela permanece, circulando na forma daqueles

vasos comunicantes que Argan nos lembra, com o subsídio

de Foucault, que a arte é “uma cultura igualmente aberta às

antecipações e aos retornos, às divagações e às linguagens

à distância, cheia de sedimentos e de canalizações secretas.

Essas fronteiras se encontram em um campo de forças que se

entrecruzam, que apresentam tendências, mas não é possível,

tal como a mecânica, encontrar uma resultante” (DUARTE,

2008, p. 33-34).

41disciplina 15

Parte III - A arte e a sociedade

Quem sou eu? Qual é o meu lugar no mundo? Por que estou aqui?

E qual é o nosso lugar nessa história? Como sugeriu Michel Foucault (BAUMAN, 2007,

p. 74)11, só uma conclusão pode ser dada à afi rmação de que “a identidade não é dada”:

nossas identidades (ou seja, as respostas às perguntas “Quem sou eu?”, “Qual é meu lugar no

mundo?”, “Por que estou aqui?”) precisam ser criadas, tal como são criadas as obras de arte.

Para todos os fi ns e propósitos práticos, a pergunta “Pode a vida de cada ser humano tornar-

se uma obra de arte?” (ou mais diretamente, “Será que todo e qualquer indivíduo pode ser o

artista de sua vida?”) é puramente retórica, sendo a resposta “Sim” a conclusão. Presumindo

isso, Foucault indaga: “se uma lâmpada pode ser uma obra de arte, por que não uma vida

humana?” (BAUMAN, Op. cit., p. 74).

A afi rmação de que “a vida é uma obra de arte” não é um postulado ou advertência, como

se apontasse um rumo a ser tomado. Seria como um conselho: tente tornar sua vida bela,

harmoniosa, sensata e cheia de signifi cado, tal como os pintores tentam fazer suas pinturas

ou os músicos suas composições, mas a declaração de um fato. A vida não pode deixar de ser

uma obra de arte se é uma vida humana.

As duas gerações, passada e nova, imaginam as obras de arte à semelhança do mundo

particular, cuja verdadeira natureza e signifi cado presumem que as artes desnudem e

tornem disponíveis à investigação. Espera-se que esse mundo se torne mais inteligível, talvez

plenamente compreendido, graças ao trabalho dos artistas. Mas muito antes disso acontecer,

as gerações que “sobrevivem” nesse mundo conhecem ou pelo menos intuem suas maneiras,

a partir de uma “autópsia” – das experiências pessoais e das histórias comumente contadas

para relatá-las e dotá-las de signifi cado.

A “arte da vida” signifi ca coisas diferentes para os membros das gerações mais velhas e

mais novas, mas todos a praticam e não deveriam deixar de fazê-lo. Hoje se presume que

o curso da vida e signifi cado de cada um de seus sucessivos episódios, assim como o seu

11 Bauman pode estar se referindo a duas importantes obras deste autor: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984; ______. História da sexualidade I: a vontade de saber. 3. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1980.

42disciplina 15

destino último, sejam conselhos do tipo faça você mesmo, ainda que isso consista apenas em

selecionar e reunir o tipo certo de jogo de mobília da casa, afi rma Bauman (2009).

A função social da arte

No fundo, é o divórcio entre os artistas e a sociedade, decretado a partir do século XIX,

na Revolução Industrial, ou seja, é a arte gradativamente despojada de sua função. É como

afi rma Amaral (2003, p. 3): “Sempre está presente a ‘má consciência’ do espírito sensível do

artista, que se sente pairando sobre uma massa sofredora, sem em nada contribuir com o

seu trabalho para a melhoria ou alteração de estruturas, que permanecem insolucionadas”. E

complementa que, enquanto a arte não reencontrar a sua função social, prosseguirá a serviço

das classes dominantes, ou seja, daqueles que detêm o poder econômico e, portanto, político.

Antes da separação artífi ce-artista, aquele que se iniciava num ofício visava à

profi ssionalização em uma determinada área: ser pintor, retratista da burguesia, ourives,

ilustrador de livros, decorador etc. Houve uma alteração na função social da arte e de artistas

precursores de sua disfunção, desde a invenção da fotografi a, a partir da Revolução Industrial,

que, embora almejassem a venda de sua produção para a sobrevivência, pintavam sem

preocupação imediata com o destino de sua obra.

O mercado e o reconhecimento nesse período eram independentes dos artistas. Esse

desligamento do artista da sociedade na qual vive não deixou de ser uma ruptura, consequência

de uma postura romântica: do indivíduo isolado, o artista rebelde, o “maldito”. Assim, a venda,

a circulação e a divulgação da obra, estavam desvinculadas de uma função. O artista trabalha

e abre uma exposição. Questões que se colocam: Por quê? Para quem? É uma satisfação

individual? É uma satisfação ao público? É uma necessidade, uma carência de reconhecimento?

Sabemos que frequentemente o artista vê frustradas as possibilidades de repercussão

de sua obra ou de retorno fi nanceiro. Então pode eventualmente se satisfazer com o

reconhecimento do mercado e aplacar suas necessidades mais urgentes. São artistas que

colocam o fazer arte a serviço de uma sociedade que gostariam de transformar ou cuja obra

refl etisse a sua realidade.

Uma realidade que, a partir do século XIX, não é apenas uma temática, mas uma posição de

muitos artistas que se sentem impelidos a participarem com a sua arte de situações extremas

43disciplina 15

como revoluções, guerras, perseguições, injustiças sociais etc. E há os que manifestam essa

crítica e participação de forma intuitiva em suas obras. Para exemplifi car isso, Mário Schemberg

(In AMARAL, 2003, p. 5) lembra que Marx citava Tolstoi, que, segundo ele, já apresentava em

sua obra todos os grandes problemas da revolução russa. Mesmo pertencendo à aristocracia,

as obras de Tolstoi expressavam suas críticas, mesmo independentemente de fi liar-se a uma

teoria política ou mesmo de um desejo de militância como artista.

Schemberg dizia que, mesmo sendo reacionário como posição política, um artista pode

ter uma aguda visão da realidade social. É o caso de Balzac, monarquista, que, em sua obra

Les frères de la miséricorde, descreve uma fábrica que na época era de operários comunistas. E

também Shakespeare que foi talvez o maior escritor político12.

Existe sociedade sem arte? E arte sem sociedade?

Podemos imaginar uma sociedade sem arte? E uma arte sem sociedade? Ao abordar sobre

a desnecessidade da arte, Javier Rubio (Op. cit., p. 6), lembra que:

Podemos imaginar perfeitamente uma sociedade sem arte,

independente do fato de que esta sociedade nos pareça mais

ou menos habitável, essa é outra questão, mas difi cilmente

podemos admitir a hipótese de uma arte sem sociedade, a

arte é de certo modo para a sociedade como o peixe para a

água, embora nem sempre a arte se sinta na sociedade como

o peixe na água.13

Sobre essa relação entre arte e sociedade, o crítico de arte, professor e militante político

Mário Pedrosa falava de uma destruição da vida interior na atualidade, que não possui hoje

nem um instante, nem um espaço para os “embalos do sonho acordado”, citando Bachelard,

posto que os meios de comunicação de massa impedem que os jogos da imaginação possam

desenvolver-se. Assim escreveu Mário Pedrosa (1975, p. 246):

12 Depoimento de Mário Schemberg à Amélia Império Hamburger (Instituto de Física, USP) publicado em julho/agosto de 1984.13 RUBIO, Javier. La razón ética. In COMBALÍA, Victoria; JAPNE, George; MARCHAN, Simon et alii. El descrédito de las vanguardias artísticas. Barcelona, 1980.

44disciplina 15

Na realidade cotidiana as massas não mostram nenhum

interesse pelas artes. Aliás, as chamadas elites também não

mostram interesse mais profundo por elas. O que interessa às

massas é o cinema, o futebol, o boxe, o circo, o teatro chulo ou

vaudevillesco, o carnaval. O grande móvel delas é divertir-se. Elas

são absolutamente indiferentes, tanto à boa pintura fi gurativa

como à abstrata. As elites também só querem divertimento.

É natural que aconteça. A civilização burguesa, nas suas

expressões mais felizes, é uma civilização de extrovertidos.

A exteriorização é a sua característica mais geral. O ritmo

acelerado da vida moderna, por sua vez, não deixa tempo para a

contemplação. E pintura, como escultura, exige contemplação14.

A fusão da arte com a vida

Em outro texto, porém, Mário Pedrosa se refere à aspiração de se integrar a arte com a

vida, antevista por Trotsky, que disse, em 1924, que “A evolução da arte seguirá o caminho de

uma crescente fusão com a vida, quer dizer, com a produção, com as férias populares, com

a vida coletiva dos grupos”. Mas acrescenta que, para isso ocorrer, “é necessário um pouco de

visão histórica, ao menos, para compreender que entre nossa pobreza econômica e cultural de

hoje, e o tempo de fusão da Arte com a vida, quer dizer, o tempo em que a vida terá alcançado

tais proporções, que será feita inteiramente pela Arte, mais de uma geração terá que vir e

passar”15.

Já o crítico argentino Romero Brest (1974) considera difícil de explicar a resistência do

mundo diante da “crescente inefi cácia da imagem representativa”. Com o surgimento da

fotografi a, cinema, televisão e o impacto da publicidade, Brest pensa como alternativa: “aceitar

a crise tratando de usar os novos meios para resolver o impasse” (Op. cit., p. 7). Mas, segundo

ele, em vez de recorrência ao passado:

14 PEDROSA, Mário. Arte e revolução. In_______. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 246.15 __________. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975.

45disciplina 15

A possibilidade de introduzir em suas obras o germe de

rebelião social, anunciando novos modos de viver em liberdade.

Nunca foi de outra forma, porque o artista manifesta seu

desconformismo à altura de conformismo, é um lutador nato,

mas ao mesmo tempo um criador nato, e porque sua tarefa

é “minar” a situação dada mais que “mudá-la” por completo.16

Fome de imagens

No entanto, o pintor e desenhista alemão George Grosz, em sua militância e já em 1924,

antecipou as refl exões de Walter Benjamin registrando também que “nenhuma época foi mais

hostil à arte que a nossa. Admite-se que o comum dos homens pode viver sem ela”. E acrescenta:

“Não tenho a intenção de explicar-lhes o que é a arte: as exposições mais ou menos hábeis dos

críticos pontifi cados são bem conhecidas. Mas resta dizer que, no comum dos homens, existe algo

como ‘fome de imagens’”. Esse apetite se satisfaz atualmente – e numa medida em que nunca

antes se havia dado – não por aquilo que chamamos correntemente “arte”, segundo as ideias que

adotamos. A necessidade de imagens se vê satisfeita na atualidade pelas fotografi as e o cinema17.

Sobre isso, Walter Benjamin (2000), ao meditar sobre a sua obra A obra de arte na era da

reprodução mecânica, acentuava que o que distinguia a obra de arte no período pré-industrial

era a sua “aura”. Essa aura que depende da autenticidade do objeto que estava efetivamente

minada e, talvez, banida para sempre pela invenção da fotografi a; a possibilidade, portanto,

de uma “experiência coletiva simultânea”; e a remoção da possibilidade da função do culto.

Quando a era da reprodução mecânica separava a arte de sua base no culto, a aparência da sua

autonomia desaparecia para sempre. “No instante em que o critério de autenticidade deixa de

aplicar-se à produção artística, a total função social da Arte é radicalmente modifi cada. Em vez

de fundar-se em um ritual, ela passa a fundar-se em outra prática – a política” (BENJAMIN, 1987,

p. 171-172). Na medida em que a técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador,

ela atualiza o objeto reproduzido. Esse processo resultou num violento abalo da tradição, que

constituiu-se numa crise e renovação da humanidade. Seu agente mais poderoso, segundo

Benjamin, é o cinema. Esse fenômeno é tangível nos grandes fi lmes históricos, de Cleópatra e

Ben Hur até Frederico, o Grande e Napoleão (Op. cit., p. 169).

16 BREST, Jorge Romero. Política artístico-visual em Latino-américa. Trad. A.A., Buenos Aires, Crisis, 1974, p. 34.17 BRECHT, Grosz P. Arte y Sociedade. Trad. A.A. Buenos Aires, Caldén, 1979, p. 17.

46disciplina 15

No entanto, Rancière analisa (2003) que a impessoalidade da criação anunciada pela

revolução técnica radicalizou a noção de autoria e transformou a arte em uma negociação

entre proprietários de ideias e de imagens. A propriedade não se dissolve na imaterialidade

da rede. Ao contrário, ela tende a pôr sua marca em tudo o que é suscetível de entrar na arte.

A modernidade literária e artística desde o romantismo esteve ligada ao desenvolvimento

do culto do autor, nasceu simultaneamente aos direitos de mesmo nome, simultaneamente

também ao individualismo da “revolução burguesa”.

Em consequência, tudo o que contradiz esse privilégio,

das imagens em série de “stars” ou de produtos comerciais

da era pop às piratarias da era digital, tudo isso é posto na

conta de uma revolução pós-moderna que teria destruído, se

não os direitos jurídicos da propriedade, ao menos as ilusões

modernistas da originalidade artística associadas ao mito do

autor proprietário18.

Certamente é por isso que a autobiografi a, que faz coincidir as duas propriedades, adquire

tanta importância na arte de nosso tempo, exemplifi ca o autor. 

Arte para quê?

Mas o revolucionário e teórico marxista, Plekhanov, expressa, na abertura de seu livro,

que “a sociedade não foi feita para o artista, mas o artista para a sociedade”. Em função da

origem da sua própria natureza, “A arte deve contribuir para o desenvolvimento da consciência

humana, para a melhoria do regime social”19.

As profundas mudanças produzidas pela mecanização transformariam necessariamente a

natureza da apercepção nas artes. Marcel Duchamp (1986) acredita mais nos artistas do que na

arte. O artista pode acumular referências literárias, visuais, econômicas, políticas e fi losófi cas.

Isso, sem perder de vista o fi o positivo do seu raciocínio que pode ser considerado como fé,

18 Artigo de Jacques Rancière intitulado “Autor morto ou artista vivo demais?”, publicado no dia 6 de abril de 2003 na Folha: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0604200308.htm.19 PLEKHANOV, George. A arte e a vida social e cartas sem endereço. Trad. Eduardo Sucupira Filho. São Paulo, Brasiliense, 1969, p. 11.

47disciplina 15

uma vez que as mediações do artista sobre a natureza do seu universo permanecem

sendo uma fonte valiosa de informações e inspiração, embora as decisões que acabem por

delinear a sociedade no futuro possam chegar através da tecnologia, (Op. cit., p. 25) “elas

deverão ser baseadas no mesmo critério de respeito e apreciação pelas capacidades humanas,

pela liberdade e pela responsabilidade que prevalecem na Arte”.

A historiadora Aracy Amaral analisa que os eventos de maio de 1968 fi zeram ressurgir, na

França, um debate renovado sobre as relações arte-sociedade. Segundo Amaral, foi produzida

uma vasta bibliografi a desde então, a partir dessas inquietações e refl exões. Porém, Amaral

(2003) lembra que alguns críticos já haviam escrito que a arte contemporânea é um tipo de

manifestação que gradativamente se faz por um grupo cada vez menor para um grupo cada

vez mais estreito de fruidores. É o fenômeno ao qual se referia Dufrenne ao dizer que: “A arte

arrisca tornar-se, como já se o disse, ‘uma arte de rejeição’: uma arte para iniciados; nova

segregação: o elitismo do bom gosto é substituído pelo elitismo do bom saber; o prazer que

usufrui na exegese do objeto é ainda um prazer refi nado e de refi namento” (In DUFRENNE,

1974, p. 10).

Historiando o divórcio entre arte e sociedade, Plekhanov (1969) lembra como, no século

passado, “Converter a arte em algo útil era, a juízo deles (artistas), obrigá-la a servir àqueles

mesmos burgueses que tanto desprezavam”. Segundo ele, parnasianos e realistas franceses,

sentiam desprezo pela sociedade burguesa que os rodeava e eram partidários da arte pela

arte.

Contudo, depois da revolução de 1848, Baudelaire “qualifi cava de pueril a teoria de arte

pela arte e proclamava que a arte devia perseguir fi ns sociais”. Quando surge a tendência

utilitarista da arte? Um debate que não é tão novo. Plekhanov conclui: “A tendência à arte pela

arte dos artistas e das pessoas que se interessavam vivamente pela criação artística surge à

base de seu divórcio irremediável com o meio que os rodeia.” E no caso oposto diz:

A chamada concepção utilitarista da arte, isto é, a

tendência a atribuir às obras a signifi cação de uma avaliação

dos fenômenos da vida, e o alegre desejo – que sempre

acompanha dita tendência – de participar das lutas sociais,

surge e se fi xa quando existe simpatia recíproca entre uma

48disciplina 15

parte considerável da sociedade e das pessoas que sob forma

mais ou menos ativa se interessam pela criação artística

(PLEKHANOV, 1969, Item 11, p. 24).

Nesse diálogo com os diversos autores acerca do tema Arte e Sociedade, é interessante

considerarmos também as refl exões feitas pelo fi lósofo Howard Press. Para ele, se a história

deve ser lida como uma série de lutas de classes, toda a história anterior é essencialmente

a história da Arte, concluindo que a criação de qualquer objeto estético é necessariamente

revolucionária e, na verdade, todo o processo de trabalho é um processo de arte. O signifi cado

revolucionário da experiência estética é “tornar visível a Beleza no mundo”. Contudo, a crença

de que a beleza está contida em objeto comerciável “[...] é uma pressuposição de vida

alienada, a ‘alienação artística’ que tem substituído a alienação religiosa como a originária

alienação cultural da vida moderna. A mais expressiva e apropriada atividade do homem... é a

construção da Beleza” (PRESS, 1986, p. 192).

Com base em Marx (2008; 2012), Press (1986) afi rma que o objeto pode ser consumido

por três maneiras essenciais. Pode ser consumido como meio de subsistência: comido, no

caso fundamental. Ou pode ser consumido como meio de produção, como instrumento ou

máquina, como um objeto usado para produzir outros objetos. Ou pode ser consumido como

um objeto estético, como pintura, escultura, música. Nos dois primeiros casos, e acima de

tudo no caso do alimento, o objeto consumido é gasto e perdido para o seu sujeito.

Nesse caso, ele levanta o grande dilema do homem prático, que o objeto de sua necessidade,

satisfazendo-a, torna-se perdido para ele. Em um caso extremo, é o dilema do trabalhador no

sistema capitalista a raiz de parte da ira de Marx contra o sistema capitalista de produção.

Porque o trabalhador consome apenas meios de subsistência que desaparecem e devem ser

diariamente substituídos por um trabalho pesado. Enquanto que o capitalista, alimentando o

trabalhador, consome trabalho-poder que cria novos valores, produtos para a venda, e gera a

riqueza sempre crescente daquele capitalista.

“Assim, logo que eu consumo os meios de subsistência eles estão irremediavelmente

perdidos para mim” (Op. cit., 1986, p. 193). Apenas pelo modo estético de consumo, como

escreve Marx, os sentidos se relacionam com a coisa pelo bem da coisa, o objeto não é gasto.

parte considerável da sociedade e das pessoas que sob forma parte considerável da sociedade e das pessoas que sob forma

mais ou menos ativa se interessam pela criação artística mais ou menos ativa se interessam pela criação artística

(PLEKHANOV, 1969, Item 11, p. 24).(PLEKHANOV, 1969, Item 11, p. 24).

49disciplina 15

Na verdade, enquanto consumido, o valor do objeto aumenta. É nesse sentido de ser

consumido esteticamente, que o objeto se torna um objeto social, apto, a ser consumido por

todos. Assim Marx (2008) escreve sobre um “reino de liberdade” que começa apenas onde o

“reino da necessidade”, o reino econômico, termina.

A revolução estética

E é aí, na vida produtiva primária, na vida nutritiva (o consumo do alimento) que Marx

deseja trabalhar a sua revolução. E assim sonha, não apenas em “encurtar o dia de trabalho”,

deixando-o livre para a cultura, de modo a elevar a própria função econômica ao nível

estético, unindo, subjetiva e objetivamente, a sensualidade oral e estética, a cultura material e

estética. E esse é o sonho verdadeiramente utópico, o verdadeiro sonho marxista. A cultura,

que é o meio de vida do homem, é uma cultura apenas arbitrariamente dividida em cultura

material, cultura estética e cultura intelectual. Esta é uma perspectiva de revolução que afeta a

sensualidade e onde “necessidade e contentamento perdem seu valor egoísta e a natureza, a

sua mera utilidade, em que objeto é apenas um meio, não tem valor em si próprio, devolvendo

ao sujeito o poder de se relacionar com tal objeto, o poder defi nitivo da vida humana”.

É uma Revolução Estética, porque a estética, como Kant (1951) mostrou, é precisamente o

modo de experiência que ultrapassa, no sujeito, todo o egoísmo, “privatismo”, posse exclusiva

e, no objeto, a mera “instrumentalidade”. E também a Revolução Ecológica e a Revolução

Sexual, suplantando o homem explorador e a natureza explorada.

A multiplicação de pães e peixes

Ora, esse sonho utópico, esse sonho de consumo social – o sonho bíblico, como fi cará

claro, dos pães e dos peixes –, pode na verdade se concretizar no “socialismo científi co”. Mas

ele só pode ser concretizado apenas na premissa do Homem Estético, a potência estética do

animal humano.

“Para tornar o homem moral”, como escreveu Schiller (1995), “é preciso, primeiro, torná-lo

estético.” O autor afi rma que este milagre na verdade não se dará todos os dias, somente

de forma transitória. Ele acontece na amizade, na camaradagem, no amor, em condições

em que assumimos juntos não apenas alimentos, mas nos consumimos uns aos outros.

É, portanto, assumindo uma mutualidade e uma reciprocidade, que na sociedade apenas

50disciplina 15

excepcionalmente se obtém que os pães e os peixes se multipliquem e que ninguém seja

diminuído. O homem produz a si próprio pelo consumo de alimento e de outros produtos

da cultura.

Por conta disso, podemos concluir que na sociedade, onde a maioria dos homens

produzem-se a si próprios apenas por meio dos mais enfraquecedores dos meios (“salário

mínimo”, “iniciativa privada”, “fi nalidade lucrativa”), é o artista que preeminentemente se

oferece em público para ser comido por nós. “Eu sou alimento, consuma-me”. E na sociedade

e na má sociabilidade em que vivemos, na maior parte das vezes, à custa dos outros, este

amor é na verdade autossacrifício.

Na sociedade futura, a sociedade dos artistas, onde cada homem e mulher é um artista,

“o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”,

essa mutualidade, essa antropofagia, será a regra e não a exceção; será, isto sim, o princípio

espontâneo da vida social (PRESS, 1986, p. 196). Para que o objeto seja humanamente meu,

como diz Marx, e preciso que ele deixe de ser minha propriedade particular, exclusiva. A fi m

de que o objeto se torne meu, é preciso que ele se torne um objeto estético, apto em princípio

a ser usufruído por todos. É apenas assim que posso fazer dele um presente.

E isso, como Kant viu, é o signifi cado da beleza, de cores, porque a beleza é, na experiência

sensorial, o que é compartilhado, “o que é representado como um objeto de satisfação

universal”.20

Todo processo de trabalho é um processo de arte

Nesta concepção que acabamos de ver tudo depende da beleza. O homem torna-se o Homem

Estético, porque ao agir no mundo externo e mudá-lo, o homem, ao mesmo tempo, muda a sua

própria personalidade. Na verdade, qualquer produção de um objeto, qualquer práxis humana é

de fato revolucionária, porque produz, juntamente com o objeto, como mostrou Marcuse, “o que

é” e o “que podia ser”.21 Produz, em resumo, imaginação. Todo o processo de trabalho é, portanto,

um processo de arte. Assim Marx escreve: “Ao fi m de cada processo de trabalho, alcançamos um

resultado que já existia na imaginação do trabalhador no seu ofício” (PRESS, 1986, p. 198).

20 KANT, Emanuel. Critique of Judgment. Nova York, Hafner Publishing Company, 1951. p. 45.21 MARCUSE, Herbert. Negations. Boston, Beacon Press, 1968, p.121, citado por PRESS, 1986.

51disciplina 15

No entanto, a beleza não é um objeto, como nas formas da associação humana, que são

mediadas por objetos. A beleza não é algo estável, como diz Whitehead: “o perpétuo perecível”.

Na verdade, a presunção de que a beleza está nos objetos – objetos de museus, mercadorias

comerciáveis, compradas e vendidas, criadas por uma cultura especial de homens e mulheres

– é uma presunção da vida alienada, a “alienação artística” que tem substituído a alienação

religiosa como a originária alienação cultural da vida moderna. Nesta alienação artística, a Arte,

como o dinheiro, “assume a qualidade de coisa material, [...] externa ao homem”.

Em tal objeto, o homem torna-se “perdido”. E “é apenas quando o objeto tornou-se o objeto

humano, ou a humanidade objetiva, que o homem não se perde nele.” Assim, a construção

prática de um mundo objetivo, que é a atividade-espécie do Homem, é a construção da beleza

(PRESS, 1986, p. 201).

Como vimos, a arte está ligada aos fatores históricos, políticos e sociais. Pela arte,

pensamentos tomam forma e ideais de culturas e etnias se fazem representar na sociedade.

Assim, o conceito de arte está ligado à história da humanidade, porém não está preso

necessariamente a determinado contexto, é essencialmente mutável. Possivelmente, no

passado fosse difícil pensar em uma arte digital, ou no desenvolvimento de uma ciberarte

(manipulação das novas tecnologias e mídias atuais para a construção de objetos artísticos),

mas na atualidade esse fator é determinante para compreendermos a arte num sentido mais

amplo e completo.

Tudo passa pelas tecnologias e a humanidade está marcada pelos desafi os políticos,

econômicos e sociais decorrentes de uma nova confi guração da realidade, em que diferentes

campos da atividade humana estão utilizando intensamente as redes de comunicação

e a informação computadorizada.22 Afi nal, aposentamos o walkman e ouvimos canções

compactadas em memórias que armazenam texto, som ou imagem; vivemos a simultaneidade e

o vídeo virou objeto do passado. Hoje se fala de interatividade, conectividade, instantaneidade.

Como bem disse Jacques Rancière, a efi cácia da arte procede de uma desconexão entre

o sentido artístico e os fi ns sociais que se haviam destinado os objetos, chamando essa

desconexão de dissenso. Ele não entende por dissenso o confl ito entre ideias ou sentimentos,

22 Artigo “A arte e sua infl uência na sociedade e na cultura”, publicado por Fernanda Mayra no dia 27 de janeiro de 2012 no Portal Educação: http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/10635/a-arte-e-sua-infl uencia-na-sociedade-e-na-cultura.

52disciplina 15

é o confl ito de muitos regimes de sensorialidade (RANCIÈRE, 2009, p. 66). E este ponto nasce

do vínculo da arte com a política.

Para esse autor, a arte tem que ver com a política por atuar “em uma instância de

enunciação coletiva que redesenha o espaço das coisas comuns”. A experiência estética, como

experiência de dissenso, se opõe à adaptação mimética ou ética da arte com fi ns sociais.

Mesmo sem funcionalidade, as produções artísticas são possíveis, fora da rede de conexões

que fi xam um projeto pré-estabelecido, fazendo com que os espectadores voltem sua

percepção, seu corpo e suas paixões para algo distinto da dominação. A efi cácia praticável da

arte é, segundo Rancière, uma “efi cácia paradoxal”: não surge de uma suspensão da distância

estética, senão da suspensão de toda a relação determinável entre a intenção de um artista,

uma forma sensível apresentada em um lugar de arte, o olhar de um espectador e um estado

de comunidade (RANCIÈRE, 2009, p.73). A política e a arte, portanto, constroem “fi cções”, isto

é, rearranjos materiais dos signos e das imagens, das relações entre o que se vê e o que se diz

e entre o que se faz e o que se pode fazer.

Nessa direção, defende o reconhecimento de que os anônimos trazem em si uma arte.

Para isso, é preciso que se tomem as coisas ao inverso. Para que as artes mecânicas possam

dar visibilidade às massas ou, antes, ao indivíduo anônimo, elas precisam primeiro ser

reconhecidas como artes e não como técnicas de reprodução e difusão. O mesmo princípio

confere visibilidade a qualquer um e faz com que a fotografi a e o cinema possam ser artes

(Op. cit. 2009, p. 47).

Pode-se até inverter a fórmula: porque o anônimo tornou-

se um tema artístico, sua gravação pode ser uma arte. Que o

anônimo seja não só capaz de tornar-se arte, mas também

depositário de uma beleza específi ca, é algo que caracteriza

propriamente o regime estético das artes.

Torna-se necessário, portanto, quebrar com as hierarquias. O regime estético das artes é

a ruína do sistema da representação, em que os temas seguiam uma hierarquia dos gêneros

de representação (tragédia para os nobres, comédia para a plebe; pintura de história contra

pintura de gênero etc.). O sistema de representação defi nia, com os gêneros, as situações e

formas de expressão que convinham à baixeza ou à elevação do tema. O regime estético das

53disciplina 15

artes desfaz essa correlação entre tema e modo de representação. Essa revolução acontece

em primeiro lugar na literatura.

Que uma época e uma sociedade possam ser lidas nos

traços, vestimentas ou gestos de um indivíduo qualquer

(Balzac), que o esgoto seja revelador de uma civilização (Hugo),

que a fi lha do fazendeiro e a mulher do banqueiro sejam

capturadas pela mesma potência do estilo como “maneira

absoluta de ver as coisas” (Flaubert), todas essas formas de

anulação ou de subversão da oposição do alto e do baixo não

apenas precedem os poderes da reprodução mecânica. Eles

tornam possível que esta seja mais do que uma reprodução

mecânica (RANCIÈRE, 2009, p. 48).

Para que um dado modo de fazer técnico – um uso das palavras ou da câmera – seja

qualifi cado como pertencendo à arte, é preciso primeiramente que seu tema o seja. Na

imagem fotográfi ca de uma vendedora de peixes, Walter Benjamin captou em 1996 o advento

da representação da fi gura anônima, retratando o mundo sob outros enfoques. Benjamin

mostrou como a fotografi a havia se tornado arte ao renunciar a compor quadros, para

apropriar-se da imagem dos anônimos. A fotografi a da pequena pescadora de New Haven, diz

ele, fez mais pela glória do fotógrafo e pintor escocês David Octavius Hill do que suas grandes

composições pictóricas.

Não foram, portanto, os temas etéreos e a arte da pintura que asseguraram o estatuto da

arte fotográfi ca, mas sim a aceitação do qualquer um. Segundo aquele autor, a revolução técnica

vem depois da revolução estética, mas a revolução estética é, antes de tudo, a glória do qualquer

um, que está ligada à pintura e à literatura, antes de ser fotográfi ca ou cinematográfi ca. Desse

modo, a fotografi a pôs-se na esteira de uma revolução literária, associada à impessoalidade

captada da linguagem, do sonho e da vida dos indivíduos comuns.

O culto da arte nasceu, portanto, com a afi rmação do esplendor do anônimo. Rancière

(2009) lembra que gerações de fotógrafos fi zeram arte captando, nas ruas das grandes

metrópoles, as festas de bairro ou então cenas populares, as ocupações cotidianas ou os

prazeres extraordinários dos anônimos.

54disciplina 15

Hoje, esses anônimos são chamados a fazer-se reconhecer, a reclamar, em vez da imortalização

da arte, direitos mais tangíveis sobre a propriedade da imagem que lhes foi subtraída.

Figura 23: Jacaré dos Patins no Largo da Carioca.Fonte: Foto divulgação de Gustavo Malheiros: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/11/exposicao-fotografica-apresenta-os-anonimos-famosos-do-rio.html

“Sou uma das primeiras transexuais de Cuba. Embora não pareça, tenho 49 anos. Na

infância, meu pai me batia muito por isso. Não cheguei a conhecer minha mãe. Aos 12 anos,

não suportei mais a violência e saí de casa.”

Figura 24: Transexual cubana pioneira.Fonte: Habana Humana (Havana Humana), mantida por Gabriel Guerra Bianchini, que retrata anônimos cubanos23

23 Consultar o site: http://igay.ig.com.br/2015-04-25/perfi l-retrata-mulher-transexual-nas-ruas-de-cuba.html

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Figura 25: “Anônimos famosos” - Mulher de Branco, Seu Francisco das Rosas e Marquinhos Estopa.Fonte: Foto divulgação de Gustavo Malheiros: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/11/exposicao-fotografi ca-apresenta-os-anonimos-famosos-do-rio.html

Figura 26: 250 cartazes com rostos anônimos afi xados nas ruas de Aveiro, em Portugal. Fonte: Rui Cunha, Diário de Aveiro, 12 de agosto de 2012. Autor da imagem: DR

56disciplina 15

Jean Macedo tem 18 anos e, desde os 11, passa, em média, seis horas por dia em um

sinal de trânsito. Ele tem 40 segundos de espetáculo: restam mais 20 segundos para passar

o chapéu enquanto o sinal está fechado para os carros. Entre uma cena e outra, o intervalo

é de apenas 1 minuto. E tudo começa outra vez. Ele repete este ciclo aproximadamente 400

vezes por dia.

Figura 27: Malabarista em sinal de trânsito.Fonte: Site G1 (2014)24

Considerações Finais

Desse longo embora resumido percurso que fi zemos em torno desta disciplina Arte e

Sociedade, buscamos apresentar aos gestores e agentes culturais deste curso para além das

signifi cativas mudanças ocorridas ou anunciadas pelos caminhos das artes, assim como de

importantes artistas que marcaram os diferentes períodos, bem como de seus impactos e

relações na vida social, histórica, política e cultural, a grande motivação que nos move, nesse

caso, é discutirmos acerca da dimensão da existência humana que está na base de toda essa

criação.

É possível identifi car nessa trajetória, portanto, que há uma fi losofi a e uma ciência da Arte

que compreende questões profundas para se analisar as diferentes mudanças ocorridas no

24 Consultar o site: http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2014/04/artistas-de-rua-utilizam-espaco-publico-em-busca-de-reconhecimento.html.

57disciplina 15

comportamento da sociedade, no pensamento de uma época e seus rebatimentos, sendo

impossível dissociar Vida e Arte.

A partir daí, podemos também analisar as mudanças que atravessamos no estatuto da

arte, do artista, da obra e da autoria, ou das distâncias rompidas entre ator e espectador, uma

vez que a arte tem seus códigos próprios e especifi cidades, assim como em qualquer área.

Porém, a questão central que buscamos refl etir, com base nessa leitura e referenciada

no diálogo com diferentes autores, é que estamos atravessados por esse campo sensível,

simbólico.

Trazemos uma imensa bagagem de sentidos, que, se estimulados, são capazes de fazer

profundas transformações, individuais e coletivas. Menos pela intenção de ocuparmos o foco

da centralidade e atingirmos o fugaz e individualista protagonismo das luzes, dos holofotes,

dos espaços de poder, de produção e do consumo de mercadorias.

Muito pelo contrário, na condição de criadores e inventores de mundos, somos parte de

uma história que é multifacetada e que é escrita por muitas vozes, tons e mãos. E a criação

pressupõe o risco e a incerteza do que ainda será inventado.

E, como vimos, da pré-história aos dias de hoje, das pinturas rupestres, da antiguidade, aos

grafi tes, e poderíamos também mencionar os raps, funks, repentes e passinhos dos nossos

dias; da genialidade reconhecida de alguns grandes artistas ou da grande maioria, igualmente

geniais, que permanece no ostracismo, como lembrou Duchamp, ou ainda dos anônimos que

fazem arte nas ruas, nos sinais de trânsito, no metrô ou nas portas de lojas, a verdade é que o

teatrólogo Augusto Boal tinha razão: de alguma forma, todos somos artistas.

58disciplina 15

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25 Fonte: Portal Educação: http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/10635/a-arte-e-sua-infl uencia-na-sociedade-e-na-cultura#ixzz3mOMVAzdN. Consulta em 20/11/2012.